V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
08 a 10 de setembro de 2011
UFS – Itabaiana/SE, Brasil
OMISSÃO OU DEPENDÊNCIA? UMA ANALISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL
INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Liliana Aragão de Araújo1 (UFS)
1 - INTRODUÇÃO
As relações familiares atuais são um campo fértil para as pesquisas no âmbito das
Ciências Sociais, pois elas possibilitam a análise de vários aspectos da formação da sociedade,
já que a família é o primeiro ciclo social do qual o indivíduo participa.
No âmbito da violência familiar e doméstica, a dificuldade da família em lidar com
essa problemática é instigante, pois esses problemas não são debatidos no seio familiar. No
que se refere à violência sexual intrafamiliar contra jovens e crianças, Cohen e Gobetti (2000)
analisam o agravante de ser o incesto algo intimamente ligado ao proibido. Dessa forma, a
discussão sobre ele permeia a ideia de tabu, o que dificulta seu esclarecimento em função da
família ser um território sagrado-privado. Mesmo quando se estuda épocas mais remotas,
percebe-se que essa prática já era severamente censurada. Mead (1988) esclarece que, nas
sociedades primitivas onde ela trabalhou, as práticas incestuosas eram condenadas
violentamente.
No âmbito das políticas públicas, o que se observa é uma crescente preocupação dos
governos democráticos no que se refere ao incesto. Casos desse tipo deixam a população
estarrecida e, de certa forma, possibilita a aumento das denúncias, já que é um crime civil e
moralmente reprovado. Contudo, na esfera da família, ele ainda é um crime que se mantêm
em segredo, caracterizado por ser um ato realizado na esfera privada.
Como o ato violento está inserido no seio da família, entende-se que seu conceito é
fundamental nessa discussão. No campo legislativo, a família é definida objetivamente pela
Constituição Federal – CF, que a define como “comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes” (art. 22 §4º). Já o reconhecimento de União Estável, trata-se apenas da
1
Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Gestão e Organização em Políticas
Sociais, atualmente cursando o mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe, bolsista CAPES. E-mail:
[email protected].
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união entre homem e mulher. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal aprovou em 2011 a
união estável entre casais do mesmo sexo, mas a CF ainda não foi alterada.
Recentemente, a legislação avançou muito na proteção à família principalmente no
que diz respeito à criança e ao adolescente. A Constituição Federal de 1988 afirma que “a
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226) e complementa ao
atribuir a ela, a sociedade e ao Estado o dever de garantir, com absoluta prioridade, direitos à
vida, à saúde, à alimentação, dentre outros. Além disso, é fundamental ressaltar que é dever
desses mesmos órgãos garantir a esse segmento a proteção contra negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069, criado em 13 de julho de 1990,
foi um marco para a legislação brasileira contemporânea. Ele reconhece a criança e o
adolescente como sujeitos de direitos que possuem prioridade absoluta nas políticas públicas e
estabelece proteção integral a eles.
Antoni e Koller (2000) esclarecem que o termo família utilizado pela literatura
encontra seu conceito decorrente de teorias da Antropologia, Sociologia ou Psicologia. Os
autores demonstram três tipos de vínculos a partir das definições antropológicas: “o
cosanguíneo (entre irmãos), de aliança (marido e esposa) e de filiação (pais e filhos)” No
campo da Sociologia, os autores esclarecem que as definições de família estão centralizadas
da seguinte maneira: “família nuclear ou de orientação (composta por pai, mãe, os irmãos e as
irmãs), família de procriação (formada pela pessoa, seu marido/esposa, filhos), entre outras
configurações”.
Dessa forma, é prioridade deste artigo, a partir de debates teóricos, as formas de
violência sexual cometidas contra crianças e adolescentes no espaço intrafamiliar, objetivando
interpretar como as mães dos indivíduos vitimizados2 enfrentam essa problemática.
Sendo a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes um problema
que emana várias outras dificuldades, propõe-se aqui o questionamento de a família, de modo
específico as mães, está sendo omissa/passiva à violência sexual enfrentada pelos seus filhos.
Esta omissão/passividade é decorrente da dependência financeira que as genitoras possuem?
2
A opção por tratar as crianças e adolescentes que sofrem violência sexual como indivíduos vitimizados, e não vitimas, referese ao entendimento do que o Centro de Referencia, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (CECRIA) analisa que o
sujeito tem a capacidade de compreensão e reação. Ele é um sujeito vitimizado e não um objeto-vitima;
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De que modo elas enfrentam o problema de ver seus filhos serem vitimizados pela violência
sexual intrafamiliar? E, no entendimento dessas mães, seus filhos são vitimizados ou
culpados?
No que tange à metodologia proposta, a discussão se fundamenta a partir de análises
bibliográficas de trabalhos já realizados sobre o tema proposto, buscando a partir de então
responder o problema sugerido. Portanto, os instrumentais utilizados foram: livros, artigos,
manchetes de jornais e sites.
A justificativa dessa discussão se fundamenta na análise das relevâncias teórica e
social do tema. Sendo assim, a realização dessa discussão é fundamental em função de ela
congregar textos que nortearão a análise da violência sexual infanto-juvenil.
O referencial teórico utilizado para a discussão deste artigo se baseia nos estudos de
gênero e família por entender que o abuso sexual sofrido não só recai sobre a responsabilidade
da família como também está pautado em relações sociais que fundamentam-se em relações
patriarcais de dominação.
Segundo Araújo (2002), a violência doméstica e familiar pode ser apresentada sob a
perspectiva de três tipos: a violência intrafamiliar, que designa a cometida contra parentes
que coabitam ou não; a violência doméstica, que não está vinculada a laços sanguíneos e
familiares, mas à convivência no espaço doméstico, e a violência contra a mulher, que não se
restringe ao ambiente doméstico, mas sim a vínculos de afinidade dentro ou fora da
residência. Araújo então esclarece:
Violência intrafamiliar designa a violência que ocorre na família,
envolvendo parentes que vivem ou não sob o mesmo teto, embora a
probabilidade de ocorrência seja maior entre parentes que convivem
cotidianamente no mesmo domicílio. A violência doméstica, por sua vez,
não se limita à família. Envolve todas as pessoas que convivem no mesmo
espaço doméstico, vinculadas ou não por laços de parentesco. E a violência
contra a mulher, embora ocorra frequentemente no espaço doméstico e
familiar, não se restringe a ele. É perpetrada por parentes e nãoparentes,
dentro e fora do domicílio. (ARAÚJO, 2002, p.5)
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Saffioti , uma das teóricas marxistas e feministas do Brasil contemporâneo, aborda e
entende a violência contra a mulher com base na ideologia patriarcal. Ela propõe no texto
“Quem mandou nascer mulher” (1997) o conceito de violência de gênero por acreditar ser
mais abrangente, ampliando o alcance do debate a crianças, adolescente de ambos os sexos e
mulheres. O alargamento dessa categoria é fundamental na discussão da violência contra
crianças e adolescentes porque possibilita o entendimento de que não só existem homens
agressores, mas também mulheres que agridem essa categoria. Muito embora, segundo a
autora, não são as mulheres quem comentem violência sexual.
A autora apresenta características para a violência de gênero. A primeira refere-se ao
que denomina de “fatores condicionantes”, os quais estão ligados a “contradições da
sociedade patriarcal capitalista”. Tais fatores compreendem, por exemplo, a estrutura sócioeconômica, a discriminação contra a mulher, a ideologia machista e a educação diferenciada.
A segunda diz respeito a “fatores precipitantes” da violência, os quais são provocados por
circunstâncias do cotidiano familiar como, por exemplo, o uso de álcool e drogas.
A análise de Santos e Izumino (2005) frente à identificação das teorias que falam
sobre este problemática, é embasada na medida em que afirmam a existência de três
categorias teóricas sobre gênero: a primeira, denominada de “dominação masculina”,
determina violência contra as mulheres como forma de dominação da mulher pelo homem,
gerando em consequência a anulação da autonomia da mulher; a segunda corrente, intitulada
“dominação
patriarcal”,
“é influenciada pela perspectiva
feminista e marxista,
compreendendo violência como expressão do patriarcado, em que a mulher é vista como
sujeito social autônomo, porém historicamente vitimizado pelo controle social masculino”
(SANTOS e IZUMINO, 2005, p.2); a terceira, identificada “relacional”, relativiza as ideias
de dominação masculina e vitimização feminina, entendendo violência como uma forma de
jogo no qual a mulher não é “vítima” senão “cúmplice”.
Especificamente no que se refere ao fenômeno da violência baseada em gênero – do
tipo sexual e de homens contra mulheres –, parte-se do entendimento de que esta “conversão
de uma diferença” – no caso, entre os sexos – numa relação hierárquica de desigualdade,
3
Entre os primeiros trabalhos da autora que ilustram tal abordagem, ver Saffioti, Heleieth I. B. A Mulher na Sociedade de
Classes: Mito e Realidade. Petrópolis, Editora Vozes, 1976. Ver também Saffioti, Heleieth I. B. O Poder do Macho. São
Paulo, Moderna, 1987;
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utiliza-se da força ou coerção – conscientemente ou não – para atender a fins de dominação
masculina e subordinação, mesmo sob resistência feminina. Considera-se portanto como
violência “qualquer comportamento que visa controlar e subjugar outro ser humano pelo uso
do medo, humilhação e agressões emocionais, sexuais ou físicas” (CARDOSO, 1997, p.127).
Nesse sentido, estudos sobre violência de gênero apresentam-se como possibilidade de
ampliação e compreensão do fenômeno com vistas ao seu enfrentamento.
Entende-se, portanto, que violência sexual infanto-juvenil configura-se como uma
forma privilegiada de violência de gênero, pois “é imputada por uma pessoa adulta, mais
velha, mais experiente, com maior conhecimento e (no abuso incestuoso) que dispõem de um
grau elevado de confiança em relação à vítima” (SCHREINER, 2008, p.1-2).
Para Bourdieu (2010, p. 29), “o ato sexual é uma relação de dominação” , sendo esse
aspecto mais evidente no campo da violência sexual infanto-juvenil intrafamiliar porque além
da dominação existente da autoridade masculina sobre a família, há ainda a autoridade em
função de ser pai/avô/tio/irmão, ou seja, ela decorre de duas desigualdades: de gênero e
geração.
São apresentadas, então, duas hipóteses para essa discussão. A primeira está
centralizada na culpabilização da criança ou do adolescente que foram vitimizados. A
segunda atém-se à dependência financeira que a família do agressor possui.
Sendo assim, este artigo está estruturado da seguinte forma: no primeiro momento,
tratar-se-á sobre as relações familiares e conjugais, analisando textos que vão de períodos
mais remotos à contemporaneidade. Em seguida, será feita uma análise teórica das diversas
facetas da violência de gênero. Logo após, haverá um debate sobre pesquisas empíricas
relacionadas ao tema, as quais possibilitarão responder o problema, e por fim, será feito um
retorno aos pontos principais da problemática.
3 - UM COMENTÁRIO SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO
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Na sociológica clássica, a partir dos estudos de Weber sobre a dominação, observa
que a dominação/exploração feminina é fruto do patriarcalismo4, ou seja, de um sistema em
que apenas uma pessoa exerce a dominação em um meio familiar ou econômico amparado em
“regras hereditárias fixas”5. Cruz (2005) acrescenta que o patriarcado tem “em sua essência,
um sistema de dominação social, cultural, política, ideológica e econômica que explicaria o
uso indiscriminado da força de trabalho” (CRUZ, 2005, p. 38). Aguiar (1997) também
esclarece o papel do patriarcalismo nas sociedades:
O patriarcalismo como sistema de poder se caracteriza pela distância social
ímpar que separa o patriarca das condições de vida dos demais membros do
grupo doméstico. Outra marca desta forma de organização social consiste no
grau de dependência econômica e social que os membros do grupo
doméstico possuem em relação à autoridade familiar (AGUIAR, 1997, p.
173-174).
Observa-se então uma ligação entre o patriarcado e o capitalismo, que ocorre em
função do primeiro ser decorrente da cultura de dominação ocidental, ou seja, das diferenças
sociais entre os sexos e não das diferenças biológicas e, nesse espaço, o capitalismo se tornou
uma arma para o patriarcado, já que veio a confirmar essa discriminação através da divisão
sexual do trabalho6, que é uma característica do sistema econômico em que vivemos.
Nas últimas décadas, a situação da mulher na sociedade brasileira - em função dos
vários estudos e debates sobre o preconceito sofrido por elas - vem melhorando
consideravelmente. Contudo, algumas amarras ainda precisam ser quebradas, pois são as
mulheres que ainda estão nos piores cargos, que recebem os menores salários e são as maiores
vítimas da violência doméstica e sexual. Vale frisar que o olhar que a sociedade tem sobre as
pessoas vitimizadas pela violência sexual são muitas vezes visualizadas com um olhar
pejorativo, Costa (2008) observa que é sobre as mulheres vítimizadas que mais recaem os
preconceitos sociais:
4
Cruz. Maria Helena Santana, 2005. Faz uma abordagem sobre a categoria trabalho em empresas extrativas do Estado de
Sergipe. Ela trás discussões sobre o conceito de patriarcado na teoria sociológica clássica para fundamentar seus argumentos;
5
Weber apud Cruz, 2005, p. 36;
6
“A divisão sexual do trabalho é uma categoria de analise marxista que procura explicitar as relações sociais de gênero e a
divisão sexual presente nas relações de trabalho” (CRUZ, 2005, p. 40);
6
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Aos crimes de origem sexual, quando são denunciados e chegam ao
conhecimento da instituição jurídica. Nestes casos, são frequentemente,
questionados pelos Operadores de Direito, no âmbito dos interrogatórios e na
montagem dos argumentos de acusação e defesa, que compõe a construção
da peça processual, valores morais e condutas sociais da mulher vítima do
crime sexual. (COSTA, 2008, p.123).
Os conceitos de violência são encontrados nas mais variadas áreas. Segundo Araújo
(2002), na literatura os conceitos de violência intrafamiliar, violência doméstica e violência
contra a mulher são utilizados para representar as violências ocorridas no ambiente doméstico
e familiar, podendo ser infringida contra crianças, adolescentes e mulheres.
De acordo com Faleiros & Faleiros (2007), é importante frisar a diferenciação entre
violência intrafamiliar e violência doméstica. Na primeira, os atores envolvidos possuem um
vínculo de parentesco, enquanto na segunda esse laço não é necessário, bastando apenas que a
violência seja praticada no espaço doméstico.
Como referido anteriormente, o conceito de violência de gênero é o mais pertinente
na discussão de problemas como os propostos por esse artigo. A violência de gênero é um
tipo especial de violência por manter preservadas características fundadas nas hierarquias e
desigualdades. Ela é produzida nas relações de poder, assim as autoras Saffioti e Almeida
(1995) esclarecem:
A violência de gênero tem duas faces: é produzida no interior das relações de
poder, objetivando o controle de quem detém a menor parcela de poder, e
revela a impotência de quem a perpetra para exercer a exploraçãodominação, pelo não-consentimento de quem sofre a violência. (SAFFIOTI e
ALMEIDA, 1995, apud ARAÚJO, 2002, p. 5).
Entende-se então a necessidade de analisar os crimes de ordem sexual por se tratarem
de crimes contra a dignidade e os direitos humanos. No que tange os crimes contra crianças e
adolescentes, o assunto é ainda mais agravante por serem pessoas em processo de
desenvolvimento que acabam tendo problemas de ordem psicossocial em função da violência
sofrida.
4 - OMISSÃO OU DEPENDÊNCIA?
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O questionamento que se faz é se as mães de crianças e adolescentes vitimizados
pela violência sexual intrafamiliar é permissiva, se a sua omissão à denúncia se dá em função
de ela acreditar que a culpa do ato violento é da criança e do adolescente atribuindo a eles
características sexuais provocadoras, ou ainda se isso ocorre em função de medo de perder o
provedor da família. Diante disso, analisamos alguns casos apresentados em jornais e em
pesquisas relacionadas ao tema do artigo.
De acordo com o Portal Infonet, apenas de janeiro a abril do ano de 2011 já foram
registrados 96 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Centro de
Referência da Assistência Social apenas na capital sergipana. Outro dado fornecido pelo site
diz respeito à caracterização dos agressores:
Em 88% dos casos de abuso infantil, o agressor faz parte do círculo de
convivência da criança. O pai (38% dos casos) é o agressor mais comum,
seguido do padrasto (29%). O tio (15%) é o terceiro agressor mais comum,
antes de algum primo (6%). Os vizinhos são 9% dos agressores e os
desconhecidos são a minoria, representando 3% dos casos.
Em 63,4% dos casos, as vítimas de abuso são meninas. Na maioria dos
casos, a criança abusada, independentemente do sexo, tem menos de 10 anos
de idade7.
Esses dados nos mostram que apesar do imaginário social acreditar que são os
padrastos os que mais praticam violência sexual contra crianças e adolescentes, a realidade é
são os pais que mais praticam esse tipo de violência. Esses dados são confirmados por
Rodrigues (2011) ao observar que 23% das crianças e adolescentes abrigados em Aracaju em
função da violência sexual foram vitimizados por seus pais e apenas 17% por padrastos.
Saffioti8 também corrobora com esses dados. Em sua pesquisa realizada em São
Paulo no período de 1993 a 1995, ela detectou que 71,5% dos casos ao agressores eram os
pais.
A manchete de capa do jornal Cinform de 25 de outubro de 2010 traz: “Virgindade
de filha de 11 anos é moeda de troca para crack”. Nesse exemplar, duas manchetes
7
Dados encontrados em http://www.infonet.com.br/noticias/ler.asp?id=113328&titulo=cidade acessado em 10 de agosto de
2011;
8
Disponível em: http://www.tjmt.jus.br/intranet.../Incesto_heleieth%20saffioti.doc acessado em 03 de agosto de 2011;
8
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apresentam a mesma temática: a primeira relata sobre a transação feita por uma mãe,
“prostituta e viciada”, que, em troca de crack, entrega sua filha de 11 anos a traficantes. A
outra intitula-se “Negligência de mães torna abuso sexual na infância ainda mais duro”.
Essas notícias nos proporcionam conhecimento da realidade da infância em Sergipe. Casos
como esses não são únicos nem pontuais. Pesquisas apontam a negligência de mães que se
calam quando seus filhos sofreram violência sexual por algum de seus familiares como um
dos principais agravantes da violência contra crianças e adolescentes.
O mesmo jornal relata que, na maioria dos casos de violência sexual infanto-juvenil,
as mães se calam por “medo” ou por “conveniência” e que essas características se justificam
em função de o agressor ser o provedor da família. No entanto, não são todas as mães que se
calam ao saber desses ocorridos. O mesmo exemplar relata também a historia de uma mãe
que, ao saber que a filha estava grávida do próprio pai, fez a denúncia à polícia. O detalhe da
historia é que esta mãe não coabitava com o genitor da menina, não havendo dependência
financeira.
Em pesquisa realizada nas casas de acolhimento de Aracaju sobre a reinserção de
crianças e adolescentes vitimizadas pela violência sexual9, constatou-se dificuldades na em
função de aspectos como: dificuldade em encontrar algum familiar que a aceite, permanência
do agressor na residência e a negação da violência sofrida.
Segundo esta pesquisa, as mães, em geral, negam a violência e atribuem ao agressor
características positivas ao passo que, às filhas, características negativas. Analisa-se que as
genitoras por vezes demonstram certa revolta com as filhas por acreditarem que elas causaram
a “destruição da sua família”, responsabilizando, assim, a criança e o adolescente, atribuindolhes características sexuais provocadoras.
A pesquisa demonstra também casos em que o próprio indivíduo vitimizado é quem
procura auxílio. Nesses casos, há uma revolta contra o agressor e a mãe omissa. Em uma
passagem do relato de uma Assistente social que atendeu a uma menina vitimizada, ela
informa que:
9
RODRIGUES, Sara Blandina de Alcântara. A reintegração familiar das crianças e das adolescentes vitimizadas pela violência
sexual: representações sociais dos técnicos das instituições de acolhimento do município de Aracaju/SE. Monografia de
Serviço Social, São Cristovão- SE, 2011;
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No caso de uma menina que já fez aborto 2 vezes, não tem como reinserir,
porque ela grita pra mãe na frente da gente: você é uma vagabunda, você é
uma prostituta, você é uma criminosa. Não sou eu que tenho que tá fora de
casa, E ela fala o tempo todo: você tá lá dentro, você sabe que ele me
estuprou, que eu engravidei dele e ele tá pegando minha irmã, vai pegar o
meu irmão. Você sabe disso e ninguém tira ele de lá. Por que é que tiram eu
e meus irmãos, e não tiram aquele vagabundo. Como é que você sabe disso e
você consente, você protege ele (p. 116).
A justificativa que muitas encontram para a omissão de casos de violência é a
dependência financeira. Claudia Fonseca (1987) nos mostra uma hipótese para a passividade
dessas mulheres: a ordem econômica. Ela argumenta que o homem tem privilégios no espaço
produtivo, enquanto muitas mulheres não têm acesso sequer ao salário masculino.
A hipótese proposta em Fonseca se confirma nos seguintes relatos:
Ele que é realmente o responsável financeiro pela aquela família, ai acaba
assumindo aquela questão, se ele sair de casa quem é que vai pagar as contas
como é que eu vou viver sobreviver. (Assistente social, apud RODRIGUES
2011, p. 116).
E acrescentam:
Ela depende financeiramente dele, [...] eu não vou deixar um homem bom
que me sustenta, eu não to trabalhando e ele é quem bota as coisas dentro de
casa (idem)
A fuga da denúncia em casos de abuso incestuoso pode ser identificada como saída
para manutenção da estrutura familiar. A dependência econômica e emocional de muitas
mulheres aos seus maridos e a consequente aceitação e/ou omissão com relação ao abuso
sofrido pelos filhos acabam deslocando a atenção e a culpa à figura feminina, seja ela mãe,
madrasta ou filha.
A dificuldade na identificação desses crimes tem origem a partir de relações
“interpessoais, assimétricas e hierárquicas, marcadas por desigualdade e subordinação”
(KOLLER 1999 apud ANTONI e KOLLER 2000, p. 352). Ela é fruto da garantia de silêncio
que o abusador possui. Ele compra o silêncio a partir de promessas, cumplicidade e até
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mesmo ameaças. Como em geral o abusador é alguém do convívio familiar da criança e do
adolescente, ele se beneficia da convivência com a família, possibilitando a não visualização
do ato.
Contudo, é importante salientar que a genitora também passa por momentos de
conflitos. Araújo (2002) informa que a mãe também vive em uma situação de conflito com a
possibilidade de seu companheiro estar abusando sexualmente de seus filhos:
A mãe, por sua vez, também vive uma situação de muita confusão e
ambiguidade diante da suspeita ou constatação de que o marido ou
companheiro abusa sexualmente da filha. Frequentemente nega os indícios,
denega suas percepções, recusa-se a aceitar a realidade da traição do marido.
Vive sentimentos ambivalentes em relação à filha: ao mesmo tempo que
sente raiva e ciúme, sente-se culpada por não protegê-la. Na verdade, ela
também é vítima, vítima secundária, da violência familiar. Negar, desmentir
a filha ou culpá-la pela sedução é uma forma de suportar o impacto da
violência, da desilusão e da frustração diante da ameaça de desmoronamento
da unidade familiar e conjugal. Pode acontecer também estar a negação da
mãe relacionada com uma cumplicidade silenciosa, muito frequente em
casais com conflitos sexuais, onde a criança ocupa um lugar (função sexual)
que não é dela, amenizando assim o conflito conjugal. Em qualquer das
situações, o desmentido materno, a afirmação de que nada aconteceu, é o
pior que pode acontecer a uma criança que denuncia o abuso sexual
(ARAUJO, 2002, p. 07).
Percebe-se então que as famílias que sofrem com violência sexual intrafamiliar são,
de modo geral, vitimizadas porque nesse momento a família entre em conflito. No entanto, é
sobre as crianças e os adolescentes que recaem o maior sofrimento. Eles passam por
sofrimentos de ordem psicossocial e necessitam de amparo e proteção das famílias, da
sociedade e do Estado. Tal sofrimento ainda é agravado quando as mães não acreditam em
seus depoimentos ou preterem o companheiro a sues filhos.
Santos e Dell’Algio (2008) argumentam que a interpretação que as mães têm dos
episódios de violência é decorrente da historia que elas também tiveram e esclarecem ainda
que “essas mulheres apresentam medo, dependência afetiva e financeira de seus
companheiros, e são submissas às ordens da família de origem” (p. 599). Dessa forma,
analisar problemas como a violência sexual intrafamiliar demanda um processo de pesquisa
exaustivo com uma forte analise de conjuntura porque, por trás do problema, existem vários
outros que necessitam ser analisados.
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5 - CONCLUSÃO
Diante das concepções e características inerentes à sociabilidade violenta, a violência
apresenta-se como um grave problema no que diz respeito ao núcleo intrafamiliar contra
crianças e adolescentes. Ela mostra sua face mais perversa e dolorosa porque tem graves
consequências psicológicas, familiares e sociais para os autores envolvidos. Entende-se,
portanto, que a violência é um dos pontos que demonstram o estágio de amadurecimento e
desenvolvimento no qual a sociedade se encontra.
No Brasil, vivíamos a falsa realidade de que o país estava imune a essa problemática
social. No entanto, ao longo dos anos, percebemos a forma discriminatória como são tratadas
as classes historicamente vítimizadas como negros, pobres, mulheres, idosos, crianças e
adolescentes. Essas discriminações são visíveis tanto no trabalho como na sociedade e em
muitos casos na própria residência.
Em se tratando de violência sexual, essa discriminação por vezes se torna
estarrecedora, já que em muitos casos, percebe-se que as pessoas violentadas são tratadas
como causadoras do delito. A violência contra a mulher, no Brasil, é desenvolvida em um
processo e naturalizada mediante a concepção de família e as normas de conduta morais e
culturais.
A questão da violência sexual intrafamiliar tem ligação direta com as questões
relacionadas à obtenção e/ou manutenção do poder. No entanto, acreditamos que a violência é
erroneamente relacionada a este, pois, ao contrário do que idealiza o imaginário social, a ela
destrói o poder.
O domínio das categorias evidenciadas na pesquisa, bem como o domínio dos
elementos que constituem o processo de violência sexual contra crianças e adolescentes, a
exemplo da relação de poder e de afetividade existente entre vítima e agressor, as construções
das identidades e as concepções sociais acerca do papel de crianças e adolescentes na
sociedade, orientaram a constituição do trabalho.
Diante da discussão que fora travada no decorrer do texto, percebe-se que as análises
de família, gênero e poder se imbricam na temática proposta por este artigo. É necessário
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ressaltar que a violência de gênero é a categoria mais apropriada para responder aos
problemas relacionados à violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes.
A discussão realizada frente às várias formas que a família foi se apresentando ao
longo do tempo é importante para entender como são alicerçadas as estruturas familiares
atuais. No campo da violência, esse entendimento é fundamental porque vai possibilitar
compreender as dinâmicas familiares geradoras de conflito.
Quando se avalia o papel das mães no centro da problemática da violência sexual
intrafamiliar, observa-se que elas são fundamentais na busca de solução para o problema. A
ação exercida por elas é que vai delinear como as crianças e as adolescentes irão enfrentar os
atos violentos praticados por seus agressores.
Dessa forma, percebe-se a necessidade de pesquisas voltadas ao papel da mãe nessas
relações. Alguns estudos informam que elas são passivas, outros que, na realidade, elas têm
medo de perder a segurança financeira que o agressor lhes possibilita, outras ainda ressaltam
que as mães não visualizam a violência em função do agressor ser alguém da confiança da
família. Logo, o que se observa nesse estudo é que o conflito decorrente da violência sexual
intrafamiliar é mais complexo do que se imagina, que envolve vários autores e outras tantas
problemáticas que não apenas a violência sexual.
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