FACULDADE DE MEDICINA UNIVERSIDADE DE COIMBRA SO 10 Hipercolesterolémia Familiar Bioquímica II 2009/2010 1. Explicar o caso clínico com fundamentos bioquímicos, colocando as questões para debate com os colegas, mas tendo a resposta preparada para uma síntese final. 2. Explicar o mecanismo bioquímico subjacente às alterações encontradas. 3. Rever o metabolismo do colesterol, nomeadamente o transporte por lipoproteínas e a sua regulação , no sentido da sua aplicação ao diagnóstico e intervenção terapêutica. •Indivíduo do sexo masculino • 15 anos • Apresenta xantomas nas palmas das mãos e no calcanhar do pé direito Colesterol total 20,2 mM N: 3,9-0,5 mM Triglicerídeos 1,9 mM N: 1,35-0,5 mM Colesterol-HDL 1,4 mM N: 0,35-0,5 mM Perante o quadro clínico é posta a hipótese de diagnóstico de hipercolesterolémia familiar. A electroforese das lipoproteínas plasmáticas mostra uma concentração elevada das LDL e HDL . Estudo lipídico dos progenitores: Colesterol total TG Pai 9,0 mM 1,3mM Mãe 8,7mM 1,0mM N (adulto) <5,12mM <1,6mM • Mais frequente e abundante esteróide dos tecidos animais • Pode existir na forma livre ou esterificada • Importância metabólica e estrutural • Carácter hidrofóbico • Circula no plasma agregado nas lipoproteínas. Excretado principalmente através dos sais biliares Importância do colesterol • Membranas celulares → regula a fluidez da membrana a diversas temperaturas e diminui a permeabilidade da membrana aos iões de hidrogénio e de sódio. • Vitamina D (derivado de esteróis) • Ácidos biliares • Hormonas esteróides (androgénios, estrogénios, glucocorticóides, mineralcorticóides) Biossíntese de Colesterol Lipoproteínas-Transporte •Estrutura micelar •Núcleo hidrofóbico •Periferia hidrofílica •Presença de apolipoproteínas Lipoproteínas • As lipoproteínas dividem-se em 5 classes consoante a sua densidade, dimensões, padrão de migração electroforética e composição proteica. Colesterol Colesterol esterificado Fosfolípidos 84 2 5 7 9 54 7 12 18 LDL 21 11 8 37 22 HDL 50 4 2 20 24 % Proteína TG Quilomicrons 2 VLDL Via endógena Transporte reverso • Dislipidémia genética Nível aumentado de colesterol LDL plasmático • Factores de risco: - Controláveis - Não controláveis • Doença genética onde os indivíduos apresentam níveis de colesterol elevado(LDL) desde o nascimento; • Provocada por inúmeras mutações possíveis (mais de 900) no gene do receptor de LDL • Patologia associada a uma deficiência no metabolismo lipídico como no transporte e metabolismo do colesterol; • Afecta igualmente os dois sexos • Sintomas característicos : xantomas Defeito na capacidade das LDL se ligarem aos receptores, sem inibição da síntese de colesterol LDL liga-se ao receptor Diminuição da colesterolémia Endocitose mediada por receptores Os ésteres de colesterol sao hidrolisados devido à acção do colesterol esterase Difunde-se para o citoplasma e inibe: -Enzima HMG-CoA redutase que catalisa a reacção limitante da biosíntese; - Reabastecimento de receptores LDL na superfície Produçao de colesterol livre e AG de cadeia longa • Os 2 genes alelos potenciam a manifestação desta doença, tendo um efeito superior à HF-heterozigótica. •A actividade do receptor LDL varia entre 25% e menos de 2%, em relação à normalidade. •O nível de colesterol total está frequentemente acima de 500 mg/dl e pode atingir 1000 mg/dl. O valor normal deverá estar abaixo de 200 mg/dl. •Sem tratamento, um doente desta patologia dificilmente ultrapassa os 20 anos de vida. •Muita rara (1/1 milhão) • No caso da HF heterozigótica, o tratamento com inibidores da HMG-CoA redutase e inibidores da absorção do colesterol pode ser relativamente eficaz. •No HF homozigótica, este tratamento não é suficiente. Uma solução poderia passar por transplante hepático mas, este para além de ser arriscado obriga ao uso de imunosupressores. •O tratamento mais indicado será na maioria dos casos a aférese do LDL, que permite a remoção das lipoproteínas do plasma. •Uma dieta pobre em gorduras (especialmente colesterol) é também muito importante. 1.Explique porque razão os níveis de colesterol são mais baixos nos progenitores do que no filho. Esta conclusão pode ser comprovada através dos valores das análises de diagnóstico complementares. Pais são heterozigóticos Filho homozigótico O colesterol é eliminado do sangue através de receptores das lipoproteínas de baixa densidade (LDL), os quais se encontram maioritariamente no fígado. Os pais, que sofrem também de hipercolesterémia familiar, têm uma mutação num dos genes do receptor das LDL e o outro gene normal (metade dos receptores LDL são funcionais). Ao ter só metade dos receptores funcionais, o colesterol das lipoproteínas de baixa densidade (LDLc) aumenta significativamente no sangue mas não tanto como no filho, uma vez que esse é homozigótico e possui pouca percentagem de receptores normais. 2. Que tipo de transmissão genética lhe é sugerida? Colesterol total: 9,0 mmol/L Colesterol total: 8,7 mmol/L Triglicerídeos: 1,3 mmol/L Triglicerídeos: 1,0 mmol/L Valores normais: Colesterol total (N: 3,90,5 mmol/L) Triglicerídeos (N: 1,35-0,5 mmol/L) Valores normais Colesterol total: 20,2 mmol/L Triglicerídeos: 1,9 mmol/L Valores ≈ 3x > normal Valores ≈ 5x > normal Valores ligeiramente > normal Hipercolesterolémia Familiar Transmissão Autossómica Dominante A. D. Clássica (HF) • HF forma heterozigótica: - níveis de colesterol 2 ou 3 vezes superiores ao normal - triglicerídeos normais • HF forma homozigótica: - níveis de colesterol 5 vezes superiores ao normal - Triglicerídeos normais ou ligeiramente elevados A. D. do tipo B • Níveis de colesterol superiores aos normais, mas inferiores aos registados em doentes de FH A. D. do tipo 3 • Sintomatologia semelhante à FH heterozigótica mas mais tardia Transmissão Autossómica Recessiva Hipercolesterolémia A. R. • Indivíduos com alterações lipídicas pouco significativas, homozigóticos severamente afectados com hipercolesterolémia elevada desde a nascença Os progenitores são heterozigóticos Manifestam hipercolesterolémia familiar As doenças de transmissão recessiva só se manifestam quando o gene alelo por elas responsável está em homozigotia. No nosso caso clínico, mesmo em heterozigotia, há manifestação da doença. Logo, a hipercolesterolémia é dominante. O gene mutado encontra-se no cromossoma 19, um autossoma, pelo que esta doença tem transmissão autossómica. J.M.D sofre de hipercolesterolémia familiar autossómica dominante clássica. Este herdou, de cada progenitor, um alelo contendo o gene mutado - o gene que codifica os receptores de LDL - sendo, assim, homozigótico dominante. Gene Mutado Gene não mutado 3. A Hipercolesterolémia Familiar é devida a mutações dos genes que codificam a síntese do receptor das LDL. Identifique, no esquema, as várias etapas onde a síntese de receptor pode ser afectada. O gene que codifica o receptor das LDL - O gene que codifica o receptor das LDL situa-se no braço curto do cromossoma 19 e compreende 18 exões. - Mutações em diferentes locais do gene condicionam alterações em diferentes domínios do receptor - Deste modo, diversas etapas da síntese podem ser afectadas de forma mais ou menos grave - A actividade do receptor pode variar entre 0-25% do normal Ao nível do Retículo Endoplasmático e Complexo de Golgi Retículo Endoplasmático Ribossomas Transporte para o Complexo de Golgi Não ocorrem transformações pós-traducionais essenciais para a funcionalidade do receptor Em termos da ligação do receptor às LDL - Ligação do receptor às LDL Ex.: alterações no domínio do receptor que liga as LDL - Internalização do complexo receptor-LDL Ex.: alteração no domínio responsável pelo recrutamento de clatrina e outras proteínas responsáveis pela endocitose (revestem as vesículas), vai inibir a internalização de LDL Enquanto à reciclagem dos receptores - Não ocorre reciclagem de receptores LDL - Estas mutações não impossibilitam contudo a existência destes elementos dado que são sempre sintetizados 4. Porque é que as concentrações séricas de LDL e HDL estão aumentadas ? Mutação nos genes que sintetizam receptor LDL Colesterol exógeno (dieta) Não há a endocitose de LDL LDL [colesterol celular] produção de colesterol endógeno LDL circulante LDL transporte de colesterol dos Função - HDL tecidos extra-hepáticos para o fígado Regular a concentração de colesterol na corrente sanguínea Impedindo assim a iniciação de processos arterioscleróticos Incluindo tecido endotelial das paredes das artérias efeito protector dos vasos sanguíneos. O facto de os seus níveis estarem elevados traduz a tentativa de reequilibrar os níveis de colesterol na corrente sanguínea. Transporte colesterol (intracelular extracelular) [colesterol celular] Promover a síntese de receptores Captar o LDL circulante 5. Acha que o doente corre o risco de desenvolver doença cardíaca coronária? Porquê? Forma heterozigótica •Doença vascular aos 30-50 anos •1 em cada 6 homens sofre de um ataque cardíaco aos 40 anos e dois em cada três aos 60 anos •1 em cada duas mulheres sofre de um ataque cardíaco aos 55 anos Forma homozigótica •Doença vascular na infância •Enfartes do miocárdio a partir dos 18 meses de idade. O excesso de LDL no plasma Remoção LDL pelo sistema de macrófagos Formação de Placas Arteroscleróticas Factores de crescimento e citocinas estimulam a proliferação de células musculares lisas e a produção de matriz extracelular gerando uma lesão fibrosa. Acumulação de células espumosas, algumas morrem por apoptose formando um centro rico em lípidos chamado núcleo necrótico. Instabilidade e ruptura da placa contacto de colagénio e do factor trombogénico expresso pelas células espumosas com os factores de coagulação do sangue activação das plaquetas e das vias de coagulação formação de trombos e estreitamento luminar Trombo oclusivo 2 Enfarte agudo do miocárdio 3 1 6. Como medida terapêutica poderia prescrever resinas sequestradoras dos ácidos biliares? Reabsorção de ácidos biliares no intestino (ciclo entero-hepático) Secreção de novos ácidos biliares Catabolismo do colesterol [Colesterol] no hepatócito: Actividade dos receptores LDL LDL endocitada HMG CoA Colesterol no hepatócito Resinas sequestradoras de ácidos biliares (colestiramina, colestipol, colesevelam) Actuam como bloqueante do ciclo EH Ocorre da [colesterol-LDL ] Efeitos secundários: - dor abdominal, obstipação, flatulência Impedem a reabsorção dos sais biliares ao nível do íleo A da [sais biliares] estimula a conversão de colesterol • • • • • • • • • • • • • • • http://www.aefml.pt/ http://www.christiananswers.net/portuguese/q-eden/genetic-mutations-p.html http://www.ess.ips.pt/escola/Bioquimica http://users.med.up.pt/cc04-10/biopatteoricas/Aula10_SusceptibilidadeCV.pdf HARRISON, Medicina Interna, 17ª edição, 2008, pp.2416-2429 Manual Merck de Saúde Para a Família,Oceano Grupo Editoral,S.A. http://www.unifesp.br/denf/NIEn/CARDIOSITE/insuf.htm LODISH, Harvey et al: Molecular Cell Biology, 5 edição , 2003 http://www.dq.fct.unl.pt/qoa/qpn1/2002/colesterol/anexo/bioss%C http://pt.wikipedia.org/wiki/Colesterol3%ADntese.htm LEHNINGER, ALBERT L. , COX , NELSON, KAY YARBOROUGH: Princípios de Bioquímica, 4ª edição, 2007 LONGE, Jacqueline L., The Gale Encyclopedia of Medicine, 3ª edição, pp. 1878-1880 http://www.manualmerck.net/ http://www.portaldasaude.pt/portal/ http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/