Unidade IV 5 Unidade IV 10 15 20 8 TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO 8.1 Definição e conceituação 25 Negociar é uma prática antiga e mais comum do que se pensa. 30 Negociamos muitas vezes em nossa vida. Estamos negociando não só quando compramos ou vendemos algo, nem esse ato se 35 restringe ao ambiente de trabalho. As crianças negociam bastante e sabem empiricamente como fazer, além de não temerem uma resposta negativa. Porém, quando crescemos, crenças e ideias equivocadas nos fazem pensar que só quem precisa saber negociar são os profissionais de vendas e grandes empresários. Ledo engano! Negociamos muito em várias situações profissionais e pessoais, seja a data de entrega de um trabalho, na resolução de um problema na escola dos filhos ou ainda para fechar um contrato de trabalho. Negociar não depende apenas de habilidades inatas. Técnicas desenvolvidas por especialistas e baseadas no comportamento humano e nas questões culturais podem ser aprendidas. E o mundo corporativo necessita que seus profissionais, de qualquer que seja a área, tenham condições de negociar, trazendo benefícios para o desenvolvimento da empresa como um todo. Esta unidade visa ajudá-lo a desenvolver habilidades de negociação por meio de técnicas que vão deixá-lo mais seguro no seu dia a dia profissional. 212 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO É importante deixar claro que negociar não é mesma coisa que pechinchar ou insistir em alguma coisa, tentando vencer a outra parte pelo cansaço. Existem diversas definições e visões sobre o ato de negociar que perpassam aspectos e enfoques dos mais diversos. Veja a seguir algumas definições clássicas reunidas por Martinelli e Almeida (1998): “negociação é um campo de conhecimento e empenho que visa à conquista de pessoas de quem se deseja alguma coisa” (Cohen, 2005). “Negociação é um negócio que pode afetar profundamente qualquer tipo de relacionamento humano e produzir benefícios duradouros para todos os participantes” (Nierenberg, 1981). Segundo Raiffa (1982), a negociação pode ser classificada em ganha/perde (os resultados de uma parte são prejudicados em detrimento da outra), ganha/ganha (resultado positivo para ambos os lados) e perde/perde (ambos os lados saem prejudicados). Acuff (2004) também apresenta sua definição para negociação: “uma coleção de comportamentos que envolve comunicação, vendas, marketing, psicologia, sociologia e resolução de conflitos.” Há quem defenda que negociar implica o desejo de conquistar alguém para se conseguir algo desejado, estabelecendo um processo de ganho de vantagem sobre a outra parte. Nesse caso em que o há o interesse de conduzir o processo de negociação para a obtenção de vantagens e ganhos específicos, o resultado pode ser uma negociação do tipo ganha/perde. Porém, diferentemente desse tipo de condução, o ato de negociar pode levar a resultados vantajosos e até mesmo duradouros para ambas as partes. Esse ponto de vista leva à ideia de que a negociação afeta de forma profunda as partes e que todo o desejo está 213 Unidade IV relacionado à satisfação de necessidades, o que estabelece o início ou a possibilidade da negociação, resultando no ganha/ganha. Apesar das várias formas se definir negociação, bem como da necessidade de se discutir o tema sob vários pontos de vista, diversos estudiosos concordam com a ideia de que negociação é um processo em que as pessoas atuam de forma a interferir nos resultados que, por sua vez, dependem do desempenho dos participantes. Roger Fisher (1980) afirma que qualquer negociação, seja em uma transação imobiliária, em uma situação corriqueira da área de compras da sua empresa ou até em acordos políticos internacionais, possui sete elementos-chave: comunicação, relacionamento entre as partes, interesse, opções, formas justas de convencimento, alternativas e compromisso. Esses sete elementos pressupõem a ideia de que a negociação demanda então um processo de análise de metas tangíveis, emocionais e simbólicas, e ainda da observação e entendimento de impactos no relacionamento e a obtenção dos resultados esperados. O ato de planejar uma negociação traz uma visão estratégica ao tema e coloca os negociadores estratégicos em posição de vantagem sobre os negociadores comuns ou convencionais. O planejamento da negociação segue regras e traz benefícios, pois além de determinar as metas citadas anteriormente, permite escolher a estratégia mais adequada à situação. 8.2 Habilidades para a negociação O negociador com experiência sabe que um de seus trunfos é o bom-senso. O bom-senso se reflete, por exemplo, no conhecimento de onde imprimir esforços para que não ocorra perda de tempo. Além disso, a administração de conflitos, levando-se em consideração interesses da outra parte, é 214 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO fundamental para se chegar ao fim da negociação obtendose os resultados esperados. Comunicação clara, percepção, observação, princípios, saber ouvir, concentração nos objetivos e flexibilidade são recursos rotineiramente utilizados pelo bom negociador. Além disso, o bom negociador não se desvia da sua ética e das questões culturais das partes envolvidas, portanto contextualiza para poder ter um entendimento claro da situação, dos interesses comuns e das possibilidades de conflito. Um negociador experiente cerca-se de informações e se prepara para o momento da negociação. Portanto, o ato de negociar pode ser planejado, o que traz mais segurança para o negociador ao ter em mente opções e visão de como a negociação poderá ser conduzida pela outra parte. O estudo de Brodow que descreve as dez características mais importantes do negociador bem-sucedido é comentado por Martinelli, Ventura e Machado (2004). Dez características mais negociador bem-sucedido importantes do Saber ouvir: esta habilidade favorece o recebimento de todas as informações importantes para a negociação, sem distorções. Ter consciência da negociação: os bons negociadores acreditam que tudo é negociável e por isso são assertivos – são diretos e honestos, transmitindo uma impressão de respeito por si próprios e pelos outros - e aceitam desafios. Ter aspirações: acreditam que podem conseguir chegar a um resultado eficiente o que confere segurança ao negociador. 215 Unidade IV Ser investigativo: saber fazer as perguntas certas, o que significa saber o que deve ser questionado e quando. Não ter medo de assumir riscos: assumir riscos pressupõe disposição para enfrentar desafios que é uma premissa básica de um processo de negociação. Naturalmente, os riscos devem ser razoáveis o que se traduz em uma negociação consciente. Ser paciente: esta característica resulta no tempo necessário para o negociador pensar sobre a situação e aspectos importantes, tanto antes como durante a negociação. Ser flexível: novos fatos ou circunstancias podem surgir durante a negociação, por isso, é necessário que o negociador saiba se adequar às mudanças e aos imprevistos. A elaboração antecipada de hipóteses e a análise detalhada das premissas colaboram com a manutenção da flexibilidade. Focar na satisfação do outro: a satisfação da outra parte é sinal positivo para a obtenção dos resultados esperados. Portanto, a negociação exige foco nos objetivos de todas as partes envolvidas. Focar na solução de problemas: outro foco importante para o negociador é a solução de problemas. Focar nos problemas significa separá-los das pessoas, eliminando qualquer possibilidade de interferência de questões pessoais. Ter disposição frente às adversidades para seguir em frente: é necessário ter opções durante a negociação para que o processo não resulte em um impasse. A alta dependência de um único resultado e a falta 216 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO de flexibilidade para se aceitar mudanças de planos são ingredientes perfeitos para o enfraquecimento da negociação (Brodow apud Martinelli, Ventura e Machado 2004). 8.3 Planejamento da negociação O objetivo da negociação é o problema que deverá ser resolvido e, portanto determiná-lo com clareza é fundamental para o seu planejamento. Porém, a busca da solução do problema requer que sejam levadas em conta quatro considerações, que são igualmente importantes nesse processo. Observe atentamente quais são e como evoluem estas ações: • Problemas e pessoas: separe-os; o problema deve ser separado da pessoa. Isso quer dizer que a concentração do negociador deve estar no problema e não na pessoa envolvida na negociação. É bastante comum não dissociar a outra parte do objetivo que se pretende alcançar. Quando não se separa as pessoas dos problemas, questões pessoais acabam interferindo no ato da negociação, abrindo espaço para as emoções e, por isso, dificultando o entendimento das questões que estarão sendo discutidas. • A concentração deve estar nos pontos de interesse: é de suma importância colocar os interesses no ponto focal. Além disso, o negociador deve entender quais são os interesses de cada uma das partes envolvidas, identificando quais são comuns e quais são conflitantes. • Procurar alternativas de ganhos comuns às partes: acomodação em um determinado ponto de vista, falta de criatividade, falta de costume de olhar para diferentes opções, receio de experimentar novas opções são os motivos que levam as pessoas a se fixarem em apenas uma ou poucas soluções para o mesmo problema. Pensar em diferentes ganhos que possam ser comuns às 217 Unidade IV partes envolvidas traz o benefício de se encontrar outras opções de soluções satisfatórias e elimina a necessidade de se fazer um acordo que não seja tão bom quanto o esperado. • Procurar critérios objetivos: esta etapa visa à conciliação. Avaliar diversas soluções é o caminho que leva o negociador ao melhor acordo possível, sempre tendo em vista interesses em comum. Para isso, é necessário pensar em padrões justos de comparação para as alternativas que sejam de consenso entre os envolvidos. Opiniões especializadas, emitidas por pessoas idôneas, uma prática tradicional na área de atuação, e leis são alguns padrões que podem ser utilizados para se chegar a um acordo razoável e satisfatório. O planejamento que compreende as considerações citadas chama-se método de “negociação baseada em princípios” e possui etapas que compreendem todo o período da negociação que tem início no momento em que se começa a pensar nela até o alcance dos objetivos desejados. Essas etapas são: análise, planejamento e discussão. Durante o período de análise, o negociador deve fazer um diagnóstico da situação, ou seja, coletar informações relevantes sobre o problema em questão, organizando-as e avaliando-as. Já nesse momento é importante que o negociador separe o problema da pessoa com quem vai negociar - o oponente. Além disso, o negociador deve identificar quais são os interesses das partes que estão envolvidas na negociação quais são os critérios para o acordo. A seguir, vem a etapa do planejamento, quando se busca ideias e se toma decisões sobre o que fazer. Durante o planejamento, o negociador deve ter em mente as quatro considerações já vistas: como lidar como as pessoas e os problemas; quais interesses são realmente importantes e devem ser considerados e atendidos; 218 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO quais opções existem para a solução do problema; e quais são os critérios para a tomada de decisão. Finalmente chega-se a etapa de discussão. Nesse momento as partes se comunicam para o alcance do objetivo. Durante a discussão, as partes têm condições de reconhecer e abordar diferenças de percepção, sentimentos de frustração e problemas de comunicação. A negociação baseada em princípios é um método mais eficiente que o método chamado de barganha posicional, em que as partes se posicionam perante a situação, tomam atitudes de defesa e fazem concessões para a finalização do acordo. É importante lembrar ainda que existem três variáveis em qualquer tipo, importância e situação de uma negociação: poder, tempo e informação. O negociador que sabe quais opções existem para a negociação, testa hipóteses, assume riscos calculados e considera as informações obtidas, exerce o que se chama de poder positivo. A forma positiva de poder traz autoconfiança e pode resultar em acordos razoáveis para as partes. O tempo deve ser analisado, pois afeta diretamente o processo. O negociador define o limite de tempo para a negociação e o controla, porém os prazos podem ser negociados. É importante lembrar que é nos momentos que antecedem o final do prazo que as pressões aumentam e também que as concessões ocorrem. É também quando o prazo limite se aproxima que pode acontecer a inversão de poder entre as partes, uma vez que as circunstancias até esse momento podem também ter se alteradas. O poder também se estabelece com o conhecimento das necessidades das partes, portanto, a obtenção das informações 219 Unidade IV é ponto chave nas negociações. Não raro, boa parte das informações é buscada em momentos de maior dificuldade ou de crise. O bom negociador deve saber ouvir e entender a comunicação não verbal para um bom entendimento da situação e do contexto. 8.4 Estratégias de negociação Diversos especialistas em negociação acreditam que o ponto mais importante nas negociações é a construção do relacionamento. O foco na construção do relacionamento facilita a solução das controvérsias que provavelmente existam entre as partes envolvidas. A solução das controvérsias é chamada de conciliação. Mais uma vez, salientamos a importância em se separar as pessoas dos problemas ou objetivos que levaram as partes ao processo de negociação. O relacionamento no processo de negociação deve ser recíproco. O princípio de reciprocidade implica a troca equilibrada de favores ou concessões. Essa condição requer habilidade das partes para lidar com as suas diferenças o que se traduz em: • racionalidade de ambas as partes; • compreensão precisa das diferenças de percepção; • comunicação efetiva - com vistas ao alcance dos objetivos; • autoconfiança e segurança; • ausência de tentativas de coerção; • entender que o outro é alguém de interesse na negociação; • levar em conta a opinião de outro. O fato é que muitas vezes as pessoas apenas levam em conta o tipo de relacionamento existente entre as partes ao invés de seguir uma estratégia. Seguir uma estratégia significa ter como 220 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO base regras específicas, guias de conduta. O mais comum é as partes reagirem frente às situações ou até mesmo deixar que a emoção fale mais alto do que a lógica. A importância do relacionamento e a relevância do resultado são os aspectos básicos que norteiam a elaboração de estratégias de negociação. Dessa ideia surgem 5 tipos básicos de estratégias possíveis, segundo Martinelli e Almeida (1997): • Estratégia de evitar: tipo de estratégia em que nenhum aspecto é importante o bastante para se evitar o conflito e por isso a tendência é que a uma negociação resulte em perdas para ambas as partes (“perde/perde”). • Estratégia de acomodação: neste caso a escolha é abrir mão do resultado pretendido em favor da manutenção do relacionamento, ou seja, uma parte perde (a que abre mão) e a outra acaba ganhando (“perde-ganha”). • Estratégia competitiva: neste caso uma das partes tenta ganhar a qualquer custo em detrimento do alcance dos objetivos da outra parte (“ganha/perde”). • Estratégia colaborativa: nesta estratégia relacionamento e resultados são priorizados, resultando em ganhos para ambas as partes (“ganha/ganha”). • Estratégia de compromisso: este tipo de estratégia é bastante utilizada e retrata a situação de quando as partes não conseguem atingir um nível satisfatório de colaboração, mas almejam mesmo assim conseguir alguns resultados. Você deve estar se perguntando sobre como escolher o tipo mais adequado de estratégia. Essa decisão deve se basear em dois pontos considerados fundamentais: 221 Unidade IV • nível de importância do resultado a ser obtido com a negociação; • nível de importância do relacionamento com a parte oponente no passado, no presente e no futuro. As estratégias também podem ser identificadas de acordo com os papéis desempenhados pelos negociadores: Negociador efetivo: é aquele que conhece em profundidade os detalhes da negociação, documenta as posições das partes e as ocorrências e fornece informações complementares. São ainda muitas vezes insensíveis a reações emocionais, e podem falhar por se deterem em demasia aos detalhes da negociação pelo excesso de documentação, realismo e transmissão de informações. Negociador analítico: é aquele que se prende muito aos argumentos e aos contra-argumentos, precisa ter certeza da forma como a negociação é conduzida, além de permanecer em uma posição fria, acreditando que a lógica responde a todas as questões. Negociador relativo: tem como ponto forte ser um facilitador entre as partes, mantendo boas relações com no mínimo alguma das partes; costuma ser sensível às emoções e consegue então construir um bom relacionamento. Porém, corre o risco de se envolver demais com a relação humana perdendo o foco dos objetivos. Negociador intuitivo: é criativo, tem habilidade para enxergar opções, identificando com mais clareza os pontos de relevância da negociação e tendo visão do todo. Porém, pode se afastar da realidade por não perceber os riscos e problemas de suas ideias. 222 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO A previsão de reações e a decisão sobre o melhor comportamento a ser adotado durante o processo de negociação devem se basear no entendimento do perfil dos diferentes tipos de negociação. 8.5 Negociação e ética Antes de começarmos este assunto é importante que o conceito de ética esteja bem claro. Da definição de ética encontrada no dicionário, os pontos que vêm ao encontro do nosso estudo são “parte da Filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana”, “conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão” e “parte prática da filosofia social, que indica as normas a que devem ajustar-se as relações entre os diversos, membros da sociedade.” Ética, segundo Michaelis: o dicionário ética: é.ti.ca, sf (gr ethiké) 1 Parte da Filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. É ciência normativa que serve de base à filosofia prática. 2 Conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão; deontologia. 3 Med Febre lenta e contínua que acompanha doenças crônicas. É. social: parte prática da filosofia social, que indica as normas a que devem ajustar-se as relações entre os diversos membros da sociedade. Portanto a ética estabelece parâmetros sobre certo e errado, bom e mau na conduta das pessoas e na tomada de decisões. A ética, então, é um ingrediente de alta relevância nas negociações. Você deve ter em mente que uma negociação é parte de um processo competitivo em que as partes estão tentando conseguir o melhor resultado – o acordo – possível, muitas vezes em situações críticas. Existe a possibilidade dos oponentes lançarem mão de atitudes pouco honestas, de acordo com seus pontos de vista. A linha divisória entre o que se pode ou não deve ser clara, pois só assim os oponentes poderão ter consciência dos limites durante o processo. O conhecimento da legislação e o domínio do livre arbítrio direcionam o comportamento ético nos processos de negociação. Esses dois aspectos delimitam o campo da ética e levam as pessoas a definir os seus padrões. O comportamento ético se estabelece quando se leva em consideração tanto as questões 223 Unidade IV pessoais, quanto as sociais, além da observância da legislação vigente. 8.6 Conflito Para o nosso estudo sobre o que é conflito, as definições propostas pelo dicionário on-line Michaelis que nos atendem são: “Embate de pessoas que lutam.”; “Conjuntura, momento crítico.”; “oposição.”; “Tensão produzida pela presença simultânea de motivos contraditórios.”; “Competição consciente entre indivíduos ou grupos que visam a sujeição ou destruição do rival.” A possibilidade de conflito está presente no dia a dia das pessoas. Esta situação nem sempre pode ser evitada, portanto é necessário entender suas causas e naturezas. Pode-se encarar os conflitos tanto de forma negativa, como positiva. Os indivíduos que encaram o conflito de forma negativa são aqueles que acreditam que todo conflito é prejudicial e por isso deve ser minimizado ou evitado a qualquer preço. Mas há aqueles indivíduos que veem o conflito de forma positiva. Nesse caso o indivíduo procura obter benefícios na situação de conflito, como oportunidades de enriquecimento cultural e de aprendizagem. A visão positiva do conflito também considera a existência de riscos, que naturalmente devem ser minimizados, porém, tendo em vista todos os benefícios que podem ser obtidos. Processos de negociação geram situações de conflito, é importante entender qual a sua origem e qual é a sua natureza. A natureza dos conflitos pode assumir várias formas, como diferenças de interesses, necessidades, opinião, personalidade, metas, informação; a existência de atividades interdependentes; a utilização de recursos compartilhados e muitas outras. Se os conflitos não existissem, não haveria a necessidade de negociação entre os indivíduos. A negociação, portanto, é um 224 Conflito Michaelis: segundo o dicionário conflito: con.fli.to, sm (lat conflictu) 1 Embate de pessoas que lutam. 2 Altercação. 3 Barulho, desordem, tumulto. 4 Conjuntura, momento crítico. 5 Pendência. 6 Luta, oposição. 7 Pleito. 8 Dissídio entre nações. 9 Psicol.: Tensão produzida pela presença simultânea de motivos contraditórios; segundo a psicanálise, há em todo conflito um desejo reprimido, inconsciente. 10 Sociol.: Competição consciente entre indivíduos ou grupos que visam a sujeição ou destruição do rival. C. cultural, Sociol: incompatibilidade entre valores culturais cujos portadores humanos estabelecem contato. C. de atribuições, Dir.: fato que ocorre entre autoridades judiciárias e administrativas, quando cada uma delas se julga, ao mesmo tempo, competente para deliberar sobre determinado caso. C. de jurisdição, Dir.: questão sobre competência entre juízes ou tribunais da mesma jurisdição. C. de leis: a) divergência entre as leis de diferentes estados ou jurisdições, quanto aos direitos do mesmo indivíduo; b) divergência entre as leis atuais de um país e as que anteriormente regiam a mesma matéria. MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO meio de solucionar os conflitos que surgem no dia a dia, seja no trabalho ou em casa, e a interpretação do conflito é pessoal, de acordo com as percepções do indivíduo. Uma situação de conflito normalmente surge da vivência de uma frustração ou da incapacidade ou insucesso no alcance de metas e objetivos. A parte que sofre essa experiência negativa faz uma projeção de sua frustração e passa a se comportar de acordo com este sentimento. Os conflitos normalmente nascem antes e durante as negociações e precisam ser analisados de acordo com as possibilidades de sua resolução. Veja a seguir a classificação dos conflitos por Sparks (1992), que tem como base as possibilidades de solução: • Conflito terminal: este tipo de conflito aparentemente não tem solução por meio de um acordo. Trata-se de um conflito “ganha/perde”. • Conflito paradoxal: neste caso, a solução do conflito é questionável e com frequência o negociador entende que o mesmo estava relacionado a uma questão que não pertencia àquela negociação. Portanto o conflito não é nem “ganha/perde” nem “ganha/ganha”. • Conflito litigioso: aparentemente este conflito tem solução e, por conseguinte, é um conflito “ganha/ganha”. Depois de se analisar as possibilidades de solução do conflito é necessário verificar a sua intensidade, classificando-os em conflitos: • Muito intensos: os interesses em questão são de alta importância para negociador e oponente e por isso a tendência é que as partes imprimam muita energia na negociação. 225 Unidade IV • Menos intensos: o grau de importância dos interesses é bem menor, assim a tendência é que negociador e oponente imprimam energia mais moderada para a sua solução. Administração de conflito Acomodação, dominação, compromisso e solução integrativa de problemas são as quatro formas propostas por Hampton (1991) para a administração de problemas. A acomodação pode ser usada para manipular o conflito, por meio do seu acobertamento, o que se dá através da diminuição da seriedade do problema, negando a sua existência ou ainda tratando-se dele superficialmente. Questões culturais direcionam a intensidade do uso da acomodação. A cultura americana sugere a prática da confrontação, porém aplicam a acomodação mais frequentemente. Já a cultura chinesa preza a harmonia e evitam os confrontos abertos. Na acomodação o problema pode ter seu grau de dificuldade aumentado por não ter sido resolvido. O extremo exercício do poder gera a atitude de dominação, que se traduz na imposição da solução desejada por uma das partes. O poder faz a solução chegar mais rapidamente, porém não garante a sua eficácia. O exercício do poder pode acontecer também quando se tem a ideia de que a derrota não pode acontecer, pois poderá comprometer a obtenção de apoio em negociações futuras. Algumas culturas aceitam a possibilidade de forte exercício do poder e até mesmo atitudes radicais. Compromisso é a ideia de que ambas as partes podem ceder um pouco no processo de negociação com intuito de solucionar o conflito, gerando resultados satisfatórios, mesmo que parcialmente para todos. Porém, especialistas criticam essa forma, não a considerando uma técnica por não ocorrer solução plenamente satisfatória para as partes. 226 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO A técnica mais favorável é a solução integrativa dos problemas por vislumbrar a possibilidade de solução satisfatória para ambas as partes. Nesse caso a busca é de uma solução plena para as partes, sem a necessidade de concessões e consequente diminuição do grau satisfação dos envolvidos. 8.7 Estilos de negociação O comportamento adequado para cada situação pode ser definido com o conhecimento e entendimento de cada estilo de negociação. Reconhecer os estilos que podem ser assumidos pelos negociadores opositores colabora no desenvolvimento do processo, de sua efetividade e, consequentemente, favorece a condução da negociação. Isso porque muitos negociadores agem muito mais com base em um estilo do que com base em uma orientação. É importante lembrar que os problemas que estarão em pauta, o local onde vai ocorrer a negociação e mais outros tantos aspectos são fatores de impactam no comportamentos de todos os envolvidos. Neste módulo vamos estudar os modelos propostos por Carl Jung, Marcondes, Gottschalk, Matos, Márcio Miranda e Junqueira. Esses modelos de estilos se apresentam normalmente de forma combinada nas pessoas, que possuem sempre um estilo primário e no mínimo um estilo secundário. Modelo de Jung O modelo desenvolvido por Carl Jung é baseado em estilos de personalidade e discute quatro táticas que podem ser utilizadas pelos oponentes, lembrando que essas táticas não são exclusivas de cada personalidade e, portanto, podem se sobrepor. Jung descreve quatro estilos primários, que podem se sobrepor dois a dois, baseados em um conjunto de suposições, que podem ser usadas pelos oponentes. 227 Unidade IV Esta abordagem combina a capacidade de controle ou aceitação do controle em de uma pessoa com relação à outra com o nível de consideração ou desconsideração dessa pessoa com os indivíduos do relacionamento. • Controle: impulso para dominar e comandar o outro; o indivíduo acredita que pode retificar a rivalidade. • Desconsideração: impulso para desvalorizar o outro; o indivíduo crê que a tolerância passiva é altamente importante. • Deferência: impulso para permitir que o outro domine; o indivíduo crê na importância da impaciência e do desinteresse. • Confiança: impulso para incluir o outro; crê na importância da colaboração. Esses impulsos, ao se combinarem, produzem quatro oponentes estilísticos – os estilos do modelo de Jung – representados na figura 15 – que são: • Estilo restritivo: retrata os negociadores que agem segundo os seus interesses, combinando o seu poder de controle com a desconsideração com o outro; não são cooperativos e esperam que os outros ajam em seu próprio interesse. Aplicabilidade: adequado quando for fundamental se chegar a um acordo. • Estilo ardiloso: retrata o negociador que age sempre com base em regras e procedimentos; a combinação de desconsideração com deferência sugere que estes negociadores sejam evitados. 228 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Aplicabilidade: adequado em ações rotineiras e muito detalhadas ou ainda quando não for prioritário se chegar a um acordo. • Estilo confrontador: retrata os negociadores que trabalham em colaboração; o confrontador combina o seu controle com confiança no outro. Aplicabilidade: adequado em situação que envolva altos interesses. • Estilo amigável: retrata o negociador que alia consideração com confiança para a obtenção e manutenção de um relacionamento cooperativo com o seu qualquer que seja o resultado da negociação. Aplicabilidade: adequado quando o objetivo é tranquilizar, acalmar ânimos inflados, em casos que requeiram diplomacia. Impulso para o controle Restritivo (1+2) Confrontador r (4+1) Impulso para a desconsideração Impulso para a confiança Ardiloso (2+3) Amigável (3+4) Impulso para deferência Figura 15: os quatro estilos básicos do modelo de Jung Fonte: MARTINELLI, D. P. (1998) 229 Unidade IV Modelo de Gottschalk Segundo Martinelli, Ventura e Machado (2004), Gottschalk desenvolveu o conceito de estilos de negociação baseado na análise de um conjunto de fatores que, se analisados individualmente, não proporcionam muita ajuda, mas se vistos em conjunto, permitem uma negociação mais eficiente. Esses fatores incluem, por exemplo, impressões prévias, a impressão inicial, o comportamento durante a negociação e outros. Gottschalk cita quatro estilos totalmente diferentes, e ressalta que todos nós somos atraídos naturalmente para um deles. Isto não significa que esse estilo individual permanece o mesmo, pois há também a tendência de se adaptar às circunstâncias da mesa de negociação. Estilo duro O negociador deste estilo é agressivo, dominante e orientado para o poder. Tem foco em tarefas, objetivos e prazos, costuma ser direto, precisa dirigir e dominar. Apesar de saber o que quer, precisa de ajuda para desenvolver um comportamento mais balanceado. Entre os seus pontos positivos destacam-se as posições firmes e claras; almeja o melhor; sabe com certeza quais são os seus objetivos; busca manter o controle; não se deixa intimidar pelos conflitos; tende à liderança; é competitivo e assertivo; não teme e gosta de mudanças e reage bem às crises. Mas entre o seus pontos negativos destacamse o desconhecimento com relação aos interesses da outra parte e falta de disposição para identificá-los, além de utilizar-se de coerção e ser muito crítico, inclusive com os colegas do time e ter visão de curto prazo. Estilo caloroso O negociador caloroso busca a resolução dos conflitos e almeja construir e fortalecer os relacionamentos. É um bom ouvinte, o que lhe permite uma boa visão das questões e do processo, e trabalha 230 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO baseado no relacionamento já existente. Tem perfil apoiador e compreensivo e é orientado para pessoas e processos. Apesar de parecer um estilo só com pontos positivos, por outro lado este estilo tende a gerar menos lucros na negociação em si, pois tem um foco em acomodar a situação e evitar perdas para o futuro, além de aceitar perder o controle da negociação se isto acomodar melhor a situação. Entretanto, ao se pensar em longo prazo, os relacionamentos construídos por este estilo podem gerar recursos por muito tempo. Estilo dos números Trata-se do negociador analítico, conservador, reservado e orientado para a resolução de questões complexas. Por isso, prefere que haja certa ordem e previsibilidade no processo. Quer ser reconhecido como negociador competente e para isso lança mão de análises detalhadas. A parte do relacionamento com vistas a longo prazo normalmente não é levada em consideração, a não ser que apoiada em números relevantes. O negociador aqui trabalha baseado em fatos e não em percepções. Estilo negociador Quer ter o controle da situação e para isto estabelece relacionamentos estratégicos. Tem perfil flexível e comprometido, integrado e orientado para resultados. Busca reconhecimento e apreciação pela sua capacidade de resolver situações difíceis. Como negociador, aprecia ter o controle da situação e procura estabelecer relacionamentos que resultem em resultados satisfatórios para ambas as partes. Ao contrário do estilo caloroso, não investe nos relacionamentos a não ser que seja efetivamente uma vantagem para si. Modelo de Marcondes Este modelo aponta para a ideia de que para negociar é necessário levar em consideração o ambiente e adaptar-se a ele. A observação 231 Unidade IV do ambiente e sua correta percepção favorecem a adaptação necessária. Nesse processo, a comunicação é instrumento chave para que as partes possam trocar suas impressões em informações. Marcondes descreve quatro tipos de negociadores baseados em formas de classificação de comportamento. O modelo é baseado em comportamentos que podem ser ativos, que são aqueles que provocam uma ação sobre os outros para que estes exponham seus pontos de vista e julgamentos, para então iniciar uma argumentação de persuasão; e receptivos, que constroem a negociação provocando a participação e o envolvimento do outro com a sua questão. Marcondes postula que um bom negociador frequentemente muda seu comportamento entre ativo e passivo, fazendo a negociação evoluir em etapas. Desses comportamentos, Marcondes classifica os estilos de negociação: Estilo afirmação A assertividade é o instrumento do negociador para o alcance dos seus objetivos. Para algumas pessoas, este estilo é muito agressivo, pois deixa claro os desejos e expectativas, as condições para negociar e frequentemente lança mão do recurso de explicitar as consequências negativas para o outro lado caso não se chegue a um acordo. Se este estilo for utilizado em excesso, a outra parte considerará como uma imposição, e os resultados podem trazer mais perdas que ganhos. Estilo de persuasão Informação e raciocínio direcionam o processo para o alcance dos objetivos. Frequentemente fazem-se sugestões (ao invés de determinações) e apresentam-se propostas argumentadas a partir de dados concretos. Um negociador que adote este estilo sem ter o respaldo de dados e justificativas, pode ser considerado inconsistente, levando a negociação a um término (ou a um 232 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO acordo ruim). Por outro lado, este estilo exercido com muita rigidez pode levar o outro lado a se sentir em uma armadilha, pois não foi convencido o suficiente. Estilo ligação Empatia é o ponto de partida do negociador para a compreensão dos objetivos da outra parte; o estilo ligação abrange comportamentos como demonstração de apoio, abertura para opiniões e sugestões, disponibilidade em escutar, levar em consideração as posições e sentimentos da outra parte, verificar o correto entendimento dos pontos e buscar por acordos comuns. Não se trata de uma postura passiva, e sim construtivista, visto que envolve a outra parte na construção da solução do problema. Estilo atração Este estilo se utiliza de um conjunto de comportamentos para provocar o envolvimento do oponente. Esses comportamentos visam ao estímulo e motivação da outra parte, com o intuito de elevar o seu moral, reconhecendo os próprios erros e limitações e enfatizando as qualidades do outro. O risco é de assumir este estilo com exagero, e criar uma percepção de tentativa subjacente de sedução, o que pode colocar toda a negociação em risco. Estilo “destensão” Estilo que busca a convergência em uma negociação o que significa circunscrever o conflito, levantando os pontos que possam resultar em um acordo ou interromper a negociação por algum tempo para garantir a sua continuidade e resultados. Dessa forma, em momentos de alta agressividade ou imposição de força, o negociador tem a oportunidade de deixar mais claro os pontos em discordância, voltar ao foco do embate, destacar pontos importantes com transparência, resgatando a confiança. No caso de interrupção da negociação, ou ainda em um período de interrupção ou cenário de ataques e defesas, a obtenção da 233 Unidade IV convergência pode se dar com a explicitação clara das posições, proposição de soluções alternativas que sejam interessantes para as partes, foco no conteúdo principal da negociação ou até a proposição de interrupção da negociação. A expressão “destensão” traduz a necessidade de diminuir a tensão originada no conflito. Uso dos estilos de negociação Normalmente as pessoas têm dificuldade em saber qual o seu estilo de negociação, porém a escolha do estilo mais adequado é fundamental para um desenvolvimento eficaz. É importante então que haja flexibilidade por parte dos negociadores. A flexibilidade leva a melhores possibilidades de solução dos conflitos existentes. Portanto, há diversos estilos que podem ser mais adequados, dependendo do perfil das partes envolvidas, do momento, da situação e do próprio conflito. Vamos verificar aqui os estilos para administração de conflitos descritos por Hodgson (1996), baseados nas circunstâncias dos conflitos e nos objetivos almejados. Esses estilos são divididos em dois grupos (1) confrontadores e não confrontadores e (2) cooperativos e não cooperativos. Observe a figura 16, logo a seguir: Confrontador CONTESTADOR Total envolvimento (ganha/perde) Não cooperativo COLABORATIVO Solução de problemas (ganha/ganha) Compromisso DA RETIRADA Afastamento (não-envolvimento) DA ACEITAÇÃO Encontrar um caminho (ganha/perde) Não confrontador Figura 16: Conflitos X Objetivos Fonte: Hodgson (1996) 234 Cooperativo MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Estilo colaborativo Este estilo é simultaneamente confrontador e cooperativo e por isso é adequado quando os interesses de ambas as partes são igualmente muito importantes e requerem compromisso mútuo. Muito esforço e tempo são requeridos e, portanto é inadequado para questões do dia a dia ou de pouca importância. Exemplo: negociação entre duas montadoras de automóveis interessadas em formar uma joint-venture para fabricação de motores e câmbios de utilização comum entre as duas. A Fiat e a GM fizeram recentemente uma joint-venture dessa natureza. Estilo contestador É também um estilo confrontador, mas não cooperativo. Pode ser aplicado quando são necessárias ações rápidas e decisivas (situações de emergência, por exemplo) ou em questões que desagradam os interesses das pessoas envolvidas no processo. Exemplo: negociação de corte de pessoal diretamente com as gerências envolvidas. Estilo de aceitação É um estilo cooperativo e não confrontador. Adequado quando o negociador percebe que está errado, ou quando é importante garantir crédito no futuro, ou ainda quando a questão que está sendo tratada é muito mais importante para a outra parte. Trata-se de um obter um caminho para a as demandas do oponente. Exemplo: negociação de aumento salarial com o chefe, que oferece menos do que se pretendia, mas que pode garantir o emprego. Estilo de retirada É ao mesmo tempo não confrontador e não cooperativo. Tem aplicabilidade quando a questão que está sendo 235 Unidade IV tratada é trivial ou quando prevalece a necessidade de não confrontação. É o caso de quando o negociador tem pouco poder, ou não existem muitas chances de obtenção dos resultados almejados, ou a solução traga conflitos para outros interesses do grupo envolvido. Assim, evitar o conflito pode ser o melhor resultado a se obter, salvaguardando ganhos e evitando-se prejuízos maiores. Exemplo: negociação de aumento de preço com um varejista importante, que não aceita o aumento. Estilo de compromisso Este estilo possui características de todos os estilos anteriores. É apropriado quando os resultados pretendidos são de importância relativa, ou não são vitais a ponto de justificar a utilização de meios de alto confronto, ou ainda quando a pressão exercida pelo tempo exija uma solução imediata. É o caso quando as partes envolvidas não estão plenamente satisfeitas com os resultados, mas estão tranquilas com essa finalização. Para tanto é necessário que haja certa dose de negociação e concessões e que isso seja satisfatório. Exemplo: negociação de venda de automóvel usado em que as partes atingem um preço que não é o inicialmente pedido, mas que também não é o inicialmente ofertado. 8.8 Negociação internacional A globalização traz a necessidade das organizações desenvolverem e aprimorarem técnicas de negociação voltadas para interlocutores de diferentes culturas, etnias e crenças religiosas. Para se discutir negociações internacionais, é necessário entender o contexto da globalização, os desafios da comunicação intercultural e características dos negociadores de diversos países. 236 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Globalização Segundo Martinelli, Ventura e Machado (2004), o termo globalização surge da necessidade de minimizar distâncias e custos, atendendo interesses comuns e buscando o contentamento de duas ou mais partes envolvidas localizadas em regiões/ nações diferentes. No período compreendido entre as duas guerras mundiais no século passado (décadas de 1920 a 1940), os países europeus, arrasados sob o ponto de vista social e financeiro, começaram a se movimentar em busca de aproximação em torno de interesses comuns de reconstrução e afirmação econômicas. Após a segunda guerra mundial, em 1948, os Estados Unidos, que haviam se firmado como potência econômica e militar no período, assinaram junto com outros países o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), criando um conjunto de regras internacionais para nortear as transações comerciais entre os signatários. O Gatt foi substituído pela criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) em 1994. Na prática, a globalização só passou a ser reconhecida como uma força no início da década de 1980, e sua importância vem crescendo desde então. O sociólogo canadense Marshall McLuhan, em 1969, cunhou a expressão “aldeia global”, afirmando que o progresso tecnológico estava reduzindo todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: proximidade e facilidade de comunicação. Na época, o conceito era baseado no fenômeno da televisão via satélite. Com a evolução das tecnologias da informação e da comunicação, principalmente da internet, o conceito encontrou sua melhor aplicação: podemos nos comunicar por voz, dados, texto e imagens com a maioria das pessoas no planeta. Martinelli, Ventura e Machado (2004) afirmam que três fatores formam a aldeia global: o avanço da tecnologia da informação, a necessidade de novos compradores e a necessidade de novos 237 Unidade IV fornecedores. Hoje, automóveis, cosméticos, alimentos, aviões e outros produtos são produzidos com componentes oriundos de diversos países, muitas vezes em continentes diferentes, e são oferecidos no mundo inteiro. Rhinesmith (1998) contribuiu para a discussão afirmando que “O paradigma da globalização é a mudança das consciências e comportamentos das pessoas”. Essa mudança nos traz ao desafio da comunicação intercultural. Multiculturalismo e os desafios da comunicação No México, após séculos de miscigenação entre descendentes dos antigos astecas e os descendentes dos conquistadores espanhóis, há restaurantes finos que não aceitam clientes descendentes de astecas (Martinelli, Ventura e Machado, 2004). Nos países islâmicos, homens e mulheres, quando não se conhecem previamente, só se cumprimentam com um aceno de cabeça, sem nunca apertar as mãos (Costa e Sancovsky, 2005). Recentemente, a TV Globo apresentou a novela Caminho das Índias em que percebemos claramente (muito embora de maneira dramaturgicamente exagerada) a questão das castas e de que maneira isso interfere na relação com estrangeiros. Há vários exemplos de situações semelhantes: fatores culturais e sociais que afetam a comunicação (e, por conseguinte, a negociação) com pessoas de outros países. Acrescente ainda o fator língua e sotaques. Um brasileiro fluente em inglês provavelmente vai ter alguma dificuldade em entender claramente um indiano falando inglês. E, se pensarmos em termos gerais, essas negociações não ocorrem somente entre empresas. Há também negociações 238 Saiba mais: procure por referências em sites de busca com as palavras-chave “globalização e comércio internacional” e “aldeia global” MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO envolvendo governos, ou representantes governamentais, e a comunicação continua sendo um desafio. Características dos negociadores de diversos países. Alguns países têm importância maior no comércio mundial e apresentam tradição em negociações internacionais. As características a seguir não são regra, e sim fruto da observação de diversos estudiosos do assunto. Estados Unidos da América O maior player global (talvez só superado pela China) tem negociadores com estilo direto e duro, voltados para a ação e decisão rápidas. É comum ouvir “Vamos pular as formalidades e ir ao que interessa”. Aquilo que no Brasil é conhecido com “quebra-gelo” (conversa amena para estabelecer contatos iniciais) normalmente não encontra eco junto aos americanos. Eles são competitivos, com tendência patriótica, e prefere decisões rápidas. Costumam usar o primeiro nome, sendo superficialmente amigáveis. O aperto de mão é firme, demonstrando poder. A pontualidade é apreciada, e há a tendência de se pressionar por processos acelerados (Acuff, 1998). China O segundo maior player mundial (talvez o primeiro quando você estiver lendo estas páginas) tem um povo com o comércio nas veias através dos séculos. Um ocidental desavisado se surpreende com a habilidade dos chineses em negociações, provavelmente por estarem em um regime político socialista. Assuntos políticos, por sinal, não devem ser discutidos. Os chineses tendem a fazer com que negociações durem dias, pois acreditam que podem vencer pelo cansaço. É comum ocorrer rodadas de negociações em mesas de restaurantes, onde se abordam questões pessoais consideradas relevantes. Esse traço, das relações pessoais, é importantíssimo para os chineses. Caso em uma comemoração brindes ocorram, é considerado educado que o ocidental brinde 239 Unidade IV com água (uma heresia para os padrões brasileiros). Presentes são muito bem-vindos, e o respeito às tradições é altamente considerado (Martinelli, Ventura e Machado, 2004). Ao conduzir negociações com chineses é essencial ter conhecimento da etiqueta chinesa para que gafes consideradas imperdoáveis pelos chineses não sejam cometidas. Algumas regras diretamente ligadas às tradições e crenças chinesas são aplicadas a formalidades relacionadas aos negócios. Ao negociar com chineses, negociadores sempre devem ter cartões de visitas em mãos no dia do primeiro contato. Negociações sempre serão conduzidas primariamente pelo funcionário em maior grau de hierarquia que também sentará no lugar de maior destaque na mesa de negociação. Pontualidade é um fator básico dentro das negociações com chineses. Apesar desse caráter relacional atribuído às negociações, contatos físicos devem ser evitados. Atualmente demonstrações públicas de afeto já são toleradas pelos chineses, no entanto estas demonstrações podem não ser toleradas quando veem de estrangeiros. (Fernandes, 2008) Curiosidade: manual de sobrevivência - expressões em mandarim Chinês Ni Hao! Zaoshàng hão! Huanyíng! Wo shì Baxi Rén Zàijiàn! Duoshao qián? Wo zhi néng fú... Qing gei wo càidan. Wo Yao Bing píjiu. Maidan! Português Olá Tudo bem? Bom dia! Bem vindo! Eu sou brasileiro. Tchau! Quanto custa? Só posso pagar... Menu, por favor Eu quero cerveja gelada! Conta! Fonte: ACUFF, F L. Como negociar qualquer coisa com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. São Paulo: Edit. Senac, 1998 . 240 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO França O francês normalmente tem boa base intelectual, possui formação clássica e se considera o centro cultural da Europa. É orgulhoso da sua nacionalidade e, naturalmente, aprecia a boa mesa e viagens. A negociação dos franceses utiliza persuasão e emoção. É comum haver conversações com fala baixa e constante – eles adoram se expressar. Apreciam novidades, desde que considerem de estilo interessante. O melhor horário para negociar é durante o almoço, quando apreciam elogios à culinária e vinicultura francesas. O aperto de mão é rápido, sem muita pressão, e é costume utilizar os títulos/cargos, e não o primeiro nome. Há muitas discussões e deliberações, portanto as decisões não são muito rápidas (Martinelli, Ventura e Machado, 2004). Reino Unido É importante saber que a Grã-Bretanha é constituída pela Inglaterra, Escócia e País de Gales, recebendo a denominação Reino Unido ao se acrescentar a Irlanda. É de bom-tom não confundir o cidadão inglês com o britânico. Os britânicos são formais, pontuais e protocolares, e exigem que os interlocutores também o sejam. Frios, metódicos e rápidos, os britânicos possuem senso de humor peculiar: não é boa ideia tentar fazêlos rir (o risco de fracasso é grande), e é sempre bem-vindo rir das piadas deles. Falar da cultura, dos animais e dos esportes é uma boa forma de aproximação, mas é preciso evitar a proximidade física: cumprimente estendendo a mão mantendo uma boa distância do outro. Nunca critique a monarquia ou a família real. A pontualidade é uma exigência importante: um atraso de alguns minutos pode fazer a situação complicar (Martinelli, Ventura e Machado, 2004). Argentina São passionais e buscam normalmente uma relação amigável para negociar. Tendem à informalidade, mas mesmo assim 241 Unidade IV exigem que no início da relação a tratativa seja pelo título/ cargo, passando depois para o primeiro nome. Não discuta política ou religião, pois são muito ligados a esses temas e qualquer deslize pode encerrar uma negociação. A base cultural é grande, e isso deve ser elogiado. Exigem detalhamentos em contratos e acordos. Uma boa negociação pode significar negócios por muito tempo, pois quando sentem confiança as portas se abrem. (Acuff, 1998). Alemanha Alemães são rápidos nas negociações e exigem pontualidade. As piadas sobre trens que saem às 14:38h da estação e que são considerados atrasados se saírem às 14:39h são verdadeiras. Há obsessão por controles rígidos, processos eficientes e pontualidade, tanto para iniciar quanto para terminar uma reunião. Um relacionamento profissional para se tornar amizade enfrenta um processo longo e demorado. A hierarquia é respeitada, e apreciam quem também respeita. Como é um país de economia fundamentada na indústria, e como os alemães são orgulhosos da excelência de seus produtos, falar elogiosamente sobre automóveis, vinhos, cerveja e alimentos locais é considerado de bom-tom. São muito formais, resguardando suas intimidades aos muito próximos. As pessoas são tratadas pelo título (senhor, doutor etc.) acrescido do sobrenome, confirmando a formalidade. As negociações são duras e exigem uma pauta com sequência lógica, sempre com vestimenta bastante formal. É imprescindível demonstrar profundo conhecimento técnico daquilo que se está negociando, pois qualquer deslize faz com que percam a confiança na sua capacidade. Pessoas que demonstram autoridade e organização são apreciadas (Martinelli, Ventura e Machado, 2004). Trecho de negociação internacional baseada na influência cultural Cumprimentos: os cumprimentos na Alemanha são os mesmos de qualquer cultura, porém na língua 242 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO nacional, tais como: Hallo, Guten Tag (olá), Guten Morgen (bom dia), Guten Abend (boa noite), Danke (obrigado), Vielen Dank (muito obrigado), Bitte schön (por nada), Willkommen (bem-vindo). Os alemães são mais cerimoniosos, um simples aperto de mão e às vezes um aceno ao cumprimentar alguém é o suficiente para cumprir com a parte de um relacionamento social. Beijos no rosto são para familiares e amigos mais chegados. Primeiro nome: os alemães dão muito valor ao status e por isso, chamá-los pelo primeiro nome pode lhes parecer invasão de privacidade. Ao telefone ou mesmo em conversas são usadas palavras como: Herr (senhor), Frau (senhora) ou Fräulein (senhorita) seguidos do último nome transparecendo-se respeito, devido, aos primeiros nomes serem utilizados geralmente para familiares e amigos. Além disso, os alemães gostam de ser reconhecidos pelo título acadêmico, ou seja, é ideal dirigir-se a estas pessoas como Herr Doktor (quando este tem doutorado) e Herr Professor (quando for professor). Outra questão muito importante é a utilização do Sie (a forma formal de dizer, você), sempre utilizado com pessoas que não temos tanta afinidade, ao contrário do Du (você, informalmente). Tempo: na Alemanha, a pontualidade é um fator cultural fundamental no processo de negociação, se você chegar de cinco a dez minutos atrasado isso já será considerado um ponto crucial para atingir o sucesso da negociação. Caso haja algum motivo para um atraso, o melhor a ser feito é ligar para a 243 Unidade IV pessoa que está lhe esperando comunicando o fato e posteriormente notificar seu atraso por escrito. E, se necessário remarcar a data e horário de uma reunião, prepare-se para uma explanação consistente, pois, como mencionado, a pontualidade para os alemães é algo sagrado. Outro detalhe a ser observado, é o período de férias, entre Julho e Agosto, pois estar in Urlaub (férias) para alemães é importantíssimo. Horário de trabalho: os alemães preferem que as reuniões de negócios sejam marcadas entre as 10:00 e 13:00 horas e/ou das 15:00 as 17:00 horas. É considerável evitar reuniões em tardes de sexta-feira, pois em alguns casos os escritórios encerram suas atividades entre as 14:00 e 15:00 horas neste dia. Linguagem Corporal: Os alemães são pessoas mais cerimoniosas, jamais cumprimente uma pessoa como se faz no Brasil, beijando no rosto. E, quando se for cumprimentar uma pessoa, simplesmente dê um simples aperto de mão e jamais deixe a outra no bolso, pois isto é tido como uma grande ofensa a eles. Evitar encostar-se nas pessoas enquanto está falando, e manter-se a certa distância da pessoa é ideal porque os alemães são extremamente formais. Os alemães não gostam que façam perguntas sobre a sua vida pessoal, consideram este ato como invasão de privacidade. Senso de humor: algo muito curioso é o humor dos alemães, que varia conforme o tempo. Assim, no verão as pessoas ficam mais felizes e bem humoradas. 244 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Logo, não há como ser diferente, no inverno, onde as 16:00 horas já é noite, assim ficam mais quietos, de cara fechada, entretanto no verão a hora do pôr do sol é às 22:00 horas. Mas de forma geral, os alemães sorriem pouco. Idioma: o alemão padrão, ou seja, o Hochdeustch é a língua oficial da televisão, dos negócios, dos jornais, mas a língua alemã é rica em dialetos, está também presente na forma escrita, em muitos casos com o dialeto pode-se reconhecer o lugar de origem do alemão, todos os alemães possuem orgulho da cidade onde nasceram. Uma diferença muito grande com o Brasil é a pronuncia dos números, onde todos são falados ao contrário, ou seja, de trás para frente. Presentes: presentes são sempre bem vindos em qualquer cultura, porém é necessário ter alguns cuidados, na Alemanha não é diferente, evite presentear roupas, perfumes, é algo muito pessoal, e cuidado ao levar cerveja porque é a bebida oficial da Alemanha. A cultura do país é conservadora, então se decidir presentear alimentos, cuidado para não ser algo exótico. Se for convidado a um jantar ou a uma festa, considere uma honra, o povo alemão é bastante individualista. E se assim for, leve flores com número ímpar, dito como mais educado e, como no Brasil, rosas vermelhas significam amor, todavia os lírios são utilizados em funerais. Roupas: os alemães tendem a vestir-se com cores conservadoras. Geralmente em um negócio, 245 Unidade IV homens e mulheres vestem ternos formais, de tons escuros e conservadores. No entanto, as mulheres devem evitar joias de forma demasiada e artigos que possam indicar riqueza (Bornhofen, Kistenmacher, 2007). Itália Povo orgulhoso de sua origem, os italianos têm formação cultural e religiosa bastante profunda. Por serem latinos e bastante ligados às relações familiares, e consequentemente às relações amorosas, são negociadores em que a emoção entra na balança de qualquer negociação. Processos de negociação podem ser longos, pois discutem detalhes e revisam partes que não ficaram claras. Os horários de refeições são apropriados para iniciar negociações, e é de bom-tom elogiar a culinária e os vinhos locais. É bastante comum convidar o negociador estrangeiro para suas casas, onde presentes são bem-vindos. Horários nem sempre são cumpridos, e é útil carregar consigo muitos cartões de visita, pois é comum que várias pessoas sejam apresentadas durante o processo. Ser conhecido é uma das chaves do sucesso, então o negociador estrangeiro deve buscar proximidade com as pessoas chave, bem como ter relacionamento com as pessoas de acesso. O sul da Itália é mais informal que o norte, mas em qualquer parte o importante é não ter pressa. Mulheres estrangeiras são tratadas de maneira galante – muitas vezes em excesso – por negociadores italianos, que prezam a arte da conquista e a técnica do convencimento (Acuff, 1998). Japão Faz parte da etiqueta, tão prezada pelos japoneses, esperar que a outra parte defina como será o cumprimento: reverência tradicional ou aperto de mãos ocidental. Os japoneses 246 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO apreciam que o início das conversas seja sobre as belezas do país, ou sobre a cultura e culinária. É muito útil, ao invés de apresentar a si mesmo, ser apresentado por algum japonês, pois a cultura da apresentação formal é muito valorizada. Perguntas de cunho pessoal, mas sem detalhamentos, são consideradas uma boa maneira de começar uma negociação. Caso perguntado, responda educadamente e retribua com perguntas do mesmo tipo: isso mostrará interesse e provavelmente aproximará as partes. Os japoneses são por definição uma sociedade coletiva, portanto não é prudente entrar numa sala sozinho para negociar: há o hábito de negociações coletivas, com pausas silenciosas que devem ser respeitadas, e com a frequente interrupção para obter aprovações de escalões superiores não presentes. Não se deve ter pressa, e deve-se respeitar o fluxo normal das negociações japonesas. Muitas vezes, um “sim” dito por um japonês não significa aceitação, mas simplesmente reconhecimento de ter entendido o que você falou. Agradecer sempre, com respeito e com deferência com o de maior nível é visto como positivo (Martinelli, Ventura e Machado, 2004). E, caso vá a um karaokê ou restaurante com japoneses participantes da negociação, onde são razoavelmente comuns exageros comportamentais, nunca traga para o dia seguinte comentários sobre a noite anterior: os japoneses separam muito claramente os momentos de lazer e os momentos de trabalho (Costa e Sancovsky, 2005). Acuff (1998) destaca que além dos fatores macro econômicos que condicionam as negociações internacionais o fator cultural é um dos mais importantes. Destaca ainda o uso do tempo, o individualismo vs. orientação coletiva, a estabilidade de funções e conformidade, e padrões de comunicação, entre os fatores culturais que afetam as negociações entre culturas. Estas ideias do autor são desenvolvidas a seguir: 247 Unidade IV Fator tempo: o uso do tempo varia conforme a cultura. Muitas culturas avaliam os americanos como obcecados com o horário, comportando-se como prisioneiros do relógio e das limitações do horário. Impossível imaginar a Bolsa de Valores de Nova York abrindo, nos dias úteis, entre 9h e 10h, ou o segundo turno de uma fábrica começando por volta das 15h. Na América Latina, pode-se esperar que uma sessão comece meia hora depois da hora marcada. Um atraso de dois meses num projeto no Oriente Médio pode ser considerado normal do que anormal. Fator individualismo vs. orientação coletiva: a questão do “eu” vs “nós” é abordada a exemplo da cultura norte-americana onde as pessoas são bem individualistas, enquanto que os japoneses somente possuem a consciência do grupo, explicando assim a lentidão com a qual tomam decisões, sendo necessário que todos os integrantes do grupo concordem com a decisão sobre a negociação. Os norte-americanos ainda buscam negociar com o representante mais importante para não perderem tempo, ao contrário das culturas centradas no grupo, foco da negociação. Fator estabilidade de funções e a conformidade: podem ser percebidos em culturas que valorizam o modo como as coisas são feitas, enquanto outras culturas valorizam o conteúdo. Os japoneses, valorizam o ritual, a formalidade, aspectos que permitem conhecer a outra pessoa garantindo estabilidade e previsibilidade nas negociações. Em contrapartida, os norte-americanos, suíços e alemães despendem maior atenção ao conteúdo das negociações do que à maneira que as mesmas são conduzidas, geralmente com pouca rigidez. 248 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Fator padrões de comunicação: a clareza na comunicação, tanto verbal e não verbal, é um aspecto essencial das negociações internacionais. Em termos de cultura, os padrões podem ser entendidos como de “denso” ou de “baixo” conteúdo. O conteúdo é do tipo “denso” quando o significado está embutido na mensagem no contexto de comunicação, enquanto no conteúdo do tipo “baixo”, o significado está naquilo que foi explicitamente enunciado e não no contexto em que foi enunciado, isto é, enquanto em alguns países a comunicação do tipo “denso” exige que o receptor identifique a intenção da mensagem, em outros a comunicação deve ser aberta e direta. O conflito surge quando, por exemplo, o negociador cuja comunicação é de “denso” conteúdo, percebe seu interlocutor como insensível e agressivo ou o contrário acontece, quando o negociador de “baixo” conteúdo acredita que a outra parte não responde (ALMEIDA e al. 2005). 8.9 Casos práticos de negociação e solução de conflitos Os exemplos que você vai analisar a seguir foram extraídos do livro Negociação e solução de conflitos de Dante P. Martinelli e Ana Paula de Almeida. O objetivo desta leitura é verificar práticas de negociação relacionadas aos tópicos que você estudou nesta apostila. Os autores analisaram os casos baseados em informações publicadas pela imprensa e estão aqui transcritos na íntegra, conforme publicado na obra citada. Caso 1 - O Estilo de Negociação de Hitler e de Gandhi em Casos Célebres 249 Unidade IV Este exemplo procurou levantar alguns estilos de personalidades importantes de épocas históricas, Hitler e Gandhi, segundo os respectivos contextos. A Primeira Guerra Mundial propiciou novos conflitos, pois o Tratado de Versalhes disseminou forte sentimento nacionalista, dando origem ao nazi-fascismo. A política de paz, adotada por muitos líderes no período entre guerras, e que se caracterizou por concessões para evitar um conflito, não conseguiu garantir a paz internacional. Consolidaram-se, assim, os regimes totalitários, visando conquistas territoriais, o que desencadeou a Segunda Guerra Mundial. Com os nazi-fascistas governando a Alemanha e a Itália, a política internacional foi aos poucos tornando-se conflituosa, pois as pequenas nações sentiram-se lesadas em seus direitos territoriais e políticos, ficando a mercê dos Estados mais poderosos. O Japão, descontente com sua posição internacional, invadiu a Manchúria em 1931; a Itália invadiu a Etiópia; a Alemanha, desobedecendo às decisões do Tratado de Versalhes, em 1935, reincorporou o Sarre, restabelecendo o serviço militar obrigatório e, em 1936, ocupou militarmente a Renânia — zona com a fronteira francesa, desmilitarizada pelo Tratado de Versalhes. Para evitar mais confrontos, outros países assistiram ao fato resignadamente. A Guerra Civil Espanhola deu a Hitler e Mussolini, associados ao militar golpista espanhol Francisco Franco, condições de testar seus novos armamentos e acabar com a Nova República Espanhola, consolidando a aliança Hitler-Mussolini, denominado eixo Berlim-Roma. Pouco depois, o Japão se uniu ao eixo, encontrando na passividade geral ânimo para novas investidas territoriais, assinando o Pacto Antikomintern para combater o comunismo internacional. 250 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO A primeira manifestação significativa da expansão nazista aconteceu na Áustria, anexando-a ao Terceiro Reich; depois foi a vez da Tchecoslováquia, que por melo de um acordo entre Inglaterra, França, Alemanha e Itália, entregou-a aos nazistas. Hitler desejava conquistar o corredor polonês, área que dava a Polônia saída para o mar. Então, fixou o Pacto Germanosoviético de não agressão e neutralidade, por dez anos, com a União Soviética. Em 1939, Hitler invadiu a Polônia que, apoiada pela Inglaterra e França, reagiu, dando início à Segunda Guerra Mundial. A Alemanha de Hitler rompeu o tratado com a União Soviética, quando decidiu buscar minérios, petróleo e cereais neste país. O sucesso nos primeiros meses levou os nazistas até os subúrbios de Moscou, mas, no final, os alemães experimentavam duras derrotas, devido principalmente ao vasto território, a resistência da população e a chegada do inverno rigoroso. O Japão, ao atacar a base americana no Pacífico, é guerreado pelos EUA, pondo fim a expansão totalitária do eixo europeu. Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo organizou-se sobre novas bases, destituindo a Europa como eixo do poder mundial, e elegendo Washington e Moscou como os novos centros de poder, reativando o confronto entre socialistas e capitalistas. Fixou-se, assim, a bipolarização do mundo, marcada pela tensão internacional, alimentada pelo conflito ideológico e político dos EUA e URSS. Diante desses conflitos, as classificações dos estilos podem ser feitas conforme os autores estudados. No modelo de Jung, Hitler possuía estilo restritivo, no qual o negociador tem impulsos de controle e desconsideração para forçar um acordo, já que não há possibilidade de cooperação entre os envolvidos e cada um se preocupa com seus próprios interesses. Então, o único resultado aceitável para esse negociador é ganhar. Segundo a classificação feita por Cohen (1980:120), Hitler tinha estilo ganha/perde. As características extremamente 251 Unidade IV nacionalistas que determinavam seu governo (antidemocracia, antioperariado, antissocialismo) priorizavam interesses da minoria e centrada em Hitler. A Guerra, por si só, já buscava o ganha/perde, pois o líder alemão acreditava que a luta era tudo, podendo transformar qualquer coisa desejada... Assim, sua política era centrada em suas vontades, em sua posição. Na teoria de Fisher e Ury (1985:47), Hitler teve como estilo negociador o de reconhecer as necessidades e interesses do povo alemão da época, que a fez o maior líder. Também podiam ser identificadas, no líder alemão, algumas características do estilo duro de Gottschalk (Apud Rojot, 1991), tais como: • estabelecimento de posição firme e clara, visto que a doutrina nazista tinha princípios básicos bem definidos (racismo, totalitarismo, anti-imperialismo, nacionalismo); • conhecia muito bem seus objetivos, que eram vingar-se da humilhação do Tratado de Versalhes; era determinado a atingir sempre o melhor, tentando reunir todo a povo germânico da Europa numa grande nação; • era líder nato, procurando manter a controle, governando de forma centralizada; identificava suas oportunidades, aproveitando, por exemplo, as humilhações do Tratado de Versalhes e a crise econômica para promover a expansão do nazismo; • não se importava com o pensamento dos outros sobre o nazismo; • era dominador e agressivo, prova disso foi a eliminação dos partidos políticos, supressão das organizações sindicais, ampliação do poder central. 252 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Em se tratando de Mahatma Gandhi, foi figura importante no processo de independência da Índia, propondo consegui-la por melo da resistência pacífica, desobediência civil e ação não violenta contra os colonizadores ingleses. Assim, promoveu greves, passeatas, boicotes e envolveu a maioria da população hindu e muçulmana, obrigando a Inglaterra a abandonar gradualmente a Índia, evitando confronto racial com a metrópole. A Índia tornou-se domínio britânico em 1763, após o Tratado de Paris, que excluiu a França da colonização da Península lndostânica. Em 1858, o território deixava de ser administrado pela companhia das Índias Orientais Britânicas, passando a ser diretamente controlado pela coroa. A luta pela independência começa em 1885, com a criação do Congresso Nacional Indiano (ou Partido do Congresso), partido nacionalista da população hindu. Em 1906, era criada a Liga Muçulmana, organização nacionalista da população muçulmana. Em 1947, foi confirmada a retirada inglesa, acirrando os conflitos étnicos e religiosos entre hindus e muçulmanos, permitindo a divisão do país, e causando milhares de mortes. A partir daí, surgiram três novos países: a União da Índia, essencialmente hinduísta, e governada pelo líder do Partido do Congresso, Jawaharal; o Paquistão, predomínio muçulmano e governado por All Jinnah e o Sri Lanka, antiga ilha do Ceilão com predomínio budista. As desigualdades sociais, as rivalidades étnico-religiosas e a instabilidade política marcavam continuamente toda a região. Em 1948, em meio aos conflitos religiosos e políticos, Gandhi foi assassinado. Em 1984, a sucessora de Nehu, Indira Gandhi, teve o mesmo fim. Em 1991, durante campanha eleitoral, seu filho, Rajiv Gandhi, também foi assassinado. As tentativas governamentais de evitar a generalização dos conflitos não têm conseguido eliminar a constante ameaça de fragmentação, o aumento da miséria e as crescentes ações extremistas de diversos grupos políticos. 253 Unidade IV Assim, conforme o modelo de Jung, Gandhi apresenta aspectos do estilo confrontador, pois a questão envolvida busca necessariamente um resultado e envolve altos interesses e um conflito litigioso. Utiliza táticas como a virtude e a reunião, apesar de apresentar características de outros estilos, quando opta pelo baixo risco, ou seja, o uso da não violência. Na Índia, tem-se a figura de Gandhi como libertador dos domínios ingleses. Todavia, segundo a visão proposta por Cohen (1980:120), houve nesse estilo um pouco de ganha/perde, na negociação Índia-Inglaterra, visto que Gandhi se utilizava de táticas emocionais (desobediência civil, não violência, resistência pacífica), colocando-se numa posição extremada de passividade, para sensibilizar o povo indiano, na tentativa de liderá-los contra a Inglaterra. Mostrava-se a favor do povo e por isso tinha autoridade limitada. Se não eram satisfeitas suas vontades, fazia greve de fome, boicotes, passeatas contra o regime inglês. Contudo, Gandhi consegue instituir o ganha/ganha entre o povo, quando uniu muçulmanos e hindus em função de um objetivo comum: libertar a Índia da Inglaterra, mesmo que, depois, esses povos começassem a brigar. Vale lembrar que a Inglaterra cedeu à Índia aos poucos, para não perder a influência regional. É possível perceber também os esforços do líder indiano em não se concentrar em garantir ganhos mútuos, mas corrigir injustiças, mudar uma situação desfavorável ao seu país, ou melhor, tentar alterar uma relação ganha/perde, considerando a possibilidade de um relacionamento futuro entre esses países. Em momento algum Gandhi desviou-se de seus objetivos, não atacou os ingleses, concentrando-se nos problemas. Porém, foi incapaz de identificar os interesses ingleses, o que talvez tivesse lhe poupado muitos esforços, principalmente depois da Segunda Guerra, quando a Inglaterra, afetada diretamente pela mesma, não podia mais arcar com os custos de manter uma colônia como a Índia, sendo este um dos principais motivos que levou o governo inglês a reconhecer a independência da Índia. 254 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Na classificação de Gottschalk (apud Rojot, 1991), Gandhi possui alguns traços importantes do estilo caloroso. Era amigo, não se preocupava apenas com as pessoas de seu país, se dispôs a ajudar nativos e miseráveis, moral e materialmente, organizou colônias agrícolas e hospitais e continuou a exortar seus compatriotas, ensinando-lhes seus princípios de fraternidade. Tinha também características do estilo duro, visto que era homem que não se intimidava diante do conflito. Nesse contexto, nota-se a importância de se identificar os estilos dos negociadores envolvidos, a fim de que se possam definir ações correspondentes a eles, sendo igualmente importante conhecer o próprio estilo para desenvolver habilidades que permitam melhorar alternativas possíveis na negociação. Como exemplo, pode-se citar a derrota de Hitler na Segunda Guerra Mundial, que rompeu o tratado de não agressão, pelo interesse em petróleo, cereais e minérios existentes na URSS. Talvez, se se conhecessem os interesses russos, fosse possível negociar um acordo mais lucrativo para as partes. Hitler, porem, não permitiu o desenvolvimento de melhores alternativas para a situação. Ainda é possível concluir que, quanto mais se conhecem os estilos de negociação, mais os negociadores são flexíveis em seus estilos, assumindo posturas diversas em função da situação em que se encontram, para obter resultados desejáveis as partes, sem que seja necessário fazer concessões ou assumir posições para se chegar a um acordo sensato. Caso 2 - Negociação internacional — Rondini Comércio Exterior Essa negociação analisa uma empresa, Rondini Comércio Exterior, intermediária na importação e exportação de produtos de uma cooperativa de comerciantes da área de pescados e similares na região de Ribeirão Preto. Essa empresa estava interessada na importação de uma grande quantidade de 255 Unidade IV bacalhau da Noruega, que deveria suprir o mercado regional durante a Semana Santa. Como a exigência prioritária era de um preço competitivo, ganhou o fornecedor norueguês que satisfazia tal exigência. O exportador, entretanto, só realizaria o negócio mediante pagamento antecipado da encomenda. A condição foi aceita pelos importadores, com um porém: o Incoterm (International Commercial Terms — regras de âmbito internacional que definem responsabilidades quanto ao pagamento de frete, seguro e despesas portuárias) a ser adotado seria do tipo CIF (Cost, Insurance and Freight). Efetuado o pagamento, restava apenas receber a mercadoria no Porto de Santos, prevista para dez dias antes da Semana Santa, e transportá-la até a região, através de caminhões. Na última hora, os exportadores noruegueses comunicaram que haveria um atraso de sete dias na entrega da mercadoria, sendo esta entregue, então, três dias antes da Semana Santa. Apesar de tudo, os importadores aceitaram, pois não tinham nenhuma outra opção. A mercadoria chegou dentro do novo prazo previsto, porém ficou retida no porto devido à greve, por prazo indeterminado, adiando a liberação do produto para vinte dias depois da Semana Santa. Por ser um produto sazonal, após a Semana Santa o consumo cairia drasticamente, o que significaria dificuldade de vender todo o produto importado. Essa demora acarretaria sérios problemas de liquidez para a cooperativa, já que esta não teria a receita esperada com a venda do bacalhau, e ao mesmo tempo enfrentaria problemas referentes aos custos de armazenamento muito altos. 256 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Na tentativa de obter uma solução favorável para as partes envolvidas, a Rondini negociou com os noruegueses, que se preocupavam em manter a boa imagem no mercado global, e com a cooperativa, que queria o ressarcimento da quantia paga antecipadamente. Como a devolução da mercadoria era inviável, devido à continuidade da greve e aos altos custos de frete, sugeriu-se a busca de opções de ganhos mútuos, as que satisfizessem os interesses de ambas as partes, ou seja, a distribuição de quase toda a mercadoria, via transporte rodoviário, para a região centro-sul do país, com prioridade para aquelas de maior concentração de descendentes de imigrantes portugueses, grandes consumidores de bacalhau, sendo o custo do transporte arcado pelos noruegueses. Na região de Ribeirão Preto, o produto seria vendido por preço 10% superior ao combinado, sendo, ainda assim, valor competitivo no mercado nacional, estabelecendo-se que a acréscimo de 10% na receita seria dividido igualmente entre a cooperativa e os exportadores. Analisando a negociação, pode-se constatar que o importador falhou quando tinha como única opção o exportador norueguês. O ideal seria criar várias alternativas e estabelecer a sua MAANA, ou seja, várias opções possíveis e o mínimo que poderia ser aceito para, no caso de uma não dar certo, ter-se outra “à mão”, ou mesmo para se ter condições de exigir melhores acordos. Por exemplo, o importador poderia negociar com o norueguês a questão de pagar antecipado, se tivesse outro fornecedor do produto que aceitasse pagamento na data de entrega do produto. A questão do tempo é fator primordial para a negociação, já que se trata de produto perecível e de consumo sazonal, sendo necessária a venda até determinado momento; caso contrário, perde-se a produto. Isto possibilita que o acordo realizado não 257 Unidade IV seja verdadeiramente o melhor, já que as decisões e acordos devem ser tomados rapidamente, talvez deixando escapar uma melhor análise de determinado ponto, mais favorável à situação. Embora a negociação tivesse sido apressada, a empresa intermediadora procurou negociar com exportadores noruegueses e importadores brasileiros, baseada nos interesses de cada um, já que sabia de suas necessidades (poder de conhecer as necessidades), buscando opções de ganhos mútuos. Esse intermediador, apesar de também ter interesses econômicos num bom acordo entre exportador e importador, serviu como uma terceira pessoa para encaminhar a solução mais viável para os envolvidos, não favorecendo nenhum dos lados. O poder da legalidade também esteve presente quando do firmamento do negócio, no qual foi utilizada a condição Incoterm. Dessa forma, pode-se verificar que o estilo da Rondini para lidar com o impasse foi o confrontador, analisado por Sparks (1992:157), já que, como mediador, buscava o melhor acordo global diante da circunstância dada, apreciando as necessidades e interesses de cada um, trabalhando com todos os envolvidos para chegar a um acordo sólido. Outro estilo que pode ser detectado na empresa intermediadora é o negociante, estando atento à flexibilidade, ao compromisso e à integração e orientação para resultados ganha/ganha, aproveitando as oportunidades que surgem no momento em que se está negociando. O estilo toma e controla, proposto por Atkins e Katcher (apud Bergarnini, 1980:67), também tem alguns aspectos presentes na negociação em questão, pois tem como orientação básica os objetivos e metas a serem alcançados, buscando aproveitar sempre todas as oportunidades que surgem no ambiente, respondendo eficazmente às situações de pressão que possam surgir. 258 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO Nesse contexto, é possível ressaltar que os conflitos originados durante as negociações são solucionados na forma do “empurra para solução do conflito”. Essa tentativa de solução de conflito procura desenvolver a criatividade, trazendo novas ideias para a negociação, a fim de se estabelecer os objetivos a serem atingidos, dando ênfase à ação, movimento e cumprimento do acordo, valorizando a flexibilidade dos negociadores. Além disso, a solução do conflito busca um compromisso, o qual faz com que cada parte ceda um pouco para não haver prejuízos maiores. A empresa norueguesa cede ao pagar o frete do produto estocado, e a empresa brasileira, que estava comprando o produto aumenta um pouco o preço do produto para dividir os lucros igualmente com os exportadores e a cooperativa. Há, pois, um enfoque de barganha para lidar com o conflito. Caso 3 - Negociação comercial internacional — empresa Frateschi Essa negociação enfoca uma transação internacional da empresa Frateschi, produtora de locomotivas (modelos) para os mercados interno e externo. A negociação era a respeito do valor dos trenzinhos a serem exportados para os EUA, primeiro cliente de um mercado ainda não atingido pela empresa. Esse cliente comprava artigo parecido de Hong Kong. Contudo, com a valorização do Yen, tornou-se inviável a negociação do produto. Então, o cliente convidou a Frateschi para trabalharem juntos. Em reunião com o novo cliente da empresa Frateschi, nos EUA, o presidente desta mostrou a tabela de preços, que não foi bem aceita pelo cliente americano, dizendo ser impraticável um acordo, pois a antigo fornecedor (de Hong Kong) tinha preços menores. Sem querer perder a viagem, o empresário brasileiro argumentou sobre a diferença de qualidade do produto que 259 Unidade IV produzia e do produto do fornecedor de Hong Kong, que realmente era inferior. Também esclareceu ao novo cliente que não poderia perder tal oportunidade, pois estava ali a possibilidade de aumentar o mercado da empresa e, consequentemente, as vendas, propondo-se, inclusive, reestruturar o plano de produção para atender a demanda adicional proveniente desse possível acordo e, dentro disso, reavaliar os custos envolvidos, para determinar o quanto poderia ceder na proposta feita anteriormente. Retornando aos EUA, durante um almoço informal num restaurante agradável, com conversa descontraída, em clima de amizade, o empresário apresentou a nova tabela, bem como todo o know-how que a empresa possuía para produzir as mercadorias que estavam em negociação. Ao final do almoço, fornecedor brasileiro e cliente americano fecharam a conta do restaurante e firmaram o acordo sobre o negócio. Dentro dessa perspectiva, pode-se verificar que os moldes de negociação internacional diferem dos existentes no Brasil. Nesse caso, percebe-se que o americano valoriza a sinceridade de seus fornecedores ou clientes, colocando as cartas na mesa para a conquista da credibilidade, e certeza de um acordo ganha/ ganha, bem como um relacionamento posterior duradouro, que possibilite novas negociações. Em se tratando do empresário americano, pode-se constatar a utilização do poder do precedente, afinal o fornecedor de Hong Kong fornecia produtos mais baratos. A questão foi resolvida quando o empresário brasileiro citou sua habilidade em produzir produtos parecidos, no entanto, de melhor qualidade (poder da habilidade/especialidade). A situação informal e descontraída em que a negociação aconteceu também soma favoravelmente para um acordo ganha/ganha, em que se conhece melhor as partes pessoalmente, seus hábitos, maneiras de se comportar, tendo-se a certeza 260 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO de que realmente é interessante e viável a discussão sobre determinado assunto. Já para o empresário brasileiro, o bom relacionamento com o cliente, após a negociação, é imprescindível, dando margem a novos negócios, além do mais “... o sucesso de meu cliente é meu próprio sucesso”. Isso pode ser retratado no fato de que as partes não participaram efetivamente de um conflito de interesses, mas de uma discussão construtiva sobre o que seria mais interessante para os envolvidos nas questões que estavam sendo negociadas. A discussão de uma melhor alternativa de acordo pode ser caracterizada pela apresentação clara e aberta dos fatos, das impressões e dos interesses de cada um nas negociações. Assim, negociar com pessoas em alguns países no exterior pode ser bem diferente de negociar com empresários nacionais. Aqueles são extremamente profissionais, entendem as limitações de seus clientes/fornecedores, dão abertura para a exposição de interesses e criação de laços de confiança, enquanto estes são extremamente desconfiados, espertalhões, “embrulhões” e desejam tirar vantagem sempre que for possível. De acordo com o empresário brasileiro, o importante em uma negociação com o exterior é “colocar as cartas na mesa”, ou seja, expor todos os seus interesses e necessidades. Isso permite confiança por parte do cliente na negociação a ser firmada. Por isso, o estilo adotado nesta negociação é o amigável, visto que há a preocupação de manter um relacionamento duradouro, com possibilidades de negociações futuras. Os negociadores são simpáticos e cooperativos, utilizam certa diplomacia para buscar soluções efetivas dos interesses. Sob a classificação de Gottschalk (1974), o estilo característico é o caloroso, que indica como aspectos básicos a ênfase nos interesses e metas comuns, o reconhecimento da 261 Unidade IV interdependência, a compreensão dos valores das partes, confiança e disposição para colaborar. Caso 4 - J. Walter Thompson Publicidade — Caso Lux Luxo Este exemplo foi extraído de uma das negociações realizadas pela empresa de publicidade J. Walter Thompson com seus clientes. A empresa, atuando no Brasil desde 1929, possui departamento de criação, mídia, planejamento, pesquisa e desenvolvimento, atendimento, entre outros. A empresa ressalta a importância dos conceitos de negociação, inclusive pelo fato de atuar num ramo em que a parceria, a habilidade, o estilo, a ética e uma boa finalização das negociações são essenciais, dirimindo possíveis conflitos sem utilizar subterfúgios e truques que denigram o relacionamento cliente-agência, de forma que o ápice da negociação seja alcançado, isto é, um acordo ganha/ganha. A negociação analisada deu-se com a Gessy Lever, produtora do sabonete Lux Luxo e Lux Suave (desde a década de 60); envolvia valor monetário de uma campanha a ser desenvolvida pela agência, já que em 1986 a Gessy Lever perdia participação de mercado nesse segmento. A perda era devida ao surgimento de novas opções do mesmo produto (sabonete), a perda da imagem do produto de alta qualidade, e também ao fato de ter ocorrido mudança no comportamento feminino a partir de 1970, passando este da concepção de se tornar uma estrela de cinema para tornar-se uma mulher dinâmica do dia a dia, trabalhadora e lutadora por seu espaço. Então, anteriormente, a estratégia utilizada pela Gessy Lever era a de atrair as mulheres que queriam consumir o sabonete das grandes estrelas de Hollywood; com a mudança de comportamento, era necessário atrair as mulheres independentes, que saíam de casa para trabalhar, ajudando a construir o mundo igualitário. 262 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO A partir de então, a agência de publicidade propôs uma solução criativa de elaborar uma alta e inédita qualidade de produção, que iria custar a Gessy Lever US$ 1,2 milhão. Dado que a empresa se dispunha a pagar apenas US$ 400 mil, inicia-se o impasse e o surgimento de um conflito. O projeto ficou parado na área de marketing, embora a empresa quisesse aperfeiçoar sua qualidade. A área de marketing não tinha como levar em frente um projeto que ultrapassava três vezes seu orçamento previsto. A agência de publicidade envolveu o diretor de atendimento, um nível hierárquico acima do qual se costuma trabalhar nos casos de orçamento, dada a existência do impasse e a importância do fechamento do acordo para a J. Walter Thompson. O responsável pela agência começou a buscar outros canais de comunicação, procurando explicar ao diretor de marketing que o projeto era ambicioso e invariavelmente precisaria de um investimento adicional, ou seja, a agência buscou o maior número possível de alternativas para o acordo, além de fornecer informações mais detalhadas sobre o trabalho a ser desenvolvido, visando facilitar para a empresa decidir a favor do desenvolvimento do projeto. As técnicas utilizadas propiciavam que o conflito fosse gerenciado de forma positiva, sem que as posições fossem consideradas, e que os interesses fossem satisfeitos. A ação para lidar com o conflito foi a que empurrou a solução, visto que o responsável pela agência, assumindo sua autoridade dentro da hierarquia da empresa, buscou novas ideias e definiu ações que iam ao encontro dos objetivos estabelecidos. O conflito litigioso, conforme proposto por Sparks (1992:102), que permite solução ganha/ganha, pode ser considerado característica dessa negociação, pois o ponto negociado era de alta importância para todos os envolvidos. 263 Unidade IV Vale lembrar que a solução desse conflito litigioso foi imperativa, pois não houve tentativas de dominação, nem mesmo barganha de posições; em vez disso, buscou-se uma solução que atendesse completamente aos interesses das partes. Foi utilizada também a mediação para a solução do conflito. No caso, o diretor de atendimento, que, mesmo não sendo imparcial no processo de negociação, foi imprescindível para que novas visões fossem agregadas à solução do impasse, ajudando a buscar o melhor caminho para o acordo. Nesse contexto, o estilo característico que permitiu melhor lidar com o conflito foi o colaborativo, estilo que é, ao mesmo tempo, confrontador e cooperativo, apropriado para buscar solução na qual os interesses dos envolvidos são muito importantes. Sob a ótica do modelo de Jung, o estilo utilizado por esses negociadores foi mistura do amigável, visto que houve cooperação das partes na busca do melhor acordo, com o objetivo de manter um bom relacionamento, vislumbrando oportunidades futuras de trabalho, com algumas características do estilo confrontador, no qual a confiança e o controle se combinam para buscar a equidade de um acordo sólido para solucionar altos interesses envolvidos. E na classificação de Gottschalk (1974), o estilo utilizado pode ser caracterizado como caloroso, o qual favorece a colaboração, a compreensão, o conhecimento das necessidades e os interesses dos negociadores, ávidos por respostas positivas às negociações, solucionando da melhor maneira possível eventuais conflitos que possam existir. Assim, o diretor de marketing da Gessy Lever, após conversa com a agências de publicidade para buscar mais informações, fez uma proposta: queria negociar com a produtora a possibilidade de o pagamento ser parcelado em quatro vezes e propôs que a agência abrisse mão de seus honorários, já que recebia 15% sobre o montante pago à produtora. O critério que o diretor de marketing usou para persuadir a agência a aceitar a proposta foi a questão da repercussão; 264 MARKETING DE VAREJO E NEGOCIAÇÃO caso esta fosse boa, geraria mais negócios para a agência. Nesse caso, o diretor soube utilizar sua capacidade persuasiva. Foi estipulado, então, um prazo de 24 horas para que a agência apresentasse uma resposta. Terminado o prazo, a agência tinha uma contraproposta: o custo da produção seria parcelado, só que em dólar, para não haver perda do valor. Além disso, a mesma se disporia a não receber os honorários sobre a produção, mas queria maior investimento em mídia (a agencia recebe 20% sobre o valor destinado a mídia). O resultado do acordo foi a marca reconquistar a liderança de mercado e a agência sair fortalecida, pois a campanha teve muito sucesso e repercussão. Ou seja, consumou-se um acordo ganha/ganha. A partir de então, é possível detectar a busca do melhor meio de se comunicar com o cliente e fazê-lo aceitar o projeto elaborado. A presença nas negociações de um contato de nível superior na hierarquia da agência, algo incomum no processo normal de conversação, define a importância dada pela agência ao cliente. Isto sinalizava à Gessy Lever a necessidade de contar com a agência de publicidade para realizar a campanha, podendo utilizar este poder de maneira a conseguir o acordo que desejava. É importante ressaltar, entretanto, que esse poder não necessariamente precisa ser usado para prejudicar o oponente, no caso, a agência; o cliente tem o poder de conhecer as necessidades da agência e sabe ponderá-lo para conseguir melhor acordo para todas as partes. Outro aspecto importante está relacionado com a reunião realizada entre cliente e agência. O contato permitiu major integração entre os negociadores, além de proporcionar uma busca de informações requisitadas pelo cliente, tanto a respeito do que seria desenvolvido na campanha, quanto na confirmação do cumprimento ou não do acordo a ser firmado pelos interessados. Ambos souberam ouvir, discutir e armazenar as informações para negociar um acordo melhor. 265 Unidade IV O tempo também aparece, no caso, como fator imprescindível para a solução da negociação. Vê-se que a agência tem apenas 24 horas para aceitar ou não e fazer uma contraproposta. De certa forma, o pouco tempo pode ter influenciado a decisão da agência (de não receber honorários, por exemplo), sendo que, se dispusesse de um pouco mais de tempo, analisaria melhor a proposta do cliente, podendo ter outra solução. Entretanto, o acordo foi firmado com satisfação das partes envolvidas: o cliente satisfeito com a recuperação da liderança do produto no mercado e a agência fortificada com o sucesso da campanha. Acima de tudo, permaneceu a possibilidade de futuros contatos para novos negócios, novas negociações, novos projetos, além da possibilidade de os acordos serem como este, ou seja, ganha/ganha. A questão da ética, tão considerada pela empresa, deve-se principalmente ao fato de ser uma multinacional, tendo seus padrões de trabalho extremamente rigorosos determinados no exterior; há cobrança de maximização dos resultados dessas negociações e de lucro, como consequência. Isto pode ser visto na empresa, por meio da implementação de cursos voltados para a solução de situações conflitantes e impasses, baseados em The Thompson way, sistema de perguntas que busca localizar o cliente no negócio (planejamento, estratégia e briefing). Referências bibliográficas ABMAPRO. Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização. Disponível em <http://www.abmapro.org.br/ page/marcapropria_panorama.asp>, visto em 19/10/2010 ACUFF, F. L. Como negociar qualquer coisa com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. São Paulo: Edit. Senac, 1998. ALBERTIN, Alberto Luiz. Comércio eletrônico: modelo, aspectos e contribuições de sua aplicação. 6 ed. 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