Temas Relevantes para
a Justiça do Trabalho
Estudos em homenagem
aos 20 anos da AMATRA XXIV
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BÓris Luiz Cardozo de Souza
JÚlio César Bebber
Maurício Sabadini
Organizadores
Temas Relevantes para
a Justiça do Trabalho
Estudos em homenagem
aos 20 anos da AMATRA XXIV
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CEP 01224-001
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Julho, 2015
Versão impressa — LTr 5189.9 — ISBN 978-85-361-8479-1
Versão digital — LTr 8745.0 — ISBN 978-85-361-8489-0
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Temas relevantes para o justiça do trabalho : estudos em homenagem aos 20
anos da AMATRA XXIV / Bóris Luiz Cardozo de Souza, Júlio César Bebber,
Maurício Sabadini, organizadores. — São Paulo : LTr, 2015.
Vários autores
1. AMATRAS — Associação dos Magistrados Trabalhistas da 8ª Região
(PA/AP) — História 2. Direito do trabalho 3. Justiça do trabalho I. Souza, Bóris
Luiz Cardozo de. II. Bebber, Júlio César. III. Sabadini, Maurício.
14-11197
CDU-347.998:331
Índice para catálogo sistemático:
1. Justiça do trabalho : Direito 347.998:331
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SUMÁRIO
Apresentação ..................................................................................................................7
Prefácio.............................................................................................................................9
Tutelas de Urgência: uma Reanálise do Fumus Boni Iuris e do Periculum
In Mora à Luz de seus Objetivos Específicos ...................................................11
Amaury Rodrigues Pinto JÚnior
Análise Crítica do CÓdigo de Ética da Magistratura Nacional .................22
BÓris Luiz Cardozo de Souza
EleiçÕes Diretas para os Cargos Diretivos dos Tribunais ............................38
Carlos Henrique Bezerra Leite
Processo Judicial EletrÔnico na Justiça do Trabalho — Breves consideraçÕes .....................................................................................................................66
Christian G. M. Estadulho
Discriminação e Igualdade de Oportunidades no Direito do Trabalho ...70
Estêvão Mallet
Benefícios Assistenciais e Geração de Renda por Meio do Trabalho:
ReflexÕes Preliminares .........................................................................................92
Fátima Regina de Saboya Salgado
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Proteção ou Discriminaçãoӓ Passando a Limpo Algumas Normas de
Tutela do Trabalho da Mulher .......................................................................100
Flávio da Costa Higa; Regina Stela Corrêa Vieira
Combate às Fraudes do Registro EletrÔnico de Ponto. Impacto e Análise da Portaria MTE n. 1.510/09 .......................................................................116
José Luciano Leonel de Carvalho
Execução de Título ProvisÓrio: Instrumento de Efetividade e Tempestividade Processuais ............................................................................................128
JÚlio César Bebber
Duração Razoável do Processo e Aplicação Subsidiária do CÓdigo de
Processo Civil ao Processo do Trabalho ......................................................141
Mauro Schiavi
1984 – Um Marco para a Compreensão do Judiciário Brasileiro.................154
Renato Luiz Miyasato de Faria
O AcÚmulo de FunçÕes e o Direito ao Aumento Salarial.............................168
Renato Sabino Carvalho Filho
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APRESENTAÇÃO
Ao Leitor
Os Juízes do Trabalho associados à Associação dos Magistrados do Trabalho
da 24ª Região — AMATRA XXIV sempre se orgulharam de integrar os quadros
desta associação de classe, pois, em seus 20 (vinte) anos de história a AMATRA
XXIV pautou sua atuação na defesa dos interesses dos integrantes da magistratura,
sem deixar de participar das batalhas para que todos os Poderes da República
observassem em suas atividades os princípios básicos e de sustentação do Estado
Democrático de Direito.
Mais uma vez buscando engrandecer o nome desta Associação e em comemoração aos 20 anos de sua Fundação, os associados da AMATRA XXIV, contando
com a colaboração dos ilustres professores Carlos Henrique Bezerra Leite, Estêvão
Mallet e Mauro Schiavi, resolveram editar esta obra com diversos artigos que
trazem a público, visões destacadas e apuradas sobre o Panorama Atual da Justiça
do Trabalho.
Almeja-se com esta publicação marcar de forma positiva as comemorações pelos 20 anos de existência da AMATRA XXIV, brindando a comunidade
jurídica com estes breves e especializados ensaios sobre temas relevantes na seara
laboral.
Bóris Luiz Cardozo de Souza
Presidente da AMATRA XXIV
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PREFÁCIO
Ao tempo do seu vigésimo segundo aniversário, revelando uma inegável
maioridade científica e ideológica, a AMATRA XXIV apresenta ao grande público,
em opúsculo organizado pelos valorosos juízes Bóris Luiz Cardozo De Souza, Júlio
César Bebber e Maurício Sabadini, estes Temas Relevantes para a Justiça do Trabalho:
Estudos em homenagem aos 20 anos da AMATRA XXIV.
O leitor encontrará, nas próximas páginas, artigos que tanto afirmam posições
historicamente caras às associações de juízes — a exemplo daqueles relacionados
às eleições diretas para os cargos diretivos dos tribunais (rectius: eleições ampliadas
e diretas, por um colégio eleitoral que albergue os juízes de 1º e de 2º graus) ou ao
polêmico processo judicial eletrônico (em especial o “PJe-JT”) —, como dissecam
temas candentes para o próprio exercício da postulação e da jurisdição — p. ex.,
aqueles dedicados à aplicação subsidiária do processo civil ao processo laboral, às
tutelas de urgência, à execução de títulos provisórios, ao acúmulo de funções e ao
combate às fraudes no registro eletrônico de ponto e à discriminação no Direito do
Trabalho —, ou, enfim, propõem reflexões valiosas sobre questões sensíveis para a
melhor compreensão do nosso tempo — como os estudos relativos ao papel social
dos benefícios assistenciais e aos desafios e gargalos do Judiciário nacional.
Reunir textos tão variegados, da lavra de autores tão distintos (nas duas
acepções do vocábulo), e ainda assim manter algum norte: eis o desafio, que não
perfaz tarefa fácil para um organizador. Neste livro, se há um norte, seguramente
será este: não é possível pensar validamente o Estado e o Direito, senão com o filtro dos
valores constitucionais, para a partida, e as balizas da boa razão, para a chegada. Afinal,
mesmos pontos de partida não asseguram iguais caminhos. Toda opção ideológica
fundamentalista é, por princípio, viciada. O que nos torna racionais, por óbvio, não
é a fé; é a razão. Cogitar é essencial, mesmo para quem firma convicções a priori e
pretende agir coerentemente.
Pessoalmente, tenho dúvidas da natureza “científica” do Direito. Meus
alunos bem o sabem. Mas, ainda que haja uma Ciência do Direito, será bom recordar
sempre a advertência de Albert Einstein:
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Imagination is more important than knowledge. For knowledge is limited to all
we now know and understand, while imagination embraces the entire world, and
all there ever will be to know and understand.
As letras seguintes têm ciência e imaginação. Talvez não o convençam, caro
leitor. Mas seguramente o farão refletir.
Bon voyage!
São Paulo, 29 de março de 2015.
Guilherme Guimarães Feliciano
Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação Nacional
dos Magistrados da Justiça do Trabalho — ANAMATRA (gestão 2013-2015). Juiz Titular da 1ª Vara do
Trabalho de Taubaté/SP (15ª Região).
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TUTELAS DE URGÊNCIA: UMA REANÁLISE
DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM
IN MORA À LUZ DE SEUS OBJETIVOS
ESPECÍFICOS
Amaury Rodrigues Pinto Júnior(*)
1. Harmonização de princípios constitucionais: efetividade e segurança
jurídica
Quando o Estado proíbe a autotutela generalizada(1) e chama para si a responsabilidade de solucionar os conflitos de interesses não resolvidos espontaneamente
entre os particulares, faz promessas que, muitas vezes, são difíceis de cumprir.
Trata-se das garantias constitucionais estampadas no art. 5º, incisos XXXV(2) e LV(3),
da Constituição Federal, as quais, em que pesem a lógica e a obviedade resplandecentes, em muitas situações, mostram-se incompatíveis e inconciliáveis.
(*) Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região — MS. Professor da Escola da Magistratura
do Trabalho de Mato Grosso do Sul — EMATRA — MS. Doutorando em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
pela Universidade de São Paulo — USP.
(1) Na prestigiada Teoria Geral do Processo, os professores Araújo Cintra, Ada Grinover e Dinamarco esclarecem
que “Apesar da enérgica repulsa à autotutela como meio ordinário para a satisfação de pretensões em benefício
do mais forte ou astuto, para certos casos excepcionalíssimos a própria lei abre exceções à proibição”. (CINTRA,
Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo.
17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 29).
(2) “XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 18. ed. São Paulo: RT, 2013).
(3) “LV — aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (Idem).
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O inciso XXXV assegura acesso ao Poder Judiciário para todos aqueles que se
dizem lesionados ou ameaçados em seus direitos subjetivos. Esse compromisso não
se esgota na simples possibilidade de obtenção da tutela jurisdicional, sendo indispensável que ela seja eficaz e que realmente concretize o direito vindicado quando
reconhecido. É nesse sentido que Bedaque registra, com toda a propriedade, que
“o direito de ação deve ser visto como garantia de efetividade, isto é, deve conferir
ao seu titular a possibilidade de exigir do Estado instrumento apto a solucionar as
controvérsias de maneira adequada e útil”(4). É preciso, pois, que o Estado não apenas
declare a existência do direito, mas também assegure a sua completa usufruição(5).
O princípio constitucional da efetividade, portanto, representa a promessa solenemente assumida pelo Poder constituído quando tomou para si a responsabilidade
de dirimir os conflitos que lhe fossem submetidos.
Como afirmado de início, contudo, essa não foi a única promessa. Também
como consequência lógica e inafastável do monopólio jurisdicional, o Estado assumiu o compromisso de proporcionar aos litigantes o direito de apresentarem suas
alegações e a possibilidade de demonstrarem os fatos que as sustentam. Mais do
que isso, após essa atividade cognitiva exauriente, há a garantia de que a decisão de
mérito assuma, esgotadas as possibilidades de insurgência, contornos definitivos.
Em suma, como resultado de um processo indispensavelmente dialético, espera-se,
porquanto assim o quis a Carta da República, uma tutela que tenha por escopo a
outorga do direito a quem efetivamente seja seu detentor segundo a ordem jurídica positivada. Esse provimento deverá ter aptidão para se tornar indiscutível,
resolvendo definitivamente o litígio. Garante-se, assim, a segurança jurídica(6), indispensável para a confiabilidade das instituições que integram um ordenamento
social fundamentalmente democrático.
Não é difícil perceber, entretanto, que a observância de um processo dialético,
com respeito ao princípio do contraditório e da ampla oportunidade de defesa, demanda certo lapso temporal(7), enquanto que, não raras vezes, o tempo atua como
agente corrosivo de direitos(8) e a delonga exigida pelo princípio da segurança jurídica poderá resultar na absoluta inutilidade da tutela jurisdicional(9).
(4) BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 82.
(5) Como sintetizou Barbosa Moreira “em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de
ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento”.
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade e técnica processual. Revista Forense, v. 329, ano 91, p. 97-104).
(6) Nesse sentido sintetiza Teori Zavascki: “Resumindo: a tutela jurisdicional prometida na Constituição é tutela de
cognição exauriente, que persegue juízo o mais aproximado possível da certeza jurídica; é tutela definitiva, cuja
imutabilidade confere adequado nível de estabilidade às relações sociais; é, em suma, tutela que privilegia o valor
segurança.” (ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 24).
(7) É como ensina Márcio Louzada Carpena, “A dilação de tempo para se auferir o resultado final da prestação
jurisdicional é questão inafastável à própria disposição jurídica moderna, e fundamentalmente processualista, que
se preocupa com a dialética processual, a ampla defesa, o respeito aos prazos mínimos, etc.”. (CARPENA, Márcio
Louzada. Do processo cautelar moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 22).
(8) A expressão é de Dinamarco em DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013.
(9) ZAVASCKI lembra que: “é direito de quem litiga em juízo obter do Estado a entrega da tutela em tempo e em
condições adequadas a preservar, de modo efetivo, o bem da vida que lhe for devido, ou, se for o caso, obter dele
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O problema da tensão de princípios fundamentais associados ao direito de
ação e à correspondente prestação jurisdicional não é exclusividade do sistema
processual brasileiro. Outros sistemas jurídicos democráticos, diante do problema,
também buscaram soluções técnicas tendentes a harmonizar “segurança jurídica”
e “efetividade”, visto que não se concebe eliminar radicalmente um deles(10).
As medidas cautelares, observadas as modulações inerentes aos diversos
sistemas jurídicos, foram as primeiras ferramentas destinadas à conservação dos
direitos em litígio. Verde, em interessante ensaio comparativo entre as medidas
cautelares brasileiras e italianas, registrou com precisão:
[...] la necessità del processo cautelare nasce da una inevitabile e, direi, naturale
‘disfunzione’ del processo ordinario, che mai è in grado di dare in tempi reali
una risposta alla domanda di giustizia e, meno che mai, è in grado di fare ciò nei
tempi attuali, nei quali lo ‘scarto’ temporale tende ad allungarsi sempre più ed
in maniera inarrestabile.(11)
Na Alemanha vislumbra-se igual preocupação com a efetividade da jurisdição,
tanto que o § 935 do ZPO coloca à disposição do autor medidas preventivas cujo
escopo é impedir que modificações do status quo frustrem ou dificultem a realização
do direito(12). A busca pela efetividade, no entanto, não está restrita às medidas cautelares ou simplesmente preventivas. Na Itália, por exemplo, o legislador instituiu a
condanna con riserva, possibilitando que o julgador, diante de robusta prova do fato
constitutivo e alegações defensivas que demandem dilação probatória, conceda um
provimento condenatório antecipado, sujeito à condição resolutiva eventual. Em
outras palavras, há possibilidade de o juiz antecipar a tutela pretendida, impondo
ao réu o ônus da necessária dilação probatória(13). Na França, também com características antecipatórias, existem as ordonnance de référé(14), consistentes em decisões
provisórias proferidas a pedido de uma das partes, na presença ou convocação da
medida de garantia de que tal tutela será efetivamente prestada no futuro. Sem essa qualificação, a da efetividade, a tutela jurisdicional estará comprometida e poderá ser inteiramente inútil”. (ZAVASCKI, Teori Albino. Op.
cit., p. 27-28).
(10) Ofenderia o princípio da salvaguarda do núcleo essencial qualquer solução jurídica que, diante da tensão entre
princípios fundamentais, resultasse na aniquilação de um deles. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional.
5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 630).
(11) VERDE, Giovanni. Il processo cautelare (osservazion sparse sui codici di procedura in Italia e in Brasile). Revista
de Processo, n. 79, ano 20, p. 35, jul./set. 1995.
(12) Consigna a seção 935 do Código de Processo Civil Alemão: “Injunctions regarding the subject matter of the
litigation are an available remedy given the concern that a change of the status quo might frustrate the realisation
of the right enjoyed by a party, or might make its realisation significantly more difficult”. (ALEMANHA. Código
de processo civil. Tradução para o inglês oferecida pelo Ministério da Justiça alemão e realizada por Carmen von
Schöning. Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_zpo/englisch_zpo.html#p3421>. Acesso
em 12.9.2013).
(13) O instituto é analisado com profundidade por SCARSELLI, Giuliano. La condanna con riserva. Milano: Giuffrè,
1989. p. 400-525.
(14) O provimento é estudado por LE BOT, Olivier. Le guide des référés administratifs et des autres procédures
d’urgence devant le juge administratif. Paris: Dalloz, 2013.
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outra, nos casos em que a lei confere a um juiz não vinculado ao processo principal
o poder de ordenar imediatamente as medidas necessárias(15).
O legislador brasileiro utiliza várias técnicas para alcançar efetividade na
prestação jurisdicional. Algumas sem prescindir de cognição exauriente, ainda
que parcial(16), e solução definitiva, enquanto que outras alicerçadas em cognição
sumária e consubstanciadas em medidas provisórias e precárias. Entre as primeiras
(de cognição exauriente) podemos relacionar a sumarização de procedimentos(17)
e ações de cognição parcial(18). Neste ensaio, porém, pretende-se tratar apenas das
últimas medidas referidas, aquelas que se satisfazem com uma cognição sumária
e de caráter provisório. Trata-se de procedimentos que integram as denominadas
“tutelas de urgência”(19) que abrangem medidas cautelares(20), antecipação de tutela(21) e medidas inibitórias(22).
2. Diferença teleolÓgica entre as tutelas de urgência
De longa data, o ordenamento jurídico brasileiro conhece o sistema da tutela
cautelar, tanto que, na histórica classificação de tutelas, temos, ao lado das cognitivas
e executivas, também com regulamentação procedimental própria, as cautelares.
Com caráter instrumental e escopo original nitidamente preventivo, foi regulada
(15) A definição é de Jean Vincent e Serge Guinchard: “L’ordonnance de référé est une décision provisoire rendue
à la demande d’une partie, l’autre présente ou appelée, dans les cas où la loi confère à un juge qui n’est pas saisi
du principal le pouvoir d’ordoner immédiatement les mesures nécessaires”. (VINCENT, Jean; GUINCHARD, Serge.
Procédure civile. Paris: Dalloz, 1981. p. 177).
(16) Ao falar em cognição exauriente em contraposição à sumária e cognição plena em contraposição à parcial,
faz-se referência à classificação de Kazuo Watanabe, que esclarece que a cognição pode, sob aspecto horizontal,
abarcar a integralidade do litígio (plena) ou apenas parte dele (parcial), enquanto que no enfoque vertical (profundidade) a cognição poderá ser exauriente (completa) ou sumária (incompleta). (WATANABE, Kazuo. Da cognição
no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987).
(17) É possível citar o procedimento dos juizados especiais, o sumário e o sumaríssimo como tentativas de obtenção
de celeridade sem prejuízo de cognição exauriente e solução definitiva.
(18) Embora parcial, a cognição é exauriente nos limites propostos pela lei, como é o caso das possessórias, em
que não é possível discutir a propriedade, e o mandado de segurança, que só abarca o direito líquido e certo.
Não é possível deixar de destacar, ainda que, em algumas oportunidades, a lei, na busca da efetividade, dispensa
integralmente a cognição, que passa a ser diferida e eventual. Claro que falamos da execução de títulos extrajudiciais (art. 585 do CPC).
(19) A expressão provém dos provvedimenti d’urgenza do direito processual italiano (art. 700), mas é preciso
lembrar a advertência de Marinoni quanto à impropriedade de se classificar no gênero as tutelas de urgência e
espécies as medidas cautelares e as antecipações de tutela, isso porque a antecipação de tutela não ocorre apenas
em casos de urgência, mas também quando há abuso do direito de defesa (art. 273, II, do CPC). (MARINONI,
Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 45).
(20) Arts. 796 e seguintes do CPC. (BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Código de processo civil e constituição
federal. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 2013).
(21) Arts. 273 do CPC. (idem)
(22) As liminares em ações inibitórias (art. 461, § 3º, do CPC) também têm característica de antecipação de tutela,
porém, para efeitos didáticos, é melhor individualizá-las, como, aliás, o próprio legislador o fez, já que diversos
seus pressupostos e finalidade.
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pelo Código de Processo Civil em livro próprio(23), em que se estabeleceu um iter
procedimental comum para as medidas cautelares genéricas ou inominadas e
individualizou-se o procedimento de diversas medidas cautelares específicas(24).
As cautelares constituem-se em medidas que buscam preservar o bem da vida
para que, em caso de sentença favorável, seja possível a sua fruição. Elas atuam na
garantia da utilidade do provimento jurisdicional definitivo(25), daí o seu caráter
instrumental. Tendo em conta esse intuito conservatório, elas não são destinadas
a satisfazer o direito subjetivo almejado(26), mas apenas garantir a possibilidade de
usufruição futura. Ao tratar do tema, Marinoni destaca que “há tutelas que dão
ao autor, desde logo, aquilo que ele somente poderia obter após a pronúncia da
sentença. Tais tutelas não são cautelares, porém antecipatórias. A tutela cautelar
apenas assegura a possibilidade da realização efetiva do direito”(27).
Ocorre que a sociedade moderna cada vez mais necessita e exige que a ordem
jurídica seja implementada não somente com efetividade, mas também com celeridade. Não basta apenas conservar e proteger o direito subjetivo para que, no futuro,
seja possível sua efetivação, é preciso que a efetivação seja quase que imediata(28).
Essa necessidade não passou despercebida por advogados e juízes, que, na falta de
instrumentos processuais eficazes, passaram a utilizar as cautelares inominadas para
requerer e o poder geral de cautela (art. 798 da CPC) para conceder providências
de caráter nitidamente satisfativo(29). Entretanto, como registrou Marinoni, essa
(23) Livro III, desde o art. 796 e até o art. 812, tratando das disposições gerais e, a partir do art. 813, regulando
medidas cautelares específicas. (BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Op. cit.).
(24) Algumas, inclusive, sem a mínima característica cautelar, como é o caso da justificação (arts. 861-866) e dos
protestos,notificações e interpelações (arts. 867-873). (idem)
(25) É nesse sentido que destaca Bedaque: “Tutela cautelar é providência requerida antes ou no curso do processo
de cognição ordinária, destinada a neutralizar perigos que possam comprometer a efetividade (ou a frusttuosità)
do resultado final”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit., p. 36).
(26) Registrem-se raríssimas exceções em que o direito só tem utilidade se exercitado imediatamente, como é o caso
da prestação de alimentos, especificamente relacionada entre as cautelares, mas que ficariam mais bem classificadas
como “medidas interinais” (ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 28-29). Ovídio Baptista é categórico ao afastar
a natureza cautelar da liminar concedida em ação de prestação de alimentos (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da;
GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 348).
(27) MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. p. 59. Na mesma obra, mais adiante, Marinoni acrescenta: “A tutela
que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A prestação jurisdicional
satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar,
realiza missão que é completamente distinta da cautelar”. (MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p. 107)
(28) Como assinala Bedaque: “O processo, como instrumento de realização do direito material e dos valores sociais
mais importantes, deve proporcionar esse resultado com rapidez, sob pena de tornar-se inútil”. (BEDAQUE, José
Roberto dos Santos. Op. cit., p. 75). Não custa recordar, ainda, conhecido postulado de Chiovenda, segundo o
qual “a duração do processo não pode causar dano ao autor que tem razão”. (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições
de direito processual civil. 2. ed. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965).
(29) Ao tratar da reforma do Código de Processo Civil que instituiu a tutela antecipada, Barbosa Moreira bem
registrou a falta de instrumentos adequados à célere entrega do direito e a alternativa encontrada pelos operadores jurídicos: “A opção preferida foi a de recorrer às formas do processo cautelar, para veicular pretensões que
nem sempre tinham verdadeiramente natureza cautelar. Era como se, diante das dificuldades, da demora, que são
inerentes ao processo civil de conhecimento, notadamente ao processo ordinário, se buscasse um atalho para
chegar mais fácil e rapidamente ao objetivo visado”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do código de processo civil. Revista de Processo, n. 81, ano 21, p. 198-211, jan./mar. 1996)
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utilização instrumental da cautelar satisfativa não constituiu abuso ou ilegalidade,
“pois, não fosse tal norma, em muitos casos concretos o princípio chiovendiano de
que a ‘durata del processo non deve andare a danno dell’attore che ha ragione’ não teria
sido observado”(30).
Premido pelas circunstâncias(31), o legislador aprovou a Lei n. 8.952/94, que
modificou a redação do art. 273 do CPC e oficializou ferramenta adequada à antecipação dos efeitos da tutela final. Diante dessa regulamentação, não mais se justifica
a utilização do poder geral de cautela para satisfação antecipada de direitos, até
mesmo em razão das diferenças finalísticas entre os dois institutos, mas principalmente porque são distintos seus pressupostos, conforme se verá adiante. Por ora, é
suficiente assentar a discrepância teleológica entre a tutela cautelar, com fim assecuratório da viabilidade de exercício futuro de um direito, e a tutela antecipatória, que
objetiva o exercício imediato de um direito que poderá ser reconhecido no futuro.
Ainda, no âmbito das medidas de urgência, é preciso incluir as liminares
previstas na seara das tutelas inibitórias. Essas liminares, como já dito, não deixam de tipificar antecipação de tutela (no caso, tutela inibitória), mas, diante da
especificidade do direito material envolvido, o legislador processual previu-as, de
forma específica, no art. 461, § 3º, do CPC. E, realmente, enquanto as cautelares têm
função assecuratória e as antecipatórias procuram satisfazer com rapidez o direito
subjetivo invocado, a tutela inibitória tem finalidade preventiva. Seu objetivo principal é evitar a prática, repetição ou continuidade de ocorrência de um ato ilícito.
Em consequência dessa particularidade finalística, também seus pressupostos são
diferenciados, o que dá sentido à sua individualização sistêmica e didática.
Destaque-se que a ação inibitória é autossuficiente para proporcionar a definitiva
satisfação do direito tutelado, uma vez que é resultado de uma cognição exauriente.
Relembre-se que, quando se fala em urgência, não se faz referência à tutela inibitória
propriamente dita, mas sim à liminar prevista no art. 461, § 3º, do CPC(32).
Também sobre o assunto discorreu Teresa Wambier: “Ocorre, ademais, que tais hipóteses, ao longo das últimas
décadas, se vieram mostrando cada vez mais necessárias. Daí falar-se em cautelares atípicas ou satisfativas. Deflui
nitidamente desse esforço de adaptação dos instrumentos às necessidades emergentes dos conflitos surgidos
na vida em sociedade, que o processo, na exata medida de ser instrumento, de não se confundir com o direito
material e por ser ciência autônoma, é dinâmico”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Revista de Processo, n. 80,
ano 20, p. 105, out./dez. 1995).
(30) MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 120.
(31) O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que integrou e presidiu as comissões de reforma do Código de Processo Civil, destacou a carência de instrumentos efetivos e o clamor por medidas adequadas: “[...] as alterações
objetivando suprir a nossa carência legislativa de tutela de urgência, com cognição sumária tão reclamada entre
nós e, fundamentadamente, pela corrente liderada por Ovídio Baptista da Silva, não se localizam especificamente
no Livro III do Código, mas em outros setores, que também foram objeto de atenção. Na realidade, a nossa ação
cautelar inominada tem sido utilizada anomalamente, como técnica de sumarização, contra o anacronismo e a
morosidade do procedimento ordinário [...].” (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A efetividade do processo e a reforma
processual. Revista Ajuris, ano XX, n. 59, p. 262, nov. 1993).
(32) “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final,
é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar
poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. (BRASIL. Código de Processo
Civil (1973). Op. cit.).
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01/07/2015 08:31:40
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