® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br Princípio da fungibilidade e termo inicial do prazo de três dias para realizar o pagamento. (art. 652, caput, CPC) Ticiano Alves e Silva * Elaborado em 07.2008. Sumário: 1. Introdução – 2. Por uma pacificação no caso concreto - 3. Princípio da fungibilidade: breves ilações – 4. Aplicação do princípio da fungibilidade no caso de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo de três dias para a realização do pagamento (art. 652, caput, CPC) – 5. Conclusão – 6. Referências. Resumo: defende-se, uma vez mais, a aplicação do princípio da fungibilidade na temática "prazos processuais", tendo presente a existência de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo para o executado realizar o pagamento da dívida, previsto no art. 652, caput, do CPC. Palavras-chave: princípio da fungibilidade – execução de título extrajudicial – Lei 11.382/2006 – prazo para pagamento – art. 652, caput, CPC. 1. Introdução Com o advento da Lei 11.382/2006, muito se tem discutido acerca do termo inicial do prazo de três dias para a realização do pagamento da dívida, na execução fundada em título extrajudicial. Dúbia a lei, duas correntes se apresentam, ambas juridicamente razoáveis. Uma corrente defende a posição que referido prazo deve ser contado a partir da data da citação. Fundamenta-se no art. 652, §1º, do Código de Processo Civil (CPC), o qual prevê que, não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora dos bens e a sua avaliação [01]. Outra, que referido prazo conta-se da juntada aos autos do mandado de citação cumprido, conforme a disciplina geral prevista no art. 241, CPC [02]. Não se pretende, nesta sede, tornar ainda mais acesa tal controvérsia, defendendo-se o acerto de uma ou outra posição, ambas, como já dito, juridicamente razoáveis. Alternativamente, propõe-se uma pacificação, até quando uma pacificação nesse sentido é possível. 2. Por uma pacificação no caso concreto Defende-se uma pacificação no caso concreto; não no tablado das discussões teóricas. É que as partes não podem restar prejudicadas simplesmente porque existe um fundado dissenso doutrinário e jurisprudencial sobre o termo inicial de um prazo processual. Ora, sendo ambas as posições juridicamente razoáveis, ambas as posições devem ser aceitas no caso concreto como corretas, sob pena de desnaturar a natureza instrumental do processo, tornando-o, como meio, mas importante ontologicamente do que os fins a que se destina. Reitera-se, por pertinente: não pode a parte ser prejudicada simplesmente porque não existe um consenso doutrinário ou jurisprudencial sobre o termo inicial de um prazo. Isto seria surreal! Por isso, sustenta-se, uma vez mais, a aplicação do princípio da fungibilidade no caso de dúvida fundada sobre prazo. É que já se teve a oportunidade de defender a possibilidade de conhecimento de ato em tese intempestivo no caso de dúvida fundada sobre a natureza do prazo do art. 2º, caput, da Lei 9.800/99, que prevê a prática de atos via fax [03]. Naquele caso, tratava-se de saber se o prazo de cinco dias para a apresentação dos originais em juízo era ou não prazo novo, surgindo daí a dúvida sobre o último dia para a confirmação do ato [04]. Na ocasião, defendeu-se que tanto uma como outra corrente deveria ser aceita, tomando-se como tempestivo tanto o ato daquela parte que considerou o interregno de cinco dias novo prazo como daquela que o considerou continuação do primeiro. Presentemente, cuida-se de dúvida fundada sobre o termo inicial para a contagem do prazo, tendo como válidas as mesmas premissas que à época assentou-se a respeito do princípio da fungibilidade, as quais se passa a expor, posto que sucintamente. 3. Princípio da fungibilidade: breves ilações O princípio da fungibilidade, corolário direto do princípio da instrumentalidade, foi objeto de novas interpretações [05] e não deve mais ser concebido segundo aquela visão tradicional que restringia sua aplicação a pouquíssimos casos – notadamente recursos e tutelas de urgência- ou a condicionava ao preenchimento de requisitos desnecessários, para não dizer obstativos mesmo do exercício do direito fundamental à prestação jurisdicional. Tradicionalmente, são considerados requisitos para a aplicação do princípio da fungibilidade: (i) inexistência de erro grosseiro, (ii) observância do prazo inicialmente previsto para a prática do ato substituído, considerado o apropriado (exemplo: a apelação interposta no lugar do agravo deveria obedecer ao prazo de dez dias previsto para este recurso e não o de quinze daquele) e (iii) existência de dúvida objetiva. Criticamente, vale dizer, apresentando o princípio da fungibilidade como deve ser entendido contemporaneamente, para além de uma aplicação tradicional, ou tradicionalista, pode-se afirmar que: (i) o requisito da inexistência de erro grosseiro referido pela doutrina tradicional nada mais é que a dúvida fundada vislumbrada sob outra perspectiva. Afinal, quem incide em erro grosseiro, não o faz em razão de dúvida fundada; quem possui dúvida fundada, não incide em erro dito grosseiro. (ii) a observância do prazo constitui, certamente, no mais descabido dos requisitos, uma vez que, existindo situações de dúvida fundada abarcando recursos com prazo de interposição diferentes, a exigência de cumprimento desta condição tornaria sem efeito o próprio princípio da fungibilidade. Acredita-se que tal idéia derive da desacertada concepção de que o princípio da fungibilidade só tem cabimento quando possível a conversão de um meio em outro. A palavra-chave, contudo, não é "conversão" e sim "aceitação". Trata-se de aceitar- e não de converter- um meio por outro. Veja, fungibilidade quer significar justamente isso: substituição. Caso contrário, inadaptações procedimentais levariam à impossibilidade irremediável de aplicação do princípio da fungibilidade [06]. (iii) o único requisito para aplicação do princípio da fungibilidade é a existência de dúvida fundada [07], assim considerada aquela originária (i) da impropriedade da lei, (ii) do dissenso doutrinário e/ou jurisprudencial e (iii) no proferimento pelo juiz de um ato no lugar de outro tido como correto. 4. Aplicação do princípio da fungibilidade no caso de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo de três dias para a realização do pagamento (art. 652, caput, CPC) No caso do termo inicial do prazo de três dias para o executado efetuar o pagamento da dívida, como demonstrado, verifica-se um dissenso doutrinário claro e, não sendo o caso de falar-se em "impropriedade da lei", pode-se vislumbrar, no mínimo, uma dubiedade desta. Se a presença de somente uma dessas razões já seria suficiente para aplicar-se o princípio da fungibilidade, o que dizer quando a lei dá margem a mais de uma interpretação juridicamente razoável, produzindo efeitos diretos na doutrina que se formou e vem se formando, tendo em vista que a Lei é relativamente recente, não se podendo nem mesmo precisar a orientação predominante nos Tribunais. Com isso, a aplicação do princípio da fungibilidade se impõe. Assim, o benefício previsto no parágrafo único do 652-A, vale dizer, a redução à metade dos honorários advocatícios, deve ser conferido também ao executado que efetuar o pagamento no prazo de três dias contados da juntada do mandado de citação aos autos. Por óbvio, nada justifica a aplicação da fungibilidade nos casos de o executado realizar o pagamento no prazo de três dias contados da data de citação. É que, independentemente desta posição ser tida como a adequada ou não, o ato terá sido praticado em menor tempo, logo, tempestivamente. Impõe-se, entretanto, uma ressalva de suma importância: se no mandado de citação constar expressamente que o prazo de três dias para pagamento da dívida contar-se-á a partir da citação, revelando, portanto, a opção do juízo por uma das duas possíveis interpretações, o executado não poderá lançar mão do princípio da fungibilidade, porque aí, acredita-se, deixaria de existir o requisito da dúvida fundada que dá azo à aceitação de uma tese por outra. 5. Conclusão Defende-se, assim, uma vez mais, a aplicação do princípio da fungibilidade na temática "prazos processuais", tendo presente a existência de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo para o executado realizar o pagamento da dívida, previsto no art. 652, caput, do CPC. Posto isto, o pagamento realizado no prazo de três dias contados da juntada aos autos do mandado de citação deve ser considerado tempestivo e, portanto, válido, a fim de se ter reduzidos à metade os honorários advocatícios, ressalvando-se, contudo, a hipótese de no mandado de citação constar advertência quanto à adoção pelo juízo de posição diversa da previamente assumida pela parte, quando, então, será inadmissível falar em dúvida fundada. 6. Referências ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. O termo inicial do prazo para pagar na execução de título extrajudicial. Revista de Processo, n. 150. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. SILVA, Ticiano Alves e. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade: possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de existência de dúvida fundada sobre a natureza do prazo de art. 2°, caput, da Lei 9.800/99. Revista de Processo, n. 150. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ______. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Notas 01 Nesse sentido, MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 113. Assim também SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 202. 02 Nesse outro sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 442. Assim também ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. O termo inicial do prazo para pagar na execução de título extrajudicial. Revista de Processo. Ano 32, n. 150, agosto de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 158. 03 Confira-se: SILVA, Ticiano Alves e. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade: possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de existência de dúvida fundada sobre a natureza do prazo de art. 2°, caput, da Lei 9.800/99. Revista de Processo. Ano 32, n. 150, agosto de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 04 Lê-se: "Neste cenário, o presente escrito destaca-se como de grande importância. Imaginese, por exemplo, que a parte tenha protocolizado petição de embargos de declaração via fax em 13.04.2007, sexta-feira. Pela primeira posição, a apresentação do original se daria em 20.04.2007. Pela segunda, dia 18.04.2007". Idem, ibidem. 05 Pioneiramente, cite-se WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 06 Assim, Teresa Wambier: "Este é um ponto que merece reflexão: o princípio da fungibilidade não deve gerar a necessidade de conversão de um meio, no outro. Como conseqüência inexorável e inafastável da incidência do princípio, tem-se o exame do pedido da parte e a aceitação do meio eleito por ela, desde que se esteja diante de uma zona cinzenta. A necessidade de conversão não é inerente à idéia que está por detrás do princípio da fungibilidade, até porque, dificuldades de ordem procedimental poderiam levar alguém a concluir no sentido de que, por serem insuperáveis tais dificuldades, o princípio não deveria incidir." WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.136. 07 "Antes de delimitar o alcance do requisito da dúvida objetiva, importa dizer que não existe dúvida objetiva. Em verdade, toda dúvida é subjetiva, porquanto proveniente da compreensão íntima (pessoal) parcial e/ou incerta de determinado objeto cognoscível pelo intérprete. Quer-se dizer com dúvida objetiva, verdadeiramente, dúvida fundada, vale dizer, que encontra razão de ser, que não é absurda ou ilógica". SILVA, Ticiano Alves e. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade: possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de existência de dúvida fundada sobre a natureza do prazo de art. 2°, caput, da Lei 9.800/99. Revista de Processo. Ano 32, n. 150, agosto de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. * Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogado. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11586 > Acesso em: 11 ago. 2008.