EDUCAÇÃO DIALÓGICA E PARTICIPATIVA
Claudete da Cruz Cardoso1
Claudia Battestin2
Jorge Orlando Cuellar3
Resumo
É sabido que o processo educativo é fortemente influenciado pela evolução da sociedade. No
decorrer dessa evolução, muitos conceitos e objetivos são construídos e reconstruídos, assim
como variam também os valores, pois, de acordo com os objetivos a serem atingidos, exige-se
uma escalada de valores para concretizar o conceito estabelecido. Assim, ao se tratar o conceito
de educação dialógica e participativa, por exemplo, os objetivos e os valores têm de estar
relacionados com a essência desse conceito; com efeito, para se efetivar essa concepção de
educação, faz se necessário que a prática educativa seja orientada por valores éticos e
democráticos, e dentre outros objetivos, busca incentivar os educandos a uma leitura crítica do
mundo, propiciando, assim, sua participação ativa na construção dessa realidade. Portanto, é
indispensável o educador entender a teoria que orienta seu ato pedagógico. Nessa perspectiva, o
presente artigo convida os educadores a refletirem sobre sua prática pedagógica, e os desafios
educacionais da sociedade pós-industrial.
Palavras- Chave: Pedagogia, Conhecimento, Humanidade, Evolução
INTRODUÇÃO
O modelo educacional do século XX baseou-se na concepção mecanicista, que dividiu
o conhecimento em áreas especializadas; as organizações de ensino foram padronizadas
semelhante ao modelo de funcionamento das indústrias; a escola administrada de forma
autoritária; as pessoas consideradas matéria prima a ser moldada; a aprendizagem considerada
como acúmulo de informação que ocorre necessariamente na escola e não no mundo, e todos
aprendem da mesma forma. Essa concepção de educação, sociedade, escola, ser humano e
aprendizagem, herdada pelo paradigma cartesiano, foi e ainda é considerado por muitas
instituições e pessoas como uma visão de mundo válida, e muitos educadores entendem a
educação como treinamento e não como formação.
1
Licenciada em Geografia. Cursando Especialização em Educação Ambiental na UFSM.
[email protected]
2
Licenciada em Filosofia. Cursando Especialização em Educação Ambiental na UFSM.
[email protected]
3
Professor Orientador Dr. Jorge Orlando Cuellar Coordenador do Curso de Educação Ambiental na UFSM.
Email:
Email:
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Contudo, atualmente a sociedade do século XXI exige um tipo de homem diferente do
postulado pela sociedade industrial, a constatação de que se vive num mundo complexo exige
que as diversas organizações sociais busquem através do paradigma da complexidade,
compreender as relações humanas, sociais, políticas e econômicas. Nesse sentido, é preciso uma
educação dialógica e participativa. Como defende Freire (2001, p.14): “Jamais pude pensar a
prática educativa.. intocada pela questão dos valores, portanto da ética, pela questão dos sonhos e
da utopia, quer dizer, das opções políticas, pela questão do conhecimento e da boniteza, isto é, da
gnosiologia e da estética.”
EDUCAÇÃO DIALÓGICA E PARTICIPATIVA
A evolução da sociedade marca também um processo de mudança e evolução dos
saberes constituídos, semelhante processo ocorre quanto ao tratamento da educação.
A sociedade industrial visava a um tipo de homem, a educação formava então o
especialista, para cumprir as exigências emergentes dessa organização social.Para Imbernón
(2000, p.28), “A sociedade industrial postulava a idéia do capital humano e dotava à escola o
papel de educar nos valores hegemônicos e transmitir conhecimentos.”
Nesse contexto da era industrial, a escola servia como espaço para transmitir
conhecimentos, baseando-se na racionalidade instrumental, na lógica cartesiana. Krishanamurti
(1982, p.10) denuncia enfaticamente a educação baseada no adestramento do individuo. De
acordo com ele, “estamos como que fabricando, segundo um modelo, um tipo de ser humano
cujo principal interesse é procurar a segurança, tornar-se pessoa importante, ou viver
deleitavelmente e com o mínimo possível de reflexão”.
Hoje, sabe-se que muitos dos conceitos do paradigma cartesiano estão sendo
revisados pela comunidade científica. Diante da crise paradigmática da ciência moderna, que
privilegia a certeza, a matemática, e os educadores institucionalizaram os 3Rs (leitura, escrita e
aritmética) e padronizaram os testes, a sociedade técnico-científico–informacional requer um
indivíduo bem informado e ágil, que tenha habilidades para aprender rapidamente e estar pronto
para as mudanças. A escola deve procurar dedicar-se às necessidades emergentes da era da
informática e não ao restabelecimento das aptidões do século XIX que serviram à sociedade
industrial. De acordo com Imbernon (2000, P.27) “A sociedade informacional requer uma
3 3
educação intercultural quanto aos conhecimentos e aos valores, assim como a vontade de corrigir
a desigualdade das situações e das oportunidades.”
Com efeito, é o diálogo e o incentivo à participação que diferencia a aprendizagem
baseada nos princípios instrumental, racional, em que o especialista define o que deve e o que
não deve ser estudado à aprendizagem derivada da utilização das habilidades comunicativas.
Desse modo, é indispensável que o educador, compreenda os diversos contextos, os diversos
saberes, para instruir os educandos numa perspectiva participativa, contribuindo para formação
de indivíduos atuantes e conscientes da realidade. Conforme Samples (1990, p.38) “Hoje em dia,
nossos lares escolas, igrejas e locais de trabalho precisam instalar uma ética que se desenvolva a
partir de uma possibilidade forjada por um sistema aberto e não da repressão imposta por
sistemas fechados.”
Os educadores que idealizam uma concepção participativa e dialógica de educação,
“questionam a inquietação, a opressão e a desigualdade como fatores de desumanização e
reivindicam a liberdade e o protagonismo do sujeito, reconhecendo sua capacidade de criação, de
recriação e de transformação da natureza material e social.” (RIGAL, 1997, p.187 apud
IMBERNÓN).
Nessa perspectiva aprender significa tomar consciência da realidade objetiva e da
realidade subjetiva. O objetivo central da educação passa a ser a busca pelo desenvolvimento de
uma consciência do ser como totalidade, a fim de desenvolver uma consciência da realidade e de
si mesmo, permitindo que o estudante utilize suas habilidades de forma ativa, crítica na
sociedade.
Assim, ao referir-se ao sistema de ensino aberto, participativo, envolve, além dos
professores e funcionários, pais, alunos, a comunidade no geral. Para que a gestão democrática, a
participação da comunidade na administração das unidades escolares possa ocorrer, é necessário
que se tenha maior autonomia e flexibilidade, em que os objetivos educacionais possam ser
construídos no decorrer da constatação das necessidades básicas da comunidade. Entretanto, o
que se tem atualmente é um conjunto de elementos nas mãos do diretor. De acordo com Silva (
p.59),
A perda de liberdade se articula ao processo de burocratização ocorrido na economia e
nos sistemas de administração. No interior desse processo, a racionalidade dos fins passa
a ser definida e assegurada pela crescente independência com relação aos juízos de valor
que os indivíduos possam emitir sobre as instituições. Essa separação entre subjetividade
e as determinações da racionalidade prático-moral apareceria refletida em especialistas
sem espírito, hedonistas sem coração.
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Assim, a educação, baseada no diálogo e participação, é indispensável em uma
sociedade democrática, valores como liberdade, ética, humanidade são essenciais na construção
dessa pedagogia dialógica e de subjetividades independentes e criativas para, a partir desse
processo educativo voltado para atuação democrática se construa uma outra racionalidade.
Bordenave, apud Santos (2001, p15) enfatiza que uma maior participação da escola
na comunidade traria alguns benefícios como: reduziria a distância com freqüência existente
entre ela e o mundo do trabalho; aumentaria a eficiente utilização de locais como fábricas,
oficinas, granjas, etc. como lugares de aprendizagem; incrementaria a interaprendizagem entre os
diversos setores produtivos da comunidade; e ampliaria o alcance educativo da escola aos
adultos.
Em outras palavras, a educação não deve centrar-se num currículo fechado, alheio ao
cotidiano, deve ser um sistema aberto, para permitir que os indivíduos expressem seus anseios e
habilidades da melhor forma possível, aceite o outro e busque juntamente escola- alunocomunidade a construção de uma realidade mais favorável ao desenvolvimento integral do
indivíduo e da comunidade.
Nesse sentido, é preciso o desenvolvimento de uma pedagogia dialógica que se
comunique com os estudantes, que possibilite o estudante situar-se diante da realidade que
vivencia, respeitando a diversidade cultural e de idéias. Aceitar a diversidade implica, entre
outras coisas:“facilitar a flexibilidade curricular; mudar a cultura da instituição e das estruturas
educativas; superar a cultura do individualismo; estabelecer relações pessoais entre professores,
comunidade e alunos’ segundo Imbernón (2000, p.85).
Na perspectiva participativa e dialógica, a escola tem a função de produzir sentidos,
permitindo que cada indivíduo construa seu pensamento e ação por meio da reflexão da própria
experiência. De acordo com Imbernón (2000, p.189) uma escola cidadã deve possuir dois
objetivos essenciais: “contribuir no plano público, para o desenvolvimento de uma cultura do
discurso crítico sobre a realidade concreta; Socializar os valores e as práticas da democracia nos
âmbitos institucionais cotidianos que facilitem a participação ativa e crítica e as experiências de
organização.”
O currículo diferente da concepção bancária (Freire) de educação passa a ser
considerado como produto cultural e político, sendo assim passível de adaptações e aberto para
destacar as potencialidades dos estudantes, para seu desenvolvimento humano e social. O
professor deve adotar uma postura critica, reflexiva. Imbernón argumenta que a aprendizagem
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para ser dialógica, deve basear-se nos princípios do diálogo igualitário, da inteligência cultural;
da transformação; da dimensão instrumental; da criação de sentido; da solidariedade; e da
igualdade de diferenças.
Samples (1990, p.125) defende uma escola que desenvolva todas as modalidades de
aprendizagem, que utilize e valorize todas as inteligências (Abstrato-simbólica, Visual- Espacial,
Cinestésica, auditiva, Sinérgica Pessoal, Natural) e não somente a abstrato-simbólica
valorizadissima pela sociedade industrial.
A escola, através dos professores, dirige a criança na busca da inteligência, ou seja, na
aquisição de utilidade. Ela adquire confiança em seu projeto e utilidade principalmente
em dois locais fundamentais: no lar e na escola. Com os pais aprende a respeitar as
modalidades através de experiências que visam formar a auto-estima, auto-imagem, a
confiança e as aptidões. Os pais podem estimular o respeito e a aceitação em todas as
modalidades e não somente nas simbólico-abstratas. Os professores, por sua vez, podem
incentivar o desabrochar das modalidades de aprendizagem, ajudando a combinar as
aptidões com o desenvolvimento de uma variedade de inteligências. A escola que
enfatiza demais as inteligências matemático-lógica e linguística (aptidões básicas) nega
aos alunos a oportunidade de desenvolver-se como ser humano integral, com diversos
talentos. (SAMPLES, 1990, p.128)
A constatação da necessidade de um conhecimento integrado surge quando se
observa essa complexidade de interações entre os componentes físicos, biológicos, sociais,
econômicos, ambientais e humanos. Essas interações são dinâmicas, caracterizadas por contínuas
transformações. É necessário que se busquem instrumentos e alternativas educacionais que
permitam às pessoas o desenvolvimento da capacidade de lidar com a complexidade, o que
requer a revisão de conceitos fundamentais como de desenvolvimento, progresso, aprendizagem,
autoridade.
Ao propor uma pedagogia que permita ao educando fazer uma leitura crítica do
mundo, em que todos os significados possam ser descobertos e entendidos, Freire (2001, p.58)
esclarece que a chave para o diálogo crítico é ouvir e conversar, sendo uma das virtudes do
educador democrático, para isso
..È preciso saber como ouvir, ou seja, saber como ouvir uma criança negra com a
linguagem específica dele ou dela como a sintaxe especifica dele ou dela, saber como
ouvir o camponês negro analfabeto, saber como ouvir um aluno rico, saber como ouvir
os assim chamados representantes de minorias que são basicamente oprimidas. Se não
aprendermos como ouvir essas vozes, na verdade não aprendemos realmente como falar.
Apenas aqueles que ouvem, falam. Aqueles que não ouvem acabam apenas por gritar,
vociferando a linguagem ao impor suas idéias.
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Eis o desafio dos educadores que buscam uma prática educativa dialógica e
participativa, oportunizar um ambiente e situação em que todos falem, e, a partir desse diálogo,
da participação, seja possível construir uma sociedade mais igualitária e democrática. De acordo
com Strieder (2002, p.13):
Refletir a condição humana e perspectivar uma educação para o entendimento é
permitir-se o direito de admirar a fantástica aventura da vida e, em particular, a aventura
vivencial dos seres humanos. È desejar ensonhar um ser humano bem mais diverso do
que a racionalidade e o econmicus pretendem. Humanizar requer manter acesa a chama
da vivência criativa, regada pela afetividade, pela sensibilidade, pelo riso, pelas
lágrimas, pelo fervor da participação, pelas luzes do respeito e pelo desejo de cultivar, no
jardim da vida, a vivência da beleza.
Essa participação dos indivíduos na construção de sua história se faz mediante a
conscientização do ser como agente social, histórico, espiritual. Assim, ter consciência é ter
conhecimento do seu ambiente e de sua história, e aprender a realidade objetiva e subjetiva.
O educador Krishnamurti defende a idéia de que, para ter uma educação correta,
antes, porém, é necessário entender o significado da vida. A partir disso, devem-se direcionar as
ações e objetivos educacionais para atender a esse sentido. A esse respeito ele questiona: ‘Qual é,
pois a significação da vida? Para que vivemos e lutamos? ... Se a vida tem um significado mais
amplo,
que
valor
tem
nossa
educação
se
nunca
descobrimos
esse
significado?(KRISHNAMURTI, 1982, p.12)”. Esses questionamentos são profundos, pois se
direcionam na busca de um sentido maior para o ato de educar, aqui o autor faz uma crítica à
educação padronizada da era industrial, pois a concepção dessa época considerava o indivíduo
como uma pessoa a ser instruída a adaptar-se à sociedade. Será esse o sentido da educação do
século XXI, apenas adaptar-se a era informacional?
Consideram-se outras perspectivas para educação: ela é um processo de
autodesenvolvimento, de contínua reconstrução, que tem por fim melhorar pelo desenvolvimento
cognitivo a qualidade das experiências, e de nossa vida. Um estágio de compreensão, permite,
assim, perceber as relações que rodeiam a vida das pessoas na aquisição de conhecimentos
necessários para dirigir, com mais sabedoria, nossas experiências futuras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Ser cidadão na época atual significa estar integrado na sociedade, participando
ativamente de suas transformações, o que exige constante reflexão sobre o cotidiano,
compreendendo desde o âmbito local até o global. Como disse Paulo Freire (1992): ‘Na história
se faz o que se pode e não o que se gostaria de fazer. Uma das grandes tarefas políticas que se
deve observar é a perseguição constante de tornar possível amanhã o impossível de hoje.” E
sendo a história construída por homens e mulheres, é assim possível sonhar com uma sociedade
mais harmoniosa e ética, desde que se tenha uma educação que busque esse mesmo ideal.
Portanto, recuperar o sentido integral da educação, que vai além da mera transmissão
de conhecimentos, continua sendo uma utopia e uma dos desafios dos educadores deste século. O
papel do educador deste século é mostrar o caminho, incentivar a busca, respeitar a diversidade
política, religiosa ou orientação sexual, bem como, deve dispor de referencial teórico para
mostrar as diferentes visões de mundo, para que o educando entenda como ocorre o processo
evolutivo do saber humano e da sociedade como um todo.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: UNESP, 2001.
IMBERNÓN, Francisco (org). A educação no século XXI: Os desafios do futuro imediato. 2
ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
KRISHNAMURTI, Jiddu. A Educação e o Significado da Vida. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1982.
SAMPLES, Bob. Mente aberta, mente integral: uma visão holomônica. São Paulo: Gaia,
1990.
SANTOS, Adelcio Machado dos. Educação. Reflexões Interdisciplinares. Florianópolis-SC:
Nova Letra, 2005.
SILVA, Divino José da. Ética e educação para a sensibilidade em Max Horkheimer. Ijuí:
UNIJUÍ, 2001.
STRIEDER, Roque. Educação e Humanização: por uma vivência criativa. Florianopólis:
Habitus, 2002.
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