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A Investigação dialógica como uma ação filosófica e pedagógica criativa e
transformadora
André Santos do Nascimento
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E se ele é o
encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos
endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não
pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no
outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem
consumidas pelos permutantes. (FREIRE, PAULO)
Introdução
O presente texto pretende reconhecer e evidenciar através do olhar pedagógico a
importância e as implicações da investigação dialógica como uma docência problematizadora,
libertária e transformadora, ou melhor, uma docência que manifesta-se criticamente numa
perspectiva investigativa e dialógica. Nesse sentido, acreditamos na possibilidade da
transformação da tradicional aula como a conhecemos em um tempo e um espaço para o
pensar, para o questionar, para o investigar, para o diálogo.
A proposta da Investigação Dialógica, apresentada pelo professor Juarez Sofiste,
revela-se como uma possibilidade concreta para a realização de um exercício de liberdade de
pensamento e de uma experiência de construção de conhecimentos e valores através do
diálogo, da pesquisa, da vivência e do questionamento crítico permanente. Tendo o diálogo e
a investigação como princípio metodológico e pedagógico, a Investigação Dialógica permite
que educandos e educadores se estabeleçam como protagonistas de um conhecimento que não
se ensina, mas que se constrói em comunhão.
O envolvimento através do diálogo, da troca reflexiva de argumentos e o exercício
da investigação como base de aprofundamento temático proporciona a descoberta das
incertezas ao mesmo tempo em que permite também a assunção da perplexidade.
Certezas são golpeadas, implodidas, explodidas, diluídas, rasgadas, despedaçadas,
cortadas, quebras; ou mais ainda, escorrem como um líquido derramado nas mãos de uma
criança que em vão tenta controlar e conter o fluxo que se esvai e se deposita no chão arenoso.
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A Investigação Dialógica surge como possibilidade criativa, através de um
movimento de construir juntos um conhecimento que se relaciona e se articula com a
realidade social e de vida de educandos e educadores, possibilitando a edificação de uma
lucidez crítica compreensiva e transformadora da própria existência como sujeitos e
protagonistas históricos.
Fundamento pedagógico
Acredito ser necessário discutir a especificidade de uma educação que pretende ser
transformadora, crítica e criativa a partir de uma perspectiva de caráter históricoantropológico. Este caráter permite a assimilação da educação como algo especificamente
humano que não se constitui em um processo pronto e acabado. Ao contrário, a educação tem
um sentido de movimento, de transformação porque são os seres humanos que a promovem
durante toda a duração de sua existência que se realiza simultaneamente num processo de
criação e de modificação subjetiva e coletiva entre os seres. As dimensões subjetiva e coletiva
dos seres não caminham separadas, contudo, encontram-se articuladas num convívio nem
sempre harmônico, mas conflituoso. Para uma maior contribuição evoco as palavras de Pinto
(2005, p. 30-34) sobre o caráter histórico antropológico da educação:
A educação é um processo, portanto é o decorrer de um fenômeno (a
formação do homem) no tempo, ou seja, é um fato histórico.
A educação é um fato existencial. Refere-se ao modo como (por si mesmo e
pelas ações exteriores que sofre) o homem se faz ser homem. A educação
configura o homem em toda a sua realidade.
A educação é um fato social. Refere-se a sociedade como um todo. É
determinada pelo interesse que move a comunidade a integrar todos os seus
membros à forma social vigente (relações econômicas, instituições, usos,
ciências, atitudes, etc.).
A educação é um fenômeno cultural.
A educação se desenvolve sobre o fundamento do processo econômico da
sociedade.
A educação é uma atividade teleológica. A formação do indivíduo sempre
visa a um fim.
A educação é uma modalidade de trabalho social.
A educação é um fato de ordem consciente.
A educação é um processo exponencial, isto é, multiplica-se por si mesma
com sua própria realização.
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A educação é por essência concreta. Pode ser definida a priori, mas o que a
define é sua realização objetiva, concreta.
A educação é por natureza contraditória, pois implica simultaneamente
conservação (dados do saber adquirido) e criação.
Nesse sentido, entendo a educação como possibilidade humana que se liga às
condições de desenvolvimento material e cultural já existentes, bem como também
compreendo que “a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2007).
Outro ponto necessário a ser ressaltado é o caráter ideológico da educação e a
denúncia de sua falsa neutralidade. A própria idéia de educação direciona a um processo que
se alicerça em uma teoria que evidencia intencionalidades mesmo que de forma velada ou
nítida. Freire (2007, p. 110) nos fala que:
É na diretividade da educação, esta vocação que ela tem, como ação
especificamente humana, endereçar-se até sonhos, ideais, utopias e objetivos, que
se acha o que venho chamando politicidade da educação. A qualidade de ser
política, inerente à sua natureza. É impossível, na verdade, a neutralidade da
educação.
Esta especificidade –política- da educação implica da mesma forma a percepção da
diferença existente entre concepção ingênua e concepção crítica da educação, uma vez que as
correlações de forças que disputam a hegemonia dos tempos e espaços educacionais –
produzidas pelo pensamento e pelas ações políticas e econômicas- penetram e influenciam
inequivocamente a ação pedagógica.
O pensamento pedagógico ingênuo é caracterizado pela compreensão da educação
apenas como aparência, como fenômeno naturalizado, sem levar em consideração os aspectos
econômicos, políticos, sociais, históricos e culturais. Esta concepção não identifica as
contradições sociais que atravessam a educação, entendendo-a apenas em si. O conhecimento
nesta lógica é entendido como pronto e acabado. Esta perspectiva entende o educando como
um ser ignorante absoluto e como objeto da educação e não como sujeito. A noção do
processo de ensino-aprendizagem é visto na forma de transmissão de conhecimentos finitos.
Entretanto, Freire (2009, p.30) nos alerta sobre a distinção entre o ingênuo não
malicioso e o ingênuo dissimulado, que permeia os debates e até mesmo as ações políticas e
pedagógicas no âmbito da educação. Penso que o entendimento dessa distinção seja essencial
para a possibilidade da assunção de uma nova posição.
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Me parece importante chamar a atenção para a diferença entre o ingênuo não
malicioso e o ingênuo astuto ou tático. É que, na medida mesma em que a
ingenuidade daquele não é maliciosa, ele pode, aprendendo diretamente de sua
prática, perceber a inoperância de sua ação e, assim, renunciando à ingenuidade
mas rejeitando a astúcia ou a malícia, assumir uma nova posição. Agora, uma
posição crítica.
O pensamento pedagógico crítico vai além da pura aparência e busca sempre os
caracteres que identifica, denuncia e propõe soluções. Na perspectiva crítica o conhecimento
tem um caráter social e histórico, com valores e tradições presentes na sociedade. Busca-se a
compreensão da educação como um fenômeno complexo, fazendo relação do ato pedagógico
com as condições objetivas da sociedade. Leva em conta a realidade em que se produz a
educação em determinado momento histórico, ultrapassando a visão de uma educação externa
ao homem. Nesta perspectiva o educando é encarado como conhecedor e desconhecedor,
sendo que o processo educacional é orientando para a articulação da educação formal a partir
de sua base cultural permitindo refletir como sujeito da educação sobre o estado material e
cultural da sociedade a qual pertence.
Assim, a educação é pensada a partir da realidade social e política dos educandos
onde homens e mulheres (re)constroem a compreensão de como se dá toda essa dinâmica e de
como deve ser o processo de (re)elaboração de um conhecimento que não pode ser doado,
mas sim, construído e apropriado em comunhão. “Já agora ninguém educa ninguém, como
tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados
pelo mundo”. (FREIRE,1983, P.79).
É nesse sentido que a proposta da Investigação Dialógica como uma pedagogia
para a docência de filosofia se insere. E penso – ciente da complexidade e da especificidade
das outras áreas de conhecimento como matemática, história e geografia, entre outras... - que
a Investigação Dialógica se estabelece como possibilidade concreta de trabalho e de inovação
para estas outras áreas, configurando-se como um exercício de liberdade de pensamento, de
investigação e de construção de conhecimentos com o Outro e não para o Outro.
Usado por Sócrates para fazer filosofia, o diálogo e a investigação constituem-se
como princípios pedagógicos e metodológicos essenciais.
A pedagogia socrática consiste, portanto, não no ensino da filosofia, mas no fazer
filosofia. Considerando que a investigação e o diálogo são os princípios
pedagógicos e metodológicos de seu modo de fazer filosofia, como já indicamos,
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denominaremos de Investigação Dialógica a pedagogia socrática para a docência de
filosofia. (SOFISTE 2007, P.87)
Nesta lógica, não há aula, transmissão ou ensino de conhecimentos
preestabelecidos, conforme nos fala Sofiste (2007, p. 88):
Em princípio, podemos afirmar que a investigação dialógica é a arquitetura de uma
nova docência, mediante o diálogo e a investigação, superadora do mero ensino, ou
seja, da aula falada pelo professor e copiada pelo aluno. Estamos falando do
procedimento que proporcionam ao educando o cultivo e o desenvolvimento de
pensar, uma vez que participar da uma Investigação Dialógica significa ser
protagonista, isto é, criador de conhecimentos com validade intersubjetiva.
Ao agir sob os pressupostos da investigação e do diálogo, o educando conquista no
tempo e no espaço um nível de envolvimento que o constitui como cúmplice da investigação,
da busca criativa e da construção de um saber com sentido. Abrem-se as portas, portanto, para
a superação de uma interpretação única e exclusiva pelo resultado de uma suposta pesquisa
pronta, acaba e doada por outrem; mas desloca-se para uma lógica que permite a vivência e a
compreensão de como se dá o caminho e o processo científico de uma pesquisa e do próprio
conhecimento que está em constante desenvolvimento. É o educando se configurando também
como pesquisador.
Por isso, compreendemos que uma educação amestradora não combina com
filosofia e com uma perspectiva pedagógica criativa, crítica, transformadora e humanizadora.
Educar é possibilitar o humano. Considerando o princípio antropológico da
inconclusão, da abertura para o mundo, podemos afirmar que educação tem relação
direta com investigação. Pedagogia da resposta. A do saber pronto, é no mínimo,
uma catástrofe pedagógica. Trata-se de um processo de desumanização. (SOFISTE
2007, P.98).
Para tanto, a prática eficaz do método socrático exige dos educadores uma abertura
para a perspectiva inovadora que está inserida a Investigação Dialógica. De acordo com
Sofiste (2007, p. 98):
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[...] do ponto de vista filosófico, podemos afirmar: a) o fundamento do método, o
diálogo, supõe a natureza mesma do filosofar, no caso, desenvolvido
comunitariamente; b) o método rompe como a lógica da afirmação, é garantia de
liberdade intelectual e abertura da consciência frente às verdades constituídas, aos
dogmatismos, totalitarismos e ideologias; c) o método não subtrai nenhuma idéia à
livre discussão, é busca de fundamentação e verificação da validade dos raciocínios
e d) é construção coletiva de conhecimentos com validade intersubjetiva.
A investigação e o diálogo promovem um processo de desenvolvimento de
habilidades e de competências tanto do ponto de vista da aquisição de conhecimentos quanto
de habilidades de relacionamento, convivência e autoconhecimento. A exiquibilidade dessas
habilidades pela pedagogia socrática é realizável e se configura numa proposta de
transformação radical da perspectiva atual, uma vez que a Investigação Dialógica propõe
categoricamente uma modificação drástica nas concepções em vigência.
Uma metodologia que propõe desenvolver capacidades e habilidades como as
indicadas acima se faz com um aluno sujeito do processo de aprendizagem, ou seja,
é o aluno que vai raciocinar, investigar, inferir, relacionar-se etc. Para tanto, a
Investigação Dialógica propõe uma transformação radical nas concepções de
conteúdo, de sala de aula, de professor e de aluno. (SOFISTE, 2007, P.99)
Então, o conteúdo não se reduz aos conceitos e saberes historicamente constituídos
e transmitidos pelo professor ao estudante. É obvio que o que se pretende “não exclui a
cultura filosófica, mas a entende como meio para o filosofar”. (JUAREZ, 2007, P.89). Já a
sala de aula muda a partir de seu espaço físico, passando a permitir um ambiente de
investigação e de diálogo e construção coletiva do conhecimento. O professor atua como
assessor na edificação do saber, junto com os estudantes, e se estabelece também como
investigador membro do grupo e como coordenador no sentido de alcançar processualmente o
êxito. O estudante deixa de ser um indivíduo passivo e subalterno e passa a ser sujeito no
processo de aprendizagem. Ele planifica, desempenha e avalia ao lado do professor. Na
Investigação dialógica, o cerne do trabalho passa a ser as habilidades que serão assentadas em
ação e vivenciadas para que se materializem.
Ao evidenciar o sentido de busca, de procura e de constante inquietação
proporcionado pelo diálogo e pela investigação, entendemos e reconhecemos na investigação
dialógica uma ação filosófica e pedagógica crítica, inovadora e transformadora. Nessa ação,
portanto, é possível assumirmos ao mesmo tempo com humildade e altivez a nossa condição
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de sujeitos inacabados e necessitados de uma educação que se conceitua como vivência
dinâmica que se realiza em comunhão de forma dialógica e investigativa.
É uma opção e uma oportunidade de um quefazer que pode impedir que a vida se
afaste do processo educativo, e que não se (re)produza e se institucionalize um tempo e um
espaço mórbido e insalubre de vivencia cognitiva e afetiva.
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Referências:
FREIRE, Paulo .Pedagogia do Oprimido. 13.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se complementam. 50.ed.
São Paulo:Cortez, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2007.
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 14.ed. São Paulo: Cortez,
2005.
SOFISTE, Juarez Gomes. Sócrates e o ensino da filosofia: Investigação dialógica uma
pedagogia para a docência de filosofia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
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