Diana Ferreira Rodelo Modularidade e Noções Afins Interpretações Categoriais Universidade de Coimbra Faculdade de Cincias e Tecnologia Departamento de Matemática 1999 Índice Geral Introdução iii 0 Conceitos Básicos 0.1 Notações . . . . . . . . . . 0.2 Grupos Internos . . . . . . 0.3 Categorias Aditivas . . . . 0.4 Categorias Internas . . . . 0.5 Mónadas . . . . . . . . . . 0.6 A Fibração p : Pt C −→ C 0.7 Categorias Regulares . . . . . . . . . . 1 2 4 10 12 17 31 36 . . . . . . 43 46 51 51 58 70 79 . . . . 83 84 89 91 98 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Categorias Modulares 1.1 Definição e Propriedades Elementares . . . . . . . . . . . 1.2 Caracterizações de Categorias Modulares . . . . . . . . . 1.2.1 Os Fibrados das Categorias Aditivas com Núcleos 1.2.2 Caracterização via Adjunções Cartesianas . . . . 1.2.3 Caracterização via Descida . . . . . . . . . . . . . 1.3 Grupóides Internos nas Categorias Modulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Categorias Essencialmente Afins 2.1 Os Functores de Mudança de Base da Fibração p : Pt C −→ C 2.2 O Functor Núcleo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3 A Aditividade das Fibras de p : Pt C −→ C . . . . . . . . . . . 2.4 A Modularidade das Categorias Essencialmente Afins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Categorias Naturalmente de Maltsev 103 3.1 Definição e Caracterizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 3.2 A Fibração p : Pt C −→ C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 4 Categorias de Maltsev 119 4.1 A n-permutabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 4.2 Afinidades com as Categorias Naturalmente de Maltsev . . . . . . . . . . . 126 ii ÍNDICE GERAL 5 Categorias Protomodulares 143 5.1 Produtos Fibrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 5.2 Categorias Internas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Bibliografia 161 Introdução Os morfismos entre dois objectos de uma categoria formam um conjunto. Surge a necessidade de abordar o caso em que estes conjuntos têm uma estrutura adicional. Quando essa estrutura é a de um grupo abeliano temos a noção de categoria aditiva (Secção 0.3). Dada a sua simplicidade, somos levados a pensar que os resultados obtidos são pouco mais que triviais. Por vezes da simplicidade emerge o imprevisto. O aprofundamento do estudo das categorias aditivas permitiu a Aurelio Carboni, em [5], chegar ao conceito de categoria modular (Capı́tulo 1), que é uma generalização da modularidade de reticulados. Concretamente, o teorema afirma que uma categoria C com limites finitos e coprodutos finitos é modular se e só se (1) 1/C é aditiva com núcleos; (2) o functor canónico C −→ (1/C)/µ(1, 1) é uma equivalência. Deste modo, as categorias modulares são precisamente os fibrados das categorias aditivas com núcleos. Estas eram as categorias que Aurelio Carboni tinha em mente quando investigou a noção de categoria modular pelas razões que ele aponta em [5]: “ In view of the recent remarks of Schanuel (see [13]) that the fundamental construction of the Grassmann algebra is based on the category Aff(k) of kaffine spaces and that this last is equivalent to the full subcategory of the slice category k-Vect/k determined by surjective maps ... ” Sendo esta a caracterização fundamental das categorias modulares, seria de esperar uma demonstração que utilizasse apenas noções relativas à aditividade. De facto, é esta a demonstração delineada em [5] e só não a seguimos dada a sua extensão em minuciosidades técnicas. Optamos por uma demonstração mais breve, que contudo envolve conceitos novos, nomeadamente o de fibração de objectos pontuados (Secção 0.6). Pode parecer um preço elevado para obter uma demonstração alternativa, mas esta fibração surge, não só em todos os capı́tulos, bem como em cada resultado de maior relevância. Ela está aliás na génese de dois dos conceitos que estudamos, os de categoria essencialmente afim e de categoria protomodular. Relativamente às categorias modulares, provamos que as fibras de p são equivalentes entre si (isto é, p é trivial) e aditivas (Proposições 1.5 e 1.6). Estas equivalências são obtidas através dos functores de mudança de base de p (Secção 0.6). iv INTRODUÇÃO A equivalência C −→ (1/C)/µ(1, 1) é apenas um caso particular de uma famı́lia de equivalências que caracterizam as categorias modulares. Para as obter Michel Thiébaud recorre, em [17], a adjunções cartesianas (Secção 1.2.2). A aplicação dos resultados aı́ estabelecidos a uma adjunção concreta permite obter uma caracterização das categorias modulares através das equivalências C/Y −→ (X/C)/µ(X, Y ) (Teorema 1.17). O paralelismo entre categorias aditivas com núcleos e categorias modulares motiva a adaptação a estas de resultados já conhecidos para categorias aditivas. Tal acontece com a caracterização das categoria aditivas com núcleos como sendo as categorias C cujo functor de esquecimento U : Ab C −→ C (Secção 0.2) é uma equivalência. Neste caso, a adaptação, feita por Aurelio Carboni e George Janelidze em [7], caracteriza as categorias modulares por, entre outras condições, esse functor ser monádico (Secção 0.5). Em [3], Dominique Bourn dedicou alguma atenção às categorias cuja fibração p é trivial, a que chamou essencialmente afins (Capı́tulo 2). Sendo toda a categoria modular essencialmente afim, analisamos as semelhanças existentes entre ambas. Se, por um lado, o facto de p ser trivial permite estabelecer uma ponte entre estes conceitos, por outro, o seu difı́cil manuseamento trava o sucesso desta aproximação. É preciso contornar a questão com uma condição mais atractiva. Assim, dado um morfismo h : X 0 −→ X, o functor de mudança de base h∗ é uma equivalência se e só se para todo o diagrama comutativo de objectos pontuados Y0 f 0 k - Y 6 6 s0 f s ? X0 ? - X , h o diagrama descendente é um produto fibrado exactamente quando o diagrama ascendente é um soma amalgamada. Usando esta propriedade mostramos que a aditividade das fibras de p também se verifica nas categorias essencialmente afins (Teorema 2.6), ainda que esta noção seja, estritamente, mais fraca que a de categoria modular. A magnitude das afinidades entre estas noções é expressa pelo facto de uma categoria essencialmente afim ser modular precisamente quando o objecto terminal é modular (Teorema 2.9). Na parte final de [5], Aurelio Carboni observa que, numa categoria modular, todo o grafo reflexivo interno (Secção 0.4) tem uma estrutura única de grupóide interno (Secção 0.4) e levanta a questão quanto a uma possı́vel caracterização. A resposta, negativa, é dada por Peter T. Johnstone em [12]. Esta baseia-se na noção de operação de Maltsev, isto é, uma operação ternária π que verifica as igualdades π(x, y, y) = x e π(x, x, y) = y. (1) Uma categoria em que cada objecto está naturalmente munido de uma operação de Maltsev, diz-se naturalmente de Maltsev (Capı́tulo 3). Estas caracterizam-se pelo facto do v functor de esquecimento da categoria dos grupóides internos para os grafos reflexivos internos ser um isomorfismo (Teorema 3.6). Portanto, uma categoria modular é naturalmente de Maltsev. O recı́proco é falso: um ∧-semireticulado sem elemento mı́nimo é naturalmente de Maltsev mas não é modular. Em [4], Dominique Bourn verificou que é possı́vel obter nestas categorias, relativamente à fibração p, resultados análogos aos estabelecidos para as categorias modulares. Precisando melhor, as categorias naturalmente de Maltsev caracterizam-se: • através da aditividade das fibras de p (Teorema 3.12); • pelas equivalências dos functores de mudança de base para epimorfismos cindidos (Teorema 3.13). Desta última caracterização decorre imediatamente que toda a categoria essencialmente afim é naturalmente de Maltsev. O conceito de operação de Maltsev permite outra interpretação categorial, como descrevemos a seguir. Anatoly Maltsev prova em [15] que as variedades de álgebras equipadas com uma operação que verifica (1) – chamada de Maltsev – são exactamente as variedades onde as congruências comutam. O essencial na demonstração de várias propriedades das variedades de Maltsev é precisamente esta comutatividade (e não o facto de serem variedades). Parece natural que o passo seguinte seja o de esquecer a algebricidade e obtemos assim as categorias de Maltsev. Generalizando um pouco, obtemos o que em [6] se designa por categoria n-permutável (Capı́tulo 4). As categorias bipermutáveis são ditas de Maltsev e as tripermutáveis de Goursat. Neste artigo os autores obtêm várias caracterizações para as categorias de Maltsev. Destacamos a propriedade de uma relação reflexiva ser uma relação de equivalência por ser uma das caracterizações mais aplicadas nesta dissertação. Por exemplo, utilizamo-la para ver que as categorias naturalmente de Maltsev são de Maltsev (Teorema 4.7). Tal como no caso das categorias modulares e essencialmente afins, contornamos a condição que aproxima as categorias naturalmente de Maltsev das de Maltsev. Apesar disso, Dominique Bourn estabelece semelhanças entre ambas (ver [4]), adaptando os resultados já obtidos para as categorias naturalmente de Maltsev. Assim, verificamos que numa categoria de Maltsev: • as categorias internas são grupóides internos (Proposição 4.8); • as fibras de p são unitárias (Teorema 4.10); • os functores de mudança de base para epimorfismos cindidos são saturados em subobjectos (Teorema 4.12) e, consequentemente, fiéis e plenos (Corolário 4.13). Relativamente aos functores de mudança de base temos equivalências nas categorias essencialmente afins, equivalências para epimorfismos cindidos nas categorias naturalmente de Maltsev e fidelidade e plenitude para epimorfismos cindidos nas categorias de vi INTRODUÇÃO Maltsev. Em [3], Dominique Bourn introduz as categorias protomodulares, como aquelas cujos functores de mudança de base são conservativos (Capı́tulo 5). Assim, toda a categoria essencialmente afim é protomodular. Além disso, numa categoria protomodular, os functores de mudança de base para epimorfismos cindidos são saturados em subobjectos, pelo que estas são de Maltsev (Proposição 5.15). Esta dissertação está dividida em seis capı́tulos. No Capı́tulo 0 descrevemos os conceitos básicos necessários para a leitura dos seguintes. Os restantes capı́tulos estudam as categorias referidas nos seus tı́tulos. Encontram-se notas descritivas e bibliográficas no final de cada capı́tulo. O objectivo deste trabalho é o estudo de categorias cujas caracterizações e propriedades se assemelham. De facto, noções com raı́zes distintas – embora todas emergindo da observação de propriedades caracterı́sticas de certas situações algébricas –, nomeadamente • reticulado modular vs estrutura aditiva • operação de Maltsev • variedade de Maltsev • modular dão origem às categorias • naturalmente de Maltsev • de Maltsev. Em contrapartida as categorias essencialmente afins e protomodulares são fruto do estudo destas noções. Partindo da modularidade e seguindo – o que à partida parecem – caminhos diferentes, obtemos conceitos surpreendemente interligados. O esquema seguinte resume as relações existentes entre as categorias aqui apresentadas. vii Essencialmente Afim Protomodular def def ⇔ cada functor de mudança de base h∗ é uma equivalência > ⇔ cada functor de mudança de base h∗ é conservativo ∧ ∧ ' $ Modular & ∨ % ∨ ∨ ∨ Naturalmente de Maltsev de Maltsev ⇔ cada fibra de p é aditiva ⇔ cada fibra de p é unitária ⇔ cada functor de mudança de base f ∗ , para epimorfismos cindidos, é uma equivalência > ⇔ cada functor de mudança de base f ∗ , para epimorfismos cindidos, é saturado em subobjectos viii INTRODUÇÃO Bibliografia [1] G. Birkhoff, Lattice Theory, American Mathematical Society, New York (1948). [2] F. Borceux, Handbook of categorical algebra, Vol. 1 e 2, Cambridge University Press (1994). [3] D. Bourn, Normalization equivalence, kernel equivalence and affine categories, Springer Lecture Notes in Math. 1488 (1991) 43-62. [4] D. Bourn, Mal’cev categories and fibration of pointed objects, Applied Categorical Structures 4 (1996) 307-327. [5] A. Carboni, Categories of affine spaces, J. Pure Appl. Algebra 61 (1989) 243-250. [6] A. Carboni, G.M. Kelly and M.C. Pedicchio, Some remarks on Maltsev and Goursat categories, Applied Categorical Structures 1 (1993) 385-421. [7] A. Carboni and G. Janelidze, Modularity and descent, J. Pure Appl. Algebra 99 (1995) 255-265. [8] A. Carboni, S. Lack and R.F.C Walters, Introduction to extensive and distributive categories, J. Pure Appl. Algebra 84 (1993) 145-158. [9] A. Carboni, J. Lambek and M.C. Pedicchio, Diagram chasing in Mal’cev categories, J. Pure Appl. Algebra 69 (1990) 271-284. [10] A. Carboni, M.C. Pedicchio and N. Pirovano, Internal graphs and internal groupoids in Mal’cev categories, Cat. Theory 1991, CMS Conf. Proceedings, Vol. 13 (1992) 97-110. [11] G. Janelidze and W. Tholen, Facets of descent, II, Applied Categorical Structures 5 (1997) 229-248. [12] P.T. Johnstone, Affine categories and naturally Mal’cev categories, J. Pure Appl. Algebra 61 (1989) 251-256. [13] F.W. Lawvere, Some “new” mathematics arising from the study of Grassmann 1844, unpublished (1987). 162 BIBLIOGRAFIA [14] S. MacLane, Categories for the working mathematician, Springer, Berlin (1971). [15] A.I. Maltsev, On the general theory of algebraic systems, Mat. Sb. N.S. 35 (1954) 3-20. [16] B. Mitchell, Theory of categories, Academic Press (1965). [17] M. Thiébaud, Modular categories, Springer Lecture Notes in Math. 1488 (1991) 386400.