E A CRIANÇA CARIOCA, QUEM EDUCA? UM REPENSAR NAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DO QUADRO DE PROFISSIONAIS DAS CRECHES NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO Márcia de Oliveira Gomes Gil UERJ/ ProPed- [email protected] Maria Ignez Ferreira Campos UERJ/ ProPed- [email protected] Mariana Rodrigues Zadminas UERJ/ ProPed- [email protected] RESUMO Esse texto é o resultado do diálogo entre três pesquisas de mestrado desenvolvidas pelo NEI:P&E ( UERJ/ ProPed): – duas finalizadas e uma em andamento(O Perfil dos professores de Educação Infantil da cidade do Rio de Janeiro- 2013; O Proinfantil no município do Rio de Janeiro: concepções de criança nos Projetos de Estudos, - 2014) e uma em andamento que trata da influência da formação, obtida no curso de pedagogia, do professor de educação infantil, a fim de perceber as contribuições para a prática com os bebês nas creches do município do Rio de Janeiro . Tais pesquisas se propõem a analisar as recentes mudanças nas políticas públicas de Educação Infantil do município do Rio de Janeiro, a partir da gestão da prefeitura da cidade (2008-2011 e 2012 – até agora). O ponto comum de investigação são as políticas públicas de formação do professor voltadas para diferentes atores sociais envolvidos na educação infantil, especialmente na modalidade creche. Palavras-chave: Educação Infantil, Formação de Professores, Município do Rio de Janeiro, Políticas Públicas. INTRODUÇÃO A história recente da Educação Infantil no Brasil está repleta de elementos novos que marcam a importância que o tema vem assumindo no cenário nacional. A partir da legislação, e das interpretações e ações que se concretizam a partir dela, é possível verificar que nos últimos vinte anos, o olhar para esta etapa de ensino vem se alargando, com a determinação de políticas tanto para o funcionamento dos espaços educativos, como também para a organização dos quadros funcionais com atuação nestes espaços. O objetivo deste texto é descrever as políticas de formação do profissional da Educação Infantil no município do Rio de Janeiro, ampliando o foco na política da organização do quadro funcional das creches, em especial, nos profissionais que atuam diretamente com a criança na tarefa cotidiana de educar. a partir das três pesquisas realizadas. A promulgação da Constituição Federal Brasileira, no ano de 1988 tem enorme importância política, uma vez que traz nela refletida os anseios, desejos e necessidades de um povo. A Educação não poderia ficar de fora de documento tão importante, e foi, portanto, contemplada em sua formulação. Neste movimento, a educação das crianças pequenas ganha novo status na medida em que a Educação Infantil é definida como obrigação do Estado, e com atendimento previsto para crianças em creches e pré-escolas na faixa etária de 0 aos 5 anos de idade. Apesar de ser um grande passo, somente oito anos depois, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB- 9394/96), maiores esclarecimentos foram ofertados à intenção inicial da Constituição Federal, e com isso, políticas públicas começam a tomar forma e se concretizar. Um dos grandes desafios do Brasil, nas últimas décadas, tem sido garantir que todas as crianças na faixa etária da Educação Infantil tenham acesso à escola de qualidade e nela permaneçam, também, com qualidade. Nesse contexto, cresce a importância dos profissionais da Educação Infantil e a necessidade de que a eles sejam proporcionadas oportunidades de formação e crescimento profissional, com propostas curriculares construídas com base nos objetivos estabelecidos para tal etapa educacional. Nessa direção, as duas dimensões que constituem o eixo do trabalho com a criança de 0 a 5 anos: educar/cuidar, entendidas como dimensões integradas da prática profissional em Educação Infantil, devem ser contempladas. Uma formação de professores com qualidade considera a pluralidade de perspectivas teóricas, de modo a permitir ao profissional o conhecimento das teorias pedagógicas para a primeira infância. A compreensão das políticas para a Educação Infantil no Brasil, seus postulados, diretrizes e programas diante do contexto globalizado, vai para além da realidade meramente brasileira. Algumas organizações internacionais, como o Banco Mundial (BM), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), podem ser consideradas agências que exercem influência sobre o processo de criação de políticas nacionais. Necessariamente, refletem conflitos de interesses, além dos arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como um todo. Kramer (1996, 2002), Penn (2002) e Rosemberg (2002) observam que as políticas propostas pelos governos e por agências multilaterais, como as citadas, têm concebido os programas de educação/cuidado infantil como uma forma de intervenção social para a superação das desigualdades. Nos países desenvolvidos, as justificativas para as políticas infantis fundamentam-se em um discurso que objetiva contribuir para: o desenvolvimento da criança, a garantia dos seus direitos e do acesso aos bens culturais como estabelecimento de políticas de equidade entre homens e mulheres. Nos países em desenvolvimento, embora pareçam fundamentar-se no direito da criança e da família, essas políticas se concentram em um discurso da necessidade, assentado no lema de atender à pobreza, o que transparece nos documentos do próprio Banco Mundial (ROSEMBERG, 2002). Os programas, estudos e documentos oficiais publicados pelo Ministério da Educação e Cultura, que culminavam com a elaboração da Política Nacional de Educação Infantil (2006), foram norteados pelas metas estabelecidas na Conferência Internacional de Jomtiem, ocorrida em 1990, na Tailândia, que reuniu vários países e órgãos internacionais para a discussão da educação básica no mundo. O Brasil é signatário das diretrizes estabelecidas pela Conferência de Jomtiem, na qual o tema da primeira infância ganha destaque como primeira meta “[...] expandir e melhorar o cuidado e a educação da primeira infância, de modo integrado especialmente para as crianças vulneráveis e desfavorecidas” (PENN, 2002, p. 9). Na década de 1990, segundo Rosemberg (2002), as políticas educacionais brasileiras sentiram a influência do Banco Mundial mediante o aumento do volume de empréstimos e, juntamente com ele, a difusão de ideias, que influenciam de forma direta as políticas para a Educação Infantil nos países subdesenvolvidos. A atuação do Banco Mundial na área, ainda segundo Rosemberg (2002), constata o uso da expressão desenvolvimento infantil no lugar de Educação Infantil para a definição de programas voltados para a primeira infância. Isso pode significar tanto a ampliação do enfoque, abrangendo cuidados com a saúde, nutrição, educação, quanto o privilégio de programas de cunho alternativo. Para a autora (2002, p. 46), há uma preocupação clara na nomenclatura: [...] através da expressão ou do conceito de Desenvolvimento Infantil pode-se evitar, em alguns países como o Brasil, a regulamentação educacional que preconiza padrões institucionais e profissionais para a Educação Infantil: formação prévia dos professores, respeito à legislação trabalhista, proporção adulto-criança, instalações e equipamentos. Ao escapar da regulamentação, o custo do projeto e do programa cai, evidentemente, em detrimento da qualidade. Ainda de acordo com Rosemberg (2002), o Banco Mundial tem definido prioridades, estratégias, modelos de política educacional, por meio de orientação técnica, além da concessão de empréstimos que resultam em grande ênfase numa concepção economicista voltada para o campo educacional. Nota-se que, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996, é possível perceber um movimento de reformas políticas e econômicas no Brasil que influenciaram as políticas educacionais. Ao mesmo tempo em que se assistia a tentativa de reformas políticas fundadas na Constituição Federal de 1988, adotavam-se políticas que estabeleciam nexo entre a elevação dos padrões de desempenho educativo e a crescente competitividade internacional nos padrões neoliberais. Os fatos que interessam diretamente à Educação Infantil dizem respeito à sua nova condição de primeira etapa da Educação Básica, composta por creche e préescola1, atendendo à crianças de 0 a 6 anos2. O texto também deixa clara a divisão etária destas diferentes modalidades. A creche atende à criança até 03 anos de idade, e a pré-escola a crianças até 5 anos. (BRASIL, 1996) Este novo status demandou políticas de integração da criança pequena aos sistemas de ensino, determinando que é tarefa da Educação o trabalho institucionalizado que envolva crianças desde seu nascimento. 1 LDBEN, art 29 e 30 2 Alterado posteriormente pela Emenda 53 Assumir a nova postura exigida pela legislação implicava reconhecer a Educação um direito de todas as crianças, sem distinção etária ou classe social bem como assumi-la como um dever do Estado. Aqui começa o percurso de pesquisa, com especial atenção aos profissionais que educam a criança nas creches, tendo em vista este ter sido, e talvez ainda seja, o maior desafio no âmbito do município do Rio de Janeiro. No que se refere à educação das crianças de zero a três anos, entender as alterações de uma política, até então prioritariamente assistencialista, para uma política educacional, representou o primeiro estágio num processo que se mostrou longo e demorado. Na cidade do Rio de Janeiro não foi diferente. As creches existentes pertenciam à administração da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, hoje conhecida como Secretaria de Assistência Social. Localizadas nos maiores bolsões de pobreza da cidade, as creches apresentavam, desde sua localização, o caráter assistencialista que foi uma marca importante durante a gestão desta pasta. Uma transição estava à frente, e com ela, desafios, limites, ações e novas propostas que movimentavam o que já estava instituído na busca de novos caminhos. Um pequeno desenho da transição O primeiro passo foi vincular as creches ao sistema de ensino. Para que isso acontecesse, a secretaria de educação criou um grupo, composto por três membros das duas secretarias envolvidas, Educação e Assistência Social. Este grupo foi instituído com Grupo de Trabalho (GT) 3. Seu objetivo era: “promover o levantamento de dados concernentes ao funcionamento das creches vinculadas ao poder público municipal e propor medidas a serem adotadas no processo da transição e incorporação à estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Educação” (RJ, 2001). Para esta tarefa, um prazo de noventa dias foi estipulado, aguardando deste trabalho dois produtos: uma conclusão e apresentação do relatório final. 3 Resolução "P" Nº 364, de 02 de março de 2001. Cria Grupo de Trabalho para os fins que menciona e dá outras providências. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano XIV, n. 243, 07 de mar. 2001. Outra ação que tomou forma gradativamente foi a reestruturação da equipe das creches. As creches até então eram dirigidas por servidores da SMDS. Estes gestores foram remanejados para outros projetos e professores da rede municipal de ensino começaram a assumir a responsabilidade pela gestão creches4, uma vez que tal posição teria que ser assumida “exclusivamente, por servidor detentor do cargo de Professor ou Especialista em Educação, integrante do quadro de funcionários da SME5” (PCRJ, 2002). De acordo com o Decreto nº 20.525 de 14 de setembro de 20016, na cidade do Rio de Janeiro, o início do ano de 2003 foi marcado pela transferência das creches – antes vinculadas à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), atual Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) para a Secretaria Municipal de Educação (SME). Tal transferência deveria ser realizada até 1999, em atendimento à Lei nº 9394/96, mas só se efetivou 4 anos depois. (ROCHA, 2010) Em novembro de 2001, o Conselho Municipal de Educação publicou documentos que consolidaram o processo de transferência das unidades de Educação Infantil da então SMDS para SME: as Deliberações E/CME nº 06/2001 e E/CME nº 07/2001, de 25 de setembro. A primeira fixou normas complementares à Deliberação E/CME n.º 03/2000 e deu outras providências e a segunda fixava normas para o credenciamento das instituições de educação infantil conveniadas à municipalidade. Dentre as proposições, no que tange à formação mínima dos profissionais na Deliberação nº 06/2001, destaca-se: Art. 5º - O pleno atendimento ao disposto nos Artigos 10 e 14 da Deliberação E/CME n.º 03/2000, poderá ocorrer, em caráter excepcional, no máximo até 30/12/2007. § 1º - A entidade providenciará a substituição progressiva de recreadores por professores, admitindo-se, inicialmente, que metade possua formação em nível médio, na modalidade 4 Decreto nº 21.259, de 8 de abril de 2002, que dispôs sobre a locação de servidores da Secretaria Municipal de Educação em creches. 5 A coordenadora da CRE designava um professor para responder pelo expediente das creches, pois, até então, não existia na estrutura organizacional da SME/RJ, o cargo de Diretor de Creche. 6 O Decreto nº 20.525 de 14 de setembro de 2001 transferiu o atendimento na Educação Infantil da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social para a Secretaria Municipal de Educação num processo gradual e em três etapas. Normal, na forma da lei, e metade com estudos em andamento visando formação para o exercício do magistério. § 4º - A Secretaria Municipal de Educação deve: a) cadastrar todos os profissionais, sem a formação necessária, que em 2001, estejam em exercício nas instituições conveniadas com a municipalidade, b) adotar as providências necessárias para acompanhamento e controle da formação dos profissionais citados na alínea a deste artigo. Apenas em 2004, oito anos após a promulgação da LDB/96, com a elaboração e publicação de um primeiro documento: Resolução SME nº 816/2004, a transição tomou um caráter definitivo. A partir dela, as creches foram “assumidas”, pensadas e entendidas como responsabilidade do sistema de ensino. Embora a ênfase do documento fosse marcadamente administrativa e de não fazer referência à proposta pedagógica, nele estavam explicitadas as normas para o funcionamento de cada unidade, tais como: horário de atendimento, composição técnico-administrativa, planilha para o cálculo do quantitativo de pessoal, bem como as atribuições de cada profissional7.que deveria atuar nas creches naquele momento Entre os profissionais previstos nas creches, cabe ressaltar a figura do Professor Regente Articulador, responsável direto pela execução do projeto político pedagógico da instituição, detinha a maior responsabilidade do processo pedagógico. No entanto, este profissional não tinha uma atuação frente a um grupo específico de crianças, mas sim uma atuação institucional, envolvendo as articulações necessárias ao trabalho realizado com todas as crianças. Portanto, temos já no início da história das creches na Educação, práticas que contrariam a legislação no que diz respeito ao profissional que educa às crianças, neste momento atendidas pelos recreadores. Profissionais contratados através das Organizações da Sociedade Civil, os recreadores não tinham como requisito de seleção, a formação exigida em lei, embora 7Quanto ao período de funcionamento, o referido documento estabeleceu regime de horário integral, 10 (dez) horas diárias – das 7h às 17h -, prestando atendimento a crianças de zero a três anos e onze meses (art. 1º e 2º). Em seu artigo 3º reafirmou a possibilidade de convênios firmados entre a SME e Organizações de Sociedade Civil (OSC), de modo a garantir o funcionamento das unidades. No que diz respeito a composição técnico-administrativa, as creches teriam a seguinte estrutura: 1 diretor, 1 professor regente articulador, recreador, cozinheiro ou merendeira, lactaristas ou merendeiras para as creches que possuem berçário, auxiliar de serviços gerais. suas atividades junto às crianças deixassem claro que envolviam atuação pedagógica, em conjunto com a orientação do Professor Regente Articulador.8 Com a substituição da mão de obra externa por profissionais era uma meta prevista pela SME/RJ, criou-se em 2005, através da Lei nº 3.985 de 08/04/2005, o cargo de agente auxiliar de creche (AAC), com objetivo de ser uma categoria a integrar o quadro de apoio à Educação. Começou aí o desenho de uma primeira política envolvendo o quadro funcional das creches. O primeiro concurso Em 2007 o município lançou edital de concurso público para preenchimento de vagas de Agentes Auxiliares de Creche (AAC) exigindo como formação mínima, o Ensino Fundamental, desconsiderando as determinações legais9 e prevendo carga horária de 40 horas semanais. O concurso de provas e títulos, exigia do candidato, além de conhecimentos em Português e Matemática, conhecimentos em Legislação – Estatuto da Criança e do Adolescente – bem como o conhecimento de portarias relativas ao funcionamento das creches no próprio município. O edital apontava atribuições específicas10, que olhadas com cuidado, envolvem mais do que a formação exigida supõe como conhecimento prévio. Incluem tarefas de cuidado e educação, planejamento de atividades, saúde e articulação com a comunidade. Atividades pedagógicas. Desta forma, é preciso reconhecer o Agente Auxiliar de Creche como educador. No município do Rio de Janeiro, o preenchimento do cargo deu-se por concurso público realizado em 04 de novembro de 2007, através de provas e/ou de provas e títulos, ocorrendo a seleção de forma regionalizada, isto é, por CRE11. Essa função (Edital nº 08 de 2007) contrariava as diretrizes e orientações advindas da esfera nacional como a LDB (1996), que definiu a formação obrigatória para atuar em todos os níveis 8 Resolução SME nº 816/2004 9 LDB/96 , art.62 10 Edital SME/SMA nº 08, de 24 de julho de 2007 11 CRE- Coordenadoria Regional de Educação- Órgão intermediário vinculado à Secretaria Municipal de Educação. A Secretaria Municipal de Educação, em 2007, subdividia-se em 10 Coordenadorias Regionais de Educação, que concentravam bairros próximos. A partir de 2013, há 11 Coordenadorias Regionais de Educação. de ensino, incluindo a Educação Infantil. No edital, a escolaridade mínima exigida era o Ensino Fundamental e outro item a ser destacado era a carga horária de 40 horas semanais. O quadro de pessoal das creches públicas do município do Rio de Janeiro, em junho de 2008, passou a contar com os novos profissionais concursados, modificando não só os aspectos organizacionais como também imprimindo uma nova marca pedagógica. Frente a tantas mudanças o quadro de pessoal das creches, em 2008, ficou assim estruturado: diretor (a), diretor (a) -adjunto (a), professor (a) articulador (a) e os agentes auxiliares de creche, todos vinculados à Secretaria Municipal de Educação. Os demais funcionários existentes, que não integravam o quadro da rede municipal de ensino, eram: cozinheira, lactarista e auxiliar de serviços gerais (atuam na limpeza), todos tendo seus vínculos empregatícios com empresas que prestavam serviços à Prefeitura. (ROCHA, 2010) Em 2008, começaram a tomar posse os primeiros classificados, respeitando a escolha regionalizada. Em 2009, uma nova gestão assumiu a Secretaria de Educação, uma vez que as eleições municipais de 2008 trouxeram mudanças ao cenário político vigente. Como resposta a esta situação, optou por medida que ampliasse a formação dos ACC, buscando desta forma cumprir o que estipula a LDBEN. Desta forma foi oferecido a todos os AAC que não tinham formação adequada o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil12 – PROINFANTIL. O PROINFANTIL foi criado no ano de 2004, pela Secretaria de Educação Básica do MEC, inspirado no programa denominado Proformação13 o qual foi 12 ProInfantil –curso semipresencial, de formação de ensino médio na modalidade normal. É considerado pelo MEC como um curso emergencial, oferecido para professores que já estejam em exercício na Educação Infantil, atuando em creches ou pré-escolas particulares, filantrópicas, comunitárias, confessionais, conveniadas ou não, nos municípios e estados da federação e que não possuem a formação mínima exigida pela legislação – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96). 13 O Proformação é um curso a distância, de formação para o Magistério, em Nível Médio, na modalidade Normal, oferecido para professores em exercício das redes públicas de ensino. O curso confere diploma para o exercício da docência nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. A população-alvo do PROFORMAÇÃO é constituída pelos professores que não possuem a habilitação mínima legalmente exigida e se encontram lecionando nas quatro primeiras séries, classes de alfabetização e de jovens e adultos das redes públicas estaduais e municipais de todo o país. (Diretrizes Gerais do PROFORMAÇÃO/ maio de 2004, p.4) referência tanto no que diz respeito à metodologia quanto às parcerias entre as três esferas administrativas da federação, para o início do programa de formação de professores em exercício na Educação Infantil. Embora priorizasse a formação em nível superior para o exercício do magistério na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96, artigo 62) admite como formação mínima aquela oferecida a nível médio, na modalidade normal. No município do Rio de Janeiro, Ao longo dos seis anos de implantação (20052011) do PROINFANTIL foi observado um grande aumento de professores e municípios interessados pela temática da Educação Infantil e pela profissionalização dos docentes que nela atuam. Percebe-se, ter havido um crescente número de participantes em cada novo grupo criado, independente do tamanho dos estados e dos municípios que integravam cada um. Vale marcar que a vocação do PROINFANTIL era a formação em exercício, agregando a prática à teoria, uma vez que buscou contribuir para o exercício do magistério, via qualificação de seus profissionais, oferecendo interferências em suas práticas de ressignificação de seus fazeres e saberes, dando possibilidades aos sujeitos de acrescentar outras visões frente às questões educacionais. O PROINFANTIL, no município do Rio de Janeiro, apresentou 7 Agências Formadoras (AGF) devido à grande demanda. Foram 1.375 Professores Cursistas ( Agentes Auxiliares de Creche), 160 Tutores e 49 Professores Formadores. Tendo em vista a necessária ampliação da oferta de creche à população, e a correção da política anterior, a SME/RJ criou em 2010 um novo cargo: Professor de Educação Infantil14 (PEI). Em outubro deste mesmo ano foi lançado o Edital nº 91 que regulamentou o concurso público de provas e títulos para o referido cargo. Desta vez atendendo à LDB/96, exigiu formação mínima em Nível Médio, modalidade Normal, Normal Superior ou Licenciatura Plena em Pedagogia, com habilitação para docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental ou específica para Educação 14 Projeto de lei nº 701/2010, cria no quadro permanente do poder executivo do Município do Rio de Janeiro a categoria funcional de professor de Educação Infantil. Infantil. A carga horária deste profissional foi determinada em 22h e 30 min semanais. O concurso foi regionalizado, ou seja, o candidato escolhia, no ato da inscrição a CRE15 (Coordenadoria Regional de Educação) que gostaria de concorrer. O concurso exigia do candidato, conhecimentos em Português e Matemática, Conhecimentos Específicos, Legislação Educacional, e conhecimentos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, três questões dissertativas. Ao analisar as atribuições do cargo, vale compará-las com as do Agente Auxiliar de Creche, uma vez que ambos estariam agora responsáveis pela educação das crianças, e, portanto, precisariam ter claras suas obrigações: Um rápido estudo demonstra que as ações se misturam, repetem e desta forma, criam interpretações, embates, posturas e práticas diferenciadas em espaços diversos. Há que se considerar que hierarquicamente, o PEI, com carga horária menor, salário maior, foi uma categoria criada posteriormente à de AAC, com sua carga horária extensa e seu salário menor. Para além da discussão sobre as atribuições de cunho pedagógico, hoje há uma realidade que se apresenta sob a forma de conflito. Esse conflito tem emergido para além da escola e da sala de aula. As redes sociais estão sendo utilizadas como uma opção de diálogo entre outros profissionais da área e tem se tornado um instrumento de formação e conforto. Elementos da formação aparecem quando um professor realiza um post dizendo que precisa de ajuda com o planejamento, em como lidar com a instituição e o conforto aparece em apostilas prontas, sem autoria ou referencial teórico claros que são compartilhadas, links educativos e até mesmo em forma de conselhos para aquele professor que pergunta o que fazer para suportar mais um dia sem enlouquecer com as condições de trabalho que lhe são oferecidas. Nesse sentido, como são educadas as crianças nas creches cariocas? Quem são os atores pedagógicos? Como se relacionam? Qual o impacto da formação inicial (PEI) e ou do PROINFANTIL nas interrelações e ações cotidianas entre os responsáveis pelas práticas pedagógicas? 15 A Secretaria Municipal de Educação subdivide-se em 10 Coordenadorias Regionais de Educação, que concentram bairros próximos. Esta ação busca facilitar o trabalho do Município que tem a maior rede de ensino da América Latina. PARA NÃO CONCLUIR... As razões para o investimento na melhoria da formação do profissional da Educação Infantil no município do Rio de Janeiro foram percebidas em suas contradições ficando evidente a associação ao compromisso assumido pelo Brasil, nos acordos internacionais, referente à expansão e aprimoramento da educação da primeira infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas. Vê-se, no processo que à medida que os organismos internacionais apresentam preocupação com os países em desenvolvimento, o foco das políticas em relação à educação mesmo que seja atender pobremente a pobreza, nos textos políticos transparece e acabam resultando numa preocupação com os direitos da criança e da família. Outro ponto polêmico é a crescente valorização e demanda por acesso à Educação Infantil e, na contramão, a desqualificação do profissional que ali está. Um dos grandes desafios do Brasil, nas últimas décadas, tem sido garantir que todas as crianças na faixa etária da Educação Infantil tenham acesso à escola de qualidade e nela permaneçam, também, com qualidade. Tomamos como exemplo os termos educar e cuidar que estão presentes e são razão de conflitos no dia a dia da Educação Infantil. Cuidar e educar são ações que constituem uma visão holística do desenvolvimento da criança com base em concepções que respeitam a diversidade, os momentos e as realidades peculiares à infância. Esperase que signifique para o educador, uma visão de criança compreendida como cidadã, em processo de desenvolvimento e como tal, com necessidade de ações de atenção que complementam à ação da família. Espera-se que implique, sobretudo, respeitar ao sujeito criança que está em processo de formação. Entendemos que a proposta política não é somente elaborada e finalizada no ato legislativo, pois recebe influência de vários setores e organizações externas a ela (BOWE; BALL, 1992). Os diferentes sujeitos, os Agentes Auxiliares de Creche e os Professores de Educação infantil criam interpretações da mesma, o que pode representar mudanças nas propostas iniciais da política. Um exemplo na cidade do Rio de Janeiro foi a criação, em 2010, do cargo Professor de Educação Infantil, fruto de embates, lutas e conquistas dos ACC. Muitos submeteram-se ao concurso, foram aprovados e, com a habilitação em mãos, tornaram-se professores de fato do cargo pleiteado. É interessante notar que as manifestações feitas pelas AAC, desde a criação do cargo em 2007 e atrvaés da exploração do meio digital através de blogs, tiveram resultados positivos para a classe: a marcação de reuniões e assembleias; o conhecimento dos despachos com os vereadores e com o prefeito e as reivindicações de seus direitos. Os blogs foram canais para anunciar e questionar, junto ao Ministério Público, a situação na qual elas se encontravam. Como resultado dessas e outras pressões sociais de outras instituições ligas à Educação Infantil, foi criado o cargo de PEI no município do Rio de Janeiro. Os dados das pesquisas feitas corroboram a afirmativa de que ao mesmo tempo em que o indivíduo é único, singular, sua constituição e formação só se realizam na relação interativa com o outro e nesse processo, atua também como produtor da realidade social. Dessa forma acreditamos que olhar e analisar este processo de luta, nos permite elaborar ações futuras, num exercício que contempla contextos, indivíduos e suas diferenças , ao mesmo tempo que aposta na transformação das práticas através da transformação das pessoas. REFERÊNCIAS: BALL, Stephen J.; BOWE, Richard. Subject departments and the “implementation” of National Curriculum policy: an overview of the issues. Journal of Curriculum Studies, v. 24, n. 2, p. 97-115, 1992. BRASIL. (Constituição de 1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. _______. Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 30 jan. 2009. _______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 20 de maio de 2015. CAMPOS, Maria Ignez Ferreira. O Proinfantil no município do Rio de Janeiro:concepções de criança nos Projetos de Estudos. (Mestrado em Programa de PósGraduação em Educação) – PROPED/UERJ, 2014. GIL, Márcia. O perfil dos professores de Educação Infantil da cidade do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-Graduação em Educação) – PROPED/UERJ, 2013. KRAMER, Sônia. Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas: Papirus, 1992. ______. 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