A NOVA SISTEMÁTICA DA LEI Nº 11.232/05 E A EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Felipe de Almeida Campos 1
Sumário: 1. Introdução; 2.Alimentos decorrentes do direito de família e competência do juízo;
3. Efetividade e celeridade na cobrança de dívidas alimentícias; 4. A reforma da execução de
título judicial e o novo cumprimento de sentença; 5. Aplicação da lei 11.232/05 às dívidas
alimentícias; 6. Conclusão. Referências
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº. 45 de 30 de dezembro de
2004, inseriu o inciso LXXVIII ao art. 5º, assegurando a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Assim, objetivando assegurar tal garantia,
sempre à luz da efetividade do processo, foram publicadas várias leis com o intuito de tornar o
procedimento mais célere e, nessa linha, a Lei nº 11.232/05 trouxe considerável inovação ao
tratar da nova fase de cumprimento da sentença.
O antigo sistema processual de execução era marcado por uma clara divisão entre o
procedimento cognitivo e o procedimento de execução de títulos judiciais. Antes da entrada
em vigor da lei 11.232/05, as execuções de títulos executivos judiciais eram processadas de
forma autônoma, formando-se novos autos instruídos com a sentença condenatória, onde o
executado era citado dando início a um novo procedimento em contraditório.
Após a reforma proporcionada pela Lei nº 11.232 (publicada no Diário Oficial dia 23 de
dezembro de 2005), o sistema processual brasileiro passou a adotar um novo paradigma para
as execuções de títulos judiciais.
A alteração proporcionada pela Lei nº 11.232/05 promoveu em nosso sistema processual
o chamado sincretismo processual, propondo a união entre o procedimento de conhecimento e
o procedimento de execução, inserindo os artigos 475-I ao 475-R ao Código de Processo Civil
(ANGHER, 2009, p.294-295).
No que se refere ao termo sincretismo pode-se dizer que, historicamente, o seu
surgimento ocorreu na Grécia, mais precisamente na conhecida ilha de Creta, época de
Plutarco, nos primórdios da era cristã. Ao que consta, a ilha de Creta era marcada por ser
habitada por comunidades de características antagônicas, com costumes e culturas muito
diversos, o que a tornava frágil aos ataques dos seus adversários. Com as constantes derrotas
da citada ilha, as comunidades resolveram se agrupar e, dessa união, nasceu o termo
“syncretizo” 2 .
Há forte referência também ao estudo do sincretismo no âmbito religioso, onde se busca
uma maior unificação dos preceitos religiosos, isto é, uma frente comum de religião a fim de
evitar o enfraquecimento do cristianismo (HOOFT, 1968, p.07).
1
Advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna/MG. Especialista em Direito
Processual pela PUC-Minas.
2
Neste sentido ver <http://www.templodeapolo.net/Mitologia/mitologia_grega/intro/mitologia_grega_intro5.html
A reivindicação acerca desse sincretismo processual vinha acontecendo há longos anos
pela doutrina processual. A reforma da execução já era defendida por Humberto Theodoro Jr.,
no final da década de 80, em tese de doutoramento defendida na Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais e publicada em sua 3ª edição pela editora
mandamentos no ano de 2007. (2007b, p.306).
A partir desse importante marco pode-se entender que os novos procedimentos
instaurados no judiciário serão chamados de fases, tornando a antiga sistemática da execução
um desdobramento da fase de conhecimento.
Ocorre, no entanto, que a reforma do Código de Processo Civil, operada pela Lei nº
11.232/05, não observou o sistema da execução de alimentos, tratada nos artigos 732 a 735 do
Código de Processo Civil. (Angher, 2009, p. 312).
Dessa forma, tanto a doutrina quanto a jurisprudência foram questionadas sobre a
aplicação ou não das regras do Cumprimento da Sentença à Execução de Alimentos. O
legislador esqueceu-se de aplicar a nova reforma ao sistema de execução de alimentos ou
simplesmente o excepcionou?
O presente artigo busca exatamente responder essa indagação, através de estudo
doutrinário e jurisprudencial, analisando os principais pontos e discutindo a repercussão de
cada posicionamento. A pretensão é exatamente oferecer uma reflexão crítica sobre a reforma
e discutir a sua aplicação nas dívidas de alimentos, sempre à luz da celeridade e efetividade no
procedimento da execução.
Através da análise doutrinária e jurisprudencial, pretende-se demonstrar que a nova
sistemática da Lei nº 11.232/05 deve ser aplicada também ao procedimento do art. 732 do
Código de Processo Civil - CPC, devendo o seu cumprimento ser buscado nos mesmos autos
não só por ser mais benéfica aos exequentes, mas também por atender aos seus interesses,
tendo em vista que necessitam de um meio processual ágil e eficaz diante da marcante
característica de urgência que possui os alimentos.
No que se refere à metodologia, mais especificamente à espécie de pesquisa utilizada,
registra-se que se utilizou tanto a análise documental quanto a bibliográfica, a partir do
método dedutivo de pesquisa.
2. ALIMENTOS DECORRENTES
COMPETÊNCIA DO JUÍZO
DO
DIREITO
DE
FAMÍLIA
E
Nos termos do art. 1694 e seguintes do Código Civil (Angher, 2009, p. 227) podem os
parentes, os cônjuges e, inclusive, os companheiros, pedir, uns aos outros, os alimentos de que
necessitam, atentando, sempre, para o binômio necessidade do credor (não possuir bens
suficientes, nem poderes para se manter) e possibilidade do devedor (condição de fornecer
alimentos sem desfalque necessário ao seu sustento).
A obrigação de prestar alimentos pode ser constituída por duas formas: uma, através de
um provimento judicial; outra, de forma extrajudicial (escritura pública, Lei nº 11.441/07, ou
documento particular assinado pelo devedor acompanhado da assinatura de duas
testemunhas).
A sua competência é ditada pela lei processual no art. 100 do Código de Processo Civil
estabelecendo que “é competente o foro: II - do domicílio ou da residência do alimentando,
para a ação em que se pedem alimentos). (Angher, 2009, p.274)
Conforme adverte Maria Berenice Dias (2007, p. 486), mesmo a ação de oferta de
alimentos deve ser proposta onde o credor reside. Trata-se a obrigação alimentar de dívida
portable (caso em que o devedor deverá oferecer o adimplemento no domicílio do credor). No
entanto, nada impede que o alimentando instaure o procedimento de alimentos no domicílio
do alimentante (CPC art. 94). Nos casos de cumprimento de sentença, nos termos do art. 475P § único (Angher, 2009, p.295), o alimentando poderá ainda fazer uma nova opção:
promover o cumprimento de sentença no juízo onde houver bens.
3. EFETIVIDADE
ALIMENTÍCIAS.
E
CELERIDADE
NA
COBRANÇA
DE
DÍVIDAS
A Constituição Federal garante a todos o direito a uma tutela adequada e efetiva,
desdobrando-se tal afirmação no Devido Processo Legal, caracterizado, sobretudo, pela
atenção ao contraditório, ampla defesa, isonomia, acesso à justiça e à tempestiva prestação
jurisdicional.
Inicialmente, será analisado o princípio do acesso à justiça e, logo após, a efetividade e a
celeridade serão abordadas sob o aspecto da cobrança de dívidas decorrentes da obrigação
alimentar. Nesse caminho, o art. 5º inc. XXXV da Constituição Federal de 1988 nos informa
que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.
(Angher, 2009, p.27).
Vários são os estudos acerca dos reflexos do art. 5º inc. XXXV da Constituição Federal
de 1988 (Angher, 2009, p.27), mas é importante considerar que não basta apenas entender o
acesso à justiça como uma garantia que o cidadão possui de ir a juízo e instaurar um
determinado procedimento. O acesso à justiça deve vir acompanhado também da garantia de
que o procedimento, uma vez instaurado, deve ser adequada e tempestivamente apreciado
pelo Estado, a fim de que a decisão seja útil e produza os seus regulares efeitos. Não basta,
portanto, garantir apenas formalmente o acesso à justiça; é necessário que o direito processual
proporcione segurança e utilidade a todos os seus envolvidos.
Pode-se afirmar que a rápida duração do processo sempre foi o grande desafio dos
estudiosos da ciência processual. A então busca pela rápida prestação jurisdicional,
denominada celeridade, obteve viés constitucional após a Emenda Constitucional nº. 45, de
08-12-2004, quando foi inserido ao art. 5º o inc., LXXVIII - “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação.” (Angher, 2009, p.29).
Após a inserção do citado inciso ao rol dos direitos e garantias fundamentais, vários
estudos vêm sendo realizados na tentativa de se buscar alternativas diante do grande volume
de procedimentos instaurados diariamente e da deficiência - muitas das vezes de pessoal no
Poder Judiciário - em suprir e proporcionar real garantia à celeridade na tramitação dos
referidos procedimentos.
Por outro lado, a busca por uma rápida prestação jurisdicional não pode representar
desrespeito às garantias processuais constitucionais, tampouco informalidade. Nesse caminho,
mostra-se interessante mencionar julgado do TJMG de relatoria do Desembargador Gouveia
Rios, nos autos do procedimento número 1.0433.04.127455-9/001(1), data do julgamento:
30/08/2005, data da publicação 16/09/2005, veja-se:
EMENTA: FAMÍLIA - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - CUMULAÇÃO NOS
MESMOS AUTOS DOS RITOS PROCESSUAIS PREVISTOS NOS ARTS. 732 E
733 DO CPC - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA ECONOMIA
PROCESSUAL - OBSERVÂNCIA - OPÇÃO DO CREDOR QUANTO AO RITO
A SER ADOTADO. A possibilidade de cindir a ação de execução de
ALIMENTOS não permite a concomitância dos pedidos nos mesmo autos, tendo
em vista o disposto no art. 292, §1º, III, do CPC, mas, sim, o aforamento
simultâneo de processos distintos, um regido pelo art. 732, do CPC, e o outro pela
art. 733, também do CPC. "Admitida a duplicidade de formas de execução, não é
possível a cumulação dos dois pedidos nos autos da execução, considerando que
reclamam formas procedimentais diversas." "Cabe à credora a escolha do rito
PROCESSUAL a ser seguido para a execução de ALIMENTOS", razão por que a
extinção do processo sem, contudo, possibilitar à parte a opção sobre qual dos ritos
dos processuais (art. 732 ou 733, do CPC) possui interesse em que o feito prossiga,
contraria os princípios da economia e CELERIDADE processuais.
A celeridade processual deve vir acompanhada da economia processual. Entretanto,
deve-se observar se as buscas pela celeridade e pela economia processual não trarão
transtornos à tramitação dos procedimentos. Busca-se um provimento jurisdicional em tempo
razoável e o maior aproveitamento dos atos processuais, mas desde que não haja tumulto
processual. Nas lições de Humberto Theodoro Júnior, “o processo civil deve-se inspirar no
ideal de propiciar às partes uma Justiça barata e rápida, do que se extrai a regra básica de
que deve tratar-se de obter o maior resultado com o mínimo de emprego de atividade
processual”. (2005, p. 33).
No caso acima percebe-se que a eventual adoção de dois procedimentos diversos
cumulados num só, não obstante a urgência da prestação dos alimentos, pode trazer transtorno
ao bom andamento e aproveitamento das fases do procedimento, haja vista que os prazos para
pagamentos são diversos, sendo de 24 (vinte e quatro) horas no caso da execução do art. 732 e
3 (três) dias no caso do art. 733. Outro dado importante seria a defesa processual, haja vista
que no caso do art. 733 não há espaço para o oferecimento de bens a penhora ou apresentação
de embargos, mas sim justificação. A técnica processual não pode ser mitigada sob o
fundamento de uma justiça rápida. Entender o contrário e abandonar determinadas
formalidades pode trazer efeitos negativos a ponto de se tornar extremamente moroso um
procedimento com caráter de urgência. (Angher, 2009, p.312)
Posicionamento idêntico é encontrado em julgado do TJRS, agr. nº 599177037, Rel.
Desembargador Breno Moreira Mussi, 8ª Câmara Cível, DJ 01/07/1999, veja-se:
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS
RITOS PREVISTOS NOS ARTS. 732 E 733 - PRESTAÇÕES VINCENDAS A
SEREM EXECUTADAS NOS MESMOS AUTOS DA EXECUÇÃO PELO RITO
DO ART. 733. Não se pode cumular os ritos procedimentais previstos nos arts.
732 e 733, sob pena de causar tumulto no processo, do qual pode advir
prejuízo à parte.
Desde 2006 é promovido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais o projeto “Conciliar
é Legal” através da semana da conciliação. As audiências são realizadas no âmbito penal e
cível nos juizados especiais, nas centrais de conciliação, centrais de conciliação de precatórios
e juizados de conciliação comunitários. Os balanços, entretanto, não têm se mostrado tão
favoráveis na justiça comum e, estranhamente, nos juizados especiais, como exemplo dos
resultados divulgados no ano de 2007, onde constam 62,4% de acordos realizados nas centrais
de conciliação, 61,8% nos juizados comunitários, 32,7% nos juizados especiais e 33,2% na
justiça comum 3 .
Programas como o exemplo acima citado precisam ser debatidos por toda a comunidade
jurídica e aprimorados cotidianamente. A simples implantação e a busca pela conciliação sem
a devida capacitação dos órgãos competentes podem trazer, ao contrário do que se pretende,
novos e dificultosos procedimentos com uma perda incalculável de tempo.
É nesse contexto que surge a Lei nº 11.232/05, visando garantir mais celeridade ao
procedimento de execução através da nova fase de cumprimento de sentença, e efetividade
através da aplicação da multa de 10% após o transcurso do prazo de 15 (quinze), com o claro
objetivo de estimular o devedor a adimplir em tempo a sua obrigação. A economia processual
vem exatamente da união da fase de cognição à fase de execução, agora conhecida como fase
de cumprimento da sentença.
A celeridade deve ser perseguida por todos os estudiosos e operadores do direito, mas,
como foi visto, a sua busca sem limites, ao contrário de trazer benefícios ao jurisdicionado,
pode trazer sérios prejuízos e lentidão, caminho exatamente diverso ao que se pretende
alcançar, principalmente quando se trata de alimentos, tendo em vista o seu caráter de
urgência.
4. A REFORMA DA EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL E O NOVO
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Com a nova Lei nº. 11.232 de 22.12.05 deixou de existir em nosso sistema processual o
chamado Processo de Execução para títulos judiciais. Assim, tem-se atualmente um sistema
unitário em que o cumprimento de sentença passou a ser uma fase do procedimento de
conhecimento, ou seja, trata-se de um incidente, não sendo, portanto, autônomo.
Em sua nova sistemática, o cumprimento de sentença não conta com a citação do
devedor, mas sim com a sua intimação para pagar voluntariamente no prazo de 15 (quinze)
dias. Como meio de defesa, não há mais a figura dos embargos e sim da impugnação, cuja
matéria é enumerada no art. 475-L 4 (Angher, 2009, p. 294) do Código de Processo Civil,
tratando-se de rol numerus clausus. Uma vez não cumprida a obrigação voluntariamente pelo
devedor, após a sua intimação e o transcurso do prazo legal de 15 dias, ocorre ainda aplicação
de multa de 10% (dez por cento), que tem a sua justificativa no espírito da reforma que visa
estimular o devedor a pagar voluntariamente o seu débito no prazo legal.
3
Dados podem ser encontrados no site
<http://www.tjmg.gov.br/info/pdf/?uri=/quadro_avisos/semana_conciliacao/2007/balanco_parcial_3_a_5_12.pdf
4
Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à
revelia; II – inexigibilidade do título; III – penhora incorreta ou avaliação errônea; IV – ilegitimidade das partes;
V – excesso de execução. VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como
pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença. (FONTE)
Discute-se muito se há a necessidade da parte ser intimada pessoalmente da sentença.
Sobre esta necessidade, o STJ já se manifestou no Resp 954859 5 , originário do Rio Grande do
Sul, tendo como relator o Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, proferindo o seguinte
entendimento:
E M E N T A. LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA
SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE
VENCIDA. DESNECESSIDADE.
1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se
mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo
recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.
2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte
vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.
3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena
de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.
Os ministros, além de manifestarem entendimento, conforme acima mencionado, de que
o termo inicial dos 15 dias previstos na lei deve ser contado após o trânsito em julgado da
sentença, alertaram que a reforma no CPC teve como objetivo imediato tirar o devedor da
passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. De acordo com o ministro
Gomes de Barros, foi imposto ao devedor o ônus de tomar a iniciativa e cumprir a sentença
rapidamente e de forma voluntária.
5. APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.232/05 ÀS DÍVIDAS ALIMENTÍCIAS
O antigo sistema de execução do art. 732 do CPC (Angher, 2009, p.312) não pode ser
mais adotado em nosso dia-a-dia forense. Conforme já esclarecido neste texto, os alimentos
carecem de urgência e não podem sofrer uma interpretação restritiva por parte da doutrina.
Todavia, não é o que as varas de família da comarca de Belo Horizonte entendem,
conforme se pode perceber através da análise da decisão interlocutória proferida no dia 18 de
janeiro de 2008, nos autos do procedimento de alimentos nº. 0024.05.739.300-1 6 , verbis:
Vistos ...
Face à nova sistemática adotada nas Varas de Família, onde todas as execuções
deverão correr em autos apartados, determino que se proceda ao desentranhamento
da petição e documentos de fls. 61/81, entregando-os ao ilustre advogado
subscritor, sob recibo, para que providencie a regular distribuição da execução.
No mesmo sentido, Araken de Assis ensina que:
O legislador reformista não se atreveu a modificar o capítulo V. Exemplo frisante
deste singular tratamento desponta na predisposição de vários meios executórios.
Nada obstante, na condição de crédito pecuniário, os alimentos comportam
execução através da via expropriativa comum (art. 647), cujo rito se diferencia em
alguns aspectos secundários. Isto decorre do disposto no art. 732, que é relativo a
alimentos definitivos, e do art. 735, que concerne aos provisionais. Conforme já
explicado, não se aplica o art. 475-J e demais disposições da lei 11.232/05 à
execução de alimentos. O legislador reformista não se atreveu a modificar o
capítulo V (da execução de prestação alimentícia) do título II do livro II e as
5
BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Prazo de 15 dias para pagamento de condenação independe de intimação
pessoal. Civil- Contrato- Financiamento - Rede de Energia Elétrica. REsp 954859. Recorrido: José Francisco
Nunes Moreira. Recorente: Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica CEE/RS. Relator: Min.
Humberto Gomes de Barros. Terceira Turma.27/08/2007.
6
MINAS GERAIS. 2ª Vara de Família da Capital. Ação de alimentos. Autos número: 0024.05.739.300-1.
ALSM e outros Versus JMM. Juiz: Arnaldo Maciel Pinto. Belo Horizonte/MG.
remissões ao Capítulo IV do mesmo livro II (do processo de Execução). (2006, p.
884)
Compartilhando a mesma tese acima exposta, Humberto Theodoro Júnior vem
defendendo a necessidade de dois procedimentos autônomos nas obrigações de alimentos,
mantendo a tese de que mesmo após a Lei nº. 11.232/2005 continuará em vigor a execução do
art. 732 do CPC. (2009, p.312)
Com grande acerto, data venia, contrariando as teses expostas e a respeitável decisão
acima expostos, o tema passou a ser tratado por Alexandre Freitas Câmara da seguinte forma:
“A meu ver, porém, não se pode pensar que essa espécie executiva não receba os influxos da
nova sistemática da execução de sentença.”. E segue:
(...) do que até aqui se expôs, a única conclusão a que se pode chegar é que o fato
de não ter a Lei nº. 11.232/05 se preocupado em modificar os artigos do CPC que
tratam da execução de alimentos em nada prejudica o sistema. É perfeitamente
possível interpretar-se as regras referentes àquela modalidade de execução com
base no novo modelo teórico inaugurado pela referida lei, passando-se a tratar o
módulo processual executivo de alimentos também como mera continuação do
processo em que a condenação a pagá-los tenha sido prolatada. (2006, p. 171-174).
Trilhando o mesmo caminho, a Desembargadora Maria Berenice Dias, ensina que:
As sentenças – definitivas ou não- dão ensejo à fase de cumprimento. Extinta a
execução dos títulos judiciais (L. 11.232/2005), o adimplemento das obrigações
impostas por sentença foi substituído por mecanismo mais ágil – que dispensa nova
ação, nova citação, não comporta os embargos etc. (CPC 475-I). Ocorreu a
alteração da carga de eficácia da sentença, que de condenatória transformou-se em
executiva. Daí ter sido dispensado o processo executório. A mudança atinge toda e
qualquer sentença, até a que impõe obrigação alimentar. Não há como impor o rito
revogado de execução de título executivo judicial nem impedir o uso da via da
coação pessoal. “(...) Não só as sentenças, mas também as decisões interlocutórias
que fixam alimentos provisórios ou provisionais comportam cumprimento. Estando
em andamento a ação, a forma de buscar o cumprimento da decisão deve ser levada
a efeito em procedimento apartado. (2007, p. 497-498)
No que se refere ao sistema de cumprimento de sentença e cumprimento dos alimentos
provisórios ou provisionais, Newton Teixeira traz importantes considerações, veja-se:
(...) nas Varas de Família de Belo Horizonte, as execuções, mesmo de títulos
judiciais, tramitam em apenso aos autos principais, para evitar demora na
tramitação da execução. Pensamos que também o procedimento de cumprimento de
sentença deverá tramitar em apenso, sob pena de baralhar e atrasar o desfecho dos
autos principais, principalmente considerando que geralmente há alimentos
provisórios, que já poderão ser exigidos imediatamente, enquanto pendentes os
autos principais.
Com acerto, grandes doutrinadores vêm admitindo a aplicação do novo sistema às
execuções de alimentos. No entanto, deve-se discordar de algumas considerações acima
expostas.
Tem-se visto, na prática, que após o término do procedimento de cognição, à luz do
sistema de execução do art. 732 do CPC (Angher, 2009, p.312), novos autos são formados e
os mesmos documentos que instruem o procedimento de cognição são copiados, novamente
anexados à execução e, assim, vão se formando novos e numerosos autos, distribuídos por
dependência, acumulando-se em apensos, discutindo a mesma decisão proferida nos autos
principais (em muitos casos já arquivados), indo de encontro ao valioso princípio da
economia processual.
Tratar os novos dispositivos da Lei nº 11.232/05, mantendo, concomitantemente, parte
do sistema das execuções do art. 732 do CPC (procedimento em apenso) pode trazer, na
prática, apenas a substituição do nomen iuris sem, contudo, favorecer a celeridade e a
efetividade que buscamos na execução de alimentos.
Dessa forma, entende-se que o cumprimento da sentença que determinou a obrigação de
prestar alimentos deve ocorrer nos próprios autos, com uma exceção, qual seja, nas hipóteses
de alimentos provisórios ou provisionais. Nestes casos, com razão Maria Berenice (2007)
ensina que devem ser cumpridos em apenso aos autos principais diante da própria natureza
dos alimentos provisórios (fixados liminarmente no despacho inicial do procedimento de
alimentos) e provisionais (determinados em medida cautelar, preparatória ou incidental de
procedimentos de separação judicial, divórcio, alimentos e nulidade ou anulação de
casamento). É claro que tal pensamento reflete uma postura prática, mais eficiente, uma vez
que o cumprimento dessas obrigações alimentares nos próprios autos pode trazer certo
retardamento, pois teríamos a hipótese de o devedor oferecer impugnação, ocorrência de
multa e até penhora no curso de um procedimento de cognição. Pensar de outra forma
contraria o que dispõe a CF/88 em seu art. 5º LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação. (Angher, 2009, p.29).
No que se refere ao procedimento do art. 733 do CPC (2009, p. 312), entende-se que
este não coaduna com as regras do cumprimento de sentença. Trata-se, na verdade, de
procedimento especialíssimo, autorizador da decretação de prisão civil, cujo elemento
principal é o não-pagamento dos últimos três meses seguidos de pensão.
Na mesma esteira, Costa Machado demonstra em seu Código de Processo Civil
Interpretado que o art. 733 do CPC (2009, p.312) encontra-se regulado como procedimento
especial e é, na verdade, uma opção colocada à disposição do credor:
Com a entrada em vigor da Lei n.º. 11.232/05 (Reforma da Execução) a opção pela
execução comum, conforme este art. 732 significa a aplicação das normas que
regem o “cumprimento da sentença” (art. 475-I a 475-R) por referir-se o dispositivo
legal sob enfoque à execução de título judicial (“execução de sentença”). (2007, p.
1040).
Assim, não se vislumbra a possibilidade de se aplicar as regras do cumprimento de
sentença nos casos de execução com pedido de prisão porque, na maioria das vezes, já há uma
sentença objeto do art. 475-J (2009, p. 294), dando ensejo ao pagamento das prestações
alimentícias que, por descumprimento reiterado, pode gerar a execução por coação pessoal do
art. 733 do CPC (2009, p. 312). Nesse caso, entende-se que o art. 733 do CPC deve ser
mantido no sistema processual por sua especialidade, devendo ser formulado e distribuído por
dependência aos autos principais, processando-se em apenso.
No entanto, Elpídio Donizetti Nunes faz uma importante consideração acerca da
execução por coação pessoal do art. 733 do CPC, veja-se:
A prisão não se presta à execução em si, constituindo-se apenas meio para coagir o
devedor a cumprir, com presteza, a obrigação que lhe fora imposta. Assim, se os
alimentos forem pagos, a prisão será suspensa. Por outro lado, se a despeito da
prisão, o crédito não for satisfeito, pode o credor requerer a execução
expropriatória. Proposta desde o início ou depois de esgotado o recurso da prisão, a
execução expropriatória seguirá o procedimento padrão, ou seja: o devedor será
intimado para cumprir a obrigação no prazo de quinze dias, sob pena de multa de
10% (dez por cento) sobre o montante da prestação, presseguindo-se com a penhora
e demais atos expropriatórios, nos termos dos art., 475-I e seguintes. (2008, p. 328329).
Conforme as lições acima expostas, depois de esgotado o procedimento da execução por
coação pessoal, não sendo adimplida a obrigação alimentar, seria possível a adoção do novo
sistema de cumprimento de sentença.
6. CONCLUSÃO:
Por todo o exposto, pode-se perceber que tanto a doutrina quanto a jurisprudência vêm
caminhando bem no sentido de aplicação das disposições relativas ao cumprimento da
sentença às dívidas alimentares, no entanto, algumas dúvidas e resistências precisam de
melhor reflexão.
É preciso não só que o legislador, mas também os estudiosos e os julgadores reflitam
sobre a premente necessidade de se garantir um procedimento célere e, sobretudo, eficiente,
para que o jurisdicionado, carente de recursos e credor de alimentos, possa ter satisfeita a sua
pretensão alimentícia em tempo razoável, atendendo, assim, os seus anseios e necessidades.
Entender o contrário é ir de encontro aos modernos preceitos do processo de execução e
às reais necessidades do alimentando.
Na atualidade, a melhor interpretação é aquela que garante ao jurisdicionado a mais
adequada prestação jurisdicional, isto é, deve-se atentar para uma interpretação sistemática e
teleológica, harmonizando os institutos jurídicos e proporcionando o melhor resultado prático
do provimento.
Dessa forma tem-se que, não obstante o esquecimento momentâneo do legislador
reformista, a melhor interpretação é aquela que comporta a aplicação das regras do art. 475-J
às dívidas alimentícias, levando a admitir uma revogação tácita das letras do art. 732 do CPC.
Entendimento diverso não deve prosperar.
O presente artigo buscou consolidar ideias importantes da doutrina e trazer novas
reflexões, com o objetivo de manter o debate e, sobretudo, aprimorá-lo. Com esse
pensamento, busca-se uma tutela jurídica dos alimentos capaz de satisfazer as necessidades
vitais dos credores a tempo, abandonando os antigos e morosos sistemas garantidores apenas
de papéis repetidos e distribuições inócuas.
Em atenção a essa importante inovação procedimental, entende-se que estão acertadas as
disposições do legislador e, através da moderna jurisprudência e do esforço diário dos
estudos, alimentamos com celeridade e eficácia aqueles que tanto lutam, dia-a-dia, nas mais
diversas Varas de Família em busca da melhor aplicação e solução dos litígios.
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