CICATRIZAÇÃO
1ª AULA (2009.2) – Liga Baiana de Cirurgia Plástica
Apresentação:
Victor Hugo Valois (membro da LBCP,
Diretor de Ensino)
Existem basicamente 2 processos de restabelecimento da homeostase frente
a uma lesão:
Regeneração: Reparação de um tecido lesado pela deposição de células
neoformadas idênticas às do tecido lesado.
Cicatrização: Reparação de um tecido lesado pela deposição de tecido fibroso
no local da lesão.
Os dois processos ocorrem simultaneamente, num balanço dinâmico, mas,
em geral, um deles predomina.
Esses processos (regeneração e cicatrização) ocorrem de maneira diferente
nos diversos órgãos e tecidos.
Exemplos: tecido nervoso, se caracteriza por pouca regeneração e muita
cicatrização;
enquanto que fígado e ossos em geral realizam primariamente a regeneração.
A pele realiza predominantemente a cicatrização (com exceção do feto).
Alguns conceitos importantes:
“Ferida aguda”: é aquela que ocorre dentro de 3 a 4 semanas.
“Ferida crônica”: a ferida que persiste além de 4 a 6 semanas, e pode perdurar
por meses e até anos. Apresenta abundante tecido de granulação.
Em geral, os cirurgiões plásticos são consultados para avaliar três tipos de ferida:
1) Feridas agudas as quais a aparência deve ser o principal interesse.
2) Feridas em pacientes cujo “status clínico” e/ou o tipo da lesão predispõem a
uma maior dificuldade na sua reparação.
3) O estabelecimento de feridas crônicas, refratárias a outros tratamentos.
Alguns conceitos importantes:
Cicatriz é o resultado final de um
conjunto de acontecimentos biológicos
que se seguem à ferida, agressão ou
injúria, finalizando sempre pela
formação de colágeno e epitelização,
binômio sem o qual não existe cicatriz.
Cicatrização por Primeira Intenção:
exemplo: cicatrização de uma
incisão cirúrgica limpa nãoinfectada, aproximada por suturas.
Em geral não requer cuidados
especiais.
Alguns conceitos importantes:
Cicatrização por Segunda Intenção
(feridas com bordas separadas):
caracteriza-se por um grande defeito
tecidual, que deve ser preenchido
(ex. ulceração inflamatória, na
formação de abscessos, etc.)
Forma-se muito mais tecido de
granulação, que preenche o defeito
tecidual. A reação inflamatória é bem
mais intensa.
A contração da ferida é bem
pronunciada na cicatrização por
segunda intenção.
Requerem cuidados especiais e têm
maior propensão à cronificação.
Fases da Cicatrização
Fase Inflamatória
Fase Proliferativa
Fase de Maturação
Fase Inflamatória
Inicia-se imediatamente após a lesão tecidual; dura até aprox. o 3º dia.
Promove hemostasia
(formação do coágulo
protetor).
Remove tecido
desvitalizado; ocorre
vasodilatação e edema
tecidual.
Previne a infecção e
invasão da lesão por
microorganismos
patogênicos.
Quimiotaxia (princ.
neutrófilos).
Fase Proliferativa
Inicia-se 3 a 5 dias após o ferimento e dura até o 21º dia, aprox..
Período no qual ocorre
principalmente o balanço
entre formação da cicatriz
e a regeneração tecidual.
Preenchimento da ferida
por tecido de granulação
(angiogênese +
fibroplasia).
Migração de queratinócitos
para restaurar a
continuidade epitelial.
Fase de Maturação
Inicia-se do 21º dia e dura por mais ou menos 1 ano.
Objetiva maximizar a força
e a integridade estrutural
da ferida.
Redução do número de
fibroblastos (e produção
de colágeno). O excesso
de capilares é obliterado
e absorvido.
Contração da ferida e
remodelação do colágeno
(alinhamento).
Regeneração Inadequada
A resposta ao dano caracteriza-se por:
• Deficiência no restabelecimento de tecido funcional
• A ausência de regeneração é compensada por um fisiológico processo de
cicatrização, que, na maioria das vezes, não se apresenta excessivo.
Exemplo clássico: lesão do sistema nervoso central.
Estratégias para aumentar a regeneração do Sistema Nervoso Central tem sido
desenvolvidas, já que a redução na formação de cicatriz, por si só, é ineficaz.
Alternativa: uso de células-tronco.
Outros exemplos: inadequada regeneração em lesões ósseas e úlcéras
córneas.
Uso de células-tronco em Cirurgia Plástica.
Cicatrização Inadequada
Há falha no restabelecimento do defeito tecidual por uma cicatriz madura, a
despeito da restauração da integridade cutânea.
Exemplos: úlceras em pé diabético, de pressão sacral ou por estase venosa.
Para instituir a terapêutica, é importante saber em qual fase da cicatrização
ocorre o defeito primário (inflamatória, proliferativa, de maturação).
Úlceras diabéticas: defeitos nas fases inflamatória e proliferativa
Escorbuto: defeito na fase de maturação do colágeno, por deficiência de
vitamina C
Realização de cirurgias plásticas eletivas em pacientes diabéticos.
Realização de cirurgias plásticas eletivas em pacientes tabagistas.
Excessiva regeneração
Situação relativamente rara.
Nesses casos, vias de regeneração tecidual levam à recriação do tecido
ausente, mas existem problemas de reintegração do tecido no sistema
fisiológico.
Ocorre mais frequentemente em nervos periféricos, como na formação dos
neuromas.
Outros exemplos: hiperqueratose na pele acometida por psoríase, ou a
formação de pólipos adenomatosos no cólon.
Risco de transformação maligna.
Desta forma, a formação de cicatriz é preferível que a regeneração.
A terapêutica é direcionada para diminuir a proliferação celular e bloquear ou
impedir mecanismos regenerativos aberrantes. Exemplo: injeção de álcool
(irritante) num neuroma.
Isso também ilustra a necessidade do cuidado e do controle estrito da tecnologia
de regeneração tecidual usando células-tronco.
Excessiva Cicatrização
Situação comumente tratada por cirurgiões plásticos, quando afetam a pele.
Entretanto, ocorrem em outros tecidos, como na fibrose pulmonar ou na cirrose
hepática.
Fenômeno que permanece pouco compreendido e para o qual existem poucas
opções de tratamento eficaz.
Exemplos clássicos da pele: cicatriz hipertrófica e quelóide.
Cicatriz hipertrófica e quelóide
Cicatriz imatura: vermelha, fracamente elevada e pode ser pruriginosa ou amolecida.
Com o tempo, ela geralmente se torna madura.
Cicatriz madura: é plana e, em geral, fracamente pálida, mas ocasionalmente mais
escura que a pele ao redor.
Cicatriz hipertrófica linear: vermelha, elevada e confinada às bordas originais da
incisão. Ela geralmente ocorre semanas após cirurgia e pode continuar a crescer em
tamanho após alguns meses. Frequentemente tornam-se menos elevadas com o
tempo.
Cicatriz hipertrófica não-linear (“widespread”): semelhante a uma cicatriz de
queimadura, é vermelha, elevada e confinada às bordas originais da lesão.
“Quelóide menor”: elevados e pruriginosos; ultrapassam os limites do
traumatismo inicial. Podem se desenvolver até um ano após a lesão. Não
regridem espontaneamente e, se excisados, geralmente recidivam.
“Quelóide maior”: maiores que 5mm de diâmetro. Podem ser dolorosos, e
frequentemente continuam a crescer ao longo dos anos.
Cicatriz hipertrófica e quelóide
Correspondem essencialmente aos mesmos fenômenos, sem que haja diferenças
laboratoriais entre eles, embora tenham comportamento clínico diferente.
Quelóides são menos comuns e têm predisposição familiar. Estima-se que
acometam menos de 6% da população, principalmente negros e asiáticos.
Mais comum nos jovens. Regiões muito propensas são: peitoral, deltóide, face,
lóbulo de orelha.
Histologicamente, os quelóides apresentam fibras largas e espessas de colágeno
compostas por numerosas fibrilas intimamente emaranhadas.
Patogênese: resultam do acúmulo excessivo de colágeno, em geral o tipo III (a
forma encontrada em cicatrizes imaturas).
Os quelóides são menos propensos a produzir contraturas disfuncionais que as
cicatrizes hipertróficas que, por sua vez, podem afetar todos os humanos.
Cicatriz hipertrófica e quelóide
Causa: desconhecida. Teorias: estresse mecânico, inflamação, colonização
bacteriana, reação de corpo estranho.
Mecanismos moleculares: estudos têm mostrado que níveis de diversas citocinas
estão elevados nas cicatrizes hipertróficas e quelóides.
Exemplos: TGF-β tem sido implicado na cicatrização hipertrófica, e outras citocinas,
como TNF e IL-1 apresentam-se diminuídas nos quelóides.
Pesquisas têm sido desenvolvidas no sentido de avaliar agentes que inibam ou
aumentem os mediadores chave no processo de cicatrização excessiva.
A investigação dessa patologia é dificultada pela ausência de um modelo animal que
reproduza as características da cicatriz hipertrófica humana.
Excisão cirúrgica
Apenas cirurgia não é recomendada para quelóides devido à alta taxa de recidiva
(50-100%).
Deve ser combinada com outras modalidade terapêuticas, como injeção de
esteróides ou uso de gel de silicone.
Para cicatrizes hipertróficas, apenas a excisão pode ser indicada se a cicatrização
anormal foi devido à excessiva tensão ou complicações da ferida (infecção ou
cicatrização lenta).
Técnicas que reorientem a direção da tensão podem ser usadas, como
Zetaplastias.
Camada de Gel de Silicone
Modalidade padrão no tratamento da cicatriz hipertrófica, especialmente nas
lineares (agente de primeira linha).
Eficácia comprovada pelos estudos, inclusive no tratamento de pequenos
quelóides.
Não doloroso, excelente opção para crianças.
Camada de Gel de Silicone
Para profilaxia nos pacientes com risco de cicatrização hipertrófica, o uso
deve começar com poucos dias de pós-operatório.
A camada de silicone deve ser utilizada por pelo menos 12 horas por dia,
preferencialmente o dia inteiro. Deve ser continuada por várias semanas de
pós-operatório.
Injeção de Corticoesteróides
Injeção intracicatricial do fármaco. Droga de ação mais evidente: triancinolona.
As taxas de resposta alcançam de 50 a 100%, com taxa de recorrência de 10 a
50%.
Deve ser a terapia de primeira linha para quelóides e de segunda linha para
cicatrizes hipertróficas.
Mais efetivas em combinação com outras terapias, como cirurgia e crioterapia.
Efeitos adversos são comuns, e incluem atrofia da pele, telangiectasias e
mudanças na pigmentação.
Mecanismo exato de ação: desconhecido.
Uso tópico de esteróides tem se revelado ineficaz na redução da cicatrização.
Terapia Compressiva
Compressão é o tratamento de primeira linha em cicatrizes pós-queimaduras
(cicatrizes hipertróficas não lineares).
Para ser eficaz, a pressão deve ser mantida entre 24-30 mmHg por pelo
menos 6 meses de duração.
Quanto mais longo o tratamento, maior é a sua eficácia.
Steri-Strips®
Fitas adesivas de papel microporoso aplicadas em incisões recentes por
várias semanas de pós-operatório são moderadamente úteis em prevenir
cicatrização hipertrófica.
Mecanismo de atuação: não está inteiramente esclarecido.
Radioterapia
Deve ser reservada para adultos com quelóides resistentes a outras modalidades
terapêuticas.
A monoterapia é controversa e muitos autores recomendam o uso após excisão
cirúrgica.
As taxas de resposta variam de 10 a 90% para apenas radioterapia, e em
combinação com cirurgia as taxas de resposta têm sido maiores.
Recidivas são muito comuns, atingindo de 50 a 100%.
Crioterapia
Essa modalidade tem mostrado benefícios em cicatrizes produzidas por acne.
Não deve ser utilizada para grandes cicatrizes.
Efeitos adversos são comuns e incluem hipo ou hiperpigmentação, atrofia da
pele e dor.
Tratamento a Laser
Vários lasers tem sido utilizados, mas os resultados têm sido desanimadores.
O laser de luz pulsada parece promissor, mas outros estudos são necessários.
Em combinação com outras modalidades, como injeção de corticóides, tem se
mostrado eficaz.
Seu papel principal é na redução de eritema e cicatrizes atróficas, planas e
suaves, e hipertróficas. Até o momento, é uma considerável tecnologia em
ascensão.
Outras terapias
Agentes quimioterápicos tem demonstrado eficácia.
Incluem: injeção intralesional de interferon, 5-fluorouracil e bleomicina, bem
como administração tópica de ácido retinóico.
Outros tratamentos interferem na síntese do colágeno, e as citocinas
envolvidas na cicatrização, como inibidores de TGF-β.
Contração Cicatricial e Contratura
Contração cicatricial: processo biológico normal que tem por finalidade a
cicatrização de uma ferida em que houve perda de substância.
Contratura: é o termo que designa o resultado final da contração de uma
ferida.
Principal célula envolvida: miofibroblastos (fibroblastos especiais que
apresentam algumas características das fibras musculares lisas).
A contração de feridas pode ser inibida por qualquer procedimento ou
substância que interfira nas funções do miofibroblasto: mobilização,
migração, contração, adesão e multiplicação.
Na pele frouxa e móvel: a contração se processa facilmente, e o resultado
final é uma pequena cicatriz, sem outras deformidades.
Na pele tensa e aderente a planos profundos: a contração se processa com
dificuldade, podendo haver contraturas e distorções com prejuízos
funcionais.
Contração Cicatricial e Contratura
Para o cirurgião: fazer uso da contração em locais apropriados e preveni-la
em outros.
Prevenção: enxertia de pele precoce e imobilização.
Se houver infecção e o enxerto for retardado, ao fazer a enxertia deve-se
remover o tecido de granulação responsável pelo mecanismo da contração.
Transtornos da Pigmentação (discromias)
Causas desconhecidas.
Hipopigmentação ou acromia:
Cicatrizes atróficas
Ferimentos em área de pigmentação normal em pacientes com vitiligo.
Transtornos da Pigmentação (discromias)
Hiperpigmentação:
Mais comum em pessoas morenas.
Exposição precoce de uma cicatriz ao sol.
Em áreas que sofreram dermoabrasão, por uma considerável hipertrofia da
camada basal da epiderme (onde se encontram os melanócitos).
Habitualmente, a pigmentação vai diminuindo a partir do 3º mês até
desaparecer.
O uso de protetor solar e a não-exposição da cicatriz ao sol por 3 meses
podem atenuar a hiperpigmentação.
Deiscências e Alargamento de Cicatrizes
O cirurgião deve escolher a melhor fibra artificial (fio de sutura) para manter
as bordas da ferida coaptadas, até que a fibra natural (colágeno) seja
produzida.
O colágeno é que promove a resistência efetiva da cicatriz.
Vasos sanguíneos, elementos celulares, substância fundamental e fibrina
contribuem para estabelecer a resistência à tensão nos primeiros 2 a 5 dias.
Cicatrização mais lenta: fáscia, tendões e pele (ao contrário das vísceras).
Malignização de Cicatrizes: Úlceras de Marjolin
Inibição por contato: fenômeno no qual células epiteliais ou fibroblastos
isolados se mobilizam e migram, numa ferida, até que encontrem outras
células da mesma espécie, cessando imediatamente a migração.
Numa cicatriz repetidamente traumatizada ou numa ferida impedida de
cicatrizar, há perda da inibição por contato; as células epiteliais passam a
apresentar desdiferenciação e movimentação amebóide –> reprodução
incontrolável –> tumor maligno.
Publicação clássica de Marjolin, em 1828.
Ulcerações crônicas (como fístulas cutâneas de osteomielite) e feridas com
cicatrização retardada são mais propensas à cancerização.
Tumor mais comum: carcinoma escamoso. Sarcomas são raros. As
metástases são menos frequentes.
Tratamento: exérese ampla e linfadenectomia, se for o caso.
Download

Cicatrização