CASO CLÍNICO: OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS EM PEDIATRIA Escola Superior de Ciências da Saúde Internato 6ª série – Pediatria – HRAS/HMIB Bloco Pediatria – HRAS/HMIB Apresentação: Renan Belem Coordenação: Lisliê Capoulade www.paulomargotto.com.br Brasília, 3 de abril de 2014 Doutorando Renam Belem ANAMNESE ID: PGOC, 02a 04m, natural do Paranoá-DF e procedente de São Sebastião-DF QP: “tosse rouca há 2 dias” HDA: Paciente com história iniciada há 2 dias de tosse seca, rouquidão e desconforto respiratório crescente associados a febre não aferida (somente cedeu há 18 hr). Há 2 dias procurou atendimento em UPA, onde foi feito NBZ c/ adrenalina e salbutamol spray, havendo melhora parcial. Procura HMIB hoje devido a nova piora do quadro. ANAMNESE RS: nega alterações em sistema nervoso, urinário e gastrointestinal. APP: Refere: alergia a DIPIRONA; atendimento em UPAParanoá, há um ano, com necessidade de SALBUTAMOL; Vacinas em dia (SIC) Nega: internações, traumas, comorbidades e doenças comuns da infância ANAMNESE APF: relato de atopia/rinite alérgica de avó materna (44 anos) e mãe (20 anos); pai hígido. AF: genitora (G1Pc1A0 – macrossomia fetal), 40sem+4d, 3990g, 50cm,APGAR 6/8, DNPM adequado para idade, vacinas em dia (sic) Condições Socio-Economicas/Háb.vida: reside em casa de alvenaria com saneamento básico/nega cahorros em casa/ Tabagista passivo EX.FÍSICO – ADMISSÃO PS BEG, ativa e reativa, eupnéica, hidratada, anictérica e acianótica, afebril ao toque, FC=148bpm e FR=38irpm ORO: sem hiperemia ou exsudato OTO: membranas timpânicas translúcidas, s/ hipermia ou abaulamento AR: Tórax atípico, dispnéico, retração e tiragem subcostal, ausência de aleteu nasal, intensa tosse seca, MV rude bilateralmente c/ Inspiração ruidosa, c/ estridor inspiratório EX.FÍSICO – ADMISSÃO PS ACV: RCR em 2T. BNF. Sem sopros. Pulsos amplos e simétricos ABD: plano. RHA +. Normotenso. Sem visceromegalias EXT: perfundidas, sem edema. TEC < 2s Pele: sem lesões petequiais HD/ EXAMES HIPOTESES DIAGNÓSTICAS Crupe Supraglotite Traqueíte bacteriana Aspiração de corpo estranho Laringotraqueomalácia Estenose subglotica Angioedema ... EXAMES COMPLEMENTARES No PS: hemograma Em enfermaria: Broncoscopia EVOLUÇÃO Paciente foi medicado c/ dexametasona, NBZ c/ epinefrina e oxigenioterapia via CN, apresentando melhora parcial, mantendo estridor expiratório,TSC e TIC moderados, FR= 32-34irpm, satO2=94-97% c/ 1L/min, Pela madrugada houve piora do quadro, c/ aumento da dispnéia, FR=20irpm, satO2=84% c/ 1L/min. Feito nova NBZ e aumentado O2 para 3L/min. Evoluiu c/ melhora conseguindo dormir. EVOLUÇÃO Iniciado Salbutamol spray (4jatos, 2/2h) e prednisolona (1,1mg/kg/dia) Diante da manutenção do quadro de dispnéia aumentado Salbutamol para 5Jatos e prednisolona para 1,5mg/kg/dia Tosse evolui de seca para produtiva, c/ expectoração hialina Solicitado RX de Tórax, Hemograma e adicionado Atrovent diante da manutenção dos sibilos, estridor e melhora gradual, porém lenta, da dispnéia Hemograma (23/03): Hb 12,9 Ht 38,2% Leuco 8.800 (N 47, E 1, B 0, M 6, Linf 43 Linf atípicos 3%) Plaq 255.000 RX de tórax PA e perfil (23/03) não laudado, porém sem sinais aparentes de consolidação. Costelas levemente retificadas, área cardíaca normal. Apesar da melhora mas não desaparecimento da dispnéia leve, e manutenção do estridor, pensado na hipótese de aspiração de corpo estranho. Solicitado laringobroncoscopia Rinoscopia: à esquerda sem alterações. Cavum com tecido adenoideano normotrófico - Faringe posterior: sem alterações. Valéculas e seios piriformes livres. - Laringe: epiglote e pregas ariepiglóticas sem alterações. Hiperemia interaritenoidea e de bandas ventriculares. Discreto edema de pregas vocais, porém sem comprometer mobilidade ou fenda glótica. Subglote não visualizada. . Conclusão: laringite aguda . Sugestão: manter corticoterapia sistêmica e nebulização com adrenalina 6/6 h. Se não houver melhora após 10° dia de tratamento, considerar tratamento para DRGE e corticoterapia inalatória. Paciente evoluiu c/ melhora significativa do quadro dispnéico, afebril por mais de 48h, c/ diminuição da tosse, não necessitando de oxigenioterapia, saturando bem. Recebeu altahospitalar após 07 DIH, c/ beclometasona 250mcg 1x/d por 15 dias, retornar para reavaliação Importante: Estridor inicialmente inspiratório, evoluindo para misto, c/ tempo de hiato entre ins e ex prolongado. C/ o tratamento continuou misto, predominando na ins, mas c/ diminuição gradual do tempo de hiato entre ins e ex, em recuperação p/ a dinâmica fisiológica da respiração OBSTRUÇÃO DAS VAS EM PEDIATRIA – CONCEITOS GERAIS Susceptibilidade das crianças: Pequeno calibre das vias aéreas Dinâmica do fluxo de ar Estridor: Som produzido pelo fluxo de ar em área estreitada Diferentes partes da via sofrem colapso com maior facilidade (QC diferenciado) OBSTRUÇÃO DAS VAS EM PEDIATRIA – CONCEITOS GERAIS Divisão as vias aéreas superiores Supraglótica Distende (nariz até cordas vocais) e colapsa facilmente (potencialmente fatais) Múltiplos planos de tecidos (abscessos) Estridor inspiratório Obstrução melhora na expiração Salivação intensa (se acima do esôfago) Voz abafada OBSTRUÇÃO DAS VAS EM PEDIATRIA – CONCEITOS GERAIS Glótica e subglótica (cordas vocais até traquéia) Maior dificuldade de colapso (reforço cartilaginoso) causa infecciosa mais comum: S.Crupe Causa congênita mais comum: laringotraqueomalácia Não há abafamento da voz Rouquidão Estridor inspiratório isolado ou bifásico OBSTRUÇÃO DAS VAS EM PEDIATRIA – CONCEITOS GERAIS Intratorácica (traquéia torácica a brônquios fonte) Estridor mais audível na expiração (aumento da pressão intratorácica - aumento do colapso) Doenças congênitas são a principal causa além de corpo estranho SINDROME DO CRUPE Grupo de doenças que variam em envolvimento anatômico e etiologia Sintomas: rouquidão, tosse ladrante, estridor e desconforto respiratório Se etiologia viral: Crupe viral Outras: traqueíte bacteriana, Difteria CRUPE VIRAL Epidemiologia Causa mais comum de obstrução das VAS 90% dos casos de estridor 1,5-6% das doenças do trato respiratório na infância Mais comum em meninos (1,4:1) Pico de incidência 3-36m de idade (1- 6 anos) Diversos nomes de acordo c/ local acometido (Laringite, laringotraqueíte, Ltbronquite) Etiologia: Vírus Parainfluenza (1,2,3) – 80%casos VSR Enterovírus Influenza AeB Coronavírus *alérgica (crupe espasmódico) *M. pneumoniae (>5anos) Fisiopatologia: via inalação direta ou contato c/ fômites Porta de entrada principal: nariz e nasofaringe (c/ posterior disseminação) Inflamação e edema da laringe subglótica e traquéia dano endotelial e perda da função ciliar exsudado fibrinoso Diminuição da mobilidade das cordas vocais Em lactentes: 1mm de edema na região subglotica (menos aderente) diminui em 50% diâmetro da traquéia Quadro Clínico: Inicia c/ rinorréia clara, faringite, tosse leve e febre baixa Após 12-48h= sinais de obstrução, febre alta e desconforto respiratório progressivo Geralmente se resolve em 3-7 dias (até 14 dias) *atenção quando: cças <6m, estridor em repouso, alteração nível de consciência, hipercapnia *satO2 normal pode ser falsa impressão de baixo risco Escore clínico para abordagem de estridor SINAL 0 1 2 3 Estridor Ausente Com agitação Leve em repouso Grave em repouso Retração Ausente Leve Moderada Grave Entrada de ar Normal Normal Diminuída Muito diminuída Cor Normal Normal Cianose em agitação Cianose em repouso Nível consciência Normal Agitação sob estímulo Agitação Letárgico <6: LEVE 7-8: MODERADA >8:GRAVE Diagnóstico: CLÍNICO!!! RX de cervical: pouco valor/ até 50% dos casos sem achados/ importante para investigar outra etiologia Isolamento viral: em caso de etiologia duvidosa Sinal da “ponta de lápis” Diag.Diferencial Crupe espasmódico Abscesso retrofaríngeo Traqueíte Bacteriana Estenose subglotica Angioedema Laringomalácia Aspiração de corpo estranho Tratamento depende do grau de desconforto respiratório Mantenha as crianças o mais confortável possível, , no colo dos pais, evitando intervenções dolorosas desnecessárias Monitorar= FR, FC, SatO2, mecânica respiratória Tratamento Dexametasona Uma única dose de dexametasona demonstrou-se ser eficaz na redução da gravidade global de crupe (primeiras 4-24h do início sintomas) Dose: 0,15-0,6mg/kg (IV, IM, VO) Epinefrina dificuldade respiratória moderada a grave eficácia é imediata com benefício terapêutico , dentro dos primeiros 30 minutos devem ser observados durante pelo menos 3 horas (risco de efeito rebote Tratamento IOT: Não requer uso após dexa e epinefrina Pelo profissional mais experiente Utilizar tubo 0,5-1mm menor que o previsto Alta Hosp. se: Ausência de estridor em repouso Entrada de ar e cor normal Nível de consciencia preservado Uso prévio de dexametasona Internação: Toxemia/ desidratação/ estridor em repouso /desconforto respiratório intenso/ ausência de resposta a epinefrina ou piora após 2-3h da administração/ pais não confiáveis Complicações Raras PNM, traqueíte bacteriana, OMA, edema pulmonar, Prognóstico Excelente Remissão geralmente é completa Maioria dos pacientes tratados ambulatorialmente <2% quando internadas requer IOT Morte em 0,5% dos pacientes intubados ASPIRAÇÃO DE CORPO ESTRANHO Aspiração de corpo estranho pode ser uma emergência com risco de vida. Sintomas debilitantes crônicas com infecções recorrentes podem ocorrer com a extração atrasada , ou o paciente pode permanecer assintomático. ASPIRAÇÃO DE CORPO ESTRANHO Epidemiologia asfixia manteve a quarta principal causa de morte por lesão não intencional nos Estados Unidos a partir de 2004 0,5/100.000 (<4anos) 2,6/100.000 hab com idade entre 65-75 Morbidade aumenta se a extração do objeto for adiado para além de 24 horas. Fatores de risco ambiente e as variações nos hábitos alimentares procedimentos de orofaringe aparelhos orais Embriaguês receber sedativos distúrbios neurológicos ou psiquiátricos Fisiopatologia Ângulos entre brônquios e traquéia são muito semelhantes ate os 15anos Após essa idade, brônquio fonte direito torna-se mais retificado c/ a traquéia Objeto pode migrar para distal (ex.tentativas frutadas de extração) Inflamação local , edema , infiltração celular , ulceração , e formação de tecido de granulação pode contribuir para a obstrução das vias aéreas QC tosse, chiado , estridor , dispnéia , cianose, e até mesmo asfixia pode acontecer febre, hemoptise , dispnéia e dor torácica Diagnóstico crianças jovens e idosos com doenças neurológicas ,cognitivas ou psiquiátricas podem não ser capazes de fornecer a sua história. O período de latência , antes do aparecimento de sintomas pode durar meses ou anos , se o corpo estranho é osso inerte ou material inorgânico . Procure informações sobre a história de disfagia , tosse prejudicada, perda traumática de consciência , intoxicação, ou cirurgia orofaríngea. Broncoscopia (confirmar , localizar e visualizar o corpo) Tratamento manobra de Heimlich inalação de um broncodilatador seguido de drenagem postural com a terapia de tórax(?) Broncoscopia rígida é o procedimento de escolha risco de hemorragia , perfuração , quebra do objeto, e perder o objeto na área subglótica ou mais brônquio distal prática de agarrar um objeto idêntico fora do corpo Complicações enfisema local, atelectasia, vasoconstrição hipóxica , pneumonia pós-obstrutiva, pneumonia necrotizante ou abscesso , pneumonia supurativa , ou bronquiectasia. Mediastinite ou fístulas traqueoesofágicos LARINGOMALÁCIA Definição: anomalia congênita da cartilagem da laringe lesão dinâmica resultando em colapso das estruturas da supraglote durante a inspiração um atraso de maturação das estruturas de suporte da laringe Epidemiologia causa mais comum de ruído inspiratório crônica em crianças Não foram notificados predileção raça conhecida tipicamente começam na idade de 4-6 semanas (fluxo inspiratório não é elevado nessa faixa etária) sintomas geralmente pico na idade de 6-8 meses e remeter aos 2 anos. Fisiopatologia Ainda é desconhecida pode afectar a epiglote , as cartilagens aritenóides , ou ambos Quando a epiglote está envolvida , muitas vezes é alongada , e as paredes dobram sobre si mesmas . Classificação Tipo I: as pregas ariepiglóticas são apertadas Tipo II: tecidos moles redundantes em qualquer área da região supraglótica Tipo III: associada a outras doenças , tais como doenças neuromusculares e refluxo gastroesofágico QC ruídos inspiratórios que começam durante os primeiros 2 meses de vida Confundido c/ congestão nasal Ruído maior em decúbito dorsal, choro, agitação, IVAS, alimentação Criança geralmente é ativa, reativa, normal. Ao exame: taquipnéia leve, estridor inspiratório, atentar para grito do bebê Sintomas graves:crises de cianose e apnéias durante o sono Diagnóstico Clínico Broncoscopia (epiglote em forma de omega que prolapsa sobre a laringe durante a inspiração/ Cartilagens aritenóides alargadas que prolapsam sobre a laringe durante a inspiração também podem estar presentes.) fluoroscopia Tratamento lesão gradualmente melhora Terapia medicamentosa não é necessária Traqueotomia ou Supraglotoplastia (estruturas de apoio são apertadas e excesso de tecido na epiglote é removido), em casos de sintomas graves Complicações maior incidência de refluxo gastroesofágico hipertensão arterial pulmonar em crianças com hipoxemia *(esforço inspiratório exagerado aumenta o retorno do sangue para o leito vascular pulmonar) POR QUE NÃO TRAQUEÍTE BACTERIANA OU SUPRAGLOTITE? Supraglotite: quadro abrupto, GRAVE, c/ duração < 24H, c/ odino e disfagia intensos, salivação profusa, posição tripóide, criança com padrão toxemiado. Traqueíte bacteriana: combinação da crupe viral c/ supraglotite, c/ sintomas mais prolongados, que não melhoram / epinefrina inalatória e corticóide REFERÊNCIAS UpToDate Medscape Coleção Pediatria – Vol.03/ Instituto da Criança, HC-FMUSP/1ªEd.-2008 Google Images Acima:Ddo Victor, Dr. Paulo R. margotto, Dda Letícia, Dda Bárbara, Ddo Renan Na frente: Dda Raisa, Dda Marcela e Dra. Fernanda