UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONSOANTE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL THIAGO VIGARANI DE FIGUEIREDO Itajaí, outubro de 2010 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONSOANTE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL THIAGO VIGARANI DE FIGUEIREDO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Mestre Clovis Demarchi Itajaí, outubro de 2010 AGRADECIMENTO Agradeço primeiramente a Deus e a meus avós que partiram durante esta feliz caminhada e intercederam por mim perante ao Pai, aos familiares pela paciência neste último ano de faculdade e aos meus amigos e orientadores pessoais Volnei Eufrazio, Carlos Alberto Mafra Junior, Nelson Natalino Frizon e Juliano de Amorim Busana pelos conselhos, companhia e apoio para o meu sucesso profissional, não esquecendo da instituição UNIVALI e seus profissionais pela excelência de ensino. DEDICATÓRIA Dedico o presente trabalho a minha avó, falecida em 03 de julho de 2010, pessoa na qual me apoiou durante toda a faculdade e a maior interessada em estar participando neste momento em minha vida. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, outubro de 2010 Thiago Vigarani de Figueiredo Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Thiago Vigarani de Figueiredo, sob o título “Os tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal”, foi submetida em 22 de outubro à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Clovis Demarchi (orientador e presidente da banca) e Lucilaine Ignácio da Silva (examinadora), e aprovada com a nota 9,5 (nove virgula cinco). Itajaí, outubro de 2010. Professor Mestre Clovis Demarchi Orientador e Presidente da Banca Professor Mestre Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia SUMÁRIO RESUMO......................................................................................... VIII INTRODUÇÃO ....................................................................................9 CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 12 DIREITOS HUMANOS E O TRATADO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA .............................................................................. 12 1.1 DIREITOS HUMANOS .................................................................................. 12 1.1.1 Histórico no Brasil .................................................................................... 13 1.1.2 Conceito de direitos humanos ................................................................. 17 1.1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais ............................................. 19 1.1.4 Relatividade dos direitos humanos ......................................................... 21 1.1.5 Os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro..................... 22 1.2 PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA..................................................... 25 1.2.1 Origem e entrada em vigor no ordenamento jurídico brasileiro ........... 26 1.2.2 Competência do Pacto de San José de Costa Rica ............................... 28 1.2.3 Jurisdição do Pacto de San José de Costa Rica.................................... 31 CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 33 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)...................................... 33 2.1 HISTÓRICO ................................................................................................... 33 2.2 EMENDA CONSTITUCIONAL N.45 DE 2004. .............................................. 37 2.3 SÚMULAS E SÚMULAS VINCULANTES ..................................................... 41 2.4 COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ............................. 44 2.5 O NOVO ENTENDIMENTO DO STF PARA OS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE OS DIREITOS HUMANOS. ........................................... 47 CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 51 A NOVA HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL ................................................................... 51 vii 3.1 A TEORIA DO MONISMO E DUALISMO ...................................................... 51 3.1.1 O monismo................................................................................................. 51 3.1.1.1 O monismo com primazia do direito interno....................................................51 3.1.1.2 O monismo com primazia do direito internacional..........................................53 3.1.2 O dualismo................................................................................................. 54 3.1.3 As teorias conciliadoras do monismo e dualismo ................................. 55 3.1.4 A prevalência da teoria dualista moderada no Brasil ............................ 56 3.2 DA NATUREZA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ................................ 57 3.2.1 Da natureza constitucional....................................................................... 58 3.2.2 Da natureza supraconstitucional ............................................................. 59 3.2.3 Da natureza legal ....................................................................................... 61 3.2.4 Da natureza supralegal ............................................................................. 62 3.3 DOS EFEITOS DA DECISÃO DO STF SOBRE A SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS .............................................................. 64 3.3.1 Dos efeitos constitucionais formais e materiais .................................... 64 3.3.2 Dos efeitos infraconstitucionais: com destaque a prisão civil do depositário infiel................................................................................................. 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 69 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 74 RESUMO A presente Monografia tem como objeto o estudo da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, dando maior enfoque para o Tratado de San José da Costa Rica e a prisão civil do depositário infiel. O seu objetivo está focado no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos e compreender a fundamentação dada por aquele órgão jurisdicional ao tema, além de demonstrar também, a influência direta que ocasionou na prisão civil do depositário infiel com o referido entendimento e, também, comprovar que o STF não está invadindo a competência do Legislativo ou qualquer outro órgão jurisdicional como o Superior Tribunal de Justiça. A monografia está dividida em três capítulos: o primeiro trata dos direitos humanos e o Tratado de San José de Costa Rica. O segundo capítulo trata especificamente do Supremo Tribunal Federal onde é abordada inicialmente sua história e a Emenda Constitucional nº. 45/2004. O terceiro capítulo apresenta a nova hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, bem como os efeitos constitucionais formais e materiais, além também, dos efeitos infraconstitucionais com destaque a prisão civil do depositário infiel. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da pesquisa bibliográfica. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o estudo da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, dá-se maior enfoque para o Tratado de San José da Costa Rica e a prisão civil do depositário infiel. O seu objetivo está focado no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos e compreender a fundamentação dada por aquele órgão jurisdicional ao tema, demonstrar a influência direta que ocasionou na prisão civil do depositário infiel com o referido entendimento e, também, comprovar que o STF não invade a competência do Legislativo ou qualquer outro órgão jurisdicional como o Superior Tribunal de Justiça. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, os direitos humanos e o Tratado de San José de Costa Rica. Inicialmente apresenta-se um histórico internacional, mas principalmente, no Brasil dos direitos humanos, a posteriori o conceito, as diferenças de direitos humanos e direitos fundamentais, a relatividade dos direitos humanos, como se apresenta os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. No segundo momento será abordado especificamente sobre o Tratado de San José de Costa Rica; sua origem e entrada em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, sua competência e por fim sua jurisdição. No Capítulo 2, trata-se especificamente do Supremo Tribunal Federal será abordada inicialmente sua história e a Emenda Constitucional nº. 45/2004. Posteriormente, apresenta-se um estudo detalhado sobre súmulas e súmulas vinculantes, focaliza-se assim, o histórico, conceito, eficácias e principais diferenças de ambas. Será abordado também a competência do STF no cenário brasileiro e por fim, o mais recente entendimento para os tratados internacionais de direitos humanos deste órgão jurisdicional brasileiro. No Capítulo 3, apresentam-se a nova hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, inicialmente aborda-se as teorias monistas e dualistas, detalha-se também seus conceitos, espécies, as teorias 10 conciliadoras e finalmente enfatizando a prevalência da teoria dualista moderada no Brasil. Em segundo momento será abordado as naturezas dos tratados internacionais, tais como: constitucional, supraconstitucional, legal e supralegal. Por fim, no mesmo capítulo será abordado os efeitos constitucionais formais e materiais, como também, dos efeitos infraconstitucionais com destaque a prisão civil do depositário infiel, com a decisão do STF sobre a supralegalidade dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a hierarquia dos tratados internacionais no Brasil. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: - Que o STF decidindo sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos estaria invadindo a competência de outros órgãos jurisdicionais brasileiros ou até mesmo do Legislativo; - O STF ao decidir alguma matéria, através de súmulas ou súmulas vinculantes e, até mesmo, por simples entendimento jurisprudencial, tem como principal objetivo preencher as lacunas que há na legislação brasileira, nos quais o Legislativo ainda não deu respostas à sociedade brasileira sobre o tema; - O Tratado de San José da Costa Rica por tratar de direitos humanos, realmente se prevalece perante as demais legislações infraconstitucionais, fazendo com que tais legislações tenham sua eficácia paralisada diante da ratificação do referido tratado internacional; - Os tratados internacionais de direitos humanos, não aprovados pela maioria qualificada do art. 5º, §3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podem ser revogados por simples legislação brasileira aprovada a posteriori a sua ratificação. 11 Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de 1 Investigação foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7. 1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83. 2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86. 3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2226. 4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54. 5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25. 6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37. 7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209. CAPÍTULO 1 DIREITOS HUMANOS E O TRATADO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA 1.1 DIREITOS HUMANOS 8 É incoerente começar a explanar sobre os direitos humanos no Brasil, histórico, conceito e sua posição no ordenamento jurídico brasileiro, sem ao menos salientar sobre os direitos humanos no contexto mundial, até mesmo porque em alguns momentos ambos se confundem. A ascensão dos direitos humanos ocorreu com o cristianismo, em que pregavam um único Deus, de amor, paz e respeito para com o próximo, os ensinamentos da Bíblia e os dez mandamentos começaram a criar no consciente dos seres humanos que o homem não é objeto de propriedade e com isso começase a abolir a escravatura, mas basta lembrar que tal afirmativa refere-se aos homens brancos. Com o advento do Iluminismo ocorre mais essa expansão de direitos e liberdades humanas, primeiro com a independência dos Estados Unidos da América e logo após com a Revolução Francesa, se proclamou a liberdade e igualdade entre os homens na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. E até hoje a nomenclatura Direitos do Homem é utilizado pelos franceses como sinônimos de Direitos Humanos. Face às violações dos direitos humanos na segunda guerra mundial a Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu em 1948 a Declaração Universal de Direitos Humanos, aceita pela maioria dos paises ocidentais, tal 8 LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado; EDUNISC, 1997. p.19-28. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 141-144. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 44-47. 13 declaração é à base dos direitos e garantias fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 1988). Após essa muito breve explanação sobre o surgimento dos direitos humanos no mundo, passa-se a analisar os direitos humanos no cenário brasileiro. 1.1.1 Histórico no Brasil A origem dos direitos humanos no Brasil é de difícil identificação na sua história, devido a sociedade multiétnica que o Brasil formou ao longo de sua colonização, mas certamente os portugueses tem a maior influência em nosso caráter sociocultural.9 Porém, vê-se na história brasileira que desde o império houve um perfeito destrato em muitos direitos humanos e que até pouco tempo atrás, que se diga a 50 anos atrás, ainda era fortemente reprimidos. 10 Na Constituição Imperial de 1824, embora outorgada após a dissolução da Constituinte, apesar de autoritária, relevou os principais direitos humanos, revelando o ser humano como homem-propriedade, ou seja, para possuírem direitos teriam que haver bens. Nesta mesma constituição, também se admitiu direitos como liberdade e segurança individual, todavia, omitiu um dos direitos da Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão francês, qual seja o direito de resistência a opressão. 11 Sampaio tende para a mesma perspectiva: [...] o Estado brasileiro teve início como projeto de uma elite ligada ao príncipe, português, a mesma metrópole que depois viria a ser rei, sem a participação efetiva do povo. [...] herdava um amontoado de poderes locais, fundados na propriedade escravocrata, [...]. Era 25 de março de 1824, quando o novo texto foi apresentado ao país, concentrando de um lado muitos poderes nas mãos do imperador, 9 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 313. 10 LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado; EDUNISC, 1997. p. 121. 11 HERKENHOFF, João Batista. Gênese dos Direitos Humanos. [S.l.], [199-?]. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/dhbrasil/index.html>. Acesso em: 11 março 2010. 14 mas por outro, reconhecendo um rol de direitos avançados para a época. 12 Em contrapartida muitos outros direitos foram consolidados como, a vedação de penas cruéis, o julgamento do homem por um processo legal, liberdade de imprensa, inviolabilidade da casa, vedação da prisão sem culpa formada, inviolabilidade de cartas dentre outros direitos. Na primeira Constituição Republicana de 1891, com um novo cenário político brasileiro, os direitos humanos tiveram algumas incrementações. Além do voto direto, consagrou a liberdade de associação sem armas, assegurou a ampla defesa aos acusados, aboliram-se algumas penas como, por exemplo, a pena de morte, além da criação do hábeas corpus, que na reforma de 1926 restringiu o mesmo, apenas nos casos de prisão e constrangimento ilegal da liberdade de locomoção, resta salientar que o poder governamental e de voto estavam ainda pouco privilegiados. 13 A revolução de 1930 foi marcada pelo Decreto nº. 19.398 de 11 de novembro de 1930, que descaracterizou totalmente a Constituição anterior, restringindo os direitos humanos conquistados anteriormente, além de dissolver, quase que totalmente, toda a organização Legislativa brasileira. Para Sampaio: “Foram mesmo uma parte da oligarquia, os tenentes e as classes médias urbanas que possibilitaram a transferência do poder de uma oligarquia para outra”. 14 A segunda parte da revolução de 1930 ocorreu com a convocação da assembléia constituinte, no ano de 1933; a precipitação para a convocação da constituinte ocorreu pelas revoltas ocasionadas pelos que não admitiram a prepotência do decreto de 1930, apesar disso, a Constituição de 1934 teve pouquíssima participação popular, entretanto, essa constituição restabeleceu os direitos humanos até então suprimidos e até mesmo aumentando-os em alguns pontos, como por exemplo, vedação da pena perpétua, vedou a prisão por dívidas 12 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 321. 13 HERKENHOFF, João Batista. Gênese dos Direitos Humanos. [S.l.], [199-?]. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/dhbrasil/index.html>. Acesso em: 11 março 2010. 14 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. p. 335. 15 civis e a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião, criou a assistência judiciária dentre outros tantos direitos. Já no Estado Novo suspendeu-se o direito de ir e vir das pessoas, a censura de todo e qualquer meio de comunicação, estava prejudicado neste período, também, a liberdade de reuniões, observa-se, portanto, um completo autoritarismo e, como se sabe, para um governo sustentar tal regime é preciso abdicar alguns direitos dos cidadãos. 15 Com a redemocratização em 1946 os direitos humanos foram recuperados e ampliados. Foi na Constituição de 1946 que se criou a apreciação do judiciário a qualquer lesão de direito individual, chamado de princípio da ubiquidade da Justiça. Também, faz-se mister salientar, o advento de outros direitos e a grande maioria nas questões trabalhistas, tais como, salário mínimo, participação nos lucros, direito de greve, dentre tantos outros. Porém Sampaio exclama que este período de 1946 e 1964 foram os mais ameaçadores, tanto para a democracia quanto para o direito no Brasil. 16 Em 1964 através dos Atos Institucionais nº. 1 e 2 instituiu-se poderes discricionários ao presidente da república, dos quais poderia decretar estado de sitio sem a aprovação do congresso nacional, de cassar mandatos populares e suspender direitos políticos, sendo total afronta a constituição da época. Os principais direitos humanos infringidos nesses atos institucionais foram a vedação da ampla defesa dos acusados, a revogação do princípio da ubiqüidade, a exclusão discricionária dos direitos políticos. 17 Nesta senda, a Constituição de 1967 teve, além das supressões elencadas acima, a extensão do tribunal militar aos civis. 15 HERKENHOFF, João Batista. Gênese dos Direitos Humanos. [S.l.], [199-?]. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/dhbrasil/index.html>. Acesso em: 11 março 2010. 16 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. p. 340. 17 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. p. 342-343. 16 Diz-se que com a promulgação do AI-5 esta Constituição de 1967 ruiu, pois, introduziu tão profundas modificações no cenário constitucional e de direito na época, que não se pode vincular com aquela constituição. Segundo Rogério Gesta Leal: “Com a edição do AI-5 e sob a sua sombra se praticam as maiores arbitrariedades a repercutir intensamente nos direitos dos cidadãos, que se vêem inteiramente desprotegidos e submetidos a uma onda de repressão até então nunca vista.”. 18 O AI-5 instituiu novamente os poderes conferidos ao presidente nos primeiros atos institucionais, com maior amplitude e discricionariedade, o governo poderia confiscar bens e suspendeu hábeas corpus para os crimes políticos. O advento da Constituição de 1969 só consolidou os já mencionados atos institucionais, não coadunando de forma alguma com os direitos humanos. Finalmente a Constituição de 1988 é a que mais preconiza os direitos e garantias fundamentais de todas as Constituições. Segundo Rogério Gesta Leal: Pode-se afirmar que, como referencial jurídico, a Carta de 1988 alargou significativamente a abrangência dos direitos e garantias fundamentais, e, desde o seu preâmbulo, prevê a edificação de um Estado Democrático de Direito no país, com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. 19 Assim também, pode-se citar o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet: Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirmar18 LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado; EDUNISC, 1997. p. 122. 19 LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. p. 131. 17 se que pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância. 20 Observa-se, portanto, uma constituição claramente humanista, diferentemente das constituições vistas até então, que o indivíduo está acima de tudo, consagrando os direitos das três gerações, a saber, de liberdade, igualdade e solidariedade. Conhecendo a história dos direitos humanos e sua evolução no Brasil faz-se a importância de conceituá-lo. 1.1.2 Conceito de direitos humanos Pode-se afirmar que os direitos humanos são os direitos e liberdade básicos do ser humano que resguardam, a igualdade, fraternidade e solidariedade, mas a conceituação é bem mais ampla que isso. Os direitos humanos que inicialmente eram naturais passaram por uma evolução incrível, principalmente, após as guerras mundiais, como viu-se anteriormente. Muitos doutrinadores ainda preferem conceituar os direitos humanos inspirando-se em um conceito jusnaturalista, a doutrinadora Selma Regina Aragão, conceitua-os como sendo: "os direitos em função da natureza humana, reconhecidos universalmente pelos quais indivíduos e humanidade, em geral, possam sobreviver e alcançar suas próprias realizações”. 21 Na mesma senda pode-se citar também Tobeñas que apesar de aderir novos elementos ao conceito inspira-se ainda em uma perspectiva jusnaturalista: [...] são aqueles direitos fundamentais da pessoa humana – considerada tanto em seu aspecto individual como comunitário – que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser reconhecidos a respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as 20 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 73. 21 ARAGÃO, Selma Regina. Direitos Humanos na ordem mundial. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 105. 18 normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu exercício, ante as exigências do bem comum [...].22 Observa-se que tais autores enfatizam bastante a dignidade, a liberdade e a igualdade da pessoa humana, elementos fortíssimos na Revolução Francesa no século XIX, provavelmente, o marco histórico e inicial que os direitos humanos saiu do plano naturalista para o plano positivista / constitucionalista. A conceituação de direitos humanos pode ser encontrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a saber: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão. Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla. Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades. Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso. A Assembléia Geral proclama 22 BENEVIDES, Maria Victória. Cidadania e Justiça. In revista da FDE. São Paulo, 1994. 19 A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Acrescenta-se ainda neste conceito o artigo 1º da Declaração supracitada: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” Assim têm-se como direitos humanos todos aqueles que defendem a moralidade do ser, sua dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade e fraternidade são alguns elementos subjetivos de tal direito que em muitas vezes é confundido com os direitos fundamentais, que apesar de terem ligação, ambos tem suas peculiaridades, que serão vistas a seguir. 1.1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais Embora a confusão seja até coerente no que diz respeito a estes dois institutos, sua diferenciação é necessário para a ocasião. Os direitos humanos estão mais ligados com o jusnaturalismo e, portanto, é algo mais subjetivo, conforme Sampaio: “[...] ‘direitos humanos’, que se vê envolta com ecos jusnaturalistas, havendo direitos que não se resumiriam a imposições do direito natural, [...].”. 23 Já os direitos fundamentais seriam necessariamente os direitos humanos positivados no ordenamento jurídico constitucional, releva-se o mesmo conceito do autor supra mencionado, a saber: “[...] ‘direitos fundamentais’, justificando sua escolha pela imediata referência à legitimidade ou fundamento da ordem constitucional e pela aura de superioridade que o termo invoca, [...].”. 23 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. p. 21. 20 Também é o entendimento de outros autores, como por exemplo, Canotilho afirmando que os [...] direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista): direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos humanos arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal: os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.24 Inteligentemente e de uma forma um pouco diversa, mas não fugindo do mesmo sentido até então debatido, Sarlet difere os direitos humanos dos direitos fundamentais: Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘ direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humanos como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, [...].25 Conclui-se que a distinção entre ambos os institutos é mera formalidade, visto que sua matéria é a mesma, não possuindo, portanto qualquer distinção material, apenas distinção formal. Jane Reis Gonçalves Pereira faz bem esta distinção formal e material: Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vistamaterial, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido material está ligada à essencialidade do direito para implementação da dignidade humana. Essa noção é 24 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5 ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 369. 25 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 35. 21 relevante pois, no plano constitucional, presta-se como critério para identificar direitos fundamentais fora do catálogo. [grifo no original] 26 Nesse diapasão pode-se afirmar que os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados constitucionalmente, já na esfera internacional onde há uma carta ou convenção internacional com possível aplicabilidade para todos os povos, esse direito pode levar a denominação de direitos humanos, muito se afirma que esse direito é universal, mas há controvérsias, que serão elucidadas no subtítulo a seguir. 1.1.4 Relatividade dos direitos humanos Todos na sociedade são dotados de direitos e obrigações e os direitos humanos não são absolutos e ilimitados, muito menos podem ser argüidos como forma de proteção para a prática de atos considerados ilícitos no ordenamento jurídico brasileiro. Encontra-se, assim, seus limites em outros direitos fundamentais também consagrados pela CRFB 1988. Tendo como premissa que os direitos humanos é uma forma de limitação do poder do Estado para com o indivíduo, o mesmo não pode negar a subordinação que está sujeita perante o Estado e é nesta senda que os direitos humanos são relativos, perante os demais direitos inerentes em um ordenamento jurídico. Na mesma linha de pensamento escreve o doutrinador Alexandre de Moraes: Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta 26 PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro : Renovar, 2006. p. 77. 22 Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).27 Não diferente se indica no art. 29 da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas: [...] toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, ser exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. [...] Tal assertiva também já teve pronunciamento do Supremo Tribunal Federal afirmando que um direito individual “não pode servir de salvaguarda de prática ilícitas”. (RT, 709/418). Além do mais os direitos humanos também podem sofrer um relativismo cultural, em que somente serão aceitos, respeitados e seguidos de acordo com a situação política, social e cultural de um determinado contexto histórico que uma sociedade está vivendo naquele momento. 28 Logo, a relatividade dos direitos humanos é importante para não deixar encobertar atos ilícitos violados por pessoas, também, dotados de direitos humanos, conforme dito por Alexandre de Moraes anteriormente. Para se entender melhor essa relatividade dos direitos humanos faz-se mister que seja demonstrado os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro hoje em dia. 1.1.5 Os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro O valor maior da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 1988) é proteger não somente o cidadão, mas como também, 27 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1997. 3. v. p. 46. 28 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. p. 167. 23 e principalmente, a pessoa, tal afirmação pode ser comprovada com a simples observância de seu preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, [...]. Logo, quando se afirma que a CRFB 1988 procura defender não somente cidadãos brasileiros, mas sim a pessoa, resta salientar que ela protege não somente brasileiros, como também, estrangeiros residentes no país, visto que seu valor maior é a proteção da pessoa. A Constituição procura determinar os destinatários dos direitos individuais esclarecendo que a sua proteção se estende aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. [...] Portanto, a proteção que é dada à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade é extensiva a todos aqueles que estejam sujeitos à ordem jurídica brasileira. É impensável que uma pessoa qualquer possa ser ferida em um desses bens jurídicos tutelados sem que as leis brasileiras lhe dêem a devida proteção.29 Neste diapasão e sendo mais objetivo, os direitos humanos estão elencados no Título II “Dos direitos e garantias fundamentais” da CRFB 1988, estão divididos em cinco capítulos, dos quais, Alexandre de Moraes explana de maneira bem clara: direitos individuais e coletivos – correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, [...] a Constituição de 1988 os prevê no art. 5º [...] direitos sociais – caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, [...] que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art. 1º, IV. A Constituição Federal consagra os direitos sociais a partir do art. 6º. direitos de nacionalidade: nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo 29 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v.2. p. 04-05. 24 deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, [...] direitos políticos – conjunto de regras que disciplina as formas de atuação de soberania popular. [...]. Tais normas constituem um desdobramento do principio democrático inscrito no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, que afirma que todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. A Constituição regulamenta os direitos políticos no art. 14; direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos: a Constituição Federal regulamentou os partidos políticos como instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito,[...].30 Por isso pode-se afirmar que os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro é proteção constitucional, visto que tais direitos e garantias, elencados principalmente no art. 5º da CRFB 1988, são clausulas pétreas, ou seja, seus textos não podem ser modificados em hipótese alguma, segundo o que disciplina a própria CRFB 1988 no artigo 60, §4º, IV: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais. Depois da Emenda Constitucional nº. 45 de 30 de dezembro de 2004, que será mais bem elucidada posteriormente, acrescentou um texto que ensejou uma abertura ainda maior aos direitos humanos no Brasil, quando acrescentou o §3º no artigo 5º da CRFB 1988: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalente às emendas constitucionais. Assim, os tratados ratificados e votados na forma do artigo supracitado passam também a ser clausulas pétreas, visto que serão inseridos no 30 MORAES, Alexandre de.Direitos humanos fundamentais: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 44. 25 art. 5º da CRFB 1988, tendo como mesmo entendimento a senhora Carmen Tiburcio31: Todavia, atente-se, se tem importante conseqüência que decorre da nova redação do dispositivo. O art. 60, §4º, IV, da CF determina que não serão apreciadas as emendas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais. Como a nova redação do dispositivo equiparou os tratados de direitos humanos às emendas constitucionais, os tratados internacionais que tratem da matéria não podem ser objeto de denúncia pelo presidente, até porque nem mesmo com o aval do Congresso tais regras podem ser revogadas. Assim, tais diplomas, uma vez ratificados, passam a integrar definitivamente o ordenamento nacional, sem possibilidade de denúncia pelo Executivo. No entanto, os tratados que versarem sobre direitos humanos a serem ratificados pelo Brasil sem o procedimento do artigo supra, segundo o Supremo Tribunal Federal (RE 466.343-SP), classificam-nos como normas supralegais criando assim uma nova escala de hierarquia dentro do ordenamento jurídico brasileiro32, mas que será estudada no título 2.5. Consoante o acima exposto e o entendimento do Supremo Tribunal Federal faz-se mister explanar sobre o Pacto de San José de Costa Rica e suas peculiaridades. 1.2 PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA Antes de qualquer explanação é mister salientar as diversas nomenclaturas existentes para este pacto. O Pacto de San José da Costa Rica é assim chamado, pois, houve em San José da Costa Rica a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos na qual foi adotada e assinada pelos países signatários o presente pacto. Mas faz-se necessário enfatizar que na maioria das vezes o Pacto de San José de Costa Rica é também chamado de Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 ou Tratado de San José 31 TIBURCIO, Carmen. A EC n. 45 e temas de direito internacional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.127. 32 GOMES, Luiz Flávio. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O STF e a nova hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil: do status de lei ordinária ao nível supralegal. [S.l.], 20 mar. 2007. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070319115849842&mode=print>. Acesso em: 27 março 2010 26 da Costa Rica, tal destaque vale-se, somente, para melhor compreensão do texto, visto que, alguns autores preferem nomeá-lo destas formas, mas para o presente e para melhor individualizá-la utilizar-se-á a nomenclatura “Pacto de San José da Costa Rica” na maioria das vezes. 1.2.1 Origem e entrada em vigor no ordenamento jurídico brasileiro O Pacto de San José da Costa Rica não tem origem em um único ato ou encontro internacional, mas sim, de um contexto de acontecimentos e encontros internacionais que surgiram na época. Inicialmente cabe ressaltar a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, talvez o marco inicial de muitas outras declarações internacionais sobre a mesma matéria, mas que produziu efeitos e reflexos diretos na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, objeto do estudo. Para Fábio Konder Comparato33, a sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ficou acordado que a Comissão de Direitos Humanos, ainda a ser criada, desenvolveria seus trabalhos em três etapas. Na primeira, obviamente incumbiu-se em elaborar a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, na qual foi concluída e aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. A segunda etapa concluída em 16 de dezembro de 1966 com a aprovação de dois pactos internacionais, a saber, O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A elaboração de dois tratados e não de um só, compreendendo o conjunto dos direitos humanos segundo o modelo da Declaração Universal de 1948, foi o resultado de um compromisso diplomático. As potências ocidentais insistiram no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam por em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. 33 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 27 Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, ‘até o máximo dos recursos disponíveis’ de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2º, alínea 1).34 Já a terceira etapa da Comissão dos Direitos Humanos até hoje não foi concluída, devido a sua complexidade, pois, relaciona-se com a criação de um mecanismo de sanções aos Estados violadores dos direitos humanos. Contudo, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 sustentou em grande parte as declarações de direitos inseridos pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, porém aproximando-se mais do modelo europeu, quando diz respeito aos órgãos competentes para supervisionar o cumprimento da convenção. Aprovada em San José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, deixou um pouco de lado os direitos econômicos, sociais e culturais, aprovados posteriormente, na Conferência Interamericana de São Salvador, em 17 de novembro de 1988. Apesar de ser aprovada em 1969 a Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor somente em julho de 1978, quando o 11º (décimo e primeiro) instrumento de ratificação foi depositado na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, em consonância com o art. 74, 2 da Convenção. ‘[...] Segundo dados da Organização dos estados Americanos, dos 35 (trinta e cinco) Estados Membros da OEA, 25 (vinte e cinco) Estados são hoje partes da Convenção Americana: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai, e Venezuela.35 No Brasil, no entanto, a Convenção foi aderida tardiamente, somente em 25 de setembro de 1992, considerando que a mesma foi assinada em 34 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 280. 35 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 230. 28 1969. Foi promulgada pelo Decreto n. 678 de 06 de novembro de 1992, obtendo duas ressalvas, a primeira referente ao art. 45, 1º, que se refere à competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para examinar queixas apresentadas por outros Estados, sobre o não cumprimento da Convenção. Como também, ressalvou o disposto no art. 62, 1º, referente a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Porém, através do Decreto Legislativo n. 89 de dezembro de 1998 foi aprovado o reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir desta data. Já em 11 de novembro de 2002, através do Decreto n. 4.463, foi promulgado o reconhecimento da competência obrigatória da Corte. Assim, nada mais justo que evidenciar-se a competência do Pacto de San José da Costa Rica, nos padrões nacionais e internacionais que será explanado a seguir. 1.2.2 Competência do Pacto de San José de Costa Rica O Pacto de San José de Costa Rica em sua essência resguarda os direitos humanos, como visto anteriormente, mas, contudo, há inserido nela inúmeros outros direitos civis e políticos, tais como: [...] o direito à personalidade jurídica, o direito à vida, o direito a não ser submetido à escravidão, o direito à liberdade, o direito a um julgamento justo, o direito à compensação em caso de erro judiciário, o direito à privacidade, o direito à liberdade de consciência e religião, o direito à liberdade de pensamento e expressão, o direito à resposta, o direito à liberdade de associação, o direito ao nome, o direito à nacionalidade, o direito à liberdade de movimento e residência, o direito de participar do governo, o direito à igualdade perante a lei e o direito à proteção judicial.36 Tais direitos são veementemente defendidos por dois órgãos que monitoram e implementam o Pacto de San José da Costa Rica, estes órgãos são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana, os mesmos foram instituídos pelo próprio Pacto de San José da Costa Rica, conforme parte II, capitulo VI, art. 33 e seguintes deste Pacto. 36 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p.230. 29 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é composta por sete membros de qualquer Estado-membro da OEA – Organização dos Estados Americanos, mas é importante frisar que devem ser “[...] de alta autoridade moral e reconhecido saber em matéria de direitos humanos.”, em conformidade com o art. 34 do Pacto. Sua candidatura é lançada pelos governos dos Estados-membros e são escolhidos pela Assembléia Geral da Organização, podendo se reeleger somente uma única vez. A principal competência dessa Comissão é a promoção da observância e a proteção dos direitos humanos inerentes ao Pacto de San José de Costa Rica, por isso, normalmente a mesma faz recomendações aos governos dos Estados-membros, prevendo e preparando estudos e relatórios, para a adoção de medidas necessárias para a proteção dos direitos do Pacto. Além disso, também fiscalizam os Estados-membros, concernentes as medidas que estão sendo empregadas por eles para a proteção da Convenção Interamericana. Mas é mister salientar sua competência para dirimir no exame das comunicações de denúncia ou queixa, referente ao Estado-membro que infringe as normas do Pacto de San José de Costa Rica, que podem ser encaminhadas por indivíduos, ou grupo de indivíduos e entidades não-governamentais legalmente reconhecidas. Tal petição deve conter alguns requisitos de admissibilidade, estes, elencados no artigo 46, a saber: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e d) que, no caso do art. 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. 2. As disposições das alíneas "a" e "b" do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando: 30 a) não existir, na legislação interna do estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados; b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos. Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos que é o órgão jurisdicional do sistema regional interamericano, tem natureza consultiva e contenciosa e é mister salientar, que somente o Estado-membro do Pacto de San José da Costa Rica ou a própria Comissão Interamericana podem submeter algum caso para a apreciação da Corte. Também formada por sete membros, denominados juizes, que são juristas nacionais dos Estados-membros e “[...] da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, [...]”, sendo vedado pelo Pacto dois juizes de mesma nacionalidade. A votação a este cargo é secreta e por maioria absoluta dos Estados-membros da Convenção, na Assembléia Geral da Organização. O mandado é de seis anos com uma única reeleição. No que concerne o caráter consultivo, qualquer membro da OEA, signatário ou não do Pacto de San José da Costa Rica, tem competência para solicitar a Corte Interamericana pareceres sobre a interpretação de qualquer tratado relativo a proteção de direitos humanos nos Estados americanos, sobretudo, o tratado ora discutido. Já o caráter contencioso da Corte ela poderá examinar casos de violação da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, bem como, qualquer outro tratado no âmbito americano sobre o mesmo tema, podendo até mesmo impor sanções ao Estado, tais como, medidas a serem tomadas para a restauração do dano ocasionado ou até mesmo, condenação pecuniária como forma de compensação à vítima. Mas, para isso se concretizar o Estado deverá reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana, tal jurisdição que será mais bem explanada no próximo tópico do presente trabalho. 31 1.2.3 Jurisdição do Pacto de San José de Costa Rica A jurisdição do Pacto de San José de Costa Rica é claramente identificada no artigo 74 do referido diploma: “1. Esta Convenção está aberta à assinatura e à ratificação de todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.” Inicialmente verifica-se a restrição que somente os Estadosmembros da Organização dos Estados Americanos podem aderir a este dispositivo, tendo como mesmo entendimento Flávia Piovesan. 37 Portanto, nem todos os Estados membros da OEA necessariamente serão abrangidos pelo Pacto, mas somente aqueles Estados da referida organização que assinarem e ratificarem a Convenção. Tais Estados signatários da Convenção deverão então seguir os preceitos indicados no referido diploma e a fiscalização do cumprimento de tais preceitos cabe a Comissão e a Corte Interamericana, na competência que as couberem, como se viu anteriormente, porém, com algumas restrições para a jurisdição desses órgãos fiscalizadores e consultivos. A Comissão Interamericana e a Corte Interamericana possuem a clausula facultativa de jurisdição contenciosa, ou seja, sua jurisdição não abrangerá obrigatoriamente todos os países signatários do Pacto, visto que, nos artigos 45 e 62, respectivamente, assinalam que a submissão do país a esses dois órgãos nas decisões e interpretações da Convenção Americana dos Direitos Humanos, deve ser de forma expressa no momento do depósito da ratificação ou a posteriori. Observa-se o entendimento de Fábio Konder Comparato: Com efeito, ela criou, além de uma Comissão encarregada de investigar fatos de violação de suas normas, também um tribunal especial para julgar os litígios daí decorrentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição, no entanto, só é obrigatória para os Estados-Partes que a aceitem expressamente (art. 62, 1º). Todavia, no que diz respeito às denúncias apresentadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, [...]. Em sentido contrário, 37 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 230. 32 seguindo o Pacto de 1966 e não a Convenção Européia, a Convenção Americana submete à prévia exigência do reconhecimento da competência da Comissão o exame, por esta, de ‘comunicações em que um Estado-Parte alegue haver outro EstadoParte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta Convenção’ (art. 45, 1º).38 Logo, ambos os órgãos necessitam de reconhecimento expresso dos Estados partes do Pacto de San José de Costa Rica, para a sua efetiva jurisdição, dentre os assuntos ou queixas perante estes países. O Brasil apesar de ter aderido o Pacto em 1992, inicialmente o país não reconheceu a jurisdição da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 1998, o Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo n. 89 aprovou o reconhecimento da jurisdição da Corte, porém, para fatos ocorridos a partir de seu reconhecimento, se precavendo talvez dos fatos ocorridos no regime militar. Somente em 11 de novembro de 2002 foi promulgada tal declaração de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, através do Decreto n. 4.463. Transcorrido o assunto sobre os direitos humanos no cenário brasileiro e internacional, veja-se a importância de dirimir sobre o Supremo Tribunal Federal, história, competência e seu entendimento perante o Pacto de San José de Costa Rica. 38 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 372-373. CAPÍTULO 2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) 2.1 HISTÓRICO No século XVI não existia uma instituição judiciária no Brasil e sim, apenas alguns cargos que exerciam esta competência, segundo Edson Rocha Bomfim: Inicialmente a distribuição da Justiça ficou representada pelas seguintes autoridades: Corregedores Geraes, Ouvidores Geraes, Chanceréis das Comarcas, Provedores, Contadores de Comarca, Juízes Ordinários, Juizes de Fóra, Juizes de Orphãos, Vereadores, Almotacés, Alcaides, Solicitadores dos Resíduos, Procuradores do Conselho, Thesoureiros dos Conselhos, Escrivães das Câmaras, Escrivães da Almotaceria, Tabelliães de Notas, Tabelliães do Judicial, Escrivães de Orphãos, Inquiridores, Distribuidores, Contadores, Curadores de Ausentes, Escrivães do Provedor, Recebedores das Cizas, Quadrilheiros, Porteiros ou Meirinhos e Partidores do Geral e dos Orphãos.39 Em conseqüência do fracasso do regime das capitanias hereditárias, [...] D. João III determinou, em 1548, a criação de um Governo-Geral, expedindo-se quatro regimentos, destinados ao Governador-Geral, ao Provedor-Mor, ao Ouvidor-Geral e aos Provedores Parciais. O Governador-Geral, Tomé de Souza, desembarcou na Bahia em 29 de março de 1549, sendo Ouvidor-Geral Pero Borges.40 Tal figura do Ouvidor-Geral também desempenhava funções de Corregedor. Finalmente em 1587, criou-se um órgão específico para o judiciário brasileiro, denominado Tribunal da Relação, [...] com sede na Bahia, composto de dez ministros com títulos e 39 BOMFIM, Edson Rocha. Supremo Tribunal Federal: perfil histórico. Rio de Janeiro: Forense; Brasília: INL, 1979. p. 03. 40 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Secretaria de documentação. Histórico. Brasília, 18 set. 2007. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConheca StfHistorico. Acesso: 02 abr. 2010. 34 funções de Desembargadores de Aggravo, Desembargadores Extravagantes, Chanceller, Ouvidor-Geral, Juiz dos Feitos e Promotor da Justiça. Esse Tribunal, no entanto, não chegou a funcionar, porque, em razão de um naufrágio, apenas três dos desembargadores nomeados chegaram ao Brasil.41 Devido a este acidente, somente em 1609, D. Felipe III, assina um alvará criando o Tribunal da Relação do Brasil, também composto por dez Desembargadores com a seguinte divisão: [...] um Chanceller (que atuava como Juiz da Chancelaria); três Desembargadores de Aggravos; um Ouvidor Geral; um Juiz dos Feitos da Corôa, Fazenda e Fisco; um Provedor dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e Promotor da Justiça; um Provedor dos Defuntos e Residuos e, finalmente, dois Desembargadores Extravagantes.42 O governador poderia presidir o tribunal, mas somente quando necessário e sem direito a voto ou a escrever as sentenças. Tal Tribunal da Relação foi extinto em 1626, sendo restaurado somente em 1952, por D. João IV, com a seguinte justificativa: (...) attendera os pedidos feitos pelos officiaes da Câmara da Bahia e mais moradores do Brasil, associados pelo governador Conde de Castello Melhor, com o fim de que fosse a Justiça mais bem administrada, livrando os moradores das moléstias, vexações e perigos do mar a que estavam expostos indo requerela aos tribunaes do reino.43 Cerca de um século depois, mais exatamente em 13 de outubro de 1751, D. José I, cria na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro a Relação do Rio de Janeiro, perdendo o da Bahia o título de Relação do Brasil. Posteriormente, em 1763, o Governo-Geral foi transferido para o Rio de Janeiro também. Sua composição, não diferente da anterior, era de dez Desembargadores, porém com algumas peculiaridades: [...] Um Chanceller; cinco para os Agravos; um servindo como Ouvidor-Geral do Crime; outro como Ouvidor-Geral do Cível; um Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda e, por último, um Procurador da 41 BOMFIM, Edson Rocha. Supremo Tribunal Federal: perfil histórico. p. 04. 42 BOMFIM, Edson Rocha. Supremo Tribunal Federal: perfil histórico. p. 04. 43 BOMFIM, Edson Rocha. Supremo Tribunal Federal: perfil histórico. p. 04. 35 Coroa e Fazenda. Todos possuíam o título de Ministro, com exceção do Chanceller, e serviram à Relação por seis anos, salvo se fossem substituídos, e a jurisdição correspondia a cinco léguas, em circunferência, na cidade do Rio de Janeiro. A chegada da família real portuguesa no Brasil no início de 1808, fugidos dos ataques das tropas de Napoleão, gerou diversas modificações no cenário brasileiro, sobretudo, na sua organização judiciária. D. João, príncipe regente na época, vendo que a Casa de Suplicação de Lisboa não poderia mais decidir demandas do Reino devido a invasão francesa, criou a Casa de Suplicação do Brasil surgido a elevação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, tal atitude é vista como o marco inicial, ou melhor, um embrião do que seria hoje o Supremo Tribunal Federal, visto o que D. João transcreveu no alvará: I – A Relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil, e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para se findarem ali todos os pleitos em última instância, por maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso, que não seja o das Revistas, nos termos restritos do que se acha disposto nas Minhas Ordenações, Leis e mais Disposições. E terão os Ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de Lisboa.44 No império e o país independente no ano de 1822, criou-se através da Constituição de 1824, no art. 163, o Supremo Tribunal de Justiça: Na Capital do Império, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o título de Conselho. Na primeira organização poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daqueles que se houverem de abolir.45 O Supremo era composto por 17 juízes, instalado na casa do senado da câmara, onde subsistiu até 1891. Os Decretos que antecederam a Constituição de 1891, principalmente o Decreto nº. 848, de 11 de outubro de 1890; organizaram a justiça 44 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Secretaria de documentação. Histórico. Acesso: 02 abr. 2010. 45 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Secretaria de documentação. Histórico. Acesso: 02 abr. 2010. 36 federal, trazendo a tona pela primeira vez a nomenclatura Supremo Tribunal Federal, composto por quinze juízes nomeados pelo Presidente da República e posteriormente aprovados pelo Senado. A Constituição de 1891 somente reafirmou o decreto, dando como principal função deste tribunal o controle da constitucionalidade das leis. Mais tarde pelo Decreto nº. 19.656 de 03 de fevereiro de 1931, reduziu-se o número de juízes para onze, sendo que pela Constituição de 1934 a sua nomenclatura foi alterada para Corte Suprema. Na Constituição de 1937 restaurou-se a nomenclatura de Supremo Tribunal Federal atribuindo-lhe os artigos 97 a 102. Em 1960, com a mudança da capital brasileira para Brasília, consequentemente o Supremo Tribunal Federal também se mudou, instalando-se na Praça dos Três Poderes. Já em 1965, através do Ato Institucional nº. 2, no Governo Revolucionário, elevou-se novamente o número dos juízes para dezesseis, sendo que através do Ato Institucional nº. 6 de 1969 restabeleceu o número de onze Ministros para o Supremo Tribunal Federal. Finalmente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ora vigente, destacou-se a competência do Supremo Tribunal Federal como guardião da constituição brasileira, composto, conforme art. 101 da Constituição, por onze Ministros escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade e notável conhecimento jurídico e ótima reputação. Com a reforma do judiciário em 2004, através da emenda constitucional nº. 45, pode-se afirmar que a influência do Supremo Tribunal Federal aumentou consideravelmente perante os outros tribunais, conforme se explanará a seguir. 37 2.2 EMENDA CONSTITUCIONAL N.45 DE 2004. Antes de se adentrar, especificamente, no tema da Emenda Constitucional nº. 45 é de extrema importância falar das Emendas Constitucionais de forma generalizada. A sociedade é mutável e tal prerrogativa leva-nos a crer que sua relação social e jurídica também está sujeita a mutação, assim é necessário que o ordenamento jurídico acompanhe tais evoluções. As emendas constitucionais é a possibilidade do ordenamento jurídico pátrio, sobretudo, a constituição acompanhar tal evolução da sociedade mantendo-a assim sempre vigente e eficaz. Mas tais emendas exigem um processo legislativo especial e diferenciado, para Alexandre de Moraes: O legislador constituinte de 1988, ao prever a possibilidade de alteração das normas constitucionais através de um processo legislativo especial e mais dificultoso que o ordinário, definiu nossa Constituição Federal como rígida, fixando-se a idéia de supremacia da ordem constitucional. 46 E ainda Maria Helena Diniz complementa: [...] o fato do preceito constitucional submeter-se a determinadas formalidades de produção e alteração é importante para a fixação de sua eficácia, pois se pudesse ser modificada sem que houvesse processo especial, comprometida ficaria a produção concreta de seus efeitos jurídicos. 47 Além disto, resta ainda salientar algumas limitações neste poder reformador da constituição, o art. 60 da CRFB 1988 prevê expressamente algumas limitações, tais como: [...] §1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. [...] §4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; 46 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p.597. 47 DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. p.141. 38 IV – os direitos e garantias individuais. §5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. O supracitado §4º é tido como regulamentador das chamadas “cláusulas pétreas” dos quais inclui-se também, de forma implícita, o próprio art. 60, “[...] pois, se diferente fosse, a proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente, desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas.”48. Pode haver outros preceitos implícitos limitadores de reforma constitucional, para Canotilho: as Constituições não contem quaisquer preceitos limitativos do Poder de revisão, mas entende-se que há limites não articulados ou tácitos, vinculativos do poder de revisão. Esses limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta. 49 Para Alexandre de Moraes um exemplo disto é “[...] a inalterabilidade do titular do Poder Constituinte derivado-reformador, sob pena de também afrontar a Separação dos Poderes da República.” 50. No artigo 60 da CRFB 1988 observa-se o procedimento para a aprovação de uma emenda constitucional no ordenamento jurídico brasileiro. Inicialmente para simples proposta é necessário: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II – do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Após a proposta será discutida e votada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, obtendo três quintos dos votos dos respectivos membros, em dois turnos, e em cada casa do Congresso Nacional poderá ser considerada aprovada, sendo “[...] promulgada pelas Mesas da Câmara dos 48 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 603. 49 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1.135. 50 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 603. 39 Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.”, em consonância com art. 60, § 2º e 3º, respectivamente. Após breve explanação, passa-se efetivamente a analisar a emenda constitucional nº. 45 de 2004, por abranger diversas matérias focar-se-á mais nos assuntos inerentes no presente trabalho. A Emenda Constitucional nº. 45 (E.C. nº.45), conhecida também como Reforma do Judiciário, por trazer importantes modificações no cenário brasileiro, trouxe como principal mudança as súmulas vinculantes, que podem ser elaboradas pelo STF, conforme art. 103-A da CRFB 1988 e que será objeto de estudo a posteriori. Para Rodolfo de Camargo Mancuso: A EC n.45/2004 não criou, propriamente, a súmula vinculante, mas na verdade a potencializou e sistematizou, fixando que as decisões do STF, tomadas em maioria de dois terços, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, ficam vinculativas [...]; a par disso, firma-se o STF como órgão de revisão e cassação, de tal arte que, acolhendo reclamação acerca de resistência ao enunciado vinculativo, a Corte Suprema ‘anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da sumula, conforme o caso’ (§ 3.º do art. 103-A).51 O ministro Gilmar Mendes e a Samantha Meyer Pflug, também entendem que as súmulas vinculantes não foram criadas pela EC n. 45/2004: Vê-se, pois, que a Súmula do Supremo Tribunal Federal, que deita raízes entre nós nos assentos da Casa de Suplicação, nasce com caráter oficial, dotada de perfil indiretamente obrigatório. [...]. Essas diretrizes aplicam-se também à súmula vinculante consagrada na Emenda n. 45/2004. É evidente, porém, que à súmula vinculante, como o próprio nome está a indicar, terá o condão de vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública, [...]. 52 51 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. p. 705. 52 MENDES, Gilmar; PFLUG, Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da emenda constitucional n. 45/2004. In: RENAULT, Sérgio Rabello Tamm et al. Reforma do judiciário. p. 344. 40 Outra mudança trazida pela EC n. 45/2004 e, não menos importante que a anterior, diz respeito ao direito internacional, quando ao implantar no §3º, do art. 5º da CRFB de 1988 o seguinte texto, já citado anteriormente: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalente às emendas constitucionais. De acordo com o entendimento e Carmen Tiburcio: O texto introduzido pela emenda, atualmente em vigor, não deixa dúvidas: os tratados internacionais sobre direitos humanos têm a mesma hierarquia das emendas constitucionais, desde que obedecido o quorum privilegiado de aprovação dessas. [...] os tratados aprovados por quorum simples adquirem o status de lei ordinária, como qualquer outro tratado ratificado pelo País, submetendo-se ao critério geral de que o posteriori derrogat priori; [...]. 53 Neste mesmo diapasão pode-se citar também Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari: Com o novo §3.º do art. 5.º, estabelece-se, de forma inequívoca, conforme preceituado de forma literal, a possibilidade de que tratados em matéria de direitos humanos tenham equivalência com emenda constitucional, [...]. Mas isto desde que, quando da apreciação do tratado pelo Congresso Nacional, haja aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em dois turnos em cada umas das Casas, e por pelo menos três quintos dos votos dos membros respectivos. [...] [...], mas reservando-se aos restantes situação equivalente à das leis. 54 Para Flávia Piovesan55 todos os tratados de direitos humanos são de matéria constitucional, independentemente de seu quorum de aprovação, consoante o disposto no mesmo art. 5º, § 2º da CRFB de 1988, porém, os mesmos não são formalmente constitucionais, visto que não foram aprovados com o quorum 53 TIBURCIO, Carmen. A EC n. 45 e temas de direito internacional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. p.126. 54 DALLARI, Pedro Bohomoletz de Abreu. Tratados internacionais na emenda constitucional 45. In: TAVARES, André Ramos et al. Reforma do judiciário: analisada e comentada. p. 89-90. 55 PIOVESAN, Flávia. Reforma do judiciário e direitos humanos. In: TAVARES, André Ramos et al. Reforma do judiciário: analisada e comentada. p. 72. 41 diferenciado, portanto, todos os tratados internacionais de direitos humanos são de natureza constitucional, mas somente passarão a integrar o texto constitucional se forem aprovados pelo quorum diferenciado. Resta salientar novamente que estas não foram as únicas mudanças implicadas pela EC n. 45/2004, mas para melhor compreensão do presente trabalho são as mais importantes e diante do exposto, passa-se a explanar sobre as súmulas e a competência do Supremo Tribunal Federal. 2.3 SÚMULAS E SÚMULAS VINCULANTES Antes de diferenciar essas duas categorias é mister salutar a importância de cada uma delas, sua história, conceito, entendimentos e, principalmente, sua eficácia que é onde surge sua principal diferença. A origem de ambas pode ser considerada a mesma, afirma-se, até mesmo, que a súmula vinculante é a evolução da súmula, a grande dificuldade entre os autores é considerar um primeiro indício sobre estas decisões. Para Gustavo Santana Nogueira a partir de 1990, através da Lei 8.038, [...] começava a ser introduzido no ordenamento jurídico nacional aquele que, para nós, é o embrião da súmula vinculante. O art. 38 permite ao relator, no STF ou no STJ, decidir o pedido ou o recurso que contrarie, nas questões predominantemente de direito, súmula do respectivo tribunal. 56 Porém, Sérgio Sérvulo da Cunha57 vai um pouco além, quando afirma que: A partir de 13 de dezembro de 1963, o STF seguiu a inteligente sugestão de Victor Nunes Leal, passando a elaborar súmulas de sua jurisprudência, simples enunciados sintetizando decisões em casos assemelhados, que representavam uma orientação para os litigantes e seus defensores. 56 In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. p. 269-270. 57 In: RENAULT, Sérgio Rabello Tamm et al. Reforma do judiciário. iva, 2005. p. 37. 42 Contudo, Rodolfo de Camargo Mancuso, foi ainda mais longe do que os autores anteriores. Para ele sem dúvida a primeira vez que apareceu a palavra “súmula” foi em 1963 através da emenda regimental daquele ano, porém, se for levado em consideração que as súmulas já foram um dia jurisprudência, então seu início está vinculado diretamente no Brasil – colônia, “[...] como uma projeção dos assentos da lusitana Casa de Suplicação, aqui preservados em sua força obrigatória, pelo regime das Ordenações.”. 58 Mas o que seria uma súmula? Segundo os autores Marcelo Lamy e Luiz Guilherme Arcaro Conci: Súmula – do latim Summula: sumário, restrito – é ‘uma síntese da Jurisprudência, é um enunciado sintético do entendimento uniformizado do Tribunal sobre determinado tema jurídico’. Oscar Vilhena Vieira conceitua como ‘ um curto enunciado que, de maneira objetiva, explicita a interpretação de um tribunal superior a respeito de determinada matéria’. Tanto os precedentes quanto a jurisprudência e as súmulas não constituíram originariamente, em nosso direito, preceito obrigatório para casos futuros. 59 Colacionando no mesmo sentido com o art. 102, caput, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. Significa dizer que, se a matéria for constantemente decidida pelo tribunal, no mesmo sentido, as súmulas serão aprovadas. Segundo Gustavo Santana Nogueira “[...] consiste em um enunciado que expressa o entendimento solidificado de um determinado tribunal sobre determinada matéria de direito.”. 60 58 In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. p. 687. 59 Reflexões sobre as súmulas vinculantes. In: TAVARES, André Ramos et al. Reforma do judiciário: analisada e comentada. p. 305. 60 Das súmulas vinculantes: uma primeira análise. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. p. 269. 43 Porém, as súmulas com efeito vinculante, os tribunais tem a obrigatoriedade de seguir o entendimento daquele enunciado, é esta a diferenciação desta súmula das demais, visto que todas as outras não há essa exigência. No mesmo sentido, Antonio Silveira Neto: Podemos então conceituar súmula vinculante como um enunciado sintético e objetivo exarado por um Tribunal, com o escopo de uniformizar o entendimento reiterado em inúmeros e semelhantes julgados (jurisprudência), que obriga todos a harmonizarem suas condutas com o declarado pelo Tribunal. 61 Por ora temos as duas características essenciais das súmulas vinculantes, que é imperatividade e a coercibilidade. A imperatividade, como dito anteriormente, diz respeito a obrigatoriedade que o magistrado possui em respeitar determinada súmula vinculante. A coercibilidade é a imposição desta súmula, se caso não for observada caberá reclamação direta ao STF, este por sua vez anulará o ato do juiz e determinará o cumprimento da súmula. Consubstanciada no art. 103-A da CRFB de 1988, para que tal súmula tenha efeito vinculante é necessária a decisão de dois terços dos membros do STF, após diversas decisões sobre matéria constitucional, tal órgão poderá propor de ofício ou até mesmo por provocação. Mas qual seria seu objetivo? Seu objetivo pode ser observado no §1º do mesmo artigo supramencionado da CRFB de 1988, a saber: A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Como também, a súmula vinculante: Por ela, diz Luis Carlos Alcoforado, ‘expurga-se a convivência de decisões adversárias, uniformizando-se, com isonomia, a jurisprudência que passa a ser paradigma seguro para os casos futuros. O direito se recria num ambiente de certeza e segurança, resultante da adoção da súmula vinculante que tem força obrigatória, diferentemente das súmulas persuasivas às quais faltavam a força 61 SILVEIRA NETO, Antonio. Súmula de efeito vinculante. http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art64.html. Acesso em: 07 mai. 2010. Disponível em: 44 vinculativa e o caráter obrigatório. Prefere-se, em nome da certeza e da segurança, a jurisprudência errada, mas uniforme, à jurisprudência incerta, belicosa e imprevisível’. 62 Portanto, intrinsecamente, conclui-se que os principais objetivos das súmulas vinculantes é a uniformização dos julgados e a diminuição de demandas para o Supremo Tribunal Federal, uma vez que através das súmulas vinculantes ele já deixa claro seu entendimento. Por isso, que as súmulas têm eficácia erga omnes, visto que atingem os casos presentes, como também, os futuros. Passa-se agora a explanar sobre a competência do Supremo Tribunal Federal. 2.4 COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal tem como premissa a guarda da Constituição da República Federativa do Brasil, tal guarda não pode ser considerado a matéria, no sentido físico da palavra, mas sim, devem considerar-se como guarda dos princípios, valores e direitos constitucionais, impedindo os possíveis ataques que a CRFB pode sofrer. 63 A competência do Supremo Tribunal Federal está claramente elucidada no art. 102 da CRFB 1988 e seus incisos. Segundo José Afonso da Silva64 podem ser divididas em três grupos; o primeiro elencado no inciso I, pode-se dizer que é de competência originária, ou seja, como Juízo único e definitivo, já no inciso II é a competência que incumbe ao STF julgar em recurso ordinário e, finalmente, no terceiro grupo é a competência de julgar em recurso extraordinário as situações elencadas nas alíneas do inciso III em única ou última instância. 62 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n.45/2004. p. 703. 63 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo:Malheiros Editores Ltda., 2006. p. 557. 64 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 559. 45 Para Alexandre de Moraes65, a divisão pode ser somente em dois grandes grupos, de acordo com a maneira que é apresentado o caso para o STF, a saber: a originária e a recursal. A originária aciona diretamente o órgão, em que analisará a questão em única instância. Já a recursal é quando chega para a apreciação através de recursos, que pode ser o ordinário ou o extraordinário, nestes casos será apreciado em última instância. Sobre o assunto, no presente trabalho, vale destacar os incisos I, alínea “a” e o inciso III, alíneas “a” e “b”, a saber: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; [...] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; Primeiramente e, levando em consideração somente este artigo da CRFB 1988, observa-se a incompetência do STF em delinear-se sobre o tema, visto que a discussão não está na constitucionalidade ou não do tratado internacional de San José de Costa Rica, mas sim, se sua aplicação revoga ou não lei infraconstitucional brasileira. Portanto, se o STF é dito incompetente, pode-se concluir que Superior Tribunal de Justiça tem para si a competência para declinar sobre a questão, visto a delimitação de sua competência no art. 105, principalmente, no inciso III da CRFB, a saber: Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: 65 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 497-520. 46 a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Nesta mesma senda conclui José Carlos de Magalhães: Tem-se, dessa redação, que o conflito entre tratado e lei federal deve ser decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, pois se trata de matéria que não afeta a Constituição, salvo se for argüida a inconstitucionalidade de qualquer deles, caso em que caberá ao STF examinar a questão, sob a prisma da Constituição. [...] Ora, no caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos não se discute se nela há dispositivo que contraria a Constituição, mas, sim, que contrariaria a lei federal que regula a alienação fiduciária em garantia, que prevê a prisão do depositário infiel. Em, outras palavras, o conflito entre o Dec.-Lei 911/69 e a Convenção Americana de Direitos Humanos é matéria infraconstitucional, não se questionando sobre a constitucionalidade de qualquer deles. [...] E a decisão dessa controvérsia compete exclusivamente ao Superior Tribunal de Justiça, não podendo o STF invadir competência de outro órgão do Poder Judiciário, ainda que de menor hierarquia.66 Porém, não se pode esquecer da reforma do judiciário trazida pela Emenda Constitucional nº. 45 de 2004, já estudada anteriormente, esta emenda inclui o artigo 103-A na CRFB, observa-se: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Assim dessecando o artigo verifica-se que o STF poderá, até mesmo de ofício, editar súmulas de reiteradas decisões sobre matéria de natureza constitucional, apesar de a prisão do depositário infiel, principal tema debatido atualmente em decorrência do Pacto de San José de Costa Rica, ter natureza constitucional, visto a delimitação inerente no artigo 5º, inciso LXVII da CRFB 1988, o Pacto de San José de Costa Rica foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro 66 MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. p. 90-91. 47 como norma infraconstitucional, visto que não foi aprovado conforme §3º do artigo 5º da CRFB 1988 para ter status de emenda constitucional. Nesta senda a incompatibilidade neste quesito do Pacto de San José de Costa Rica com a legislação brasileira não é causa para o Brasil descumprir o Pacto, tendo em vista que o Brasil também é signatário da Convenção de Viena de 1969, que no artigo 27 alude o seguinte: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado. [...]. Logo, a súmula vinculante nº. 25 é lícita e está dentro da competência delimitada atualmente ao Supremo Tribunal Federal, visto a disposição do artigo 103-A combinado com o §2º do artigo 5º da CRFB 1988 e nesta senda já resta prejudicada a alegação de Magalhães, visto a clareza de tal artigo em afirmar que os direitos e garantias adotados pelo Brasil em tratados internacionais são garantidos pela CRFB 1988 e, portanto, o efeito vinculante da Súmula nº. 25 atinge também os demais órgãos do poder judiciário, acarreta-se assim, na submissão do STJ a esta súmula vinculante editada pelo STF, consequentemente, revoga-se as disposições infraconstitucionais contrárias a este dispositivo do Pacto de San José de Costa Rica, visto que a lei posterior revoga as leis anteriores que tratem sobre o mesmo assunto Para melhor prospecção do trabalho falar-se-á sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre os tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. 2.5 O NOVO ENTENDIMENTO DO STF PARA OS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE OS DIREITOS HUMANOS. A questão da prisão civil do depositário infiel é situação já pacificada no ordenamento jurídico pátrio, no qual através da súmula vinculante 25 o STF decidiu ser a referida prisão ilícita, porém a grande discussão hoje não seria mais sobre esta situação, mas sim, de toda a construção jurídica que se criou para se chegar a esta súmula vinculante pelo STF. Ora, inicialmente o entendimento do STF era o seguinte: 48 [...] o Pacto de São José da Costa Rica, por tratar-se de norma infraconstitucional, não pode se contrapor à permissão do art. 5º inciso LXVII da Carta Magna no que diz respeito à prisão do depositário infiel. Ademais, o referido pacto constitui norma de caráter geral que não derroga as normas infraconstitucionais especiais sobre o tema da prisão civil do depositário infiel.67 Destacando ainda um trecho do voto do Ministro Maurício Correa, do mesmo acórdão supracitado: Senhor Presidente, não empresto ao artigo 7º, item 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica) o elastério que se pretende dar ao seu conteúdo, a pretexto do §2º do artigo 5º da CF, sobre os direitos e garantias concedidos pelo ordenamento constitucional, a respeito dos compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte. Elevar à grandeza de ortodoxia essa hermenêutica seria minimizar o próprio conceito da soberania do Estado-povo na elaboração da Lei Maior.68 Apreciando o mesmo hábeas corpus, um dos votos vencedor foi do Ministro Francisco Rezek, no qual de uma forma um tanto exaltada auferiu o seguinte parecer: Mas, num país de tantos surrealismos, inventa-se um dia a tese de que determinados devedores são ‘depositários infiéis’, para que o credor possa prendê-los, para que o meio de forçar a solução de uma dívida civil seja o mecanismo criminal do encarceramento. Inventa-se dizer que os devedores, em caso como o da alienação fiduciária em garantia e do penhor rural (hipóteses bíblicas de dívida) são ‘depositários infiéis’.69 Salienta-se que o art. 5º, inciso LXVII da CRFB 1988 “[...] permite que o legislador ordinário discipline a prisão do alimentante omisso e do depositário infiel. Permite, não obriga. O constituinte não diz: prenda-se o depositário infiel. Ele diz é possível legislar nesse sentido.”70 E de fato Rezek tem razão, visto que a CRFB 1988 disciplina normas de natureza geral e que, normalmente, precisaria de uma norma infraconstitucional disciplinando sobre a matéria. 67 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Acórdão n. 74.383-MG da Segunda Turma do STF. 68 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Acórdão n. 74.383-MG da Segunda Turma do STF. 69 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Acórdão n. 74.383-MG da Segunda Turma do STF. 70 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Acórdão n. 74.383-MG da Segunda Turma do STF. 49 No que pese ao tratado de direitos humanos, ao todo a grande polêmica encontra-se no entendimento do Ministro Gilmar Mendes, como por exemplo, no Acórdão do Recurso Extraordinário 466.343/SP. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes aduz aos tratados internacionais de direitos humanos, não ratificados pela regra do art. 5º, §3º da CRFB 1988, a eficácia supralegal, ou seja, estariam tais normativos abaixo da CRFB 1988, mas acima das demais legislações infraconstitucionais, visto a matéria que o mesmo trata, estaria, portanto, tendo caráter constitucional em razão da matéria e não através de sua formalidade, no sentido de aprovação no cenário brasileiro. O Ministro Gilmar Mendes atribui o entendimento em seu voto, dando referência aos diversos países que já atribuem um status diferenciado para os tratados internacionais de direitos humanos, tais como, França, Grécia e Alemanha. Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a características de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto no sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.71 Ventila ainda o Ministro Gilmar Mendes que esta idéia não é dele, visto que já foi discutida no RHC 79.785-RJ, pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Conclui o Ministro Gilmar Mendes, ao afirmar que a prisão civil do depositário infiel contida na CRFB não foi revogada, perde-se apenas a sua aplicabilidade “[...] diante do efeito paralizante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria”72, mas para o Ministro Gilmar Mendes as legislações infraconstitucionais, pelo mesmo caminho, apenas estariam com a sua eficácia paralisada e não estariam, portanto, revogadas. 71 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. RE 466.343/SP. 72 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. RE 466.343/SP. 50 Portanto, desde a adesão do Tratado de San José de Costa Rica pelo Brasil, em 1992, para o Min. Gilmar Mendes, parece não existir base legal para a aplicação da prisão civil por depositário infiel no Brasil. Assim, pode-se afirmar hoje que os tratados internacionais de direitos humanos têm caráter constitucional em razão da matéria, mesmo não sendo ratificados pela maioria qualificada, conforme §3º do art. 5º da CRFB 1988, os mesmos tratam de assuntos inerentes ao artigo 5º da CRFB 1988, tendo assim caráter e importância constitucional, em vista do entendimento de supralegalidade dos tratados que disciplinam sobre este assunto. CAPÍTULO 3 A NOVA HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL 3.1 A TEORIA DO MONISMO E DUALISMO A comunidade internacional é composta por várias entidades, como os Estados e as Organizações Internacionais e cada uma dessas entidades tem legislação própria. Atualmente, pode-se dizer que o mundo está globalizado e interligado, mas para isso, essas entidades criaram acordos, ou melhor, tratados para versarem sobre temas de seu interesse. Mas como tais tratados internacionais são recepcionados pela legislação interna dessas entidades, principalmente dos Estados? Diante de um conflito entre a lei estatal e internacional, qual deve prevalecer? Para explicar a questão, formaram-se duas teorias, o monismo e o dualismo, das quais tentam explicar a supremacia do direito internacional ou do direito interno, como se verá a seguir. 3.1.1 O monismo A teoria monista teve como principal idealizador o doutrinador Hans Kelsen, que defende a idéia na qual a ordem jurídica internacional e interna fazem parte de um único sistema. Para Kelsen a ordem jurídica internacional tem prevalência sobre a interna, mas outros doutrinadores, como Wenzel, os irmãos Zorn, Decencière-Ferrandiere, entre outros; entendem que na verdade é o direito interno que se sobrepõem ao internacional. 3.1.1.1 O monismo com primazia do direito interno Há um entendimento de que a ordem jurídica internacional e estatal é uma, porém, há prevalência do direito interno sobre o internacional, visto 52 que a vontade do Estado antecede a ordem jurídica internacional, tendo assim um respeito a sua soberania. Segundo Celso D. de Albuquerque Mello: [...] tem suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania, não estando, em consequência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. [...] O DI é reduzido a um simples ‘direito estatal externo’. Não existem duas ordens jurídicas autônomas que mantenham relações entre si. O DI é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional.73 Já Mirtô Fraga sintetiza o tema da seguinte forma: Os autores que defendem o monismo com primazia do direito interno tem como argumentos principais: a) a ausência de uma autoridade supra-estatal, pelo que a cada Estado compete determinar, livremente, suas obrigações internacionais, sendo, em princípio, juiz único da forma de executálas; b) o fundamento puramente constitucional dos órgãos competentes para concluir tratados em nome do Estado, obrigando-o no plano internacional.74 Essa teoria recebeu fortes críticas, primeiramente, porque nega a existência de direito internacional, reduzindo-o “a um simples direito estatal”, segundo Mello. Entende-se que esta teoria é na verdade um “falso monismo”75, ou “pseudomonista”76, visto que reconhece que não existe apenas um sistema jurídico. Se prevalecesse esta teoria no cenário internacional, os tratados internacionais não teriam mais validades a cada mudança das normas constitucionais de um Estado. Isso não ocorre visto a existência do princípio da continuidade e permanência do Estado que o obriga na observância dos tratados internacionais ratificados no regime jurídico anterior. 73 MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.123. 74 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 07. 75 Segundo Mirtô Fraga. 76 Segundo Truyol y Serra in.: Celso de Albuquerque Mello. 53 3.1.1.2 O monismo com primazia do direito internacional Com o entendimento de um único sistema jurídico, o monismo com primazia do direito internacional defende a superioridade das normas internacionais sobre as normas estatais, ou seja, o direito interno é subordinado ao direito internacional. Segundo Celso Mello77: A concepção ora estudada parte da não existência de diferenças fundamentais entre as duas ordens jurídicas. A própria noção de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional. [...] O importante é a predominância do DI; que ocorre na prática internacional, como se pode demonstrar com duas hipóteses: a) uma lei contrária ao DI dá ao Estado prejudicado o direito de iniciar um ‘processo’ de responsabilidade internacional; b) uma norma internacional contrária à lei interna não dá ao Estado direito análogo ao da hipótese anterior. Resultaram algumas críticas essa teoria, nas quais destaca Mirtô Fraga78: a) a teoria não corresponde à História, que ensina ser o Estado anterior ao Direito Internacional; b) a teoria não se coaduna com a soberania estatal; c) uma norma de direito interno só pode ser revogada por um procedimento de direito interno, pelo que há independência entre as duas ordens. Não faltam argumentos para descaracterizar tais críticas, inicialmente, tem-se que a teoria é lógica e não histórica e negar a superioridade do direito internacional é negar sua existência, visto que a teoria defendida é de hierarquia e não cronológica. Com relação à segunda crítica supra exposta, Mirtô Fraga79 expressa a seguinte idéia: [...] o conceito de soberania não é estático, mas dinâmico, modificando-se para atender às necessidades da sociedade 77 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p.124. 78 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. p. 08. 79 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. p. 09. 54 internacional. [...] Estado soberano é o que se encontra, direta e imediatamente, subordinado à ordem jurídica internacional. A soberania continua a ser um poder (ou qualidade do poder) absoluto; mas, absoluto não quer dizer que lhe é próprio. A soberania é, assim, um poder (ou grau de poder) absoluto, mas não é nem poderia ser ilimitado. Ela encontra seus limites dos direitos individuais, na existência de outros Estados soberanos, na ordem internacional. Quanto a terceira crítica entende-se que o contencioso internacional é de reparação e não de anulação. Diversamente do que preconiza a presente teoria, encontra-se o dualismo, no qual será explanada a seguir. 3.1.2 O dualismo Como dito anteriormente, o dualismo é uma teoria totalmente diferente do monismo, enquanto esta preconiza um único sistema jurídico, seja ele com primazia do direito interno ou internacional; aquele aduz que há dois sistemas distintos, ou seja, são independentes, não possuindo qualquer área em comum, embora caminhem de “mãos dadas”. O primeiro a preconizar tal teoria foi Heinrich Triepel, na obra “Volkerrecht und Landesrecht”. Para o autor o dualismo (que na verdade a nomenclatura da teoria foi dada por Verdross e aceita por Triepel), o Estado é sujeito de direito internacional, enquanto que indivíduo é sujeito de direito interno, bem como, na comunidade internacional não há um órgão superior ao Estado, como é o Estado no direito interno e também o direito internacional representa o voluntarismo dos Estados, já no direito interno o Estado impõe sua vontade. Desta forma que os seguidores desta doutrina justificam a teoria do dualismo, reafirmando a caráter dúplice de sistemas distintos. Esta concepção conduz à denominada ‘teoria da incorporação’, isto é. Para que uma norma internacional seja aplicada no âmbito interno do Estado, é preciso que este faça primeiro a sua ‘transformação’ em direito interno, incorporando-a ao seu sistema jurídico. É isto uma consequência da completa independência entre as duas ordens jurídicas, o que significa dizer também que não existe uma possibilidade de conflitos entre elas. [...] O DI não atinge diretamente a ordem jurídica interna, tanto assim que a revogação de uma norma 55 interna contrária ao DI só pode ser feita por um procedimento do direito interno.80 Não indiferente das outras teorias, o dualismo também recebeu diversas críticas, visto que o indivíduo, segundo Celso D. de Albuquerque Mello81, embora haja controvérsias, também é sujeito de direito internacional, uma vez que possui direito e deveres outorgados pelo ordenamento jurídico internacional; também especula-se que o voluntarismo, defendido pela teoria dualista, esteja abaixo do costume internacional; Kelsen também alude que o ato de coordenar uma negociação para um tratado internacional, por exemplo, é se auto subordinar a uma terceira ordem; além disso o direito internacional consuetudinário é aplicado nos tribunais internos sem a necessidade de sua incorporação pelo legislativo nacional. Contudo, após a apresentação desses dois pólos (monismo x dualismo), ocorreu certa disseminação de diversas outras teorias e que na prática não ocorre radicalismo nos países quanto a essas teorias, conforme será explanado a seguir. 3.1.3 As teorias conciliadoras do monismo e dualismo Muitas teorias conciliadoras surgiram para tentar equilibrar a teoria monista e dualista, porém, querendo ou não, cada uma delas tendem a ser mais monistas ou, senão, mais dualistas. A teoria que merece destaque é a formada pelos doutrinadores espanhóis, sendo o principal deles, Antonio de Luna, tais doutrinadores asseveram que há duas ordens jurídicas, independentes entre elas, mas que ao mesmo tempo são coordenadas por um direito natural, ou seja, pelos costumes. “Admite ainda a responsabilidade internacional do Estado por norma interna violadora do DI, ainda que tal norma interna seja obrigatória para os órgãos e súditos do Estado.”82 80 81 82 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p.122. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p.122-123. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p. 125. 56 Na verdade o que ocorre na prática perante os Estados, é um equilíbrio entre a teoria monista e dualista, mas é claro que não da forma apresentada pelos espanhóis. “Até hoje, a maioria dos Estados, se classificarmos a posição dos Estados por teorias, opta pelo dualismo; entretanto, não se vê radicalismo, pelo menos na prática.”83 Esse não radicalismo refere-se aos tratados com relação a matéria por eles abordadas, por exemplo, um tratado de direitos humanos pode ter um enfoque monista, mas algum outro tratado de direito internacional neste mesmo país pode se ter um entendimento dualista. No Brasil, não seria diferente, alguns tratados internacionais recebem tratamento diferenciado com relação a outros, conforme abaixo examinado. 3.1.4 A prevalência da teoria dualista moderada no Brasil Atualmente, a prevalência da teoria dualista na Constituição Federal de 1988 é pacífica, visto o procedimento que é adotado para integralizar os tratados internacionais no ordenamento jurídico pátrio. Contudo, resta salientar que o Brasil não adota um dualismo radical, observa-se, por exemplo, a supremacia da questão tributária sobre o direito interno, como também, a aplicabilidade imediata dos tratados internacionais de direitos humanos pelos magistrados sem ao menos haver ainda ratificação de um tratado já assinado pelo poder executivo. Segundo Celso D de Albuquerque Mello: No Brasil existem diversos acórdãos consagrando o primado do DI, como é o caso da União Federal v. Cia. Rádio Internacional do Brasil (1951), em que o Supremo Tribunal Federal decidiu unanimemente que um tratado revogava as leis anteriores [...].84 83 84 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 163. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p.130. 57 Porém, Mesquita complementa o seguinte: A aplicabilidade de uma norma internacional, qualquer que seja a matéria, depende, segundo o texto constitucional pátrio, de ato do Congresso Nacional (artigo 49, I) e também da promulgação do Presidente da República (artigo84, VIII). Desta forma, adota o Brasil a corrente dualista moderada, pois, se por um lado não é necessária a elaboração de uma lei interna, por outro um simples ato do executivo não é suficiente para integrar a norma ao ordenamento jurídico interno.85 Nesta senda, conclui-se que na essência o Brasil é de fato um país dualista, no qual admite dois sistemas jurídicos distintos, onde o exterior, ou melhor, o internacional somente influência o direito interno mediante aprovação de sua casa legislativa e a promulgação pelo poder executivo, mas, ao mesmo tempo, também permite que em determinadas matérias o direito internacional tenha premissa sobre o direito interno, tendo de certa forma uma faísca de pensamento monista. 3.2 DA NATUREZA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS A natureza dos tratados internacionais talvez nunca fosse tão discutida como vem sendo atualmente, principalmente, após a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45 de 2004 que inseriu o parágrafo 3º no artigo 5º da CRFB 1988. Afinal, qual a natureza hierárquica dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro? Serão eles supraconstitucionais, prevalecendo assim a teoria monista no país? Terão natureza constitucional, igualando-se a Constituição Federal? Ou será de natureza legal, adentrando somente como lei ordinária no ordenamento jurídico pátrio? Senão, serão eles supralegais, consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre os tratados de direitos humanos? São questões que este tópico busca dirimir consoantes os vários posicionamentos abaixo evidenciados. 85 MESQUITA, Daniel Augusto. Incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico brasileiro: interpretação da Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal e conseqüências da emenda constitucional 45/2004 na proteção dos direitos fundamentais. 2005. 17f. Artigo – Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, 2005. 58 3.2.1 Da natureza constitucional Entende-se constitucional aquele possui como uma tratado hierarquia internacional igualitária com de as natureza normais constitucionais de um país, advindo de um poder constituinte derivado, no qual através de uma emenda constitucional modifica ou acrescenta a Constituição Federal. Com base nisto muitos doutrinadores, como Antonio Augusto Cançado Trindade, Flávia Piovesan, Celso Lafer e Valério de Oliveira Mazzuoli tem entendido, com base no parágrafo §3º do artigo 5º da CRFB 1988, que os tratados internacionais de direitos humanos tem natureza constitucional, tese esta defendida até mesmo pelo Ministro Celso de Mello do STF, conforme HC 87.585-TO: [...] os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº. 45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco da constitucionalidade.86 No que pese o bloco da constitucionalidade, evidenciado não somente pelo Min. Celso de Mello, mas também, pelos demais doutrinadores acima elencados, diz respeito aos tratados ratificados pelo Brasil sem o quorum qualificado do §3º no artigo 5º da CRFB 1988, mas que versam sobre os direitos humanos. A lógica é que tais tratados internacionais, principalmente os ratificados antes da Emenda Constitucional nº. 45/2004, integram a CRFB 1988, não de maneira física, ou seja, expressa, mas, de forma teórica no qual colocam tais tratados no mesmo patamar da CRFB 1988, porém, não com o mesmo efeito, como será visto a posteriori. Antônio Augusto Cançado Trindade alude enfaticamente a importância de tal dispositivo: A novidade do artigo 5º, inciso 2º da Constituição de 1988 consiste no acréscimo ao elenco dos direitos constitucionalmente 86 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou supraconstitucional?, São Paulo, v. XII, n.15, p. 07-20, 11 ago. 2009. 59 consagrados, dos direitos e garantias expressos em tratados internacionais sobre proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte. Observe-se que os direitos se fazem acompanhar necessariamente das garantias. É alentador que as conquistas do direito internacional em favor de proteção do ser humano venham a projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista quanto constitucionalista.87 Não diferente é o entendimento da autora Flávia Piovesan, como dito anteriormente: A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte, conferindo-lhes natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catalogo de direitos constitucionalmente previsto, o que justifica estender a esses direitos e garantias fundamentais. Tal interpretação é consoante com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, pelo qual, no dizer de Jorge Miranda, a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê.88 Evidencia-se com esse entendimento, que a sociedade está caminhando para um pensamento monista, no que diz respeito aos direitos humanos, visto a relevância cada vez maior com que é tratado tal tema na humanidade. 3.2.2 Da natureza supraconstitucional A natureza supraconstitucional dos tratados internacionais teve como principal expoente, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, o professor Celso Albuquerque de Mello. Segundo esta teoria os tratados internacionais estariam acima da Constituição Federal, até mesmo quando confrontantes com esta norma. Para justificar esta teoria, seus defensores utilizam-se do art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, a saber, “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”, no mais também salientam que o costume 87 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 631. 88 PIOVESAN, Flávia. A Constituição Brasileira de 1988 e os tratados internacionais de Proteção dos direitos humanos. In.: Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad; 2003, p. 58. 60 internacional sempre prevaleceu nas relações internacionais e, portanto, não seria diferente com os tratados internacionais. Isso significa que nem mesmo a emenda constitucional suprimiria a normativa internacional subscrita pelo Estado quando a matéria correspondesse aos direitos humanos. [...] Ou seja, a partir do momento que o Estado se submete às normas internacionais e venha a descumpri-las estaria praticando um ato ilícito e, portanto, sujeito a uma reparação internacional.89 Porém, vale ressaltar que o Brasil embora signatário da Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados de 1969 ainda não o ratificou dentro do ordenamento jurídico pátrio, ou seja, ainda não internacionalizou o tratado para sua aplicação interna, ficando impossível, portanto, pensar em tal teoria para o cenário brasileiro. Para o mesmo autor supracitado, Sidney Guerra: Embora a teoria apresentada por Celso Mello seja extremamente interessante, fica difícil para acompanhar o posicionamento do saudoso mestre em razão de algumas situações que se manifestam na ordem constitucional brasileira. A começar pela observância dos princípios da supremacia formal e material da Constituição brasileira sobre todo o ordenamento jurídico. Assim sendo, caso houvesse a aplicação preponderante da tese defendida por Celso Mello ter-se-ia uma limitação inclusive de verificar o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais.90 No mais não se pode esquecer os acordos ou tratados internacionais sobre direito tributário, que em regra, tem supremacia sobre o direito interno, porém, não chega a ter um valor supraconstitucional, como veremos a seguir e em se falando de direitos humanos, ao menos por enquanto, não poderia dar-lhes status supraconstitucional no ordenamento jurídico pátrio. 89 GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, (17) 2008, Brasília. Anais. Brasília:Boautex, 2008. p. 3827-3828. 90 GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. p. 3828. 61 3.2.3 Da natureza legal A natureza legal dos tratados internacionais diz respeito a equiparação dos mesmos, com as normas infraconstitucionais, mais especificamente com as leis ordinárias. Hoje em dia essa natureza dar-se-á a todos os tratados internacionais, exceto os que versam sobre direitos humanos e tributários. Segundo Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli: [...] (tratados com valor legal) acham-se os tratados que não cuidam dos direitos humanos (mercantis, econômicos, de cooperação, de demarcação territorial etc.). Exceção: a exceção, nesse grupo, reside nos tratados de direito tributário, porque, nesse caso, possuem valor supralegal (por força do CTN, art. 98). [...], o certo é que para o Supremo Tribunal Federal tais tratados (que não versam temas relacionados aos direitos humanos) não ultrapassam o nível da legislação ordinária no Brasil.91 Já para Sidney Guerra: Essa teoria foi adotada no Brasil especialmente a partir da manifestação do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Especial n. 80.004/SE, que teve como relator o Ministro Xavier de Albuquerque. [...]. No julgamento entendeu-se que poderia haver colisões entre as normas de direito internacional com as normas de direito interno, devendo ser aplicada a máxima lex posteriori derogat priori, na medida em que inexistia um critério expresso na Constituição, prevalecendo, assim, a última vontade do legislador.92 Nesta senda observa-se que o Supremo Tribunal Federal tenta proteger a soberania do Estado e dá preferência ao direito interno em face dos tratados internacionais, visto o entendimento supra. Inclusive, tem-se que um tratado internacional uma vez ratificado no ordenamento jurídico pátrio poderá perder sua eficácia, diante de uma lei posterior que regulamente de forma contrária a mesma matéria. Ressalta-se que 91 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou supraconstitucional?. p. 08. 92 GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. p. 3832. 62 tais regras sejam bem controvertidas com relação aos direitos humanos, conforme será visto nos títulos e subtítulos a seguir. 3.2.4 Da natureza supralegal Como se viu anteriormente, os tratados internacionais que versam sobre direito tributário e, recentemente, os de direitos humanos não aprovados pelo quorum qualificado para Emenda Constitucional, gozam desta natureza supralegal. Essas normas são infraconstitucionais, mas tamanha a importância sobre o assunto que elas versam, não poderiam estar na mesma escala que as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro, por isso se fala que tais normas estão abaixo da Constituição Federal, mas acima da legislação infraconstitucional interna. Segundo Luiz Flavio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli: Além dos tratados de direito tributário, que possuem valor supralegal por força do art. 98 do CTN, ingressariam nessa categoria, por força da decisão do STF de 03.12.08 (RE 466.343-SP e HC 87.585-TO), os tratados de direitos humanos vigentes no Brasil, mas não aprovados pelo quorum qualificado previsto no art. 5º, § 3º, da CF (quorum de três quintos em dupla votação nas duas casas legislativas). Depois dessa referida (e histórica) decisão do STF, a síntese que poderia ser feita seria a seguinte: a) tratados de direitos humanos não aprovados pelo quorum qualificado: valor supralegal; b) tratados de direitos humanos aprovados com o quorum qualificado pelo Congresso Nacional: valor de Emenda Constitucional (valor constitucional); c) tratados que não versam sobre direitos humanos: valor legal (tese da equiparação ou paridade); d) exceção a essa regra constitui eventual tratado sobre direito tributário (visto que ele goza de valor supralegal – CTN, art. 98).93 No texto extraído de Sidney Guerra, tem-se que esse entendimento de supralegalidade dos tratados de direitos humanos no Brasil é 93 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou supraconstitucional? p. 10. 63 pouco mais antigo, advindo pela primeira vez no RHC n. 79785-RJ, no voto do Ministro Sepúlveda Pertence: O entendimento foi concebido no Brasil, também no STF, em sessão realizada no dia 29 de março de 2000, com o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que teorizou sobre a possibilidade dos tratados de direitos humanos, ao serem incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, terem uma natureza supralegal. Ou seja, como os tratados internacionais não podem afrontar a supremacia da Constituição, os que versam sobre direitos humanos deveriam ocupar um local especial no ordenamento jurídico brasileiro, significando dizer que estariam abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias. [...] A tese levantada pelo Ministro Pertence, em verdade se aplica em outros paises, como por exemplo, na Alemanha e na França onde os tratados de direitos humanos gozam de uma situação diferenciada. Na Alemanha, as regras gerais de direito internacional público fazem parte do direito federal e, portanto, se sobrepõem ao direito interno. Na França os direitos humanos têm primazia em relação ao direito interno. Aqui no Brasil, a Constituição da República não estabeleceu esta prevalência. 94 A CRFB 1988 pode não ter estabelecido qualquer entendimento sobre o tema, mas independentemente se a idéia estabeleceu-se em 2000 pelo Min. Pertence ou em 2008 pelo Min. Gilmar Mendes; este entendimento já está pacificado no ordenamento jurídico brasileiro, não havendo dúvidas quanto a supremacia dos tratados de direitos humanos em relação a legislação infraconstitucional interna, visto sua importância em relação a matéria. Entendimento este consolidado pela súmula vinculante nº. 25 do Supremo Tribunal Federal quando este consolidou a ilicitude da prisão civil do depositário infiel atribuindo assim a supralegalidade do Tratado de San José da Costa Rica sobre as demais normas infraconstitucionais, visto que aquele versa sobre assuntos vinculados a direitos humanos. Visto isso, faça-se mister entender os efeitos dessas decisões do STF dentro do ordenamento jurídico brasileiro. 94 GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. p. 3832/3834. 64 3.3 DOS EFEITOS DA DECISÃO DO STF SOBRE A SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS 3.3.1 Dos efeitos constitucionais formais e materiais Tal entendimento do STF, supra exposto, obteve alguns efeitos materiais e formais na Constituição Federal. A saber, um direito formalmente constitucional é aquele que foi aprovado por quorum qualificado e adentrou na Constituição Federal na forma de emenda, ou seja, está expressamente previsto no texto constitucional. Segundo Sidney Guerra: Considera-se direito formalmente fundamental aquele que se encontra positivado na Constituição e, por conseqüência: a) consiste em norma que toma assento na constituição escrita e ocupa o topo de toda a ordem jurídica; b) é norma constitucional sujeita as limitações formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) de reforma a constitucional (emenda e revisão); c) é norma de aplicação imediata e vincula a entidades públicas (constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, ações e controle, dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais) e privadas.95 O efeito material, no qual é interessante frisar para o presente trabalho, nada mais é que a norma infraconstitucional, não aprovada pelo quórum qualificado e que diante da matéria da qual preconiza tem sua relevância comparada com norma constitucional. Considerando o entendimento extraído do mesmo texto já citado de Sidney Guerra: [...] considera-se direito materialmente fundamental aquele que é parte integrante da Constituição material, contendo decisões essenciais sobre a estrutura basilar do Estado e da sociedade e que, podem ou não, encontrarem-se disposto no texto constitucional sob a designação de direito fundamental. Assim sendo, a idéia de fundamentalidade material permite: a) a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes do seu texto (apenas materialmente fundamentais) ou fora do catalogo, isto é, dispersos, mas com assento na Constituição formal; b) a aplicabilidade de 95 GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. p. 3835. 65 aspectos do regime jurídico próprio dos direitos fundamentais em sentido formal a estes direitos apenas materialmente fundamentais.96 Os tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, se não aprovados pelo quórum qualificado previsto no art. 5º, §3º da CRFB 1988, serão considerados materialmente constitucionais, muito embora, não venham dispor expressamente seu texto na CRFB 1988, terão esses tratados internacionais relevância ainda maior perante as demais legislações infraconstitucionais, no qual serão explanados posteriormente os efeitos perante essas normas. Efetivamente na CRFB 1988, qual o seu efeito? Em regra não deveria ter algum efeito, visto que muito embora seja materialmente constitucional, encontra-se subordinado as normais constitucionais, como verifica-se na recente decisão do STF, o artigo 5º, parte final do inciso LXVII da CRFB 1988 teve sua eficácia paralisada, visto que hoje já é entendimento pacificado no STF que não cabe mais prisão civil por depositário infiel, diante da aprovação e ratificação do tratado de San José da Costa Rica no Brasil. Por isso conclui-se que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, quando benéficos podem trazer conseqüências as normas constitucionais. Acredita-se que somente percam eficácia caso tenha outro tratado internacional de direitos humanos ratificado a posteriori versando diversamente sobre a mesma matéria, uma legislação ordinária não teria essa eficácia visto a responsabilidade do Estado brasileiro perante as autoridades internacionais, diante da ratificação de um tratado internacional de direitos humanos, como já foi visto anteriormente. Diante dessas considerações e a importância desses tratados internacionais, faz-se mister estudar sua influência perante as normas infraconstitucionais. 96 GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. p. 3836. 66 3.3.2 Dos efeitos infraconstitucionais: com destaque a prisão civil do depositário infiel Não obstante em relação à explanação supra, encontram-se as normas infraconstitucionais. Com a alegada supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Brasil, a norma infraconstitucional que, a saber, agora estão abaixo dos referidos tratados internacionais, está também diretamente vinculada com a compatibilidade em face desses tratados, sendo que, se caso haja divergência haverá, portanto, a paralisação da eficácia legislativa do normativo legal brasileiro conflitante. Foi o que ocorreu com os artigos 652 do Código Civil e o Decreto-lei 911/69. Em que pese é o mesmo entendimento de Gustavo Bregalda Neves, consoante citação literal do Ministro do STF Cezar Peluso: Diante do inequívoco caráter dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internacionalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de sua ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pela ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria [...]. Desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos do ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287 do 67 Código Civil de 1.916 e com o Decreto-lei no 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei no 10.406/02).97 Diante da parte final do supracitado entendimento, verifica-se outro efeito de suma importância para o estudo, qual seja a criação ordinária a posteriori poderia revogar o referido tratado internacional de direitos humanos não aprovados com o quorum qualificado? Como visto não é possível, mas não é somente Neves e o Ministro Cezar Peluso que coadunam com essa idéia, conforme pode ser verificado na obra de Luiz Flavio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli: Partindo-se da idéia de que os tratados de direitos humanos estão acima da lei, passa a ser certo que a produção do Direito, para além dos limites formais, conta também com novos limites materiais, dados pelos direitos humanos fundamentais contemplados na Constituição e nos Tratados de Direitos Humanos. Rompendo com as concepções clássicas do positivismo legalista, impõe-se (de outro lado) concluir que nem toda lei vigente é válida. E quando ela é válida? Somente quando conta com dupla compatibilidade vertical, ou seja, compatibilidade com o Direitos Internacional dos Direitos humanos assim como com a Constituição. Não basta haver consonância com apenas um deles (esse é o caso da prisão civil do depositário infiel: ela está na lei ordinária bem como na Constituição). Isso não é suficiente. A produção do texto ordinário deve agora observar dois outros ordenamentos jurídicos (dois outros filtros) superiores. Quando incompatível com qualquer um deles, não possui validade. Pergunta-se: por que o legislador deve se preocupar com a citada dupla compatibilidade vertical? Reitere-se: porque se a regra do Direito ordinário vier a conflitar com qualquer norma superior não terá nenhuma eficácia (ou aplicabilidade). Ou seja: é inválida.98 Um tratado internacional versando sobre direitos humanos no Brasil não seria passível de revogação através da legislação infraconstitucional ordinária. Porém, permanece uma pergunta a examinar; a prisão do depositário infiel, com sua eficácia paralisada pelo Pacto de San José da Costa Rica, poderá um dia ter novamente eficácia e aplicabilidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro? 97 NEVES, Gustavo Bregalda. Direito internacional público e direito internacional privado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 37-38. 98 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou supraconstitucional? p. 19-20. 68 Diante do exposto é possível que sim, mas não por legislação ordinária interna e tão somente, através de um novo tratado internacional de direitos humanos versando sobre a mesma matéria de forma diversa, assim este tratado também entraria no ordenamento jurídico brasileiro como norma supralegal e como, a norma posterior revoga a anterior, a legislação até então sem efeito voltaria a ter sua aplicabilidade e eficácia dentro do cenário jurídico brasileiro. Resta salientar, que até então se falou em tratados internacionais não aprovados pelo quorum qualificados, pois, se assim fosse, estes seriam emendas constitucionais e consequentemente clausulas pétreas, impassíveis, portanto, de mudanças futuras, como já foi salientado anteriormente. No entanto, é bem improvável que aconteça no cenário internacional algum tratado internacional de direitos humanos que diminua os direitos até então conquistados, portanto, tais normas ordinárias brasileiras estarão paralisadas sine die. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto conclui-se inicialmente que os direitos humanos, tanto no cenário brasileiro quanto no cenário internacional, tiveram significativas e importantes conquistas, mas que em um passado não muito distante chegaram a ser fortemente suprimidos. Observa-se com o estudo que as mudanças, no Brasil e no mundo, ocorreram paralelamente, o que auxiliou a consolidação na defesa de tais direitos. Certamente, a maior contribuição para a conceituação dos direitos humanos adveio da Revolução Francesa, através do conhecido jargão “liberdade, igualdade e fraternidade”, mas acrescentam-se a esta expressão a dignidade e a solidariedade, todos, elementos subjetivos, mas que estão intimamente ligados a moralidade do ser. Embora materialmente tratem do mesmo assunto, os direitos fundamentais resguardam certa diferenciação formal com o direitos humanos, estes estão ligados a um aspecto mais jusnaturalista, ou melhor, a um ideal da sociedade internacional onde haja apenas um compromisso de defesa de tais direitos, já os direitos fundamentais são aqueles mesmos ideais defendidos, mas inseridos constitucionalmente no ordenamento jurídico de um Estado, ou seja, positivados. No ordenamento jurídico brasileiro por sua vez, os direitos fundamentais são defendidos veementemente pela CRFB 1988, a partir do título II desta constituição tem-se um rol de direitos e garantias fundamentais consideradas inclusive clausulas pétreas e que buscam defender a pessoa, independentemente se brasileiro ou estrangeiro, em seus direitos individuais e coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. A partir da Emenda Constitucional nº. 45 de 2004 abriu oportunidade para que as convenções e tratados internacionais de direitos humanos sejam trazidas a baila constitucional, abriu-se também uma discussão com relação aos tratados e convenções internacionais já aprovados pelo Brasil e que não 70 passaram pelo crivo da aprovação qualificada elencado no §3º do art. 5º da CRFB 1988. Sobretudo e a mais recente discussão exaurida no judiciário brasileiro é com relação ao depositário infiel e, consequentemente, o Tratado de San José da Costa Rica, a partir daí, abriu-se a discussão com relação a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. A maior influência desta discussão certamente veio do órgão máximo do judiciário brasileiro, guardião da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF). Após a Emenda Constitucional nº. 45 de 2004 o STF obteve a capacidade de ficar mais diretamente influente na relação sócio-jurídica brasileira, visto que instituiu a súmula vinculante do STF que obriga os demais órgãos do poder judiciário a seguir o mesmo entendimento da suprema corte, diferentemente das demais súmulas que são vistas como meros entendimentos majoritários do tribunal. A competência do STF, elencada nos arts. 102 e seguintes da CRFB 1988, de fato não aumentou, mas com certeza, após a Emenda Constitucional nº. 45 de 2004 abriu-se uma oportunidade para este órgão ficar ainda mais influente na vida dos brasileiros. Visto isto, observa-se através da súmula vinculante nº. 25 do STF, que a questão da prisão civil do depositário infiel é matéria pacificada no ordenamento jurídico pátrio, no qual não cabe mais a referida prisão no Brasil, ocorre que para chegar a esta súmula, o STF protagonizou uma discussão sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos e que de fato chamou a atenção da classe acadêmica. Segundo o STF, mas precisamente pelo Ministro Gilmar Mendes, os tratados internacionais de direitos humanos são normas supralegais, ou seja, são subordinadas a CRFB 1988, mas estão acima das demais legislações infraconstitucionais; a justificativa seria que esses tratados versam sobre matéria constitucional e diante da importância da referida matéria (direitos humanos), até mesmo para o campo internacional, estes tratados devem estar em um posto de 71 destaque dentro do ordenamento jurídico brasileiro, paralisando assim a eficácia das legislações infraconstitucionais contrárias ao tratado internacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil. Conclui-se também que o Brasil adota hoje a teoria dualista moderada, no qual adota dois sistemas jurídicos distintos e que integralização de um tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro, somente ocorre após a aprovação do poder legislativo e a promulgação do poder executivo. Ao mesmo tempo, o país submete-se a algumas questões internacionais, como por exemplo, o que ocorre na legislação tributária, no qual o país admite a supremacia da legislação internacional. Com isso pode-se observar que os tratados internacionais podem possuir diversas naturezas dentro do campo jurídico de um país: A natureza constitucional, ao exemplo do que ocorre com os tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo quorum qualificado do §3º, art. 5º da CRFB 1988, onde é formalmente incorporados a constituição federal. A natureza supraconstitucional, que no Brasil não ocorre, mas que os expoentes desta idéia defende que se o Brasil ratificar por inteiro a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados de 1969, poderá ocorrer tal instituto no ordenamento jurídico pátrio, pois, no art. 27 não admite-se a parte invocar o direito interno para justificar o descumprimento de um tratado. A natureza legal é o que já ocorre no Brasil na maioria dos tratados internacionais, nos quais se igualam as legislações infraconstitucionais, mais especificamente com as legislações ordinárias. E a natureza supralegal, como dito é tratamento dado aos tratados internacionais que versam sobre direito tributário e, recentemente, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, aos de direitos humanos. Diante de tal entendimento do STF, sobre os tratados internacionais de direitos humanos, ocasionaram alguns efeitos formais e materiais constitucionais e infraconstitucionais. 72 O efeito formal, por exemplo, torna-se efetivo, tão somente, os tratados internacionais de direitos humanos atingem o quorum qualificado do §3º, do art. 5º da CRFB 1988, pois, modificam ou acrescentam artigos na constituição federal, adentrando no ordenamento jurídico como emendas constitucionais. Os tratados que não atingem o quorum qualificado, são considerados materialmente constitucionais e de fato não modificam efetivamente, ou seja, formalmente a constituição federal, por sua natureza devem ser considerados especiais perante as demais legislações infraconstitucionais e, sobretudo, se for considerado mais benéfico a pessoa tem efeito paralisante da norma constitucional, ao exemplo do que ocorreu com a prisão civil do depositário infiel. Não obstante permanecem as normas infraconstitucionais com relação aos efeitos supra exposto, pois, as normas infraconstitucionais hoje estão em um nível abaixo dos tratados internacionais de direitos humanos, se caso haja conflito, a norma infraconstitucional brasileira não é revogada, tão somente, tem sua eficácia paralisada. Diante disto, conclui-se também que somente um novo tratado internacional de direitos humanos versando sobre a mesma matéria de forma diversa é capaz de revogar um outro, no qual se encontra vigente no país, tendo em vista a sua importância e supralegalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, tem-se nas hipóteses elencadas na presente pesquisa o seguinte: - Que o STF decidindo sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos estaria invadindo a competência de outros órgãos jurisdicionais brasileiros ou até mesmo do Legislativo. Hipótese prejudicada. Direitos humanos é matéria constitucional e tendo em vista a competência do STF elencada no art. 102 da CRFB 1988 este tem a competência para tratar e defender o tema, visto que é de sua natureza jurídica salvaguardar os princípios, valores e direitos constitucionais, principalmente se esses são mais benéficos às pessoas. 73 - O STF ao decidir alguma matéria, através de súmulas ou súmulas vinculantes e, até mesmo, por simples entendimento jurisprudencial, tem como principal objetivo preencher as lacunas que há na legislação brasileira, nos quais o Legislativo não deu respostas à sociedade brasileira sobre o tema. Hipótese confirmada. O próprio legislativo oportunizou isso ao STF quando da aprovação da Emenda Constitucional nº. 45 de 2004, criando as súmulas vinculantes, pode-se haver um judiciário, mais diretamente atuante no cenário brasileiro, visto que há entendimentos onde a legislação seja omissa ou duvidosa, objetivando assim a diminuição de demandas no judiciário brasileiro. - O Tratado de San José da Costa Rica por tratar de direitos humanos, realmente se prevalece perante as demais legislações infraconstitucionais, faz-se com que tais legislações tenham sua eficácia paralisada diante da ratificação do referido tratado internacional. Hipótese confirmada. Verifica-se que tais legislações infraconstitucionais não encontram-se revogadas, mas, tão somente, com sua eficácia paralisada, diante do tratado internacional de direitos humanos, pode algum dia entrar em vigor novamente, caso o referido tratado seja revogado do ordenamento jurídico brasileiro. - Os tratados internacionais de direitos humanos, não aprovados pela maioria qualificada do art. 5º, §3º da CRFB 1988, podem ser revogados por simples legislação brasileira aprovada a posteriori a sua ratificação. Hipótese prejudicada. Visto que, conforme entendimento de alguns ministros do STF e, como também, de alguns doutrinadores, os tratados internacionais de direitos humanos somente podem ser revogados, caso um novo tratado internacional verse sobre a mesma matéria de forma diversa. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ARAGÃO, Selma Regina. Direitos Humanos na ordem mundial. Rio de Janeiro: Forense, 2000. BASTOS, Celso Ribeiro. 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