UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
BÁRBARA CHAHÉR PIMENTEL
A TEORIA DA IMPREVISÃO E SUA APLICAÇÃO AOS CONTRATOS
COMERCIAIS, EM RAZÃO DAS CONSEQUÊNCIAS ADVINDAS DE
CRISES FINANCEIRAS
BIGUAÇU
2009
BÁRBARA CHAHÉR PIMENTEL
A TEORIA DA IMPREVISÃO E SUA APLICAÇÃO AOS CONTRATOS
COMERCIAIS, EM RAZÃO DAS CONSEQUÊNCIAS ADVINDAS DE
CRISES FINANCEIRAS
Monografia apresentada à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial a obtenção do grau em
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. MSc. Moacir José Serpa
BIGUAÇU
2009
BÁRBARA CHAHÉR PIMENTEL
A TEORIA DA IMPREVISÃO E SUA APLICAÇÃO AOS CONTRATOS
COMERCIAIS, EM RAZÃO DAS CONSEQUÊNCIAS ADVINDAS DE
CRISES FINANCEIRAS
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale de Itajaí, Centro de
Ciências Sócias e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Civil
Biguaçu, 16 de junho de 2009
__________________________________
Prof. MSc. Moacir José Serpa
UNIVALI – Campus de Biguaçu
Orientador
__________________________________
Prof. MSc. Marcio Roberto Harger
Universidade do Vale do Itajaí
Membro
__________________________________
Profª. MSc. Elisabete Wayne Nogueira
Universidade do Vale do Itajaí
Membro
Dedico este trabalho ao meu pai, Luiz Otávio, por ter
oportunizado mais um sonho.
À minha mãe, Ana Lúcia, que nunca me faltou com
seu incentivo, seu amor e compreendeu minha
ausência.
Aos meus irmãos, Leonardo, Helena e Otávio, que
iluminam minha vida.
Aos meus tios, Lauro e Joseane, pelo carinho
sempre manifestado.
Ao meu namorado, Júlio, sentido essencial de todos
os meus sentidos.
“Quando ocorre alguma coisa de maior importância que impeça a execução fiel da
minha promessa, eu não quis mentir, mas apenas não pude cumprir o que prometi.”
Santo Agostinho
AGRADECIMENTOS
A meu pai, por representar o ideal de determinação e sucesso que guiou
meus passos até aqui.
À minha mãe, pelo amor e apoio incondicionais em todos os momentos de
minha vida.
Ao Júlio, pelo amor, carinho, paciência e companheirismo.
À família Fumo Fernandes, pelo apoio e alegria dos momentos de folga.
Ao meu orientador, professor Serpa, pela confiança, por dedicar atenção,
tempo e principalmente paciência, e por sempre proporcionar informações seguras e
pertinentes ao tema.
Ao Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho pela oportunidade,
confiança no meu trabalho e pela experiência que não se adquire com os livros.
Ao Des. Jorge Luiz de Borba e aos amigos do Gabinete, que me transmitem
conhecimentos valiosos e cujo apoio eu pude contar uma vez mais.
A minha amiga Isabela, pelo indispensável auxílio durante toda a pesquisa.
A todos os meus amigos e professores que sempre me incentivaram a
atingir todos os meus objetivos.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABLIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 16 de junho de 2009
Bárbara Chahér Pimentel
RESUMO
A Teoria da Imprevisão e a revisão contratual estão previstas no Código Civil e no
Código de Defesa do Consumidor. Sem limitar o estudo apenas no primeiro diploma
legal, pretendeu-se apontar novas fontes de conhecimento sobre a imprevisibilidade
e suas implicações na esfera contratual. A aplicação da Teoria da Imprevisão aos
contratos comerciais, em razão das conseqüências advindas de crises financeiras, é
tema central na pauta econômica e política mundial. Nenhum credor pode impor o
cumprimento de prestação quando houver enorme sacrifício para o devedor, pois
contrário à boa-fé e à probidade contratual. É com base nesses fatos que se estuda
e interpreta os contratos, seu histórico, conceitos, características, classificações e as
principais espécies. Para introduzir a Teoria da Imprevisão, com seu surgimento,
conceito, aplicabilidade e distinção entre o caso fortuito e força maior. Ao final,
visando unir os conceitos estudados nos capítulos antecedentes, abordam-se as
crises financeiras e o seu impacto na órbita jurídica, especificamente, na aplicação
da Teoria da Imprevisão aos contratos comerciais. Destacam-se as jurisprudências
do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justiça, que se
pronunciam a respeito da Teoria da Imprevisão. Utiliza-se a metodologia dedutiva
empregada ao longo da coleta de informações para munir de argumentos lógicos. As
técnicas de pesquisa empregadas: Técnica do Referente, da Categoria e da
Pesquisa Bibliográfica.
Palavra-chave: Contratos; Teoria da Imprevisão; Crise Financeira; Revisão
Contratual; Aplicabilidade.
ABSTRACT
The Theory of Improvidence and contract review are provided in the Civil Code and
the Code of Consumer Protection. Without limiting the study only in the first law,
intended to point to new sources of knowledge about the unpredictability and its
implications through agreements. Application of the Theory of Imprevisão to
commercial contracts, because the consequences arising from the financial crisis is a
central theme in economic and political agenda worldwide. No creditor can enforce
the compliance of the provision when huge sacrifice for the debtor, because contrary
to good faith and probity contract. It is based on these facts that examines and
interprets the contracts, its history, concepts, characteristics, classifications, and the
main species. To introduce the theory of Imprevisão with their appearance, concept,
applicability and the distinction between force majeure and fortuitous event. Finally,
to unite the concepts studied in previous chapters, deals with the financial crisis and
its impact on legal orbit, specifically in implementing the Theory of Imprevisão for
commercial contracts. It is the Court of Justice in Santa Catarina and the Superior
Court, who speak about the Theory of Imprevisão. It is used deductive methodology
employed during the collection of information to equip the logical arguments. The
research techniques employed: For the Technical, of Class and Bibliographic Search.
Keyword: Contracts; Theory of Improvidence; Financial Crisis; Review Contracta;
Applicability.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
..................................................................................................................
06
1
OS
CONTRATOS
NO
DIREITO
BRASILEIRO
..................................................................................................................
08
1.1 CONCEITO
DE
CONTRATO
..................................................................................................................
08
1.1.1 Princípios Fundamentais do Direito Contratual
..................................................................................................................
11
1.2 CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
..................................................................................................................
14
1.3 ESPÉCIES
DE
CONTRATOS
..................................................................................................................
22
2
A REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS E A TEORIA DA
IMPREVISAO, SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
..................................................................................................................
26
2.1 A
CLÁUSULA
“REBUS
SIC
STANTIBUS”
..................................................................................................................
26
2.2 APLICAÇÃO
DA
TEORIA
DA
IMPREVISÃO
..................................................................................................................
30
2.3 O CASO FORTUITO/FORÇA MAIOR E A IMPREVISÃO
..................................................................................................................
36
5
3
A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS TRIBUNAIS
BRASILEIROS
EM
FACE
DAS
CRISES
FINANCEIRAS
..................................................................................................................
41
3.1 CRISE FINANCEIRA E A TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO
..................................................................................................................
41
3.2 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
DE
SANTA
CATARINA
..................................................................................................................
46
3.3 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO SUPERIOR
TRIBUNAL
DE
JUSTIÇA
..................................................................................................................
52
CONCLUSÃO
..................................................................................................................
59
REFERÊNCIAS
..................................................................................................................
61
6
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem por tema a aplicação da Teoria da
Imprevisão aos contratos comerciais, em razão das conseqüências advindas
de crises financeiras.
É tema central na pauta econômica e política mundial as crises
financeiras.
As crises financeiras devem ser encaradas não apenas do ponto de
vista econômico ou político. É necessário e extremamente importante que tais
fenômenos sejam também objeto de estudos jurídicos.
A propósito, neste trabalho acadêmico de conclusão de curso de
graduação em Direito, a questão central trazida à baila traduz-se na
observância ou não da cláusula rebus sic stantibus naqueles contratos já
celebrados que venham a sofrer impacto causado por crises econômicas.
Enfim, propõe-se analisar as conseqüências de crises financeiras ensejam
posterior revisão das cláusulas pactuadas ante a imprevisão de fatos
supervenientes.
Nesse contexto, fala-se na aplicação da Teoria da Imprevisão, que visa
o restabelecimento do equilíbrio contratual quando o negócio jurídico é afetado
em sua substância por eventos imprevisíveis, que tornem as obrigações
excessivamente onerosas a uma das partes. Deste modo, a aplicação da
Teoria da Imprevisão objetiva restabelecer a comutatividade das prestações
pactuadas, a fim de evitar o não-cumprimento das obrigações avençadas.
Para tanto, no primeiro capítulo desta monografia, que tem por título “A
Teoria da Imprevisão e sua aplicação aos contratos comerciais, em razão das
conseqüências advindas de crises financeiras”, será abordada matéria
referente aos contratos, histórico, conceito, características, classificações e, por
fim, as principais espécies de contratos suscetíveis à aplicação da Teoria da
Imprevisão.
No segundo capítulo, a atenção estará voltada à Teoria da Imprevisão,
sua origem com a cláusula rebus sic stantibus, ainda no Direito Romano. Nesta
7
linha de raciocínio, será abordada a previsão da onerosidade excessiva pelo
Código Civil, bem como a distinção entre caso fortuito e força maior para fins
de aplicação da teoria.
No terceiro e último capítulo, visando unir os conceitos estudados nos
capítulos antecedentes à pretensão desta monografia, abordando-se as crises
econômicas e o impacto na órbita jurídica, especificamente, no que diz respeito
à aplicação da Teoria da Imprevisão aos contratos comerciais. Finaliza-se por
meio de decisões jurisprudenciais acerca do tema proposto, preferencialmente,
do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justiça.
Neste viés, a solução do problema proposto será buscada por meio da
metodologia dedutiva empregada ao longo da coleta de informações para
munir de argumentos lógicos a presente monografia. Somem-se a isso as
técnicas de pesquisa empregadas: Técnica do Referente, da Categoria e da
Pesquisa Bibliográfica.
8
1 OS CONTRATOS NO DIREITO BRASILEIRO
1.1 CONCEITO DE CONTRATO
A palavra contractus significa unir, contrair. Outros termos utilizados no
Direito Romano para situações similares são conventio, de convenção, cum
venire, vir junto; e pacto que deriva de pacis si, estar de acordo1. No entanto,
para os romanos sua finalidade não era apenas constituir uma relação
obrigacional, e sim uma forma de negócio, conhecida como pactio conventio.2
Na Antiguidade Oriental teve-se três grandes codificações. A última
encontrada em 1901, por Jean Marie Morgan, foi o Código de Hamurabi, por
volta de 1694 a.C., que retrata o desenvolvimento de atividades mercantis,
contratos de compra e venda, arrendamento, depósito, mútuo, além dos
contratos de sociedade e de rudimentares letras de câmbio, antecedendo o
Direito das Obrigações.3
No Código Civil francês foram estabelecidas diferenças entre contrato e
convenção. Convenção “seria o acordo de duas ou mais pessoas sobre um
objeto jurídico, enquanto a expressão contrato ficaria reservada àquelas
convenções destinadas exclusivamente a criar obrigações”.4
Com base no estudo sobre o Direito Romano, constata-se que o
contrato, no início, se afirmava como um conceito jurídico, passando a exercer
a função regulatória das operações econômicas a partir da época justinianéia.
Denota-se, assim, o apego ao formalismo ao contratar, e assim descreveu
Barroso:
Este
formalismo
exacerbado
estava
assentado
na
inseparabilidade entre os fatos jurídicos e as celebrações
1
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 334.
2
BESSONE, Darcy aput DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil
e no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 4.
3
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade
e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 33.
4
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade.
30. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 10.
9
religiosas, valendo ressaltar que a vontade, enquanto elemento
preponderante do contrato, somente lograria destaque no
período justinianeu.5
Na Idade Média, o instrumento contratual passa a ocupar lugar de
relevo na economia de mercado no âmbito do Estado Absolutista. E com a
influência da Igreja, o renascimento dos estudos romanos, os costumes
mercantis, as grandes navegações enfatizaram a obrigatoriedade do contrato.
Dentro dos conceitos fundamentais do universo jurídico, a sua primeira e
simples definição é: acordo de vontades.6
A manifestação de vontade, que tem como intenção gerar efeitos
jurídicos, constitui-se num negócio jurídico – atos unilaterais e bilaterais. E
quando a constituição do negócio jurídico derivar da conjunção de duas
vontades formar-se-á um contrato.
Definiu Beviláqua, dentro do ordenamento civil de 1916, o contrato
como “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou
extinguir direitos”.7
Ao demonstrar o surgimento da noção de um contrato para estabelecer
igualdade introduzida pelo direito privado, em que as partes discutem um
objeto, cláusulas, preço, prazos etc, conceitua Diniz:
[...] contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na
conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma
regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo
de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de
natureza patrimonial.8
É o entendimento de Venosa:
[...] O mesmo contrato, com idênticas cláusulas, é imposto a
número indeterminado de pessoas que necessitam de certos
bens ou serviços. Não há outra solução para a economia de
massa e para a sociedade de consumo. 9
5
BARROSO, Lucas Abreu; apud MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu (coords.).
Direito dos contratos. v. 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 30.
6
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 335.
7
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p.
9.
8
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p.14.
9
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 336.
10
Após a Segunda Revolução Industrial e o aperfeiçoamento do Direito
Civil contemporâneo, o perfil do contrato começa a mudar na pós-modernidade
jurídica, manifestando a necessidade de equilíbrio entre livre iniciativa e
regulação estatal, na medida em que se defendem os valores referentes à
justiça social e aos direitos fundamentais.10
Atualmente, busca-se pactuar em conformidade com o princípio da
dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e com os princípios
gerais da atividade econômica.
O art. 421 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil
(CC), dispõe: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato”.11
Exalta Theodoro Júnior:
Na visão do Estado Liberal, o contrato é instrumento de
intercâmbio entre os indivíduos, onde a vontade reina ampla e
livremente. Salvo apenas pouquíssimas limitações de lei de
ordem pública, é a autonomia da vontade que preside o destino
e determina a força da convenção criada pelos contratantes. O
contrato tem força de lei, mas esta força se manifesta apenas
entre os contratantes.
Todo o sistema contratual se inspira no indivíduo e se limita,
subjetiva e objetivamente à esfera pessoal e patrimonial dos
contratantes.12
Venoza assevera que o atual código insere o contrato como um
elemento social, pois suscita que o contrato deve ser cumprido não somente
em prol do credor, ele precisa beneficiar a sociedade. Ressalva ainda, que
diante da atual necessidade humana de consumir, o legislador preocupou-se
em restringir a liberdade de contratar e a função social do contrato.13
Nesse contexto, conceitua Gomes que “a locução ‘função social’ traz a
idéia de que o contrato visa a atingir objetivos que, além de individuais, são
também sociais. O poder negocial é, assim, funcionalizado, submetido a
interesses coletivos ou sociais”.14
10
MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu (coords.). Direito dos contratos. p. 36-37.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Art. 421. Acesso em: 18/01/2009.
12
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 1.
13
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 337-338.
14
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 48.
11
11
E, para Gonçalves, a função social do contrato “tem por escopo
promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades
substanciais entre os contraentes”. Ainda, o autor destaca trecho da obra de
Caio Mário:
[...] a função social do contrato serve principalmente para
limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em
confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda
que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não
contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório.
Tal princípio desafia a concepção clássica de que os
contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da
autonomia da vontade. Essa constatação tem como
conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não
são propriamente partes do contrato, possam nele influir, em
razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos.15
Desta forma, constata-se que, caberá ao juiz, diante da analise dos
conflitos contratuais e dos fatos apresentados, adequá-los ao que significa
essa função social, com os valores jurídicos, sociais, econômicos e morais
corroborados na Carta Magna16. E segundo Ulhoa Coelho, o contrato que não
obedecer à função social e prejudicar interesses dessa ordem, deverá ser
considerado nulo.17
Nesse contexto, examina-se os princípios norteadores do Direito
Contratual.
1.1.1 Princípios fundamentais do direito contratual
Para conceituar princípio, colacionam-se as palavras de Stolze
Gagliano e Pamplona Filho:
Por princípio, entendam-se os ditames superiores, fundantes e
simultaneamente informadores do conjunto de regras do Direito
Positivo. Pairam, pois, por sobe toda a legislação, dando-lhe
significado legitimador e validade jurídica.18
15
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5.
16
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 8.
17
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, v 3. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38.
18
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil,
volume IV: Contratos, Tomo 1: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 27.
12
A doutrina explica que o direito dos contratos funda-se em quatro
princípios. Certifica Gomes que, hoje, há três princípios clássicos – autonomia
da vontade, consensualismo e força obrigatória; e três novos princípios
contratuais – boa-fé, equilíbrio econômico e função social.19
O Princípio da Autonomia da Vontade destacou-se após a Revolução
Francesa, com o individualismo e a pregação da liberdade. Caracteriza-se na
liberdade de contratar, estipular e determinar o conteúdo do contrato. Seus
efeitos jurídicos podem determinar a vontade unilateral, como bilateral.20
Como a vontade manifestada deve ser respeitada, o acordo faz lei
entre as partes, garantindo a qualquer delas o direito de requerer o seu
cumprimento.
Quanto ao Princípio do Consensualismo, constata-se que no passado,
predominavam o formalismo e o simbolismo, e para a formação do contrato era
indispensável seguir uma forma ritual.21
Todavia, no direito brasileiro o consenso sobre o conteúdo do negócio
é considerado suficiente à formação do contrato. Acentuou Zanetti que:
[...] condiciona-se a conclusão válida do contrato à observância
de formalidade que extirpe qualquer possível dúvida a respeito
do consenso. Pode-se mesmo afirmar que tais formalidades
reforçam o consenso, ao conferir solenidade ao ato. 22
O consentimento constitui os contratos, o que não quer dizer que todos
são consensuais, pois para validade de alguns contratos é necessário o
cumprimento de solenidades previstas na lei, ou seja, contratos solenes ou
reais.23
Com referência ao Princípio da Força Obrigatória este é regido pela
regra de que o contrato é lei entre as partes. Convencionado suas cláusulas e
bem definidas as obrigações de cada parte, sua execução deve ser cumprida
em qualquer circunstância.
Destaca Gomes:
Dada ao princípio da força obrigatória dos contratos, essa
inteligência larga não se apresenta como corolário exclusivo da
19
GOMES, Orlando. Contratos. p. 25.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 343-44.
21
GOMES, Orlando. Contratos. p. 37.
22
ZANETTI, Cristiano de Souza apud MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu
(coords.). Direito dos contratos. p. 64.
23
GOMES, Orlando. Contratos. p. 38.
20
13
rega moral de que todo homem deve honrar a palavra
empenhada. Justifica-se, ademais, como decorrência do
próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a
possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato
atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de
contratar.24
Tal princípio mantém-se até hoje, contudo, vem sofrendo alterações,
que não modificam sua essência. As exceções já reconhecidas até mesmo em
legislações indicam que esta menos rígida, mas dificilmente será abandonada,
pois sua função primordial é garantir a sobrevivência do contrato.25
Para o Princípio da Boa-fé supõem-se a observância da lealdade e do
respeito à confiança gerada em todas as relações inter-humanas.
Prevê o art. 422 do Código Civil que: “Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios
de probidade e boa-fé”.26
Segundo Venosa, tal princípio se define no dever das partes agirem de
forma correta, eticamente aceita, antes, durantes e depois do contrato, pois
mesmo após seu cumprimento, ele ainda poderá ter efeitos residuais.27
Para identificar a boa-fé dos contratantes devem-se observar as
condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural das partes, à
situação histórica e econômica do país, requisitos pontuais para a
interpretação.28
Sobre a distinção entre a boa-fé subjetiva e objetiva assevera Zanetti
que a subjetiva é entendida como a convicção de agir de acordo com o direito,
e a objetiva na esfera contratual é indispensável às fases que antecedem a
conclusão e execução do negócio, quanto a sua fase posterior.29
E ainda:
No momento da conclusão do contrato, a boa-fé serve para
integrar o conteúdo do negócio nos pontos lacunosos e para
vedar a inserção de cláusulas que violem o princípio.
[...]
24
GOMES, Orlando. Contratos. p. 38.
GOMES, Orlando. Contratos. p. 38.
26
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 422.
27
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 346.
28
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 346.
29
ZANETTI, Cristiano de Souza apud MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu
(coords.). Direito dos contratos. p. 68.
25
14
Segue-se daí que a boa-fé exerce três funções fundamentais
no campo dos contratos, isto é, integra o conteúdo do negócio,
cria deveres e limita o exercício de direitos. [...] A boa-fé
objetiva é um princípio cuja concretização reclama o constante
balanceamento dos dados peculiares de cada caso concreto. 30
Importante mencionar que a boa-fé também exerce influência nas
relações de consumo, geralmente na analise de cláusulas abusivas. Segundo o
Código Civil, o art. 422 pode ser aplicado a todos os contratantes, ao passo
que os princípios que regem a boa-fé na Lei n. 8.078, de 11 de setembro de
1990, no Código de Defesa do Consumidor (CDC), se destinam às relações de
consumo. Ambas as normas se harmonizam ao princípio.31
1.2 CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
Requer o contrato para sua validade o encontro de elementos
extrínsecos e intrínsecos, denominados por Orlando Gomes de pressupostos e
requisitos. Pressupostos são as circunstâncias sob as quais se desenvolve e
pode desenvolver-se o contrato, e podem ser separados em: sujeito, objeto e à
situação dos sujeitos em relação ao objeto.32
Todo contrato subordina-se a capacidade das partes; idoneidade do
objeto; e legitimação para realizá-lo, e devem estar presentes desde sua
realização. Por isso, são extrínsecos, mesmo que depois façam parte da
relação contratual. São requisitos complementares e considerados elementos
intrínsecos indispensáveis à validade de qualquer contrato: o consentimento, a
causa, o objeto e a forma.33
Para Gagliano e Pamplona Filho ao analisar o negócio jurídico faz-se
necessário identificar a existência de seus elementos: a manifestação de
vontade, o objeto e a forma; seus pressupostos de validade: a capacidade do
30
ZANETTI, Cristiano de Souza apud MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu
(coords.). Direito dos contratos. p.69- 71.
31
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 348.
32
GOMES, Orlando. Contratos. p. 52.
33
GOMES, Orlando. Contratos. p. 52-53.
15
agente e o objeto lícito, possível e determinado ou determinável; e a sua
eficácia jurídica: o termo, a condição e modo ou encargo.34
Prevê o art. 104 do CC: “A validade do negócio jurídico requer: I agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III forma prescrita ou não defesa em lei”.35
Primordial na formação do negócio jurídico é a capacidade legal de
agir. O contrato é destinado a estabelecer interesses e, para isso, seu objeto
deve ser lícito e possível, determinado ou determinável. Requer-se, ainda, a
legitimação para efetivação da relação processual, denominada pelo autor de
idoneidade, pois “pode alguém ser capaz, mas não ter legitimidade ad
causam”. E mais:
[...]
Pessoa plenamente capaz de exercer os atos da vida civil vêse proibida de praticar alguns em virtude da posição em que se
encontra relativamente a seu objeto. Trata-se de pressuposto
diversos do de capacidade, porque a impossibilidade de agir é
circunstancial. 36
Declaração é a aspiração de gerar determinado efeito jurídico com
outrem, num processo de comunicação. A exteriorização da vontade pode ser
verbal, escrita ou simbólica; direta ou indireta (implícita), expressa, tácita ou
presumida. O silêncio pode ser interpretado como uma declaração tácita
quando o momento ou uso os autorizarem.37
Portanto, nos contratos o consentimento pode ser tácito, quando na lei
não determinar a forma expressa, o que as distingue é o modo de expressão.
Requisito necessário para validade do contrato é a forma de sua
realização. Podem ser formais ou solenes. Ainda que não seja uma exigência
para todos os contratos, a forma escrita é a mais escolhida, pois representa
uma prova do contrato. Sua autenticidade baseia-se na lei e seu instrumento
pode ser reconhecido e registrado no cartório pertinente.38
Nesse contexto:
34
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil,
volume IV: Contratos, Tomo 1: teoria geral. p. 17-22.
35
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 104.
36
GOMES, Orlando. Contratos. p. 53-55.
37
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 4849.
38
GOMES, Orlando. Contratos. p. 62-63.
16
Sob o prisma do Plano de Existência, a forma, entendida como
meio de exteriorização da vontade, é elemento constitutivo ou
pressuposto existencial do ato, uma vez que a sua supressão
impede a formação ou surgimento do próprio negócio. Sem
uma forma de exteriorização (escrita, oral, mímica), o intento
negocial fica encerrado na mente do agente, e não interessa ao
direito.39
Consoante entendimento da doutrina, a causa é um elemento do
contrato. De acordo com o conceito da corrente objetivista a causa é a função
econômico-social do contrato; a expectativa de obter o resultado jurídico do
que foi acordado; o motivo que move as partes a pactuar. No subjetivo:
[...] o motivo típico não se confunde com os individuais, de
variação extrema, que leva, as pessoas a realizar contatos. Os
motivos individuais são juridicamente irrelevantes, salvo
quando a lei lhes atribui valor. O motivo típico, doutra parte,
não é causa antecedente, mas causa final, isto é, o fim que
atua sobre a vontade para lhe determinar a atuação no sentido
de celebrar certo contrato. 40
O objeto, assim como o negócio jurídico, deve ser possível, lícito,
determinável. É definido como o “conjunto de atos que as partes se
comprometeram
a
praticar,
singularmente
considerados,
não
no
seu
entrosamento finalístico, ou, por outras palavras, as prestações das partes, não
o intercambio entre elas, pois este é sua causa”.41
A classificação dos contratos, de acordo com as obrigações das partes,
é qualificada como “contrato com prestações a cargo de uma das partes, os
unilaterais, e contratos com prestações recíprocas, os bilaterais”.42
Os contratos bilaterais são obrigações mútuas, pois conferem
compromissos a ambas as partes e cada contratante tem direito de requerer o
pactuado pela outra parte. Importante distinguir, que não é o número de
pessoas que evidência cada uma destas espécies, mas o de partes. Neste
contexto exemplifica Nader:
Um pólo poder ser formado por uma só pessoas ou por
diversas. Quando vários herdeiros firmam contrato de cessão
de direitos hereditários para uma pessoa, tem-se um contrato
39
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil,
volume IV: Contratos, Tomo 1: teoria geral. p. 21.
40
GOMES, Orlando. Contratos. p. 63-64.
41
GOMES, Orlando. Contratos. p. 65.
42
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 362.
17
bilateral, porque no conjunto constituem apenas uma parte,
ocupam uma única posição contratual.43
Os contratos bilaterais também são denominados de contratos
sinalagmáticos. Contudo, tal nomenclatura pode tornar-se ambígua nos textos.
O que os distingue é que no contrato sinalagmático a “referência se faz à
formação ou composição da relação jurídica (consentimento)”, enquanto no
bilateral, considera-se ao efeitos do contrato.44
Por outro lado, os contratos unilaterais só formam obrigações para uma
das partes, como é o caso da doação, que não gera obrigação ao donatário.45
Já o plurilateral é formado por mais de duas partes, cada qual representando
interesse específico.
De acordo com Venoza, é possível alterar a natureza primária de um
contrato, como exemplo cita o comodato e o mútuo, pois apesar de serem
unilaterais as partes podem agregar situação que os tornem bilaterais.46
Acrescenta Nader, que o contrato de doação, pode tornar-se
sinalagmático por iniciativa dos interessados, como exemplo o contrato de
doação por encargo, “que é passível de resolução por iniciativa do doador,
caso o donatário descumpra a obrigação”.47
Estabelece o art. 392, do Código Civil:
Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o
contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a
quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada
uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.48
No mencionado artigo, a lei é rigorosa com aquele que não possui a
responsabilidade no contrato unilateral, como exemplo a doação, pois o doador
será responsabilizado se agir com dolo diante do perecimento do objeto doado,
e o donatário por culpa. Já ao se referir dos contratos bilaterais, os contratantes
respondem por culpa e o dolo.49
43
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 3: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
p. 42.
44
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 3: Contratos. p. 43.
45
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 362.
46
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 362.
47
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 3: Contratos. p. 44.
48
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 392.
49
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 363.
18
No tocante a obrigação dos contratos bilaterais dispõe o art. 476: “Nos
contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro”50. Nesses contratos, as duas
partes ocupam o duplo papel de credor e devedor, pois cada um tem direitos e
deveres, e a obrigação de um equivale ao direito da outra.51
Sobre os contratos onerosos e gratuitos acentua Gomes:
Contrato oneroso é aquele em que cada uma das partes visa a
obter uma vantagem. [...]
Contrato gratuito é o negocio jurídico em que uma só das
partes obtém um proveito.52
Ressalta-se, ainda, que nos contratos gratuitos a parte não visa o fim
econômico, mas sim pratica de livre arbítrio; faz ou deixa de fazer em benefício
de alguém e quando há interesse na obtenção de benefícios desse negócio,
ele não é imediato, como observa Coelho:
[...] A fábrica de brinquedos pode doar alguns de seus produtos
a crianças carentes no Natal, com o objetivo de fazer
publicidade do gesto aparentemente desinteressado, e, com
isso, incrementar as vendas.53
Doutro lado, os contratos onerosos possuem vantagens e obrigações,
direitos e deveres, e a responsabilidade contratual será dividida, mas nem
sempre de forma igual. A identidade da onerosidade está na vantagem que
deriva num sacrifício do contratante, e o dever de um pode ser maior que o do
outro.54
E, ainda:
Os contratos onerosos são bilaterais, e os gratuitos, unilaterais,
mas a coincidência não é necessária. Todo contrato bilateral é,
entretanto, oneroso, por isso que, suscitando prestações
correlatas, a relação entre vantagem e sacrifício decorre da
própria estrutura do negócio jurídico. Há, porém, contratos
unilaterais que não são gratuitos. O mútuo feneratício é, por
exemplo, contrato unilateral oneroso.55
A vontade dos contratantes é que defini se o contrato será oneroso ou
gratuito. Sobre o assunto Coelho, em sua obra, exemplifica:
50
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 476.
GOMES, Orlando. Contratos. p. 85.
52
GOMES, Orlando. Contratos. p. 87.
53
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 44-45.
54
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 371-372.
55
GOMES, Orlando. Contratos. p. 88.
51
19
Na compra e venda e na locação, a onerosidade é essencial,
assim como na doação e comodato a gratuidade não pode
deixar de existir. Uma compra e venda gratuita é, a rigor,
doação; do mesmo modo a doação onerosa se descaracteriza;
é verdadeira compra e venda. A seu turno, a locação graciosa
é comodato; e o comodato oneroso, locação.56
Denota-se, que por esse motivo é que nos contratos gratuitos uma das
partes não obtém vantagem lucrativa, já nos onerosos a execução do contrato
requer proveito econômico.57
Nos contratos onerosos há uma subdivisão. Podem ser: comulativos ou
aleatórios. Comulativo é o contrato em que as partes sabem quais são suas
prestações e auferem benefício econômico, como exemplo o seguro,
corretagem, empreitada, locação etc. Aleatório é aquele que trará vantagens ou
desvantagens para algum dos contratantes, e ao celebrar tal contrato eles
estão dispostos a correr risco; exemplo a alienação aleatória, constituição de
renda, seguro, jogo e aposta.58
Extrai-se do art. 458 do CC, o conceito de contrato aleatório:
Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos
futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes
assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe
foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo
ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.59
Os contratos também podem ser classificados em consensuais, formais
e reais, o que não interfere no princípio do consensualismo. Os reais
necessitam da entrega do objeto acordado, não bastando o consenso e sua
formalização, ele requer a entrega da coisa. São considerados reais os
“contratos estimatório, comodato, mútuo e depósito”.60
Em contrário, o consensual se torna perfeito e acabado pela efetivação
da declaração de vontades, “como a compra e venda, a locação e o
mandato”61. Para que a formação do vínculo contratual sujeite-se a outro
requisito além do acordo das partes, é necessária previsão legal expressa, ou
56
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 45.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 45.
58
GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil,
volume IV: Contratos, Tomo 1: teoria geral. p. 117.
59
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 458.
60
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 48-49.
61
GOMES, Orlando. Contratos. p. 90.
57
20
seja, não existindo norma exclusiva que estabeleça certo contrato como de
outra espécie, ele será consensual.62
Serão formais os contratos em que a lei determina o seguimento de
certa forma ou solenidade para tornar-se legítimo, seu descumprimento
causará a nulidade de tal contrato, de acordo com art. 166, IV, do CC.63
Sobre as formalidades dos contratos, observa Venoza que:
O contrato só deverá obrigatoriamente conter uma forma se
assim for determinado pela lei. Na omissão legal quanto à
predeterminação da forma, o contrato vale e é eficaz, qualquer
que seja sua forma.64
A diferença entre contratos principais e acessórios está no fato de que
o principal é independente, autônomo na esfera jurídica; e o acessório tem
dependência jurídica de outro, pois este só existirá para garantir uma obrigação
do principal, como penhor, hipoteca, fiança, caução.65
Contrato de execução instantânea é a denominação para os contratos
que são realizados em um instante, quando as partes firmam e cumprem suas
obrigações no momento da solenidade do contrato, como ocorre na compra e
venda com o pagamento a vista.66
Já os contratos de duração, também chamados de contrato de trato
sucessivo e de execução continuada, são os que se estendem no tempo, e,
portanto, “consiste em uma prestação tal que não é possível conceber sua
satisfação em um só momento; mas, do contrário, tem de ser cumprida durante
certo período de tempo, continuadamente” 67. Muitas vezes de acordo com sua
natureza, como o contrato de locação, de trabalho, de sociedade, seguro etc.68
Nos contratos de trato continuo, sucessivo, é possível a aplicação da
Teoria da Imprevisão, que será objeto do segundo capítulo desse trabalho.69
62
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 47.
MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu (coords.). Direito dos contratos. p. 83.
64
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 384.
65
GOMES, Orlando. Contratos. p. 93.
66
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 386.
67
GOMES, Orlando. Contratos. p. 94.
68
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 387.
69
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 387.
63
21
Os contratos se diferenciam por prazo determinado e indeterminado,
conforme definidos pelos contraentes. Quando é estabelecida uma data para o
fim do negócio, é por prazo determinado. Prazo indeterminado é quando não
há previsão para seu termino ou a inexistência de data.70
Diante das características já mencionadas sobre o contrato, é de se
frisar que se considerará celebrado o contrato no lugar em que ele foi proposto,
local em que foi expedido ou conhecido, art. 435 do CC.71
No tocante a interpretação dos contratos, assevera Diniz:
O contrato, por ser originário de declaração de vontade, requer,
como a lei, uma interpretação, dada a possibilidade de conter
cláusula duvidosa ou qualquer ponto obscuro ou controvertido.
A interpretação do contrato é indiscutivelmente similar à da lei,
podendo-se até afirmar que há certa coincidência entre as
duas. Aplicam-se, por isso, à hermenêutica do contrato
princípios concernentes à interpretação da lei, embora tarefa
do intérprete do contrato encontre certas dificuldades que o
hermeneuta da lei não terá de enfrentar, pois, enquanto a
hermenêutica assume feição objetiva por ter de eliminar
ambigüidades que afetam a lei, a interpretação exerce,
concomitantemente, função objetiva e subjetiva, já que, além
de analisar o contrato e suas cláusulas, deverá examinar a
intenção comum das partes contratantes. [...] Devendo o
interprete guiar-se pelo sentimento jurídico, que o impedirá de
cair em interpretações alheias à vida jurídica. Dever-se-á
buscar, na tarefa de interpretação contratual, os princípios da
boa-fé objetiva (CC, art. 422) e o da conservação ou do
aproveitamento do contrato, procurando presumir que os
contratantes agiram com probidade e fazendo com que,
havendo dúvida [...].72
O contrato é a manifestação de vontades e será necessário interpretalo para esclarecer as obscuridades, ambigüidades e dúvidas existentes no
texto firmado, assim encontrar-se-á o significado do acordo ou consenso.73
Com base no exposto, passa-se a estudar os contratos em espécies,
modalidades que são diariamente praticadas e com reflexos econômicos e
jurídicos.
1.3 ESPÉCIES DE CONTRATOS
70
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 387.
71
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. p. 65.
73
GOMES. Contratos. p. 238.
22
O Código Civil, entre os arts. 481 a 853, prevê os contratos típicos e
nominados, em vinte capítulos, quais sejam: compra e venda; troca ou
permuta; contrato estimatório; doação; locação de coisas; empréstimo;
prestação de serviço; empreitada; depósito; mandato; comissão; agência e
distribuição; corretagem; transporte; seguro; constituição de renda; jogo e da
aposta; fiança; transação; e compromisso.74
O contrato de compra e venda previsto no art. 481 do CC, depende da
transferência de posse de uma bem ao comprador, mediante pagamento em
dinheiro.
Conceitua Gonçalves que:
Denomina-se compra e venda o contrato bilateral pelo qual
uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de
uma coisa à outra (comprador), mediante a contraprestação de
certo preço em dinheiro.75
O contrato é bilateral, consensual, oneroso, em geral comutativo e não
solene, contudo podem convertem-se em aleatório e solene. O bem, objeto
contratual, pode ser de natureza corpórea ou incorpórea, ou seja, móveis ou
imóveis.76
Coelho ressalta que “no direito privado, há três regimes jurídicos
aplicáveis à compra e venda: civil, empresarial e de proteção ao consumidor”.77
Os elementos do contrato de compra e venda consagram-se quando o
vendedor e comprador chegam a um acordo referente ao objeto e seu preço.
Cada parte possui suas obrigações previstas na lei.78
A troca ou permuta é a transferência de coisas, nem sempre da mesma
espécie, mas em comum acordo, com o fim de dar uma coisa por outra, do
mesmo valor econômico. Segundo Coelho estão sujeitas as mesmas regras
dos contratos de compra e venda, mas a diferença esta “no tocante às
despesas com o instrumento negocial, a divisão entre os contratantes; e,
quando permutadas coisas de valores diferentes entre ascendente e um dos
74
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 186.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 190.
76
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. p. 175-176.
77
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 147-149.
78
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 3: Contratos. p. 199.
75
23
seus descendentes, há necessidade de autorização dos demais e do
cônjuge”.79
No contrato estimatório, denominado por doutrinadores de venda em
consignação, é a entrega de coisa móvel pertencente a uma das partes
(consignante) à outra (consignatário), transferindo o poder de alienar. O
consignatário recebe o bem com a finalidade de vendê-lo, pagando o valor
estimado ao consignante e com o direito de obter lucro sobre preço da venda a
terceiro (art. 534, CC).80
Previsto no art. 565 do CC, o contrato de locação de coisas é a
vontade de uma das partes (locador) de ceder a outro (locatário) coisa
infungível, para uso, por tempo determinado ou não, mediante pagamento
(aluguel).81
Tal contrato é bilateral, oneroso, consensual, comutativo, não solene e
de trato sucessivo. Três elementos são essenciais para caracterização da
locação: objeto (móvel ou imóvel), preço e o consentimento. As principais
obrigações do locador estão previstas no art. 566 do CC: “1) entregar ao
locatário a coisa locada em estado de servir ao uso a que se destina; 2)
assegurar-lhe o uso pacífico da coisa locada”. Por outro lado são obrigações do
locatário (art. 569, CC):
1) pagar pontualmente o aluguel; 2) usar
pai de família, como se sua fosse; 3)
contrato, no estado em que a recebeu.
pagar as despesas, como limpeza,
saneamento e condomínio.82
a coisa como bom
restituí-la, findo o
Cumpre-lhe ainda
força, luz, água,
O capítulo VIII, do Código Civil, trata da empreitada que segundo
Coelho: “é o contrato pelo qual uma das partes (empreiteiro) assume a
obrigação de fazer a obra encomendada pela outra parte (dono da obra), que,
por sua vez, obriga-se a pagar à primeira a remuneração entre elas acertada”.83
O contrato de empreitada distingue-se dos demais contratos, pois seu
objeto de prestação não é atividade, mas a obra em si; sua remuneração não é
de acordo com o tempo de trabalho, será estipulado o valor total da obra e este
79
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 163.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. p. 224.
81
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. p. 256.
82
GOMES, Orlando. Contratos. p. 333.
83
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 280.
80
24
dificilmente será alterado; a fiscalização e direção da obra competem ao
próprio empreiteiro e os riscos inerentes ao trabalho estão sob sua
responsabilidade.84
Gonçalves reforça que:
[...] a empreitada, por gerar uma obrigação de resultado, tem
por escopo apenas o resultado final, que pode ser a construção
de uma obra de material ou a criação intelectual ou artística,
não levando em consideração a atividade do empreiteiro em si,
como objeto da relação contratual.85
Os contratos de empreitada são sinalagmáticos, consensuais, de forma
livre, comutativo, onerosos, impessoal, podem ser considerados de trato
sucessivo ou de execução única.86
Como prevê o art. 627 do CC, depósito é o contrato em que uma das
partes (depositário), recebe da outra (depositante) bem móvel e corpóreo para
guardá-la, com a obrigação de devolvê-la no momento combinado ou quando
lhe for solicitada. Sua posse será transitória.87
Sobre a classificação do depósito destaca Coelho:
O depósito pode ser voluntário ou necessário, conforme sua
constituição dependa da vontade das partes ou derive de
imposição legal. É contrato real, que depende da entrega da
coisa pelo depositante ao depositário para existir. Além disso,
pode ser oneroso ou gratuito, segundo deva o depositário ser
remunerado pelos seus serviços ou não. Por fim, é contrato
bilateral, porque mesmo quando gratuito tem o depositante
obrigações perante o depositário.88
Passa-se para o contrato de transporte, que obteve normas mais
especificas com a edição do atual Código Civil, que completou e diferenciou os
transportes dividindo-o em três seções: “Disposições gerais”, “Do transporte de
pessoas” e “Do transporte de coisas”. Inicia-se no art. 730, que diz: “Pelo
contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de
um lugar para outro, pessoas ou coisas”.89
O contrato de transporte apresenta-se como típico e o que o
caracteriza é a atividade desenvolvida pelo transportador, pois desloca
84
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 343.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 343.
86
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 3: Contratos. p. 375.
87
BEGALLI, Paulo Antonio. Direito Contratual no Novo Código Civil. 2. ed. São Paulo:
Editora de Direito, 2006. p. 419.
88
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 383.
89
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 730.
85
25
fisicamente pessoas e coisas de um local para outro, todos por sua
responsabilidade.90
É contrato bilateral, consensual, oneroso, comutativo, não solene e de
adesão. Mesmo com características próprias, poderá ser regido pelas
disposições relativas ao depósito, quando a coisa trasladada é depositada ou
guardada nos armazéns do transportador (art. 751, CC).91
Tendo o presente trabalho como objetivo a revisão judicial de cláusulas
contratuais, primeiro tornou-se necessário conhecer a teoria geral dos
contratos, seus requisitos e alguns dos principais contratos em espécie, com
enfoque aos contratos em que poderão ser aplicados à teoria da imprevisão,
para posteriormente passar a estudar a teoria da imprevisão, seu surgimento,
conceito e aplicabilidade.
90
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 452.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 453454.
91
26
2 A REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS E A TEORIA DA
IMPREVISÃO, SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
2.1 A CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS”
Ao estudar a Teoria da Imprevisão, faz-se necessário investigar os
acontecimentos pretéritos da Antiguidade Oriental e Clássica, da Idade Média,
da Idade Moderna, até o ressurgimento da cláusula rebus sic stantibus no
século XX. Todas com destaques do estudo ao Direito Romano, país que maior
influenciou os estudiosos civilistas e que registram o conteúdo em pesquisa.
Ressalta-se que mesmo antes do surgimento do Direito Romano, o
documento mais antigo, escrito há 2.300 anos a.C., na Babilônia, o Código de
Hamurabi, já admitia a imprevisão nas colheitas, e segundo Donnini a Lei 48
estabelecia:
Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o
campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o
trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor,
deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por
esse ano.92
De acordo com a obra de Santos, alguns autores expõem que no
Direito Romano não havia no sistema jurídico e nem teoria geral que adaptasse
aos contratos às circunstâncias, e só em casos excepcionais é que aplicavam
soluções de equidade.93
No entanto, predominava o princípio da força obrigatória dos contratos
ou pacta sunt servanda, consolidado na regra de que o contrato é lei entre as
partes, pois se funda na liberdade dos contratantes escolherem e acordarem
livremente,
respondendo
cada
um
por
sua
parte,
supervenientes ao contrato alterassem a sua situação.
92
ainda
que
fatos
94
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 14.
93
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p.
215.
94
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. p. 11.
27
Pondera Gomes, que esse princípio não se concentra apenas no
argumento da regra moral de que o homem precisa honrar a sua palavra, mas
é decorrente “do próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a
possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder
de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar”.95
Assevera que o pacta sunt servanda “ao direito é indiferente à situação
a que fique reduzido para cumprir a palavra dada”.96
Deve-se frisar que ainda que seja necessário tal princípio para segurar
os negócios e a tranqüilidade de qualquer sistema social, os contratos podem
estar sujeitos a transformações posteriores das circunstâncias do acordo e, por
conseqüência, não conseguirem suportar tais prestações.97
Com o passar do tempo às legislações vigentes à época passaram a
aplicar significados menos rígido. Todavia, o princípio não foi abandonado
devido
a
sua
função
de
segurança,
apenas
rendeu-se
diante
de
acontecimentos extraordinários, da realidade social pós-guerra, revelando a
sua injusta execução nos seus termos absolutos.98
Difícil identificar precisamente o início da teoria da imprevisão. Denotase que o seu principal desenvolvimento ocorreu na obra dos canonistas e dos
pós-glosadores do século XIV a XVI, quando se denominou a teoria em
cláusula rebus sic stantibus, com o seguinte teor: “Contractus qui habent
tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus
intelliguntur”.99
A teoria ressurge com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que
gerou diversas instabilidades econômicas, tendo surgido inclusive leis como a
Failliot (França, 1918) que autorizou a resolução dos contratos concluídos
antes da guerra porque sua execução acabou se tornando muito onerosa.100
Desses fatos surgiu a necessidade da revisão dos contratos, contrário
ao pacta sunt servanda, pois possibilitou aos contratantes evocar o judiciário,
95
GOMES, Orlando. Contratos. p. 38.
GOMES, Orlando. Contratos. p. 39.
97
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 169.
98
GOMES, Orlando. Contratos. p. 39.
99
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. p. 213. Tradução: “Os contratos que têm trato
sucessivo ou a termo ficam subordinados, a todo tempo, ao mesmo estado de subsistência das
coisas”.
100
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil,
volume IV: Contratos, Tomo 1: teoria geral. p. 267.
96
28
para tentar modificar o convencionado e adapta-lo a nova realidade, apenas
em caráter excepcional.101
Com a aceitação e revisão de contratos de onerosidade excessiva,
desenvolve-se a Teoria da Imprevisão, que é a aplicação melhorada da
cláusula rebus sic stantibus.102
Extrai-se da pesquisa de Donnini a etimologia de cada palavra de
cláusula rebus sic stantibus:
[...] ‘cláusula’ é palavra de origem latina (clausula), e seu
significado é conclusão, disposição, fim, o que se decide, o que
se conclui. No sentido técnico-juridico, é o dispositivo
convencional inserto num contrato, convênio, tratado ou ato
escrito, privado ou público, a que obedecem as partes
estipulantes. Rebus é ablativo do plural res, rei (coisa,
acontecimento, fato, circunstância, sorte, estado de coisas). Sic
é advérbio, apócope de sice (assim, desse modo, dessa
maneira, a tal ponto). Stantibus é ablativo plural do particípio
presente do verbo intransitivo latino sto, stas, steti, statum,
stare (estar, ficar, durar, conservar-se, manter-se).103
Rebus sic stantibus, segundo Rodrigues, traduz-se “estando assim as
coisas”. Já De Plácido e Silva define como “o mesmo estado das coisas” ou a
“subsistência das coisas”104. Por outro lado, para Chacel significa que “as
convenções só deveriam ser obedecidas enquanto as coisas continuassem
como estavam por ocasião do contrato”.105
A cláusula rebus sic stantibus é uma reserva ao princípio da
imutabilidade dos contratos, cuja aplicação é restrita, sendo uma exceção. A
força vinculante dos contratos somente poderá ser contida pela autoridade
judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, em
decorrência de sua onerosidade excessiva, que dificulta o cumprimento da
prestação, buscando judicialmente a reparação e o equilíbrio judicial do
contrato.
Para Santos, a cláusula expressa:
101
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 169.
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 213.
103
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. p. 9.
104
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. p. 9.
105
KLANG, Marcio. A teoria da Imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1991. p. 19.
102
29
[...] que as partes se obrigam ao contrato pactuado sem vícios
de vontade, desde que entre o momento de sua celebração e a
data de sua execução não tenham acontecidos fatos de
gravidade que alterem a situação existente quando o contrato
foi concluído.106
Deve-se, para elucidar o assunto, apresentar um exemplo histórico
sobre imprevisão, utilizado por muitos doutrinadores que escrevem sobre esse
tema:
[...] é o da coroação de Eduardo VII como sucessor da Rainha
Vitória. O fato ocorreu em 1900. Para assistir ao desfile, várias
pessoas alugaram a preços excessivos balcões, janelas e
terraços que estavam localizados próximos ao lugar em que
ocorreriam o desfile e a cerimônia de coroação. Eduardo VII
adoeceu. Não foi possível participar da coroação. Daí o
problema: o que alugou o espaço queria receber o preço
combinado porque não houve a realização do ato que deu azo
à elaboração do contrato. Os contratantes não quiseram pagar,
porque não tinham contribuído para o não-acontecimento da
cerimônia. Por fim, o Poder Judiciário decidiu que o caso se
enquadrava na imprevisão, que não podia ser imputável a
ninguém e os contratos foram revistos. Houve anulação dos
efeitos futuros, das prestações que ainda não tinham sido
cumpridas. As importâncias pagas não foram devolvidas. Os
tribunais aplicaram o princípio rebus sic stantibus, porém sem
designação expressa a esse respeito. O direito inglês foi
derrogado porque, até então, era aferrado ao sistema do pacta
sunt servanda, obrigação cega, mesmo que fatos
supervenientes ao contrato alterassem a situação das
partes.107
Para impedir que a prestação assumida num contrato não resultasse a
quebra de um dos contratantes e, muitas vezes, o enriquecimento sem causa
do outro, diante de um fato imprevisto e extraordinário, é que se criou a
cláusula
rebus
sic
stantibus,
modernamente
denominada
Teoria
da
Imprevisão.108
Nesse sentido observa Santos que:
[...] rebus sic stantibus significa ‘se as coisas se mantêm’. Os
contratos necessitam ser cumpridos desde que as
circunstâncias sejam mantidas, como existiam à época da
celebração.109
106
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 213.
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 211-212.
108
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. p. 8.
109
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 213-214.
107
30
Como o Código Civil brasileiro de 1916 não sistematizou a matéria e
diversos casos começaram a surgir no Poder Judiciário, a jurisprudência
passou a considerar a cláusula rebus sic stantibus imanente (oculta) em alguns
contratos, como se estivesse expressa.110 Assim, iniciou-se sua aplicação.
2.2 APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO
A Teoria da Imprevisão é a denominação adotada para a antiga
cláusula rebus sic stantibus, que é o instituto invocado para solucionar
problemas decorrentes da alteração das circunstâncias em que um contrato ou
outro ato jurídico foi celebrado.
Trata-se da flexibilização do princípio da intangibilidade contratual, que
visa à recuperação da comutatividade por meio de intervenção judicial com o
objetivo de revisar o acordo ou encontrar sua resolução.111
Corrobora Santos ao expor que:
[...] a onerosidade excessiva, ou a teoria da imprevisão, é a
aplicação melhorada da cláusula rebus sic stantibus.
Significa dita cláusula que as partes se obrigam ao contrato
pactuado sem vícios de vontade, desde que entre o momento
de sua celebração e a data de sua execução não tenham
acontecidos fatos de gravidade que alterem a situação
existente quando o contrato foi concluído.112
Preceitua o art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”. Isto ocorre desde que haja razoável ameaça ao direito, o
Poder Judiciário tem o dever de efetivar o pedido de prestação judicial
requerido pela parte, pois é garantira constitucional que nenhuma lesão ou
ameaça a direito deixará de ser conhecida e reparada pelo judiciário.113
Nos termos de Gagliano e Pamplona Filho:
110
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações. 9. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 214.
111
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. p. 8.
112
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 213-214.
113
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 237.
31
[...] a denominada Teoria da Imprevisão, consistente no
reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos,
imprevisíveis pelas partes e a elas não-imputáveis, com
impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato,
admitiria a sua resolução ou revisão, para ajusta-lo às
circunstâncias supervenientes.114
Conforme Diniz, em nosso ordenamento não era admitido que as
partes contratantes pudessem esquivar-se de seus deveres, por motivo de
desequilíbrio sofrido em situações imprevisíveis que afetassem diretamente as
relações contratuais. Todavia, a exploração de um sobre outro, fez com que o
Poder Judiciário adotasse a teoria da imprevisão, à luz do statu quo ante pela
aplicação da cláusula rebus sic stantibus.115
Para Cabral o conceito de imprevisão “visa a proteger o devedor contra
fatores adversos que tornem impossível, ou economicamente insuportável, o
cumprimento da obrigação”.116
Como o Código Civil anterior não tratava do assunto, o vigente diploma
estabeleceu, em termos mais adequados à realidade econômico-social, à
revisão judicial por onerosidade excessiva procedente de fato superveniente
extraordinário e imprevisível nas relações particulares, previstas nos arts. 317,
478, 479 e 480.117
Distingue Santos que:
A relevância da onerosidade excessiva é determinada por
acontecimentos
imprevisíveis
de
extraordinários.
‘É
acontecimento extraordinário o que não é normal que se
verifique e na qual as partes não podem ter pensado porque
esta fora de sua imaginação; pelo que o caráter extraordinário
do acontecimento deve ligar-se à imprevisibilidade. A
previsibilidade deve se referir ao momento da conclusão do
contrato e, ademais, deve adequar-se ao critério da pessoa de
diligência normal. Requer, pois, o concurso do caráter
extraordinário e da imprevisibilidade’.118
A norma permite o pedido de revisão judicial de cláusula contratual no
art. 317 do CC:
114
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil,
volume IV: Contratos, Tomo 1: teoria geral. p. 267.
115
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. p. 22-36.
116
CABRAL, Plínio. A Nova Lei de Direitos Autorais Comentários. 4. ed. São Paulo: Editora
Harbra Ltda., 2003. p. 255.
117
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. p. 455.
118
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 237.
32
Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento
de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de
modo que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.119
No art. 478 do CC estão dispostas às condições para resolução do
contrato:
Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a
prestação de uma das partes se tornar excessivamente
onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o
devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença
que a decretar retroagirão à data da citação.120
Ressalta-se que a imprevisão propícia não apenas a resolução do
contrato, mas sua revisão, de acordo com o interesse das partes. A doutrina
apresenta os requisitos necessários para aplicação da teoria revisionista. Neste
sentido, destaca-se os ensinamentos de Diniz:
a) vigência de um contrato comutativo de execução continuada
(RTJ, 68:95) que não poderá ser aleatório, porque o risco é de
sua própria natureza, e, em regra, uma só das partes assume
deveres; b) alteração radical das condições econômicas no
momento da execução do contrato, em confronto com as do
instante de sua formação; c) onerosidade excessiva para um
dos contraentes e benefício injusto e exagerado para o outro
(RTJ, 117:323); d) imprevisibilidade e extraordinariedade
daquela modificação, pois é necessário que as partes, quando
celebraram o contrato, não possam ter previsto esse evento
anormal, isto é, que está fora do curso habitual das coisas, pois
não se poderá admitir a rebus sic stantibus se o risco advindo
for normal ao contrato. Assim sendo, p. ex., em fase
inflacionária, o aumento da inflação e a depreciação da moeda
não constituem fatos imprevistos, nem riscos anormais,
justificadores da aplicação da norma acolhedora da teoria da
imprevisão (RTJ, 117:325).121
Gonçalves define os seguintes pressupostos:
a) vigência de um contrato comutativo de execução diferida ou
de trato sucessivo; b) ocorrência de fato extraordinário e
imprevisível; c) considerável alteração da situação de fato
existente no momento da execução, em confronto com a que
existia por ocasião da celebração; d) nexo causal entre o
119
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed.
atual. até 28/03/2008. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 447.
120
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 478.
121
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 196.
33
evento
superveniente
onerosidade.122
e
a
conseqüente
excessiva
Resume Rizzardo que:
I – Prestação de uma das partes que se torna excessivamente
onerosa; II – o aparecimento da excessiva onerosidade em
decorrência de um acontecimento imprevisível e extraordinário;
III – não encontra-se em mora a parte prejudicada.123
Requer o primeiro requisito que o contrato firmado seja comutativo de
execução diferida ou sucessiva, isto é, uma condittio sine qua non para
utilização da teoria da imprevisão, pois se a execução fosse instantânea, a
aplicabilidade da cláusula rebus sic stantibus ficaria comprometida.124
Para o segundo, a mudança radical das condições econômicas no
momento da execução do contrato, em comparação com as da ocasião da sua
formação, faz com que as partes, se pudessem pressupor a modificação das
circunstâncias, não teriam estabelecido o contrato125. E para configurar o
terceiro aspecto, basta à onerosidade excessiva, anormal do contrato, que
“cause sacrifício para uma das partes”.126
Para conceituar o disposto no art. 478 do CC, colaciona-se as palavras
de Nery Junior e Andrade Nery:
A onerosidade excessiva, que pode tornar a prestação
desproporcional relativamente ao momento de sua execução,
pode dar ensejo tanto à resolução do contrato (CC 478) quanto
ao pedido de revisão de cláusula contratual (CC 317),
mantendo-se o contrato. Essa solução é autorizada pela
aplicação, pelo juiz, da cláusula geral da função social do
contrato (CC 421) e também da cláusula geral da boa-fé
objetiva (CC 422). O contrato é sempre, e em qualquer
circunstância, operação jurídico-econômica que visa a garantir
a ambas as partes o sucesso de suas lídimas prestações. Não
se identifica, em nenhuma hipótese, como mecanismo
estratégico de que se poderia valer uma das partes para
oprimir ou tirar proveito excessivo de outra. Essa idéia de
sociedade do contrato esta impregnada na consciência da
população, que afirma constantemente que o contrato só é
bom quando é bom para ambos os contratantes.127
122
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 175.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. p. 456.
124
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. p. 64.
125
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. p. 451.
126
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 238.
127
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 544.
123
34
Nos termos dos arts. 479 e 480 do Código Civil constam medidas
asseguradas às partes a fim de alcançar a resolução. É a redação do art. 479:
“A
resolução
poderá
ser
evitada,
oferecendo-se
o
réu
a
modificar
equitativamente as condições do contrato”.128
Com fulcro na obra de Monteiro, o mencionado artigo foi inspirado nos
arts. 1.467 do Código Civil italiano e 437º, 2, do Código Civil português. Nesse
contexto, é possível o réu propor solução diversa ao problema da onerosidade
excessiva, de forma a evitar o não cumprimento do contrato.129
Ao oposto do que possa pensar diante da onerosidade excessiva a
parte não está livre do cumprimento da prestação, sendo possível o
requerimento judicial da resolução ou revisão do contrato. Todavia, não será
admissível a parte ingressar em juízo, se o adimplemento aconteceu antes do
fato considerado imprevisível.130
Determina o art. 480 do CC que:
Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das
partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida,
ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a
onerosidade excessiva.131
Permite o dispositivo em apreço, que o contraente lesado possa
pleitear a redução do montante devido, ou, requerer a modificação da forma
acordada para pagamento. Na interpretação de Monteiro, o dispositivo
“possibilita a revisão contratual por pedido do detentor das obrigações do
contrato, objetivando a redução da prestação ou a alteração do modo de
executá-la, em garantia do equilíbrio contratual”.132
Assevera Coelho que o artigo transcrito garante o “direito de o obrigado
por contrato unilateral pleitear sua revisão em juízo”, e que a comutatividade
não é o único pressuposto para obter-se a revisão judicial do contrato, pois o
juiz poderá tornar justas as obrigações também dos contratos aleatórios e
unilaterais, dependendo das circunstâncias.133
128
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 546.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil: direito das obrigações: 2ª
parte. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 86.
130
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 244.
131
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 480.
132
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil: direito das obrigações: 2ª
parte. p. 86.
133
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 108.
129
35
Destaca-se que a imprevisão ou a excessiva onerosidade jamais
incidirá se os efeitos do contrato continuar a serem produzidos e as prestações
cumpridas, sempre que as circunstâncias que existiam no momento da
celebração do contrato não venham a sofrer alterações.
Destaca Santos, que o principal efeito jurídico que sucede da
onerosidade excessiva superveniente é resolutório, ou seja, o contrato se
extingue. Entretanto, segundo o autor:
[...] como o legislador brasileiro quis preservar o contrato,
previu que as partes optem pela modificação ou revisão, em
vez da extinção pura e simples que ocorre com a resolução. A
parte afetada pode escolher entre demandar a resolução ou
pugnar pela revisão do contrato, de maneira a reconduzi-lo à
equidade. Assim, não será subtraída da parte que pretende
manter a avença, mas não pode se submeter à prestação
excessiva, a viabilidade de acomodar o contrato às novas
circunstâncias. 134
A onerosidade excessiva é o motivo de resolução que se aproxima
mais da inexecução involuntária do que da voluntária. Neste sentido ratifica
Gomes que:
[...] aquela, não dá lugar a perdas e danos, de modo que não
faz jus a qualquer indenização a parte que teria vantagem com
a execução do contrato. O outro contratante exonerou-se de
suas obrigações como se seu cumprimento se tornara
impossível.135
Importante mencionar que também trata da revisão dos contratos por
onerosidade excessiva a Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, que regula as
locações, prevendo expressamente em seu art. 19 a revisão judicial do aluguel
para reajustá-lo de acordo com o preço de mercado.136
A Lei n. 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, prevê dois
modos de onerosidade excessiva: “a que sobrevém ao contrato celebrado e a
que surge no momento da celebração”, em razão de fatos supervenientes que
as tornem excessivamente onerosas trata o art. 6°, V, ou a nulidade delas, art.
51, V, e §1º, III, ambas do CDC.137
Conclui Santos que:
134
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 247.
GOMES, Orlando. Contratos. p. 219.
136
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil: direito das obrigações, 2 parte.
p. 86.
137
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 282.
135
36
[...] diferentemente de como vem prevista no Código Civil, a lei
de proteção do consumidor não exige a imprevisibilidade e a
extraordinariedade do fato para que a prestação se transforme
em excessivamente onerosa. A teoria da imprevisão não tem
aplicação nas relações de consumo.138
Nesse contexto, procura a Teoria da Imprevisão investigar:
[...] se é justo, e em que termos, admitir a revisão ou resolução
dos contratos, por intermédio do juiz, pela superveniência de
acontecimentos imprevistos e razoavelmente imprevisíveis por
ocasião da formação do vínculo, e que alterem o estado de fato
no qual ocorreu a convergência de vontades, acarretando uma
onerosidade excessiva para um dos estipulantes.139
A doutrina, em estudo, apresenta os pressupostos para a aplicação da
teoria da imprevisão, não existindo, portanto, grandes diferenças na
enumeração dos requisitos indispensáveis a aplicação dessa teoria. E para não
confundir, no tópico seguinte, há a diferença entre as situações de caso fortuito
e de força maior.
2.3 O CASO FORTUITO/FORÇA MAIOR E A IMPREVISÃO
O
momento
de
imprevisão
tem
como
elementos
comuns
a
imprevisibilidade e a inevitabilidade do acontecimento superveniente. O caso
fortuito e a força maior, diverge da imprevisão, pelo motivo que aqueles exigem
a concordância de uma real impossibilidade no cumprimento da prestação, não
sendo suficiente à mera “dificultas praestandi”140, pois na imprevisão “a
dificuldade de cumprir, quando assume o caráter de grave, é precisamente um
dos elementos de sua razão de ser”.141
A resolução por inexecução contratual involuntária distingue-se pela
impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato. Deve ser objetiva,
138
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 283.
FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1958. p. 19.
140
A simples “dificuldade da prestação” é inconfundível com a impossibilidade. O que equivale
a essa é a exorbitância que transplanta o problema para o terreno da realidade da vida, onde o
desproporcional ofenderia a todo propósito de organização acertada, humana, da sociedade.
141
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 248.
139
37
ou seja, não referir-se à pessoa do devedor, pois deixa de ser involuntária se
de alguma maneira este motiva para que a obrigação se torne impossível.142
A resolução pode ainda ocorrer de fato não atribuído às partes, como
acontece nos casos de ação de terceiro ou de acontecimentos inevitáveis,
alheios à vontade dos contraentes, denominados caso fortuito ou força maior,
que impossibilitam o cumprimento da obrigação.143
O princípio da exoneração pela inimputabilidade, exprime-se em tese à
irresponsabilidade do devedor pelos danos, quando resultam de caso fortuito
ou de força maior.
Pereira acrescenta que:
[...] não distingue a lei a vis maior do casus, e assim procede
avisadamente, pois que nem a doutrina moderna nem as fontes
clássicas têm operado uma diversificação bastante nítida de
uma e outra figura.144
Conforme previsto no art. 393 do CC “o devedor não responde pelos
prejuízos resultantes de caso fortuito, ou força maior, se expressamente não se
houver por eles responsabilizado”.145
O parágrafo único do artigo transcrito conceitua o caso fortuito e a força
maior como o fato necessário, cujos resultado não são possíveis evitar, ou
impedir. No entanto, a lei considera iguais os dois fenômenos, pois para o
Código abrange todo evento não imputável, que impede o cumprimento da
obrigação sem culpa do devedor.146
Venosa afirma que “caso fortuito e força maior são situações
invencíveis, que refogem às forças humanas, ou às forças do devedor em
geral, impedindo e impossibilitando o cumprimento da obrigação”.147
Diniz difere força maior de caso fortuito pelo:
[...] motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, pois
se trata de um fato da natureza, p. ex., um raio que provoca
incêndio; inundação que danifica produtos ou intercepta as vias
de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria
142
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 168.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 168.
144
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações:
volume II. 22. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 340.
145
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 471.
146
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações:
volume II. 22. p. 340.
147
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria feral dos
contratos. p. 299.
143
38
prometida, ou um terremoto que ocasiona grande prejuízos etc.
[...] No caso fortuito o acidente que acarreta o dano advém de
causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe
e cais sobre fios telefônicos, causando incêndio; explosão de
caldeira de usina, provocando morte.148
Com base na obra de Monteiro, Venosa conclui que:
[...] a força maior é o fato que resulta de situações
independentes da vontade do homem, como um ciclone, um
maremoto, uma tempestade; o caso fortuito é a situação que
decorre de fato alheio à vontade da parte, mas proveniente de
fatos humanos, como uma greve, uma guerra, um incêndio
criminoso provocado por terceiros etc. É a posição mais
homogênea. No entanto, para fins práticos, pouco importa a
distinção.149
Tanto no caso fortuito, como na força maior, inexiste a culpabilidade do
devedor, que fica dispensado da obrigação, sem qualquer pagamento de
indenização. Justifica Azevedo, assim, que é difícil estabelecer “outro critério
diferenciador entre os referidos institutos jurídicos, pois que nenhum, dos que
se apresentam na doutrina, se reveste de precisão”.150
O inadimplente ou o contratante só será responsabilizado e obrigado a
ressarcir os prejuízos se tiver expressamente definido no contrato por ele
assinado, ou se já estava em mora antes do acontecimento de caso fortuito ou
de força maior (arts. 393 e 399 do CC).151
No entanto, caberá intervenção judicial apenas para coagir o
contratante a devolver o que recebeu. Ressalta Diniz que só nos casos em que
se tratar de “impossibilidade superveniente, total, objetiva e definitiva,
proveniente de caso fortuito ou força maior, cujos efeitos não podem ser
evitados pelo devedor”.152
A sentença terá natureza declaratória e poderá obrigar o contratante a
restituir o que recebeu. O efeito da resolução por inexecução decorrente de
fortuito e força maior é retroativo.153
148
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. p. 193.
MONTEIRO, Washington de Barros apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria
geral das obrigações e teoria feral dos contratos. p. 300.
150
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações. p. 271.
151
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 169.
152
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. p. 193.
153
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, volume III: contratos e atos unilaterais. p. 169.
149
39
O descumprimento obrigacional deve ser motivado de culpa, o que
para Azevedo:
[...] o autor do ato ilícito contribui com sua vontade. Há
situação, contudo, que ocorrem sem a participação da vontade
do inadimplente, ou em razão de fenômenos naturais, ou de
acontecimento causados por terceiro.154
Não obstante, o credor poderá requerer indenização, responsabilizando
o devedor pelos danos derivados de força maior ou caso fortuito se:
a) as partes convencionarem expressamente que o devedor
responderá pelo cumprimento da relação obrigacional, mesmo
ocorrendo força maior ou caso fortuito, de forma que nessa
hipótese prevalecerá a vontade dos contraentes. b) O devedor
estiver em mora (CC, arts. 394 a 399), por não ter efetuado o
pagamento no tempo, lugar e forma estipulados, devendo,
então, responder não só pelos prejuízos causados pela sua
mora, mas também pela impossibilidade da prestação,
resultante de força maior ou caso fortuito ocorridos durante o
atraso, exceto se provar isenção de culpa, ou que o dano
sobreviria, mesmo que a obrigação tivesse sido desempenhada
no memento oportuno. c) O mandatário, não obstante proibição
do mandante, se fizer substituir na execução do mandato, pois
pelo Código Civil, art. 667, §1º, deverá responder ao seu
constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do
substituto, embora provenientes de força maior ou caso fortuito,
salvo se provar que os dano sobreviriam, ainda que não tivesse
havido substabelecimento. d) O devedor tiver de cumprir
obrigação de dar coisa incerta, pois antes da escolha não
poderá alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por
força maior ou caso fortuito (CC, art. 246).155
E mais:
Se a impossibilidade for temporária, como se verifica com
freqüência nos contratos de execução continuada, não se terá
resolução, mas apenas suspensão do contrato, exceto se essa
impossibilidade persistir por largo espaço de tempo, a ponto de
o credor se desinteressar da obrigação. E se for parcial essa
impossibilidade, a resolução do ajuste não se imporá, pois o
credor poderá ter interesse em que o contrato se excute assim
mesmo. 156
De acordo com Bessone, a prova do caso fortuito ou força maior
compete a quem, com base no ocorrido, quer liberar-se da responsabilidade.
Seus efeitos podem ser transitórios, o que suspenderá apenas a execução do
154
155
156
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações. p. 270.
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. p. 194-195.
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. p. 195.
40
contrato, ou se for definitivo, se extinguirão os direito e as obrigações das
partes.157
Pereira, ao abordar sobre os efeitos jurídicos, escreve que:
De regra exime-se o devedor de cumprir a obrigação ou de
responder pelos prejuízos, uma vez demonstrado que a
inexecução se deveu à verificação do caso fortuito ou força
maior – casus vel damnum fatale. Apurada a ocorrência do
acontecimento necessário e inevitável, à vista das
circunstâncias particulares à espécie, desaparece, para o
credor, o direito a qualquer indenização. Esta ausência de
direito, que os romanos apelidaram de periculum e os
modernos denominam riscos e perigos, envolve os casos em
que a prestação não pode ser cumprida, objetiva ou
subjetivamente.158
Se
do
acontecimento
extraordinário
não
ocasionar
a
total
impossibilidade da prestação, estará desobrigado o devedor da parte atingida
ou “se forrará da mora”, se apenas tiver como resultado o atraso na sua
execução. Mas não poderá alegar “o fortuito para exoneração absoluta,
beneficiando-se fora das marcas”.159
Não existe unanimidade entre os autores no que diz respeito ao
conceito de força maior e caso fortuito, existindo até mesmo uma parte
considerável da doutrina que os tem como sinônimos.
Surgem, assim, o caso fortuito e a força maior, de um acontecimento,
que, sendo necessário, é, também, inevitável 160. O que difere totalmente da
resolução por onerosidade excessiva, diante da superveniência de casos
extraordinários e imprevisíveis, gerando a impossibilidade subjetiva de sua
execução, que causa lucro desproporcional para uma parte ou sacrifício
demasiado para outra.161
Tendo como objetivo a verificação da aplicação da teoria da imprevisão
diante de problemas decorrentes de períodos de crise econômica e sua
resolução de acordo com as jurisprudências, necessário se faz estudar o
conceito de crise econômica e seu impacto na esfera contratual.
157
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. p. 199.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações:
volume II. p. 343.
159
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações:
volume II. p. 343.
160
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações. p. 271.
161
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. p. 195.
158
41
42
3 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS TRIBUNAIS
BRASILEIROS EM FACE DAS CRISES FINANCEIRAS
3.1 CRISE FINANCEIRA E A TEORIA DA IMPREVISAO NO DIREITO
Presume-se que os negócios são realizados, normalmente, de boa-fé,
conforme uma dada conjuntiva econômica. Por outro lado, pergunta-se: é
possível uma crise financeira nacional e/ou internacional afetar os negócios?
Se ocorrer desequilíbrio entre as partes de um contrato, é possível a aplicação
jurídica da Teoria da Imprevisão para que o contrato seja cumprido com
equidade?
Para análise do presente estudo reforça-se que o direito é uma ciência
além de jurídica, é sociológica, histórica, econômica e política, e como tal,
deve-se adequar as evoluções da sociedade, principalmente em relação ao
contrato que são negócios jurídicos que refletem em toda a coletividade.
A ordem econômica no Brasil, conforme determina o art. 170162 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, baseia-se na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por finalidade
assegurar uma existência digna a todos, de acordo com os ditames da justiça
social.163
Diante de uma sucessão de acontecimentos políticos, com repercussão
na atividade econômica, entre os séculos XVI e XIX, transformou a civilização
européia. As modificações por que passou o contrato em todos os sistemas
jurídicos e em vários períodos da nossa civilização guardam estreita relação
com as alterações sociais, econômicas e políticas.164
162
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: [...]”. BRASIL. Constituição da Republica
Federativa do Brasil. Art. 170. Disponível em: <www.planalto.com.br>. Acesso em 9-5-2009.
163
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p. 278-279.
164
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 28-29.
43
Até metade do século XVIII a condição econômica estava baseada na
proteção do comerciante e do industrial, e esta deveria estender-se às
exportações.
Nesse sentido, narra Santos que:
[...] foi proibido o exercício da livre troca, sendo gravados com
elevados impostos os produtos importados. A vida econômica
era rigidamente controlado pelo Estado. Estes princípios
econômicos fizeram surgir um incrível desenvolvimento
industrial, favorecido pela demanda de produtos, a abundância
de capital circulante e o protecionismo estatal.165
Juntamente a esses acontecimentos na política e na economia, dois
fatos transformaram a história da humanidade: a Revolução Industrial e a
Revolução Francesa, desenvolvendo todo um sistema político e, desta forma, o
Direito não poderia ficar inerte a esse influência social, político e econômica.166
O entendimento clássico do contrato, firmado na autonomia da vontade
e da força vinculante, sofreu a sua queda com o surgimento de fatos que
alteraram a economia de países e, por conseqüência, o conteúdo do que as
partes contratantes livremente aceitaram.167
O ressurgimento da Teoria da Imprevisão é a conseqüência da
intervenção estatal na economia e da conseqüente ruptura com o Liberalismo
Clássico.168
A Teoria da Imprevisão é destinada ao restabelecimento da
comutatividade das prestações contratuais, afetada por eventos imprevisíveis,
que as tornam excessivamente onerosas à parte que, por ventura, venha
adimplir o contrato, a ponto de lhe causar uma lesão caso o contrato seja
cumprido.
Para Wald, esta teoria é uma segurança, pois limita a autonomia da
vontade em favor da efetiva comutatividade dos contratos. 169 Nos contratos, “há
o direito subjetivo do contratante ao equilíbrio econômico e financeiro; este,
uma vez rompido, deve ser restabelecido”.170
165
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 30.
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 30.
167
MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p.
12-15.
168
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da
vontade e teoria da imprevisão. p. 217.
169
WALD, Arnoldo apud MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São
Paulo: Saraiva, 2001. p. 133.
170
MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. p. 133.
166
44
Denota-se que o mundo vive hoje o seu momento de maior
instabilidade econômica em decorrência do cenário econômico globalizado e,
por isso, uma crise em qualquer país desenvolvido acarreta problemas nos
demais mercados.
Os mais afetados são particulares e empresas que realizam diversos
contratos que têm como indexador a moeda norte americana e, em momentos
de crise o dólar sobe descontroladamente, interferindo diretamente nos valores
das prestações.
Bobbio, Matteucci e Pasquino, ao falar em crise econômica assim se
expressam:
Chama-se a crise a um momento de ruptura no funcionamento
de um sistema, a uma mudança qualitativa em sentindo
positivo ou negativo, a uma virada de improviso, algumas
vezes até violenta e não prevista no módulo normal segundo o
qual se desenvolvem as interações dentro do sistema em
exame. As crises são habitualmente caracterizadas por três
elementos. Antes de tudo, pelo caráter de subitaneidade e por
vezes de imprevisibilidade. Em segundo lugar, pela sua
duração normalmente limitada. E, finalmente, pela sua
incidência no funcionamento do sistema.171
Pertinente o conceito de crise econômica: “perturbação na vida
econômica, atribuída pela economia clássica a um desequilíbrio entre produção
e consumo, localizado em setores isolados da produção.172
Em tempo de estabilidade e de segurança econômica, talvez nem
fosse necessário tanto desgaste com o real projeto da onerosidade excessiva.
Todavia, com os constantes sobressaltos dos países em desenvolvimento, e a
cada passo mudanças repentinas na condução da política econômica afetem
seus habitantes, o Poder Legislativo tem se preocupado em outorgar leis que
garantam a possibilidade de o contrato ser revisto se acontecerem situações
que dificultem a sua execução.173
A questão é saber quando a abrupta mudança na economia é capaz de
surpreender a sociedade como um todo?
A caracterização do fato imprevisível e extraordinário que mostra a
onerosidade excessiva, ou se o fato era previsto, estava dentro daquelas
171
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986. p. 41.
172
SANDRONI, Paulo. Novo Dicionário de Economia. 8. ed. São Paulo: Editora Best Seller,
1992. p. 81.
173
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 253.
45
circunstâncias em que o cidadão normal e diligente seria capaz de prever e,
por conseguinte, impede a alegação de imprevisibilidade.174
Segundo Santos, a Teoria da Imprevisão desenvolve-se:
[...] em situações que produzem mutação de importâncias
contratadas, que surgem no fenômeno contumaz da desvalorização
monetária, inflação e crise econômica. A dificuldade com a qual se
antepara o órgão julgador é saber se e quando o fato pode ser
considerado imprevisível e extraordinário.175
Salienta-se que, em princípio, não é qualquer desequilíbrio econômico
das prestações a cargo dos contratantes que justifica o fim do contrato, pois se
assim fosse, estaria se criando um mundo contratual de completa insegurança.
A lei não interfere nas escolhas e nas iniciativas econômicas
assumidas pelos contratantes privados, apenas em casos de ilicitude ou para:
[...] assegurar a prevalência da ordem publica e da função
social do contrato. O risco assumido pelos contratantes faz
parte do negócio, na medida em que tem liberdade de buscar o
lucro.176
Por isso, a inflação, em si, não é causa para a resolução de contrato
por onerosidade excessiva. Por muito tempo o Brasil viveu sem o pesadelo da
inflação que consumia bens e salários. A propósito, presume Santos:
[...] que o país volte a viver processo inflacionário. Se a inflação surge
aos pouco e, gradativamente, vai aumentando, a imprevisibilidade
deixa de existir e o contratante não pode se valer dela para empecer
o cumprimento do contrato na forma como foi celebrado.
Agora, se todos os brasileiros estão acostumados com razoável
estabilidade nos preços e, em um mês, há um acréscimo de 20%
nesses preços, quando todos os indicadores e até mesmo o governo
afirmam que a estabilidade veio para ficar e que é algo perene,
insuscetível de modificações, se não houver a contrapartida
representada por aumento de salários fica claro que o contratante não
terá como cumprir ao que se obrigara antes da inflação de dois
dígitos. A imprevisão, a extraordinariedade e o prejuízo seriam
requisitos para fazer valer a técnica da resolução dos contratos, a
cláusula rebus sic stantibus.177
É fato notório que no decorrer da execução de um contrato
circunstâncias aleatórias podem causar um sacrifício patrimonial para um dos
contratantes ou a impossibilidade de cumprir conforme o exato contrato.178
174
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 253.
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 253.
176
CARDOSO, Débora Rezende apud MARQUES, Claudia Lima (org.). A nova crise do
contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007. p. 532.
177
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 253-254.
178
CARDOSO, Débora Rezende apud MARQUES, Claudia Lima (org.). A nova crise do
contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. p. 532.
175
46
No Brasil foram implementadas cinco reformas monetárias, todas nos
últimos 50 anos. A respeito deste assunto Barroso descreve tais mudanças:
[...] 1. mil réis em cruzeiro: 1942; 2. cruzeiro em cruzeiro novo:
1965/1967; 3. cruzeiro em cruzado (Plano Cruzado) 1986; 4.
cruzado em cruzado novo (Plano Verão): 1989; 5. cruzado
novo em cruzeiro (Plano Collor): 1990.179
Na economia existiriam momentos regulares de oferta de mão de
obras, capacidade de produção, disponibilidade de matérias primas, que
oscilaram a atividade econômica entre pontos mínimos, geralmente marcados
pelas quebra do equilíbrio entre produção e consumo, acompanhada de
redução da atividade econômica, desemprego e falência, são os momentos de
crise econômica.180
Segundo Barroso, este tipo de crise, denominado de crise capitalista,
uma vez que se originou no próprio sistema, não se confunde com outra
espécie de crise, que se pode dizer não-capitalista, decorrente de
circunstâncias eventuais, como os fenômenos naturais – secas, inundações,
geadas, etc. – ou fatos humanos não-regulares, como a guerra.181
Medidas econômicas que são tomadas repentinamente, de forma a
ocasionar surpresa, como o foi o confisco dos depósitos bancários no chamado
Plano Collor, implicam um fato imprevisível e extraordinário. Da mesma forma,
quando o processo inflacionário atinge um percentual muito mais alto do que se
esperava, chegando à hiperinflação ou superinflação, causa grande aceleração
em pouco tempo, ocasiona fato surpreendente, extraordinário e imprevisível
que faz ensejar a onerosidade excessiva.182
Outro fato é que vive-se sob a opressão econômica; qualquer motivo,
especulações, por exemplo, servem para a alta ou queda na Bolsa de Valores
e no valor do dólar. Ressalta Santos, que:
Nesse contexto econômico, os países ditos subdesenvolvidos
sempre estarão às voltas com fenômenos como o da inflação,
da desvalorização da moeda nacional e a queda de expectativa
179
BARROSO, Luís Roberto. Crise Econômica e Direito Constitucional. Revista trimestral de
direito Público. p. 34.
180
BARROSO, Luís Roberto. Crise Econômica e Direito Constitucional. Revista trimestral de
direito Público. p. 41.
181
BARROSO, Luís Roberto. Crise Econômica e Direito Constitucional. Revista trimestral de
direito Público. p. 41.
182
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 254.
47
com o investimento operado em Bolsa de Valores.183(grifo
nosso)
Por esses motivos, deve-se ressaltar que se torna indispensável à
intervenção do Estado nas relações contratuais. A interpretação legal,
doutrinária e jurisprudencial, da resolução por onerosidade excessiva deve ser
muito bem delineada, para que a revisão judicial possa proteger a igualdade e
o equilíbrio do contrato, não se transformando em um meio de fraudar o
cumprimento da relação negocial.184
Pertinente ao tema, analisa-se a aplicação da Teoria da Imprevisão no
Tribunal de Justiça de Santa Catarina e a corrente dominante no Superior
Tribunal de Justiça.
3.2 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE SANTA CATARINA
Através de levantamento dos julgados publicados no Tribunal de
Justiça de Santa Catarina pode-se ressaltar, inicialmente, que a onerosidade
excessiva é trazida a julgamento quase que exclusivamente nos contratos: de
arrendamento mercantil (leasing), compromisso de compra e venda de imóvel e
mútuo bancário. Mais raros são os acórdãos que se pronunciam a respeito da
Teoria da Imprevisão em outras situações que não nos contratos acima
assinalados, essas exceções estão, por exemplo, em ações de alimentos e em
contratos de fornecimento.
Como os acórdãos pesquisados tratam de ações ajuizadas durante a
vigência do Código Civil de 1916, e este não previa a onerosidade excessiva,
ao ingressar em juízo a parte prejudicada invocava o Código de Defesa do
Consumidor, por encontrar deste dispositivo legal fundamentação para requer a
aplicação da Teoria da Imprevisão.
Colacionam-se os principais julgados pesquisados no Tribunal de
Justiça de Santa Catarina que aplicaram ou não a teoria em questão.
183
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 255.
CARDOSO, Débora Rezende apud MARQUES, Claudia Lima (org.). A nova crise do
contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. p. 533.
184
48
A ementa ora comentada refere-se a contrato de arrendamento
mercantil, objeto um micro ônibus 310 D Sprinter ano 1998. Edemar R. & Cia
Ltda ingressou em juízo contra Mercedes Benz Leasing – Arrendamento
Mercantil S/A., pleiteando, em resumo, a substituição do índice pactuado, dólar
americano, pelo INPC. Justificando que com a elevação do dólar, em janeiro de
1999, as prestações assumidas tornaram-se excessivamente onerosas. O juiz
a quo julgou procedente o pedido e determinou a substituição da variação
cambial pelo INPC. Inconformada a empresa apelou afirmando que não há
onerosidade excessiva e a impossibilidade da aplicação da teoria da
imprevisão. Contudo, decidiu a Câmara que diante dos fatos de onerosidade
excessiva das prestações do contrato, justifica-se, por justiça, adequar o índice
monetário ao contrato celebrado, por isso, manteve-se o decidido em sentença
e negou-se provimento ao recurso.
REVISÃO CONTRATUAL - Arrendamento mercantil - Contrato
atrelado à variação cambial - Alteração brusca da política
econômica - Fato superveniente - Direito à modificação de
cláusula excessivamente onerosa - Incidência do art. 6º, V do
CDC - Substituição do critério de reajuste das prestações
autorizada - Aplicação do INPC - Inexistência de prova,
ademais, da captação de recursos no mercado externo Decisum incensurável - Reclamo recursal desacolhido.
Emerge claro do art. 6º, inc. V do CDC constituir-se em direito
básico do consumidor a revisão de cláusulas contratuais que,
em
decorrência
de
fatos
supervenientes,
tornem
excessivamente onerosas as prestações. Não exige a
legislação consumerista, no dispositivo cogitado, da
imprevisibilidade do fato acarretador do excesso de
onerosidade, bastando, para a integração do direito do
consumidor à revisão, a superveniência dele à formação do
contrato. Nesse contexto, inquestionável faz-se que a drástica
mudança ocorrida na política econômica do país, com a
desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar norteamericano, implicou em oneração excessiva das prestações
para aqueles que celebraram contratos de arrendamento
mercantil com vinculação do reajuste das prestações à moeda
estrangeira, acarretando um manifesto desequilíbrio das
relações contratuais, restando autorizada, pois, a revisão da
respectiva cláusula. [...]185
Ação de revisão contratual ajuizada por Trans-Decore Transportes e
Serviços Ltda. contra Banco Itaú S/A. Alega o autor que, em 2-1-1995, firmou
com o réu contrato de mútuo no valor de R$10.000,00, com vencimento em 2185
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. AC n. 1999.021130-4, de Chapecó. Quarta Câmara
Civil. Câmara Cível. Relator Des. Trindade dos Santos. Julgado em 29-8-2002. Disponível em:
< http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 22-5-2009.
49
2-1996, e que, diante da grave crise financeira pela qual está passando, em
decorrência da recessão econômica que se abateu sobre o país, não tinha
condições de quitar pontualmente os valores decorrentes do contrato
celebrado, principalmente em virtude das altas taxas de juros praticadas. Cita
amparo no art. 192, § 3º, da Constituição Federal, e na teoria da imprevisão,
que dá ensejo à revisão das cláusulas contratuais. No entanto, nesse caso,
entende o relator que não ficou configurado fato superveniente e extraordinário,
como se compreende do inteiro teor do acórdão.
SENTENÇA
JULGAMENTO
ANTECIPADO
DISPENSABILIDADE DA PROVA PERICIAL REQUERIDA CERCEAMENTO INOCORRENTE.
[...]
JUROS REAIS - OPERAÇÃO BANCÁRIA - LIMITE DE 12%
AO ANO - ART. 192, PAR. 3º, DA CF/88 - PRECEITO NOT
SELF ENFORCING.
"A regra inscrita no art. 192, par. 3º, da Carta Política - norma
constitucional de eficácia limitada - constitui preceito de
integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de
sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do
comando nela positivado" (STF).
AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - ALEGAÇÃO DE EXCESSIVA
ONEROSIDADE
DECORRENTE
DA
INSTABILIDADE
FINANCEIRA DO PAÍS - TEORIA DA IMPREVISÃO INAPLICABILIDADE.
A teoria da imprevisão, como pressuposto de revisão de
cláusulas contratuais, só tem lugar quando, em virtude de
acontecimentos extraordinários que determinam radical
alteração no estado de fato contemporâneo à celebração da
avença, se torne extremamente difícil e oneroso a uma das
partes o cumprimento da obrigação assumida.
Assim, conforme adverte Orlando Gomes "nos casos de
desequilíbrios conseqüentes à depreciação monetária, é
impossível justificar a intervenção judicial na economia do
contrato sob o fundamento da imprevisão. Quem quer que
contrate num país que sofre do mal crônico da inflação sabe
que o desequilíbrio se verificará inelutavelmente se a prestação
pecuniária houver de ser satisfeita algum tempo depois da
celebração do contrato. O desequilíbrio é, por conseguinte,
previsível, pelo que à parte que irá sofrê-lo cabe acautelar-se.
Demais disso, a desproporção resultante da perda do valor da
moeda não é conseqüência de evento extraordinário onde a
depreciação é um fato constante".186
A ementa transcrita abaixo, refere-se à interposição de agravo de
instrumento contra a decisão de antecipação de tutela proferida pelo juiz da
186
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. AC n. 1996.008312-0, de Joinville. Terceira Câmara
Cível. Relator Des. Eder Graf. Julgado em 12-11-1996. Disponível em: <
http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 22-5-2009.
50
comarca, que deferiu liminar para que o contrato de arrendamento mercantil
fosse corrigido pelo INPC, e não mais pelo dólar americano como foi acordado.
O agravo foi provido, em favor do credor, pois o Desembargador relator
considera previsível a variação do dólar americano. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - LEASING - PRESTAÇÕES REAJUSTAMENTO DE ACORDO COM A VARIAÇÃO DO
DÓLAR AMERICANO - LEGALIDADE - TEORIA DA
IMPREVISÃO - INAPLICABILIDADE - RECURSO PROVIDO.
"Não se reveste da indispensável verossimilhança pedido de
revisão de contrato de 'leasing' calcado no fato da
desvalorização do real em relação ao dólar, não só porque era
previsível, mas também porque inexistente prova de ter
resultado em injusta vantagem ao arrendador" (AI n.
99.009539-8, rel. Des. Newton Trisotto).187
No próximo caso, a Quarta Câmara Cível admite a aplicação da revisão
do contrato de compra e venda de veículo:
AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATUAL. CONTRATO DE
ADESÃO
CONFIGURADO.
MULTA
CONTRATUAL.
LIMITAÇÃO EM 2%. APLICAÇÃO DO ARTIGO 52, § 1º, DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS. AUTOAPLICABILIDADE DO ARTIGO 192, § 3º DA CARTA MAGNA.
CONTRATO EM DÓLAR. TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO
JURÍDICO. RUPTURA DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL.
DIREITO AO REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES POR ÍNDICE
QUE REFLITA A DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA. EXEGESE
DO ART. 6º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
A orientação jurisprudencial tem evoluído no sentido de
possibilitar o controle dos contratos de adesão, aplicando-se o
Código de Defesa do Consumidor, ainda que se trate de pacto
de financiamento.
Considera-se contrato de adesão aquele cujas cláusulas
tenham sido estipuladas unilateralmente pelo fornecedor ou
prestador de serviços, sem a participação do consumidor,
vedando-lhe discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.
[...]
A limitação de juros reais, por ser decorrência do princípio da
defesa do consumidor, é matéria de ordem pública, podendo
ser conhecida de ofício pelo magistrado, a qualquer tempo e
em qualquer grau de jurisdição.
As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer
outras remunerações direta ou indiretamente referidas à
concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por
cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada
como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades,
nos termos que a lei determinar.
[...]
187
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. AI n. 2000.008754-8, de Tubarão. Segunda
Câmara Cível. Relator Des. João Martins. Julgado em 17-11-2000. Disponível em: <
http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 22-5-2009.
51
É secundária a discussão em torno da previsibilidade da
flutuação cambial, uma vez que o Código de Defesa do
Consumidor expressamente estabelece o direito à revisão da
avença atingida por eventos supervenientes que tenham
rompido a comutatividade, não exigindo fossem imprevisíveis,
tampouco extraordinários (art. 6º., CDC).188
A Terceira Câmara de Direito Comercial apreciou o recurso da
Volkswagen Leasing S/A, vencida em sentença que julgou procedente ação de
modificação de cláusula contratual ajuizada por Léia M., condenando a
instituição financeira a substituir a cláusula de reajuste das prestações que
tinha como indexador o dólar americano, pelo INPC. Alegou a apelante à
impossibilidade jurídica da intervenção do Estado na avença, a inaplicabilidade
da teoria da imprevisão e a não incidência do CDC. Todavia, o relator negou
provimento ao recurso, confirmando a sentença e de ofício limitou os juros
remuneratórios em 12% ao ano e a redução da multa para 2%, conforme se
compreende da leitura do inteiro teor do acórdão. Transcrita a emenda
publicada:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE
ARRENDAMENTO
MERCANTIL
RECURSO
DA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR - SUBSTITUIÇÃO DO DÓLAR
PELO INPC-IBGE PARA REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAPTAÇÃO DE
RECURSOS NO EXTERIOR - DESPROVIMENTO.
Em não comprovando a instituição financeira a captação de
recursos no exterior para a aquisição do bem arrendado, a
cláusula que indica o dólar norte-americano como fator de
correção das prestações deve ser afastada, aplicando-se o
INPC para este fim.
EXPURGO DE OFÍCIO DOS EXCESSOS CONTRATUAIS LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS EM 12% AO
ANO - INEXIGÍVEL A COMISSÃO DE PERMANÊNCIA REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA PARA 2% (ART. 52, § 1º
DO CDC).189
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Mercedez Benz
Leasing - Arrendamento Mercantil S.A., contra decisão proferida nos autos da
Ação Ordinária de Revisão de Cláusula Contratual, movida por Dilmar D. M.
188
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. AC n. 2000.010988-6, de Tubarão. Quarta Câmara
Cível. Relator Des. Pedro Manoel de Abreu. Julgado em 30-11-2000. Disponível em: <
http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 22-5-2009.
189
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. AC n. 2002.012483-0, de Dionísio Cerqueira.
Terceira Câmara de Direito Comercial. Relator Des. Alcides Aguiar. Julgado em 25-5-2006.
Disponível em: < http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 22-5-2009.
52
que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela determinando o depósito das
prestações reajustadas pelo INPC e manteve a arrendatária na posse do bem
arrendado. Argumenta que a crise econômica ensejadora da enorme
desvalorização do Real frente ao Dólar estadunidense já se desenhava no
momento de lavratura do contrato, donde inexistiria, a seu ver, a
imprevisibilidade. No entanto, a Câmara por maioria de votos negou provimento
ao recurso.
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. REQUISITOS
PRESENTES. VEROSSIMILHANÇA E RISCO DE DANO
COMPROVADOS.
PROCEDÊNCIA
DA
TUTELA
ANTECIPADA.
Satisfeitos os requisitos de existência de prova inequívoca e de
verossimilhança, com possibilidade de ocorrência de dano em
tempo inferior ao da defesa, é de se conceder a antecipação da
tutela initio litis.
No caso, é de ser deferido o depósito incidente das prestações
do contrato de leasing devidamente corrigidas com base no
INPC, evitando que o contratante, por conta da abrupta
desvalorização da moeda nacional frente ao dólar americano,
decorrente da mudança da política financeira do Banco Central,
tenha que desembolsar quantia excessiva para pagamento de
prestações de contratos de adesão corrigidas com base na
variação cambial.
PROTEÇÃO
LEGAL
DA
PARTE
CONTRATANTE.
DERROGAÇÃO DO PRINCÍPIO "PACTA SUNT SERVANDA".
O princípio "pacta sunt servanda" não se sobrepõe às
derrogações expressamente impostas pelo legislador,
mormente nos casos em que o espírito da lei tem por escopo a
proteção do contratante contra cláusulas abusivas.190
3.3 A APLICAÇAO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA
O fato novo superveniente, para ter o condão de modificar cláusulas
contratuais, deve ser imprevisível e de modo a impossibilitar o cumprimento da
obrigação.
Em decorrência da desvalorização da moeda ocorrida em janeiro de
1999, a quantidade de arrendatários de contratos de leasing, que previam a
190
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. AI n. 1999.004399-1, de Braço do Norte. Primeira
Câmara Cível. Relator Designado Des. Carlos Prudêncio. Julgado em 15-6-1999. Disponível
em: < http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 22-5-2009.
53
correção cambial fixada em dólar, receberam um grande susto com a política
do Governo e com a desvalorização do real.
Sobre o período, menciona Santos que a denominada “banda cambial”:
[...] previa que o dólar iria oscilar entre um valor (piso) e outro
(teto), em pequenas proporções. Assim foi durante alguns
anos. No dia 14 de janeiro de 1999, as pessoas que
celebraram contrato de leasing viram-se abrumadas pela
áspera desvalorização do real. A súbita alta da moeda norte
americana impediu o cumprimento dos contratos.191
Reflexo desse contexto foi à procura judicial pela revisão dos contratos.
Destacam-se dos acórdãos lavrados pelos Ministros do Superior Tribunal de
Justiça, as principais ementas, com destaque no texto ao tema em analise:
CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE
NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO
DE PAGAMENTO DE COMPRA E VENDA DE DIREITOS
MINERÁRIOS. PARTE VARIÁVEL. PERCENTUAL SOBRE
FATURAMENTO BRUTO PAGO TRIMESTRALMENTE ATÉ O
ESGOTAMENTO DA JAZIDA. QUITAÇÃO TRIMESTRAL.
INFLAÇÃO EXACERBADA. DEFASAGEM DO VALOR DA
MOEDA ATÉ A DATA DO PAGAMENTO TRIMESTRAL.
TEORIA DA IMPREVISÃO. CLÁUSULA REBUS SIC
STANTIBUS. RECONHECIMENTO DA PERDA EXCESSIVA
PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA RECURSAL. RECURSO
ESPECIAL.
DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL
NÃO
CARACTERIZADO. SÚMULAS N. 5 E 7-STJ.
I. Não padece de nulidade o acórdão se os embargos
declaratórios, além de inovarem a lide, apresentando questões
distintas daquelas postas e enfrentadas no julgamento da
apelação, que, decidida por maioria, deu origem aos embargos
infringentes, buscam, em verdade, forcejar uma reinterpretação
sobre a matéria fática apresentada nos autos e motivo de
apreciação pela Corte estadual.
II. Firmado no aresto a quo que a explosão inflacionária,
aliada à cláusula da avença que permitia uma defasagem
de até três meses entre a data da apuração do montante a
ser pago e a sua efetiva quitação junto às vendedoras dos
direitos minerários, constituía fato ulterior, imprevisto e
extremamente
oneroso
às
alienantes,
causando
desequilíbrio em relação ao pacto e ulteriores ratificações
convencionados sobre parte variável do preço, a
controvérsia recai no reexame fático e contratual, obstado
em sede especial, ao teor das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
[...]
IV. Recurso especial não conhecido.192
191
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. p. 257.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 46532/MG, Quarta Turma. Relator Ministro
Aldir Passarinho Junior. Julgado em 5-5-2005. DJ de 20-6-2005. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia >. Acesso em: 22-5-2009.
192
54
Cuida-se de recurso especial interposto por BBA Creditanstalt Fomento
Comercial Ltda. Em primeiro grau o pedido foi julgado improcedente e em sede
de apelação, o Tribunal reformou o decisum a quo, declarando nulidade da
cláusula de reajuste cambial e determinando a incidência da taxa referencial.
Alega o recorrente, em seu recurso ao STJ, que ao declarar nula a cláusula
contratual com variação cambial do dólar americano afrontou os arts. 2°, IV e
V, do Decreto-Lei n. 857/69, 6° da Lei n. 8.880/94, 27 da Lei n. 9.069/95, 3° do
CDC, o princípio da autonomia da vontade, dentro outros artigos.
Todavia, a terceira turma conheceu do recurso especial, mas foi
negado provimento por entender que a desproporcional indexação cambial do
sistema de bandas é fundamento para revisão contratual, porque é “decorrente
de fato superveniente que onerou a prestação contratual excessivamente”.
Veja-se a ementa:
Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de
conhecimento sob o rito ordinário. Cessão de crédito com
anuência do devedor. Prestações indexadas em moeda
estrangeira (dólar americano). Crise cambial de janeiro de
1999. Onerosidade excessiva. Caracterização. Boa-fé
objetiva do consumidor e direito de informação.
- O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC
dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente,
bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade
advinda para o consumidor.
- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda
estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual,
por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999,
apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de
caracterizar a onerosidade excessiva que impede o
devedor de solver as obrigações pactuadas.
- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada
quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é
acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida
no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida
que apenas a sociedade de fomento ao crédito estará
assegurada quanto aos riscos da variação cambial.
- É ilegal a transferência de risco da atividade financeira ao
consumidor, ainda mais quando não observado o seu direito à
informação.193
Pertinente citar:
CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM
CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL.
VALIDADE. ELEVAÇÃO ACENTUADA DA COTAÇÃO DA
193
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 417927/SP. Terceira Turma. Relatora
Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 21-5-2002. DJ de 1-7-2002. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia >. Acesso em: 22-5-2009.
55
MOEDA NORTE-AMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE
EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇÃO DOS ÔNUS.
LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V.
I. Não é nula cláusula de contrato de arrendamento mercantil
que prevê reajuste das prestações com base na variação da
cotação de moeda estrangeira, eis que expressamente
autorizada em norma legal específica (art. 6º da Lei n.
8.880/94).
II. Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos
termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato
superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso,
por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar,
situação de onerosidade excessiva para o consumidor que
tomou o financiamento.
III. Índice de reajuste repartido, a partir de 19.01.99 inclusive,
eqüitativamente, pela metade, entre as partes contratantes,
mantida a higidez legal da cláusula, decotado, tão somente, o
excesso que tornava insuportável ao devedor o adimplemento
da obrigação, evitando-se, de outro lado, a total transferência
dos ônus ao credor, igualmente prejudicado pelo fato
econômico ocorrido e também alheio à sua vontade.
IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.194
Recurso similar relatado pela Ministra Nancy Adrighi, no Resp 370598/
RS, em contrato de arrendamento mercantil, do qual extrai-se a ementa:
Comercial e Processual civil. Arrendamento mercantil.
Indexação em moeda estrangeira (dólar) - Crise cambial de
janeiro de 1999. Aplicabilidade do art. 6º, inciso V, do CDC.
Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do
consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da
captação de recurso financeiro proveniente do exterior.
Cobrança
antecipada
do
valor
residual
garantido.
Descaracterização do contrato. Aplicação do CDC.
- O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC
dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente,
bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade
advinda para o consumidor.
- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda
estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por
ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau
expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade
excessiva que impede o devedor de solver as obrigações
pactuadas.
- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada
quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é
acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida
no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida
que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos
riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor
indexada em dólar americano.
194
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 473140/SP. Segunda Seção. Relator Ministro
Carlos Alberto Menezes Direito. Julgado em 12-2-2003. DJ de 4-8-2003. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia >. Acesso em: 22-5-2009.
56
- É ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no
mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao
consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de
informação.
[...]
- O Código de Defesa do Consumidor aplica-se às operações
de leasing.
Recurso Especial a que se nega provimento.195
Nesse sentido têm sido as decisões reiteradas do Superior Tribunal de
Justiça:
Agravo regimental. Arrendamento mercantil. Pagamento
antecipado do VRG. Descaracterização do contrato. Súmula
263/STJ. Limitação de Juros. Abusividade. Fundamento não
atacado (Súmula 283/STF). Código de Defesa do Consumidor.
Teoria da Imprevisão. Aplicabilidade. Reexame de prova.
Inviabilidade (Súmula 7/STJ).
I - Permanece hígida, sob a ótica do direito privado, a
orientação consagrada na Súmula 262/STJ.
II - Se o acórdão considerou abusiva a contratação dos juros
remuneratórios,
cumpria
ao
recorrente
impugnar,
especificamente, esse fundamento. Não basta para tal
sustentar a mera possibilidade legal de se contratarem juros
remuneratórios em patamar superior a 12% a.a.(Súmula
283/STF).
III - Segundo o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos
contratos de arrendamento mercantil.
IV - A abrupta e forte desvalorização do real frente ao dólar
americano constitui evento objetivo e inesperado apto a
ensejar a revisão de cláusula contratual, de modo a evitar
o enriquecimento sem causa de um contratante em
detrimento do outro (art. 6º, V, do CDC), em avença na qual
o risco cambial é repassado para o consumidor.
[...]
VI - Agravo regimental desprovido.196
Entendimento da primeira turma, na lavra do Min. Luiz Fux:
CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUAÇÃO ECONÔMICOFINANCEIRA DO VÍNCULO. DESVALORIZAÇÃO DO REAL.
JANEIRO DE 1999. ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA
REFERENTE AO PREÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA
IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE.
1. A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta,
como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio
econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público,
assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal
195
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 370598/RS. Terceira Turma. Relatora
Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 26-2-2002. DJ de 1-4-2002. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia >. Acesso em: 22-5-2009.
196
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag n. 456863/RS. Terceira Turma. Relator
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Julgado em 17-10-2002. DJ de 18-11-2002. Disponível em:
< http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia >. Acesso em: 22-5-2009.
57
específica (arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, II, d, 88 § 5º e 6º,
da Lei 8.666/93. Deveras, a Constituição Federal ao insculpir
os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a
atividade da administração à luz da cláusula mater da
moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse
equilíbrio, ao realçar as "condições efetivas da proposta".
2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na
súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar
norte-americano,
configurou
causa
excepcional
de
mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes.
3. Rompimento abrupto da equação econômico-financeira do
contrato. Impossibilidade de início da execução com a
prevenção de danos maiores. (ad impossiblia memo tenetur).
4. Prevendo a lei a possibilidade de suspensão do
cumprimento do contrato pela verificação da exceptio non
adimplet contractus imputável à administração, a fortiori,
implica admitir sustar-se o "início da execução", quando desde
logo verificável a incidência da "imprevisão" ocorrente no
interregno em que a administração postergou os trabalhos.
Sanção injustamente aplicável ao contratado, removida pelo
provimento do recurso.
5. Recurso Ordinário provido.197
E mais:
Recurso
especial.
Ação
revisional.
Contrato
de
arrendamento mercantil. Leasing. Variação cambial. CDC.
Teoria da imprevisão. Aplicabilidade.
I – É aplicável aos contratos de arrendamento mercantil o
Código de Defesa do Consumidor.
II - Não há como deixar de reconhecer no episódio da forte
desvalorização do real frente à moeda norte-americana,
ocorrida em janeiro de 1999, evento objetivo e inesperado, a
ensejar, com base no art. 6º, V, do CDC, a modificação da
cláusula contratual de ordem a evitar locupletamento de um
contratante em detrimento do outro.
III – Recurso especial não conhecido.
Diante da pesquisa efetuada durante o trabalho, constata-se na
aplicação da teoria da imprevisão pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina e
Superior Tribunal de Justiça, nos casos em que têm sido admitida, é a
constante resolução do pacto, e não sua conservação. A característica básica
dessa teoria, conforme já mencionado, é a revisão do contrato, com a
modificação de cláusula ou cláusulas que afetem o equilíbrio contratual, sem
que, para tanto, seja desfeita a avença.
197
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS n. 15154/PE. Primeira Turma. Relator Ministro
Luiz Fux. Julgado em 19-11-2002. DJ de 2-12-2002. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia >. Acesso em: 22-5-2009.
58
Deve-se acrescentar que a importância primordial da utilização da
Teoria da Imprevisão é sempre voltada para possibilitar as partes a revisarem o
contrato celebrado entre eles, uma vez que, quando da sua execução, muitas
vezes a realidade é outra totalmente diferente do momento em que foi firmado
o pacto entre eles, e que, caso não houvesse a admissibilidade desta teoria,
poderia se tornar impossível o cumprimento do contrato.
59
CONCLUSÃO
Os principais fundamentos da teoria clássica dos contratos, a liberdade
de contratar, a força obrigatória dos pactos e os efeitos destes vinculando os
contratantes, predominam até hoje. Todavia, a relação contratual fica sujeita a
constante adequação, de maneira a não desnaturar o contrato originário.
Assim, para que a prestação assumida num contrato não se tornasse a
ruína de uma das partes e o enriquecimento injusto e exagerado do outro,
diante de acontecimento imprevisível e extraordinário, superveniente à
formação do contrato, é que originou-se a cláusula rebus sic stantibus, a
atualmente denominada Teoria da Imprevisão.
A partir do tema proposto, qual seja, a aplicação da Teoria da
Imprevisão aos contratos comerciais em virtude de fatos supervenientes
vinculados a crises financeiras, orientando-se ao longo do trabalho pelo
objetivo principal – restabelecer o equilíbrio entre os contratantes, evitando o
não cumprimento das cláusulas avençadas –, verificou-se que a resposta é
afirmativa.
Julga-se
considerando
oportuno
a
e
atual
instabilidade
no
o
desenvolvimento
mercado
financeiro
deste
trabalho,
mundial,
que
paulatinamente alcança a economia e o comércio brasileiro, trazendo
implicações indiretas nos contratos celebrados numa fase recente de maior
prosperidade da economia nacional.
A teoria da imprevisão e a revisão contratual estão previstas no Código
Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Sem limitar o estudo apenas
nesses dois diplomas legais, pretendeu-se apontar novas fontes de
conhecimento sobre a imprevisibilidade e suas implicações na esfera
contratual.
Nenhum credor pode impor o cumprimento de prestação quando houver
enorme sacrifício para o devedor, pois contrário à boa-fé e à probidade
contratual.
Ao pactuar, as partes o fazem levando em conta todas as circunstâncias
econômicas, sociais, políticas e jurídicas; observa-se o preço da mercadoria, o
60
custo do transporte, os impostos que incidem sobre o negócio efetuado, etc. É
diferente o contrato que tem sua execução instantânea ou que tem curto prazo
de cumprimento, pois, nessas hipóteses, não existe risco de que haja
modificações exteriores suscetíveis de alterar sobremaneira o contrato nesse
período.
Oportuno mencionar a realidade experimentada no Brasil, onde há uma
gama significativa de consumidores que opta por não realizar negócios “à
vista”: são aqueles que se valem de pagamento em longo prazo
(financiamento). E aí, não são raras as vezes em que fatos supervenientes
rompem com o equilíbrio da relação firmada, especialmente nos dias atuais, no
qual a situação econômica instável contribui para que haja a imprevisão e seu
efeito natural, que é a excessiva onerosidade.
Especialmente os contratos de longa duração, os de trato sucessivo,
podem ser atingidos por uma situação exterior não almejada, nem prevista
pelas partes e que traz sacrifício para uma delas, com perdas que podem
comprometer irremediavelmente seu patrimônio ou frustrar os ganhos que
eram esperados no contrato.
Constata-se, diante da pesquisa efetuada, a observância da Teoria da
Imprevisão pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina e Superior Tribunal de
Justiça, nos casos em que têm sido admitida, é a constante resolução do
pacto, e não sua conservação. A característica básica dessa teoria, conforme
já mencionado, é a revisão do contrato, com a modificação de cláusula ou
cláusulas que afetem o equilíbrio contratual, sem que, para tanto, seja desfeita
a avença.
61
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62
_________. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 370598/RS. Terceira Turma.
Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 26-2-2002. DJ de 1-4-2002.
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_________. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag n. 456863/RS. Terceira
Turma. Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Julgado em 17-10-2002. DJ
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_________. Superior Tribunal de Justiça. RMS n. 15154/PE. Primeira Turma.
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