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A DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO1
Luciane Celeski Guterres
RESUMO
Neste trabalho serão estudados os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, as circunstâncias em que surgiram, suas características, modos de configuração,
como passaram a ser tutelados pelo ordenamento jurídico, a lei que os conceituou e definiu
(Lei nº 8.078/90) e as principais situações protegidas. Em um segundo momento, será
abordada a legitimidade para defender judicialmente os interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, e revisada a discussão doutrinária acerca da natureza jurídica de tal
legitimação. Será destacada especialmente a atuação do Ministério Público, por meio do
inquérito civil, a possibilidade de realização da transação (materializada no compromisso de
ajustamento de conduta) e a questão da sua legitimidade para a defesa dos interesses
individuais homogêneos. Nesse último ponto, serão referidas algumas decisões dos tribunais
sobre o tema, para melhor compreensão por parte do leitor sobre como tem sido exercida a
defesa coletiva de direitos no Brasil.
Palavras-chave: direitos transindividuais. Tutela coletiva. Legitimidade do Ministério Público.
SUMÁRIO:
Introdução; 1 Direitos e interesses coletivos: 1.1 Conceituação e classificação dos interesses
coletivos: 1.1.1 Interesses difusos e coletivos strictu sensu: 1.1.2 Interesses individuais
homogêneos; 1.2 Alguns dos interesses protegidos pela lei brasileira: 1.2.1 A proteção ao
meio ambiente; 1.2.2 A proteção ao consumidor; 1.2.3 A proteção ao patrimônio cultural,
público e social; 1.2.4 Outros interesses; 2 A legitimidade para a defesa dos interesses
coletivos: 2.1 Critérios de legitimação: 2.2 A atuação do Ministério Público: 2.2.1 O inquérito
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Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Dr. Adalberto de Souza
Pasqualotto, Profa. Me. Lívia Haygert Pithan e Profa. Dra. Maria Alice Costa Hofmeister, em 25 de junho de
2007.
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civil; 2.2.2 O compromisso de ajustamento de conduta; 2.2.3 O Ministério Público e a defesa
dos direitos individuais homogêneos. Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
Estamos hoje inseridos em uma sociedade de massa, sendo uma de suas principais
características a ocorrência de lesões a pessoas indeterminadas, ou a grupos, categorias e
classes de pessoas, e lesões em decorrência de uma origem comum. Surgem, a partir desse
momento, novos conflitos, que transcendem as relações meramente interindividuais, o direito
subjetivo, uma vez que não se referem a um sujeito em particular, tampouco vêm secundados
por uma sanção, mas sim tomam proporções maiores, metaindividuais. É nesse contexto que
surgem os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Os institutos jurídicos voltados ao processo tradicional, dirigidos à solução de
conflitos entre indivíduos passaram a não se mostrar a via mais adequada para garantir a
concretização desses novos interesses de dimensão coletiva. Foram, então, criados novos
meios que fossem mais adequados ou aptos a permitirem a proteção jurídica da coletividade
como um todo, nascendo a tutela coletiva de direitos, os processos coletivos.
O presente estudo tem por objetivo proporcionar a compreensão quanto ao que são os
interesses transindividuais, quais são as hipóteses mais freqüentes de sua configuração, bem
como analisar a legitimação para a tutela jurídica desses interesses, ressaltando o papel
fundamental desempenhado pelo Ministério Público em sua defesa.
1 DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS
1.1 CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS INTERESSES COLETIVOS
1.1.1 Interesses difusos e coletivos stricto sensu
Os direitos ou interesses podem ser distinguidos de acordo com a sua dimensão
subjetiva, de modo que, pode-se assim dizer, estão classificados em interesses individuais, e
3
em interesses meta ou superindividuais, que se subdividem em interesses “difusos”,
“coletivos strictu sensu” e “individuais homogêneos”.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90), art. 81, conceitua e apresenta
os elementos diferenciadores de cada uma das espécies da tutela coletiva, que comporta os
direitos essencialmente coletivos - os direitos difusos, previstos no inc. I do parágrafo único
do art. 81; e os direitos coletivos propriamente ditos, previstos no inc. II do parágrafo único
do art. 81. Ainda, os interesses que dizem respeito aos direitos individuais homogêneos,
definidos no inc. III do parágrafo único do art. 81, que possuem natureza coletiva no que
tange à forma como são tutelados.
Conforme o art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor, os
direitos difusos caracterizam-se como sendo aqueles transindividuais, de natureza indivisível,
cujos titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
Dessa forma, quatro são os elementos dos direitos ou interesses difusos: a
transindividualidade, a indivisibilidade, a indeterminação dos titulares, e a sua união por
circunstâncias de fato.
Relativamente à transindividualidade, os direitos que apresentam tal característica
“extrapolam o âmbito individual, ou seja, são direitos de todos os lesados por alguma
ocorrência, mas, no âmbito individual, de ninguém em específico.”2
Por sua vez, a indivisibilidade do objeto destes direitos relaciona-se ao fato de que
tanto a lesão como a satisfação de um interessado acarreta obrigatoriamente a lesão ou a
satisfação de todos.
Optou o legislador por adotar o critério da indeterminação dos titulares de tais direitos,
e pela inexistência entre os titulares de relação jurídica base. Tais elementos estão
intimamente ligados, uma vez que a ausência de vínculo jurídico a unir os sujeitos contribui
para a sua indeterminabilidade. Constata-se, portanto, que os interesses difusos são opostos
2
MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Legitimidade para a defesa dos interesses coletivos lato sensu, decorrentes
de questões de massa, in Revista de Direito do Consumidor, n,° 56, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 2005, p. 160.
4
aos direitos subjetivos, pois nestes há correlação entre a titularidade do interesse e uma pessoa
determinada, enquanto nos primeiros não há suscetibilidade de apropriação do direito a título
exclusivo.
Como exemplo de interesse difuso, pode-se citar a colocação no mercado de produto
altamente nocivo à saúde dos consumidores, o que é defeso pelo art. 10 do Código de Defesa
do Consumidor. Tal fato atinge todos os consumidores em potencial do produto que foi
colocado no mercado, de modo que tais consumidores são de número incalculável, inexistindo
entre eles qualquer relação-base.
Destaque-se que, além das características legais dos interesses difusos, existem ainda
outras mencionadas pela doutrina.
Uma delas consiste em sua intensa litigiosidade interna, ou seja, na existência de
conflitos entre grupos, relacionados com o interesse que se busca preservar [...]. A
outra característica de tais direitos é sua tendência à transição ou mutação no tempo
e no espaço, por pautarem-se em situações de fato, contingenciais. Em razão disso,
se não exercitados rapidamente, os interesses difusos modificam-se, acompanhando
a situação de fato que os ensejou. 3
Para a tutela jurisdicional desses interesses é suficiente uma só demanda, em benefício
de todos os consumidores atingidos, cuja sentença fará coisa julgada erga omnes, conforme
dispõe o art. 103, I do Código de Defesa do Consumidor.
Já os direitos “coletivos” foram conceituados no inc. II do parágrafo único do art. 81
como sendo “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”
Destaque-se que, conforme Kazuo Watanabe, “Essa relação jurídica base é
preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe
de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão.”4 É o caso
da relação jurídica existente entre o fisco e os contribuintes do imposto de renda. Entre estes
já existe uma relação jurídica base, de modo que, havendo eventual lesão ao contribuinte
3
SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das Ações Coletivas. São Paulo: Método, 2004, p. 42. Nesse sentido,
também Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir, 4.ed. rev., ampl. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 85-93.
4
GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 803.
5
provocada por medida ilegal, será possível a determinação das pessoas atingidas. Portanto, a
relação jurídica originária da lesão não se confunde com a relação jurídica preexistente entre o
contribuinte e o fisco.
A transindividualidade e a indivisibilidade são elementos comuns aos interesses
difusos e coletivos, posto que constam tanto no inc. I, quanto no inc. II do parágrafo único do
art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.
Para Rodolfo de Camargo Mancuso5, o caráter coletivo é imanente aos direitos difusos
e coletivos em sentido estrito, pois pelos respectivos conceitos legais (incs. I e II), o objeto é
indivisível e os sujeitos concernentes são, em princípio, indeterminados. A diferença reside
que, nos direitos difusos, por se reportarem a situações de fato, as características de
indeterminabilidade dos sujeitos e indivisibilidade do objeto são absolutas, enquanto nos
coletivos em sentido estrito elas são relativizadas, uma vez que a circunstância de estarem os
sujeitos vinculados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base já se insere
em “grupos, categorias ou classes”, na forma da lei.
Dessa forma, o principal traço que diferencia os direitos difusos e coletivos é que estes
últimos contam com determinabilidade dos titulares, seja por meio da união proveniente da
mesma relação jurídica base (ex: membros de uma associação de classe) ou pelo fato de
existir vínculo jurídico que liga os titulares à parte contrária (ex: contribuintes de um mesmo
tributo).
1.1.2. Interesses Individuais Homogêneos
No tocante aos direitos individuais homogêneos, o inc. III do parágrafo único do art.
81 conceitua-os como sendo “os decorrentes de origem comum”.
Assim, para que se saiba identificar a lesão a um interesse coletivo em sentido estrito
ou a um interesse individual homogêneo, deve-se ter em vista se a lesão pode ser atribuída a
um sujeito específico ou se é possível que qualquer pessoa do grupo possa invocá-la
judicialmente, de forma individual. Se isso for possível, concluir-se-á que se está diante de um
5
Interesses difusos e coletivos. Revista de Direito do Consumidor, n.° 22, São Paulo: Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1997, p. 39.
6
caso de ofensa a interesses individuais, que serão considerados homogêneos quando
decorrerem de uma origem comum.
Desta forma, os interesses individuais homogêneos somente são coletivos no tocante à
forma como são tutelados. Portanto, não há diferenças quanto ao aspecto material entre os
interesses individuais decorrentes de uma origem comum tutelados coletivamente, os
interesses tratados individualmente, e os tutelados através de litisconsórcio. O que ocorre é
que aqueles interesses antes defendidos por meio de instrumentos tradicionais do processo
civil passam a ser protegidos por meio de uma demanda coletiva, de forma a facilitar o acesso
à justiça e a economia processual.
No tocante aos interesses individuais homogêneos, o vínculo com a parte contrária
decorre da própria lesão ao interesse. Essa relação jurídica nascida, ao contrário do que ocorre
nos interesses difusos e coletivos em sentido estrito, é perfeitamente individualizada na pessoa
de cada um dos lesados, pois a ofensa ao direito atinge de forma e intensidade diversas cada
um deles. Tal fato, portanto, permite a determinação ou a determinabilidade das pessoas
atingidas, o que pode vir a se dar, por exemplo, no processo de habilitação na liquidação de
sentença na ação coletiva para a tutela dos interesses individuais homogêneos.6
1.2 ALGUNS DOS INTERESSES PROTEGIDOS PELA LEI BRASILEIRA
1.2.1 A proteção ao meio ambiente
Nesta seara, o primeiro marco foi a edição da Lei n° 6.938/81, que conceituou o meio
ambiente, bem como instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Ainda, conforme o art.
14, § 1º, estatuiu a obrigação do poluidor de reparar os danos causados segundo o critério da
responsabilidade objetiva em ação movida pelo Ministério Público.7
Foi com o advento da Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) que se tornou eficaz
a atuação ministerial na defesa do meio ambiente. Com efeito, tal lei instituiu a ação civil
6
Cf. art. 97 do CDC.
Relativamente à legitimidade do Ministério Público para a tutela do meio ambiente, cabe mencionar que, já na
década de 1970, o Decreto n° 83.540/79 previa a possibilidade de o Ministério Público ajuizar ação de
responsabilidade civil por danos ao meio ambiente decorrentes de poluição por óleo.
7
7
pública para a defesa de interesses difusos e coletivos, inclusive na área ambiental, atribuindo
legitimidade para a sua propositura ao Ministério Público8.
No tocante à legitimação para a ação ambiental, todos os co-legitimados à ação civil
pública podem defender em juízo os interesses ambientais. Além disso, de acordo com a
Constituição Federal, art. 5°, LXXIII, o próprio cidadão pode defender o meio ambiente, por
meio da ação popular constitucional.
De acordo com a Lei n° 9.605/98, que dispôs sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, as pessoas jurídicas serão
responsabilizadas na esfera administrativa, civil e penal, quando a infração tenha sido
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no
interesse ou benefício da sua entidade. Contudo, a responsabilidade das pessoas jurídicas não
exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.9
Pode, ainda, ser a ação civil pública por danos ambientais ajuizada diretamente contra
o responsável direto do dano, contra o responsável indireto, ou contra ambos. Nesse caso,
ocorre a figura da responsabilidade solidária10, podendo ocasionar litisconsórcio facultativo e
não litisconsórcio necessário.11
1.2.2 Proteção ao Consumidor
A norma fundamental acerca da participação do Ministério Público na defesa do
consumidor é o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que as normas de
proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts.
5º, XXXII, 170, V da Constituição Federal, e art. 48 das Disposições Transitórias. Sendo,
pois, de ordem pública e interesse social, depreende-se do confronto entre o art. 1º, “caput”,
do Código de Defesa do Consumidor e o art. 127 da Constituição Federal, que o Ministério
8
Cf. art. 5.º da Lei n.° 7.347/85. A legitimação do Ministério Público, nesse caso, é concorrente e disjuntiva,
visto que o mencionado dispositivo legal atribui legitimidade igualmente à União, Estados, Municípios,
autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações que preencham os
requisitos constantes dos incisos I e II do art. 5.º, “caput” da lei supramencionada.
9
Cf. art. 3º, “caput”, e parágrafo único da Lei n.° 9.605/98.
10
Cf. art. 942 do Código Civil, que dispõe: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de
outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação”.
11
Sobre o tema, ver arts. 46, I, e 47, ambos do Código de Processo Civil.
8
Público deverá intervir em todos os processos em que se discutam relações de consumo, em
que controvertam fornecedores e consumidores. A intervenção do órgão ministerial é
obrigatória12, sendo que a sua ausência gera nulidade, ainda que não acarrete prejuízo para o
consumidor.
Conforme Marcus Vinicius Rios Gonçalves13, a intervenção do Ministério Público
como custos legis em demanda em que uma das partes é hipossuficiente é justificada porque a
instituição exercerá fiscalização, impedindo que sejam transacionados ou mal protegidos os
interesses da parte mais fraca, cabendo ao órgão ministerial, portanto, conferir se os direitos
da parte hipossuficiente estão lhe sendo assegurados plenamente, adequadamente, com
respeito ao contraditório, por exemplo.
Segundo o art. 82, I do Código de Defesa do Consumidor, o Ministério Público é
órgão legitimado a promover ação coletiva em defesa dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos do consumidor, sendo tal legitimação concorrente e disjuntiva.
Contudo, deve restar afastada a possibilidade de defesa por tal órgão em casos de interesses
disponíveis de consumidores individuais.
1.2.3 Proteção ao Patrimônio Cultural, Público e Social
O conceito de patrimônio público veio definido, originariamente, na Lei n° 4.717/65,
art. 1º, § 1°, sendo, para fins de ação popular, o conjunto de bens e direitos de valor
econômico, artístico, estético, histórico ou turístico14.
Relativamente ao conceito de patrimônio social, Hugo Nigro Mazzilli:
12
Nesse sentido, o art. 97 do CDC, que dispõe: “O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como
fiscal da lei”.
13
O Ministério Público e a defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor n,° 7, São Paulo: Instituto
Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1993, p. 64. Prossegue o autor: “[...] A
necessidade de proteção ao consumidor justifica-se não por uma deficiência dele em velar por seus direitos, mas
por uma flagrante desigualdade de natureza econômica entre os sujeitos das relações de consumo, que leva à
imposição de uma das partes à outra.”
14
Conforme o art. 5°, LXXIII, da Constituição Federal, são também objetos da ação popular a moralidade
administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, de modo que se pode considerar estes
valores como estando incluídos no conceito legal de patrimônio público.
9
[...] o conceito de patrimônio social está ligado ao que seja interesse social, o qual
tem sido utilizado para alcançar: a) a defesa de interesses de grupos, classes ou
categorias de pessoas que suportam algum tipo de hipossuficiência (pessoas pobres,
desempregadas, faveladas, vítimas de crimes, presas, discriminadas); b) a defesa da
sociedade como um todo (valores materiais ou imateriais, como o patrimônio
cultural).15
Segundo a Constituição Federal, constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as
criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e
demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico.16
Embora a Constituição Federal e as leis expressamente autorizarem o Ministério
Público a ajuizar ação civil pública em defesa do patrimônio público, muito ainda se discute
sobre a legitimidade do Ministério Público para fazê-lo.
Hugo Nigro Mazzilli17 expõe alguns argumentos comumente apontados por parte da
doutrina que entende não ter o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação coletiva em
defesa do patrimônio público:
1) O primeiro argumento seria o de que o art. 129, III da Constituição Federal seria
mera norma programática, sendo que, para ser dotada de eficácia, necessitaria que lei
infraconstitucional a regulamentasse. Assim, não bastaria que o art. 129, III permitisse ao
Ministério Público defender o patrimônio público e social; seria necessária edição de lei
infraconstitucional que estabelecesse de que maneira, quando, em que medida e em que
limites se daria a atuação do órgão ministerial.
2) Outro argumento, derivado do acima exposto, seria o de que a defesa do patrimônio
público não está abrangida pela defesa dos interesses difusos e coletivos, e não estaria,
15
A defesa dos interesses difusos em juízo. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 150.
Art. 216, “caput”, e incs. I ao V.
17
Op. cit., p. 161-162.
16
10
portanto, inserida no objeto do art. 1º da Lei n° 7.347/85. Por esse motivo, o Ministério
Público não poderia defender o patrimônio público por meio da ação civil pública de que
cuida a mencionada lei, sendo que inexistiriam outros instrumentos aptos a proporcionarem a
defesa do patrimônio público.
3) A terceira ordem de objeções tem apontado para a ilegitimidade do Ministério
Público para defender o patrimônio público porque estaria tal órgão proibido de representar
em juízo as entidades públicas, segundo o art. 129, IX da Constituição Federal.
Relativamente ao primeiro argumento, este deve ser repelido, uma vez que a Lei n°
8.429/92 legitima a iniciativa do Ministério Público nessa área, assim como a Lei
Complementar n° 75/93, em seu art. 6º, VII, “b”, e a Lei n° 8.625/93, art. 25, IV, que
regulamentam o uso da ação civil pública pelo Ministério Público na defesa do patrimônio
público e social.
No tocante à segunda objeção acima mencionada, não merece a mesma prosperar. Em
primeiro lugar, porque grande parte dos interesses abrangidos pela Lei n° 7.347/85 coincidem
com a defesa do patrimônio público (como ocorre com o meio ambiente e o patrimônio
cultural); ainda, porque as já mencionadas leis n° 8.429/92 e 8.625/93, por exemplo, permitem
a atuação do Ministério Público nessa área. Por fim, cabe ressaltar que, hoje, é pacificada a
matéria perante o STJ no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar
ação civil pública em defesa do patrimônio público.18
Por fim, com relação à terceira colocação de argumento, observa-se que a mens legis
do art. 129, IX da Constituição Federal consiste em que, quando foi criada a advocacia
pública, o Ministério Público perdeu sua atribuição de representar a Fazenda. Assim, esta
passou a ter seus procuradores, que se encarregam de cobrar a dívida da Fazenda em juízo,
bem como defendê-la judicialmente, e zelar por seus direitos perante o Poder Judiciário.
18
Nesse sentido, REsp 792996 - RS. Primeira Turma. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 13.03.2007. DJU
09.04.2007; REsp 798523 - DF. Segunda Turma. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em 10.10.2006. DJU
07.03.2007; REsp 717531 - SP. Segunda Turma. Relatora Ministra Eliana Calmon. Julgado em 05.09.2006. DJU
26.09.2006.
11
1.2.4 Outros interesses
Além dos interesses acima mencionados, podem ser destacados, ainda, os direitos dos
portadores de deficiência, ressaltando que a Lei n° 7.853/89, disciplina a sua proteção e
integração social, bem como as medidas judiciais protetivas, a atuação do Ministério Público,
a definição dos crimes pertinentes, e a defesa transindividual dessas pessoas.
Na defesa dos interesses coletivos dos credores, o Ministério Público intervém no
procedimento relativo a falências, nos termos da Lei n° 11.101/01.
A Lei n° 7.913/89 dispõe que o Ministério Público poderá propor ações com objeto
coletivo, para evitar lesões ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores
mobiliários e aos investidores de mercado.
No tocante aos interesses da infância e juventude, o art. 201 do Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n° 8.069/90) previu as atribuições do Ministério Público nesta seara,
mencionando a legitimidade do órgão ministerial para “promover o inquérito civil e a ação
civil pública para proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância
e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal.”19
A Lei n° 7.347/85 também disciplina as ações civis públicas de responsabilidade por
danos morais e patrimoniais que tenham sido causados por infração da ordem econômica e da
economia popular.
Relativamente à defesa da ordem urbanística, a Lei n° 10.257/01 (Estatuto da Cidade)
regulamentou os dispositivos constitucionais que aludiam à política urbana, estabelecendo
suas diretrizes gerais. Os arts. 1º e 4º da Lei n° 7.347/85 foram alterados pelos arts. 53 e 54 do
Estatuto da Cidade, que incluiu, no âmbito da ação civil pública, a defesa judicial de
interesses transindividuais ligados à ordem urbanística.
No tocante aos direitos dos idosos, a Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso) definiu que
cabe ao Ministério Público instaurar inquérito civil e ação civil pública para proteger os
19
Art. 201, V da Lei nº 8.069/90.
12
direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos
do idoso, bem como oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em
condições de risco, por exemplo.
2 LEGITIMIDADE PARA A DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS
2.1 CRITÉRIOS DE LEGITIMAÇÃO
Atualmente, importa a observância das situações conflituosas emergentes na vida em
sociedade, e a possibilidade de identificar a sua titularidade, para fins de tutela jurídica. Tal
importância resta evidenciada pela relação ínsita com a legitimação para agir (uma vez que se
questiona quem pode pedir a tutela jurisdicional). Também, porque, ao se exigir a
coincidência entre o titular da pretensão de Direito material e a do autor da ação, chegar-se-ia
a um conflito, ou, no mínimo, a um impasse quando fosse o caso de se tutelar situações
socialmente relevantes que, por outro lado, não permitem a afetação a um único titular, como
é o caso dos interesses transindividuais.
Os interesses coletivos stricto sensu devem preencher o requisito de uma certa
“organização”, aglutinados em entes, caso em que estarão legitimados a defender os seus
interesses em juízo. Como exemplo, cita-se o art. 54, II do Estatuto da Ordem dos Advogados
(Lei n° 8.906/94), que outorga competência ao Conselho Federal para “representar, em juízo,
ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais dos advogados.”
Em relação aos interesses difusos, a questão ainda remanesce em aberto, uma vez que
estes não comportam aglutinação legal ou necessária junto a entidades, como ocorre com os
interesses coletivos stricto sensu. Em primeiro lugar, porque os interesses difusos não se
apresentam de forma organizada junto a um determinado órgão, por exemplo. À vista disso,
sugere Mancuso: “a difusão desses interesses pode ser efêmera, contingencial: mesmo a certos
grupos ocasionais se deve admitir o acesso à justiça, sob pena de se perder, talvez, a parte
mais fecunda do fenômeno coletivo.”20
20
Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 151.
Prossegue o autor exemplificando com um caso de um grupo de moradores que se reúnem com o intuito de
evitar a iminente dejeção de elementos poluidores no rio que serve à coletividade, acrescentando que ao se exigir
deste grupo de moradores uma “organização formal”, o efeito danoso já terá produzido seus efeitos nesse meio
tempo. Então, a personalidade jurídica, quando se trate de defesa de interesses superindividuais, não deve ser
13
Questão relevante diz com a natureza jurídica da legitimidade para agir nas ações
coletivas: seria caso de legitimidade extraordinária? Ordinária? Ou seria uma espécie sui
generis de legitimidade especialmente adequada ao tratamento processual das ações
coletivas?
Conforme lembra Antônio Gidi21, tal questionamento já ensejou debates muito mais
acalorados há alguns anos, sendo que, refere o autor, a teoria que advogava a existência de
legitimação extraordinária era preconizada por Barbosa Moreira, para o qual havia a
possibilidade de tutela jurisdicional aos direitos superindividuais independentemente de
expressa autorização da lei processual.
A segunda teoria, concebida por Kazuo Watanabe, pregava a existência de legitimação
ordinária, embasada em uma interpretação aberta e flexível do art. 6.º do CPC22, independente
de qualquer reforma legislativa.
Por fim, mais recentemente houve o surgimento de uma terceira teoria, introduzida por
Nelson Nery Júnior, segundo o qual:
Na verdade o problema não deve ser entendido segundo as regras de legitimação
para a causa com as inconvenientes vinculações com a titularidade do direito
material invocado em juízo, mas sim à luz do que na Alemanha se denomina de
legitimação autônoma para a condução do processo, instituto destinado a fazer
valer em juízo os direitos difusos, sem que se tenha de recorrer aos mecanismos de
direito material para explicar referida legitimação.23
Como se observa, o autor busca superar a polaridade entre legitimidade extraordinária
e legitimidade ordinária, que existem no direito processual individual, mas inaplicáveis no
âmbito das ações coletivas. Defende, portanto, Nery Júnior haver uma legitimação autônoma
em sede de tutela dos interesses difusos e coletivos, justificando tal posicionamento com o
fato de que a substituição processual determinada pela lei é diferente da legitimação em sede
exigida, pois o importante não é a existência legal do grupo portador, como “pessoa jurídica”, mas sim a
presença de certos elementos objetivos, como a adequada representatividade do grupo portador e a relevância
social do interesse.
21
GIDI, Antônio. Legitimidade para agir em ações coletivas. Revista de Direito do Consumidor n° 14, São
Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1995, p. 56.
22
Art. 6º CPC:“Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
23
Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. rev., ampl., 2 tir., atual, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 114.
14
de ações coletivas, uma vez que, naquele caso, o substituto processual busca a defesa de um
direito alheio, cujo titular é determinado, ao passo que nas ações coletivas, demanda-se por
direitos difusos.
O substituto processual defende direito de titular determinado. Como os titulares
dos direitos difusos são indetermináveis e os dos direitos coletivos indeterminados
(CDC, 81 par. ún. I e II), sua defesa em juízo é realizada por meio de legitimação
autônoma para a condução do processo, estando superada a dicotomia clássica
legitimação ordinária e extraordinária.24
Para Rodolfo de Camargo Mancuso25, a legitimação em sede de interesses difusos não
deve ser associada à titularidade da pretensão, visto que consistiria, sim, em uma contradição,
pois, pela própria natureza dos interesses difusos descarta-se a perquirição acerca de um
titular determinado. O autor sugere como alternativa na legitimação para agir em tema de
direitos difusos a adoção de critérios objetivos, dando-se preferência ao aspecto da
legitimidade e relevância social do interesse, sendo que o portador desses títulos se
apresentaria como instrumento idôneo a solicitar a tutela para aquele interesse.
Efetivamente, em sede de ações coletivas, observa-se a inconsistência pragmática em
se operar com a dicotomia legitimidade processual extraordinária X legitimidade processual
ordinária.
Para Antônio Gidi26, é clara a existência de dissociação entre o titular do direito
superindividual (que pode ser uma comunidade ou uma coletividade, em consonância com a
definição legal do art. 81, § único do CDC) e o legitimado processual a defendê-lo em juízo
através da ação coletiva (entidades elencadas no art. 5.º da Lei n.º 7.347/85, e no art. 82 do
CDC).
24
NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. rev., ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 389.
25
Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. Op. cit., p. 156. Prossegue Mancuso considerando que a
“justa parte”, ou seja, a aquela que vem a juízo em nome dos interesses metaindividuais, não pode ser encontrada
a partir da titularidade do direito e, sim, da capacidade ou idoneidade do portador desses interesses em exercer
uma representatividade adequada.
26
Op. cit., p. 58. Continua Gidi: “[…] também há que se vislumbrar uma espécie de ‘direito próprio’ dessas
entidades a defender os direitos superindividuais em juízo, já que ninguém mais poderia fazê-lo. Afinal, alguém
há que ser ordinariamente legitimado para a propositura de uma ação coletiva para que possa haver um outro que
o seja extraordinariamente. O extraordinário é um conceito relacional, e pressupõe a existência do ordinário da
mesma forma que o especial pressupõe a existência do comum.”
15
Raimundo Gomes de Barros27, por sua vez, critica o posicionamento adotado por
Nelson Nery Júnior, entendendo não haver, na legitimação ordinária, a necessidade de
recorrer-se ao direito material. Acrescenta que somente entende o Ministério Público como
parte quando defende direito alheio determinado, caso em que age sob legitimação
extraordinária.
Carlos Alberto de Salles28, por sua vez, defende que a legitimidade do Ministério
Público para a defesa dos interesses difusos e coletivos aproxima-se da legitimação
extraordinária, expressando, nos termos do art. 6.º do Código de Processo Civil que ela
decorre de expressa autorização legal e, no caso, da própria Constituição Federal29, sendo,
contudo, mais apropriado designá-la como anômala, pois apresenta características próprias,
em virtude da natureza do interesse envolvido.
Com efeito, a definição de legitimidade, nesses casos, está relacionada a uma
qualificação prévia do interesse postulado em juízo, sendo que, para tal, deve-se tomar por
base a natureza dos sujeitos implicados, assim como o grau de agregação dos interesses
envolvidos na demanda e a natureza do objeto a que se dirige a prestação jurisdicional. Tratase de uma qualificação subjetiva da situação de fato, levando-se em conta a forma como os
interesses aparecem inter-relacionados, a fim de caracterizá-los como interesses difusos ou
coletivos.
Márcio Flávio Mafra Leal discorda da parte da doutrina que defende haver legitimação
ordinária dos autores coletivos, pois:
[...] nem mesmo nas ações coletivas do direito anglo-americano, em que o
indivíduo lesado pode representar os demais, o direito individual do autor se
27
Ministério Público: sua legitimação frente ao Código do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n° 8,
São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1993, p. 162.
Conclui o autor que no tocante à legitimação do Ministério Público ao postular interesses difusos do consumidor
é de ordem legal, pois “[...] para se dizer parte legítima, só necessita de ser um agente do MP, regularmente
investido no cargo e estar em Juízo pleiteando direito subjetivo malferido ou ameaçado do consumidor [...] Em
tal mister, contudo, não é o Ministério Público que se torna autor da ação coletiva [...] O autor, rigorosamente, é
o consumidor que embora não possa pleitear ele próprio, tal como ocorre com o menor impúbere, no caso da
representação, é o titular difuso do direito ou interesse subjetivo resistido. Significa dizer que a lei elegeu o MP
para residir em Juízo, na condição de parte comum [...], tal como se fosse uma simples sociedade civil [...] E age
como parte, concorrentemente com outras pessoas e, por via de conseqüência, sem os privilégios do cargo, por
igual, sem limitações.”
28
FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo et alii. Ministério Público: instituição e processo. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1999, p. 149-150.
29
Art. 129, I a IV.
16
confunde com o direito alheio, embora tenham o mesmo fundamento [...]. Por fim,
se a legitimação fosse ordinária, as ações não seriam coletivas.30
Conforme Rodolfo de Camargo Mancuso, não se trata de legitimação ordinária, uma
vez que os interesses difusos têm como titulares uma pluralidade indefinida de sujeitos, sendo
que não é viável que todos esses sujeitos se façam presentes na lide, ou sejam nela
representados. Dessa forma, poder-se-ia concluir que o caso em análise apresenta uma forma
de legitimação anômala, ou, ainda, de substituição processual. Contudo, prossegue o autor:
[...] a se admitir uma tal qualificação, tornar-se-ia necessário acrescentar que se
trata de legitimação autônoma de tipo misto, porque as entidades nominadas no
texto em questão exerceriam legitimação ordinária (na ‘parte’ em que são
portadoras de um ‘interesse próprio’) e legitimação extraordinária (na ‘parte’ em
que agiriam como representante ou substituto dos demais sujeitos a quem tocariam
os interesses difusos).31
Relativamente à legitimação para a tutela de interesses individuais homogêneos,
grande parte da doutrina32 considera-a caso clássico de legitimidade extraordinária.
Outro ponto freqüentemente suscitado é o de que os requisitos da aferição de
legitimidade para as class actions norte-americanas seriam determinados ope iudicis, ao passo
que, na aferição da legitimidade nas ações coletivas brasileiras da Lei nº 7.347/85 e do CDC,
os requisitos seriam ope legis. Para entender tal questionamento, faz-se necessária breve
exposição e abordagem, ainda que não exaustiva, acerca do sistema norte-americano no
tocante à tutela coletiva, que inspirou a criação das ações coletivas no Brasil.
As class actions americanas foram primeiramente disciplinadas nas Federal Rules of
Civil Procedure de 1938 e, mais tardiamente, nas Federal Rules de 1966. As class actions
americanas tinham como objetivo a tutela de interesses coletivos indivisíveis e a tutela de
direitos individuais divisíveis que foram conjuntamente tratados por sua origem comum, além
30
Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1998, p. 125-126. Prossegue o autor
comentando, acerca do mesmo tema, o posicionamento de Nelson Nery Júnior e parte da doutrina que entende
haver, no caso, legitimação autônoma, diversa da ordinária e extraordinária: “Essa doutrina, na realidade, faz
referência a uma substituição processual diferenciada que não retira o caráter extraordinário da legitimação do
autor.”
31
Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. Op. cit., p. 202-203.
32
Antônio Gidi, Op. cit., p. 58-59 entende não haver, no caso, legitimidade extraordinária. Para o autor, é regra
da substituição processual a supressão da possibilidade de o substituído ir a juízo após ser atingido pela coisa
julgada material, o que não ocorre no caso da ação coletiva em defesa de direito individual homogêneo, pois,
nesse caso, as vítimas poderão propor a sua ação individual, independentemente da improcedência da ação
coletiva (considerando-se as próprias vítimas como titulares dos direitos individuais homogêneos, e não como
grupo indivisivelmente considerado).
17
de serem baseadas na equity (eqüidade), pressupondo a pluralidade de titulares, sendo que
cada um ocupa posição individual de vantagem, o que possibilita e facilita o ajuizamento de
uma única ação, por intermédio de um único expoente da classe para representar a
coletividade.
A regra 23 das Federal Rules de 1966 expôs regras fundamentais a serem respeitadas
nas class actions: estas seriam admitidas quando fosse impossível a reunião de todos os
integrantes da classe, cabendo ao juiz controlar a adequada representatividade (adequacy of
representation), bem como aferir a existência de comunhão de interesses entre os membros da
classe. Através do mecanismo da adequada representatividade, observa-se uma legitimação
por categoria, onde há uma espécie de “autor popular”, um representante ideológico. Através
dessa figura, é permitida a presença, em juízo, de um representante da categoria social
afetada. Como exemplo, cita-se o representante ideológico dos usuários dos serviços de táxi.
Nesses casos, a legitimação para agir se dá através da análise de critério objetivo, qual seja, o
de saber se a parte ideológica apresenta condições que a qualifiquem para exercer a
representação da class. A verificação dessa idoneidade é realizada pelo juiz, que faz uso da
sua defining function, da função de definir se é o caso de uma class action ou não, bem como
se a representação, no caso concreto, é adequada. Se for, a sentença terá efeitos erga omnes,
ou seja, para todos os integrantes da categoria, mesmo para os ausentes da ação.
Para Antônio Gidi, tanto no caso das class actions norte-americanas quanto nas ações
coletivas brasileiras:
[...] os critérios de aferição da legitimidade já estão previamente explicitados nos
respectivos textos legais. A única diferença reside no fato de que a adequacy of
representation é um conceito juridicamente indeterminado, aberto, portanto, a ser
integrado no caso concreto pelo convencimento motivado do juiz e pelo sistema
vinculante de precedentes enquanto os requisitos exigidos pelo nosso direito
positivo são de caráter bem mais objetivo.33
Tendo sido expostos alguns fundamentos das class actions norte-americanas, em
especial o conceito da adequacy of representation, cabe, aqui, questionar se o juiz brasileiro
pode controlar a “adequada representatividade” do ente legitimado, assim como ocorre no
sistema norte-americano.
33
Op. cit., p. 61.
18
O Projeto de Lei nº 3.034/84, proposto pelo então deputado Flávio Bierrenbach, que
resultou dos trabalhos de comissão constituída por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel
Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, propôs a via do controle
da representatividade adequada pelo juiz. Contudo, a Lei nº 7.347/875 adotou a fórmula da
legitimação ope legis, sem mencionar expressamente a representatividade adequada. Após, a
Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor seguiram o mesmo caminho.
Todavia, o manejo de ações coletivas por parte, por exemplo, de associações que,
embora possuam legitimidade para tal, não apresentam credibilidade, seriedade e
possibilidade de defesa processual válida, (elementos esses que constituem algumas das
características de uma representatividade adequada e idônea), vem, ultimamente causando
problemas de ordem prática. Da mesma forma, por vezes se observa a interposição de ações
coletivas inclusive por parte do Ministério Público em defesa de interesses que, a rigor, não
coincidem com os valores sociais da classe titular da pretensão.
É em virtude disso que seria de grande valia o reconhecimento da possibilidade de o
juiz, no caso concreto, exercer o controle sobre a legitimação, impossibilitando a continuidade
de uma ação coletiva no caso de a “representatividade” do legitimado se mostrar inadequada.
Embora o nosso ordenamento jurídico não faça menção expressa a tal possibilidade,
conforme Ada Pellegrini Grinover34, não se pode afirmar que seja avesso ao controle da
“representatividade adequada”, senão vejamos:
O art. 82, § 1.º do CDC permite ao juiz dispensar a associação do requisito da préconstituição há pelo menos um ano, quando houver manifesto interesse social evidenciado
pela dimensão ou característica do dano, ou ainda, pela relevância do bem jurídico a ser
protegido. Observa-se, portanto, que a análise do juiz, no caso concreto, acerca do
reconhecimento da legitimação da associação, aproxima-se do exame da representatividade
adequada, ou adequacy of representation norte-americana, pois o juiz brasileiro pode negar a
referida legitimidade à associação, quando entender não estarem presentes os requisitos da
adequação.
34
Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. Revista Forense, v.
361. Rio de Janeiro: Forense, mai./jun. 2002, p. 5-6.
19
Portanto, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro não é infenso ao controle da
legitimação ope judicis, de forma que o controle da “representatividade adequada” poderia ser
adotado no Brasil.
[...] a representação adequada [...] é um conceito-chave para se permitir, não só a
autorização para o processamento da ação individual como coletiva, mas também
para possibilitar a extensão da coisa julgada a terceiros. Esse conceito também foi
exportado para outros sistemas jurídicos, como o europeu e o brasileiro, embora
com outras características, já que nestes últimos sistemas não se permite que
simples indivíduos figurem como adequados representantes de uma classe de
pessoas.35
2.2 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
2.2.1 O inquérito civil
A Lei n° 7.347/85 inseriu em nosso ordenamento jurídico o instituto do inquérito civil,
o qual tem por natureza o caráter de investigação administrativa a cargo do Ministério
Público36, tratando-se de procedimento investigatório de natureza inquisitorial. Destina-se à
realização de investigações de caráter preliminar, capazes de trazer aos autos elementos de
convicção aptos ao possível embasamento da ação civil pública pelo representante ministerial.
No dizer de Alceu Schoeller de Moraes:
[...] o objeto do inquérito civil é a prova, no que se circunscreve toda a atividade
processualizada e legalmente definida de colheita de elementos probatórios. Por
suposto, não todo e qualquer fato, senão fatos comportáveis na previsão legal de
abrangência objetiva; vale dizer, o objeto próprio do inquérito civil é o que a
definição legal propõe estritamente.37
Cabe destacar que a instauração de inquérito civil não é pressuposto para que o
Ministério Público compareça a juízo, uma vez que pode ser dispensado tal procedimento,
desde que já existam elementos aptos a legitimarem a propositura da ação civil pública. Por
vezes, o Ministério Público poderá ajuizar ação civil pública com base em peças de
informação.
35
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Op. cit., p. 134.
A Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) consignou expressamente como função do
Parquet a promoção do inquérito civil (art. 25, IV a e b).
37
Processo para a investigação civil: a investigação de ilicitudes civis, o uso de inquérito civil e os poderes
investigatórios. Porto Alegre: CCR Gráfica Editora, 2000, p. 79.
36
20
De forma simples, pode-se conceituar as peças de informação como sendo elementos
que formarão a convicção do representante ministerial, para que o mesmo possa se basear
para ajuizar eventual ação civil pública, se assim o entender.
O inquérito civil é, ainda, procedimento de caráter informal, não admitindo o
contraditório e a ampla defesa, submetendo-se, contudo, ao princípio da publicidade.38
A ocorrência de eventuais vícios ou nulidades do inquérito civil não acarretará efeitos
na eventual ação judicial. Conforme Rita di Tomasso39, mesmo que as máculas porventura
existentes no inquérito civil possam prejudicar as provas ou os elementos assim viciados,
como se tratam de simples irregularidades, suas conseqüências restarão limitadas às peças
informativas viciadas, não contaminando, assim, a ação proposta.
É competente para a instauração do inquérito civil o mesmo órgão do Ministério
Público que possui atribuição para propor a ação civil pública que deva ser baseada no
mencionado inquérito. Da mesma forma, cabe ao órgão ministerial também a promoção e
presidência do inquérito civil.40
A instauração do inquérito civil pode se dar de ofício, quando chegar ao representante
do Ministério Público notícia de algum fato violador de interesses difusos ou coletivos de
qualquer natureza, ou ainda, por meio de provocação de algum interessado que, por meio de
representação ou requerimento, relate ao Ministério Público a prática atual ou iminente de
atos lesivos aos interesses supramencionados.
Destaque-se ainda que o Ministério Público pode dirigir-se diretamente a qualquer
autoridade para buscar os esclarecimentos devidos para a consecução de seus fins
38
Excetuados os casos em que as informações obtidas pelo Ministério Público estejam acobertados pelo sigilo
legal, bem como quando há necessidade imperiosa de não divulgação dos atos procedimentais, em prol do
escorreito andamento das investigações, ou, ainda, para a preservação do interesse da coletividade.
39
Inquérito civil. Revista de Direito do Consumidor, n.° 16. São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito
do Consumidor – Revista dos Tribunais, 1995, p. 104.
40
A Constituição Federal e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público estabelecem ser função institucional
do Ministério Público a promoção do inquérito civil, competindo a tal órgão a responsabilidade de presidir o
procedimento (art. 129, III da CF e art. 25, IV da Lei n.º 8.625/93). Igualmente a Lei n.º 7.347/85, em seu art. 8.º,
§ 1.º atribui ao Ministério Público a incumbência de instaurar e presidir o inquérito civil.
21
institucionais na defesa de interesses difusos e coletivos, sem necessitar intermédio do Poder
Judiciário.
Relativamente ao arquivamento do inquérito civil, cabe ressaltar que o Ministério
Público não o requer e sim o promove, sem qualquer ato de intervenção judicial. Tal fato não
enseja nenhum vício, a despeito de possíveis considerações no sentido de que, quando o
Ministério Público arquiva o inquérito civil, determinadas lesões a interesses transindividuais
podem ficar sem correção. Conforme Hugo Nigro Mazzilli, tal argumento não prospera, pois:
[...] o Ministério Público não detém privatividade da ação civil pública, e, se deixar
de propô-la, outros legitimados poderão fazê-lo. Assim, o arquivamento do
inquérito civil pelo Ministério Público não impõe qualquer óbice ao conhecimento
de lesão de direitos individuais ou transindividuais pelo Poder Judiciário.41
Embora o Ministério Público promova o arquivamento do inquérito civil ou das peças
de informação, tal promoção sujeita-se à homologação do Conselho Superior42 da instituição.
No prazo de 3 (três) dias a contar da data da promoção de arquivamento do inquérito civil ou
das peças de informação, o órgão de execução do Ministério Público remeterá os autos ao
Conselho Superior, que poderá requisitá-los, de ofício ou a pedido do interessado, caso a
remessa não seja feita no prazo legal.
Conforme Hugo Nigro Mazzilli43, pode ocorrer que o inquérito civil apresente
pluralidade de objetos ou de sujeitos. A primeira é verificada quando há mais de um evento
danoso sendo investigado; a segunda ocorre quando há mais de um sujeito envolvido nos
fatos investigados pelo inquérito civil.
O membro do Ministério Público, sendo independente funcional, tem a liberdade de
ajuizar ação civil pública somente em relação a alguns dos objetos ou a alguns dos
investigados do inquérito civil. Contudo, importa ressaltar que, nesse caso, estará ocorrendo
um arquivamento parcial do inquérito civil. No entender de Mazzilli44, mais recomendado
seria que o membro do Ministério Público, ao entender cabível o ajuizamento da ação civil
pública somente com relação a alguns dos objetos ou dos investigados, extraísse cópias das
41
A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 344.
Art. 30 da Lei nº 8.625/93: “Cabe ao Conselho Superior do Ministério Público rever o arquivamento de
inquérito civil, na forma da lei”.
43
A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 345.
44
Idem, Ibidem. p. 345-346.
42
22
principais peças do inquérito civil, fundamentando a sua posição e entendimento, e as
encaminhasse ao Conselho Superior do Ministério Público, para que este realize o reexame.
Se assim não agir, o representante ministerial estará cometendo irregular arquivamento
implícito.
Diante do encaminhamento da promoção de arquivamento ao Conselho Superior,
vislumbram-se três hipóteses possíveis de ocorrer:
1) conversão da decisão em diligência, ou seja, o inquérito civil retorna ao
representante ministerial de origem a fim de que novas diligências sejam empreendidas, visto
que ainda pendentes para a finalização do procedimento;
2) homologação da promoção de arquivamento, o que implica no acatamento pelo
órgão superior das razões invocadas pelo Promotor de Justiça para pôr fim ao procedimento
em curso. Nesse caso, ainda podem os co-legitimados propor a ação civil pública ou coletiva
que o Ministério Público não ajuizou;
3) designação de outro Promotor de Justiça para oferecimento de ação civil pública,
tendo em conta a existência de argumentos bastantes para a defesa judicial dos interesses
difusos ou coletivos.
2.2.2 Compromisso de ajustamento de conduta:
Tendo os interesses transindividuais ligação estreita com a ordem pública, conclui-se
que, a princípio, não seriam passíveis de transação, dado o seu caráter de indisponibilidade.
Por outro lado, questiona-se: Como poderia o Ministério Público cumprir o disposto no art.
127 da Constituição Federal, que lhe impõe a defesa dos interesses sociais (incluídos os
interesses difusos e coletivos), sem que lhe fosse outorgada a possibilidade de transacionar
acerca da sua persecução?
Para Marco Antônio Marcondes Pereira:
23
[...] a solução está em entender que os interesses indisponíveis podem ser objeto de
transação pelos legitimados para sua defesa, mas tão-somente em relação aos meios
pelos quais se alcançará a sua realização [...] Os interesses difusos ou coletivos [...]
não estariam sendo alienados ou renunciados senão apenas realizados através do
meio mais rápido e distante de demandas improfícuas e perenizadas [...].45
A Lei nº 7.347/85, em seu art. 5.º, § 6.º46, prevê a possibilidade de realização de
compromissos de ajustamento de conduta:
“Art. 5.º [...]
§ 6.º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso
de ajustamento da sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial.”
Destaque-se que, em sede de compromisso de ajustamento de conduta, o Ministério
Público não realiza nenhuma atividade homologatória, somente atuando quando participar
diretamente do ajuste, oportunidade em que o compromissário assumirá obrigações para com
o Ministério Público, sob pena de sanções pelo descumprimento.
Também não pode o Ministério Público transigir quanto a aspecto que atinja
diretamente o direito material, ainda que, conforme anota Paulo Valério Dal Pai Moraes47,
pequenas concessões possam ser feitas tanto em nível judicial como no compromisso, desde
que a conduta do órgão público esteja pautada pelos critérios do interesse público e da
relevância social.
Uma vez que o Ministério Público é co-legitimado a colher o compromisso de
ajustamento de conduta do causador do dano, cabe mencionar que, uma vez realizado tal
compromisso entre o órgão ministerial e o causador da lesão, poderá haver o arquivamento do
45
Transação no curso da ação civil pública. Revista de Direito do Consumidor, n° 16, São Paulo: Instituto
Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Revista dos Tribunais, 1995, p. 124.
46
Anote-se que a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) já outorgava ao Ministério Público
legitimidade para a propositura da ação civil pública em defesa dos interesses da criança, facultando-lhe “efetuar
recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância social afetos à criança e ao adolescente,
fixando prazo razoável para sua perfeita adequação” (art. 200, § 5.º, c).
47
O compromisso de ajustamento. Revista de Direito do Consumidor, nº 30. São Paulo: Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1999, p. 34. Menciona o autor o caso, por exemplo, de
um Promotor de Justiça que, em sede de compromisso de ajustamento, coloca-se em posição de “aceitação” ou
não do compromisso que o infrator deseja assumir, nada concedendo no que tange ao direito material em
questão, podendo, contudo, conceder prazos ou dispor sobre as formas mais adequadas para o cumprimento das
obrigações a cargo do investigado.
24
inquérito civil ou das peças de informação. Nesse caso, o Conselho Superior do Ministério
Público deverá, se a composição for satisfatória, homologar a promoção de arquivamento.
Se o Ministério Público tomar compromisso de ajustamento de conduta em autos de
inquérito civil, o Conselho Superior da instituição deve rever o ato. Tal medida não visa ao
condicionamento da eficácia do compromisso, mas sim encontra fundamento no fato de o
compromisso acarretar o encerramento total ou parcial das investigações ministeriais, ainda
que de forma implícita ou expressa.
Diante disso, o Conselho Superior do Ministério Público pode determinar outras
diligências no inquérito civil, se entender insatisfatória a solução alcançada. Ainda, pode
determinar a propositura de ação civil pública por outro membro do órgão ministerial.
2.2.3 O Ministério Público e a defesa dos direitos individuais homogêneos
Relativamente à legitimação do Ministério Público para a tutela dos interesses
individuais homogêneos, Hugo Nigro Mazzilli48 expõe que para parte da doutrina, o
Ministério Público só teria legitimidade para defender os interesses difusos e coletivos,
porque o art. 129, III da Constituição somente a eles se refere, restando, desta forma, excluída
a possibilidade de tutela dos interesses individuais homogêneos.
Para outros, ao contrário, a análise dos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do
Consumidor deixa clara a possibilidade de o Ministério Público tutelar quaisquer interesses
transindividuais, inclusive os interesses individuais homogêneos.
Outros, por sua vez, invocam o artigo 127, “caput”, da Constituição Federal,
juntamente com os artigos 6º, VII, “d” da Lei Complementar n° 75/93 - Lei Orgânica do
Ministério Público da União - LOMPU, e 25, IV, a, da Lei n° 8.625/93 - Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público - LONMP, e sustentam que o Ministério Público, em matéria
de direitos individuais homogêneos, só os poderia defender se indisponíveis.
48
A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 141.
25
Ainda, conforme lembra Ricardo Ribeiro Campos49, há outra corrente orientada no
sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para a defesa de interesses individuais
homogêneos, sendo eles disponíveis ou não, sendo importante considerar, ao invés da
disponibilidade ou não do direito, a relevância social do bem jurídico tutelado ou da própria
resolução coletiva de conflitos. Nesses casos, incidiria o disposto no art. 127 da Constituição
Federal que prevê como atribuição do Ministério Público a defesa dos “interesses sociais” e
não somente dos “interesses individuais indisponíveis”.
Nessa linha de pensamento, encontra-se Luiz Paulo da Silva Araújo Filho50. Para este
autor, deve-se exigir a verificação, em cada caso concreto, da relevância social do objeto da
demanda coletiva, a fim de reconhecer se há legitimação do Ministério Público, uma vez que
não se pode admitir que tal órgão tutele interesses privados sem relevância social.
Dessa forma, uma vez que a defesa de interesse coletivo ou individual homogêneo
convier à coletividade como um todo, o Ministério Público tem legitimidade para tutelá-los.
Nesse sentido, tem-se orientado a jurisprudência do STJ, ressaltando que em casos de
relevante interesse social, tem o Ministério Público legitimidade para agir, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INTERESSES INDIVIDUAIS
DOS MUTUÁRIOS DO SFH - RELEVANTE INTERESSE SOCIAL MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
SUPERADO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168 DO STJ - PRECEDENTES DA
EG. CORTE ESPECIAL. - É firme o entendimento desta Eg. Corte Especial no
sentido de que o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil
pública em defesa de interesses dos mutuários do SFH, por isso que
caracterizado o relevante interesse social. - Incidência do óbice contido na
Súmula 168/STJ. - Agravo regimental improvido.51 (grifos acrescidos).
49
CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Legitimidade do Ministério Público para defesa de interesses individuais
homogêneos: sua compreensão a partir da teoria dos poderes implícitos e da interpretação sistemática da
Constituição. Revista de Direito do Consumidor, n.°46. São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do
Consumidor - Revista dos Tribunais, 2003, p. 256-257.
50
Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
111. Prossegue o autor: “Não é, por conseguinte, em nosso sentir, ‘pelo simples fato de serem tratados numa
dimensão coletiva’, que ‘os direitos individuais assumem relevância social’. Ao revés, cumpre verificar, caso a
caso, se os interesses individuais homogêneos tratados coletivamente revestem, ou não, a imprescindível
magnitude capaz de caracterizar um genuíno interesse social, a permitir a propositura da ação pelo Ministério
Público [...]”.
51
AgRg nos EREsp 633470 / CE. Corte Especial. Relator Francisco Peçanha Martins. Julgado em 30/06/2006.
DJ 14.08.2006.
26
Assim, somente em casos excepcionais, poderia ser admitida a legitimidade do
Ministério Público para tutelar os interesses privados e disponíveis. Não restando
devidamente demonstrado o interesse social, não poderia ser reconhecida a legitimidade do
Ministério Público para defender, por exemplo, os “‘interesses individuais de um grupo de
alunos de um determinado colégio’ em ações concernentes a mensalidades escolares, ou para
perseguir indenização pelo desmoronamento de um prédio de classe média alta, como
aconteceu no caso do Edifício Palace II.”52
Em sentido contrário a esse posicionamento está Carlos Alberto de Salles53, que
entende não ser essa a mais adequada interpretação. Para o autor, primeiramente, deve ser
ressaltado o fato de o Código de Defesa do Consumidor não trazer a limitação da necessidade
de relevância social, muito embora à época da promulgação do CDC já estivesse em vigor a
Constituição Federal, devendo o próprio Ministério Público, e não o Poder Judiciário apreciar
o conceito de interesse social de que trata o art. 127, “caput”, da Constituição Federal. Isso
ocorre porque o exame do interesse social por vezes pode implicar fatores que vão além dos
limites da ação examinada em juízo, limitada, necessariamente, ao caso concreto.
Para Carlos Alberto de Salles:
[...] evidencia-se que o interesse social não pode ser utilizado como instrumento
para limitar a legitimidade processual do Ministério Público no contexto de
determinada ação, posto que envolve situações fáticas estranhas aos limites da lide
[...] Pretende-se [...] que a verificação da existência de interesse social seja de
atribuição ministerial, de forma que possa ser considerada a totalidade das
circunstâncias implicadas, permitindo ao Ministério Público adotar o conjunto de
medidas que mais eficientemente defende os interesses colocados sob sua proteção,
levando em conta razões de ordem estratégica e de eqüidade na prossecução de suas
funções.54
Em primeiro lugar, não é relevante o fato de a Constituição Federal ter omitido, em
seu artigo 129, III, a defesa de interesses individuais homogêneos. Tal omissão é
52
ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Op. cit., p. 112-113.
FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo et alii. Op. cit., p. 253. Como exemplo, cita o autor uma
cidade em que esteja ocorrendo venda indiscriminada de lotes urbanos em situação irregular, envolvendo vários
loteamentos de baixa renda e um de alto padrão. Não seria razoável que o Ministério Público patrocinasse a
defesa somente dos adquirentes de lotes populares, por apresentarem interesse social mais evidente. “Visto do
ângulo do caso singular, a ação que envolve o loteamento de luxo traria a impressão de que o Ministério Público
estava defendendo interesses despidos de qualquer relevância social. Todavia, se examinada a situação global, se
evidenciaria o interesse social no combate indiscriminado à venda de lotes em situação irregular, abrangendo
qualquer espécie de loteamento”.
54
FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo et alii, Op. cit., p. 254.
53
27
perfeitamente compreensível, pois essa expressão só veio a surgir no Código de Defesa do
Consumidor, lei datada de 1990 (dois anos após a promulgação da Constituição Federal,
portanto). Contudo, deve-se entender que o legislador constituinte, ao empregar, no art. 129,
III, a expressão “interesses difusos e coletivos”, na verdade, tinha a intenção de mencioná-los
no sentido lato, abrangendo os interesses individuais homogêneos.
Ainda, depreende-se do art. 127, “caput”, da Constituição Federal, que o Ministério
Público deve defender os interesses individuais quando estes forem indisponíveis. Entretanto,
quando os interesses individuais homogêneos não forem indisponíveis, mas possuírem grande
abrangência ou relevância, emergirá o caráter social dos interesses, de forma que o Ministério
Público será legitimado a defendê-los.
Contudo, para Hugo Nigro Mazzilli55, em casos de interesses de pequenos grupos,
onde inexiste a característica de indisponibilidade do interesse ou de abrangência social, não
será justificada a atuação ministerial, sendo necessária a expressão social da defesa assumida
pelo Ministério Público, não se exigindo, portanto, a indisponibilidade do interesse ou a
hipossuficiência econômica do grupo lesado, de forma que em casos de interesses apenas
individuais, será rara a legitimidade do Ministério Público para iniciar ou intervir na demanda
judicial.
Assim já tem decidido o STJ:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. TAXA SELIC EM
PARCELAMENTO DE TRIBUTOS. OPÇÃO DO CONTRIBUINTE. DIREITOS
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. MINISTÉRIO PÚBLICO.
ILEGITIMIDADE ATIVA. I - A ação civil pública não se presta como instrumento
de controle de constitucionalidade, não substituindo a ação direta de
inconstitucionalidade, objetivando declaração de inconstitucionalidade de lei
municipal. II - O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação
civil pública visando obstar a cobrança de tributos, por se tratar de direitos
individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, que devem ser postulados
por seus próprios titulares. III - Precedentes: REs nº 302.647/SP, Rel. Min.
FRANCIULLI NETTO, DJ de 04/08/2003; REsp nº 252.803/SP, Rel. Min.
FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 14/10/2002; EREsp nº 177.052/SP,
Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJ de 30/09/2002; e AGREsp nº 333.016/PR,
55
A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 142-143. Exemplifica Mazzilli que a defesa dos interesses
de meros grupos determinados de pessoas (como é o caso de consumidores individualmente lesados) só pode ser
feita pelo Ministério Público quando convier à coletividade como um todo, como no caso de grande dispersão de
lesados; quando a questão envolve defesa da saúde ou da segurança dos consumidores; quando o funcionamento
de todo um sistema econômico, social ou jurídico dependa da intervenção ministerial, por exemplo. Quando não
se tratar de caso semelhante, a defesa dos consumidores individuais deve se dar por meio de legitimação
ordinária ou por substituição processual por outros órgãos e entidades que não sejam o Ministério Público.
28
Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ de 18/03/2002. IV - Recurso especial
improvido.56 (grifos acrescidos).
Relativamente ao reconhecimento do Ministério Público como órgão legitimado a
defender em juízo os interesses individuais homogêneos, o STJ, ao longo dos últimos anos,
tem, por vezes, modificado o seu posicionamento relativamente à legitimidade para a tutela de
alguns interesses individuais em específico, senão vejamos:
No tocante à legitimação do Ministério Público para promover ação civil pública em
tema de mensalidades escolares, durante muito tempo o STJ entendeu dever ser afastada a
legitimação ministerial, sob o argumento de que não se tratava de interesses difusos ou
coletivos, mas sim de interesses individuais de um grupo de alunos de um determinado
colégio.
AÇÃO CIVIL PUBLICA. MENSALIDADES ESCOLARES. REPASSE DO
AUMENTO DOS PROFESSORES. MINISTERIO PUBLICO. PARTE
ILEGITIMA. NÃO SE CUIDANDO DE INTERESSES DIFUSOS OU
COLETIVOS, MAS DEINTERESSES INDIVIDUAIS DE UM GRUPO DE
ALUNOS DE UM DETERMINADOCOLEGIO, AFASTA SE A
LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO. RECURSO PROVIDO.57
(grifos acrescidos).
Entretanto, com o passar do tempo, observou-se uma mudança de posicionamento do
STJ com relação à matéria, passando a Corte a entender que a questão pertinente às
mensalidades escolares configurava a existência de interesses individuais homogêneos, (ainda
que alguns julgados sustentem serem tais interesses subespécies de interesses coletivos)58
posto que advindos de uma origem comum, ou seja, a cobrança de mensalidades escolares
abusivas ou ilegais. Há entendimento também de que os interesses dos alunos e dos pais,
nesses casos, seriam definidos como interesses coletivos:
PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA.
AÇÃOCIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS INTERESSES DA COMUNIDADE DE
PAIS E ALUNOS. MENSALIDADES ESCOLARES. PRECEDENTES.
RECURSO PROVIDO. - O Ministério Público tem legitimidade para promover
56
REsp 516914 / PE. Primeira Turma. Relator Ministro Francisco Falcão. Data do Julgamento 08/11/2005 DJ
19.12.2005.
57
REsp 65836 / MG. Primeira Turma. Relator Ministro Garcia Vieira. Data do Julgamento 14/06/1995. DJ
14.08.1995.
58
Nesse sentido, RE 163.231-3 - SP, que consignou que “as chamadas mensalidades escolares, quando abusivas
ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público,
pois que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo
Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, III, da CF”.
29
ação civil pública onde se discute acerca da defesa dos interesses coletivos de
pais e alunos de estabelecimento de ensino, conforme pacífica jurisprudência
desta Corte. - Recurso especial conhecido e provido.59 (grifos acrescidos).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA ANTECIPADA E REAJUSTE DAS
MENSALIDADES ESCOLARES. LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. (...) 2. O Ministério Público tem legitimidade ativa
para propor ação civil pública para impedir a cobrança antecipada e a
utilização de índice ilegal no reajuste das mensalidades escolares, havendo,
nessa hipótese, interesse coletivo definido no art. 81, inciso II, do Código de
Defesa do Consumidor. (...) Recurso especial conhecido e provido.60 (grifos
acrescidos).
Deste modo, passou o STJ a reconhecer pacificamente a legitimidade do Ministério
Público para ajuizar ação civil pública para discutir o reajuste das mensalidades escolares.
Ainda que não entendesse a Corte se tratarem de interesses coletivos stricto sensu ou
interesses individuais homogêneos, a atuação do Ministério Público seria justificada pelo
direito à educação, definido na própria Constituição Federal como direito social, interligandose à função institucional do Ministério Público de defender os interesses sociais.
Mais recentemente, no tocante à legitimidade do Ministério Público para a defesa dos
interesses concernentes à taxa de iluminação pública, entende a maior parte da jurisprudência
do STJ não ser o Ministério Público parte legítima para requerer a repetição do indébito ou
declarar a inexigibilidade da taxa de iluminação pública:
PROCESSO CIVIL – LEGITIMIDADE E INTERESSE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ART. 1º DA LEI N. 7.347/85 – TAXA
DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – MUNICÍPIO – DEFESA DE INTERESSES DE
CONTRIBUINTES – IMPOSSIBILIDADE. 1. Diz o parágrafo 1º da Lei da Ação
Civil Pública (Lei n. 7.347/85): "Não será cabível ação civil pública para veicular
pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional
cujos beneficiários podem ser individualmente determinados." 2. É da
jurisprudência iterativa do STJ a ilegitimidade do Ministério Público para, por
meio de ação civil pública, declarar a inexigibilidade de taxa de iluminação da
municipalidade, bem como requerer a repetição de indébito. 3. Contribuinte
não é consumidor, nem a ele é equiparado. Os interesses defendidos pelo
Ministério Público em ação civil pública, que tem por objeto a defesa de
contribuintes, são divisíveis, disponíveis e individualizáveis; oriundos de
relações jurídicas assemelhadas, porém, entre si, distintas. Daí a ilegitimidade
59
REsp 120143 / MG. Quarta Turma. Relator Ministro César Asfor Rocha. Data do Julgamento 17/09/1998. DJ
16.11.1998.
60
REsp 138583 / SC. Terceira Turma. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento
06.08.1998. DJ 13.10.1998
30
e a falta de interesse de agir do Parquet. Recurso especial conhecido e
improvido.61 (grifos acrescidos).
Contudo, observa-se que esse posicionamento não é unânime no STJ, havendo
também entendimento no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar
ação civil pública em defesa dos interesses dos contribuintes no tocante à taxa de iluminação
pública. Assim:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM.
LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TAXA DE ILUMINAÇÃO
PÚBLICA. DIREITOS DE CONTRIBUINTES. (...) O Ministério Público, por
força do art. 129, III, da Constituição Federal é legitimado a promover
qualquer espécie de ação na defesa de direitos transindividuais, nestes
incluídos os direitos dos contribuintes de Taxa de Iluminação Pública, ainda
que por Ação Civil Pública, cuja eficácia da decisão acerca do objeto mediato é
erga omnes ou ultra partes. 4. Agravo regimental provido, para negar provimento
ao recurso especial.62 (grifos acrescidos).
Diante disso, nota-se que, ao longo do tempo, o STJ, que inicialmente não reconhecia
a legitimidade do Ministério Público para a tutela dos interesses individuais homogêneos,
passou, aos poucos, a reconhecê-la, como nos exemplos acima citados, relativamente ao
reajuste de mensalidades escolares (interesses individuais homogêneos dos alunos) e quanto à
ação de repetição do indébito ou de declaração de inexigibilidade do pagamento da taxa de
iluminação pública (interesses individuais dos contribuintes). Também já admitiu o STJ a
propositura de ação civil pública pelo Ministério Público em caso de cobrança ilegal de taxas
e de juros por parte de imobiliárias63, aumento ilegal de plano de saúde64, televisão por
assinatura65, pretensão de reconhecimento de nulidade de contratos bancários66, pretensão de
assegurar o pagamento de salário mínimo a servidores municipais.67
Com efeito, caminha a jurisprudência dos tribunais, cada vez mais, no sentido de
reconhecer a instituição do Ministério Público como legitimada a defender os interesses que,
61
REsp 903256 / MG. Segunda Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Data do Julgamento 27.02.2007. DJ
12.03.2007.
62
AgRg no REsp 601114 / MG. Primeira Turma. Relator Ministro Francisco Falcão. Data do Julgamento
06.04.2004. DJ 16.05.2005.
63
Corte Especial, EREsp 114.908-SP e EREsp 141.491-SC.
64
3.ª Turma, REsp 286.732-RJ.
65
3.ª Truma, REsp 308.486-MG.
66
3.ª Turma, AgRg no Ag 405.505-RJ.
67
5.ª Turma, REsp 95.347-SE.
31
embora individuais, apresentem origem comum, sendo coletiva a sua forma de tratamento
processual, além da legitimação para a tutela dos interesses difusos e coletivos.
Contribuiu para tal reconhecimento a posição do Ministério Público na Constituição
Federal, a qual ampliou sobremaneira as funções ministeriais, de forma a transformar o
Ministério Público em um defensor da legalidade e moralidade administrativa, atribuindo-lhe
a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública, concluindo-se, pois, que a legitimidade
da Instituição para a defesa de interesses individuais homogêneos resulta da conjugação do
art. 129, III com o art. 127, “caput”, parte final, da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, observa-se que as grandes modificações sofridas em virtude
do progresso tecnológico e científico, assim como as transformações sociais, políticas e
econômicas ocorridas ao longo do século XX proporcionaram a massificação da atual
sociedade. Concomitantemente, fez-se necessário um processo de evolução e conscientização
da coletividade no tocante aos novos interesses ou direitos que passaram a existir, sendo
inerentes a todos e devendo ser respeitados e preservados.
Para que houvesse a efetiva proteção dos interesses transindividuais, aliada com a
economia processual, foi criado um novo sistema, o da tutela coletiva de direitos,
materializada nos processos coletivos, mecanismo que possibilitou a adequada tutela jurídica
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Contudo, como grande parte da população não conhece a existência da tutela coletiva,
os meios de defesa dos seus direitos ou até a eventual repercussão coletiva que possa advir de
uma pequena lesão individual, o ordenamento jurídico criou, em sede processual, a
legitimação extraordinária de determinados órgãos e entidades, habilitando-os a defender em
seu nome direitos alheios.
O Ministério Público é órgão legitimado a defender os interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, conforme o art. 5.º, “caput”, da Lei n.º 7.347/85 e art. 82, I da Lei
n.º 8.078/90, sendo que sua atuação, além de adequada, parece ser essencial, pois corresponde
às suas atribuições previstas no art. 129 da Constituição Federal.
32
Para finalizar este trabalho, é necessário destacar a necessidade de formação de uma
nova mentalidade por parte da população, que deve estar cada vez mais consciente dos seus
direitos, das formas de tutelá-los, buscando a preservação do bem comum e união em prol da
coletividade, com o intuito de utilização também de mecanismos extraprocessuais para a
defesa dos interesses transindividuais.
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