1 A DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO1 Luciane Celeski Guterres RESUMO Neste trabalho serão estudados os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, as circunstâncias em que surgiram, suas características, modos de configuração, como passaram a ser tutelados pelo ordenamento jurídico, a lei que os conceituou e definiu (Lei nº 8.078/90) e as principais situações protegidas. Em um segundo momento, será abordada a legitimidade para defender judicialmente os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, e revisada a discussão doutrinária acerca da natureza jurídica de tal legitimação. Será destacada especialmente a atuação do Ministério Público, por meio do inquérito civil, a possibilidade de realização da transação (materializada no compromisso de ajustamento de conduta) e a questão da sua legitimidade para a defesa dos interesses individuais homogêneos. Nesse último ponto, serão referidas algumas decisões dos tribunais sobre o tema, para melhor compreensão por parte do leitor sobre como tem sido exercida a defesa coletiva de direitos no Brasil. Palavras-chave: direitos transindividuais. Tutela coletiva. Legitimidade do Ministério Público. SUMÁRIO: Introdução; 1 Direitos e interesses coletivos: 1.1 Conceituação e classificação dos interesses coletivos: 1.1.1 Interesses difusos e coletivos strictu sensu: 1.1.2 Interesses individuais homogêneos; 1.2 Alguns dos interesses protegidos pela lei brasileira: 1.2.1 A proteção ao meio ambiente; 1.2.2 A proteção ao consumidor; 1.2.3 A proteção ao patrimônio cultural, público e social; 1.2.4 Outros interesses; 2 A legitimidade para a defesa dos interesses coletivos: 2.1 Critérios de legitimação: 2.2 A atuação do Ministério Público: 2.2.1 O inquérito 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Dr. Adalberto de Souza Pasqualotto, Profa. Me. Lívia Haygert Pithan e Profa. Dra. Maria Alice Costa Hofmeister, em 25 de junho de 2007. 2 civil; 2.2.2 O compromisso de ajustamento de conduta; 2.2.3 O Ministério Público e a defesa dos direitos individuais homogêneos. Conclusão – Referências. INTRODUÇÃO Estamos hoje inseridos em uma sociedade de massa, sendo uma de suas principais características a ocorrência de lesões a pessoas indeterminadas, ou a grupos, categorias e classes de pessoas, e lesões em decorrência de uma origem comum. Surgem, a partir desse momento, novos conflitos, que transcendem as relações meramente interindividuais, o direito subjetivo, uma vez que não se referem a um sujeito em particular, tampouco vêm secundados por uma sanção, mas sim tomam proporções maiores, metaindividuais. É nesse contexto que surgem os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Os institutos jurídicos voltados ao processo tradicional, dirigidos à solução de conflitos entre indivíduos passaram a não se mostrar a via mais adequada para garantir a concretização desses novos interesses de dimensão coletiva. Foram, então, criados novos meios que fossem mais adequados ou aptos a permitirem a proteção jurídica da coletividade como um todo, nascendo a tutela coletiva de direitos, os processos coletivos. O presente estudo tem por objetivo proporcionar a compreensão quanto ao que são os interesses transindividuais, quais são as hipóteses mais freqüentes de sua configuração, bem como analisar a legitimação para a tutela jurídica desses interesses, ressaltando o papel fundamental desempenhado pelo Ministério Público em sua defesa. 1 DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS 1.1 CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS INTERESSES COLETIVOS 1.1.1 Interesses difusos e coletivos stricto sensu Os direitos ou interesses podem ser distinguidos de acordo com a sua dimensão subjetiva, de modo que, pode-se assim dizer, estão classificados em interesses individuais, e 3 em interesses meta ou superindividuais, que se subdividem em interesses “difusos”, “coletivos strictu sensu” e “individuais homogêneos”. O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90), art. 81, conceitua e apresenta os elementos diferenciadores de cada uma das espécies da tutela coletiva, que comporta os direitos essencialmente coletivos - os direitos difusos, previstos no inc. I do parágrafo único do art. 81; e os direitos coletivos propriamente ditos, previstos no inc. II do parágrafo único do art. 81. Ainda, os interesses que dizem respeito aos direitos individuais homogêneos, definidos no inc. III do parágrafo único do art. 81, que possuem natureza coletiva no que tange à forma como são tutelados. Conforme o art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor, os direitos difusos caracterizam-se como sendo aqueles transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Dessa forma, quatro são os elementos dos direitos ou interesses difusos: a transindividualidade, a indivisibilidade, a indeterminação dos titulares, e a sua união por circunstâncias de fato. Relativamente à transindividualidade, os direitos que apresentam tal característica “extrapolam o âmbito individual, ou seja, são direitos de todos os lesados por alguma ocorrência, mas, no âmbito individual, de ninguém em específico.”2 Por sua vez, a indivisibilidade do objeto destes direitos relaciona-se ao fato de que tanto a lesão como a satisfação de um interessado acarreta obrigatoriamente a lesão ou a satisfação de todos. Optou o legislador por adotar o critério da indeterminação dos titulares de tais direitos, e pela inexistência entre os titulares de relação jurídica base. Tais elementos estão intimamente ligados, uma vez que a ausência de vínculo jurídico a unir os sujeitos contribui para a sua indeterminabilidade. Constata-se, portanto, que os interesses difusos são opostos 2 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Legitimidade para a defesa dos interesses coletivos lato sensu, decorrentes de questões de massa, in Revista de Direito do Consumidor, n,° 56, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 2005, p. 160. 4 aos direitos subjetivos, pois nestes há correlação entre a titularidade do interesse e uma pessoa determinada, enquanto nos primeiros não há suscetibilidade de apropriação do direito a título exclusivo. Como exemplo de interesse difuso, pode-se citar a colocação no mercado de produto altamente nocivo à saúde dos consumidores, o que é defeso pelo art. 10 do Código de Defesa do Consumidor. Tal fato atinge todos os consumidores em potencial do produto que foi colocado no mercado, de modo que tais consumidores são de número incalculável, inexistindo entre eles qualquer relação-base. Destaque-se que, além das características legais dos interesses difusos, existem ainda outras mencionadas pela doutrina. Uma delas consiste em sua intensa litigiosidade interna, ou seja, na existência de conflitos entre grupos, relacionados com o interesse que se busca preservar [...]. A outra característica de tais direitos é sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço, por pautarem-se em situações de fato, contingenciais. Em razão disso, se não exercitados rapidamente, os interesses difusos modificam-se, acompanhando a situação de fato que os ensejou. 3 Para a tutela jurisdicional desses interesses é suficiente uma só demanda, em benefício de todos os consumidores atingidos, cuja sentença fará coisa julgada erga omnes, conforme dispõe o art. 103, I do Código de Defesa do Consumidor. Já os direitos “coletivos” foram conceituados no inc. II do parágrafo único do art. 81 como sendo “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.” Destaque-se que, conforme Kazuo Watanabe, “Essa relação jurídica base é preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão.”4 É o caso da relação jurídica existente entre o fisco e os contribuintes do imposto de renda. Entre estes já existe uma relação jurídica base, de modo que, havendo eventual lesão ao contribuinte 3 SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das Ações Coletivas. São Paulo: Método, 2004, p. 42. Nesse sentido, também Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir, 4.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 85-93. 4 GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 803. 5 provocada por medida ilegal, será possível a determinação das pessoas atingidas. Portanto, a relação jurídica originária da lesão não se confunde com a relação jurídica preexistente entre o contribuinte e o fisco. A transindividualidade e a indivisibilidade são elementos comuns aos interesses difusos e coletivos, posto que constam tanto no inc. I, quanto no inc. II do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. Para Rodolfo de Camargo Mancuso5, o caráter coletivo é imanente aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, pois pelos respectivos conceitos legais (incs. I e II), o objeto é indivisível e os sujeitos concernentes são, em princípio, indeterminados. A diferença reside que, nos direitos difusos, por se reportarem a situações de fato, as características de indeterminabilidade dos sujeitos e indivisibilidade do objeto são absolutas, enquanto nos coletivos em sentido estrito elas são relativizadas, uma vez que a circunstância de estarem os sujeitos vinculados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base já se insere em “grupos, categorias ou classes”, na forma da lei. Dessa forma, o principal traço que diferencia os direitos difusos e coletivos é que estes últimos contam com determinabilidade dos titulares, seja por meio da união proveniente da mesma relação jurídica base (ex: membros de uma associação de classe) ou pelo fato de existir vínculo jurídico que liga os titulares à parte contrária (ex: contribuintes de um mesmo tributo). 1.1.2. Interesses Individuais Homogêneos No tocante aos direitos individuais homogêneos, o inc. III do parágrafo único do art. 81 conceitua-os como sendo “os decorrentes de origem comum”. Assim, para que se saiba identificar a lesão a um interesse coletivo em sentido estrito ou a um interesse individual homogêneo, deve-se ter em vista se a lesão pode ser atribuída a um sujeito específico ou se é possível que qualquer pessoa do grupo possa invocá-la judicialmente, de forma individual. Se isso for possível, concluir-se-á que se está diante de um 5 Interesses difusos e coletivos. Revista de Direito do Consumidor, n.° 22, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1997, p. 39. 6 caso de ofensa a interesses individuais, que serão considerados homogêneos quando decorrerem de uma origem comum. Desta forma, os interesses individuais homogêneos somente são coletivos no tocante à forma como são tutelados. Portanto, não há diferenças quanto ao aspecto material entre os interesses individuais decorrentes de uma origem comum tutelados coletivamente, os interesses tratados individualmente, e os tutelados através de litisconsórcio. O que ocorre é que aqueles interesses antes defendidos por meio de instrumentos tradicionais do processo civil passam a ser protegidos por meio de uma demanda coletiva, de forma a facilitar o acesso à justiça e a economia processual. No tocante aos interesses individuais homogêneos, o vínculo com a parte contrária decorre da própria lesão ao interesse. Essa relação jurídica nascida, ao contrário do que ocorre nos interesses difusos e coletivos em sentido estrito, é perfeitamente individualizada na pessoa de cada um dos lesados, pois a ofensa ao direito atinge de forma e intensidade diversas cada um deles. Tal fato, portanto, permite a determinação ou a determinabilidade das pessoas atingidas, o que pode vir a se dar, por exemplo, no processo de habilitação na liquidação de sentença na ação coletiva para a tutela dos interesses individuais homogêneos.6 1.2 ALGUNS DOS INTERESSES PROTEGIDOS PELA LEI BRASILEIRA 1.2.1 A proteção ao meio ambiente Nesta seara, o primeiro marco foi a edição da Lei n° 6.938/81, que conceituou o meio ambiente, bem como instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Ainda, conforme o art. 14, § 1º, estatuiu a obrigação do poluidor de reparar os danos causados segundo o critério da responsabilidade objetiva em ação movida pelo Ministério Público.7 Foi com o advento da Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) que se tornou eficaz a atuação ministerial na defesa do meio ambiente. Com efeito, tal lei instituiu a ação civil 6 Cf. art. 97 do CDC. Relativamente à legitimidade do Ministério Público para a tutela do meio ambiente, cabe mencionar que, já na década de 1970, o Decreto n° 83.540/79 previa a possibilidade de o Ministério Público ajuizar ação de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente decorrentes de poluição por óleo. 7 7 pública para a defesa de interesses difusos e coletivos, inclusive na área ambiental, atribuindo legitimidade para a sua propositura ao Ministério Público8. No tocante à legitimação para a ação ambiental, todos os co-legitimados à ação civil pública podem defender em juízo os interesses ambientais. Além disso, de acordo com a Constituição Federal, art. 5°, LXXIII, o próprio cidadão pode defender o meio ambiente, por meio da ação popular constitucional. De acordo com a Lei n° 9.605/98, que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas na esfera administrativa, civil e penal, quando a infração tenha sido cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Contudo, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.9 Pode, ainda, ser a ação civil pública por danos ambientais ajuizada diretamente contra o responsável direto do dano, contra o responsável indireto, ou contra ambos. Nesse caso, ocorre a figura da responsabilidade solidária10, podendo ocasionar litisconsórcio facultativo e não litisconsórcio necessário.11 1.2.2 Proteção ao Consumidor A norma fundamental acerca da participação do Ministério Público na defesa do consumidor é o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, XXXII, 170, V da Constituição Federal, e art. 48 das Disposições Transitórias. Sendo, pois, de ordem pública e interesse social, depreende-se do confronto entre o art. 1º, “caput”, do Código de Defesa do Consumidor e o art. 127 da Constituição Federal, que o Ministério 8 Cf. art. 5.º da Lei n.° 7.347/85. A legitimação do Ministério Público, nesse caso, é concorrente e disjuntiva, visto que o mencionado dispositivo legal atribui legitimidade igualmente à União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações que preencham os requisitos constantes dos incisos I e II do art. 5.º, “caput” da lei supramencionada. 9 Cf. art. 3º, “caput”, e parágrafo único da Lei n.° 9.605/98. 10 Cf. art. 942 do Código Civil, que dispõe: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. 11 Sobre o tema, ver arts. 46, I, e 47, ambos do Código de Processo Civil. 8 Público deverá intervir em todos os processos em que se discutam relações de consumo, em que controvertam fornecedores e consumidores. A intervenção do órgão ministerial é obrigatória12, sendo que a sua ausência gera nulidade, ainda que não acarrete prejuízo para o consumidor. Conforme Marcus Vinicius Rios Gonçalves13, a intervenção do Ministério Público como custos legis em demanda em que uma das partes é hipossuficiente é justificada porque a instituição exercerá fiscalização, impedindo que sejam transacionados ou mal protegidos os interesses da parte mais fraca, cabendo ao órgão ministerial, portanto, conferir se os direitos da parte hipossuficiente estão lhe sendo assegurados plenamente, adequadamente, com respeito ao contraditório, por exemplo. Segundo o art. 82, I do Código de Defesa do Consumidor, o Ministério Público é órgão legitimado a promover ação coletiva em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor, sendo tal legitimação concorrente e disjuntiva. Contudo, deve restar afastada a possibilidade de defesa por tal órgão em casos de interesses disponíveis de consumidores individuais. 1.2.3 Proteção ao Patrimônio Cultural, Público e Social O conceito de patrimônio público veio definido, originariamente, na Lei n° 4.717/65, art. 1º, § 1°, sendo, para fins de ação popular, o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico14. Relativamente ao conceito de patrimônio social, Hugo Nigro Mazzilli: 12 Nesse sentido, o art. 97 do CDC, que dispõe: “O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como fiscal da lei”. 13 O Ministério Público e a defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor n,° 7, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1993, p. 64. Prossegue o autor: “[...] A necessidade de proteção ao consumidor justifica-se não por uma deficiência dele em velar por seus direitos, mas por uma flagrante desigualdade de natureza econômica entre os sujeitos das relações de consumo, que leva à imposição de uma das partes à outra.” 14 Conforme o art. 5°, LXXIII, da Constituição Federal, são também objetos da ação popular a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, de modo que se pode considerar estes valores como estando incluídos no conceito legal de patrimônio público. 9 [...] o conceito de patrimônio social está ligado ao que seja interesse social, o qual tem sido utilizado para alcançar: a) a defesa de interesses de grupos, classes ou categorias de pessoas que suportam algum tipo de hipossuficiência (pessoas pobres, desempregadas, faveladas, vítimas de crimes, presas, discriminadas); b) a defesa da sociedade como um todo (valores materiais ou imateriais, como o patrimônio cultural).15 Segundo a Constituição Federal, constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.16 Embora a Constituição Federal e as leis expressamente autorizarem o Ministério Público a ajuizar ação civil pública em defesa do patrimônio público, muito ainda se discute sobre a legitimidade do Ministério Público para fazê-lo. Hugo Nigro Mazzilli17 expõe alguns argumentos comumente apontados por parte da doutrina que entende não ter o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação coletiva em defesa do patrimônio público: 1) O primeiro argumento seria o de que o art. 129, III da Constituição Federal seria mera norma programática, sendo que, para ser dotada de eficácia, necessitaria que lei infraconstitucional a regulamentasse. Assim, não bastaria que o art. 129, III permitisse ao Ministério Público defender o patrimônio público e social; seria necessária edição de lei infraconstitucional que estabelecesse de que maneira, quando, em que medida e em que limites se daria a atuação do órgão ministerial. 2) Outro argumento, derivado do acima exposto, seria o de que a defesa do patrimônio público não está abrangida pela defesa dos interesses difusos e coletivos, e não estaria, 15 A defesa dos interesses difusos em juízo. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 150. Art. 216, “caput”, e incs. I ao V. 17 Op. cit., p. 161-162. 16 10 portanto, inserida no objeto do art. 1º da Lei n° 7.347/85. Por esse motivo, o Ministério Público não poderia defender o patrimônio público por meio da ação civil pública de que cuida a mencionada lei, sendo que inexistiriam outros instrumentos aptos a proporcionarem a defesa do patrimônio público. 3) A terceira ordem de objeções tem apontado para a ilegitimidade do Ministério Público para defender o patrimônio público porque estaria tal órgão proibido de representar em juízo as entidades públicas, segundo o art. 129, IX da Constituição Federal. Relativamente ao primeiro argumento, este deve ser repelido, uma vez que a Lei n° 8.429/92 legitima a iniciativa do Ministério Público nessa área, assim como a Lei Complementar n° 75/93, em seu art. 6º, VII, “b”, e a Lei n° 8.625/93, art. 25, IV, que regulamentam o uso da ação civil pública pelo Ministério Público na defesa do patrimônio público e social. No tocante à segunda objeção acima mencionada, não merece a mesma prosperar. Em primeiro lugar, porque grande parte dos interesses abrangidos pela Lei n° 7.347/85 coincidem com a defesa do patrimônio público (como ocorre com o meio ambiente e o patrimônio cultural); ainda, porque as já mencionadas leis n° 8.429/92 e 8.625/93, por exemplo, permitem a atuação do Ministério Público nessa área. Por fim, cabe ressaltar que, hoje, é pacificada a matéria perante o STJ no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa do patrimônio público.18 Por fim, com relação à terceira colocação de argumento, observa-se que a mens legis do art. 129, IX da Constituição Federal consiste em que, quando foi criada a advocacia pública, o Ministério Público perdeu sua atribuição de representar a Fazenda. Assim, esta passou a ter seus procuradores, que se encarregam de cobrar a dívida da Fazenda em juízo, bem como defendê-la judicialmente, e zelar por seus direitos perante o Poder Judiciário. 18 Nesse sentido, REsp 792996 - RS. Primeira Turma. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 13.03.2007. DJU 09.04.2007; REsp 798523 - DF. Segunda Turma. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em 10.10.2006. DJU 07.03.2007; REsp 717531 - SP. Segunda Turma. Relatora Ministra Eliana Calmon. Julgado em 05.09.2006. DJU 26.09.2006. 11 1.2.4 Outros interesses Além dos interesses acima mencionados, podem ser destacados, ainda, os direitos dos portadores de deficiência, ressaltando que a Lei n° 7.853/89, disciplina a sua proteção e integração social, bem como as medidas judiciais protetivas, a atuação do Ministério Público, a definição dos crimes pertinentes, e a defesa transindividual dessas pessoas. Na defesa dos interesses coletivos dos credores, o Ministério Público intervém no procedimento relativo a falências, nos termos da Lei n° 11.101/01. A Lei n° 7.913/89 dispõe que o Ministério Público poderá propor ações com objeto coletivo, para evitar lesões ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores de mercado. No tocante aos interesses da infância e juventude, o art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90) previu as atribuições do Ministério Público nesta seara, mencionando a legitimidade do órgão ministerial para “promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal.”19 A Lei n° 7.347/85 também disciplina as ações civis públicas de responsabilidade por danos morais e patrimoniais que tenham sido causados por infração da ordem econômica e da economia popular. Relativamente à defesa da ordem urbanística, a Lei n° 10.257/01 (Estatuto da Cidade) regulamentou os dispositivos constitucionais que aludiam à política urbana, estabelecendo suas diretrizes gerais. Os arts. 1º e 4º da Lei n° 7.347/85 foram alterados pelos arts. 53 e 54 do Estatuto da Cidade, que incluiu, no âmbito da ação civil pública, a defesa judicial de interesses transindividuais ligados à ordem urbanística. No tocante aos direitos dos idosos, a Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso) definiu que cabe ao Ministério Público instaurar inquérito civil e ação civil pública para proteger os 19 Art. 201, V da Lei nº 8.069/90. 12 direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso, bem como oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco, por exemplo. 2 LEGITIMIDADE PARA A DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS 2.1 CRITÉRIOS DE LEGITIMAÇÃO Atualmente, importa a observância das situações conflituosas emergentes na vida em sociedade, e a possibilidade de identificar a sua titularidade, para fins de tutela jurídica. Tal importância resta evidenciada pela relação ínsita com a legitimação para agir (uma vez que se questiona quem pode pedir a tutela jurisdicional). Também, porque, ao se exigir a coincidência entre o titular da pretensão de Direito material e a do autor da ação, chegar-se-ia a um conflito, ou, no mínimo, a um impasse quando fosse o caso de se tutelar situações socialmente relevantes que, por outro lado, não permitem a afetação a um único titular, como é o caso dos interesses transindividuais. Os interesses coletivos stricto sensu devem preencher o requisito de uma certa “organização”, aglutinados em entes, caso em que estarão legitimados a defender os seus interesses em juízo. Como exemplo, cita-se o art. 54, II do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n° 8.906/94), que outorga competência ao Conselho Federal para “representar, em juízo, ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais dos advogados.” Em relação aos interesses difusos, a questão ainda remanesce em aberto, uma vez que estes não comportam aglutinação legal ou necessária junto a entidades, como ocorre com os interesses coletivos stricto sensu. Em primeiro lugar, porque os interesses difusos não se apresentam de forma organizada junto a um determinado órgão, por exemplo. À vista disso, sugere Mancuso: “a difusão desses interesses pode ser efêmera, contingencial: mesmo a certos grupos ocasionais se deve admitir o acesso à justiça, sob pena de se perder, talvez, a parte mais fecunda do fenômeno coletivo.”20 20 Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 151. Prossegue o autor exemplificando com um caso de um grupo de moradores que se reúnem com o intuito de evitar a iminente dejeção de elementos poluidores no rio que serve à coletividade, acrescentando que ao se exigir deste grupo de moradores uma “organização formal”, o efeito danoso já terá produzido seus efeitos nesse meio tempo. Então, a personalidade jurídica, quando se trate de defesa de interesses superindividuais, não deve ser 13 Questão relevante diz com a natureza jurídica da legitimidade para agir nas ações coletivas: seria caso de legitimidade extraordinária? Ordinária? Ou seria uma espécie sui generis de legitimidade especialmente adequada ao tratamento processual das ações coletivas? Conforme lembra Antônio Gidi21, tal questionamento já ensejou debates muito mais acalorados há alguns anos, sendo que, refere o autor, a teoria que advogava a existência de legitimação extraordinária era preconizada por Barbosa Moreira, para o qual havia a possibilidade de tutela jurisdicional aos direitos superindividuais independentemente de expressa autorização da lei processual. A segunda teoria, concebida por Kazuo Watanabe, pregava a existência de legitimação ordinária, embasada em uma interpretação aberta e flexível do art. 6.º do CPC22, independente de qualquer reforma legislativa. Por fim, mais recentemente houve o surgimento de uma terceira teoria, introduzida por Nelson Nery Júnior, segundo o qual: Na verdade o problema não deve ser entendido segundo as regras de legitimação para a causa com as inconvenientes vinculações com a titularidade do direito material invocado em juízo, mas sim à luz do que na Alemanha se denomina de legitimação autônoma para a condução do processo, instituto destinado a fazer valer em juízo os direitos difusos, sem que se tenha de recorrer aos mecanismos de direito material para explicar referida legitimação.23 Como se observa, o autor busca superar a polaridade entre legitimidade extraordinária e legitimidade ordinária, que existem no direito processual individual, mas inaplicáveis no âmbito das ações coletivas. Defende, portanto, Nery Júnior haver uma legitimação autônoma em sede de tutela dos interesses difusos e coletivos, justificando tal posicionamento com o fato de que a substituição processual determinada pela lei é diferente da legitimação em sede exigida, pois o importante não é a existência legal do grupo portador, como “pessoa jurídica”, mas sim a presença de certos elementos objetivos, como a adequada representatividade do grupo portador e a relevância social do interesse. 21 GIDI, Antônio. Legitimidade para agir em ações coletivas. Revista de Direito do Consumidor n° 14, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1995, p. 56. 22 Art. 6º CPC:“Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. 23 Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. rev., ampl., 2 tir., atual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 114. 14 de ações coletivas, uma vez que, naquele caso, o substituto processual busca a defesa de um direito alheio, cujo titular é determinado, ao passo que nas ações coletivas, demanda-se por direitos difusos. O substituto processual defende direito de titular determinado. Como os titulares dos direitos difusos são indetermináveis e os dos direitos coletivos indeterminados (CDC, 81 par. ún. I e II), sua defesa em juízo é realizada por meio de legitimação autônoma para a condução do processo, estando superada a dicotomia clássica legitimação ordinária e extraordinária.24 Para Rodolfo de Camargo Mancuso25, a legitimação em sede de interesses difusos não deve ser associada à titularidade da pretensão, visto que consistiria, sim, em uma contradição, pois, pela própria natureza dos interesses difusos descarta-se a perquirição acerca de um titular determinado. O autor sugere como alternativa na legitimação para agir em tema de direitos difusos a adoção de critérios objetivos, dando-se preferência ao aspecto da legitimidade e relevância social do interesse, sendo que o portador desses títulos se apresentaria como instrumento idôneo a solicitar a tutela para aquele interesse. Efetivamente, em sede de ações coletivas, observa-se a inconsistência pragmática em se operar com a dicotomia legitimidade processual extraordinária X legitimidade processual ordinária. Para Antônio Gidi26, é clara a existência de dissociação entre o titular do direito superindividual (que pode ser uma comunidade ou uma coletividade, em consonância com a definição legal do art. 81, § único do CDC) e o legitimado processual a defendê-lo em juízo através da ação coletiva (entidades elencadas no art. 5.º da Lei n.º 7.347/85, e no art. 82 do CDC). 24 NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. rev., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 389. 25 Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. Op. cit., p. 156. Prossegue Mancuso considerando que a “justa parte”, ou seja, a aquela que vem a juízo em nome dos interesses metaindividuais, não pode ser encontrada a partir da titularidade do direito e, sim, da capacidade ou idoneidade do portador desses interesses em exercer uma representatividade adequada. 26 Op. cit., p. 58. Continua Gidi: “[…] também há que se vislumbrar uma espécie de ‘direito próprio’ dessas entidades a defender os direitos superindividuais em juízo, já que ninguém mais poderia fazê-lo. Afinal, alguém há que ser ordinariamente legitimado para a propositura de uma ação coletiva para que possa haver um outro que o seja extraordinariamente. O extraordinário é um conceito relacional, e pressupõe a existência do ordinário da mesma forma que o especial pressupõe a existência do comum.” 15 Raimundo Gomes de Barros27, por sua vez, critica o posicionamento adotado por Nelson Nery Júnior, entendendo não haver, na legitimação ordinária, a necessidade de recorrer-se ao direito material. Acrescenta que somente entende o Ministério Público como parte quando defende direito alheio determinado, caso em que age sob legitimação extraordinária. Carlos Alberto de Salles28, por sua vez, defende que a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses difusos e coletivos aproxima-se da legitimação extraordinária, expressando, nos termos do art. 6.º do Código de Processo Civil que ela decorre de expressa autorização legal e, no caso, da própria Constituição Federal29, sendo, contudo, mais apropriado designá-la como anômala, pois apresenta características próprias, em virtude da natureza do interesse envolvido. Com efeito, a definição de legitimidade, nesses casos, está relacionada a uma qualificação prévia do interesse postulado em juízo, sendo que, para tal, deve-se tomar por base a natureza dos sujeitos implicados, assim como o grau de agregação dos interesses envolvidos na demanda e a natureza do objeto a que se dirige a prestação jurisdicional. Tratase de uma qualificação subjetiva da situação de fato, levando-se em conta a forma como os interesses aparecem inter-relacionados, a fim de caracterizá-los como interesses difusos ou coletivos. Márcio Flávio Mafra Leal discorda da parte da doutrina que defende haver legitimação ordinária dos autores coletivos, pois: [...] nem mesmo nas ações coletivas do direito anglo-americano, em que o indivíduo lesado pode representar os demais, o direito individual do autor se 27 Ministério Público: sua legitimação frente ao Código do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n° 8, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1993, p. 162. Conclui o autor que no tocante à legitimação do Ministério Público ao postular interesses difusos do consumidor é de ordem legal, pois “[...] para se dizer parte legítima, só necessita de ser um agente do MP, regularmente investido no cargo e estar em Juízo pleiteando direito subjetivo malferido ou ameaçado do consumidor [...] Em tal mister, contudo, não é o Ministério Público que se torna autor da ação coletiva [...] O autor, rigorosamente, é o consumidor que embora não possa pleitear ele próprio, tal como ocorre com o menor impúbere, no caso da representação, é o titular difuso do direito ou interesse subjetivo resistido. Significa dizer que a lei elegeu o MP para residir em Juízo, na condição de parte comum [...], tal como se fosse uma simples sociedade civil [...] E age como parte, concorrentemente com outras pessoas e, por via de conseqüência, sem os privilégios do cargo, por igual, sem limitações.” 28 FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo et alii. Ministério Público: instituição e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 149-150. 29 Art. 129, I a IV. 16 confunde com o direito alheio, embora tenham o mesmo fundamento [...]. Por fim, se a legitimação fosse ordinária, as ações não seriam coletivas.30 Conforme Rodolfo de Camargo Mancuso, não se trata de legitimação ordinária, uma vez que os interesses difusos têm como titulares uma pluralidade indefinida de sujeitos, sendo que não é viável que todos esses sujeitos se façam presentes na lide, ou sejam nela representados. Dessa forma, poder-se-ia concluir que o caso em análise apresenta uma forma de legitimação anômala, ou, ainda, de substituição processual. Contudo, prossegue o autor: [...] a se admitir uma tal qualificação, tornar-se-ia necessário acrescentar que se trata de legitimação autônoma de tipo misto, porque as entidades nominadas no texto em questão exerceriam legitimação ordinária (na ‘parte’ em que são portadoras de um ‘interesse próprio’) e legitimação extraordinária (na ‘parte’ em que agiriam como representante ou substituto dos demais sujeitos a quem tocariam os interesses difusos).31 Relativamente à legitimação para a tutela de interesses individuais homogêneos, grande parte da doutrina32 considera-a caso clássico de legitimidade extraordinária. Outro ponto freqüentemente suscitado é o de que os requisitos da aferição de legitimidade para as class actions norte-americanas seriam determinados ope iudicis, ao passo que, na aferição da legitimidade nas ações coletivas brasileiras da Lei nº 7.347/85 e do CDC, os requisitos seriam ope legis. Para entender tal questionamento, faz-se necessária breve exposição e abordagem, ainda que não exaustiva, acerca do sistema norte-americano no tocante à tutela coletiva, que inspirou a criação das ações coletivas no Brasil. As class actions americanas foram primeiramente disciplinadas nas Federal Rules of Civil Procedure de 1938 e, mais tardiamente, nas Federal Rules de 1966. As class actions americanas tinham como objetivo a tutela de interesses coletivos indivisíveis e a tutela de direitos individuais divisíveis que foram conjuntamente tratados por sua origem comum, além 30 Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1998, p. 125-126. Prossegue o autor comentando, acerca do mesmo tema, o posicionamento de Nelson Nery Júnior e parte da doutrina que entende haver, no caso, legitimação autônoma, diversa da ordinária e extraordinária: “Essa doutrina, na realidade, faz referência a uma substituição processual diferenciada que não retira o caráter extraordinário da legitimação do autor.” 31 Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. Op. cit., p. 202-203. 32 Antônio Gidi, Op. cit., p. 58-59 entende não haver, no caso, legitimidade extraordinária. Para o autor, é regra da substituição processual a supressão da possibilidade de o substituído ir a juízo após ser atingido pela coisa julgada material, o que não ocorre no caso da ação coletiva em defesa de direito individual homogêneo, pois, nesse caso, as vítimas poderão propor a sua ação individual, independentemente da improcedência da ação coletiva (considerando-se as próprias vítimas como titulares dos direitos individuais homogêneos, e não como grupo indivisivelmente considerado). 17 de serem baseadas na equity (eqüidade), pressupondo a pluralidade de titulares, sendo que cada um ocupa posição individual de vantagem, o que possibilita e facilita o ajuizamento de uma única ação, por intermédio de um único expoente da classe para representar a coletividade. A regra 23 das Federal Rules de 1966 expôs regras fundamentais a serem respeitadas nas class actions: estas seriam admitidas quando fosse impossível a reunião de todos os integrantes da classe, cabendo ao juiz controlar a adequada representatividade (adequacy of representation), bem como aferir a existência de comunhão de interesses entre os membros da classe. Através do mecanismo da adequada representatividade, observa-se uma legitimação por categoria, onde há uma espécie de “autor popular”, um representante ideológico. Através dessa figura, é permitida a presença, em juízo, de um representante da categoria social afetada. Como exemplo, cita-se o representante ideológico dos usuários dos serviços de táxi. Nesses casos, a legitimação para agir se dá através da análise de critério objetivo, qual seja, o de saber se a parte ideológica apresenta condições que a qualifiquem para exercer a representação da class. A verificação dessa idoneidade é realizada pelo juiz, que faz uso da sua defining function, da função de definir se é o caso de uma class action ou não, bem como se a representação, no caso concreto, é adequada. Se for, a sentença terá efeitos erga omnes, ou seja, para todos os integrantes da categoria, mesmo para os ausentes da ação. Para Antônio Gidi, tanto no caso das class actions norte-americanas quanto nas ações coletivas brasileiras: [...] os critérios de aferição da legitimidade já estão previamente explicitados nos respectivos textos legais. A única diferença reside no fato de que a adequacy of representation é um conceito juridicamente indeterminado, aberto, portanto, a ser integrado no caso concreto pelo convencimento motivado do juiz e pelo sistema vinculante de precedentes enquanto os requisitos exigidos pelo nosso direito positivo são de caráter bem mais objetivo.33 Tendo sido expostos alguns fundamentos das class actions norte-americanas, em especial o conceito da adequacy of representation, cabe, aqui, questionar se o juiz brasileiro pode controlar a “adequada representatividade” do ente legitimado, assim como ocorre no sistema norte-americano. 33 Op. cit., p. 61. 18 O Projeto de Lei nº 3.034/84, proposto pelo então deputado Flávio Bierrenbach, que resultou dos trabalhos de comissão constituída por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, propôs a via do controle da representatividade adequada pelo juiz. Contudo, a Lei nº 7.347/875 adotou a fórmula da legitimação ope legis, sem mencionar expressamente a representatividade adequada. Após, a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor seguiram o mesmo caminho. Todavia, o manejo de ações coletivas por parte, por exemplo, de associações que, embora possuam legitimidade para tal, não apresentam credibilidade, seriedade e possibilidade de defesa processual válida, (elementos esses que constituem algumas das características de uma representatividade adequada e idônea), vem, ultimamente causando problemas de ordem prática. Da mesma forma, por vezes se observa a interposição de ações coletivas inclusive por parte do Ministério Público em defesa de interesses que, a rigor, não coincidem com os valores sociais da classe titular da pretensão. É em virtude disso que seria de grande valia o reconhecimento da possibilidade de o juiz, no caso concreto, exercer o controle sobre a legitimação, impossibilitando a continuidade de uma ação coletiva no caso de a “representatividade” do legitimado se mostrar inadequada. Embora o nosso ordenamento jurídico não faça menção expressa a tal possibilidade, conforme Ada Pellegrini Grinover34, não se pode afirmar que seja avesso ao controle da “representatividade adequada”, senão vejamos: O art. 82, § 1.º do CDC permite ao juiz dispensar a associação do requisito da préconstituição há pelo menos um ano, quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou ainda, pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Observa-se, portanto, que a análise do juiz, no caso concreto, acerca do reconhecimento da legitimação da associação, aproxima-se do exame da representatividade adequada, ou adequacy of representation norte-americana, pois o juiz brasileiro pode negar a referida legitimidade à associação, quando entender não estarem presentes os requisitos da adequação. 34 Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. Revista Forense, v. 361. Rio de Janeiro: Forense, mai./jun. 2002, p. 5-6. 19 Portanto, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro não é infenso ao controle da legitimação ope judicis, de forma que o controle da “representatividade adequada” poderia ser adotado no Brasil. [...] a representação adequada [...] é um conceito-chave para se permitir, não só a autorização para o processamento da ação individual como coletiva, mas também para possibilitar a extensão da coisa julgada a terceiros. Esse conceito também foi exportado para outros sistemas jurídicos, como o europeu e o brasileiro, embora com outras características, já que nestes últimos sistemas não se permite que simples indivíduos figurem como adequados representantes de uma classe de pessoas.35 2.2 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 2.2.1 O inquérito civil A Lei n° 7.347/85 inseriu em nosso ordenamento jurídico o instituto do inquérito civil, o qual tem por natureza o caráter de investigação administrativa a cargo do Ministério Público36, tratando-se de procedimento investigatório de natureza inquisitorial. Destina-se à realização de investigações de caráter preliminar, capazes de trazer aos autos elementos de convicção aptos ao possível embasamento da ação civil pública pelo representante ministerial. No dizer de Alceu Schoeller de Moraes: [...] o objeto do inquérito civil é a prova, no que se circunscreve toda a atividade processualizada e legalmente definida de colheita de elementos probatórios. Por suposto, não todo e qualquer fato, senão fatos comportáveis na previsão legal de abrangência objetiva; vale dizer, o objeto próprio do inquérito civil é o que a definição legal propõe estritamente.37 Cabe destacar que a instauração de inquérito civil não é pressuposto para que o Ministério Público compareça a juízo, uma vez que pode ser dispensado tal procedimento, desde que já existam elementos aptos a legitimarem a propositura da ação civil pública. Por vezes, o Ministério Público poderá ajuizar ação civil pública com base em peças de informação. 35 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Op. cit., p. 134. A Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) consignou expressamente como função do Parquet a promoção do inquérito civil (art. 25, IV a e b). 37 Processo para a investigação civil: a investigação de ilicitudes civis, o uso de inquérito civil e os poderes investigatórios. Porto Alegre: CCR Gráfica Editora, 2000, p. 79. 36 20 De forma simples, pode-se conceituar as peças de informação como sendo elementos que formarão a convicção do representante ministerial, para que o mesmo possa se basear para ajuizar eventual ação civil pública, se assim o entender. O inquérito civil é, ainda, procedimento de caráter informal, não admitindo o contraditório e a ampla defesa, submetendo-se, contudo, ao princípio da publicidade.38 A ocorrência de eventuais vícios ou nulidades do inquérito civil não acarretará efeitos na eventual ação judicial. Conforme Rita di Tomasso39, mesmo que as máculas porventura existentes no inquérito civil possam prejudicar as provas ou os elementos assim viciados, como se tratam de simples irregularidades, suas conseqüências restarão limitadas às peças informativas viciadas, não contaminando, assim, a ação proposta. É competente para a instauração do inquérito civil o mesmo órgão do Ministério Público que possui atribuição para propor a ação civil pública que deva ser baseada no mencionado inquérito. Da mesma forma, cabe ao órgão ministerial também a promoção e presidência do inquérito civil.40 A instauração do inquérito civil pode se dar de ofício, quando chegar ao representante do Ministério Público notícia de algum fato violador de interesses difusos ou coletivos de qualquer natureza, ou ainda, por meio de provocação de algum interessado que, por meio de representação ou requerimento, relate ao Ministério Público a prática atual ou iminente de atos lesivos aos interesses supramencionados. Destaque-se ainda que o Ministério Público pode dirigir-se diretamente a qualquer autoridade para buscar os esclarecimentos devidos para a consecução de seus fins 38 Excetuados os casos em que as informações obtidas pelo Ministério Público estejam acobertados pelo sigilo legal, bem como quando há necessidade imperiosa de não divulgação dos atos procedimentais, em prol do escorreito andamento das investigações, ou, ainda, para a preservação do interesse da coletividade. 39 Inquérito civil. Revista de Direito do Consumidor, n.° 16. São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Revista dos Tribunais, 1995, p. 104. 40 A Constituição Federal e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público estabelecem ser função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil, competindo a tal órgão a responsabilidade de presidir o procedimento (art. 129, III da CF e art. 25, IV da Lei n.º 8.625/93). Igualmente a Lei n.º 7.347/85, em seu art. 8.º, § 1.º atribui ao Ministério Público a incumbência de instaurar e presidir o inquérito civil. 21 institucionais na defesa de interesses difusos e coletivos, sem necessitar intermédio do Poder Judiciário. Relativamente ao arquivamento do inquérito civil, cabe ressaltar que o Ministério Público não o requer e sim o promove, sem qualquer ato de intervenção judicial. Tal fato não enseja nenhum vício, a despeito de possíveis considerações no sentido de que, quando o Ministério Público arquiva o inquérito civil, determinadas lesões a interesses transindividuais podem ficar sem correção. Conforme Hugo Nigro Mazzilli, tal argumento não prospera, pois: [...] o Ministério Público não detém privatividade da ação civil pública, e, se deixar de propô-la, outros legitimados poderão fazê-lo. Assim, o arquivamento do inquérito civil pelo Ministério Público não impõe qualquer óbice ao conhecimento de lesão de direitos individuais ou transindividuais pelo Poder Judiciário.41 Embora o Ministério Público promova o arquivamento do inquérito civil ou das peças de informação, tal promoção sujeita-se à homologação do Conselho Superior42 da instituição. No prazo de 3 (três) dias a contar da data da promoção de arquivamento do inquérito civil ou das peças de informação, o órgão de execução do Ministério Público remeterá os autos ao Conselho Superior, que poderá requisitá-los, de ofício ou a pedido do interessado, caso a remessa não seja feita no prazo legal. Conforme Hugo Nigro Mazzilli43, pode ocorrer que o inquérito civil apresente pluralidade de objetos ou de sujeitos. A primeira é verificada quando há mais de um evento danoso sendo investigado; a segunda ocorre quando há mais de um sujeito envolvido nos fatos investigados pelo inquérito civil. O membro do Ministério Público, sendo independente funcional, tem a liberdade de ajuizar ação civil pública somente em relação a alguns dos objetos ou a alguns dos investigados do inquérito civil. Contudo, importa ressaltar que, nesse caso, estará ocorrendo um arquivamento parcial do inquérito civil. No entender de Mazzilli44, mais recomendado seria que o membro do Ministério Público, ao entender cabível o ajuizamento da ação civil pública somente com relação a alguns dos objetos ou dos investigados, extraísse cópias das 41 A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 344. Art. 30 da Lei nº 8.625/93: “Cabe ao Conselho Superior do Ministério Público rever o arquivamento de inquérito civil, na forma da lei”. 43 A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 345. 44 Idem, Ibidem. p. 345-346. 42 22 principais peças do inquérito civil, fundamentando a sua posição e entendimento, e as encaminhasse ao Conselho Superior do Ministério Público, para que este realize o reexame. Se assim não agir, o representante ministerial estará cometendo irregular arquivamento implícito. Diante do encaminhamento da promoção de arquivamento ao Conselho Superior, vislumbram-se três hipóteses possíveis de ocorrer: 1) conversão da decisão em diligência, ou seja, o inquérito civil retorna ao representante ministerial de origem a fim de que novas diligências sejam empreendidas, visto que ainda pendentes para a finalização do procedimento; 2) homologação da promoção de arquivamento, o que implica no acatamento pelo órgão superior das razões invocadas pelo Promotor de Justiça para pôr fim ao procedimento em curso. Nesse caso, ainda podem os co-legitimados propor a ação civil pública ou coletiva que o Ministério Público não ajuizou; 3) designação de outro Promotor de Justiça para oferecimento de ação civil pública, tendo em conta a existência de argumentos bastantes para a defesa judicial dos interesses difusos ou coletivos. 2.2.2 Compromisso de ajustamento de conduta: Tendo os interesses transindividuais ligação estreita com a ordem pública, conclui-se que, a princípio, não seriam passíveis de transação, dado o seu caráter de indisponibilidade. Por outro lado, questiona-se: Como poderia o Ministério Público cumprir o disposto no art. 127 da Constituição Federal, que lhe impõe a defesa dos interesses sociais (incluídos os interesses difusos e coletivos), sem que lhe fosse outorgada a possibilidade de transacionar acerca da sua persecução? Para Marco Antônio Marcondes Pereira: 23 [...] a solução está em entender que os interesses indisponíveis podem ser objeto de transação pelos legitimados para sua defesa, mas tão-somente em relação aos meios pelos quais se alcançará a sua realização [...] Os interesses difusos ou coletivos [...] não estariam sendo alienados ou renunciados senão apenas realizados através do meio mais rápido e distante de demandas improfícuas e perenizadas [...].45 A Lei nº 7.347/85, em seu art. 5.º, § 6.º46, prevê a possibilidade de realização de compromissos de ajustamento de conduta: “Art. 5.º [...] § 6.º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento da sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” Destaque-se que, em sede de compromisso de ajustamento de conduta, o Ministério Público não realiza nenhuma atividade homologatória, somente atuando quando participar diretamente do ajuste, oportunidade em que o compromissário assumirá obrigações para com o Ministério Público, sob pena de sanções pelo descumprimento. Também não pode o Ministério Público transigir quanto a aspecto que atinja diretamente o direito material, ainda que, conforme anota Paulo Valério Dal Pai Moraes47, pequenas concessões possam ser feitas tanto em nível judicial como no compromisso, desde que a conduta do órgão público esteja pautada pelos critérios do interesse público e da relevância social. Uma vez que o Ministério Público é co-legitimado a colher o compromisso de ajustamento de conduta do causador do dano, cabe mencionar que, uma vez realizado tal compromisso entre o órgão ministerial e o causador da lesão, poderá haver o arquivamento do 45 Transação no curso da ação civil pública. Revista de Direito do Consumidor, n° 16, São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Revista dos Tribunais, 1995, p. 124. 46 Anote-se que a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) já outorgava ao Ministério Público legitimidade para a propositura da ação civil pública em defesa dos interesses da criança, facultando-lhe “efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância social afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação” (art. 200, § 5.º, c). 47 O compromisso de ajustamento. Revista de Direito do Consumidor, nº 30. São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 1999, p. 34. Menciona o autor o caso, por exemplo, de um Promotor de Justiça que, em sede de compromisso de ajustamento, coloca-se em posição de “aceitação” ou não do compromisso que o infrator deseja assumir, nada concedendo no que tange ao direito material em questão, podendo, contudo, conceder prazos ou dispor sobre as formas mais adequadas para o cumprimento das obrigações a cargo do investigado. 24 inquérito civil ou das peças de informação. Nesse caso, o Conselho Superior do Ministério Público deverá, se a composição for satisfatória, homologar a promoção de arquivamento. Se o Ministério Público tomar compromisso de ajustamento de conduta em autos de inquérito civil, o Conselho Superior da instituição deve rever o ato. Tal medida não visa ao condicionamento da eficácia do compromisso, mas sim encontra fundamento no fato de o compromisso acarretar o encerramento total ou parcial das investigações ministeriais, ainda que de forma implícita ou expressa. Diante disso, o Conselho Superior do Ministério Público pode determinar outras diligências no inquérito civil, se entender insatisfatória a solução alcançada. Ainda, pode determinar a propositura de ação civil pública por outro membro do órgão ministerial. 2.2.3 O Ministério Público e a defesa dos direitos individuais homogêneos Relativamente à legitimação do Ministério Público para a tutela dos interesses individuais homogêneos, Hugo Nigro Mazzilli48 expõe que para parte da doutrina, o Ministério Público só teria legitimidade para defender os interesses difusos e coletivos, porque o art. 129, III da Constituição somente a eles se refere, restando, desta forma, excluída a possibilidade de tutela dos interesses individuais homogêneos. Para outros, ao contrário, a análise dos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor deixa clara a possibilidade de o Ministério Público tutelar quaisquer interesses transindividuais, inclusive os interesses individuais homogêneos. Outros, por sua vez, invocam o artigo 127, “caput”, da Constituição Federal, juntamente com os artigos 6º, VII, “d” da Lei Complementar n° 75/93 - Lei Orgânica do Ministério Público da União - LOMPU, e 25, IV, a, da Lei n° 8.625/93 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público - LONMP, e sustentam que o Ministério Público, em matéria de direitos individuais homogêneos, só os poderia defender se indisponíveis. 48 A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 141. 25 Ainda, conforme lembra Ricardo Ribeiro Campos49, há outra corrente orientada no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para a defesa de interesses individuais homogêneos, sendo eles disponíveis ou não, sendo importante considerar, ao invés da disponibilidade ou não do direito, a relevância social do bem jurídico tutelado ou da própria resolução coletiva de conflitos. Nesses casos, incidiria o disposto no art. 127 da Constituição Federal que prevê como atribuição do Ministério Público a defesa dos “interesses sociais” e não somente dos “interesses individuais indisponíveis”. Nessa linha de pensamento, encontra-se Luiz Paulo da Silva Araújo Filho50. Para este autor, deve-se exigir a verificação, em cada caso concreto, da relevância social do objeto da demanda coletiva, a fim de reconhecer se há legitimação do Ministério Público, uma vez que não se pode admitir que tal órgão tutele interesses privados sem relevância social. Dessa forma, uma vez que a defesa de interesse coletivo ou individual homogêneo convier à coletividade como um todo, o Ministério Público tem legitimidade para tutelá-los. Nesse sentido, tem-se orientado a jurisprudência do STJ, ressaltando que em casos de relevante interesse social, tem o Ministério Público legitimidade para agir, senão vejamos: PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INTERESSES INDIVIDUAIS DOS MUTUÁRIOS DO SFH - RELEVANTE INTERESSE SOCIAL MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL SUPERADO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168 DO STJ - PRECEDENTES DA EG. CORTE ESPECIAL. - É firme o entendimento desta Eg. Corte Especial no sentido de que o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses dos mutuários do SFH, por isso que caracterizado o relevante interesse social. - Incidência do óbice contido na Súmula 168/STJ. - Agravo regimental improvido.51 (grifos acrescidos). 49 CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Legitimidade do Ministério Público para defesa de interesses individuais homogêneos: sua compreensão a partir da teoria dos poderes implícitos e da interpretação sistemática da Constituição. Revista de Direito do Consumidor, n.°46. São Paulo: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Revista dos Tribunais, 2003, p. 256-257. 50 Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 111. Prossegue o autor: “Não é, por conseguinte, em nosso sentir, ‘pelo simples fato de serem tratados numa dimensão coletiva’, que ‘os direitos individuais assumem relevância social’. Ao revés, cumpre verificar, caso a caso, se os interesses individuais homogêneos tratados coletivamente revestem, ou não, a imprescindível magnitude capaz de caracterizar um genuíno interesse social, a permitir a propositura da ação pelo Ministério Público [...]”. 51 AgRg nos EREsp 633470 / CE. Corte Especial. Relator Francisco Peçanha Martins. Julgado em 30/06/2006. DJ 14.08.2006. 26 Assim, somente em casos excepcionais, poderia ser admitida a legitimidade do Ministério Público para tutelar os interesses privados e disponíveis. Não restando devidamente demonstrado o interesse social, não poderia ser reconhecida a legitimidade do Ministério Público para defender, por exemplo, os “‘interesses individuais de um grupo de alunos de um determinado colégio’ em ações concernentes a mensalidades escolares, ou para perseguir indenização pelo desmoronamento de um prédio de classe média alta, como aconteceu no caso do Edifício Palace II.”52 Em sentido contrário a esse posicionamento está Carlos Alberto de Salles53, que entende não ser essa a mais adequada interpretação. Para o autor, primeiramente, deve ser ressaltado o fato de o Código de Defesa do Consumidor não trazer a limitação da necessidade de relevância social, muito embora à época da promulgação do CDC já estivesse em vigor a Constituição Federal, devendo o próprio Ministério Público, e não o Poder Judiciário apreciar o conceito de interesse social de que trata o art. 127, “caput”, da Constituição Federal. Isso ocorre porque o exame do interesse social por vezes pode implicar fatores que vão além dos limites da ação examinada em juízo, limitada, necessariamente, ao caso concreto. Para Carlos Alberto de Salles: [...] evidencia-se que o interesse social não pode ser utilizado como instrumento para limitar a legitimidade processual do Ministério Público no contexto de determinada ação, posto que envolve situações fáticas estranhas aos limites da lide [...] Pretende-se [...] que a verificação da existência de interesse social seja de atribuição ministerial, de forma que possa ser considerada a totalidade das circunstâncias implicadas, permitindo ao Ministério Público adotar o conjunto de medidas que mais eficientemente defende os interesses colocados sob sua proteção, levando em conta razões de ordem estratégica e de eqüidade na prossecução de suas funções.54 Em primeiro lugar, não é relevante o fato de a Constituição Federal ter omitido, em seu artigo 129, III, a defesa de interesses individuais homogêneos. Tal omissão é 52 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Op. cit., p. 112-113. FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo et alii. Op. cit., p. 253. Como exemplo, cita o autor uma cidade em que esteja ocorrendo venda indiscriminada de lotes urbanos em situação irregular, envolvendo vários loteamentos de baixa renda e um de alto padrão. Não seria razoável que o Ministério Público patrocinasse a defesa somente dos adquirentes de lotes populares, por apresentarem interesse social mais evidente. “Visto do ângulo do caso singular, a ação que envolve o loteamento de luxo traria a impressão de que o Ministério Público estava defendendo interesses despidos de qualquer relevância social. Todavia, se examinada a situação global, se evidenciaria o interesse social no combate indiscriminado à venda de lotes em situação irregular, abrangendo qualquer espécie de loteamento”. 54 FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo et alii, Op. cit., p. 254. 53 27 perfeitamente compreensível, pois essa expressão só veio a surgir no Código de Defesa do Consumidor, lei datada de 1990 (dois anos após a promulgação da Constituição Federal, portanto). Contudo, deve-se entender que o legislador constituinte, ao empregar, no art. 129, III, a expressão “interesses difusos e coletivos”, na verdade, tinha a intenção de mencioná-los no sentido lato, abrangendo os interesses individuais homogêneos. Ainda, depreende-se do art. 127, “caput”, da Constituição Federal, que o Ministério Público deve defender os interesses individuais quando estes forem indisponíveis. Entretanto, quando os interesses individuais homogêneos não forem indisponíveis, mas possuírem grande abrangência ou relevância, emergirá o caráter social dos interesses, de forma que o Ministério Público será legitimado a defendê-los. Contudo, para Hugo Nigro Mazzilli55, em casos de interesses de pequenos grupos, onde inexiste a característica de indisponibilidade do interesse ou de abrangência social, não será justificada a atuação ministerial, sendo necessária a expressão social da defesa assumida pelo Ministério Público, não se exigindo, portanto, a indisponibilidade do interesse ou a hipossuficiência econômica do grupo lesado, de forma que em casos de interesses apenas individuais, será rara a legitimidade do Ministério Público para iniciar ou intervir na demanda judicial. Assim já tem decidido o STJ: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. TAXA SELIC EM PARCELAMENTO DE TRIBUTOS. OPÇÃO DO CONTRIBUINTE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. I - A ação civil pública não se presta como instrumento de controle de constitucionalidade, não substituindo a ação direta de inconstitucionalidade, objetivando declaração de inconstitucionalidade de lei municipal. II - O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública visando obstar a cobrança de tributos, por se tratar de direitos individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, que devem ser postulados por seus próprios titulares. III - Precedentes: REs nº 302.647/SP, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 04/08/2003; REsp nº 252.803/SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 14/10/2002; EREsp nº 177.052/SP, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJ de 30/09/2002; e AGREsp nº 333.016/PR, 55 A defesa dos interesses difusos em juízo. Op. cit., p. 142-143. Exemplifica Mazzilli que a defesa dos interesses de meros grupos determinados de pessoas (como é o caso de consumidores individualmente lesados) só pode ser feita pelo Ministério Público quando convier à coletividade como um todo, como no caso de grande dispersão de lesados; quando a questão envolve defesa da saúde ou da segurança dos consumidores; quando o funcionamento de todo um sistema econômico, social ou jurídico dependa da intervenção ministerial, por exemplo. Quando não se tratar de caso semelhante, a defesa dos consumidores individuais deve se dar por meio de legitimação ordinária ou por substituição processual por outros órgãos e entidades que não sejam o Ministério Público. 28 Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ de 18/03/2002. IV - Recurso especial improvido.56 (grifos acrescidos). Relativamente ao reconhecimento do Ministério Público como órgão legitimado a defender em juízo os interesses individuais homogêneos, o STJ, ao longo dos últimos anos, tem, por vezes, modificado o seu posicionamento relativamente à legitimidade para a tutela de alguns interesses individuais em específico, senão vejamos: No tocante à legitimação do Ministério Público para promover ação civil pública em tema de mensalidades escolares, durante muito tempo o STJ entendeu dever ser afastada a legitimação ministerial, sob o argumento de que não se tratava de interesses difusos ou coletivos, mas sim de interesses individuais de um grupo de alunos de um determinado colégio. AÇÃO CIVIL PUBLICA. MENSALIDADES ESCOLARES. REPASSE DO AUMENTO DOS PROFESSORES. MINISTERIO PUBLICO. PARTE ILEGITIMA. NÃO SE CUIDANDO DE INTERESSES DIFUSOS OU COLETIVOS, MAS DEINTERESSES INDIVIDUAIS DE UM GRUPO DE ALUNOS DE UM DETERMINADOCOLEGIO, AFASTA SE A LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO. RECURSO PROVIDO.57 (grifos acrescidos). Entretanto, com o passar do tempo, observou-se uma mudança de posicionamento do STJ com relação à matéria, passando a Corte a entender que a questão pertinente às mensalidades escolares configurava a existência de interesses individuais homogêneos, (ainda que alguns julgados sustentem serem tais interesses subespécies de interesses coletivos)58 posto que advindos de uma origem comum, ou seja, a cobrança de mensalidades escolares abusivas ou ilegais. Há entendimento também de que os interesses dos alunos e dos pais, nesses casos, seriam definidos como interesses coletivos: PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃOCIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS INTERESSES DA COMUNIDADE DE PAIS E ALUNOS. MENSALIDADES ESCOLARES. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. - O Ministério Público tem legitimidade para promover 56 REsp 516914 / PE. Primeira Turma. Relator Ministro Francisco Falcão. Data do Julgamento 08/11/2005 DJ 19.12.2005. 57 REsp 65836 / MG. Primeira Turma. Relator Ministro Garcia Vieira. Data do Julgamento 14/06/1995. DJ 14.08.1995. 58 Nesse sentido, RE 163.231-3 - SP, que consignou que “as chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, III, da CF”. 29 ação civil pública onde se discute acerca da defesa dos interesses coletivos de pais e alunos de estabelecimento de ensino, conforme pacífica jurisprudência desta Corte. - Recurso especial conhecido e provido.59 (grifos acrescidos). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA ANTECIPADA E REAJUSTE DAS MENSALIDADES ESCOLARES. LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" DO MINISTÉRIO PÚBLICO. (...) 2. O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública para impedir a cobrança antecipada e a utilização de índice ilegal no reajuste das mensalidades escolares, havendo, nessa hipótese, interesse coletivo definido no art. 81, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. (...) Recurso especial conhecido e provido.60 (grifos acrescidos). Deste modo, passou o STJ a reconhecer pacificamente a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública para discutir o reajuste das mensalidades escolares. Ainda que não entendesse a Corte se tratarem de interesses coletivos stricto sensu ou interesses individuais homogêneos, a atuação do Ministério Público seria justificada pelo direito à educação, definido na própria Constituição Federal como direito social, interligandose à função institucional do Ministério Público de defender os interesses sociais. Mais recentemente, no tocante à legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses concernentes à taxa de iluminação pública, entende a maior parte da jurisprudência do STJ não ser o Ministério Público parte legítima para requerer a repetição do indébito ou declarar a inexigibilidade da taxa de iluminação pública: PROCESSO CIVIL – LEGITIMIDADE E INTERESSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ART. 1º DA LEI N. 7.347/85 – TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – MUNICÍPIO – DEFESA DE INTERESSES DE CONTRIBUINTES – IMPOSSIBILIDADE. 1. Diz o parágrafo 1º da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85): "Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados." 2. É da jurisprudência iterativa do STJ a ilegitimidade do Ministério Público para, por meio de ação civil pública, declarar a inexigibilidade de taxa de iluminação da municipalidade, bem como requerer a repetição de indébito. 3. Contribuinte não é consumidor, nem a ele é equiparado. Os interesses defendidos pelo Ministério Público em ação civil pública, que tem por objeto a defesa de contribuintes, são divisíveis, disponíveis e individualizáveis; oriundos de relações jurídicas assemelhadas, porém, entre si, distintas. Daí a ilegitimidade 59 REsp 120143 / MG. Quarta Turma. Relator Ministro César Asfor Rocha. Data do Julgamento 17/09/1998. DJ 16.11.1998. 60 REsp 138583 / SC. Terceira Turma. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento 06.08.1998. DJ 13.10.1998 30 e a falta de interesse de agir do Parquet. Recurso especial conhecido e improvido.61 (grifos acrescidos). Contudo, observa-se que esse posicionamento não é unânime no STJ, havendo também entendimento no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos interesses dos contribuintes no tocante à taxa de iluminação pública. Assim: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. DIREITOS DE CONTRIBUINTES. (...) O Ministério Público, por força do art. 129, III, da Constituição Federal é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa de direitos transindividuais, nestes incluídos os direitos dos contribuintes de Taxa de Iluminação Pública, ainda que por Ação Civil Pública, cuja eficácia da decisão acerca do objeto mediato é erga omnes ou ultra partes. 4. Agravo regimental provido, para negar provimento ao recurso especial.62 (grifos acrescidos). Diante disso, nota-se que, ao longo do tempo, o STJ, que inicialmente não reconhecia a legitimidade do Ministério Público para a tutela dos interesses individuais homogêneos, passou, aos poucos, a reconhecê-la, como nos exemplos acima citados, relativamente ao reajuste de mensalidades escolares (interesses individuais homogêneos dos alunos) e quanto à ação de repetição do indébito ou de declaração de inexigibilidade do pagamento da taxa de iluminação pública (interesses individuais dos contribuintes). Também já admitiu o STJ a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público em caso de cobrança ilegal de taxas e de juros por parte de imobiliárias63, aumento ilegal de plano de saúde64, televisão por assinatura65, pretensão de reconhecimento de nulidade de contratos bancários66, pretensão de assegurar o pagamento de salário mínimo a servidores municipais.67 Com efeito, caminha a jurisprudência dos tribunais, cada vez mais, no sentido de reconhecer a instituição do Ministério Público como legitimada a defender os interesses que, 61 REsp 903256 / MG. Segunda Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Data do Julgamento 27.02.2007. DJ 12.03.2007. 62 AgRg no REsp 601114 / MG. Primeira Turma. Relator Ministro Francisco Falcão. Data do Julgamento 06.04.2004. DJ 16.05.2005. 63 Corte Especial, EREsp 114.908-SP e EREsp 141.491-SC. 64 3.ª Turma, REsp 286.732-RJ. 65 3.ª Truma, REsp 308.486-MG. 66 3.ª Turma, AgRg no Ag 405.505-RJ. 67 5.ª Turma, REsp 95.347-SE. 31 embora individuais, apresentem origem comum, sendo coletiva a sua forma de tratamento processual, além da legitimação para a tutela dos interesses difusos e coletivos. Contribuiu para tal reconhecimento a posição do Ministério Público na Constituição Federal, a qual ampliou sobremaneira as funções ministeriais, de forma a transformar o Ministério Público em um defensor da legalidade e moralidade administrativa, atribuindo-lhe a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública, concluindo-se, pois, que a legitimidade da Instituição para a defesa de interesses individuais homogêneos resulta da conjugação do art. 129, III com o art. 127, “caput”, parte final, da Constituição Federal. CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, observa-se que as grandes modificações sofridas em virtude do progresso tecnológico e científico, assim como as transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas ao longo do século XX proporcionaram a massificação da atual sociedade. Concomitantemente, fez-se necessário um processo de evolução e conscientização da coletividade no tocante aos novos interesses ou direitos que passaram a existir, sendo inerentes a todos e devendo ser respeitados e preservados. Para que houvesse a efetiva proteção dos interesses transindividuais, aliada com a economia processual, foi criado um novo sistema, o da tutela coletiva de direitos, materializada nos processos coletivos, mecanismo que possibilitou a adequada tutela jurídica dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Contudo, como grande parte da população não conhece a existência da tutela coletiva, os meios de defesa dos seus direitos ou até a eventual repercussão coletiva que possa advir de uma pequena lesão individual, o ordenamento jurídico criou, em sede processual, a legitimação extraordinária de determinados órgãos e entidades, habilitando-os a defender em seu nome direitos alheios. O Ministério Público é órgão legitimado a defender os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme o art. 5.º, “caput”, da Lei n.º 7.347/85 e art. 82, I da Lei n.º 8.078/90, sendo que sua atuação, além de adequada, parece ser essencial, pois corresponde às suas atribuições previstas no art. 129 da Constituição Federal. 32 Para finalizar este trabalho, é necessário destacar a necessidade de formação de uma nova mentalidade por parte da população, que deve estar cada vez mais consciente dos seus direitos, das formas de tutelá-los, buscando a preservação do bem comum e união em prol da coletividade, com o intuito de utilização também de mecanismos extraprocessuais para a defesa dos interesses transindividuais. REFERÊNCIAS ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações Coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. BARROS, Raimundo Gomes de. Ministério Público: sua legitimação frente ao Código do Consumidor. 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