Direito Internacional Privado e Integração Regional PAINEL PARTICIPATIVO PORTO ALEGRE, 29 DE OUTUBRO DE 2014 As variáveis que determinam a seleção das técnicas de harmonização legislativa: a perspectiva do UNIDROIT José Angelo Estrella Faria Introdução As últimas três décadas assistiram a um contínuo aumento do comércio internacional em bens e serviços, apoiado pela multiplicação do número de acordos bilaterais ou multilaterais de liberalização do comércio. Continente americano não é exceção a essa regra. Entretanto, a facilitação aduaneira do comércio não tem sido sistematicamente acompanhada de uma simplificação do marco jurídico aplicável à contratação internacional. De fato, apesar de uma intensa produção de tratados internacionais sobre a matéria, nenhum convênio ou acordo regional logrou, até o momento, unificar efetivamente as regras de direito internacional privado no continente americano 1 . Os juízes da maioria dos países da região continuam, portanto, a aplicar as suas próprias normas de direito internacional privado, o que torna difícil determinar a Secretário-Geral, UNIDROIT. Essa situação é flagrante no caso dos países do Mercosul: o Tratado de Direito Civil Internacional sancionado pelo Congresso Sul-Americano de Direito Internacional Privado, em Montevidéu, em 25 de agosto de 1888 (Tratado de Montevidéu I), e revisto pelo Tratado de Direito Civil Internacional sancionado pelo 2° Congresso Sul-Americano de Direito Internacional Privado, em Montevidéu, em 19 de março de 1940 (Tratado de Montevidéu II) foi ratificado pela Argentina, o Paraguai e o Uruguai, mas não pelo Brasil. Já a Convenção de Direito Internacional Privado, feita na 6ª Conferência Internacional Americana, em Havana, em 20 de fevereiro de 1928 (Código Bustamante), está em vigor no Brasil (Decreto N. 18.871, de 13 de Agosto de 1929), mas não nos demais países do Mercosul. Da mesma forma, a Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos Contratos, aprovada na 5ª Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP-V), na Cidade do México, em 17 de março de 1994, foi assinada (mas ainda não ratificada) pelo Brasil e pelo Uruguai, mas ainda não pelos demais países. 1 priori a lei nacional aplicável aos contratos internacionais no âmbito americano 2. Além de protelar a resolução dos litígios, a incerteza acerca da lei aplicável não permite que os agentes econômicos avaliem corretamente a extensão de suas obrigações recíprocas, antevejam possíveis riscos e tomem as medidas contratuais cabíveis para deles se resguardarem. Os esforços internacionais de harmonização do direito material têm sido consideráveis, sobretudo a partir do pós-guerra, e a produção combinada de todos os organismos internacionais que de um ou outro forma contribuem para a harmonização do direito privado é impressionante. Dentre eles, destacam-se, a nível mundial, o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) 3 , a Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado 4 e a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) 5 , bem como entidades nãogovernamentais representando setores empresariais 6. 2 Mesmo uma transação comum de compra e venda entre dois países vizinhos, ligados por tratados de livre comércio, como a Argentina e o Brasil, pode facilmente requerer o exame de um grande número de textos legais apenas para identificar, nem sempre com alto grau de certeza, qual seria o direito aplicável (cf. J.A. ESTRELLA FARIA, “O Contrato de Compra e Venda Internacional no Mercosul: Da Disparidade de Leis a um Regime Uniforme?” in: E. Accioly (coord.), Direito no Século XXI: Estudos em Homenagem ao Professor Werter R. Faria. Curitiba, Juruá, 2008, pp. 299-348). 3 O UNIDROIT, que tem atualmente 63 países membros, foi criado sob os auspícios da Liga das Nações em 1926 e restabelecido em 1940, após a extinção daquela predecessora das Nações Unidas. O UNIDROIT tem atuado em várias áreas, tais como representação comercial, compra e venda, garantias reais, financiamento de equipamentos móveis, contratos de leasing e factoring, testamentos internacionais, objetos culturais roubados ou ilegalmente exportados, princípios de contratos comerciais internacionais (vide <www.Unidroit.org>). 4 A Conferência de Haia, que tem atualmente 69 países membros, está em atividade desde 1893 e recebeu seu estatuto em 1955. Seus trabalhos incluem vários temas, inclusive a abolição de requisitos de legalização de documentos, citações e colheita de prova no estrangeiro, acesso à justiça, conflitos de leis relativos à forma de disposições testamentárias, obrigações alimentares (vide <hcch.e-vision.nl>). 5 A UNCITRAL é um órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU criado em 1966 com o propósito de promover e fomentar a unificação e a harmonização progressivas do direito do comércio internacional (resolução da Assembéia Geral n° 2205(XXI), de 17 de dezembro de 1966 (reproduzida em Yearbook of the United Nations Commission on International Trade Law (“UNCITRAL Yearbook”), vol. I: 1968-1970, part one, chap. II, sect. E). Ela conta com sessenta membros, eleitos pela Assembléia Geral por um mandato de seis anos, mas suas reuniões são abertas a todos os demais países do mundo, bem como a organizações internacionais governamentais e a entidades não-governamentais especialmente convidadas. 6 O evidente interesse do setor privado pela harmonização do direito comercial tem uma prova eloqüente no extenso trabalho de harmonização e estandardização desenvolvido pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) na formulação, por exemplo, de termos comerciais uniformes (International Commercial Terms – Incoterm), regras sobre crédito documentário 2 Quando se consideram os instrumentos disponíveis para a harmonização legislativa, é essencial distinguir entre organizações supranacionais, tais como a União Européia, e organizações clássicas, sem atributos de supranacionalidade, o que é o caso praticamente de todas as demais. O Tratado de Roma, que Institui a Comunidade Européia, atribui ao Conselho e à Comissão das Comunidades Européias a competência de adotar regulamentos e diretivas, tomar decisões e formular recomendações ou pareceres7. No contexto da harmonização legislativa, os atos mais importantes são os regulamentos8 e as diretivas9, os quais, uma vez promulgados, vigoram automaticamente em todo o território da Comunidade, sem necessitar qualquer ato de recepção pelo legislador nacional. O ordenamento da União Européia tem, portanto, caráter supranacional, sobrepondo-se à ordem interna, mesmo de natureza constitucional. Os instrumentos preparados por organizações internacionais do tipo clássico, ao contrário, apenas se convertem em direito positivo quando um país decida adotá-los – através de ratificação ou promulgação interna – mas nenhum país é obrigado a fazê-lo. Portanto, todo o trabalho de harmonização conduzido por organismos como o UNIDROIT, a Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado, a UNCITRAL, a Organização de Estados Americanos (OEA), para mencionar apenas alguns, é de natureza estritamente voluntária, com plena submissão à soberania nacional. Essa característica explica a contínua, e muitas vezes difícil, busca de consenso de parte daqueles organismos, visto que o êxito na implementação dos instrumentos que produzem depende exclusivamente do seu grau de compatibilidade com (Uniform Uses Customs and Practice for Documentary Credit – UCP 600) ou garantias à primeira demanda (Uniform Rules for Demand Guarantees – URDG). 7 Tratado que institui a Comunidade Européia (versão compilada), Art. 189, caput (Jornal Oficial C 325, de 24 de dezembro de 2002). 8 Um regulamento baixado pelo Conselho e pelo Parlamento da União Européia tem “aplicação geral”, é “obrigatório em todos os seus elementos” e “diretamente aplicável em todos os Estados-Membros” (Tratado que institui a Comunidade Européia (versão compilada), art. 249 (Jornal Oficial C 325, de 24 de dezembro de 2002). 9 A diretiva “vincula o Estado-Membro quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais, a competência quanto à forma e aos meios” (ibid.). 3 diferentes sistemas jurídicos. Os tratados sempre foram o veículo por excelência para a formalização jurídica das relações entre Estados e continuam a ser o instrumento primordial para a unificação do direito privado no âmbito das organizações internacionais do tipo clássico. Contudo, as óbvias vantagens de se dispor de um texto uniforme em vigor em todos os Estados signatários são mitigadas por algumas notórias limitações, dentre as quais se destacam a lentidão do processo de ratificação, que atrasa a entrada em vigor das convenções internacionais, e a dificuldade – inerente ao próprio instrumento – de emendá-lo quando convenha adaptá-lo a uma nova situação econômica ou um avanço tecnológico10. Leis-modelo e outras formas de soft law, como guias, recomendações, princípios ou cláusulas-padrão, são instrumentos que melhor se prestam à modernização e harmonização do direito privado quando se espera que o legislador nacional deva ou queira ajustar o texto do modelo internacional a fim de acomodar as peculiaridades de seu sistema jurídico, ou quando a uniformidade do texto não seja estritamente necessária. É justamente essa flexibilidade que torna uma lei-modelo mais fácil de negociar do que um instrumento de natureza cogente. Quando ao contexto dentro do qual se processa a harmonização legislativa, notam-se profundas mudanças ao longo dos anos. Até a 2ª grande guerra, as atividades de organização como a Conferência de Haia ou o UNIDROIT, malgrado a sua vocação universal, imitavam-se 10 Como observa A. ROSETT, quando a lei não acompanha as mudanças dos tempos, “codifications become the enemy of substantive reform. In today’s world, any code that does not build a process for prompt and sustained reconsideration into its structure becomes part of the problem, not part of the solution” (“Unification, Harmonization, Restatement, Codification and Reform in International Commercial Law”, The American Journal of Comparative Law, vol. 40, 1992, pp. 683 et seq. (p. 688)). Além disso, mesmo quando se logra renegociar uma convenção internacional, permanece o risco de que as emendas adotadas não sejam ratificadas por todos os países signatários do texto original, gerando-se assim um mosaico complexo de Estados partes de diferentes versões do mesmo instrumento. 4 essencialmente à Europa, com alguma esporádica participação de países do continente Americano, em um “regionalismo disfarçado” . Seguiu-se um período de crescente “universalismo”, com a criação de outras organizações, como a UNCITRAL, em 1966, e vários órgãos especializados das Nações Unidas e um aumento do número de ratificações a tratados existentes e da adoção de novos instrumentos. Atualmente, passamos por uma terceira fase, qualificada de “aurora do inter-regionalismo”, em que organizações regionais de integração, em especial a União Européia, assumem um papel destacado na harmonização do direito, ao lado, ou, em alguns casos, em substituição aos seus Estados membros11. Paralelamente a essa evolução política, constata-se uma institucionalização da representação dos interesses econômicos no processo de harmonização. Se em seus primórdios o processo de harmonização se desenvolvia como um verdadeiro “discurso acadêmico” 12 entre estudiosos, nota-se hoje uma nítida tendência ao pragmatismo, com prevalência de interesses econômicos sobre considerações de pura dogmática jurídica. A prática de recorrer a avaliações de impacto econômico na fase preliminar de formulação de um novo instrumento13 é claramente indicativa dessa evolução. É bem verdade que a maior presença de representantes de interesses econômicos tem ocasionalmente suscitado dúvidas sobre a independência da obra de harmonização14. Ao mesmo tempo, porém, o envolvimento do setor privado tem a inegável vantagem prática de servir de medida palpável da necessidade real de harmonização legislativa e de garantir a utilidade concreta do instrumento na vida dos agentes econômicos. Eventuais 11 J. BASEDOW, “Worldwide Harmonization of Private Law and Regional Economic Integration – General Report”, Acts of the Congress to Celebrate the 75 th Anniversary of the Founding of the International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT), Uniform Law Review / Revue de droit uniforme, 2003, pp. 31-49 (pp.31-35). 12 H. KRONKE, “Methodical Freedom and Organisational Constraints in the Development of Transnational Law”, Loyola Law Review, No. 51, 2005, pp. 287 et seq. (pp. 288-289). 13 Como se fez em preparação à Convenção da Cidade do Cabo (see H.W. FLEISIG, “The Proposed UNIDROIT Convention on Mobile Equipment: Economic Consequences and Issues”, Uniform Law Review / Revue de droit uniforme, 1992, pp. 253 et seq.). 14 See P.B. STEPHAN, “Accountability and International Lawmaking: Rules, Rents and Legitimacy,” Northwestern School of Law Journal of International Law & Business, vol. 17, 1997, pp. 681 et seq.; see also A. SCHWARTZ / R.E. SCOTT, “The Political Economy of Private Legislatures”, University of Pennsylvania Law Review, vol. 143, 1995, pp. 9 et seq. 5 riscos de influência indevida de grupos de pressão, comuns em qualquer processo legislativo – nacional ou internacional – que envolva interesses econômicos, podem ser controlados por uma maior transparência no processo de negociação e por uma clara definição dos papéis respectivos do setor privado e dos representantes do poder público. A contribuição do UNIDROIT à harmonização do direito privado, em seus 85 anos de atividades, é considerável e não se lhe poderia fazer plena justiça neste artigo 15 . Limito-me a salientar que o UNIDROIT desenvolveu mais de 70 projetos nas mais diversas áreas do direito privado, sob a forma de convenções internacionais 16 , guias 17 , leis-modelo 18 ou princípios 19 . Em várias ocasiões, instrumentos desenvolvidos no âmbito do UNIDROIT vieram a ser adotados posteriormente como convenções internacionais por outras organizações20. 15 Para uma visão global do trabalho do UNIDROIT, vejam-se Herbert KRONKE, “A bridge out of the fortress: UNIDROIT’s work on global modernisation of commercial law and its relevance for Europe”, Zeitschrift für europäisches Privatrecht, 2008, 16, pp. 1-5; F. MESTRE, “L'harmonisation du droit privé au prisme des dix dernières années d'activité de l'Institut international pour l'unification du droit privé (UNIDROIT)”, Revue de droit international et de droit comparé, 2001, pp. 78, 371384; L. PETERS, “International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT)”, monograph in the volume on Intergovernmental Organizations of the International Encyclopaedia of Laws series, Kluwer Law International, 2005, 2011; M.J. STANFORD, “Istituto Internazionale per l’Unificazione del Diritto Privato (UNIDROIT)”, in: Enciclopedia giuridica, aggiornamento 2007, pp. 1-2. 16 Convenção de 1964 sobre uma lei uniforme sobre a formação dos contratos de vente internacional de bens móveis (Haia); Convenção de 1964 sobre lei uniforme sobre a vente internacional de bens móveis (Haia); Convenção de 1970 relativa ao contrato de viagem (Bruxelas); Convenção de 1973 sobre lei uniforme sobre a forme do um testamento internacional (Washington); Convenção de 1983 sobre a representação em matéria de venda internacional de mercadorias (Genebra); Convenção do UNIDROIT de 1988 sobre o leasing internacional (Ottawa); Convenção do UNIDROIT de 1988 sobre o factoring internacional (Ottawa); Convenção do UNIDROIT de 1995 sobre os bens culturais roubados ou exportados ilicitamente (Roma); Convenção de 2001 relativa às garantias internacionais sobre dos materiais de equipamento móveis e Protocolo de 2001 relativo a questões específicas sobre materiais de equipamento aeronáutico; Protocolo de Luxemburgo de 2007 sobre questões específicas do material rodante ferroviário à a Convenção relativa às garantias internacionais sobre materiais de equipamento móveis; Convenção do UNIDROIT de 2009 sobre regras materiais relativas aos títulos intermediados (Genebra). 17 Guia sobre os acordos internacionais de franquia principal (1998, 2ª ed. 2007). 18 Lei-modelo de 2002 sobre a divulgação dos informações em matéria de franquia; Leimodelo de 2008 sobre a locação e o leasing. 19 Princípios relativos aos contratos comerciais internacionais (1994; nova edição 2004; 3ª ed. 2010 ampliada); Princípios de procedimento civil transnacional (2004, em cooperação com o American Law Institute – ALI). 20 Os trabalhos do UNIDROIT serviram de base para diversos instrumentos adotados sob os auspício de outras organizações internacionais, dentre os quais cabe mencionar os seguintes tratados internacionais atualmente em vigor: Convenção de 1954 para a proteção dos bens culturais em caso de conflito armado (UNESCO); Convenção européia sobre o estabelecimento de 1955 (Conselho da Europa); Tratado Benelux de 1955 relativo ao seguro obrigatório de 6 Tão importante quanto a escolha dos temas de trabalho, é a determinação do método de trabalho adequado, levando-se em conta tanto as necessidades práticas da atividade econômica ou social relevante, quando a viabilidade do instrumento. Por exemplo, a escolha da forma do projeto que culminou na adoção dos Princípios do UNIDROIT relativos aos Contratos do Comércio Internacional, jogaram um papel importante considerações negativas e positivas acerca do interesse pelo instrumento. A constatação positiva foi a demanda real por maior harmonia no vasto domínio do direito das obrigações contratuais, cuja disparidade representa um óbice considerável ao bom funcionamento do comércio internacional. A constatação negativa foi o reconhecimento de que a imensa dificuldade encontrado no longo, lento e árduo processo de unificação do direito aplicável a um único e corriqueiro contrato – a compra e venda mercantil, finalmente harmonizada, em 1980, através da Convenção dos Nações Unidas sobre os contratos de venta internacional de mercadorias, após quase 60 anos de esforços desde os primeiros estudos feitos pelo próprio UNIDROIT nos anos 1920 – fazia da idéia de uma unificação global do direito das obrigações contratuais um anseio claramente inalcançável, verdadeira quimera de juristas bemintencionados. A escolha finalmente feita pelo UNIDROIT em favor de um instrumento de soft law provou ter sido justa sob todos os aspectos. Em sua forma atual, os responsabilidade civil em matéria de veículos automotores; Convenção de 1956 relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estradas - CMR (CEE/ONU); Convenção de 1958 relativa ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria do obrigações de alimentos em proveito de menores (Conferência de Haia de direito internacional privado); Convenção européia de 1959 relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil em matéria de veículos automotores (Conselho da Europa); Convenção européia de 1962 sobre a responsabilidade dos hoteleiros quanto aos objetos portados pelos viajantes (Conselho da Europa); Protocolo n° 1 relativo aos direitos reais sobre os navios de navegação interior, e Protocole n° 2 relativo ao arresto e à execução forçada dos navios de navegação interior, anexos à Convenção de 1965 relativa à matrícula dos navios de navegação interior (CEE/ONU); Convenção dos Nações Unidas de 1980 sobre os contratos de venta internacional de mercadorias (UNCITRAL). 7 Princípios podem ser úteis em diferentes contextos e para diversos propósitos: como regras passíveis de incorporação para reger contratos internacionais; como expressão de um denominador jurídico comum (um “restatement “ internacional de princípios gerais do direito dos contratos aos quais os tribunais nacionais ou arbitrais podem recorrer para fundamentar suas decisões); como conjunto de normas às quais as partes podem submeter-se voluntariamente; como subsídio para a interpretação ou a integração de convenções internacionais; ou como modelo a inspirar o legislador nacional na modernização do direito interno aplicável aos contratos internacionais. Já no caso da Convenção sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis e de seu Protocolo Relativo a Questões Específicas ao Equipamento Aeronáutico (concluídos na Cidade do Cabo, em 16 de novembro de 2001 21), a forma de tratado internacional se impunha por outras razões. A Convenção da Cidade do Cabo visa a facilitar as operações de crédito para o financiamento de equipamentos móveis de alto valor, oferecendo maior segurança aos credores e permitindo, assim, a diminuição do custo das taxas de risco aplicadas. A Convenção, que tem como ponto central as operações de crédito garantidas pelo próprio equipamento financiado, disciplina a prelação dos direitos reais de garantia assim constituídos e consignando regras que dão aos credores maior certeza no recebimento das somas emprestadas em caso de inadimplência do devedor. Para tanto, a Convenção do Cabo cria a noção de “garantia internacional” incidente sobre o equipamento móvel e prescreve os seus efeitos e força executória. O art. 2° da Convenção, combinado com seu art. 7°, regulam a constituição e efeitos de uma garantia internacional sobre equipamentos móveis. O art. 8º prevê medidas disponíveis ao credor em caso de 21 Negociados sob os auspícios conjuntos da UNIDROIT e da Organização para a Aviação Civil Internacional (OACI), a Convenção e o Protocolo foram redigidos cada um em um único original em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo. Seus textos se encontram disponíveis em <www.unidroit.org/dynasite.cfm?dsmid=84211>. As listas das Partes Contratantes em <www.unidroit.org/english/implement/i-main.htm>. 8 inadimplemento, quais sejam (i) posse ou controle do bem gravado como garantia real; (ii) venda ou arrendamento desse bem; e (iii) recebimento ou recolhimento de renda ou lucro derivado da gestão ou utilização do bem. A adjudicação da propriedade para satisfazer a obrigação garantida também está prevista (art. 9°), bem como a possibilidade de um Estado Contratante obter de um tribunal a concessão de medidas cautelares (art. 13). O art. 16 e seguintes disciplinam o registro internacional de (i) garantias internacionais; (ii) cessões e aquisições de garantias internacionais; (iii) notificações sobre garantias nacionais; e (iv) subordinação de garantias. É evidente que um instrumento que reja direitos reais, determine a sua prioridade em relação a outros direitos e introduza exceções ao regime geral de pagamento de credores na falência só produziria efeitos se adotado como instrumento de força vinculante, capaz de revogar as disposições legais em contrário. A Convenção da Cidade do Cabo é um instrumento particularmente inovador por tratar-se do primeiro instrumento de harmonização do direito privado – desde as convenções internacionais sobre registro de direitos de propriedade industrial – a ser acompanhado por uma infra-estrutura operacional para assegurar o seu funcionamento prático: o Registro das Garantias Internacionais Incidentes sobre Bens Aeronáuticos. Com sede em Dublin (Irlanda) e gerido por uma empresa privada selecionada mediante licitação pública internacional e sujeita à supervisão da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), o registro opera exclusivamente por meios eletrônicos, aplicando os mais rígidos critérios de proteção de dados e de rapidez de comunicações, e já conta com mais de 500,000 averbações desde a entrada em vigor da Convenção, em 2006. A estrutura flexível, consistente de uma convenção-marco e de protocolos tratando de tipos específicos de equipamento, permite melhor tomar em conta as particularidades de materiais e indústrias diversas, que se vão então agregando aos poucos ao arcabouço de regras do “sistema” de 9 Convenção do Cabo, sem a necessidade de alterar-lhe o texto original 22 . O segundo protocolo, referente ao material rolante ferroviário foi adotado em Luxemburgo, em 23 de fevereiro de 2007. Um terceiro protocolo, dedicado à questões específicas relativas a objetos espaciais (em primeira linha, mas não exclusivamente, os satélites), foi adotado em Berlim, em 9 de março de 2012. Conclusão A escolhas da forma dos instrumentos de harmonização de direito privado depende de vários fatores, ente eles a natureza do tema, a probabilidade de consenso sobre conteúdo das normas a formular, o propósito final do instrumento e a idoneidade da forma para alcançar os objetivos desejados. A crescente complexidade tanto do mundo dos negócios quanto do processo decisório interno levam a uma clara reticência da parte dos organismos internacionais em formular instrumentos cogentes, e uma preferência crescente ao uso de instrumentos “brandos” e flexíveis (leis modelos, princípios, recomendações). A harmonização regional não é incompatível com a harmonização a nível global, desde que ambas se coordenem adequadamente. Num mundo de crescente interdependência, porém, é importante que os blocos regionais não propiciem uma maior fragmentação do direito dos negócios. Projetos regionais de harmonização devem, portanto, dar atenção à eventual existência de um marco multilateral adequado para reger a matéria em pauta. 22 Em caso de conflito entre as disposições de um protocolo e as da própria convenção, prevalecem as do protocolo, conforme previsto no artigo 6(2) da Convenção. 10