A aplicação do princípio da precaução nas relações de teletrabalho: dever do empregador Carlota Bertoli Nascimento1 Resumo: A segurança e proteção do meio ambiente através de ações dos entes estatais, nacionais e internacionais, bem como dos particulares, tem hoje amparo inegável. Diversos acordos e tratados internacionais, bem como as Cartas constitucionais de diversos países possuem princípios e normas positivadas que visam à proteção e a promoção de um meio ambiente saudável e hígido. A proteção desse patrimônio é direito de toda a humanidade, inclusive das gerações futuras, sendo que sua degradação pode atingir um numero indeterminado de pessoas e até de gerações. O meio ambiente laboral, nesse mesmo sentido passou a ser reconhecido como uma derivação do meio ambiente que da mesma forma necessita de cuidados e proteção tanto através de ações dos entes estatais como dos particulares. A falta de proteção desse meio ambiente específico possui reflexos mais facilmente visíveis na vida dos trabalhadores. O presente artigo apresenta algumas reflexões sobre as novas tecnologias aplicadas nas relações de trabalho e as consequências da falta de uma legislação específica, que reconheça e proteja os diversos meios ambientes onde elas possam ocorrer, em especial no labor em casa, bem como a consequência para a saúde dos trabalhadores. Parte-se da premissa que o meio ambiente laboral é direito fundamental do trabalhador de forma individual e coletiva, sendo espécie do meio ambiente ecológico, havendo necessidade de proteção dos entes estatais e especialmente dos particulares, a fim de se reconhecer a aplicação do principio da precaução também no meio ambiente laboral, em especial no tele trabalho, mormente pela falta de estudos científicos no país a respeito das problemáticas que as novas tecnologias podem causar ao meio ambiente laboral e como reflexo à saúde do trabalhador. Palavras- chave: meio ambiente laboral – teletrabalho - trabalho em casa - princípio da precaução. The safety and protection of the environment through actions on state national and international entities and individuals, today is undeniable support. Several international agreements and treaties as well as the constitutional charters of several countries have positivadas principles and rules aimed at protecting and promoting a healthy environment and healthy individual. The protection of this heritage is the right of all humanity, including future generations, and their degradation can reach an unlimited number of people and even generations. The medium work environment in that sense has been recognized as a derivation of the environment in the same way that needs care and protection both through actions of state bodies and households. The lack of protection of this particular natural environment features more easily visible reflections on workers. This article presents some reflections on the new technologies applied in labor relations and the consequences of the lack of specific legislation that recognizes and protects the diverse environments where they may occur, especially in home working as well as the consequences for the health of workers. Part on the assumption that the medium work environment is a fundamental right of workers individually and collectively, with species of the ecological environment, requiring protection of state bodies and especially of individuals, in order to recognize the application of the principle of caution also in the middle workplace, especially in teleworking, especially the lack of scientific studies in the country about the issues that new technologies may cause to the work environment and reflecting the health of the worker. Keywords: middle workplace – telecommuting - work home - the precautionary principle. 1 Advogada, mestre em Direito pela PUC-RS, especialista em Direito Público e Direito e Processo do Trabalho, professora do curso de bacharelado em Direito - FACOS/CNEC. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 6 Introdução A segurança e proteção do meio ambiente através de ações dos entes estatais, nacionais e internacionais, bem como dos particulares, tem hoje amparo inegável. Diversos acordos e tratados internacionais, bem como as Cartas constitucionais de diversos países possuem princípios e normas positivadas que visam proteção e promoção de um meio ambiente saudável e hígido. Essa preocupação com o patrimônio ambiental passou a ter maior ênfase após o reconhecimento pelos juristas e mesmo pelos economistas de que a proteção desse patrimônio é direito de toda a humanidade, inclusive das gerações futuras, sendo que sua degradação pode atingir um numero indeterminado de pessoas e até de gerações. O meio ambiente laboral, nesse mesmo sentido passou a ser reconhecido como uma derivação do meio ambiente que, da mesma forma, necessita de cuidados e proteção tanto através de ações dos entes estatais, mas especialmente dos particulares. A falta de proteção desse meio ambiente específico possui reflexos mais facilmente visíveis na vida dos trabalhadores e algumas vezes nos seus familiares. Nesse sentido o presente estudo apresenta algumas reflexões sobre as novas tecnologias aplicadas nas relações de trabalho e as consequências da falta de uma legislação específica que reconheça e proteja os diversos meios ambientes onde elas possam ocorrer, bem como a consequência para a saúde dos trabalhadores. O texto evolui para a aplicação do principio da precaução também no meio ambiente laboral, mormente pela falta de estudos científicos no país a respeito das problemáticas que as novas tecnologias e as diferentes formas de prestação de serviço podem ocasionar para a saúde do trabalhador, e a necessidade de sua observância pelos tomadores de serviço, mesmo naquelas situações conhecidas como “homework”, onde a prestação de trabalho em casa não afasta a responsabilidade do empregador pela saúde e segurança do empregado. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 7 Meio ambiente laboral como espécie de meio ambiente Quando se fala em meio ambiente o que primeiro vem a mente é o meio ambiente ecológico, não sem razão, já que este nos dias atuais é o meio ambiente mais visivelmente degradado. Mas falar em meio ambiente é tratar do meio ambiente natural ou físico, artificial, cultural e do trabalho. Este último acaba inserindo em si todos os demais, a depender do local e da maneira que o trabalho é prestado. Não se diz com isso que o meio ambiente laboral constitui matéria isolada, mas específica. Isso porque o meio ambiente laboral interfere cada vez mais nos demais meios onde o homem possa estar e desenvolver-se, podendo afetar de forma maléfica sua saúde, segurança e o bem estar da sociedade em geral2. No Dizer de Fincato, o meio ambiente do trabalho tem por fim observar a qualidade de vida e da saúde dos que estão a ele submetidos, pois o “habitat” laboral é o espaço onde o ser humano obtém os meio apropriados e necessários para prover o seu sustento e desenvolvimento [...]3. Jose Afonso da Silva, ao conceituar meio ambiente o define como a interpretação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas4. No mesmo sentido Paulo Bessa Antunes leciona que o humano deve ser compreendido como parte do conjunto formador do meio ambiente, conjunto esse que abarca as relações econômicas, sociais, políticas, construídas a partir da apropriação dos bens naturais submetidos ao trabalho, influência humanos, 2 SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2004. FINCATO, Denise Pires. Meio Ambiente Laboral:ferramentas legais Brasileiras para concretização de um Direito Humano Fundamental. In GORCZEVSKI, Clovis (org.). Direitos Humanos e Participação Política. Volume I. Porto Alegre: Imprensa ivre, p. 195. 4 SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000,p. 9. 3 REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 8 afirmando, com maestria que a construção teórica da natureza como recurso é o seu reconhecimento como base material da vida em sociedade5. A preocupação com o meio ambiente laboral, até bem pouco tempo, limitava-se com a emissão de pó, fumaça, perigo de mutilação com maquinário mal conservado, barulho excessivo, etc. Hoje pode-se dizer que todos os segmentos em que se desenvolve o trabalho humano exigem providencias com vistas à boa qualidade de vida no ambiente laboral, amanhã, quiçá, o homem estará laborando corriqueiramente em estações espaciais e, lá, serão outras as suas necessidades para a efetiva proteção da saúde e da vida6. Falar em proteção de meio ambiente ecológico em última ratio esta a se proteger em verdade a vida humana que depende diretamente da qualidade do meio ambiente onde esta inserido. Não por outro motivo a doutrina nacional7 e a internacional8 reconhece o direito à qualidade ambiental como direito fundamental e humano, pertencente às presentes e futuras gerações, o mesmo se pode afirmar do meio ambiente laboral, pois, o meio ambiente de trabalho é o local onde esta o empregado inserido, prestando serviço ou desenvolvendo atividade e onde passa grande parte de seu dia, quiçá de sua vida. Dessa forma pode-se afirmar que alguns dos princípios que regem a proteção do meio ambiente aplicam-se também ao meio ambiente laboral, principalmente o princípio da precaução, isso porque a cada dia, com a inserção de novas tecnologias no ambiente laboral, novas possibilidades de danos causados à saúde do trabalhador surgem na mesma proporção. Nesse sentido, a mudança da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, pela lei 12.551/2011, que inseriu o parágrafo único ao artigo sexto, tem por escopo proteger o tele trabalho realizado em casa, embora não defina o que venha a ser tele trabalho tão pouco as diretrizes e direitos decorrentes dessa natureza de trabalho, podendo- 5 ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambientel. 11 ed. Rio de Janeiro: lúmen Juris. 2008, p.9. SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2004, p. 82. 7 SARLET, Ingo Wolfgang. SILVA, José Afonso da; entre outros. 8 CANOTILHO, J.J. TRONCOSO, Maria Isabel; entre outros. 6 REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 9 se observar uma abordagem precaução no “homework” que deve ser tomada pelo empregador. Saúde e segurança no trabalho: direito social fundamental. A constituição Federal de 1988 prevê em seus artigos9 7º, XXII; 200; 225, o dever de proteção do meio ambiente laboral, determina a Carta Magna o dever de proteção do meio ambiente pela União, Estados e Municípios, especificando ser o meio ambiente do trabalho hígido e seguro direito do trabalhador. Essa determinação não é direcionada apenas aos entes públicos, mas especialmente à iniciativa privada que possui um dos seus limitadores o respeito ao meio ambiente10. A preocupação do legislador constitucional deu-se após muitos anos de lutas das classes trabalhadoras, principalmente após a revolução industrial, quando as doenças e acidentes de trabalho começaram a aumentar. Com o avanço tecnológico também surgiram novas doenças e maiores riscos à saúde dos trabalhadores. A Constituição em seu artigo 225 caput assegura o direito ao meio ambiente equilibrado para todos, estando dentro dele o meio ambiente laboral, esse, tal como o direito ao trabalho, constitui direito fundamental de todos os seres humanos, estando inserido dentre o rol de direitos fundamentais do artigo 5°, bem como entre os direitos sociais do artigo 7º. Nesse sentido Raimundo Simão de melo afirma que: 9 Art. 7º, XXII- redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meios de norma de saúde, higiene e segurança; Art. 200- Ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: II- executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; Art. 225- Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §1º. Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público: V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substancias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; 10 Tal pode ser observado de forma expressa no artigo 170 caput e inciso VI da CF/88. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 10 O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda sociedade, que, no final das contas, é quem custeia a Previdência Social, responsável pelo Seguro de Acidente do Trabalho – SAT [...]. O Estado, através do Ministério do Trabalho e Emprego e de outros órgãos governamentais é responsável pelo estabelecimento de normas de 11 segurança, higiene e medicina do trabalho . Nesse contexto percebe-se que o direito ao meio ambiente de trabalho hígido e seguro é direito fundamental do ser humano, não sendo mero direito trabalhista, havendo inclusive doutrinadores de peso que sustentam serem os direitos incertos no artigo sétimo da constituição direito de todo e qualquer trabalhador, não apenas de empregados. Assim, insere-se um novo contexto onde a prioridade é a precaução e a prevenção, quando conhecidos os riscos, em detrimento das possíveis reparações individuais, que não podem restaurar os prejuízos decorrentes de acidentes, doenças que incapacitam trabalhadores e geram danos econômicos, físicos, psíquicos e sociais no trabalhador, bem como às empresas e ao Estado reparador das mazelas sociais em última instância. Nesse sentido, a precaução deve ser tomada, não apenas pelo legislador, mas especialmente pelo tomador de serviços que embora não tenha pleno conhecimento dos riscos que determinado trabalho possua, deve tomar todas as medidas existentes para que a saúde do trabalhador seja salvaguardada. Teletrabalho: conceito, problemáticas, necessidade de regulamentação específica – aplicação do princípio da precaução Conceito Inúmeras são as linhas de investigação pela qual se pode definir e classificar o tele trabalho. Para presente investigação, preferiu-se ficar a situação primeiramente citada por Nilles em 1973, que pensa o tele trabalho como aquele realizado à 11 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. Responsabilidades legais. Dano material. Dano moral. Dano estético. São Paulo: LTR, 2004, p. 2930. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 11 distancia pelo trabalhador, deslocado do local fixo de trabalho, ou seja, da empresa, sem a supervisão direta de um supervisor hierárquico, conforme também indica Antônio Padilha12. Atualmente uma das formas mais utilizadas de tele trabalho é aquele realizado via internet, ou seja, em que o trabalhador executa suas tarefas, basicamente, através de um computador conectado à rede mundial de computadores. Observa-se que a implantação do tele trabalho surge hoje como uma boa alternativa de minimizar os custos empresarias, mormente com o deslocamento do trabalhador para outro espaço que não o da empresa e, consequentemente, com a isenção de responsabilidade sobre o mesmo e suas ações, utilizando-se de mão de obra especializada, dando preferência (o empresário) ao trabalhador autônomo ou parassurbordinado. Nesse sentido, a fim de tentar proteger o direito desse tipo de trabalhador, o legislador ordinário realizou uma modificação na CLT, inserindo o parágrafo único ao artigo sexto, o qual peca por sua sutileza e não definição exata do que venha a ser o teletrabalho, como o faz a legislação de Portugal e outros países da Europa, cabe aqui citar o referido parágrafo único: Art 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Através desse modo de trabalho é possível fazer desde transações comerciais até atendimento ao consumidor, sem ter que deslocar o trabalhador de sua residência ou fazê-lo comparecer a uma sede fixada para realizar seu trabalho. 12 - PADILLA, Antonio. Teletrabajo Dirección y Organización. Ed. RA-MA. Madrid, 1998, p. 1-17. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 12 Nesse contexto, o tele trabalho pode ser classificado, conforme o critério comunicativo, isto é, pelo meio de comunicação com o empregador, como: off-line ou on-line. O teletrabalho off-line, também chamado de desconectado, é realizado sem qualquer vinculação telemática direta com o computador central da empresa, os dados são enviados através do correio eletrônico ou convencional ao empregador. Como crítica, alguns doutrinadores dizem não ser teletrabalho, por não haver necessariamente a comunicação telemática com a empresa, característica essencial do tele trabalho. O teletrabalho on-line, também chamado de conectado, utiliza tecnologias informáticas e de telecomunicações para receber ordens de como executar o trabalho e o resultado da sua realização. Essa comunicação entre tele trabalhador e empregador pode ser unidirecional, quando a conexão entre os computadores é muito simples e não seja possível a intervenção direta da empresa, e bidirecional, quando a conexão permite interação entre os computadores da empresa e o tele trabalhador, o empregador exerce seu poder de direção, inclusive no que tange à jornada de trabalho e os tempos de descanso do trabalhador13. Problemáticas: a (não) regulamentação insuficiente e inespecífica Embora essa nova modalidade de prestação de serviço proporcione ao empresariado e aos trabalhadores benefícios, como a flexibilidade do local e do tempo em que o trabalho possa ser prestado, possui diversos aspectos problemáticos que não podem deixar de ser enfrentados. Não se pretende com isso uma defesa ao não emprego das tecnologias, ou ao tele trabalho. Ao contrário, as benesses da tecnologia tem de ser implementadas e aprimoradas, mas não podem servir de instrumento à diminuição ou negação de 13 ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região: João Pessoa, v. 15, n.1, 2007. p. 289-90. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 13 direitos mínimos já assegurados pelo ordenamento constitucional aos trabalhadores, tão pouco de forma de precarização do trabalho. O teletrabalho é um fato social, que por ser reflexo da evolução carece de estudos científicos no Brasil. A falta de uma regulamentação específica faz com que a proteção do meio ambiente laboral encontre obstáculos, uma vez que muitas vezes o trabalho é prestado no domicílio do trabalhador, e este é considerado asilo inviolável do indivíduo. A nova redação do artigo sexto da CLT não resolve o problema, pois, alguns questionamentos permanecem como, por exemplo: pode, ou deve o empregador ter o direito de entrar no domicilio do empregado a fim de vistoriar e garantir as normas de ergonomia, luz, utilização correta do equipamento, para que se assegure a proteção à saúde do empregado, na forma regulamentada nas Normas Reguladoras do Ministério do Trabalho e Emprego? Assim todas as problemáticas que possam advir de um ambiente de trabalho e suas adjacências que nele interfiram, as práticas e métodos de trabalho, a fiscalização da saúde do trabalhador [...] permanecem em verdadeiro limbo. O teletrabalho, como já afirmado, é um fato social, que acontece de forma simultânea em diversas partes do mundo. Essa nova forma de trabalho é reflexo da globalização que tem na informação e na tecnologia uma maneira de se diluir os conceitos de tempo e espaço, otimizado lucros. Muitos países inseriram em seu ordenamento jurídico positivado o teletrabalho como forma de trabalhar e consequentemente a necessidade de proteção desse trabalhador e de seu meio ambiente laboral. Como exemplo podem ser citados Espanha, Portugal, Chile, Uruguai, entre outros que possuem normas sobre o teletrabalho. Entre os direitos assegurados estão o controle da jornada de trabalho e principalmente o meio ambiente laboral. Muitos teletrabalhadores possuem sua REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 14 oficina de trabalho em seu próprio domicílio, outros são levados para fora das imediações, ou sede da empresa em centros de teletrabalho, e outros ainda realizam seu trabalho parte na empresa e parte em qualquer outro lugar onde possam ter acesso a uma rede de internet. Nesse contexto, nos países onde não há regulamentação sobre o teletrabalho, os empregadores fogem ao seu dever de cuidar da saúde de seu trabalhador, eis que em muitos casos se quer reconhecem o vinculo existente, transferindo toda a sua responsabilidade para o próprio trabalhador e para o Estado. Aplicação do principio da precaução O princípio da precaução é em verdade como afirmado por Marie-Angèle e Virginie David um modo de decisão que pesa sobre o cálculo de risco em situação de incerteza científica14. Já se aceita majoritariamente na doutrina internacional e nacional, que o princípio a precaução deve ser aplicado quando não há certeza científica dos riscos ambientais que determinada atividade possa causar. No tele trabalho, o que ocorre em verdade no Brasil, é uma incerteza sobre as consequências que a não tutela do instituto possa estar causando na saúde dos trabalhadores. O princípio da precaução tem como fim último salvaguardar a saúde humana, isso porque esperar por provas científicas relativas ao impacto que a tecnologia e seu uso podem causar, certamente resultará em danos irreversíveis e em sofrimento ao ser humano, nesse mesmo sentido Troncoso leciona: O conceito de precaução se formou na Europa nos anos 70 (mas exatamente na doutrina do direito público alemão). Sem ter normas nas quais se apoiar, as autoridades públicas no momento no momento em que suspeitam da ocorrência de danos irreversíveis no ecosistema marinho, se sustentou a precaução com o fim de limitar o uso das tecnologias. De modo que foi o direito europeu que deu origem ao princípio em estudo, erigido com o objetivo de evitar danos graves e irreversíveis sobre os interesses 14 HERMITTE, Marie-Angèle. DAVID, Virginie. A avaliação dos riscos e princípio da precaução. In Princípio da Precaução Coleção Direito Ambiental em Debate. Coordenado por Marcelo Dias Varella e Ana Flávia Barros Platiai. Del Rey. Belo Horizonte: 2004. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 15 mais nobres, como o são a vida, a saúde e o meio ambiente, essenciais à 15 preservação do ser humano . A conhecida NR-17 e seus anexos são uma tentativa de minimizar os riscos ainda não totalmente conhecidos da inserção da tecnologia, hoje cada vez mais abundante, no ambiente laboral. Mas quando esse ambiente é o domicilio do empregado, ou outra localidade distante da sede ou filial da empresa, a normativa não vem sendo aplicada, pela certeza do empresariado da impunidade, já que inexiste uma norma específica para essa relação empregatícia. Pode-se dizer que os danos e os sofrimentos ocorrerão baseando-se nas já existentes regulamentação internacionais criadas com o intuído de proteger o meio ambiente laboral e o trabalhador. Na Europa criou-se o marco europeu de tele trabalho, que contém normas mínimas de saúde e segurança que devem ser observadas pelos tele empregadores. As normas do marco europeu são impositivas, países como Espanha e Portugal incorporaram em seus códigos de trabalho, normas rígidas sobre higidez no ambiente tele laboral, mesmo sendo prestado no domicilio do trabalhador, determinando, inclusive, deveres de manutenção e vistoria contínuas. No Brasil essa nova espécie de prestação laboral, não é reconhecida pelo ordenamento jurídico, apesar da redação dada ao artigo sexto que muito timidamente menciona a telemática no ambiente laboral, sendo que apenas há cinco anos a jurisprudência vem timidamente reconhecendo alguns direitos trabalhistas a tais trabalhadores. Poder-se-ia dizer que algumas das normas regulamentares que tratam da saúde e segurança no trabalho seriam extensíveis ao teletrabalhadores, mas muito provavelmente tal ocorreria apenas após o reconhecimento pela via judicial da violação às normas da CLT e após o dano à saúde do trabalhador já consolidado. 15 Troncoso, Maria. El Principio de Precaución y la Responsabilidad Civil. In Revista de Derecho Privado n. 18. Espanha, 2010, p. 206-207. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 16 Nesse sentido, pretende-se defender a aplicação do principio da precaução como um dos norteadores do dever não apenas do Estado de tutela do teletrabalho, mas essencialmente do empregador empresário, para que a saúde do trabalhador seja protegida antes do dano causado em virtude da problemática ambiental desse tipo de trabalho. Tal posicionamento pode ser embasado na própria sistemática constitucional, que como observado nos artigos acima descritos, impõe ao Estado e a Iniciativa Privada o dever de criar políticas públicas, fiscalizar, controlar o emprego de técnicas que comportem risco para a vida, saúde e meio ambiente, inclusive do trabalhador. Tudo isso não tem como ser efetivado se não houver uma norma legal que determine ao empregador manter o meio ambiente laboral do teletrabalhador hígido, mesmo quando esse meio ambiente seja a casa do empregado. Ainda, não havendo pesquisas científicas que comprovem os riscos à saúde do trabalhador, que o meio ambiente “poluído” do teletrabalho possa causar ao trabalhador, necessário se faz, tendo como um dos embasamentos o princípio da precaução, a tutela específica dessa nova forma de trabalho, bem como dos meios onde ele possa ocorrer pelo Estado, a fim de que o empresariado não se furte ao seu dever e cumpra a função social da empresa. Conclusão Nos países paradigmas acima citados, observou-se que as doenças desenvolvidas no tele trabalho são análogas às ocorridas nas atividades laborais presenciais. No entanto, como no Brasil não há estudos sobre as mesmas, tão pouco normas definindo modelos de atuação aos empregadores não há como evitar um possível dano ao trabalhador. Nesse sentido é que o princípio da precaução, como dito, funciona como norma que obriga o Estado e a iniciativa privada à tutelar o meio ambiente tele laboral, já que REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 17 sem as normas indicadoras especiais da atuação do empregador, não se pode falar em fiscalização e quiçá em responsabilização. A falta de norma legislativa e regulamentadora sobre o teletrabalho, bem como sobre a saúde e segurança nos diversos meios onde o mesmo possa se desenvolver faz com que os direitos mínimos dos trabalhadores sejam apenas reconhecidos após a ocorrência de dano, o que na prática é o mesmo que negá-los aos trabalhadores. Assim, o que se propõe é a aplicação do principio da precaução como uma das justificativas de necessidade de tutela pelo Estado e dever do empresariado, através de ações fiscalizadoras e mesmo criação de normas definidoras e protetoras do meio ambiente laboral onde está inserido o tele trabalhor. Referências ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região: João Pessoa, v. 15, n.1, 2007. ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 11 ed. Rio de Janeiro: lúmen Júris, 2008. FINCATO, Denise Pires. Meio Ambiente Laboral: ferramentas legais Brasileiras para a concretização de um Direito Humano Fundamental. In GORCZEVSKI, Clovis (org.). Direitos Humanos e Participação Política. V. I. Porto Alegre: imprensa Livre. HERMITTE, Marie-Angèle. DAVID, Virginie. A AVALIAÇÃO DOS RISCOS E PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. In Princípio da Precaução Coleção Direito Ambiental em Debate. Coordenado por Marcelo Dias Varella e Ana Flávia Barros Platiai. Del Rey. Belo Horizonte: 2004. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 18 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. Responsabilidades legais. Dano material. Dano moral. Dano estético. São Paulo: LTR, 2004. PADILLA, Antonio. Teletrabajo Dirección y Organización. Ed. RA-MA. Madrid, 1998. SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed. São Paulo: Malheiros. 2000. SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2004. TRONCOSO, Maria. El Principio de Precaución y la Responsabilidad Civil. In Revista de Derecho Privado n 18. Espanha, 2010. REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 . Página 19