V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
08 a 10 de setembro de 2011
UFS – Itabaiana/SE, Brasil
A CIRCULARIDADE DISCURSIVA NA ESCRITA DE ESTUDANTES
SECUNDARISTAS E UNIVERSITÁRIOS1
Gilvânia Pereira de Jesus (UFS)2
Moniza de Oliveira Santos (UFS)3
INTRODUÇÃO
O ensino de Língua Portuguesa vem sendo vastamente investigado há muito tempo, tal
como revelam Gnerre (1987); Osakabe (1988); Geraldi, (1996); Soares (2001), no entanto,
sabemos que ainda não alcançamos o ideal no que diz respeito a esse ensino. Isso porque ele
ainda está pautado no tradicionalismo gramatical. Por conta disso, o presente trabalho traz à tona
uma pesquisa acerca desse mesmo objeto (ensino de LP), numa perspectiva discursiva,
observando os sujeitos da educação (professor/aluno), num contexto sociopolítico e econômico.
Para a observação dessa relação professor/aluno, detivemo-nos nos textos desses estudantes. A
partir de tal análise, objetivamos avaliar se as relações institucionais controlam os discursos dos
estudantes; trata-se, então, de uma pesquisa circunscrita à Análise do Discurso. E, para realizar
tal análise, propomos trabalhar com a escrita em duas perspectivas, quais sejam: a materialidade
linguística; os discursos perpassados na / pela escrita, à luz da Análise do Discurso (doravante
AD).
Vale ressaltar que este artigo consiste em uma abordagem final dos relatórios de projeto
PIBIC, de mesmo título, desenvolvido na Universidade Federal de Sergipe (COPES / DLI /
2010). Nele, tentamos mostrar como a relação de poder existente entre professor e aluno reflete
na produção textual, e, consequentemente, contribui para a circularidade discursiva. Para
constatação dos dados, foram investigadas as produções de textos tanto de estudantes
universitários, no Curso de Letras / UFS, Campus Prof. Alberto Carvalho (Itabaiana – SE), como
1
Trabalho orientado pela professora Drª Maria Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros. E-mail:
(Adjunto 2/ UFS).
2
Estudante do curso de Letras UFS/Itabaiana. E-mail: [email protected]. Autora.
3
Estudante do curso de Letras UFS/Itabaiana. E-mail: [email protected]. Co-autora.
[email protected]
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de estudantes secundaristas de um Colégio da Rede Estadual de Ensino (Itabaiana - SE). É
importante mencionar ainda que nós, estudantes pesquisadoras, participamos das aulas, a partir
das quais os referidos textos foram propostos.
A fim de entendermos as relações institucionais presentes na escola, observamos que
Foucault (1997) aponta a existência de uma série de fatores que exercem controle; são eles: o
espaço, o tempo, o corpo, o discurso. À luz desses fatores, compreendemos as causas da
circularidade discursiva presente nos textos dos alunos pesquisados. Tal circularidade também
pode ser muito identificada na Mídia, principalmente quando se leem as reportagens: são as
mesmas notícias, os mesmos comentários. Isso também é verificado nas novelas que, segundo
Orlandi (2002), é a mesma novela contada várias vezes. Da mesma forma, esses discursos entram
em circulação, promovendo comentários em relação ao ‘Mesmo’. A família, consequentemente,
repete tais discursos. Além disso, no que se refere à escrita, esta já traz consigo as marcas de uma
sociedade elitizada.
Para darmos conta dessa investigação, dividimos este artigo em duas partes, afora esta
introdução e as conclusões. Na primeira, trazemos à baila os postulados teóricos de Gnerre
(1987) e Osakabe (1988), segundo eles há uma relação de controle do discurso perpassada na
escrita, o que conduz à repetição do discurso. Além desses teóricos, trabalhamos com os
postulados de Foucault (1996, 1997), para quem os discursos são controlados institucionalmente.
Utilizamos ainda as teorias de Geraldi (1993), Soares (1996), estudiosos que muito discutiram o
ensino de Língua Portuguesa.
1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER INSTAURADAS A
PARTIR DA ESCRITA
O poder perpassado pela escrita decorre desde o processo de apropriação que marca a
sua história. Mediatizada por estratégias mais tensas e sistemáticas de aprendizagem, a escrita
está profundamente marcada pela sua assimilação, por parte das camadas sociais que, por
condições de privilégio, mais a manipulam (OSAKABE, 1988). É desse modo que o referido
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autor argumenta que aprender a ler não corresponde simplesmente à aquisição de um novo
código, mas ter acesso a um discurso já formulado pelas camadas sociais privilegiadas. Assim, os
indivíduos são alfabetizados para serem produtivos ao sistema, e ler passa a significar
compreender as instruções dadas pelo professor, pelo chefe, na escola, no trabalho.
Segundo Gnerre (1987), a escrita tem sido um instrumento de poder, o qual é de poucos
e está ligado às relações socioeconômicas. Desse modo, esse autor observa que a língua padrão,
por exemplo, é um código comunicativo de aquisição de uma minoria da sociedade. Fato que ele
argumenta do seguinte modo:
Os cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade,
discriminados já na base do mesmo código em que a lei é redigida. A maioria
dos cidadãos não tem acesso ao código, ou, às vezes, tem uma possibilidade
reduzida de acesso, constituída pela escola e pela ‘norma pedagógica’ ali
ensinada. (GENERRE, 1987, p.7)
Nesta perspectiva, as produções linguísticas que são veiculadas na sala de aula, por
exemplo, tendem a levar em conta as relações sociais entre o falante e o ouvinte. Isso porque,
quando essas produções são selecionadas pela escola, promovem um distanciamento entre as
classes sociais, visto que nem todos os integrantes de uma sociedade têm acesso a todas as
variedades, principalmente, quando selecionadas a partir da gramática normativa. Assim, as
convenções, a normatização são impostas às classes subalternas, acentuando o distanciamento
entre essas classes e a própria língua. Como bem argumenta Gnerre (1987, p.4): “A língua padrão
é um sistema comunicativo ao alcance de uma parte reduzida dos integrantes de uma
comunidade; é um sistema associado a um patrimônio cultural apresentado como um ‘corpus’
definido de valores, fixados na tradição escrita”.
Além disso, consideramos importante trazer à tona as contribuições de Foucault (1996,
1997) acerca da disciplina na escola. Essa disciplina, por sua vez, é trabalhada sob duas
perspectivas, quais sejam: a disciplina enquanto um conjunto de verdades (1996); a disciplina
enquanto normas do comportamento (1997). Ambas contribuem para a circularidade discursiva,
na medida em que controlam os discursos circulados no espaço escolar.
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1.1 AS FORMAS DE CONTROLE DO DISCURSO (FOUCAULT 1996, 1997)
Em relação à circulação do discurso, Foucault (1996) defende a existência do controle
que os discursos institucionalizados exercem em toda sociedade, como pode ser comprovado a
seguir: “[...] a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar poderes e perigos
[...]” (p. 9). Nesse sentido, o autor argumenta que em toda sociedade o discurso se constitui um
procedimento instituído e que exerce poder sobre o discurso do outro. É importante observar que
esse outro não faz parte desse discurso manipulador, pelo contrário, está à parte desse sistema
dominador. Sendo assim, torna-se imprescindível enfatizar o postulado de tal filósofo sobre o
discurso: “[...] (o discurso) não é simplesmente aquilo que manifesta [ou oculta] o desejo; é,
também, aquilo que é o objeto do desejo, não é aquilo que simplesmente traz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas é aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos
apoderar”. (FOUCAULT, 1996, p.10)
Tal como defende Foucault (1996), o discurso se constitui um mecanismo de poder e de
domínio tão relevante que todo indivíduo almeja se apossar dele. E essa apropriação possibilita
ao sujeito participar desses sistemas de dominação. Mas, é válido destacar que, na luta por tal
poder, os vencedores são aqueles cujo poder é institucionalizado, ou seja, são os que perpassam
um valor de verdade. Quanto à circulação do discurso, Foucault (1996) é enfático sobre o
processo de interdição, que corresponde ao fato de que o sujeito não pode falar de tudo em
qualquer circunstância, nem é permitido a qualquer um falar de qualquer coisa. Isto é, trata-se da
proibição e da manipulação dos sujeitos do dizer. Como sabemos, esse controle do discurso pode
ser perfeitamente encontrado no ambiente escolar.
Também para esse filósofo, a escola é uma instituição que possibilita a apropriação de
discursos, no entanto, como mencionado, nem todos têm acesso a eles. Isso porque o sistema de
educação está pautado na ritualização da palavra e, na medida em que ocorre tal ritualização, os
papéis, no interior dessa instituição, são fixados, impossibilitando a modificação desses discursos.
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Dessa forma, ocorre uma manutenção deles e, consequentemente, a manutenção dos saberes e
poderes perpassados por esses mesmos discursos.
Levando em conta a disciplina enquanto um mecanismo de controle dos discursos, na
medida em que a língua portuguesa se constitui enquanto uma disciplina a ser ensinada /
aprendida, transforma-se em currículo, no dizer de Soares (1996). Em outras palavras, na medida
em que a ciência sai do espaço acadêmico e chega ao ambiente escolar, passa a ser lecionada
como se fizesse parte de um elenco de verdades consideradas absolutas, abandonando o aspecto
hipotético da academia. Logo, deixa de existir a construção do conhecimento propriamente dito e
passa a haver apenas a repetição daquilo que se considera uma verdade absoluta, eliminando-se,
portanto, o caráter investigativo da produção do saber (GERALDI, 1993).
Nessa perspectiva, destacamos que a disciplina constitui-se um conjunto de
regulamentos que permite controlar ou organizar as operações do corpo. Esse controle do
comportamento dos alunos também é refletido no tempo, através dos horários regulamentados,
em que anulam a distração e a ociosidade, tratando de constituir um tempo integralmente útil.
Assim, todas as atividades e horários de aula são devidamente cronometrados: cada instante do
dia é destinado a alguma atividade. Em resumo, o controle do tempo também consiste em um
mecanismo para o controle e a disciplina do corpo. Eis a argumentação de Foucault (1997, p.
136): “O poder se articula diretamente sobre o tempo; realiza o controle dele e garante sua
utilização [...] Os procedimentos revelam um tempo linear cujos movimentos se integram uns aos
outro, e que se orienta para um ponto terminal e estável. Em suma, um tempo ‘evolutivo’”.
Então, o aparelho escolar age como correção sobre o corpo e os hábitos dos indivíduos.
Nesse contexto, a escola atua como mecanismo para intensificar a utilização eficaz do tempo.
Tudo isso tem o objetivo de formar cidadãos submissos e obedientes, sujeitos às regras e às
ordens. Portanto, essa instituição exerce uma relação de poder e de coerção sobre os sujeitos.
No próximo item, apresentamos não só como procedemos à análise dos textos dos
estudantes como também trazemos alguns recortes dos textos dos estudantes investigados.
2. ANÁLISE DOS CORPORA
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Como afirmado anteriormente, este trabalho consiste em uma pesquisa de natureza
qualitativa, cujo objetivo é analisar os discursos dos estudantes (do Ensino Médio e do Ensino
Universitário), perpassados pela modalidade escrita. E, a partir de recortes extraídos das
produções textuais desses estudantes, procuramos destacar e avaliar a possível influência dos
discursos institucionalizados da Escola e da Mídia nos textos desses educandos. É nesse caminho
que observamos a circularidade discursiva, a relação de subjetividade e de alteridade desses
sujeitos como partícipes da escola. Tais considerações são realizadas a partir de uma análise de
dados, que procura investigar tanto o discurso dos estudantes quanto o do professor, observando
em que medida este influencia no discurso daqueles.
Acrescentamos que, como consideramos a linguagem como processo de produção de
sentido, ela é observada em seu funcionamento, em que procuramos observar os processos de sua
constituição, cuja natureza é sócio-histórica. Retomamos também a noção de texto, segundo a
qual é uma unidade de sentido, cujas relações não são lineares. Recuperamos, assim, as operações
relacionadas a essa unidade de sentido: segmentação e recorte. Segundo Orlandi (1984), o recorte
é uma unidade discursiva, consequentemente, um fragmento da situação discursiva; a
segmentação, por seu turno, é uma unidade da frase, do sintagma, numa disposição linear. O
recorte, por sua vez, varia segundo o tipo de discurso, as condições de produção, o objetivo e o
alcance da análise. Quanto a essas operações, Orlandi (1984, p.14) assim define texto: “[...] é o
todo em que se organizam os recortes”. E continua (p. 14): “os recortes são feitos na [e pela]
situação de interlocução, aí compreendido um texto [de interlocução] menos imediato: o da
ideologia”. Dessa forma, determinamos, através dos recortes, como ocorrem as relações textuais.
No que se refere aos estudantes do 3ª série do Ensino Médio (EM) de um Colégio da
rede Estadual de Ensino, na cidade de Itabaiana, vale enfatizar que, para a aquisição desse
corpus, foi sugerido o seguinte tema: Crack é um problema de todos nós. E, a partir das
produções textuais desses alunos, selecionamos alguns recortes, a partir dos quais procuramos
destacar e avaliar a possível influência dos discursos institucionalizados do professor e da mídia
nos textos desses educandos. A partir dessa observação, constatamos a circularidade discursiva, a
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relação de subjetividade e de alteridade desses sujeitos como partícipes dessas instituições de
ensino.
No que diz respeito aos textos dos estudantes universitários, destacamos que foi
analisada uma aula de um professor de Produção e Recepção de textos I e II, respectivamente,
dos alunos do 1º período (em primeira instância) e a dos estudantes do segundo período (em
segunda instância) do Curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe, Campus Professor
Alberto Carvalho (Itabaiana), verificando-se se os métodos utilizados por ele corroboram a
circularidade discursiva (ou não). Ao analisarmos tais textos, questionamos em que medida a
relação de poder existente entre professor e aluno reflete na produção de texto desses estudantes.
Nesse contexto, observamos a tentativa de o professor “dar voz” aos estudantes, entretanto,
constatamos a reiteração dos mesmos discursos, corroborando a hipótese do nosso projeto, do
qual extraímos este artigo. Ou seja, partimos do ponto de vista de que há uma relação de poder
entre professor e aluno institucionalmente marcada.
2.1 ANÁLISE DO CORPUS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO
Para a análise dos textos dos alunos da 3ª série do Ensino Médio, tal como explanado
anteriormente, destacamos a frequência de repetição do discurso perpassado no interior da
proposta textual fornecida pelo professor em sala de aula, cujo tema é: Crack é um problema de
todos nós. Desse modo, notamos que a produção textual desses estudantes constitui uma
repetição da referida proposta, configurando-se em uma paráfrase, conotando a circularidade
discursiva em questão. Ressaltamos que a tipologia textual solicitada pela professora, a
dissertação argumentativa, parte do pressuposto de que o locutor deve defender o seu ponto de
vista, a partir de argumentos que viabilizem tal defesa. Nesse contexto, essa tipologia exclui a
paráfrase, já que requer uma tomada de posição. A seguir, trazemos alguns recortes dessas
produções:
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Exemplo 1-“[...] O governo também deve criar métodos de incentivos educacionais aos jovens.
Assim estaríamos preparando um mundo livre do crack para os nossos descendentes”. (grifos
nossos)
Percebemos neste fragmento o discurso de que a “educação formal” é a solução do
problema ou dos problemas sociais, ocupando o lugar da família. Nesse caso específico, muitas
vezes, a própria Mídia ora atribui à Escola a responsabilidade de educar os jovens desse país,
apontando a falha do Estado quanto à implantação de um sistema eficiente de Educação que dê
conta da formação dos jovens; ora culpa a família pelo desajuste emocional deles,
responsabilizando-a pelo uso que tais jovens fazem da droga. Discurso, no mínimo, antagônico.
Retomamos aqui, então, alguns postulados de Foucault (1996), segundo o qual a educação formal
contribui para o processo de controle dos sujeitos. Eis a citação que retiramos deste autor (1996,
p. 44 – 45): “O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma
qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um
grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com
seus poderes e seus saberes?”
Exemplo 2- “Os governos lançam campanhas contra o crack, mas é só na mídia, o crack não para
de entrar nos países, é uma facilidade comprar crack em qualquer estado ou país. Eles têm que
unir-se para debater soluções para que possa barrar a produção, a entrada e o tráfico no
mundo”. (grifos nossos)
Exemplo 3- “[...] concluímos que esse problema precisa de um maior apoio não só dos
governantes como também da sociedade. Se for encarado com seriedade por todos, esse problema
pode ser extinguido de vez da sociedade”. (grifos nossos)
Observamos, nos recortes 02 e 03, a própria circularidade argumentativa, seguindo a
receita da conclusão de textos veiculada pela escola, livros, manuais de redação, segundo a qual
propõe a solução para o problema. Evidenciamos ainda um eco de discursos amplamente
circulados: um povo unido jamais será vencido, a união faz a força. Reiteramos também o efeito
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desse discurso sobre os estudantes, repetindo que o povo é que deve solucionar esse problema. E,
na medida em que faz isso, retira do Estado a sua responsabilidade de propor soluções para esse
problema. Um discurso tão retomado pelas mídias, quando enfocam que o problema das drogas
está no interior das famílias e só a elas é reservado o direito de pôr termo nesse problema.
Exemplo 4-“A família tem um papel fundamental na sociedade, educar as crianças.
Primeiramente, os pais devem servir de espelho para seus filhos, ou seja, não devem usar drogas.
Em segundo lugar, devem incentivar e até impor a educação como objetivo maior, pois e através
dela que poderão entrar no mercado de trabalho”. (grifos nossos)
O recorte 04 trata de um discurso advindo da mídia, segundo a qual a família é
responsável por os filhos se drogarem. A partir disso, tentam dar uma “receita” de “boa
educação” e de “como detectar que os filhos estão de drogando”. Nesse sentido, tal instituição
assume o lugar de “Serviço Público”, confirmando o ideal de que a Mídia informa, formando. De
onde decorre o endeusamento dessa instituição.
Acrescentamos a essas análises o fato de as propostas de produção textual estarem
pautadas ora em textos midiáticos ora em documentos oficias. Logo, esses textos consistem em
paráfrases dos textos originais. Mas, da forma em que o discurso é controlado, só resta ao
estudante elaborar seu texto nesse percurso parafrástico, efetivando o que acima afirmamos: a
realização do Mesmo, numa imensa rede parafrástica, na qual se encontram os textos dos
estudantes. Anula-se, então, a criação de textos polissêmicos, favorecendo a perpetuação de uma
circularidade discursiva.
2.2 ANÁLISE DO CORPUS DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
Em relação ao segundo corpus, são observados, primeiramente, os textos dissertativos
dos alunos do 1º período do curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe, Campus
Professor Alberto Carvalho (Itabaiana). Vale destacar que foi analisada apenas uma aula de um
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professor de Redação/Produção de textos deste curso, verificando-se se os métodos utilizados por
ele corroboram a circularidade discursiva (ou não).
Esta aula foi dividida em duas etapas. Na primeira, foram discutidos fragmentos textuais
retirados de múltiplas fontes (livros); na segunda, o professor sugeriu que a turma fizesse um
grande círculo e colocasse as suas conclusões acerca dos referidos fragmentos, todos relacionados
a como elaborar uma Argumentação. Finalmente, após as exposições desses grupos, o professor
solicitou que eles produzissem um texto, em casa. Isso corresponde a uma das produções. Já em
relação aos recortes produzidos pelos alunos do 2º período, destacamos que esta proposta de
produção textual consistia em um fichamento do texto Repensando a Textualidade, de Maria da
Graça Costa Val.
 Fragmentos dos Textos dos estudantes do 1° período
Exemplo 1 [...] “O domínio da língua é de plena necessidade na participação social, pois é por
meio dela que o homem se comunica, tem acesso a informação, expressa e defende ponto de
vista, partilha ou constrói visões de mundo.” (grifos nossos)
Exemplo2: [...] “A capacidade de comunicação e argumentação é muito importante para nós
seres humanos. Através dela podemos ter contato com outras pessoas e ter informações do mundo
inteiro.”
Este é um discurso veiculado por ocasião da concepção segundo a qual a língua é tida
como um código e, para entendê-la, era necessária a sua decodificação. Nessa época, por volta da
década de 1960, a disciplina Língua Portuguesa passa a ser nomeada como “Comunicação e
Expressão”. Remonta a época da ditadura militar, em que havia o ditado: “Quem não comunica
se trumbica”, discurso fortemente veiculado pelo programa televisivo do apresentador Chacrinha.
 Fragmentos dos Textos dos estudantes do 2º período
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Fichamento feito a partir do texto Repensando a Textualidade4
Exemplo 1: “[...] o conhecimento sobre as normas gramaticais é essencial para escrever bem e
também é necessário o uso adequado das palavras que tenha lógica e coesão ao texto”.
Exemplo 2:“[...] já que vivemos numa sociedade em que a escala social também é estabelecida
pelo grau de acúmulo de conhecimentos, dos quais a gramática faz parte, seria injusto negarmos
esse saber e, portanto, essa possibilidade de ascensão para esses alunos”.
Os dois recortes apresentados acima nos mostram o quanto os enunciadores defendem
que o ingresso no mercado de trabalho é feito a partir da linguagem e esta, por sua vez, deve ser
culta. Por isso que defendem o uso da gramática normativa em sala de aula. Além disso,
percebemos como se propaga a ideia do Português voltado, fundamentalmente, para levar ao
conhecimento, talvez mesmo apenas ao reconhecimento, das normas e regras de funcionamento
do dialeto de prestígio. Assim, os alunos compartilham com a visão de que o conhecimento é o
resultado de um processo de ensino-aprendizagem pautado na gramática. Desse modo,
evidenciamos o quanto a modalidade escrita está tradicionalmente estabelecida como norma
institucionalizada.
Tais discursos, por sua vez, não estão perpassados no texto de Costa Val (1999), o qual
era a base de um fichamento. Isso comprova o quanto os sujeitos do discurso estão afetados pelos
discursos em circulação e os percebem onde sequer existem, nesse caso, no texto-base.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos argumentos pautados, fica evidente que as relações professor/aluno em sala
de aula refletem a imagem social que se tem do professor como o detentor dos conhecimentos e
4
Maria da Graça Costa Val FALE/UFMG - IV Fórum de Estudos Linguísticos. Instituto de Letras da UERJ. 21/10/1999
(conferência).
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do discurso pedagógico sustentado pela instituição de ensino. O aluno, por sua vez, é aquele que
não sabe e está na escola para aprender, receber e aceitar todas as instruções dadas pelo professor,
pelo chefe. Desse modo, quando o professor opta pelo discurso pedagógico de caráter científico
e, consequentemente, sustentado pela instituição, excluir a fala do estudante, rouba-lhe a voz e o
submete ao discurso institucionalizado. Com isso, os estudantes se transformam em meros
repetidores de fórmulas prontas, o que corrobora a circularidade discursiva em suas produções
textuais.
Além disso, podemos constatar que a instituição escolar é uma instituição burocrática
onde a fala do estudante é excluída, pois este é submetido ao discurso institucionalizado (o da
escola). Daí a constatação de que as relações institucionais controlam os discursos dos estudantes.
Percebemos ainda que os estudantes utilizam determinados discursos como resposta ao bom
gosto do professor, resultando na circularidade discursiva e reiterando o poder e o controle que o
professor exerce sobre o aluno. Consequentemente o aluno “não-lê-não-escreve”, mas passa a
repetir estruturas modelares, estereotipadas da escrita.
Nesse contexto, entendemos que os estudantes ainda não se constituem sujeitos dos seus
próprios discursos, pois ainda estão acostumados a repetir os discursos em circulação, sejam
discursos midiáticos sejam os discursos que estão corporificados nas disciplinas escolares. Dessa
forma, ao trazer um texto midiático, por exemplo, com o pretexto de informar o aluno, o
professor apenas corrobora a circularidade discursiva, pois o aluno recebe-o como um modelo
pronto, acabado e passa a repetir esses discursos que estão socialmente distribuídos, reiterando,
assim, o poder discursivo da mídia sobre os sujeitos. Enfim, pudemos constatar que os alunos
estão mais pautados em operações parafrásticas do que polissêmicas. Negam, portanto, a
possibilidade de textos criativos, revelando a repetição, o mesmo. Nesse contexto, corroboram a
cristalização dos discursos em circulação.
REFERÊNCIAS
BARROS, M. E. de R. de A. B. As marcas da polifonia na produção escrita de estudantes
universitários. Tese (Doutorado em letras/Linguística), UFBA, agosto de 2007.
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FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 15ª Edição. Trad. De Laura Fraga de Almeida
Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Trad. De Raquel Ramalhete –
Petrópolis: Vozes, 16ª Edição, 1997.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
ORLANDI, E. P. Segmentar ou recortar. in Lingüística: questões e controvérsias. Série Estudos
10. Uberaba, Minas Gerais, 1984. p. 9 – 26.
OSAKABE, H. Considerações em torno do acesso ao mundo da escrita. In: ZILBERMAN, R.
(org.). Leitura e crise na escola. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
SOARES, M. B. Português na escola: história de uma disciplina curricular. Material de
divulgação da obra Português através de textos. São Paulo: Moderna, 1996.
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