V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil A CIRCULARIDADE DISCURSIVA NA ESCRITA DE ESTUDANTES SECUNDARISTAS E UNIVERSITÁRIOS1 Gilvânia Pereira de Jesus (UFS)2 Moniza de Oliveira Santos (UFS)3 INTRODUÇÃO O ensino de Língua Portuguesa vem sendo vastamente investigado há muito tempo, tal como revelam Gnerre (1987); Osakabe (1988); Geraldi, (1996); Soares (2001), no entanto, sabemos que ainda não alcançamos o ideal no que diz respeito a esse ensino. Isso porque ele ainda está pautado no tradicionalismo gramatical. Por conta disso, o presente trabalho traz à tona uma pesquisa acerca desse mesmo objeto (ensino de LP), numa perspectiva discursiva, observando os sujeitos da educação (professor/aluno), num contexto sociopolítico e econômico. Para a observação dessa relação professor/aluno, detivemo-nos nos textos desses estudantes. A partir de tal análise, objetivamos avaliar se as relações institucionais controlam os discursos dos estudantes; trata-se, então, de uma pesquisa circunscrita à Análise do Discurso. E, para realizar tal análise, propomos trabalhar com a escrita em duas perspectivas, quais sejam: a materialidade linguística; os discursos perpassados na / pela escrita, à luz da Análise do Discurso (doravante AD). Vale ressaltar que este artigo consiste em uma abordagem final dos relatórios de projeto PIBIC, de mesmo título, desenvolvido na Universidade Federal de Sergipe (COPES / DLI / 2010). Nele, tentamos mostrar como a relação de poder existente entre professor e aluno reflete na produção textual, e, consequentemente, contribui para a circularidade discursiva. Para constatação dos dados, foram investigadas as produções de textos tanto de estudantes universitários, no Curso de Letras / UFS, Campus Prof. Alberto Carvalho (Itabaiana – SE), como 1 Trabalho orientado pela professora Drª Maria Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros. E-mail: (Adjunto 2/ UFS). 2 Estudante do curso de Letras UFS/Itabaiana. E-mail: [email protected]. Autora. 3 Estudante do curso de Letras UFS/Itabaiana. E-mail: [email protected]. Co-autora. [email protected] 1 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil de estudantes secundaristas de um Colégio da Rede Estadual de Ensino (Itabaiana - SE). É importante mencionar ainda que nós, estudantes pesquisadoras, participamos das aulas, a partir das quais os referidos textos foram propostos. A fim de entendermos as relações institucionais presentes na escola, observamos que Foucault (1997) aponta a existência de uma série de fatores que exercem controle; são eles: o espaço, o tempo, o corpo, o discurso. À luz desses fatores, compreendemos as causas da circularidade discursiva presente nos textos dos alunos pesquisados. Tal circularidade também pode ser muito identificada na Mídia, principalmente quando se leem as reportagens: são as mesmas notícias, os mesmos comentários. Isso também é verificado nas novelas que, segundo Orlandi (2002), é a mesma novela contada várias vezes. Da mesma forma, esses discursos entram em circulação, promovendo comentários em relação ao ‘Mesmo’. A família, consequentemente, repete tais discursos. Além disso, no que se refere à escrita, esta já traz consigo as marcas de uma sociedade elitizada. Para darmos conta dessa investigação, dividimos este artigo em duas partes, afora esta introdução e as conclusões. Na primeira, trazemos à baila os postulados teóricos de Gnerre (1987) e Osakabe (1988), segundo eles há uma relação de controle do discurso perpassada na escrita, o que conduz à repetição do discurso. Além desses teóricos, trabalhamos com os postulados de Foucault (1996, 1997), para quem os discursos são controlados institucionalmente. Utilizamos ainda as teorias de Geraldi (1993), Soares (1996), estudiosos que muito discutiram o ensino de Língua Portuguesa. 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER INSTAURADAS A PARTIR DA ESCRITA O poder perpassado pela escrita decorre desde o processo de apropriação que marca a sua história. Mediatizada por estratégias mais tensas e sistemáticas de aprendizagem, a escrita está profundamente marcada pela sua assimilação, por parte das camadas sociais que, por condições de privilégio, mais a manipulam (OSAKABE, 1988). É desse modo que o referido 2 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil autor argumenta que aprender a ler não corresponde simplesmente à aquisição de um novo código, mas ter acesso a um discurso já formulado pelas camadas sociais privilegiadas. Assim, os indivíduos são alfabetizados para serem produtivos ao sistema, e ler passa a significar compreender as instruções dadas pelo professor, pelo chefe, na escola, no trabalho. Segundo Gnerre (1987), a escrita tem sido um instrumento de poder, o qual é de poucos e está ligado às relações socioeconômicas. Desse modo, esse autor observa que a língua padrão, por exemplo, é um código comunicativo de aquisição de uma minoria da sociedade. Fato que ele argumenta do seguinte modo: Os cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados já na base do mesmo código em que a lei é redigida. A maioria dos cidadãos não tem acesso ao código, ou, às vezes, tem uma possibilidade reduzida de acesso, constituída pela escola e pela ‘norma pedagógica’ ali ensinada. (GENERRE, 1987, p.7) Nesta perspectiva, as produções linguísticas que são veiculadas na sala de aula, por exemplo, tendem a levar em conta as relações sociais entre o falante e o ouvinte. Isso porque, quando essas produções são selecionadas pela escola, promovem um distanciamento entre as classes sociais, visto que nem todos os integrantes de uma sociedade têm acesso a todas as variedades, principalmente, quando selecionadas a partir da gramática normativa. Assim, as convenções, a normatização são impostas às classes subalternas, acentuando o distanciamento entre essas classes e a própria língua. Como bem argumenta Gnerre (1987, p.4): “A língua padrão é um sistema comunicativo ao alcance de uma parte reduzida dos integrantes de uma comunidade; é um sistema associado a um patrimônio cultural apresentado como um ‘corpus’ definido de valores, fixados na tradição escrita”. Além disso, consideramos importante trazer à tona as contribuições de Foucault (1996, 1997) acerca da disciplina na escola. Essa disciplina, por sua vez, é trabalhada sob duas perspectivas, quais sejam: a disciplina enquanto um conjunto de verdades (1996); a disciplina enquanto normas do comportamento (1997). Ambas contribuem para a circularidade discursiva, na medida em que controlam os discursos circulados no espaço escolar. 3 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil 1.1 AS FORMAS DE CONTROLE DO DISCURSO (FOUCAULT 1996, 1997) Em relação à circulação do discurso, Foucault (1996) defende a existência do controle que os discursos institucionalizados exercem em toda sociedade, como pode ser comprovado a seguir: “[...] a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar poderes e perigos [...]” (p. 9). Nesse sentido, o autor argumenta que em toda sociedade o discurso se constitui um procedimento instituído e que exerce poder sobre o discurso do outro. É importante observar que esse outro não faz parte desse discurso manipulador, pelo contrário, está à parte desse sistema dominador. Sendo assim, torna-se imprescindível enfatizar o postulado de tal filósofo sobre o discurso: “[...] (o discurso) não é simplesmente aquilo que manifesta [ou oculta] o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo, não é aquilo que simplesmente traz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. (FOUCAULT, 1996, p.10) Tal como defende Foucault (1996), o discurso se constitui um mecanismo de poder e de domínio tão relevante que todo indivíduo almeja se apossar dele. E essa apropriação possibilita ao sujeito participar desses sistemas de dominação. Mas, é válido destacar que, na luta por tal poder, os vencedores são aqueles cujo poder é institucionalizado, ou seja, são os que perpassam um valor de verdade. Quanto à circulação do discurso, Foucault (1996) é enfático sobre o processo de interdição, que corresponde ao fato de que o sujeito não pode falar de tudo em qualquer circunstância, nem é permitido a qualquer um falar de qualquer coisa. Isto é, trata-se da proibição e da manipulação dos sujeitos do dizer. Como sabemos, esse controle do discurso pode ser perfeitamente encontrado no ambiente escolar. Também para esse filósofo, a escola é uma instituição que possibilita a apropriação de discursos, no entanto, como mencionado, nem todos têm acesso a eles. Isso porque o sistema de educação está pautado na ritualização da palavra e, na medida em que ocorre tal ritualização, os papéis, no interior dessa instituição, são fixados, impossibilitando a modificação desses discursos. 4 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil Dessa forma, ocorre uma manutenção deles e, consequentemente, a manutenção dos saberes e poderes perpassados por esses mesmos discursos. Levando em conta a disciplina enquanto um mecanismo de controle dos discursos, na medida em que a língua portuguesa se constitui enquanto uma disciplina a ser ensinada / aprendida, transforma-se em currículo, no dizer de Soares (1996). Em outras palavras, na medida em que a ciência sai do espaço acadêmico e chega ao ambiente escolar, passa a ser lecionada como se fizesse parte de um elenco de verdades consideradas absolutas, abandonando o aspecto hipotético da academia. Logo, deixa de existir a construção do conhecimento propriamente dito e passa a haver apenas a repetição daquilo que se considera uma verdade absoluta, eliminando-se, portanto, o caráter investigativo da produção do saber (GERALDI, 1993). Nessa perspectiva, destacamos que a disciplina constitui-se um conjunto de regulamentos que permite controlar ou organizar as operações do corpo. Esse controle do comportamento dos alunos também é refletido no tempo, através dos horários regulamentados, em que anulam a distração e a ociosidade, tratando de constituir um tempo integralmente útil. Assim, todas as atividades e horários de aula são devidamente cronometrados: cada instante do dia é destinado a alguma atividade. Em resumo, o controle do tempo também consiste em um mecanismo para o controle e a disciplina do corpo. Eis a argumentação de Foucault (1997, p. 136): “O poder se articula diretamente sobre o tempo; realiza o controle dele e garante sua utilização [...] Os procedimentos revelam um tempo linear cujos movimentos se integram uns aos outro, e que se orienta para um ponto terminal e estável. Em suma, um tempo ‘evolutivo’”. Então, o aparelho escolar age como correção sobre o corpo e os hábitos dos indivíduos. Nesse contexto, a escola atua como mecanismo para intensificar a utilização eficaz do tempo. Tudo isso tem o objetivo de formar cidadãos submissos e obedientes, sujeitos às regras e às ordens. Portanto, essa instituição exerce uma relação de poder e de coerção sobre os sujeitos. No próximo item, apresentamos não só como procedemos à análise dos textos dos estudantes como também trazemos alguns recortes dos textos dos estudantes investigados. 2. ANÁLISE DOS CORPORA 5 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil Como afirmado anteriormente, este trabalho consiste em uma pesquisa de natureza qualitativa, cujo objetivo é analisar os discursos dos estudantes (do Ensino Médio e do Ensino Universitário), perpassados pela modalidade escrita. E, a partir de recortes extraídos das produções textuais desses estudantes, procuramos destacar e avaliar a possível influência dos discursos institucionalizados da Escola e da Mídia nos textos desses educandos. É nesse caminho que observamos a circularidade discursiva, a relação de subjetividade e de alteridade desses sujeitos como partícipes da escola. Tais considerações são realizadas a partir de uma análise de dados, que procura investigar tanto o discurso dos estudantes quanto o do professor, observando em que medida este influencia no discurso daqueles. Acrescentamos que, como consideramos a linguagem como processo de produção de sentido, ela é observada em seu funcionamento, em que procuramos observar os processos de sua constituição, cuja natureza é sócio-histórica. Retomamos também a noção de texto, segundo a qual é uma unidade de sentido, cujas relações não são lineares. Recuperamos, assim, as operações relacionadas a essa unidade de sentido: segmentação e recorte. Segundo Orlandi (1984), o recorte é uma unidade discursiva, consequentemente, um fragmento da situação discursiva; a segmentação, por seu turno, é uma unidade da frase, do sintagma, numa disposição linear. O recorte, por sua vez, varia segundo o tipo de discurso, as condições de produção, o objetivo e o alcance da análise. Quanto a essas operações, Orlandi (1984, p.14) assim define texto: “[...] é o todo em que se organizam os recortes”. E continua (p. 14): “os recortes são feitos na [e pela] situação de interlocução, aí compreendido um texto [de interlocução] menos imediato: o da ideologia”. Dessa forma, determinamos, através dos recortes, como ocorrem as relações textuais. No que se refere aos estudantes do 3ª série do Ensino Médio (EM) de um Colégio da rede Estadual de Ensino, na cidade de Itabaiana, vale enfatizar que, para a aquisição desse corpus, foi sugerido o seguinte tema: Crack é um problema de todos nós. E, a partir das produções textuais desses alunos, selecionamos alguns recortes, a partir dos quais procuramos destacar e avaliar a possível influência dos discursos institucionalizados do professor e da mídia nos textos desses educandos. A partir dessa observação, constatamos a circularidade discursiva, a 6 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil relação de subjetividade e de alteridade desses sujeitos como partícipes dessas instituições de ensino. No que diz respeito aos textos dos estudantes universitários, destacamos que foi analisada uma aula de um professor de Produção e Recepção de textos I e II, respectivamente, dos alunos do 1º período (em primeira instância) e a dos estudantes do segundo período (em segunda instância) do Curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe, Campus Professor Alberto Carvalho (Itabaiana), verificando-se se os métodos utilizados por ele corroboram a circularidade discursiva (ou não). Ao analisarmos tais textos, questionamos em que medida a relação de poder existente entre professor e aluno reflete na produção de texto desses estudantes. Nesse contexto, observamos a tentativa de o professor “dar voz” aos estudantes, entretanto, constatamos a reiteração dos mesmos discursos, corroborando a hipótese do nosso projeto, do qual extraímos este artigo. Ou seja, partimos do ponto de vista de que há uma relação de poder entre professor e aluno institucionalmente marcada. 2.1 ANÁLISE DO CORPUS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO Para a análise dos textos dos alunos da 3ª série do Ensino Médio, tal como explanado anteriormente, destacamos a frequência de repetição do discurso perpassado no interior da proposta textual fornecida pelo professor em sala de aula, cujo tema é: Crack é um problema de todos nós. Desse modo, notamos que a produção textual desses estudantes constitui uma repetição da referida proposta, configurando-se em uma paráfrase, conotando a circularidade discursiva em questão. Ressaltamos que a tipologia textual solicitada pela professora, a dissertação argumentativa, parte do pressuposto de que o locutor deve defender o seu ponto de vista, a partir de argumentos que viabilizem tal defesa. Nesse contexto, essa tipologia exclui a paráfrase, já que requer uma tomada de posição. A seguir, trazemos alguns recortes dessas produções: 7 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil Exemplo 1-“[...] O governo também deve criar métodos de incentivos educacionais aos jovens. Assim estaríamos preparando um mundo livre do crack para os nossos descendentes”. (grifos nossos) Percebemos neste fragmento o discurso de que a “educação formal” é a solução do problema ou dos problemas sociais, ocupando o lugar da família. Nesse caso específico, muitas vezes, a própria Mídia ora atribui à Escola a responsabilidade de educar os jovens desse país, apontando a falha do Estado quanto à implantação de um sistema eficiente de Educação que dê conta da formação dos jovens; ora culpa a família pelo desajuste emocional deles, responsabilizando-a pelo uso que tais jovens fazem da droga. Discurso, no mínimo, antagônico. Retomamos aqui, então, alguns postulados de Foucault (1996), segundo o qual a educação formal contribui para o processo de controle dos sujeitos. Eis a citação que retiramos deste autor (1996, p. 44 – 45): “O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?” Exemplo 2- “Os governos lançam campanhas contra o crack, mas é só na mídia, o crack não para de entrar nos países, é uma facilidade comprar crack em qualquer estado ou país. Eles têm que unir-se para debater soluções para que possa barrar a produção, a entrada e o tráfico no mundo”. (grifos nossos) Exemplo 3- “[...] concluímos que esse problema precisa de um maior apoio não só dos governantes como também da sociedade. Se for encarado com seriedade por todos, esse problema pode ser extinguido de vez da sociedade”. (grifos nossos) Observamos, nos recortes 02 e 03, a própria circularidade argumentativa, seguindo a receita da conclusão de textos veiculada pela escola, livros, manuais de redação, segundo a qual propõe a solução para o problema. Evidenciamos ainda um eco de discursos amplamente circulados: um povo unido jamais será vencido, a união faz a força. Reiteramos também o efeito 8 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil desse discurso sobre os estudantes, repetindo que o povo é que deve solucionar esse problema. E, na medida em que faz isso, retira do Estado a sua responsabilidade de propor soluções para esse problema. Um discurso tão retomado pelas mídias, quando enfocam que o problema das drogas está no interior das famílias e só a elas é reservado o direito de pôr termo nesse problema. Exemplo 4-“A família tem um papel fundamental na sociedade, educar as crianças. Primeiramente, os pais devem servir de espelho para seus filhos, ou seja, não devem usar drogas. Em segundo lugar, devem incentivar e até impor a educação como objetivo maior, pois e através dela que poderão entrar no mercado de trabalho”. (grifos nossos) O recorte 04 trata de um discurso advindo da mídia, segundo a qual a família é responsável por os filhos se drogarem. A partir disso, tentam dar uma “receita” de “boa educação” e de “como detectar que os filhos estão de drogando”. Nesse sentido, tal instituição assume o lugar de “Serviço Público”, confirmando o ideal de que a Mídia informa, formando. De onde decorre o endeusamento dessa instituição. Acrescentamos a essas análises o fato de as propostas de produção textual estarem pautadas ora em textos midiáticos ora em documentos oficias. Logo, esses textos consistem em paráfrases dos textos originais. Mas, da forma em que o discurso é controlado, só resta ao estudante elaborar seu texto nesse percurso parafrástico, efetivando o que acima afirmamos: a realização do Mesmo, numa imensa rede parafrástica, na qual se encontram os textos dos estudantes. Anula-se, então, a criação de textos polissêmicos, favorecendo a perpetuação de uma circularidade discursiva. 2.2 ANÁLISE DO CORPUS DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS Em relação ao segundo corpus, são observados, primeiramente, os textos dissertativos dos alunos do 1º período do curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe, Campus Professor Alberto Carvalho (Itabaiana). Vale destacar que foi analisada apenas uma aula de um 9 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil professor de Redação/Produção de textos deste curso, verificando-se se os métodos utilizados por ele corroboram a circularidade discursiva (ou não). Esta aula foi dividida em duas etapas. Na primeira, foram discutidos fragmentos textuais retirados de múltiplas fontes (livros); na segunda, o professor sugeriu que a turma fizesse um grande círculo e colocasse as suas conclusões acerca dos referidos fragmentos, todos relacionados a como elaborar uma Argumentação. Finalmente, após as exposições desses grupos, o professor solicitou que eles produzissem um texto, em casa. Isso corresponde a uma das produções. Já em relação aos recortes produzidos pelos alunos do 2º período, destacamos que esta proposta de produção textual consistia em um fichamento do texto Repensando a Textualidade, de Maria da Graça Costa Val. Fragmentos dos Textos dos estudantes do 1° período Exemplo 1 [...] “O domínio da língua é de plena necessidade na participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso a informação, expressa e defende ponto de vista, partilha ou constrói visões de mundo.” (grifos nossos) Exemplo2: [...] “A capacidade de comunicação e argumentação é muito importante para nós seres humanos. Através dela podemos ter contato com outras pessoas e ter informações do mundo inteiro.” Este é um discurso veiculado por ocasião da concepção segundo a qual a língua é tida como um código e, para entendê-la, era necessária a sua decodificação. Nessa época, por volta da década de 1960, a disciplina Língua Portuguesa passa a ser nomeada como “Comunicação e Expressão”. Remonta a época da ditadura militar, em que havia o ditado: “Quem não comunica se trumbica”, discurso fortemente veiculado pelo programa televisivo do apresentador Chacrinha. Fragmentos dos Textos dos estudantes do 2º período 10 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil Fichamento feito a partir do texto Repensando a Textualidade4 Exemplo 1: “[...] o conhecimento sobre as normas gramaticais é essencial para escrever bem e também é necessário o uso adequado das palavras que tenha lógica e coesão ao texto”. Exemplo 2:“[...] já que vivemos numa sociedade em que a escala social também é estabelecida pelo grau de acúmulo de conhecimentos, dos quais a gramática faz parte, seria injusto negarmos esse saber e, portanto, essa possibilidade de ascensão para esses alunos”. Os dois recortes apresentados acima nos mostram o quanto os enunciadores defendem que o ingresso no mercado de trabalho é feito a partir da linguagem e esta, por sua vez, deve ser culta. Por isso que defendem o uso da gramática normativa em sala de aula. Além disso, percebemos como se propaga a ideia do Português voltado, fundamentalmente, para levar ao conhecimento, talvez mesmo apenas ao reconhecimento, das normas e regras de funcionamento do dialeto de prestígio. Assim, os alunos compartilham com a visão de que o conhecimento é o resultado de um processo de ensino-aprendizagem pautado na gramática. Desse modo, evidenciamos o quanto a modalidade escrita está tradicionalmente estabelecida como norma institucionalizada. Tais discursos, por sua vez, não estão perpassados no texto de Costa Val (1999), o qual era a base de um fichamento. Isso comprova o quanto os sujeitos do discurso estão afetados pelos discursos em circulação e os percebem onde sequer existem, nesse caso, no texto-base. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos argumentos pautados, fica evidente que as relações professor/aluno em sala de aula refletem a imagem social que se tem do professor como o detentor dos conhecimentos e 4 Maria da Graça Costa Val FALE/UFMG - IV Fórum de Estudos Linguísticos. Instituto de Letras da UERJ. 21/10/1999 (conferência). 11 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil do discurso pedagógico sustentado pela instituição de ensino. O aluno, por sua vez, é aquele que não sabe e está na escola para aprender, receber e aceitar todas as instruções dadas pelo professor, pelo chefe. Desse modo, quando o professor opta pelo discurso pedagógico de caráter científico e, consequentemente, sustentado pela instituição, excluir a fala do estudante, rouba-lhe a voz e o submete ao discurso institucionalizado. Com isso, os estudantes se transformam em meros repetidores de fórmulas prontas, o que corrobora a circularidade discursiva em suas produções textuais. Além disso, podemos constatar que a instituição escolar é uma instituição burocrática onde a fala do estudante é excluída, pois este é submetido ao discurso institucionalizado (o da escola). Daí a constatação de que as relações institucionais controlam os discursos dos estudantes. Percebemos ainda que os estudantes utilizam determinados discursos como resposta ao bom gosto do professor, resultando na circularidade discursiva e reiterando o poder e o controle que o professor exerce sobre o aluno. Consequentemente o aluno “não-lê-não-escreve”, mas passa a repetir estruturas modelares, estereotipadas da escrita. Nesse contexto, entendemos que os estudantes ainda não se constituem sujeitos dos seus próprios discursos, pois ainda estão acostumados a repetir os discursos em circulação, sejam discursos midiáticos sejam os discursos que estão corporificados nas disciplinas escolares. Dessa forma, ao trazer um texto midiático, por exemplo, com o pretexto de informar o aluno, o professor apenas corrobora a circularidade discursiva, pois o aluno recebe-o como um modelo pronto, acabado e passa a repetir esses discursos que estão socialmente distribuídos, reiterando, assim, o poder discursivo da mídia sobre os sujeitos. Enfim, pudemos constatar que os alunos estão mais pautados em operações parafrásticas do que polissêmicas. Negam, portanto, a possibilidade de textos criativos, revelando a repetição, o mesmo. Nesse contexto, corroboram a cristalização dos discursos em circulação. REFERÊNCIAS BARROS, M. E. de R. de A. B. As marcas da polifonia na produção escrita de estudantes universitários. Tese (Doutorado em letras/Linguística), UFBA, agosto de 2007. 12 ANAIS DO V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES GEPIADDE/UFS/ITABAIANA ISSN 2176-7033 V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 08 a 10 de setembro de 2011 UFS – Itabaiana/SE, Brasil FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 15ª Edição. Trad. De Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Trad. De Raquel Ramalhete – Petrópolis: Vozes, 16ª Edição, 1997. GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1987. ORLANDI, E. P. Segmentar ou recortar. in Lingüística: questões e controvérsias. Série Estudos 10. Uberaba, Minas Gerais, 1984. p. 9 – 26. OSAKABE, H. Considerações em torno do acesso ao mundo da escrita. In: ZILBERMAN, R. (org.). Leitura e crise na escola. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. SOARES, M. B. 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