ABSTRACT: The work discusses about the construction of the writing system as a cognitive process, emphasizing the importance of linguistic concepts in order to evaluate writing language acquisition by the child. While detecting the cognitive linguistic operations involved in this process, answers to actual problems of literacy can be achieved. A aquisi~lio da lfngua escrita implica uma serie de habilidades mentais. Ao detectar as opera~oes cognitivas envolvidas pode-se, muitas vezes, chegar a respostas para problemas reais de alfabetiza~lio. Ha, nesse aspecto, urn ponto essencial de discusslio: a natureza da representa~lioescrita da lfngua, 0 carater simb6lico dos sinais materiais. 0 estudo da constru~lio do sistema da escrita como processo cognitivo possibilita a reflexlio sobre suas etapas bem como 0 estabelecimento de seus mecanismos subjacentes. Uma das questoes principais que se colocam: como a crian~a passa da Iinguagem ligada ao ato imediato e presente a constru~lio de representa~oes verbais propriamente ditas? Trata-se de urn sistema de opera~oes que transpoe as a~oes exteriores de sentido unico para a~oes mentais. A possibilidade de construir representa~oes conceituais constitui condi~lio fundamental para a aquisi~ilo da linguagem. Nessa perspectiva, e interessante estudar crian~as que manifestam dificuldades na aquisi~liodo c6digo lingillstico escrito em urn momento especffico: a alfabetiza~lio. Trata-se, evidentemente, de uma etapa muito significativa na evolu~lioda aprendizagem da crian~ae que, por esse motivo, pode explicitar altera~oes cognitivas importantes. Quando estudamos os disturbios de comunica~lio,devemos levar em conta as incapacidades e as possibilidades de linguagem da crian~a. Isso porque precisamos conhecer os recursos de que dispoe para, a partir daf, entender 0 processo de reeduca~lio. A pr6pria crian~a indica os mecanismos compensat6rios altemativos que pode utilizar. Ela emprega uma variedade de estrategias motivadas semintica e pragmaticamentepara compensar 0 deficit estrutural. A ideia de R. Jakobson (1977) a respeito do valor distintivo dos fonemas, unidades estritamente funcionais, e 0 conceito de dupla articula~lioda Iinguagem de A. Martinet (1971) slio decisivos para analisar a representa~lio do fonema pelo sinal grafico. De acordo com A. Martinet, h8 urn fato de lfngua quando se passa de uma experiencia homogenea e nlio analisada a sua redu~lioem urn serie de segmentos vocais 301 determinados. Cada urn desses segmentos pode ser utilizado para comunicar outras experi8ncias totalmente diferentes. A vantagem evidente da segunda articula~ao e de ordem econ6mica. Mas, ha algo mais do que a economia: se a forma de cada vocabulo fosse urn grunhido nao analisavel, haveria solidariedade completa entre sentido e forma vocal. 0 sentido exerceria uma influencia direta sobre a forma, e forma e sentido estariam em urn perpetuo estado de instabilidade. Dessa maneira, urn dos tra~os que parece caracterizar mais adequadamente a linguagem humana e a arbitrariedade do signo, elemento central de toda defini~ao da linguagem. A palavra, signo de uma representa~ao, torna-se arbitrariamente a marca de uma ideia. Assim como e legftimo identificar "lingiifstico" e "arbitr8rio", podemos dizer que urn ato de comunica~ao e propriamente lingiifstico se a mensagem a transmitir se articula em uma cadeia de signos, cada urn dos quais realizado por meio de uma sucessao de fonemas. Desse ponto de vista, nao ha ato de comunica~ao verbal propriamente lingtifstico que nao comporte a dupla articula~ao: urn grito, uma ento~ao, uma onomatopeia, urn rufdo imitativo nao e, em sua ess8ncia, uma mensagem. Pode chegar a s8-10, mas nao se diferenciara, entao, semiologicamente do gesto. A unidade da primeira articula~ao e 0 signo lingtifstico e 0 seu carater arbitrlirio separa radicalmente a lfngua de todas as outras institui~oes. R. Jakobson demonstra a impossibilidade de dissociar 0 som do sentido. Segundo ele, a unica unidade lingtifstica sem conteudo conceitual, 0 fonema, desprovido de significa~ao pr6pria, e urn utensflio que serve para distinguir significa~oes, ou seja, urn meio sem significa~ao pr6pria para formar significa~oes. A qualidade essencial do fonema e a sua faculdade para diferenciar palavras: as rela~oes de oposi~ao entre os fonemas permitem diferenciar os sentidos. E exatamente a posi~ao do fonema no sistema lingiifstico (unica e excepcional) que e decisiva para sua analise. 0 fonema e 0 elemento especffico da lfngua e a palavra e uma entidade de duas faces, onde se da a uniao do som e do sentido. A decomposi~ao dos sons nas letras ocorre em urn perfodo posterior de amadurecimento cognitivo da crian~a. As palavras passam a ser decompostas e os sons de que sao formadas passam a ser explicitados. Assim, a habilidade de lidar com a segmenta~ao dos sons constitui pre-requisito para a aquisi~ao da leitura e da escrita. A crian~a precisa apreender os mecanismos subjacentes de fragmenta~ao da fala e segment~ao no nfvel das sfiabas e das letras. Trata-se de urn princfpio blisico da natureza da linguagem humana. G. Mounin (1972:26) chama a aten~ao para essa questao quando afirma que "para chegar a escrita alfabetica, foi preciso ter tornado consciencia, por mais empfrica que fosse, da existencia das unidades mfnimas que as letras materializam, e que hoje se chamam fonemas." Nao basta que as crian~as pronunciem as palavras, elas deverao aprender a analisa-Ias nos sons que as compoem, ou seja, adquirir a capacidade de segmentar palavras. L. Tolchinsky (1996:39) ressalta a importllncia desse fato, reafirmando Ii existencia, nesse procedimento, de "muitos aspectos lingiifsticos que, a menos que sejamos lingUistas, permanecerao sempre implfcitos." Neste trabalho, 0 objetivo mais importante consistiu em observar a evolu~ao do processo de reeduca~ao em uma crian~a que manifestava dificuldades severas de comunica~ao escrita. A inten~ao foi, com base na experiencia do contato direto com a crian~a e da analise de sua produ~ao escrita, avaliar deficits de abstra~ao e represen~ao, acompanhar a evolu~ao de seu comportamento lingiifstico e, final mente, analisar 0 processo de reorganiza~ao da linguagem. 0 estudo foi desenvolvido com uma 302 abordagem fundamental mente qualitativa. Acreditamos que, estudando casos especfficos em profundidade, hli possibilidade de tecer inferencias a respeito de conceitos te6rlcos. J.S.B., 7 anos, aluna da 1° serle do CicIo Basico da E.E.P.G. Jandyra Nery Gatti, Jardim Imperador, Araraquara, foi acompanhada durante 0 penodo de urn ano. Sua produ~ao escrlta foi examinada e analisada com 0 objetivo de se observar os nfveis de aquisi~ao da Hngua escrlta, os diferentes graus de comprometimento e, tinalmente, os mecanismos basicos que caracterizaram a evolu~ao do processo. Para que pudessemos buscar uma explica~ao para seu desempenho e para a evolu~ao da aprendizagem, procuramos detectar unidades pertinentes do comportamento lingiifstico que demonstravam urn valor efetivo para a formula~ao de hip6teses; entim, interpretar os padroes de erros para atingir a signitica~ao do fen6meno lingiifstico. J.S.B. encontrava-se no estagio pre-silabico da aquisi~ao da escrlta. Nessa etapa, nao ha discrlmina~ao das unidades lingufsticas e sobretudo ha uma precana vincula~ao entre a pronuncia das partes de uma palavra ou de uma frase e sua escrlta. Para escrever uma palavra, utilizava, muitas vezes, apenas uma letra aleat6rla, ou entao, uma sequencia de algumas letras sem sentido. Para escrever uma frase, registrava uma letra para cada palavra. Em urn primeiro momento, ela apenas conseguia reconhecer a gratia da vogal "a" e da sfiaba "ca". Ao longo de 11 meses, nao conseguiu atingir etapas mfnimas do infcio do processo de aquisi~ao da escrlta. Fundamentalmente, ocorria uma diticuldade simb6lica de representaltao da ideia, uma inabilidade de identiticar os sinais graticos, de "ler" ou "expressar" as palavras por meio de seu suporte formal, revelando certa falha no que se refere a funltao simb6lica geral dos sinais materlais. Quando constatamos tal situa~ao, procuramos interpretar os dados de maneira global e integrada, ou seja, ter uma visao de conjunto do quadro semiol6gico da crlan~a. Partindo das desorganiza~oes e anomalias verlficadas no uso do c6digo lingOfstico escrlto, em seu relacionamento com 0 examinador e na observa~ao das estrategias lingufsticas utilizadas para compensar as pr6prlas deficiencias, procuramos catalogar e situar os problemas. Na avalia~ao psicol6gica dos nfveis de habilidades de linguagem, realizada pel a Profa. Dra. Ana Maria Pimenta Carvalho, J.S.B. apresentou resultados baixos na grande maiorla dos parilmetros. Na avalia~ao global, foram constatadas outras dificuldades: rebaixamento cognitivo, saude fragil, alto fndice de ausencias, diticuldades de relacionamento com outras crlan~as, certa fobia em rela~ao a escola. Tal quadro pode ser classiticado como DM leve pois, alem do rebaixamento, ha uma diticuldade de adapta~ao social. Com base nessa avalia~ao inicial, estabelecemos determinados procedimentos instrucionais, visando a estimula~ao. Fundamentalmente, procuramos desenvolver: a) a capacidade de abstra~ao e representa~ao, por meio de atividades com rela~oes simb6licas; b) a apreensao da estrutura~ao da escrlta, no nfvel das habilidades de base, por meio da composi~ao e decomposiltao das unidades mfnimas. Nas tarefas de decomposi~ao da palavra, esta e enfocada como unidade formal, em seus elementos distintivos, independentemente do uso para fun~oes comunicativas ou referenciais. Observando os resultados obtidos, constatamos urn desenvolvimento importante, particularmente no que se ref ere a fun~ao significativa dos objetos-letras, como bem enfatiza E. Ferreiro (1989). A evolu~ao foi lenta e s6 a partir de urn certo tempo, a crlan~a conseguiu formar uma serle de letras como objetos substitutos, ou seja, como representantes d~ uma ideia. No infcio, a gratia das palavras nada representava, 303 nada queria "dizer". Muitas vezes, a crian~a colocava uma seqUenciaaleat6ria de letras quando solicitavamos determinada palavra mas, logo em seguida, niio conseguia "ler" 0 que tinha escrito. Percebemos vanas tentativas de produ~iio de tra~ados, com aparencias graticas variadas, revelando as etapas sucessivas do percurso para atingir a representa~iioescrita da linguagem. A interpreta~iioda produ~iioescrita da crian~a deve levar em conta todos esses aspectos, bem como a qualidade do tra~ado e a presen~a ou ausencia de formas convencionais. E importante observar 0 que a crian~a quis representar e como ela chegou a produzir tal representa~iio,ou melhor, como ela criou tal representa~iio. Nesse enfoque, torna-se possfvel analisar a produ~iio escrita da crian~a explicitando as atividades que revelam os nfveis de conceitualiza~iio. No decorrer desse processo, ela come~a a perceber certas diferencia~oes dentro do universo das marcas graficas. E 0 infcio da compreensiio do mecanismo da lfngua escrita, quando M distin~iioentre 0 iconico, grafismos que reproduzem a forma dos objetos, do simb6lico, ideias expressas por formas arbitrlirias, convencionais e articuladas. Nesse momento, ocorre a passagem para 0 mundo simb6lico da linguagem, 0 acesso aos princfpios do sistema alfabetico. A partir daf, a crian~a torna-se competente para entender e utilizar os mecanismos construtivos da lfngua escrita. Trata-se de urn saito qualitativo, a aquisi~iioda escrita produziria uma mudan~a no nfvel de abstra~iio das unidades de segmenta~iio. Na fala, M certa linearidade e globalidade; na escrita, as crian~as devem aprender a articular essa linearidade em uma seqUenciade segmentos de abstra~iio cada vez maior, ate chegar aos elementos mfnimos,requisito fundamental para 0 processo de alfabetiza~iioem uma escrita alfabetica. Se considerarmos a lfngua escrita apenas como uma codifica~iio de unidades sonoras em unidades graticas, torna-se muito diffcil entender e interpretar todas essas dificuldades. A aprendizagem envolveria apenas a transcri~iio de unidades sonoras em unidades graficas. A natureza complexa do signo lingUfsticoe a dupla articula~iio da linguagem possibilitam alguns esclarecimentos a respeito desse processo. As maiores dificuldades das crian~as com deficits cognitivos reside exatamente na diferencia~iioe na articula~iiodas unidades estritamente funcionais. A escrita, de certa forma, explicita concretamente a natureza semi6tica da linguagem humana. E a crian~a precisa compreender esse sistema de representa~iio.L. Tolchinsky (1996:58) ressalta a profunda mudan~a que a escrita introduz na representa~iiodas crian~as, reafirmando "que nossa orienta~iio para a linguagem, nossa percep~iio da linguagem e, sem duvida, nosso conhecimento metalingiifstico siio, em grande medida, produtos da escrita." E, de acordo com E. Ferreiro (1990: 64), "a evolu~iio das conceitualiza~oes da crian~a a respeito do sistema alfabetico da escrita exige ainda pesquisas aprofundadas sobre muitos detalhes." RESUMO: 0 trabalho aborda a constru~iio do sistema da escrita como um processo cognitivo, enjatizando a import{1ncia de no~oes lingiifsticas para que se possa avaliar a aquisi~iio da /{ngua escrita pela crian~a. Ao detectar as opera~oes cognitivolingiifsticas af envolvidas pode-se, muitas vezes, chegar a respostas para problemas reais de alfabetiza~iio. FERREIRO, E. (1989) - Alfabetizafiio em processo. Silo Paulo: Cortez. ___ (1990) - A escrita ... antes das letras. In: Sinclair, H. (org.) - A produfiio das notafoes na crianfa: linguagem, numero, ritmos e melodias. Silo Paulo: Cortez. JAKOBSON, R. (1977) - Seis lifoes sobre 0 som e sentido. Lisboa: Moraes. MARTINET, A. (1971) - A dupla articula~ilo da linguagem. In: LingU(stica sincr~nica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. MOUNIN, G. (1972) - Introdufiio a LingU(stica. Lisboa: Iniciativas Editoriais. TEBEROSKY, A. (1990) - Psicopedagogia da linguagem escrita. Campinas: Trajet6ria Cultural. TOLCHINSKY, L. (1996) - Aprender sons ou escrever palavras? In: & TEBEROSKY, A. - Alem da alfabetizafiio. Silo Pau10:Atica. °