D I R E I T O CONSTITUCIONAL Fernando Rabello 14 A NOVA INTERPRETAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL THE NEW INTERPRETATION OF THE WRIT OF INJUNCTION BY THE BRAZILIAN SUPREME COURT Cristina Giudice Batista Henriques RESUMO ABSTRACT Trata do mandado de injunção, garantia constitucional prevista para impedir que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Enfoca a grande controvérsia existente quanto aos efeitos da decisão desse instrumento e do novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto. The author broaches the writ of injunction, a constitutional guarantee that ensures the practice of constitutional rights and freedom, besides those nationality, sovereignty and citizenship rights, even in the absence of a regulating norm. She focuses on the great controversy regarding the effects of injunction rulings and the new interpretation of this remedy by the Supreme Court. PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS Direito Constitucional; mandado de injunção; Supremo Tribunal Federal; decisão – efeitos; controle jurisdicional – inafastabilidade; poderes - separação. Constitutional Law; writ of injunction; Brazilian Supreme Court; ruling – effects of; non-obviation of (jurisdiction); powers – separation of. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 1 INTRODUÇÃO A fixação da verdadeira função do direito processual em uma ordem jurídica tem-se tornado a grande tarefa de doutrinadores, legisladores e operadores do direito. Nos dias atuais, privilegia-se aquele instrumento que mais garanta efetividade aos direitos. O mandado de injunção surge com a Constituição Federal de 1988, para garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Não obstante, a Suprema Corte do país, à exceção do entendimento de alguns ministros, vinha-lhe dando uma interpretação que esvaziava o seu conteúdo, tratando-o, não como uma garantia constitucionalmente assegurada, mas como simples processo objetivo de declaração. Com isso, mesmo que o jurisdicionado buscasse o Poder Judiciário para solução de seu conflito e fosse atendido em seu pleito, nenhum resultado prático lhe sobreviria. Referida situação era criticada, de maneira rígida, por vários doutrinadores, que reclamavam uma posição menos tímida do Supremo Tribunal Federal em relação à matéria. Em recentes julgados, o Supremo Tribunal Federal reviu o seu posicionamento e passou a conferir ao mandado de injunção a sua verdadeira função, garantindo, com maior efetividade, o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. gal se mostra insuficiente ou incompleta para solucionar, com justiça, determinado caso concreto. Por outro lado, ainda segundo Alexandre de Moraes (2004), outros autores apontam as raízes do mandado de injunção nos instrumentos existentes no velho Direito português, com a única finalidade de advertência do Poder competente omisso. Contudo, como afirma o autor (MORAES, 2004), tais raízes históricas não correspondem ao mandado de injunção criado pelo legislador constituinte de 1988, cabendo, com isso, à doutrina e à jurisprudência pátrias a definição dos contornos e objetivos dessa ação. Em contrapartida, José Afonso da Silva (2005) entende que a fonte mais próxima do mandado de injunção seria o writ of injunction do Direito norteamericano, o qual tem cada vez mais aplicação na proteção dos direitos da pessoa humana. No Brasil, o mandado de injunção foi previsto pela primeira vez pela Constituição Federal de 1988. 2.2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS O mandado de injunção é uma garantia constitucional inédita prevista no art. 5º, inc. LXXI, da Constituição de 1988, tratando-se de verdadeira ação constitucional (PIOVESAN, 2003). áveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição (SILVA, 2005, p. 448). Lembra Alexandre de Moraes (2004) que, na análise do primeiro mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal, esta Corte decidiu de forma unânime pela autoaplicabilidade do referido instituto, independentemente de edição de lei regulamentando-o. Flávia Piovesan (2003) alerta que a concessão do mandado de injunção está condicionada a um liame jurídico de causa e efeito, devendo, para tanto, estar clara essa relação que envolve nexo de causalidade. Segundo ela, para que se compreenda o alcance do novo instituto, importa destacar que a concessão da injunção está condicionada a uma relação de causa e efeito. Vale dizer, a uma causa – a falta de norma regulamentadora – a ordem jurídica atribui uma consequência – a inviabilidade do exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (PIOVESAN, 2003, p. 135). Essa questão já fora decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Injunção n. 81/DF, no qual o Ministro Relator Celso de Mello, enfrentou-a, afirmando que essa situação de lacuna O mandado de injunção é uma garantia constitucional inédita prevista no art. 5º, inc. LXXI, da Constituição de 1988, tratando-se de verdadeira ação constitucional. 2 MANDADO DE INJUNÇÃO 2.1 ORIGENS Conforme ensina Alexandre de Moraes (2004), há uma certa dissonância entre alguns doutrinadores a respeito da origem do mandado de injunção. Segundo ele, alguns autores apontam a sua origem no writ of injunction do Direito norte-americano, que representa um remédio utilizado, frequentemente, com base na chamada jurisdição de equidade, aplicando-o sempre quando a norma le- Diz o referido dispositivo: LXXI conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas invi- técnica constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade do mandado de injunção: MANDADO DE INJUNÇÃO. SITUAÇÃO DE LACUNA TÉCNICA. PRESSUPOSTO ESSENCIAL DE SUA ADMISSIBILIDADE. PRETENDIDA MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDORES PÚBLICOS. ALTERAÇÃO DE LEI JÁ EXISTENTE. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. A estrutura constitucional do man- Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 15 dado de injunção impõe, como um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade, a ausência de norma regulamentadora. Essa situação de lacuna técnica - que se traduz na existência de um nexo causal entre o yacuum juris e a impossibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania - constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela constituição de 1988. O mandado de injunção não constitui, dada a sua precípua função jurídico-processual, sucedâneo de ação judicial que objetive, mediante alteração de lei já existente, a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos. Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor. 2.3 COMPETÊNCIA 16 A competência para o julgamento do mandado de injunção se estabelece de acordo com a autoridade responsável pela elaboração da norma regulamentadora, ou seja, a competência será definida conforme a autoridade responsável pela edição da norma faltosa. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece algumas regras de competência para julgamento e processamento do mandado de injunção. Em seu art. 102, inc. I, q, afirma competir ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo, originariamente, processar e julgar o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal. Estabelece, ainda, que caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso ordinário, o mandado de injunção decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão (art. 102, II, a). A competência para o julgamento do mandado de injunção se estabelece de acordo com a autoridade responsável pela elaboração da norma regulamentadora [...] Por sua vez, estabelece no art. 105, inc. I, h, a competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal. Ponderando sobre o tema, o Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Antônio de Pádua Ribeiro, atenta que a Constituição Federal não estabeleceu a competência para o julgamento do mandado de injunção aos Tribunais Regionais Federais, à Justiça Federal de primeiro grau, à Justiça do Trabalho e à Justiça Militar. (RIBEIRO, 1990). Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 Segundo o referido autor, em relação à Justiça Federal e à Justiça Militar, como a legislação ordinária não pode estabelecer casos de competência além dos exaustivamente expostos na Constituição Federal, a princípio, elas não teriam competência para julgar o mandado de injunção. (RIBEIRO, 1990). Hely Lopes Meirelles (2005, p. 269 e 270), contrariamente, entende que os demais tribunais e os juízos federais e estaduais teriam competência de acordo com o que a lei vier a dispor. Portanto, os juízos competentes para julgar mandado de injunção são o STF e o STJ, remanescendo competência para os demais tribunais e juízos federais ou estaduais, na forma que a lei pertinente vier a dispor. O Supremo Tribunal Federal defende a competência da Justiça Federal para o julgamento do mandado de injunção, entendendo que, quando a omissão normativa for imputada à autarquia federal, a competência originária será do juiz federal. (BRASIL, QO MI n. 571-SP, 1998). O Ministro Relator, Sepúlveda Pertence, justificando seu voto no julgamento do Mandado de Injunção n. 571/SP, salienta que, não obstante a Constituição Federal afirme ser da competência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o mandado de injunção, quando a elaboração de norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direita e indireta, a al. h, do inc. I, do seu art. 105 subtrai dessa área de competência não apenas os casos de competência do Supremo Tribunal Federal, dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho, mas também da Justiça Federal. (Idem). Dessa forma, se a Justiça Federal detém a competência geral para as causas em que sejam partes a União, as entidades autárquicas federais e as empresas públicas federais, ao Superior Tribunal de Justiça restaria, apenas, hipóteses excepcionais como, por exemplo, omissão verificada por parte de um Ministro de Estado. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça também entende que a Justiça Federal possui competência para o julgamento do mandado de injunção. MANDADO DE INJUNÇÃO. COMPETÊNCIA. PRECEDENTES DA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Tratando-se de mandado de injunção diante de omissão apontada em relação à norma emanada do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, órgão autônomo vinculado ao Ministério das Cidades e presidido pelo titular do Departamento Nacional de Trânsito, a competência para processar e julgar o mandado de injunção é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal. 2. Mandado de injunção não conhecido. (BRASIL, MI n. 193-DF, 2006). Já em relação à Justiça do Trabalho, Antônio de Pádua Ribeiro afirma que, como a Constituição Federal, no art. 113, delegou à lei ordinária a tarefa de dispor sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho, poderia a lei estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do mandado de injunção. (RIBEIRO, 1990). No que se refere à Justiça Eleitoral, a Constituição Federal estabeleceu que caberá recurso das decisões dos tribunais regionais eleitorais quando denegarem o mandado de injunção (art. 121, § 4º, inc. V). Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 682) afirma que nada impede que lei federal disponha sobre competência remanescente para outros casos de mandado de injunção, respeitados aqueles previstos na Constituição. Os Estados-Membros podem legislar a respeito da competência dos tribunais de justiça e dos juízes de primeira instância, de modo que lei pode dar a eles competência para julgar o mandado de injunção. É o que acontece no Estado de Minas Gerais, cuja Constituição, em seu art. 106, inc. I, f, dispõe ser da competência do Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, de entidade, ou de autoridade estadual da administração direta e indireta. A Constituição do Estado de Minas Gerais estabelece, também, no parágrafo único do art. 113, que será da competência do juiz de direito julgar o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Prefeito, da Câmara Municipal ou de sua Mesa Diretora, ou de autarquia ou fundação pública municipais. 2.4 LEGITIMIDADE ATIVA O mandado de injunção, segundo Alexandre de Moraes (2004, p. 182), poderá ser ajuizado por qualquer pessoa cujo exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional esteja sendo inviabilizado em virtude de falta de norma reguladora da Constituição Federal. Legitimado ativo para o mandado de injunção, para Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 677), é a pessoa, física ou jurídica, que está impossibilitada de exercer um direito constitucional, por falta de norma regulamentadora. O Supremo Tribunal Federal, a exemplo do mandado de segurança coletivo, admite a utilização do mandado de injunção coletivo, tendo como legitimados as mesmas entidades legitimadas para o exercício daquela ação. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina. (BRASIL, MI n. 20-DF, 1994). Dessa forma, o requisito para a impetração do mandado de injunção coletivo será a falta de norma regulamentadora que torne inviáveis os direitos, liberdades ou prerrogativas dos seus membros e associados indistintamente. acordo com as peculiaridades do caso concreto, não se devendo negar aos municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de ações constitucionais cabíveis para a sua proteção. O Ministro Gilmar Mendes lembrou, ainda, que é amplamente adotado o entendimento segundo o qual as pessoas jurídicas de direito público podem ser Os Estados-Membros podem legislar a respeito da competência dos tribunais de justiça e dos juízes de primeira instância, de modo que lei pode dar a eles competência para julgar o mandado de injunção. No mesmo sentido, José Afonso da Silva (2005, p. 461 e 462) afirma que o mandado de injunção também pode ser um remédio coletivo, já que pode ser impetrado por sindicato (art. 8º, III) no interesse de Direito Constitucional de categorias de trabalhadores quando a falta de norma regulamentadora desses direitos inviabilize o seu exercício. Sobre esse posicionamento, Flávia Piovesan (2003) alerta que a possibilidade de cabimento do mandado de injunção coletivo não se estende à proteção de direitos difusos, sob pena de se transformar em instrumento de tutela de direito objetivo, possibilitando a eliminação de lacunas do sistema jurídico. Pedro Lenza afirma que o Supremo Tribunal Federal já proferiu decisão no sentido de negar legitimidade ativa do mandado de injunção à pessoa jurídica de direito público. Não obstante a existência de decisão do Supremo Tribunal Federal rechaçando essa hipótese, parece ter sido superado tal entendimento com o julgamento do Mandado de Injunção n. 725. No caso, o Ministro Relator do Mandado de Injunção n. 725-RO, Gilmar Mendes, em contraposição ao parecer da Procuradoria-Geral da República, que afirmava existir precedente da Corte declarando que a pessoa jurídica de direito público não possuía legitimidade ativa para a impetração de mandado de injunção, ponderou que não se deve fazer desse entendimento exposto nesse precedente, uma regra geral. (BRASIL, MI n. 725-RO, 2007). Segundo ele, a decisão citada deve ser devidamente contextualizada de titulares de direitos fundamentais. 2.5 LEGITIMIDADE PASSIVA Legitimado passivo, para Kildare Gonçalves de Carvalho (2007, p. 677), é a pessoa estatal a quem pode ser imputado o dever jurídico de editar o provimento normativo (lei, regulamento, ato administrativo normativo, dentre outros). José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 869) afirma que legitimado passivo é o órgão ao qual cumpre o dever de instituir a norma regulamentadora que viabilize o exercício do direito por seu titular. Referido autor ressalta que a regulamentação a que se refere a Constituição seria a regulamentação primária, ou seja, aquela que, sendo efetivada, poderia permitir o exercício do direito. Dessa forma, os órgãos responsáveis por regulamentações secundárias não teriam legitimidade passiva ad causam para a ação. Os particulares, como enfatiza Alexandre de Moraes (2004), não se revestem de legitimidade passiva ad causam para o mandado de injunção, pois não lhes compete o dever de emanar as normas reputadas essenciais ao exercício de direitos, sendo somente ao Poder Público imputável o encargo constitucional da emanação de provimento normativo para dar aplicabilidade à norma constitucional. Além disso, o Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, já afirmou ser incabível o litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entes estatais. (BRASIL, Ag Rg no MI 335, 1991). Não obstante, Flávia Piovesan (2003, p. 145), sustentada na tese de Carlos Mário Velloso, entende que a legitimidade passiva para o mandado de injunção re- Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 17 cairia sobre a parte privada ou pública que viria a suportar o ônus de eventual concessão da injunção. Cabe ressaltar, ainda, que terá a legitimidade passiva o órgão que tem a incumbência de deflagrar o processo de formação do ato regulamentador (CARVALHO FILHO, 2004). Dessa maneira, se a Constituição Federal estabelece que a iniciativa para determinada lei é do Presidente da República, como ocorre nos casos do art. 61, §1º, da Constituição Federal, somente ele será legitimado passivo para o mandado de injunção e não o Congresso Nacional. 2.6 OBJETO DO MANDADO DE INJUNÇÃO 2.6.1 AS NORMAS REGULAMENTADORAS 18 O mandado de injunção é, como visto, uma garantia constitucional que objetiva tutelar os direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício. Logo, a princípio, para definir o objeto dessa garantia, é essencial delimitar o entendimento do que seria norma regulamentadora. Flávia Piovesan (2003) afirma que a definição de norma regulamentadora deve ser colhida a partir de uma análise sistemática da Constituição Federal, levando-se em consideração o principio interpretativo que determina ser conferida a mais ampla eficácia às garantias constitucionais. Dessa maneira, a Constituição Federal, ao tratar da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que também objetiva suprir inércias, afirma que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (art. 103, § 2º, da CF). O mandado de injunção é [...] garantia constitucional que objetiva tutelar os direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício. Acolhendo-se esse raciocínio, norma regulamentadora significa toda e qualquer medida para tornar efetiva norma constitucional, o que inclui leis complementares, ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias, dentre outros atos (PIOVESAN, 2003, p. 135). Nesse sentido, inclui-se nesse conceito não apenas a edição de atos legislativos normativos, mas também a produção de ato administrativo e ato material. Compartilhando de tal entendimento, José Afonso da Silva (2005, p. 450) define norma regulamentadora como toda medida para tornar efetiva norma constitucional. Nesses casos, a aplicabilidade da norma fica dependente da elaboração de lei ou de outra providência regulamentadora, a qual, não existindo, inviabiliza o exercício do direito. Sendo assim, o real objeto do mandado de injunção deve ser delimitado a partir do entendimento de qual seria a norma carente de regulamentação. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 2.6.2 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 180), devemos distinguir eficácia de aplicabilidade das normas. A Constituição é expressa sobre o assunto quando estatui que as normas definidoras de direitos e garantias constitucionais têm aplicação imediata. Contudo, a própria Constituição estabelece algumas normas definidoras de direitos e garantias constitucionais dependentes de legislação ulterior para viabilizar o seu exercício. José Afonso da Silva, como lembra Pedro Lenza (2008), foi grande responsável pelo estudo da eficácia das normas constitucionais, tratando do tema de maneira sistemática na primeira edição, em 1967, de aplicabilidade das normas constitucionais. Seu estudo já foi adotado por diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal como critério classificatório das normas constitucionais. As normas constitucionais, para José Afonso da Silva, podem ser de eficácia plena, contida ou limitada. São de eficácia plena aquelas normas que, no momento de sua entrada em vigor, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitucional. São normas que se aproximam do que a doutrina clássica norte-americana chamou de “autoaplicáveis” (self-executing, self-enforcing ou self-acting). Normas constitucionais de eficácia contida, embora tenham condições de produzir todos os seus efeitos quando da promulgação da nova Constituição, poderão ter sua abrangência reduzida por norma infraconstitucional (LENZA, 2008). Pedro Lenza (2008) afirma que a restrição de tais normas poderá se realizar não só por leis infraconstitucionais, como também por outras normas constitucionais, como é o exemplo da decretação do estado de defesa ou de sítio, a qual pode limitar diversos direitos. Além disso, as normas de eficácia contida também podem sofrer redução por meio da limitação de conceitos vagos exercida pela administração pública, como, por exemplo, quando a norma se refere a “motivos de ordem pública”, “bons costumes” e “paz social”. Vale lembrar que, enquanto não materializado o fator de restrição, a norma tem eficácia plena. Normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional, sendo de aplicabilidade mediata, reduzida ou diferida (LENZA, 2008). Pedro Lenza (2008) observa que, diferentemente da doutrina norte-americana, José Afonso da Silva, no mesmo sentido de Vézio Crisafulli, dá às normas constitucionais de eficácia limitada um mínimo efeito, qual seja, o de vinculação do legislador infraconstitucional aos seus vetores. As normas de eficácia limitada são divididas em dois grupos: normas de princípio institutivo (ou organizativo) e normas de princípio programático. As primeiras contêm esquemas gerais (iniciais) de estruturação de instituições, órgãos ou entidades. Já as segundas veiculam programas a serem implementados pelo Estado, visando à realização de fins sociais (LENZA, 2008, p. 108). Importante lembrar que outros autores também apresentam diferentes classificações para referidas normas constitucionais. Maria Helena Diniz apresenta classificação das normas constitucionais em normas supereficazes, que não podem ser emendadas; normas com eficácia plena; normas com eficácia relativa restringível e normas com eficácia dependente de complementação legislativa (LENZA, 2008). Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto classificam as normas constitucionais em normas de aplicação (irregulamentáveis e regulamentáveis) e normas de integração. As primeiras já estão aptas a produzir todos os seus efeitos, dispensando regulamentação ou permitindo-a, mas, nessa hipótese, sem qualquer restrição do conteúdo constitucional. As segundas, por sua vez, são integradas pela legislação infraconstitucional, sendo ora completáveis, ora reduzíveis (Idem). 2.6.3 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA COMO OBJETO DO texto. A terceira corrente, a que se adota, entende que os direitos, liberdades e prerrogativas tuteláveis pela injunção não são apenas os constantes no Titulo II da Carta Maior, que se refere aos direitos e garantias fundamentais, mas quaisquer direitos, liberdades e prerrogativas, previstos em qualquer dispositivo da Constituição, tendo em vista que inexiste qualquer restrição no art. 5º, LXXI, do texto. Entende-se que o mandado de injunção protege direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas, estas sim, inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. equiparável à ausência de norma, pela ineficácia da regra de direito contrária à Constituição. Pelos mesmos motivos, Kildare Gonçalves Carvalho (2004) apresenta posicionamento de Willis Santiago Guerra Filho, que afirma caber o mandado de injunção não só quando houvesse falta de norma para regular o caso concreto, mas também quando se verificasse omissão parcial. Não obstante, esse posicionamento encontra a oposição de alguns autores, que entendem ser incabível o mandado de injunção quando houver regu- O mandado de injunção, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é uma norma autoaplicável; contudo, não possui regramento procedimental próprio. MANDADO DE INJUNÇÃO Diante das considerações expostas no item anterior, pode-se afirmar que apenas será objeto do mandado de injunção as normas de eficácia limitada prescritivas de direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Sem a regulamentação, tais normas não possuem aplicação, não podendo produzir os seus efeitos (LENZA, 2008). Destarte, como afirma Pedro Lenza (2008, p. 651), o mandado de injunção surge para curar uma doença denominada síndrome da inefetividade das normas constitucionais. Segundo Alexandre de Moraes (2004), somente as normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo e as normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, por dependerem de ação normativa ulterior para garantir a sua aplicabilidade, poderiam ser objeto do mandado de injunção. Flávia Piovesan (2003, p. 139 e 140) aponta três correntes doutrinárias a respeito do objeto do mandado de injunção: A corrente mais restritiva sustenta que a parte final do art. 5º, LXXI, ao se referir a prerrogativas “inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”, restringe o alcance da expressão “direitos e liberdades constitucionais” a estes bens jurídicos. Uma segunda corrente restringe a expressão “direitos e liberdades constitucionais” aos direitos e garantias fundamentais do Titulo II do Hely Lopes Meirelles (2005) afirma que o mandado de injunção somente será cabível em relação às omissões que afetem o exercício dos direitos constitucionais fundamentais. Ele elenca diversas hipóteses as quais não podem ser objeto do mandado de injunção. Segundo o referido autor, não será cabível a ação para obter regulamentação dos efeitos de medida provisória; para a discussão da inconstitucionalidade, ilegalidade ou descumprimento de norma em vigor; para se buscar o cumprimento de norma regulamentadora já existente que estaria sendo desobedecida e, por fim, não caberia o mandado de injunção para regular norma quando a própria Constituição já regulou a matéria provisoriamente. A respeito da possibilidade de ser objeto de mandado de injunção a omissão legislativa parcial, Flávia Piovesan (2003, p. 137) afirma que será possível o seu cabimento quando a norma ofende o princípio da isonomia, o que ocorreria ante a exclusão legal de benefício. Segundo ela, nesse caso, a omissão legislativa parcial seria equiparável à falta de norma regulamentadora, o que ensejaria o cabimento do mandado de injunção para estender a disciplina legal aos grupos impetrantes excluídos. A autora (PIOVESAN, 2003) alerta que, nesse mesmo sentido, pode-se falar em cabimento do mandado de injunção na hipótese em que a norma regulamentadora é inconstitucional, por ser lamentação injusta ou inconstitucional (PIOVESAN, 2003). Vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal já afirmou que, se há lei preexistente à ordem jurídica, não há de se falar em omissão, tendo em vista que a questão de a lei existente satisfazer ou não os ditames constitucionais não se identifica com a falta de norma regulamentadora, mas com o controle de constitucionalidade tradicional. 2.7 DECISÃO Em relação à natureza jurídica da decisão do mandado de injunção e aos seus efeitos, grande controvérsia surge na doutrina. Isso acontece porque, como afirma Flávia Piovesan (2003), o sucesso do mandado de injunção requer uma leitura renovada do princípio da separação dos poderes e, sob a ótica tradicional, este princípio constitucional tem sido um dos maiores obstáculos à sua efetivação. No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Néri da Silveira resumiu com clareza as posições lá existentes, como lembra Alexandre de Moraes (2004). Dessa forma, a esse respeito haveria duas grandes posições: a concretista e não concretista. A primeira se dividiria em geral e individual, esta última em direta e intermediária. Pela posição concretista, segundo Alexandre de Moraes (2004), o Poder Judiciário, por intermédio de uma decisão constitutiva, presentes os requisitos exigidos pelo mandado de injunção, declara a Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 19 existência da omissão administrativa ou legislativa e implementa o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente. Como já mencionado, esta posição divide-se em duas espécies: concretista geral e concretista individual. Aqueles que defendem a posição concretista geral sustentam que, com uma normatividade geral, o Poder Judiciário implementa o exercício da norma constitucional até que a omissão seja suprida, tendo sua decisão efeitos erga omnes. Como lembra Alexandre de Moraes (2004), essa posição sempre foi pouco aceita na doutrina, uma vez que, ao proclamar a decisão com esse efeito, o órgão julgador estaria ocupando a posição de legislador. Flávia Piovesan (2003), em grande crítica feita a essa corrente, defende que não seria razoável que o Poder Judiciário elaborasse norma geral e abstrata, quando da apreciação de um caso concreto. Segundo ela, não condiria com a finalidade de um instrumento de tutela de direito subjetivo o intuito de sanear vícios da ordem jurídica (direito objetivo). [...] será inconstitucional qualquer norma jurídica que obste a possibilidade de uma busca pela prestação da tutela jurisdicional àquele que se sentir lesado em seus direitos. 20 Pela concretista individual, a decisão do Poder Judiciário só produzirá efeitos para o autor do mandado de injunção, que poderá exercitar plenamente o direito, liberdade ou prerrogativa prevista na norma constitucional (MORAES, 2004, p. 187). Essa última posição é dividida em outras duas: concretista individual direta, pela qual o Poder Judiciário, imediatamente ao julgar procedente o mandado de injunção, implementa a eficácia da norma constitucional ao autor, e a concretista individual intermediária, pela qual o Poder Judiciário, após julgar procedente o mandado de injunção, fixa ao Congresso Nacional o prazo de 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora, devendo, se a inércia permanecer, fixar as condições necessárias ao exercício do direito por parte do autor (MORAES, 2004). Paulo Bonavides (2003, p. 551), filiando-se à posição concretista individual, afirma: Havendo, por conseguinte, um direito subjetivo constitucional, cujo exercício se ache tolhido pela privação de norma regulamentadora, o titular desse direito postulará, perante o Judiciário, por via do mandado de injunção, a edição de norma aplicável à espécie concreta. Nesse caso a edição de norma saneadora da omissão é provisoriamente do Judiciário e não do Legislador, concretizando-se graças àquela garantia, a satisfação do direito subjetivo constitucional cujo exercício ficara paralisado, à míngua da regra regulamentadora por parte do órgão competente para elaborá-la. Alexandre de Moraes (2004, p. 188), a respeito do tema, entende que inexiste incompatibilidade entre a adoção da posição concretista individual e a teoria da separação dos poderes consagrada expressamente pelo art. 2º da Constituição Federal. Referido autor adota, expressamente, essa posição. Flávia Piovesan (2003, p. 171) sustenta que o princípio da separação dos poderes deve ser compreendido à luz da sistemática de “freios e contrapesos”. Dessa maneira, a omissão do Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 órgão legislativo é contida e controlada pelo Poder Judiciário. Segundo ela, essa perspectiva permite visualizar no mandado de injunção um instrumento que traduz possibilidades reais de eficácia da Constituição, a depender, especialmente, do grau de responsabilização do Poder Judiciário, na tarefa de conferir concretização ao princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, controlando a discricionariedade dos Poderes Públicos. Por fim, pela posição não concretista, entende-se que se deve atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público, decretando a decisão apenas a mora do poder omisso (LENZA, 2008). Essa última posição foi dominante no Supremo Tribunal Federal por muito tempo, como se pode observar pelo acórdão proferido no Mandado de Injunção n. 107/DF. No referido acórdão, não obstante a posição da maioria, o Ministro Carlos Velloso apresentou voto divergente, sustentando que, no caso do entendimento prevalecente, o mandado de injunção teria os mesmos efeitos que tem a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão. (BRASIL, MI 107-DF, 1990). Além disso, o ministro afirma que esse entendimento da Corte esvazia a garantia constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Como lembra Pedro Lenza (2008), o Supremo Tribunal Federal adotou, em alguns casos, a posição concretista individual intermediária, como é o caso do Mandado de Injunção n. 232-I-RJ. Contudo, Alexandre de Moraes (2004) salienta que, no julgado em questão, o Supremo Tribunal Federal baseou-se no fato de o Poder Legislativo ter descumprido um prazo constitucionalmente estabelecido para a edição de norma nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, fato que tornaria inconstitucional a mora do parlamento. Ademais, o Supremo Tribunal Federal também adotou a posição concretista, para proteger direito assegurado no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, desrespeitado pela inércia estatal. Nesse caso, declarou-se a mora do Congresso Nacional e, além disso, estabeleceu-lhe prazo de seis meses para legislar, sob pena do exercício do direito independentemente de regulamentação. (BRASIL, MI n. 232-RJ, 1991). 2.8 PROCEDIMENTO O mandado de injunção, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é uma norma autoaplicável; contudo, não possui regramento procedimental próprio. A Lei n. 8.038, de 1990, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, determinou, no parágrafo único do seu art. 24, que, no mandado de injunção, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica. 3 O MANDADO DE INJUNÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O Supremo Tribunal Federal apresentou, ao longo dos anos, uma evolução em seu posicionamento em relação aos efeitos da decisão proferida no mandado de injunção. Em um primeiro momento, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considerou que o mandado de injunção seria uma declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo inadimplente para que promova a integração normativa do dispositivo constitucional nela objetivado. (BRASIL, MI 107-DF, 1990). Essa posição foi muito criticada pela doutrina, uma vez que se equiparava a injunção à ação direita de inconstitucionalidade por omissão1 e, além disso, esvaziava a garantia constitucionalmente nela prevista. Como afirma Hely Lopes Meirelles (2005, p. 274), esse posicionamento firmou-se com pequena maioria, havendo vários acórdãos dando pela procedência do mandado de injunção exclusivamente para que o Poder Legislativo omisso fosse cientificado do julgado. Em seguida, houve uma pequena evolução no Supremo Tribunal Federal, com o julgamento do Mandado de Injunção n. 232-RJ, quando aquela Corte, além de reconhecer a existência da omissão, fixou prazo a fim de que se ultimasse o processo legislativo faltante, sob pena de, vencido este, passar a requerente a gozar do direito requerido. (BRASIL, MI 232-RJ, 1991). Em outro mandado de injunção o Supremo Tribunal Federal, além de declarar a omissão legislativa em relação à promulgação da lei determinada pelo § 3º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceu um prazo para que essa legislação fosse aprovada e uma sanção, embora não quantificada, ao decidir que, caso não fosse ultimado o processo legislativo, ficava assegurada ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida. Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - “Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” - vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. (BRASIL, MI283-DF, 1991). Lembra Hely Lopes Meirelles (2005) que idêntica posição foi tomada nos Mandados de Injunção ns. 384, 543 e 562, sendo que nestes o Supremo Tribunal Federal fixou, inclusive, as bases da indenização a ser paga aos impetrantes. Não obstante, em seguida, o Supremo Tribunal Federal, tratando do revogado § 3º do art. 192 da Constituição Federal, deixou de assinalar prazo para o Congresso Nacional, sustentando que essa providência excepcional só se justificaria se o próprio Poder Público, além de seu dever de editar a norma faltante, fosse também sujeito passivo da relação de direito material emergente do preceito constitucional em questão. (BRASIL, MI 472-DF, 1995). Recentemente, em 30 de agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal, julgando o Mandado de Injunção n. 721/ DF, afirmou que esta ação é mandamental e não simplesmente declaratória, decidindo que, como inexiste a disciplina específica de aposentadoria especial do servidor público, imporia a adoção, via provimento judicial, daquela própria dos trabalhadores em geral (art. 57, §1º, da Lei n. 8.213 de 1991): MANDADO DE INJUNÇÃO. NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência de lei complementar. Art. 40, § 4º, da Constituição Federal. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – art. 57, § 1º, da Lei n. 8.213/91. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 21 Depois disso, em 25 de outubro de 2007, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), buscando assegurar o direito de greve para seus filiados, reclamando da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o art. 37, inc. VII, da Constituição Federal. (BRASIL, NOTÍCIAS..., 2007). Na decisão, aquela Corte decidiu que, temporariamente, enquanto não houvesse lei regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos, fosse aplicada a eles a mesma disciplina relativa aos trabalhadores em geral, ou seja, a Lei n. 7.783, de 1989. Pode-se ver que, a partir da colação dos julgados, recentemente, o Supremo Tribunal Federal apresentou uma significativa evolução no entendimento da matéria, o que demonstra uma real preocupação com a efetivação dos direitos e garantias constitucionalmente previstos. 3.1 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL 22 A inafastabilidade do controle jurisdicional está prevista no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que assim afirma: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Referido dispositivo trata do princípio constitucional, segundo o qual fica assegurado o acesso aos órgãos judiciais a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos, não sendo lícito à lei vedar esse direito. Segundo diz Carvalho (2007, p. 654), é a inafastabilidade do acesso ao judiciário, traduzida no monopólio da jurisdição, ou seja, havendo ameaça ou lesão de direito, não pode a lei impedir o acesso ao Poder Judiciário. Se a Constituição garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve corresponder um dever jurídico. Seria o dever de o Estado tutelar as posições jurídicas que estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas. Nesse contexto, pode-se afirmar que, a princípio, o destinatário dessa norma é o legislador, que fica proibido de elaborar normas jurídicas que impeçam ou restrinjam de maneira desproporcional o acesso aos órgãos jurisdicionais. Dessa maneira, será inconstitucional qualquer norma jurídica que obste a possibilidade de uma busca pela prestação da tutela jurisdicional àquele que se sentir lesado em seus direitos. Além disso, por trás das poucas letras constitucionais revelase mais um verdadeiro significado para o postulado. Como destinatário do referido princípio deve ser considerado também o aplicador da norma. Sendo assim, o direito delineado no inciso XXXV do artigo Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 5º da nossa Carta Magna expressa que, além da garantia do conhecimento da lesão ou da ameaça de lesão pelo Poder Judiciário, assegura que a tutela jurisdicional seja adequada, verdadeiramente capaz de assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado. [...] Assim é que, além de se ter no legislador um destinatário da norma contida no artigo 5º, XXXV, da CR, também o juiz deve ser entendido como destinatário daquele princípio (CÂMARA, 2004, p. 48 e 49). Se a Constituição garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve corresponder um dever jurídico. Seria o dever de o Estado tutelar as posições jurídicas que estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas. A tutela a ser prestada pelo Estado, porém, não pode ser meramente formal, devendo, verdadeiramente, assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado para o qual se pretende a proteção. Em outras palavras, ao direito de ir a juízo pedir proteção corresponde o dever de o Estado prestar uma tutela jurisdicional adequada. Como afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2008, p. 34), o direito de acesso à Justiça, portanto, garante a tutela jurisdicional capaz de fazer valer de modo integral o direito material. A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos jurisdicionais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e, sim, viabilizar o acesso à ordem jurídica justa (WATANABE APUD LENZA, 2008, p. 614). Dessa maneira, o estudo quanto aos efeitos da decisão do mandado de injunção deve partir do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que garante, além do acesso à justiça, a efetiva tutela do direito material posto à apreciação. 3.2 EVOLUÇÃO INTERPRETATIVA QUANTO AO MANDADO DE INJUNÇÃO O julgamento do Mandado de Injunção n. 721/DF, em 30 de agosto de 2007, representou uma significativa mudança de entendimentos a respeito da eficácia das decisões em relação a esta ação. Em seguida, em 25 de outubro de 2007, da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, decidindo pela aplicação da norma regulamentadora do direito de greve dos trabalhadores em geral, Lei n. 7.783, de 1989, aos servidores públicos. O entendimento jurisprudencial que orientava ser a decisão do mandado de injunção uma decisão declaratória de omissão do Poder Público já encontrava, nos votos de alguns ministros, a sua controvérsia. A exemplo do que ocorreu no julgamento do Mandado de Injunção n. 107/DF, no qual o Ministro Carlos Velloso apresentou voto divergente, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal Federal já acenava, embora minoritariamente, por uma maior efetividade daquela ação. Além disso, também se encontram, em outras decisões mais antigas do Supremo Tribunal Federal, votos que refutam a posição limitativa e tímida adotada por esta Corte. Foi o que ocorreu no julgamento do Mandado de Injunção n. 20/DF, no qual o Ministro Nery da Silveira reclamou por uma decisão mais representativa. Nele, o ministro afirmou que, à semelhança do mandado de segurança, o mandado de injunção há de ter eficácia. De- cisão em sentido contrário seria admitir que a Corte decida sem que sua decisão tenha eficácia. No Mandado de Injunção n. 721/DF, o Supremo Tribunal Federal, adotando a posição concretista individual direta, determinou que se aplicasse a Lei n. 8.213, de 1991, à servidora pública, viabilizando o direito inscrito no § 4º do art. 40 da Constituição Federal. No caso, a inexistência de lei complementar vinha obstando o direito de aposentadoria por mais de quinze anos. O Ministro Marco Aurélio, relator do processo, iniciou seu voto lembrando que a existência de disposições constitucionais dependentes de regulamentação levou o constituinte originário de 1988 a prever, dentre os direitos e garantias individuais, o mandado de injunção, fazendo-o mediante preceito a sinalizar a eficácia da impetração, tendo em conta o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Segundo Celso de Mello, em seu voto proferido no Mandado de Injunção 542/SP, a omissão do Estado, que deixa de cumprir a imposição constitucional, qualifica-se como comportamento revestido de maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição [...] e impede [...] a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. A natureza jurídica do mandado de injunção leva o seu pronunciamento a ganhar contornos mandamentais, a ganhar eficácia maior, a ponto de viabilizar, consideradas as balizas subjetivas da impetração, o exercício dos direitos tutelados. O mandado de injunção seria, então, um instrumento capaz de revelar a lei fundamental como de concretude maior, abandonada visão simplesmente lírica. Com a inserção do mandado de injunção no cenário jurídico-constitucional, buscou-se tornar concreta a Lei Maior. Dessa forma, ao agir, o Poder Judiciário não lança preceito abstrato na ordem jurídica, mas apenas viabiliza, no caso concreto, o exercício do direito, da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Nesse caso, o pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, qual seja, o suprimento da lacuna regulamentadora pelo Poder Legislativo. O Ministro Eros Grau, nos mesmos autos, em voto de vista, sustenta que, havendo, sem qualquer dúvida, a mora legislativa na regulamentação do preceito, a questão que deve ser analisada é quanto à eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal: Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se é admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do Ministro Néri da Silveira, “a Suprema Corte do País decide sem que seu julgado tenha eficácia”. Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeitos, no sentido de suprir aquela omissão. ES e 708/DF, prevaleceu o voto do Ministro Gilmar Mendes. Nele, o ministro teceu considerações a respeito da questão da conformação constitucional do mandado de injunção no Direito brasileiro e da evolução que o Supremo lhe tem conferido. Ressaltou que a Corte, afastando a orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração de existência da mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulamentação provisória pelo próprio Judiciário. Registrou, ademais, o quadro de omissão que se desenhou, não obstante as sucessivas decisões proferidas nos mandados de injunção. No Mandado de Injunção n. 712/PA, prevaleceu o voto do Ministro Eros Grau, que conhecia do Mandado de Injunção [...] o estudo quanto aos efeitos da decisão do mandado de injunção deve partir do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que garante, além do acesso à justiça, a efetiva tutela do direito material posto à apreciação. 23 José Ignácio Botelho de Mesquita, citado pelo Ministro Eros Grau no julgamento do Mandado de Injunção n. 721/ DF, sustenta que, não havendo norma legal ou sendo omissa a norma existente, cumprirá ao juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Dessa forma, não será a falta de norma regulamentadora que pode tornar inviável o exercício de algum direito, mas, sim, a existência de alguma regra ou princípio que proíba ao juiz recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito para suprir a falta de norma regulamentadora. Sendo assim, o mandado de injunção destina-se, apenas, à remoção de obstáculo criado pela omissão do poder competente, mediante a formação supletiva da norma faltante. No caso, a atuação supletiva do Poder Judiciário, em atenção ao princípio da independência e da harmonia entre os Poderes, não importa permissão para imiscuir-se indiscriminadamente no que é da competência dos demais Poderes. Trata-se, apenas, de dar remédio para a omissão do poder competente. Nos Mandados de Injunção ns. 670/ para remover o obstáculo criado pela omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no art. 37, inc. VII, da Constituição Federal. Essa remoção houve de ser feita a partir da conjugação do exercício do direito de greve pelo servidor público e das condições necessárias à coesão e à interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. No seu voto, o Ministro Eros Grau afirma que o Poder Judiciário, no mandado de injunção, está vinculado pelo dever-poder de formular supletivamente a norma regulamentadora faltante. Nesse caso, o Judiciário produziria norma, que se incorporaria ao ordenamento jurídico, ocasionando algo semelhante ao que há de se passar com a súmula vinculante. Esta, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado e aplicado. 3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal demonstra uma radical mudança no trato do assunto referente ao mandado de injunção. Agora, como afirma o Ministro Marco Aurélio, cabe ao Supremo, porque autorizado pela Carta Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 24 da República, a estabelecer, para o caso concreto e de forma temporária, as balizas do exercício do direito constitucionalmente assegurado. Segundo o ministro, é tempo de refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e a harmonia entre os poderes. Na verdade, existe uma frustração gerada pela postura inicial daquela Corte, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo. A busca pelo Judiciário vale-se da crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, obstada pela inércia do legislador. Entender o mandado de injunção como ação declaratória resultaria em algo que não interessa ao cidadão. Como afirma o Ministro Celso de Mello, no seu voto proferido nos autos do Mandado de Injunção n. 708/DF, o mandado de injunção deve traduzir significativa reação jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da Carta política que, nesse writ processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão – e prolongada inércia – do Poder Público. O entendimento restritivo adotado pelo Supremo Tribunal Federal por muitos anos não poderia mais prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função política-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção. Este deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional. Com isso, impede-se que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum. (MI 712-PA, VOTO DO MINISTRO CELSO DE MELLO). Conforme assinalado pelo Ministro Celso de Mello, as situações configuradoras de omissão inconstitucional refletem um comportamento estatal que deve ser repelido. A inércia do Estado reveste-se, perigosamente, de um processo informal de mudança da própria Constituição. A inércia na regulamentação da Constituição constituiria um verdadeiro desrespeito a sua normatividade. É preciso proclamar que as constituições consubstanciam ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e afetem, em sua conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior. A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado, pois nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se revelarem convenientes aos desígnios dos governantes, em Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. (Idem). É de se notar que os julgados acima referidos têm peculiar característica: o fato de existir mora evidente do Legislativo para regulamentar a disciplina do exercício dos direitos constitucionalmente assegurados. Não obstante, como afirma o Ministro Eros Grau, já representa significativo avanço no trato das questões semelhantes. Para ele, a decisão proferida no mandado de injunção se torna norma, incorporada ao ordenamento jurídico, que passa a ser interpretada e aplicada. (MI 712-PA, VOTO DO MINISTRO EROS GRAU). 4 CONCLUSÃO De posse das considerações expostas neste trabalho, verifica-se que a tendência revelada pela jurisprudência, acatando os posicionamentos dos processualistas modernos, busca, a todo momento, dar ao Direito Processual a sua verdadeira função: subsidiar meios de alcance ao efetivo direito material. Foi o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal em relação aos efeitos da decisão proferida em mandado de injunção. Inicialmente entendia-se que a decisão proferida nos autos de um mandado de injunção seria apenas uma declaração de omissão do Poder Público, o que não trazia nenhum resultado prático ao titular do direito material invocado. Recentemente, com o julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670-ES, 708-DF, 712-PA e 721-DF, parece que, a princípio, foi superado o referido entendimento. Neles, garantiu-se a efetividade do direito invocado, suprindo a ausência de norma regulamentadora que tornava inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais. É certo que o novo posicionamento não se aplica indistintamente a todos os casos de mandado de injunção. Em todos esses julgamentos, a falta de norma regulamentadora inviabilizava o direito dos impetrantes há muitos anos, sendo, no caso, flagrante a mora do Poder Público. Não obstante, os julgados funcionam, ao menos em tese, como paradigma para novos casos semelhantes e demonstram, claramente, uma maior preocupação com a efetividade de direitos constitucionais. Além disso, observa-se que os referidos julgamentos dão, finalmente, ao mandado de injunção a sua verdadeira função, que lhe foi conferida pelo constituinte originário, qual seja, tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania obstado pela falta de norma regulamentadora. NOTA 1 O mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão constituem mecanismos de controle de inconstitucionalidade por omissão. No entanto, o primeiro é instrumento de tutela de direito subjetivo e a segunda, instrumento de tutela de direito objetivo (PIOVESAN, 2003). REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. BRASIL, STF. Mandado de Injunção. Mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. Mandado de Injunção n. 283/DF. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 20 mar. 1991. BRASIL. STF. Agravo Regimental no Mandado de Injunção. Mandado de Injunção. Limite da taxa de juros reais (cf., art. 192, § 3º). Congresso Nacional e instituição financeira privada. Litisconsórcio passivo incabível. Agravo Regimental no Mandado de Injunção n. 335. Relator: Ministro Celso de Melo. Brasília, DF, 9 ago. 1991. BRASIL. STF. Mandado de Injunção Coletivo. Impetração deduzida por confederação sindical. Possibilidade. Natureza jurídica do writ injuncional. Taxa de juros reais (cf., art. 192, § 3º). Omissão do Congresso Nacional. Fixação de prazo para legislar. Descabimento, no caso. Writ deferido. Mandado de Injunção n. 472/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 06 set. 1995. BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Estabilidade de servidor público militar. Art. 42, § 9º, da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir. Mandado de Injunção n. 107/DF. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, DF, 21 nov. 1990. BRASIL. STF. Mandado de injunção. Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 7º do art. 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de Injunção n. 232/RJ. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, DF, 02 ago. 1991. BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Mandado de injunção coletivo. Direito de greve do servidor público civil. Evolução desse direito no constitucionalismo brasileiro. Modelos normativos no direito comparado. Prerrogativa jurídica assegurada pela constituição (art. 37, VII). Impossibilidade de seu exercício antes da edição de lei complementar. Omissão legislativa. Hipótese de sua configuração. Reconhecimento do estado de mora do Congresso Nacional. Impetração por entidade de classe. Admissibilidade. Writ concedido. Direito de greve no serviço público. Mandado de Injunção n. 20/DF. Relator: Ministro Celso de Melo. Brasília, DF, 19 maio 1994. BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Mandado de Injunção n. 725/RO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 10 maio 2007. BRASIL. STF. Notícias do Supremo Tribunal Federal. Supremo determina aplicação da lei de greve dos trabalhadores privados aos servidores públicos. Out. 2007. Disponível em : <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=75355>. Acesso em 2009. BRASIL. STF. Questão de ordem no mandado de injunção. Mandado de injunção: omissão normativa imputada à autarquia federal (Banco Central do Brasil). Competência originária do Juiz Federal e não do Supremo Tribunal, nem do Superior Tribunal de Justiça. Questão de Ordem no Mandado de Injunção n. 571/SP. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 8 out. 1998. BRASIL. STJ. Mandado de Injunção. Competência. Precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 193/DF. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 22 maio 2006. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. I. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. 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