HIPÓTESES DE SUBMISSÃO DOS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS ÀS
REGRAS TÍPICAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA1
Cristiano Chaves Baptista2
Resumo: O presente artigo visa analisar se os serviços sociais autônomos,
também conhecidos de sistema “S”, estão ou não submissos a determinadas
normas e princípios típicos da Administração Pública, especialmente os
princípios previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, e as normas
que obrigam a Administração Pública a realizar concurso para seleção de seus
funcionários e a realizar licitações, conforme a Lei 8.666/93, nas suas obras,
alienações e nas compras de bens e serviços.
Palavras – chave: Serviço Social Autônomo; Sistema “S”; Contribuição
Parafiscal, Dinheiro Público; Entidades Privadas; Tribunal de Contas da União;
Submissão a Regras e Princípios da Administração Pública; Princípios;
Concurso Público; Lei 8.666/1993.
Abstract: This study aims to analyze whether autonomous social services, also
known as the "S" system, are submissive to certain rules and principles typical
of the Public Administration, especially the principles laid down in Article 37 of
the Brazilian Federal Constitution and the rules that require the Government to
hold exams as a form of selection of their employees and make auctions, in
accordance with the Law number 8666/93, for its constructions, sales and
purchases of goods and services or not.
Key – words: Autonomous Social Service; System “S”; Fiscal Contribution,
Public Money; Private Entities; Federal Accounting Bureau; Submission to the
Rules and Principles of the Public Administration; Principles; Public Exams; Law
Number 8.666/1993.
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof.
Wremyr Scliar, Prof. Plínio Saraiva Melgaré e Prof. Francisco José Moesch, em 29 de junho de
2009.
2
Acadêmico do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – PUCRS.
Contato: [email protected]
2
Sumário: I. Introdução. 1. A Administração Pública. 1.1 Conceito de
Administração Pública. 1.2 A Administração Direta e Indireta. 1.3 As Regras
Típicas da Administração Pública. 2. Os Serviços Sociais Autônomos – Sistema
“S”. 2.1 A Natureza Jurídica dos Serviços Sociais Autônomos. 2.2 Os Objetivos
do Governo com a Criação dos Serviços Sociais Autônomos. 2.3 Contribuição
Parafiscal e a Questão do “Dinheiro Público”. 2.4 A Vinculação ao Tribunal de
Contas da União. 3. Hipóteses de Submissão às Regras da Administração
Pública. 3.1 Na Licitação. 3.2 Nos Princípios da Administração Pública e nos
Concursos Públicos. 3.3 O Entendimento dos Tribunais Brasileiros. II.
Conclusão. III. Referências Bibliográficas.
I. Introdução
A
formação
básica da
Administração Pública
subdivide-se
em
Administração Direta e Indireta. Ocorre que, existem entidades que prestam
algum tipo de colaboração ao Poder Público, através da execução de
atividades caracterizadas como “serviços de utilidade pública”, mas não
integram nenhuma das referidas subdivisões da Administração Pública. Os
chamados serviços sociais autônomos são exemplos de tais entidades, eles
fazem parte do grupo de entidades chamadas de paraestatais, constituídos
como entidades de direito privado, sem fins lucrativos, gerindo recursos
públicos oriundos de contribuições parafiscais de interesse das categorias
econômicas ou contribuições de intervenção no domínio econômico.
O mestre Hely Lopes Meirelles3 define em sua obra os serviços sociais
autônomos da seguinte forma:
Serviços sociais autônomos são todos aqueles que instituídos por lei,
com personalidade de direito privado, para ministrar assistência ou
ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins
lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por
contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação
com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios,
revestindo a forma de instituições particulares convencionais
(fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao
desempenho de suas incumbências estatutárias. São exemplos
desses entes os diversos serviços sociais da indústria e do comércio
(SENAI, SENAC, SESC, SESI), com estrutura e organização
especiais, genuinamente brasileiras.
3
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
363.
3
Destaque-se que as entidades que compõem os serviços sociais
autônomos não prestam serviço público delegado, mas atividade privada de
interesse público, chamados serviços não exclusivos do Estado, sendo por
essa razão apoiados financeiramente pelo Poder Público.4
São exemplos de serviços sociais autônomos as entidades que integram
o chamado Sistema “S”, como o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial), o Sesi (Serviço Social da Indústria), o Sesc (Serviço Social do
Comércio), o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), o Sebrae
(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o Senar (Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural), o Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem
do Transporte), o Sest (Serviço Social do Transporte), o Sescoop (Serviço de
Aprendizagem do Cooperativismo), e ainda outras entidades como a ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações do Brasil), entre outras.
Tais entidades são muito conhecidas da sociedade, pois prestam
serviços de relevante interesse público, como assistência social, educação,
formação profissional e outros, em mais de 3.000 (três mil) municípios
brasileiros.
Em razão de prestarem serviço de interesse público, administrando
supostamente “dinheiro público”, oriundo de contribuições parafiscais, com o
modelo de gestão de entidade privada, surgem diversas dúvidas e
controvérsias com relação à suposta obrigatoriedade dessas entidades
aplicarem regras e princípios constitucionais típicos da Administração Pública
na sua gestão administrativa dos “recursos públicos” dos quais são titulares.
Deste modo, o tema deste artigo é de extrema relevância, pois as
entidades que integram o chamado Sistema “S” movimentam expressivo
volume
de
recursos
anualmente
arrecadados
com
contribuições
parafiscais, recursos esses que correspondem a aproximadamente R$
15.000.000.000,00 (quinze bilhões) por ano.
Inicialmente, é importante analisar se as normas e os princípios próprios
da Administração Pública, se aplicados na gestão privada, tornam-se ou não
incompatíveis, impertinentes ou até mesmo impeditivos de uma boa
administração privada, por burocratizá-la, encarecê-la, e desviá-la de seus fins.
4
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 468.
4
Contudo, não se pode olvidar as obrigatoriedades legais e morais
trazidas pelo fato de gerir essas contribuições parafiscais, consideradas por
muitos como “recurso público”, na administração privada.
Conforme analisar-se-á adiante, parte da doutrina e jurisprudência vem
entendendo que os serviços sociais autônomos são efetivamente autônomos
para administrar os recursos que recebem, devendo, apenas, prestar contas ao
Poder Público da correta aplicação dos mesmos na execução da finalidade
pela qual foram constituídos, pois são entidades privadas criadas por leis
específicas, nas quais não se prevê nenhuma imposição de aplicação das
regras da Administração Pública ou limitação de sua autonomia administrativa.
Todavia, outra corrente, encarreirada pela ilustre doutrinadora Maria
Sylvia Zanella Di Pietro5, entende que os serviços sociais autônomos por
administrarem recursos públicos e gozarem de privilégios próprios dos entes da
Administração Pública,
estão
sujeitos a normas
semelhantes
às da
Administração Pública.
Repisa-se que foram movidas aproximadamente 55 (cinqüenta e cinco)
Ações Civis Públicas pelo Ministério Público do Trabalho contra os serviços
sociais autônomos, integrantes do chamado Sistema “S”, do Brasil inteiro,
tratando desta controvérsia. Destaca-se uma compilação das notícias
publicadas na imprensa acerca das ações judiciais acima referidas, da lavra do
excelentíssimo juiz da 10ª Vara do Trabalho de Belém do Pará, Sr. Carlos
Rodrigues Zahlouth Júnior6, quando do julgamento do processo nº 01298-2008010-08-00-4, in verbis:
As entidades do Sistema S - Sesc, Senac, Sesi, Senai, Sest, Senat,
Sescoop, Sebrae e Senar -estão na mira do Ministério Público do
Trabalho (MPT). A instituição já moveu 55 ações civis públicas
ajuizadas em 13 Estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do
Sul, Bahia, Pará, Paraná, Santa Catarina, Paraíba, Rondônia,
Espírito Santo, Sergipe, Piauí e Mato Grosso do Sul.
De acordo com a assessoria de imprensa do MPT, as ações foram
ajuizadas por não terem sido feitos acordos, tentados há meses pelo
MPT, para que as entidades mudassem espontaneamente seus
critérios de contratação de pessoal. Os números ainda são parciais,
já que novas ações devem ser propostas pelo MPT nos próximos
dias.
O MPT entende que essas entidades devem realizar processo
seletivo balizado em critérios exclusivamente objetivos para
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 468.
ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos Rodrigues. Decisão no processo 01298-2008-010-08-00-4, da
10ª Vara do Trabalho de Belém do Pará.
6
5
contratação de pessoal. Em todos os Estados, serão ajuizadas
ações civis públicas pedindo a realização de processo seletivo
transparente, com ampla publicidade e observando o princípio da
impessoalidade.
O trabalho integrado de ajuizar simultaneamente as ações em
âmbito nacional foi deliberado pelos membros da Coordenadoria
Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na
Administração Pública (Conap), coordenada pelos procuradores do
Trabalho Viviann Rodriguez Mattos (coordenadora nacional) e Carlos
Eduardo Azevedo Lima (vice-coordenador nacional).
Os procuradores da Conap entendem que as entidades que
compõem o Sistema S têm personalidade jurídica de direito privado,
não integrando a Administração direta nem indireta. No entanto,
como os recursos utilizados por elas são provenientes de
contribuições parafiscais, recolhidas compulsoriamente pelos
contribuintes que as diversas leis estabelecem, esses valores podem
ser caracterizados como "dinheiro público". Portanto ao contratarem
seus trabalhadores com dinheiro público, as entidades do Sistema S
devem obedecer à exigência de realização de um processo seletivo
transparente.
Estudo realizado pelos procuradores Alpiniano do Prado Lopes
e Azevedo Lima e acolhido por unanimidade pelos membros da
Conap declara ser "indubitável a obrigatoriedade da realização
de processo seletivo com critérios objetivos, respeitados os
princípios constitucionais que regem a Administração Pública
quando da contração de pessoal, sob pena de serem nulas, já
que as entidades do Sistema S são recebedoras de recursos
públicos repassados por meio de contribuições parafiscais".
Em São Paulo, o procurador do Trabalho Omar Afif moveu ação
civil pública contra o Serviço Social do Transporte e o Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest-Senat), com o
objetivo de obrigar a entidade a contratar seus trabalhadores
mediante a realização de concurso público. Em todo o país, o
sistema Sest-Senat emprega 2.500 trabalhadores.
Em Belo Horizonte, o procurador do Trabalho Geraldo Emediato
de Souza, autor de ações contra o Senac, Sebrae e Senat, cita
algumas das irregularidades encontradas nos casos que
investigou: ausência de critérios objetivos ou uso critérios
insatisfatórios, falta de ampla publicidade, aplicação de
entrevistas eliminatórias e pessoalidade.
Todas as entidades do Sistema S foram ou estão sendo alvo de
investigações em todos os Estados. No entanto, no caso do
Piauí, por exemplo, o Senac não está sendo questionado
judicialmente, por ter assinado acordo com o MPT para realizar
concurso.
Em todas as ações, pede-se liminarmente que as entidades
cumpram diversas obrigações, como adotar processo seletivo
com critérios objetivos e reserva de vagas para pessoas com
deficiência, não promover recrutamento interno ou misto e não
utilizar testes psicológicos, dinâmicas de grupo e análise
curricular como etapas classificatórias ou eliminatórias, sob
pena de multa no valor de R$ 10 mil, por trabalhador encontrado
em situação irregular, a cada constatação de descumprimento.
(Grifo Nosso)
A grande maioria das ações supra referidas se encontram tramitando no
primeiro grau de jurisdição no Brasil inteiro, já havendo algumas decisões
adotando as duas posições, ou seja, decisões reconhecendo a obrigatoriedade
6
dos serviços sociais autônomos de atender as regras e princípios da
Administração Pública, pelo fato de gerirem recursos públicos e, de outra
banda, decisões entendendo que não há obrigatoriedade das referidas
entidades de atender a essas regras e princípios, especialmente porque são
entidades de direito privado e por não haver nenhuma lei determinando o
atendimento ao disposto no artigo 37 da Carta Política.
Destaque-se que, os doutrinadores e os magistrados divergem em
muitos pontos em relação ao tema, fazendo com que a matéria se caracterize
como um dos temas atuais mais polêmicos no âmbito do direito administrativo.
Assim, ao iniciar-se este artigo, cumpre tecer breve relato acerca da
Administração Pública e suas características principais. Senão veja-se.
1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.1 Conceito de Administração Pública
A Administração Pública é um instituto composto por diversos órgãos
que executam os objetivos do Governo, ou seja, prestam serviços públicos em
benefício da coletividade.
Hely Lopes Meirelles7, tido pela Doutrina como um dos maiores
administrativistas brasileiros, ao definir Administração Pública, entende que
“numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado
preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das
necessidades coletivas”. Podendo ainda, dividir-se seu conceito em dois
sentidos, quais sejam:
[...] em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para
consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o
conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em
acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e
técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em
beneficio da coletividade.
Para Odete Medauar8, o instituto pode ser definido tanto sob o aspecto
funcional, quanto pelo aspecto organizacional, sendo que:
7
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p. 47.
8
7
No aspecto funcional, Administração Pública significa um conjunto de
atividades do Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula
no exercício de funções de governo, que organizam a realização das
finalidades públicas postas por tais instituições e que produzem
serviços, bens e utilidades para a população, como, por exemplo:
ensino público, calçamento de ruas, coleta de lixo.
[...]
Sob o ângulo organizacional, Administração Pública representa o
conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e
utilidades para a população, coadjuvando as instituições políticas de
cúpula no exercício das funções de governo. Nesse enfoque
predomina a visão de uma estrutura ou aparelhamento articulado,
destinado a realização de tais atividades; pensa-se, por exemplo, em
ministérios, secretarias, departamentos, coordenadoria etc.
Frente a esses conceitos de Administração Pública, considerando que
os serviços sociais autônomos prestam serviços de utilidade pública, utilizandose de recursos supostamente públicos, torna-se difícil, nesse primeiro
momento, identificar se estas entidades fazem parte da Administração Pública,
sendo assim, necessário analisar-se as subdivisões desta.
1.2 A Administração Direta e Indireta
Conforme Odete Medauar9, a Administração Direta é “o conjunto de
órgãos integrados a estrutura da chefia do Executivo e na estrutura dos órgãos
auxiliares da chefia do Executivo”, sendo uma característica o vínculo de
subordinação direta aos chefes do Poder Executivo.
Diante da conceituação de Administração Direta, resta claro, que os
serviços sociais autônomos não integram essa subdivisão da Administração
Pública, pois, pelo que se foi dito anteriormente, são entidades com
personalidade jurídica própria, de direito privado, que não fazem parte da
estrutura da chefia do Executivo nem de seus órgãos auxiliares.
Quanto à Administração Indireta, ela compreende entidades dotadas de
personalidade jurídica própria, elencadas no rol taxativo do Decreto Lei
200/1967, no qual não refere os serviços sociais autônomos. Diante da redação
destes dispositivos verifica-se que os serviços e categorias de Entidades que
9
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.
67.
8
integram a Administração Pública, no rol do Decreto Lei 200/1967, em nenhum
deles se poderá enquadrar os Serviços Sociais Autônomos.
Contudo, importante ressalvar que, doutrinadores como Marçal Justem
Filho10 entendem que o rol do Decreto Lei 200/67 não é taxativo, pois segundo
o referido autor, através de outras leis podem surgir outros membros da
Administração Pública, como foi o caso dos Consórcios Públicos que é uma
mistura de Associação (de direito privado, desvinculado da administração
Pública) com Autarquia (entidade integrante da Administração Pública).
1.3 As Regras Típicas da Administração Pública
Pela redação do artigo 37 da Constituição Federal estão todas as
entidades que formam a Administração Pública obrigadas a atender, na
execução de suas respectivas atividades, aos princípios ali esculpidos.
Diante da literal redação do referido artigo, resta claro que a observância
dos princípios ali referidos é de obrigação dos órgãos da Administração Direta
e Indireta, contudo, é importante destacar-se que, em momento algum, o
dispositivo legal referiu que entidades que gerem recursos públicos ou
contribuições parafiscais devem obedecer aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Conforme redação do inciso XXI do artigo 37, bem como artigo 173, §
1º, III, ambos da Carta Magna, os entes da Administração Pública Direta e
Indireta, inclusive as sociedades de economia mista e as empresas públicas,
estão obrigados a respeitar as regras de licitação e contratos administrativos
nas obras, serviços, compras e alienações.
Cumpre destacar que o legislador Constitucional no inciso III, determina
para as empresas públicas e sociedades de economia mista uma possibilidade
de flexibilização das regras da Lei de Licitações, pois determinou somente a
observância dos princípios da Administração Pública.
Nesse sentido é a lição de Odete Medauar11:
10
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 157.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p. 210.
11
9
[...] somente a observância dos princípios da administração pública, o
que sugere que terão um regime de licitação e contratação diferente
do regime de outros entes e órgãos (talvez mais flexível) e diferente
das estatais prestadoras de serviços públicos. A leitura do inc. XXVII
do art. 22 também propicia esse entendimento. Enquanto não se
editar o estatuto jurídico das estatais, as licitações e contratações
dessas entidades continuam a reger-se pela Lei 8.666/93.
Portanto, para a doutrinadora, o legislador Constitucional procurou
deixar uma alternativa para flexibilizar as regras da Lei de licitações nas
sociedades de economia mista e nas empresas públicas que são entidades
ligadas à Administração Pública, mas tem personalidade jurídica de Direito
Privado, contudo, determinou que devem respeitar os princípios que regem a
Administração Pública.
Registre-se, por oportuno, que nada referiu a Lei maior acerca de
entidades de natureza jurídica semelhante aos serviços sociais autônomos, ou
sobre entidades que gerem recursos públicos, tampouco a Lei 8.666/1993
referiu esse tipo de entidade.
Por fim, o legislador Constituinte determinou que as entidades ligadas a
Administração Pública realizassem concurso público para toda a seleção de
seus servidores, nos termos do artigo 37, II da CF/88.
Superadas as análises preliminares quanto à Administração Pública,
passa-se ao estudo mais aprofundado acerca dos Serviços Sociais Autônomos.
2. OS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS – SISTEMA “S”
Conforme Rafael Maffini12, serviços sociais autônomos são “pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cuja finalidade é a prestação de
serviços assistenciais a certos grupos profissionais ou de natureza médica, de
ensino ou, em geral, de assistência social. Não integram a estrutura da
Administração Pública, embora alguns desses serviços sociais autônomos
tenham recursos que são decorrentes de contribuições patronais, arrecadadas
pela Previdência Social”.
Considerando o conceito acima, especialmente no que tange ao fato de
os serviços sociais autônomos serem entidades de direito privado que não
integram a Administração Pública, e diante da literal redação dos dispositivos
12
MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 239.
10
legais da Carta Política de 1988, referidos no item anterior, poder-se-ia concluir
que os serviços sociais autônomos não estão submissos a nenhuma das
regras anteriormente referidas, pois não há nenhuma norma que os obrigue e,
como é bem sabido, as entidades privadas só são obrigadas a atender a
normas expressamente previstas em lei, ao contrário da Administração
Pública que deve fazer somente o que está previsto expressamente em
lei.
Todavia, pelo fato de gerirem recursos oriundos de contribuições
compulsórias, supostamente “dinheiro público”, diversos juristas entendem ser
necessária a observância das regras típicas da Administração Pública na
gestão destes recursos.
Esse é o entendimento do ilustre Marçal Justem Filho13 que diz sobre os
serviços sociais autônomos o seguinte:
No entanto, a natureza supra-individual dos interesses
atendidos e o cunho tributário dos recursos envolvidos impõe a
aplicação de regras de direito público.
[...]
O relacionamento entre o serviço social autônomo e a realização de
seus fins reflete uma função de interesse público. Ainda que não
exista exercício de competências estatais (especialmente daquelas
de cunho autoritativo) nem possibilidade de autuação dotada de
coercitividade, tem-se de reputar que a atuação desempenhada
pelos serviços sociais autônomos é norteada pelos mesmos
princípios fundamentais que disciplinam a atividade
administrativa.
Logo, os integrantes da categoria profissional, subordinados a
determinado serviço social autônomo, podem exigir a observância
pelos administradores dos princípios essenciais do direito
administrativo.
Destaque-se que, outra corrente adota o entendimento que os serviços
sociais autônomos não estão subordinados a nenhuma regra nem princípio da
Administração Pública, devendo somente prestar contas ao Poder Público no
sentido de demonstrar que aplicou os recursos recebidos através das
contribuições parafiscais, com a máxima eficiência, no cumprimento das
finalidades previstas na sua lei de criação.
13
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 202203.
11
2.1 A Natureza Jurídica dos Serviços Sociais Autônomos
Os Serviços Sociais Autônomos são entidades criadas por lei específica,
sem fins lucrativos e cuja principal finalidade é prestar serviços de utilidade
pública (não exclusivos do Estado), como assistência ou ensino a certas
categorias sociais ou grupos profissionais. São entes de cooperação do Poder
Público, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais,
consoante entendimento doutrinário de Maria Sylvia Zanella Di Pietro14.
As contribuições parafiscais recebidas e administradas pelas entidades
que compõem os serviços sociais autônomos são oriundas de contribuições
cobradas compulsoriamente de exercentes das atividades ou das categorias
abrangidas pelo Serviço Social Autônomo titular da contribuição. Assim, Marçal
Justem Filho15 entende que “os Serviços Sociais Autônomos são mantidos
mediante contribuições instituídas no interesse de categorias profissionais ou
de intervenção no domínio econômico, de natureza tributária”.
Os
serviços
sociais
autônomos
utilizam
essas
receitas
para
financiamento da prestação de serviços de interesse público (serviços nãoexclusivos) que lhes são atribuídas nas suas respectivas leis de criação.
Na visão de Odete Medauar16, pode-se afirmar que os Serviços Sociais
Autônomos são entes não integrantes da Administração Pública, na sua
acepção jurídica, tanto que não figuram no rol constante do principal diploma
estruturador da organização da Administração Pública, que é o Decreto-Lei
200/1967, com alterações posteriores.
Esse também é o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho17
que assevera que os serviços sociais autônomos, “apesar de serem entidades
que cooperam com o Poder Público, não integram o elenco das pessoas da
Administração Indireta, razão por que seria impróprio considerá-las pessoas
administrativas”.
14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 467.
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 202.
16
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p.110.
17
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2008, p. 449.
15
12
Ensina, ainda, Hely Lopes Meirelles18, que os Serviços Sociais
Autônomos são também denominados de “Entes de Cooperação”, e, como tais:
[...] pessoas de Direito Privado, criados ou autorizados por lei, geridos
em conformidade com seus estatutos, geralmente aprovados por
decreto, podendo ser subvencionados pela União ou arrecadar em
seu favor contribuições parafiscais para prestar serviço de interesse
social ou de utilidade pública, sem, entretanto, figurarem entre os
órgãos da Administração direta ou entre as entidades da indireta [...]
Nesse diapasão, cabe ainda destacar a conceituação de serviços sociais
autônomos da ilustre Maria Sylvia Zanella Di Pietro19 que nos traz importantes
ensinamentos sobre a natureza dos serviços realizados pelos serviços sociais
autônomos, senão veja-se:
[...] não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas atividade
privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado), e
exatamente por isso são incentivadas pelo Poder Público. A atuação
estatal, no caso, é de fomento, e não de prestação de serviço público.
Por outras palavras, a participação do Estado, no ato de criação, se
deu para incentivar a iniciativa privada, mediante subvenção
garantida por meio da instituição compulsória de contribuições
parafiscais destinadas especificadamente a essa finalidade. Não se
trata de atividade que incumbisse ao Estado, como serviço público, e
que ele transferisse para outra pessoa jurídica, por meio do
instrumento da descentralização. Trata-se, isto sim, de atividade
privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar e
subvencionar.
Diante da lição dos mestres acima citados, pode-se constatar que os
serviços sociais autônomos são entidades que possuem natureza jurídica de
direito privado, criados ou autorizados por lei específica, para o exercício de
funções de interesse Público, chamados serviços não exclusivos do Estado,
tais como de assistência social, educação e formação profissional, mediante o
recebimento de contribuições parafiscais, arrecadadas pela Previdência Social.
Ocorre que o fato de administrar essas contribuições compulsórias
implica em um grande problema à medida que essas entidades gerem
recursos supostamente públicos e, por serem pessoas jurídicas de
natureza privada, não se submetem as rigorosas regras da Administração
Pública no controle dos mesmos.
18
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, p.
737.
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 468.
13
Contudo, nem a titularidade desses recursos, nem o tipo de serviço de
utilidade pública que prestam, altera a natureza jurídica dos serviços sociais
autônomos, pois essa é dada pelo regime jurídico ao qual ela é submetida e
não pelas atividades que realiza, nem pela fonte de recursos que a sustenta.
Assim, no caso dos serviços sociais autônomos, toda a disciplina de sua
existência e funcionamento é regida pelo direito privado e, em nenhum ponto
da Constituição, se sonhou em incluir tais entidades como integrantes da
Administração Direta ou Indireta.20
Diógenes Gasparini21 entende que os serviços sociais autônomos não se
subordinam a Administração Pública e são dotados de patrimônio e
administração próprios, veja-se os precisos ensinamentos do administrativista
falando sobre os serviços sociais autônomos:
Essas entidades, entes privados de cooperação da Administração
Pública, sem fins lucrativos, genericamente denominadas serviços
sociais autônomos, foram criadas mediante autorização legislativa
federal, mas não prestam serviços públicos, nem integram a
Administração Pública federal direta ou indireta, ainda que dela
recebam reconhecimento e amparo financeiro. Exercem, isto sim,
atividades privadas de interesse público. São dotadas de
patrimônio e administração próprios. Não se subordinam à
Administração Pública Federal, apenas se vinculam ao
Ministério cuja atividade, por natureza, mais se aproxima das
que desempenham, para controle finalístico e prestação de
contas. São associações, sociedades civis ou fundações criadas
segundo o modelo ditado pelo Direito Privado, mas delas distinguemse pelo poder de exigirem contribuições de certos obrigados
(industriais e comerciante), instituídas por lei conforme o previsto no
art. 149 da Lei Magna.
Para corroborar o até aqui despendido, destaca-se a clássica
conceituação de serviços sociais autônomos do ilustre Hely Lopes Meirelles22
que vem sendo utilizada como referência por vários administrativistas ao longo
do tempo:
Serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei,
com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou
ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins
lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou
contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação
20
BRASIL, Tribunal Regional Federal (1ª Região), AI nº 2007.01.00.051848-4/DF, Relator:
Desembargador Federal Fagundes de Deus. 2007.
21
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 404.
22
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p.
353 -354.
14
com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios,
revestindo a forma de instituições particulares convencionais
(fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao
desempenho de suas incumbências estatutárias. São exemplos
desses entes os diversos serviços sociais da indústria e comércio
(SENAI, SENAC, SESC, SESI), com estrutura e organização
especiais, genuinamente brasileiras.
Essas instituições, embora oficializadas pelo Estado, não integram a
Administração direta nem indireta, mas trabalham ao lado do Estado,
sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que
lhes são atribuídos, por considerados de interesse específico de
determinados beneficiários. Recebem, por isso, oficialização do
Poder Público e autorização legal para arrecadarem e utilizarem na
sua manutenção contribuições parafiscais, quando não são
subsidiadas diretamente por recursos orçamentários da entidade que
as criou.
Veja-se também a definição do professor Diogo de Figueiredo Moreira
Neto23, que traz importantes ensinamentos:
Os serviços sociais autônomos são entes paraestatais, organizados
para fins de amparo, de educação ou de assistência social,
comunitária ou restrita a determinadas categorias profissionais, como
patrimônio e renda próprios, que, no caso da União, pode ser
auferida por contribuições parafiscais, tudo obedecendo a
parâmetros constitutivos instituídos por lei, que lhes confere
delegação legal, no campo do ordenamento social e do fomento
público.
Instituídos sob o modelo totalmente privado, como associações civis,
eles se distinguem do gênero por essa delegação legal que as
vincula à prestação de serviços de interesse público, no campo do
ordenamento social e do fomento público social e, exclusivamente no
caso da União, pela delegação legal para auferirem receita
arrecadada impositivamente - contribuições sociais – para custeio
dos serviços delegados.
Pelo que se viu até aqui, no que concerne a necessidade de ser criado
ou autorizado por lei específica há um razoável consenso entre a doutrina.
Também no que tange aos serviços sociais autônomos serem entidades
privadas, que não integram a Administração Pública, a doutrina é praticamente
unânime.
Nesse sentido destaca-se a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto24
exarada em parecer sobre consulta formulada pelo SESI e pelo SENAI:
23
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 258.
24
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Parecer Para Consulentes: Sesi - Serviço Social da
Indústria e Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, 7 de outubro de 2005,
Teresópolis, p. 85.
15
Definiu-se a natureza jurídica das Consulentes como pessoas de
direito privado, associadas por lei à Administração Pública Federal,
sem, contudo, vir a integrá-la, para desenvolver uma atuação de
fomento social no setor privado, em apoio da comunidade nacional
dos trabalhadores da indústria e de suas famílias.
Constata-se, ainda, de forma pacífica, que os serviços sociais
autônomos são entidades que tem titularidade de contribuição compulsória,
contudo, a titularidade de tais recursos não altera a sua natureza privada.
E isso, porque a vontade do legislador foi que essas entidades gerissem
as contribuições compulsórias com o modelo e a eficiência privados, consoante
os ideais dos planos de desburocratização que consolidaram a importância e a
relevância das atividades desenvolvidas pelos serviços sociais autônomos.
No que tange à forma de organização, Hely Lopes Meirelles25, conforme
destacado acima, entende que os serviços sociais autônomos podem
constituir-se como fundações, sociedades civis ou associações ou ainda de
forma peculiar ao desempenho de suas incumbências estatutárias, devendo,
em qualquer hipótese, serem pessoas jurídicas de direito privado sem fins
lucrativos.
De outra banda, o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto26 apontou
que a única forma de organização dos serviços sociais autônomos é na forma
de associação civil.
Cumpre destacar que, ambas as formas de constituição apontadas pelos
mestres referem-se a entidades de direito privado, motivo pelo qual o presente
trabalho não aprofundará tal questão.
Portanto, conclui-se que os serviços sociais autônomos são entidades
de direito privado, desvinculadas da Administração Pública, que prestam
serviços de interesse público (não exclusivos do Estado), criados e mantidos
segundo dispositivos de leis específicas, sendo incentivados pelo Estado e
destinatários de contribuições parafiscais.
25
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p.
353-354.
26
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 258.
16
2.2 Os Objetivos do Governo com a Criação dos Serviços Sociais
Autônomos
Pode-se verificar que o legislador com a criação dos Serviços Sociais
Autônomos buscou atender com mais qualidade e eficiência os serviços não
exclusivos do Estado, transferindo essas atividades para entidades privadas
que operam com mais dinamismo e eficiência na busca de suas finalidades.
Sendo que, esse formato, a toda evidência, trouxe mais qualidade e eficiência
aos serviços não exclusivos do Estado, atendendo melhor o cidadão-cliente a
um custo menor.
Os serviços sociais autônomos como entidades privadas desvinculadas
da Administração Pública executam as atividades de interesse público com
mais eficiência, pois, mesmo operando com “recursos públicos”, existe uma
flexibilização típicas que são impostas aos entes integrantes da Administração
Pública.
Essa flexibilização é o meio para atingir múltiplos objetivos do governo
como a busca da eficiência, a viabilização de processos de delegação e
descentralização, a implementação do orçamento global em organizações
públicas autônomas via contratos de gestão, a valorização de mecanismos
diferenciados de reconhecimento do mérito, a contratualização de resultados e
outros.
Assim procurou-se transferir para o setor privado atividades que podem
ser controladas pelo mercado, procedendo-se à descentralização para o setor
público não-estatal a execução de serviços que não envolvem o exercício do
poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos
serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica, processo que se
denominou de “publicização”.27
Destarte, o programa de publicização envolve as atividades e serviços
não exclusivos do Estado, transferindo-os para a gestão desburocratizada a
cargo de entidades de caráter privado e, portanto, submetendo-os a um regime
mais flexível, dinâmico e eficiente.28
27
DA COSTA, Frederico Lustosa. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração
pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 2008, p. 868.
28
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter. Reforma do Estado e Administração Pública
Gerencial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003, p.34-36.
17
A busca pela eficiência dos resultados, mediante a flexibilização de
procedimentos, justifica a implementação de um regime especial, regido por
regras que respondem a racionalidades próprias do direito público e do direito
privado.
No campo das atividades exclusivas de Estado, dos serviços nãoexclusivos e da produção de bens e serviços o critério eficiência torna-se
fundamental. O que importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade
a um custo baixo.
Assim, hoje os serviços sociais autônomos são entidades muito fortes,
pois com eles o Estado tem encontrado maior eficiência finalística.
Em análise lógica, pode-se constatar que se a intenção do
legislador fosse manter os padrões de Administração Pública nos
serviços sociais autônomos, exigindo-lhes o cumprimento das normas e
princípios da Administração Pública, não os teria criado como entidade
privada, autônoma e desvinculada da Administração Pública.
Os criou dessa forma, justamente para dar mais eficiência e dinamismo
nos serviços de interesse público que executam como atividades finalísticas,
através da flexibilização das regras e princípios que são impostos aos entes da
Administração Pública, inclusive no que tange aos princípios do artigo 37 da
Carta Política, a aplicação da Lei 8.666/1993 e a obrigatoriedade de concurso
público para seleção de pessoal.
2.2 Contribuição Parafiscal e a Questão do “Dinheiro Público”
Pelo que se viu até aqui, os serviços sociais autônomos são entidades
criadas e mantidas segundo dispositivos de leis específicas, sendo que as mais
antigas vigeram sob outras constituições e resistiram a reformas tributárias e
administrativas,
são
entidades
de
natureza
eminentemente
privada,
desvinculadas da Administração Pública, e tendo como objetivo executar com
eficiência serviços não exclusivos do Estado, tais como a formação de mão-deobra, fomento, atendimento social, educação, desenvolvimento sustentável,
proteção ao meio ambiente, entre outras importantes ações.
Observou-se também que, em razão de prestarem esse tipo de serviço
de interesse público (não exclusivos do Estado), os serviços sociais autônomos
18
são financiados pelo Poder Público, através da titularidade de contribuições,
instituídas pelas leis que os criaram.
Essas contribuições estão ligadas ao fenômeno da parafiscalidade, que
significa a concessão, pelo Estado, para que ocupe o pólo ativo da relação
jurídica tributária, outro ente que não aquele configurado pela Administração
Pública Direta.
Paulo
de
Barros
Carvalho29
oferece
definição
do
instituto
da
parafiscalidade da seguinte forma:
A competência tributária pressupõe a capacidade ativa. Vale dizer, às
três entidades a quem se outorgou a faculdade de expedir leis fiscais,
atribui-se o poder de serem sujeitos ativos de relações jurídicas de
cunho tributário. Desse modo, sendo a União competente para
legislar sobre IPI, será ela, em princípio, a pessoa capaz de integrar a
relação jurídica, na condição de titular do direito subjetivo de exigir o
aludido imposto. Assim ocorre com grande número de tributos, tanto
vinculados como não vinculados. Omitindo-se o legislador a propósito
do sujeito ativo do vínculo que irá desabrochar com o acontecimento
do fato jurídico tributário, podemos perfeitamente entender que se a si
próprio, na qualidade de pessoa jurídica de direito público.
Em algumas oportunidades, porém, verificamos que a lei instituidora
do gravame indica sujeito ativo diferente daquele que detém a
respectiva competência, o que nos conduz à conclusão de que uma é
a pessoa competente, outra a pessoa credenciada a postular o
cumprimento da prestação. Ora, sempre que isso se der, apontando a
lei um sujeito ativo diverso do portador do portador da competência
impositiva, estará o estudioso habilitado a reconhecer duas situações
jurídicas distintas: a) o sujeito ativo, que não é titular da competência,
recebe atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, executando as
normas legais correspondentes (CTN, art. 7º), com as garantias e
privilégios processuais que competem à pessoa que legislou (CTN,
art. 7º, § 1º), mas não fica com o produto arrecadado, isto é, transfere
os recursos ao ente público; ou b) o sujeito ativo indicado recebe as
mesmas atribuições do item a, acrescidas da disponibilidade sobre os
valores arrecadados, para que as aplique no desempenho de suas
atividades específicas. Nesta última hipótese, temos consubstanciado
o fenômeno jurídico da parafiscalidade.
Colocado esse preâmbulo, podemos definir parafiscalidade como o
fenômeno que consiste na circunstância de a lei tributária nomear
sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a
disponibilidade dos recursos auferidos, para o implemento de seus
objetivos peculiares.
Anteriormente a Carta Magna de 1988, havia 4 (quatro) serviços sociais
autônomos, quais sejam: Sesi, Senai, Senac e Sesc, todos criados por
decretos-leis que instituíram as contribuições parafiscais para o seu
29
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 229.
19
financiamento.
Sendo
que
tais
contribuições
foram
recepcionadas
expressamente pela Carta Magna de 1988, no seu artigo 240.
Ficou demonstrado também, com a redação do artigo 240 da CF/88 que
as contribuições parafiscais de Senai, Sesi, Sesc e Senac, são distintas das
contribuições sociais do art. 195 da CF 1988, as quais são destinadas ao
financiamento da seguridade social, por expressa redação Constitucional,
sendo necessário situá-las em outra categoria.
Assim, ao analisar a Carta Política de 1988, chega-se a redação do art.
149. Pela redação do dispositivo legal referido, contata-se que as contribuições
dos quatro “S’’ pioneiros (Senai, Sesi, Senac e Sesc), podem ser consideradas
como de interesse das categorias profissionais.
Por isso as contribuições de Senar, Secoop e Sest/Senat, que foram
criadas nos mesmos moldes de Sesi/Senai, Sesc/Senac, podem também ser
consideradas contribuições de interesse das categorias profissionais.
Já a contribuição de outro serviço social autônomo, o Sebrae, que
atualmente divide sua contribuição com a Apex-Brasil e da ABDI, tem feição
própria, sendo entendida pela maioria da doutrina e pela jurisprudência como
interventiva do domínio econômico, também com respaldo no artigo 149 da
CF/88.
Acerca do aludido, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, in verbis:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO:
SEBRAE: CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO
ECONÔMICO. Lei 8.029, de 12.4.1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de
28.12.1990. Lei 10.668, de 14.5.2003. C.F., art. 146, III; art. 149; art.
154, I; art. 195, § 4º.
I. - As contribuições do art. 149, C.F. - contribuições sociais, de
intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias
profissionais ou econômicas - posto estarem sujeitas à lei
complementar do art. 146, III, C.F., isto não quer dizer que deverão
ser instituídas por lei complementar. A contribuição social do art. 195,
§ 4º, C.F., decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição,
será observada a técnica da competência residual da União: C.F., art.
154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é
imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua
hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: C.F., art.
146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, RTJ
143/313; RE 146.733/SP, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/684.
II. - A contribuição do SEBRAE - Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação
das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 - é contribuição de intervenção no
domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional
às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de
que trata o art. 1º do D.L. 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC.
20
Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240,
C.F.
III.
Constitucionalidade
da
contribuição
do
SEBRAE.
Constitucionalidade, portanto, do § 3º, do art. 8º, da Lei 8.029/90, com
a redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003. IV. - R.E. conhecido,
30
mas improvido.
Superados esses primeiros conceitos introdutórios passa-se a estudar
se essa contribuição parafiscal recebida pelos serviços sociais autônomos
pode ser considerada como “dinheiro público” administrado por entidades
privadas.
Importante estudar esse tópico, pois, a toda evidência, sendo a
contribuição parafiscal “dinheiro público” isso poderá contaminar a gestão da
entidade privada, podendo transformar-se em um imã das normas de direito
público para dentro da entidade privada.
José dos Santos Carvalho Filho31 entende que os recursos que mantêm
os serviços sociais autônomos são eminentemente públicos, senão veja-se:
[...] esses recursos não provem do erário, sendo normalmente
arrecadados pela autarquia previdenciaria (o INSS) e repassados
diretamente às entidades. Nem por isso deixam de caracterizar-se
como dinheiro público. E isso por mais de uma razão: primeiramente,
pela expressa previsão legal das contribuições; além disso, essas
contribuições não são facultativas, mas, ao revés, compulsórias, com
inegável similitude com os tributos; por fim, esses recursos estão
vinculados aos objetivos institucionais definidos na lei, constituindo
desvio de finalidade quaisquer dispêndios voltados para fins outros
que não aqueles.
Nesse diapasão, o juiz Francisco de Assis Barbosa Júnior32, no processo
00653.2008.008.13.00-4, entende que o fato das contribuições parafiscais
serem geridas e administradas por pessoas jurídicas de direito privado, não
vinculadas à Administração Pública, não perde o caráter de dinheiro público.
Isto porque existe expressa previsão para sua cobrança; seu pagamento não é
facultativo, similarmente aos tributos; e sua finalidade está vinculada pela lei.
De outra banda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho33, analisando consulta
30
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 396.266, Relator: Ministro Carlos
Velosso, 2003.
31
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2008, p. 501.
32
BARBOSA JÚNIOR, Francisco de Assis. Decisão no processo nº 00653.2008.008.13.00-4,
da 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande – PB.
33
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Parecer Elaborado para O Sesi sobre a Contribuição
Parafiscal a partir do artigo 149 da CF/88, 1996.
21
formulada sobre a natureza do SESI e da sua contribuição (mesma natureza do
SENAI), a partir do art. 149 da CF/88, acerca dos recursos recebidos pelos
serviços sociais autônomos, entende que:
O texto mostra que as contribuições podem servir ao “interesse das
categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua
atuação nas respectivas áreas”.
Isto significa – em português claro – que podem destinar-se a
aprovisionar de recursos entidades que atendem a interesses
coletivos: o interesse de categorias profissionais e econômicas.
Obviamente, para dar a elas recursos destinados a sustentar suas
atividades, na respectiva área.
Subjacente a isto, está o reconhecimento de que esses interesses
coletivos são de interesse geral. São do interesse da sociedade civil,
contribuem para bem comum.
Tais interesses, estritamente falando, não são “públicos”, enquanto
que o Estado não os assume.
Mais. Além de não os assumir, o Estado deixa a tutela de tais
interesses por conta de entidades distintas dele, que mesmo dele não
emanam, como os sindicatos em geral, entidades como o SESI, etc.,
entidades essas inteiramente autônomas em relação a ele.
[...] se o normal do tributo é aprovisionar o Estado e servir a
interesses públicos, claramente essas contribuições em benefício de
categorias profissionais e econômicas, são tributos anômalos. Como
acima se demonstrou, servem elas a interesses coletivos integrados
no interesse geral, não a interesses públicos, stricto sensu.
Assim, a contribuição que beneficia o SESI é um tributo anômalo. É
tributo, mas para aplicação especial, visando a finalidade especial,
por meio de ente não –estatal.
Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho34 o Serviço Social da
Indústria não gere:
Nem “dinheiro público”, nem “dinheiro do trabalhador”, como alegam
críticos mal informados.
Aqui mais uma vez é necessário um trabalho de clarificação
vocabular. É difícil porque a expressão não é técnica.
Dinheiro – sabe-se – é moeda corrente dotada de poder liberatório.
Mas, na linguagem dos economistas, a moeda pode ser também
escritural. Assim, “dinheiro público” seria moeda, inclusive escritural,
pertencente ao Estado. Esse, o sentido estrito da expressão.
[...] o SESI de modo algum estaria gerindo “dinheiro público”.
Realmente, a contribuição que o mantém não integra a título algum a
receita do Estado. Não é o produto de uma transferência, que o
Estado lhe repassa. Inclusive, porque a passagem dos recursos pelo
INSS é meramente procedimental.
34
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Parecer Elaborado para O Sesi sobre a Contribuição
Parafiscal a partir do artigo 149 da CF/88, 1996.
22
Num sentido vago, diz-se, na linguagem vulgar, ser dinheiro “público”
aquele que, vindo da tributação, serve a interesses assumidos pelo
Estado ou a interesses gerais.
A “dinheiro público”, nesta acepção, ou melhor, a “dinheiros ... e
valores públicos” é que se refere o art. 70, parágrafo único da
Constituição:
[...] veja-se bem, tal preceito não visa senão colocar em termos
amplíssimos a obrigação de prestar contas pelo emprego de recursos
auferidos do povo.
Complementa-se a resposta, ajuntando que a contribuição para o
SESI provém apenas e tão somente dos estabelecimentos industriais.
Apenas para o efeito de cálculo de seu montante é que se leva em
conta o total da remuneração paga aos respectivos empregados.
Assim – sempre em termos vulgares – esse dinheiro não vem dos
trabalhadores, mas das empresas empregadoras.
Portanto, para o referido mestre, o recurso recebido pelos serviços
sociais autônomos não são dinheiro público.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto35, em estudo solicitado pelo SENAI e
pelo SESI, consegue alinhar as duas situações – natureza jurídica dos Serviços
Sociais Autônomos e as receitas próprias que compulsoriamente recebem:
Em razão de sua natureza jurídica privada, os recursos paratributários auferidos, ao se incorporarem aos patrimônios das
CONSULENTES, perdem a natureza de dinheiro público, de modo
que a gestão financeira de ambas é também totalmente privada.
Dessa forma, entende o autor que os recursos ao incorporarem no
patrimônio dos serviços sociais autônomos perdem a natureza de dinheiro
público.
Neste liame, o Juiz do Trabalho, Sr. Domingos Sávio Gomes dos
Santos36, da 2ª Vara do Trabalho de Porto Velho/RO, também entende não se
tratar de recursos públicos a contribuição compulsória que recebem os serviços
sociais autônomos, conforme se verifica nos termos da ação civil pública
00767.2008.002.14.00-0:
A expressão “parafiscal” foi empregada na linguagem financeira da
França, em 1946, para designar certos tributos que ora eram
verdadeiros impostos, ora taxas e às vezes um misto de duas
categorias e atribuído o poder fiscal a entidades de caráter autônomo,
investidas de competência para o desempenho de alguma ou alguns
fins públicos, beneficiárias.
35
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Parecer Para Consulentes: Sesi - Serviço Social da
Indústria e Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, 7 de outubro de 2005,
Teresópolis, p. 02.
36
DOS SANTOS, Domingos Sávio Gomes. Decisão no processo nº 00767.2008.002.14.00-0,
2ª Vara do Trabalho de Porto Velho/RO.
23
Mesmo sendo contribuições instituídas pela União, e com caráter
compulsório, entendo não se tratar de recursos públicos, haja
vista que os sindicatos, também são mantidos por contribuições,
e uma delas compulsória, e nem por isso são fiscalizados pelo
Poder Público.
Quando uma pessoa que não aquela que criou o tributo vem a
arrecadá-lo para si própria, dizemos que se está presente o fenômeno
da parafiscalidade. (Roque Antônio Carranza).
2.3 A Vinculação ao Tribunal de Contas da União
Partindo-se do entendimento que as contribuições parafiscais são
“dinheiro público”, a toda evidência, o Tribunal de Contas da União é o órgão
técnico responsável por fiscalizar as contas dos serviços sociais autônomos
pois, este órgão é responsável por fiscalizar qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiro, bens e valores públicos, ou pelos quais a União responda, ou que, em
nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária, com fundamento nos
artigos 70, parágrafo único, e 71 da Constituição Federal de 1988.
Assim, resta claro que, se as contribuições parafiscais recebidas pelos
serviços sociais autônomos são efetivamente dinheiro público, devem essas
entidades se submeter ao controle do Tribunal de Contas da União, apesar de
serem entidades de direito privado, desvinculadas da Administração Pública,
devendo, portanto, demonstrar a esse órgão que os recursos geridos de forma
privada estão sendo aplicados na missão com a maior qualidade e eficiência
possível.
Entretanto, é importante destacar que a Lei de criação dos serviços
sociais autônomos não determinou que essas entidades prestem contas ao
TCU e nem mesmo outras legislações o fizeram. Assim, se considerarmos a
posição da doutrina que entende que as contribuições parafiscais não são
“dinheiro público”, não estariam os serviços sociais autônomos submetidos ao
controle do TCU, devendo apenas prestar contas das atividades finalística
desenvolvida aos ministérios vinculados à área de suas competências.
24
3. HIPÓTESES DE SUBMISSÃO ÀS REGRAS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
O legislador atual denomina, inclusive no texto da lei de criação, as
entidades que está se estudando de Serviços Sociais Autônomos. Assim, com
o objetivo de demonstrar-se, pela nomenclatura empregada, qual foi a intenção
do legislador com a criação deste tipo jurídico de entidade, apresenta-se o
conceito de “Autônomo” do dicionário Houaiss37:
Autônomo – que tem autonomia 1 dotado da faculdade de determinar
as próprias normas de conduta, sem imposições de outrem (diz-se de
indivíduo, instituição etc.) 2 que goza de liberdade administrativa e
política perante o poder central; que tem o direito de se governar
segundo as suas leis e costumes 3 que é um conjunto perfeito, e não
uma parte no desenvolvimento seqüencial de um organismo ... regido
por leis próprias, independente [...]
Diante desse conceito e do que foi até aqui exposto, ao que parece, a
intenção do legislador foi criar entidades independentes administrativa e
financeiramente, regidas por suas próprias leis, mesmo sabendo que essas
entidades utilizariam recursos oriundos de contribuição compulsória, cabendo a
elas apenas o dever de empregar os recursos recebidos na finalidade pela qual
foram constituídas, sob o controle finalístico do Poder Público.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento do ilustre doutrinador
Diógenes Gasparini38 entendendo que os serviços sociais autônomos são
totalmente independentes, não se subordinando, portanto, à Administração
Pública:
Essas entidades, entes privados de cooperação da Administração
Pública, sem fins lucrativos, genericamente denominadas serviços
sociais autônomos, foram criadas mediante autorização legislativa
federal, mas não prestam serviços públicos, nem integram a
Administração Pública federal direta ou indireta, ainda que dela
recebam reconhecimento e amparo financeiro. Exercem, isto sim,
atividades privadas de interesse público. São dotadas de patrimônio e
administração próprios. Não se subordinam à Administração
Pública Federal, apenas se vinculam ao Ministério cuja atividade,
por natureza, mais se aproxima das que desempenham, para
controle finalístico e prestação de contas. São associações,
sociedades civis ou fundações criadas segundo o modelo ditado pelo
Direito Privado, mas delas distinguem-se pelo poder de exigirem
contribuições de certos obrigados (industriais e comerciante),
37
HOUAISS, Antônio; VILLAR Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
38
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 418.
25
instituídas por lei conforme o previsto no art. 149 da Lei Magna.
(Grifei)
No entanto, para alguns renomados doutrinadores e magistrados, essa
autonomia
possui
determinadas
limitações,
pois
entendem
que,
por
administrarem recursos públicos e por ter privilégios típicos dos entes da
Administração Pública, os serviços sociais autônomos devem submeter-se às
suas regras e princípios.
Neste liame, destacam-se os ensinamentos da ilustre doutrinadora Maria
Sylvia Zanella Di Pietro39:
No entanto, pelo fato de administrarem verbas decorrentes de
contribuições parafiscais e gozarem de uma série de privilégios
próprios dos entes públicos, estão sujeitas a norma semelhantes
às da administração Pública, sob vários aspectos, em especial
no que diz respeito à observância dos princípios da licitação, à
exigência de processo seletivo para seleção de pessoal, à
prestação de contas, à equiparação dos seus empregados aos
servidores públicos para fins criminais (art. 327 do Código Penal) e
para fins de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2/6/92).
Também adotam essa posição os ilustres Procuradores do Trabalho Sr.
Carlos Eduardo de Azevedo Lima e Sr. Alpiniano do Prado Lopes40,
entendendo que as contribuições parafiscais que mantêm as entidades do
sistema “S” são efetivamente “dinheiro público” e, por esse motivo, devem
essas entidades se submeter aos princípios constitucionais que regem a
administração pública. Veja-se a ementa do estudo realizado pelos eminentes
membros do Ministério Público do Trabalho:
SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS. ENTIDADES INTEGRANTES
DO DENOMINADO “SISTEMA S”. PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PRIVADO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS.
SUBMISSÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL.
NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO NOS MOLDES
PREVISTOS NO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. As entidades que integram o que se convencionou rotular de
“Sistema S”, denominados pelos administrativistas de Serviços
Sociais Autônomos, embora consistam em pessoas jurídicas de
direito privado, utilizam-se de recursos públicos, repassados por
meio de contribuições parafiscais.
2. Todo aquele que gere recursos públicos submete-se, por
dever constitucional, à obrigação de demonstrar o seu correto
39
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 468.
LIMA, Carlos Eduardo de Azevedo; LOPES, Alpiniano do Prado. Parecer no processo
PI1242/2007 do Ministério Público do Trabalho e Ministério Público da União – Conap, p. 1.
40
26
emprego, o que se aplica tanto às aquisições ou outros tipos de
despesas, que necessitam de prévio procedimento licitatório,
quanto às contratações de pessoal, que carecem de processo
seletivo na forma prevista pelo art. 37 da Carta Magna, sob pena
de se reconhecer a nulidade de tais contratações, com todas as
conseqüências daí inerentes.
De outra banda, com entendimento diverso, o ex-Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Sr. Ilmar Galvão41, em estudo solicitado pelo SESI e pelo
SENAI, ensina que os serviços sociais autônomos não estão sujeitos às regras
e princípios da Administração Pública, in verbis:
As pessoas jurídicas de direito privado contempladas com contribuição
compulsória, como as Consulentes, desenganadamente, repise-se, só
têm de prestar contas da destinação dos valores recebidos, regra que
só poderia ser excepcionada por lei específica, como ocorre com as
organizações civis de interesse público e as organizações sociais. À
falta de disposição, legal ou contratual, não estão obrigadas à
aplicação de princípios de direito público, o que também acontece
nas concessões de serviço público e nas parcerias público privadas.
É claro que, independente de os recursos consistentes no produto da
arrecadação das contribuições passarem a integrar o patrimônio da
entidade de direito privado, permanece esta com obrigação de
demonstrar, de conformidade com a lei que a instituiu, que foram eles
regulamente utilizados na persecução dos objetivos visados em lei.
(Grifei)
(...)
Inexiste dispositivo legal que imponha aos serviços sob enfoque
a aplicação das normas de direito público para o recrutamento de
seu pessoal. A Constituição, no art. 71, III, restringe a apreciação do
TCU sobre atos de seleção e admissão de pessoal aos concernentes
à administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo poder público.
Assim, na ausência de lei específica dispondo em sentido contrário,
não há cogitar da extensão, às Consulentes, no que concerne ao
recrutamento de seus empregados, dos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tampouco, do
principio do concurso público de títulos e provas (caput e inciso II do
art. 37 da CF), todos eles expressamente endereçados aos órgãos da
Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Tampouco, estão tais entes jungidos à aplicação, a seus
empregados, das tabelas remuneratórias do Poder Público, certo que
até mesmo as sociedades civis de interesse público, submetidas,
como se viu, a sérias restrições em sua autonomia de gestão, foram
autorizadas a remunerar seus dirigentes e empregados segundo os
42
valores praticados pelo mercado.
(...)
41
GALVÃO, Ilmar. Estudo Solicitado pelo Sesi e Senai sobre os serviços sociais autônomos.
Brasília, maio de 2008, p. 11-12.
42
Ibidem p. 20-21.
27
Hão de reger-se elas, por óbvio, pelas normas contidas em seus
respectivos regimentos, sob o crivo do direito trabalhista, conforme
previsto no art. 42 do Regimento do SENAI e no art. 60 do
Regulamento do SESI.
Com efeito, exigir das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço de interesse público, pelo fato de
receberem recursos oriundos das contribuições compulsórias
vertidas pelas empresas industriais, a realização do concurso de
provas e títulos para seleção e admissão de seu pessoal,
significa submetê-las a princípios inteiramente incompatíveis
com a economicidade possibilitada pela flexibilidade e agilidade
operacional que lhes é própria, características de que,
justamente, procura beneficiar-se a Administração Pública, ao
compartilhar com elas a realização de atividade de interesse
público, configuraria, portanto, exorbitância que só viria
43
prejudicar a realização da atividade subvencionada.
Importante relembrar que, os serviços sociais autônomos pré-existem a
Constituição Federal de 1988, como se viu anteriormente, foram recepcionados
pela mesma, através do artigo 240 da Carta Política. Contudo, o legislador
Constituinte não incluiu no texto do artigo 37 da mesma Constituição os
serviços sociais autônomos.
Por isso, considerando que os serviços sociais autônomos não integram
a Administração Pública e nada falou o legislador constituinte sobre os mesmos
no artigo 37 da Constituição e nem outras legislações esparsas o fizeram, ao
que parece, essas entidades não estão subordinadas a regras desse
dispositivo legal, nem, tão pouco, aos seus princípios.
De outra banda, em que pese não haja lei expressa determinando que
as entidades criadas como serviços sociais autônomos atendam aos princípios
da Administração Pública, pode-se entender que o dinheiro público atrai a
observância de alguns princípios básicos da Administração Pública, pois não
seria justo nem razoável que o dinheiro público seja utilizado sem nenhum
critério e ao prazer de seus administradores. Esse fenômeno é chamado pelo
Procurador do Estado do Paraná, Dr. José Anacleto Abduch Santos44 como
“teoria do imã”, note-se a lição do mestre:
Toda contratação realizada com dinheiro público deve ser
precedida de processo licitatório, com exceção das hipóteses de
dispensa ou de inexigibilidade, legalmente previstas. A regra tem
origem no princípio republicano e no artigo 37, XXI da Constituição
43
GALVÃO, Ilmar. Estudo Solicitado pelo Sesi e Senai sobre os serviços sociais autônomos.
Brasília, maio de 2008, p. 21-22.
44
SANTOS, José Anacleto Abduch. Respeito ao dinheiro público/ Opinião, Gazeta do Povo,
Paraná, 14 mar. 2008.
28
Federal. O tema licitação é dos nucleares e fundamentais em direito
público. Simultaneamente, trata de deveres da administração – a
busca da proposta mais vantajosa e a garantia do princípio da
isonomia. Trata ainda de direitos dos administrados, especificamente,
de ter assegurado o quinhão de participação nos negócios com o
Estado e de ter a certeza da proba e correta aplicação de
recursos públicos. A compreensão adequada das relações jurídicas
envolvendo as contratações públicas demanda considerar o ambiente
social, econômico, político e jurídico no qual se inserem em um
determinado momento histórico.
Nessa linha, um dos aspectos relevantes a serem considerados
em relação ao tema é a submissão ou não das entidades que
integram o terceiro setor, e mesmo das ONGs, ao princípio
licitatório: devem ou não licitar quando contratam usando
dinheiro público? Integram o terceiro setor as entidades privadas
não inseridas na estrutura estatal (primeiro setor), que não objetivam
o lucro, finalidade típica da atividade empresarial (segundo setor).
Sob o manto da denominação terceiro setor estão albergadas
associações, fundações, e entidades de assistência social voltadas a
ações de educação, saúde, esporte, meio ambiente, cultura, ciência,
tecnologia, entre outras organizações da sociedade civil, desde que
destituídas de fins lucrativos. (...)
Ao receberem mister estatal ou recursos públicos para gerir,
entidades do terceiro setor se subsumem, ainda que
parcialmente, ao regime jurídico de direito público. Esse
fenômeno pode ser denominado, didaticamente, como "teoria do
ímã" (sem qualquer cientificidade na designação) – o fato de a
entidade do terceiro setor exercer função estatal ou gerir
recursos públicos, como um ímã, atrai o regime jurídico público,
ou ao menos a necessidade de cogitar sua aplicação. Portanto,
essas duas circunstâncias – a realização de atividade de
natureza estatal e a gestão de recursos públicos – em conjunto
ou isoladas, exigem a aplicação do regime jurídico
administrativo: vale dizer, o conjunto de normas, princípios e
valores que orientam a atuação da administração pública. Este
regime jurídico é marcado por alguns princípios fundamentais
como supremacia do interesse público, da isonomia, da
moralidade, da eficiência, da publicidade, da dignidade da
pessoa humana, licitatório, entre outros. Ainda que seja forçoso
reconhecer a inaplicabilidade da lei de licitações (Lei n.º 8666/93) ao
terceiro setor, as contratações com terceiros no cumprimento dos
misteres públicos, com aplicação de recursos públicos, devem
atender o princípio licitatório. De que forma? Mediante edição de
regulamentos próprios (...)
Estes regulamentos deverão conter previsões expressas acerca dos
elementos necessários à garantia da qualidade da contratação,
especialmente quanto às capacidades jurídica, técnica e financeira e
quanto à regularidade fiscal dos interessados em com ela contratar.
Devem conter igualmente requisitos de admissibilidade das propostas
(no tocante à qualidade do objeto), bem como outros elementos
reputados necessários à seleção da melhor proposta e que possam
assegurar o princípio da igualdade e o controle da execução
contratual. Impor tais regras ao terceiro setor não implica exigir
da administração privada a racionalidade da administração
pública como regra. Implica apenas admitir que a gestão de
recursos públicos exige a submissão do gestor a um específico
e determinado sistema de normas e valores constitucionalmente
previstos, que incluem também o princípio do controle e da
prestação de contas, pelo qual estão os particulares que gerem
29
recursos públicos submetidos ao crivo dos órgãos de controle
(Tribunais de Contas).
A gestão de recursos públicos, seja pelo Estado, seja por
particulares desenvolvendo função estatal, deve se submeter a
todos os preceitos constitucionais orientados à excelência do
uso do dinheiro, a assegurar a igualdade de oportunidade de
usufruir dos negócios públicos, e à sanção dos responsáveis por
atos de malversação. Notícias recentes têm dado conta de
irregularidades supostamente cometidas por ONGs no uso de
dinheiro público. Que isso não sirva de pretexto para o desmanche de
uma formatação jurídica adequada e útil para exercer função estatal
mediante atuação de entidades privadas. Receita infalível para evitar
irregularidades é lembrar que no tocante a dinheiro público, a
racionalidade de sua utilização deve ser sempre pública. A
legalidade para os particulares importa garantia de fazer o que a
lei não proíbe. Em relação ao dinheiro público, a lógica da
legalidade é outra: somente é correto fazer o que a lei determina
e autoriza.
3.1 Na Licitação
Entende o Tribunal de Contas da União que os serviços sociais
autônomos não estão obrigados a atender às regras da Lei 8.666/93, a partir
da sua expressa conclusão em sentido contrário, consubstanciada e
didaticamente acolhida na Decisão Plenária 907/97.
Em síntese, concluiu a Egrégia Corte de Contas que os Serviços Sociais
Autônomos somente poderiam ser agregados ao rol dos destinatários da Lei nº
8.666/93 se assim tivesse a própria lei determinado.
A Corte de Contas também reconheceu que cabe aos próprios Serviços
Sociais Autônomos baixar e aprovar seus regulamentos próprios.
Contudo, José dos Santos Carvalho Filho45, não concorda com essa
posição do Tribunal de Contas da União, dizendo, inicialmente, que a Corte de
Contas por diversas vezes entendeu que os serviços sociais autônomos
deviam atender às regras da Lei 8.666/1993, com fundamento no seu artigo 1º,
parágrafo único, o qual aduz estarem obrigadas as “demais entidades
controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios”.
O referido Autor apresenta uma síntese da Decisão nº 907/97 – TCU –
Plenário e Decisão nº 461/98 – TCU – Plenário referindo os principais pontos
que levaram a Contas de Contas a decidir pela não submissão dos serviços
45
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005, p. 427.
30
sociais autônomos as regras de licitações e contratos administrativos previstas
na Lei 8.666/93:
a)
como o artigo 22, XXVII, da CF, só relaciona a Administração
Direta e Indireta como obrigadas a licitação, ficam excluídas as
pessoas de cooperação governamental (serviços sociais autônomos);
b)
a Lei nº 8.666/93 não poderia ampliar a obrigatoriedade
constitucional, para incluir tais entidades em seu próprio raio de
incidência;
c)
quando a referida lei, em seu artigo 1º § único diz que estão a
ela obrigadas as demais entidades controladas direta ou
indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, há
de considerar o conceito de entidades controladas nos termos do
artigo 243, § 2º, da Lei nº 6.404/76 (Lei de Sociedades Anônimas), ou
seja, somente estariam obrigadas empresas públicas e sociedades de
46
economia mista.
Segundo o referido doutrinador, “o fato de o art. 22, XXVII, da CF, aludir
apenas à administração direta e indireta não exclui a possibilidade de o
legislador exigir de outras pessoas se submetam também à Lei nº 8.666/93”.47
No que se refere ao fato de que a expressão “controladas indiretamente”
tenha sido limitada ao entendimento constante da Lei nº 6.404/76, José dos
Santos Carvalho Filho48, não concorda com esta restrição e assevera que as
pessoas de cooperação (serviços sociais autônomos), embora organizados
pelo setor privado, foram previstas em lei para o exercício de determinadas
funções e contempladas com faculdade de exigirem e arrecadarem para
contribuições parafiscais compulsórias, características que segundo o Autor
são mais que suficientes para justificar a necessidade de o Poder Público
submetê-las a controles visando assegurar o bom uso do dinheiro público. Diz
o mestre de forma incisiva:
Para deixar bem clara a nossa posição, queremos deixar registrado
que não estamos questionando se é conveniente ou não que o
Estatuto as alcance. Apenas estamos interpretando as diretrizes da
lei para entender que o texto legal, além de não ofender a
Constituição, inclui realmente as pessoas de cooperação
governamental. E que, se a mudança tiver que acontecer, que o seja
através de nova lei federal, e não por interpretação dissonante do
texto legal vigente. Em suma, parecenos que a melhor interpretação
era aquela que o Colendo TCU dispensava à matéria anteriormente.
O citado estatuto permitiu, porém, a edição de regulamentos próprios,
46
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005, p. 427.
47
Ibidem, p. 428.
48
Ibidem, p. 428.
31
aprovados pela autoridade competente superior, desde que
observados os princípios estabelecidos para o procedimento do
processo licitatório (art. 119 e parágrafo único).
Em que pese as posições contrárias, hoje se sobrepõe a decisão do
Tribunal de Contas da União e, portanto, os serviços sociais autônomos
atendem em suas compras, obras, serviços e alienações, os seus respectivos
regulamentos próprios de licitações e contratos, mesmo que mais flexíveis que
a Lei 8.666/1993.
3.2 Nos Princípios da Administração Pública e nos Concursos Públicos
A doutrina majoritária entende que os serviços sociais autônomos não
estão obrigados a realizar concurso público, mas devem atender na
contratação de seus funcionários os princípios básicos da administração
pública, conforme podemos observar na lição de José dos Santos Carvalho
Filho49:
Outro aspecto que merece realce consiste na real posição que os
serviços sociais autônomos ostentam no sistema de prestação de
serviços públicos. Em virtude de reconhecida importância de seus
objetivos, tais pessoas têm sido equivocadamente consideradas
como pessoas da Administração Indireta.
Tal equiparação é errônea e despida de fundamento legal. O fato de
serem elas submetidas a algumas formas de controle especial por
parte do Poder Público não enseja seu enquadramento como
pessoas da Administração Indireta. E isso porque, primeiramente, tais
formas de controle têm que estar expressamente previstas na lei, e,
segundo, porque as pessoas da administração descentralizada, como
vimos anteriormente, já estão relacionadas na lei própria (Decr.-lei
200/67).
Diante desses elementos, não abonamos, com a devida vênia, a
recomendação que o Tribunal de Contas da União tem dirigido a
algumas dessas entidades, no sentido de que seus dirigentes tenham
limitação remuneratória, na forma do art. 37, XI, da CF. Chega a ser
surpreendente essa posição do TCU. O art. 37 da Constituição tem
como destinatários apenas a Administração Direta e as entidades da
Administração Indireta, conforme está expresso em seu texto, e, se
assim é, não pode o intérprete alargar os parâmetros que o
Constituinte fixou. O dispositivo, portanto, não alcança dirigentes e
empregados do SESI, SENAI, SESC SENAC E SEBRAE, só para
apontar algumas dessas entidades. A recomendação, por
conseguinte, está contaminada de vício de legalidade e de
constitucionalidade, rendendo ensejo à sua invalidação.
É preciso salientar que o art. 37 da CF tem como únicos destinatários
os entes da Administração direta e Indireta e, por isso mesmo, não
pode ser aplicado a entidades de outra natureza, sobretudo no que
49
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2008, p. 482-483.
32
diz respeito às restrições que contém. Assim, também não procede o
entendimento de algumas vozes do TCU no sentido de ser exigido
para os entes de cooperação governamental o sistema de concurso
público adotado para a Administração Pública (art. 37, II, CF).
Pode exigir-se, isto sim, a observância dos princípios gerais da
legalidade, moralidade e impessoalidade, e isso porque deve
obedecer apenas aos critérios por elas estabelecidos. (...)
Afigura-se óbvia, portanto, a confusão que alguns fazem sobre a real
posição topográfica dos serviços sociais autônomos no sistema
administrativo e de execução de serviços públicos. Releva notar que
a execução de serviços públicos não é fato idôneo a, isoladamente,
acarretar a inserção da pessoa prestadora no elenco das pessoas
administrativas.
Assim, reitere-se que essas pessoas de cooperação governamental
podem ter aqui e ali uma certa aproximação com pessoas da
Administração, mas o certo é que, por força de lei, não integram a
Administração Indireta. Em conseqüência, o regime jurídico aplicável
a pessoas administrativas não pode ser o mesmo a incidir sobre os
serviços sociais autônomos.
Em relação a essa possível submissão dos serviços sociais autônomos
aos princípios da Administração Pública e a obrigatoriedade de realização de
concurso público para a seleção de pessoal, tal questão vem sendo
amplamente discutida em ações civis públicas, ajuizadas pelo Ministério
Público do Trabalho em todo o Brasil. Essas ações têm por objetivo, através do
Poder Judiciário, obrigar as entidades constituídas como serviços sociais
autônomos a atender aos princípios e regras do artigo 37 caput e inciso II, da
Constituição Federal, na contratação de pessoal.
3.3 O Entendimento dos Tribunais Brasileiros
Os ilustres magistrados, em diversos estados do país, estão julgando a
matéria, apresentando inúmeras divergências interessantes acerca da questão
em tela, as quais destacam-se pela sua relevância ao tema ora abordado.
Na sentença proferida, em 24/09/08, nos autos do processo nº 016332008-001-18-00-9, ajuizado contra o SENAC, a MM. Juíza do Trabalho, da 1ª
Vara do Trabalho de Goiânia/GO, Dra. Rosana Rabelo Padovani Messias50,
manifestou o seguinte entendimento:
O artigo 5º, inciso II da Constituição Federal consagra o princípio
da legalidade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
50
MESSIAS, Rosana Rabelo Padovani. Decisão no processo nº 01633-2008-001-18-00-9, da
1ª Vara do Trabalho de Goiânia/GO.
33
Trata-se de enunciado legal essencial ao Estado de Direito e
deve ser lido, inclusive, como garantia individual no sentido de
que o Estado ou o Poder Público não podem exigir qualquer
ação, nem qualquer abstenção ou proibição de conduta senão
em virtude da lei.
[...]
Como corolário da assertiva acima, as pessoas jurídicas que não
se incluam na administração direta ou indireta não estão
obrigadas à realizar concurso público.
[...]
Necessário reiterar-se que os serviços sociais autônomos ou
pessoas de cooperação governamental não integram a
administração indireta, sendo que, conquanto recebam dinheiro
público arrecadado por meio de contribuições parafiscais
recolhidas
compulsoriamente
não
estão
sujeitas
a
regulamentação prevista no artigo 37 da Carta Magna.
[...]
Considerando que a lei não estabelece ao Senac caráter de
entidade pertencente a administração indireta, julgo que não está
sujeito ao comando constitucional do concurso público, sendo
facetas distintas a percepção da receita e a submissão as
normas administrativas, sendo que, o controle a que se submete
é financeiro e finalístico de sua atividade.
[...]
Releva notar que a execução de serviços públicos não é fato
idôneo a, isoladamente, acarretar a inserção da pessoa prestadora
no elenco das pessoas administrativas. Assim, reitere-se que essas
pessoas de cooperação governamental podem ter aqui e ali uma
certa aproximação com pessoas da Administração, mas o certo é
que, por força de lei, não integram a Administração Indireta. Em
conseqüência, o regime jurídico aplicável a pessoas administrativas
não pode ser o mesmo a incidir sobre os serviços sociais autônomos.
(grifei)
A Magistrada fundamenta, ainda, a impossibilidade de se aplicar aos
integrantes do “Sistema S” o previsto no art. 37 da CF, tomando por base o
Acórdão nº 2788/2006, do Tribunal de Contas da União – órgão com
competência para fiscalizar as contas do “Sistema S” - no qual foi reconhecido
que o SEBRAE não está obrigado a observar o limite remuneratório
estabelecido pelo art. 37, XI. In litteris:
De se notar que o inciso XI do art. 37 excluiu as entidades da
administração indireta, estabelecendo limitações expressas à
remuneração percebida na administração direta, nas autarquias e
fundações.
Dessa forma, os serviços sociais autônomos não integram o rol de
entidades enumeradas no inciso XI do art. 37. Assim, por não serem
empresas públicas nem sociedades de economia mista, tampouco se
lhes aplica o disposto no § 9º do art. 37. Como a Constituição, desde
a EC nº 19, não mais confere ao legislador ordinário competência
34
para dispor sobre limites de remuneração, deve ser tornado
51
insubsistente o item 8.3b do Acórdão recorrido.
No mesmo sentido, foi a decisão do Magistrado Eduardo Souto Maior B.
Cavalcanti52, da 3ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB, ao indeferir o pedido
intentado contra o SEBRAE/PB na ação nº 00711.2008.003.13.00-00.
Diz o Magistrado, não ser possível a interpretação analógica do art. 37
da CF, uma vez que o artigo 240 da Carta Constitucional trata expressamente
dos Serviços Sociais Autônomos.
Tendo em vista que as entidades de Direito Privado só estão obrigadas
ao que expressamente a lei determina, o Juiz complementa que somente seria
possível a submissão dos Serviços Sociais Autônomos ao regime de direito
público se houvesse previsão legal expressa nesse sentido, a exemplo do que
ocorre com as organizações civis previstas pela Lei 9.637, de 18/05/1998 ou
das sociedades civis regradas pela Lei 9.790 de 23/03/1999.53
O Magistrado traz à baila a seguinte discussão: o caso das organizações
sindicais que são custeadas por recursos públicos originários de recolhimentos
obrigatórios (CF/88, art. 8º. Inc. IV), bem como os Sindicatos, as Santas Casas
de Misericórdia e diversas ONG’s todos custeados por provisões estatais sem
que sejam obrigadas a realizar contratação de pessoal nos moldes de concurso
público. Destaca-se:
Entende este órgão judicante que o aporte de recursos públicos
a entes privados tem por escopo o fomento do desenvolvimento
de atividades de interesse coletivo, não tendo o condão,
entretanto, de submetê-las ao regime de direito público. Isso só
seria possível por meio de previsão legal expressa nesse
sentido, como ocorre com as organizações civis previstas pela
Lei 9.637, de 18/05/1998 (cujo art. 7º é cristalino ao estabelecer a
observância
dos
mesmos
princípios
constitucionais
estabelecidos para a Administração Pública) ou como ocorre
com as sociedade civis regradas pela Lei 9.790, de 23/03/1999
Não se pode olvidar que as próprias organizações sindicais
também são custeadas com “dinheiro público” originário de
recolhimentos obrigatórios, sem que lhe seja exigida a
observância dos princípios administrativos preconizados no art.
37 da CF/88.
51
BRASIL, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2788/2006. Disponível em
http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/ServletTcuProxy Acesso em 20 mar. 2009.
52
CAVALCANTI, Eduardo Souto Maior B. ao indeferir o pedido intentado contra o SEBRAE/PB
na ação nº 00711.2008.003.13.00-00, da 3ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB.
53
Ibidem.
35
Levando-a à idéia do MPT autor às últimas conseqüências, terse-ia que “engessar” toda e qualquer atividade que, de alguma
maneira, recebe dinheiro público, no que tange à admissão de
pessoal. Ficariam, destarte, adstritos à exigência do concurso,
além de sindicatos ,até mesmo as Santas Casas de Misericórdia
e mesmo diversos ONGs que se sustentam exclusiva o
majoritariamente por meio de provisões estatais. De fato, tal
idéia se afigura absolutamente absurda e mesmo temerária,
54
porquanto sem qualquer respaldo legal.
Assim, conclui-se da decisão do magistrado, que as Leis que criaram os
serviços sociais autônomos nada mencionaram sobre a obrigatoriedade da
observância do art. 37 da CF, e o deixou de fazer justamente para dar agilidade
nas operações dos serviços desenvolvidos.
Não é diverso o entendimento esposado Sebastião Abreu de Almeida55,
da 4º Vara do Trabalho de Porto Velho/RO, ao fundamentar o indeferimento do
Ministério Público do Trabalho, na Ação Civil Pública nº 00764.2008.004.14.000, ajuizada contra o SESI, e para isso esclarece a impossibilidade do aplicador
da lei avocar a si o papel de legislador, lembrando que esse poder também não
é dado a qualquer Instrução Normativa de órgão executivo (art. 17 da IN nº
01/1997 da Secretaria do Tesouro Nacional) como sustentou o Ministério
Público do Trabalho nas referidas ações civis públicas.
Não pode, porém, o aplicador do direito se avocar no papel de
Constituinte e declarar a inconstitucionalidade de norma
constitucional originária, pois não há antinomias válidas na
emanação de vontade do constituinte originário.
Os serviços sociais autônomos não são os únicos entes que têm
como fonte de custeio de suas atividades contribuições impostas pelo
Estado. Sindicatos também se mantêm com contribuições
compulsórias impostas a integrantes da categoria ainda que não
associados. Isso sem falar nos cartórios extrajudiciais, que são
remunerados com emolumentos fixados pelo Estado e que
recebem monopólio para exploração de uma atividade pública e
contratam seu pessoal sem submissão a concurso público.
Isto sem falar nas Santas Casas e outras instituições pias, nas
famigeradas organizações não-governamentais - ONG's e outras
organizações socais que recebem repasse direto do Estado e que
também não se sujeitam à concurso público para seleção de seu
pessoal.
54
CAVALCANTI, Eduardo Souto Maior B. ao indeferir o pedido intentado contra o SEBRAE/PB
na ação nº 00711.2008.003.13.00-00, da 3ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB.
55
DE ALMEIDA, Sebastião Abreu. ao fundamentar o indeferimento do Ministério Público do
Trabalho, na Ação Civil Pública nº 00764.2008.004.14.00-0, da 4º Vara do Trabalho de Porto
Velho/RO.
36
É, portanto, frágil o argumento de que o fato de gerir recursos
públicos impõe aos serviços sociais autônomos a submissão às
regras de seleção e contratação de pessoal previstas no art. 37
da CF/88, sendo até mesmo questionável à assertiva de que tais
entes gerem recursos públicos, pois a contribuição por eles
recebida em nenhum momento pertenceu aos cofres públicos,
não se podendo confundir a instituição de contribuição de
intervenção no domínio econômico pelo Estado com a gestão de
recursos púbicos pelos serviços sociais autônomos.
É claro que há interesse público nas atividades desenvolvidas pelos
serviços sociais autônomos, pois, do contrário, não haveria
justificação social para instituição de contribuições parafiscais em seu
favor. Isto autoriza fiscalização das atividades desses serviços
sociais autônomos para que se observe se eles estão cumprindo
a finalidade social a que se destinam, porém, não autoriza a
imposição a eles de normas destinadas expressamente à
Administração direta e indireta, já que tais entidades não
integram a Administração.
Não pode Instrução Normativa de orgão do executivo (art. 17 da
IN nº 01/1997 da Secretaria do Tesouro Nacional) e muito menos
decisão administrativa de órgão de controle de contas extrapolar
limites de sua competência regulamentar, de fiscalização ou
deliberativa e substituir o legislador.
O STF já se manifestou quanto à inexigibilidade de concurso
público em entidades que recebem contribuições parafiscais,
pois tal fato não lhe altera a natureza jurídica e não as insere
dentre os integrantes da Administração, mesmo quando se trata
de entidade com considerável função pública, a ponto inclusive
de estar legitimada à propositura de ação direta de
inconstitucionalidade, como a OAB, conforme decisão que ora
se transcreve:
[...]
Não há, portanto, como se impor ao réu a submissão de
concurso público para contratação de seu empregados ou se
impor a ele que observe em seus processos seletivos os
princípios do art. 37 da CF/88, pois estes se destinam à
Administração direta e indireta e nela não se insere o réu, sob
pena de afronta ao princípio da legalidade (art. 5º, II, da Carta
Magna).
O TRT da 10ª Região que em Recurso Ordinário decorrente de
Reclamatória Trabalhista, na qual a Reclamante pleiteava vínculo empregatício
com o SESC, serviço social autônomo clássico, acabou enfrentando a questão
da natureza jurídica dessas entidades e entendeu pela (não) submissão
destes as regras típicas do Poder Público, para assim decidir, in verbis:
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. SESC. Deve ser reconhecido o vínculo
em havendo prova documental capaz de evidenciar os seus
elementos caracterizadores. O fato de a demandante ser empregada
do SENAC em nada impede o reconhecimento do vínculo com o
SESC, uma vez que ambos são entes de cooperação de direito
privado, que, embora criados ou autorizados por lei, não se
37
enquadram entre os órgãos integrados na Administração Direta
nem entre as entidades da Administração Indireta (ensina Hely
Lopes Meirelles, em Direito Administrativo Brasileiro), sujeitos a
concurso público e à vedação da cumulação de cargos. Os entes
de cooperação têm empregados regidos pela CLT e não se
encontram atrelados aos misteres burocráticos das repartições
56
estatais.
No acórdão 2305/07, prolatado na representação TC 019.946/2005-4
(DJ de 5/11/07), o Plenário do TCU, por 6 (seis) votos a 1 (um), não conheceu
da representação formulada pela Secretaria Federal de Controle, que pedia a
anulação dos Regulamentos de Contratação de Empregados utilizados pelos
Serviços Sociais Autônomos.
A partir do voto do Ministro relator, Marcos Bemquerer57, percebe-se que
a orientação da Corte de Contas é segura no sentido de não se aplicar a
regra do concurso público aos Serviços Sociais Autônomos.
De outra banda, existem decisões do judiciário e do próprio TCU com
entendimentos diversos como será verificado.
O Juiz do Trabalho Ariel Salete De Moraes Junior58 diz que, embora os
serviços sociais autônomos sejam entidades privadas, desvinculados da
administração pública, devem os mesmos se submeter aos princípios típicos da
administração
púbica,
pois
recebem
contribuições
sociais
pagas
compulsoriamente e servem a administração do país, “de modo que é
necessário que a impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade estejam
presentes nos atos praticados pelas entidades integrantes do denominado
“Sistema S”.
Segundo o juiz Júlio César Bebber59, os requisitos constitucionais do
artigo 37 da CF/88 vão além do conceito próprio de administração pública
direta e indireta, eles devem nortear toda a estrutura governamental, que inclui
os serviços sociais autônomos (sistema S). Veja-se o posicionamento do
referido magistrado:
56
BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho (10ª Região), RO 02295/2001, 2ª Turma, 12 abr.
2002.
57
BEMQUERER, Marcos. Acórdão 2305/07, prolatado na representação TC 019.946/2005-4,
Plenário do TCU, 2007.
58
MORAES JUNIOR, Ariel Salete de. Decisão no processo 01464.2008.002.20.00.2, da 2ª
Vara do Trabalho de Aracajú/SE.
59
BEBBER. Júlio César. Decisão proferida no processo nº 01084.2008.002.24.006, 2ª Vara do
Trabalho de Campo Grande/MS.
38
Apesar de serem instituídas por lei e estarem vinculadas ao Estado,
as pessoas de cooperação governamental não integram a
Administração Direta ou Indireta, não se subordinando à
Administração Pública. Não obstante isso tudo, pelo fato de gerir
dinheiro público, os Serviços Sociais devem ser transparentes,
submetendo-se, portanto, aos princípios da Administração
Pública (CF, 37). Daí por que o recrutamento de empregados não
pode obedecer a outro critério que não o do concurso público
(Cf, 37, II, § 2º).
Adota a mesma posição o Juiz do trabalho Francisco de Assis Barbosa60
ao entender que o fato de os serviços sociais autônomos serem entidades
privadas não influencia na temática proposta, pois, também são entidades
privadas as sociedades de economia mista e as empresas públicas e, mesmo
assim, estão submetidas às regras da administração pública, por expressa
previsão Constitucional.
Diz o magistrado que os serviços sociais autônomos não estão
submissos aos princípios da administração pública por não integrá-la e por não
haver previsão legal, contudo, posiciona-se favorável a aplicação obrigatória de
concurso público para seleção de pessoal no âmbito destas entidades, bem
como aplicação dos princípios da Administração Pública, pois entende que, do
contrário, poderia se estar utilizando o dinheiro público de forma ilícita,
desigual, injusta, prejudicando toda a coletividade em favor de outrem
indevidamente.
E mais, fundamenta sua decisão referindo que, a obrigatoriedade de
aplicação dos princípios do artigo 37 da CF/88 à administração pública foi
determinada pelo legislador Constituinte não só pela finalidade pública da
administração, mas também em decorrência de lidar ela com valores da
coletividade. Por isso entende que mutatis mutandis, todos os que manuseiam
dinheiro da coletividade devem seguir a mesma trilha, ou seja, submeter-se às
regras da administração direta e indireta, visando utilizar corretamente e de
forma justa o dinheiro público.
Complementa o magistrado dizendo que, o fato das contribuições
parafiscais serem geridas e administradas por pessoas jurídicas de direito
privado, não vinculadas à administração pública, não é razão para perder-se o
caráter de dinheiro público. “Isto porque existe expressa previsão para sua
60
BARBOSA JÚNIOR, Francisco de Assis. Decisão no processo nº 00653-2008-008-13-00-4,
da 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande.
39
cobrança; seu pagamento não é facultativo, similarmente aos tributos; e sua
finalidade está vinculada pela lei.” 61
Por fim, manifesta douto magistrado que, por lidar com dinheiro público
deve-se tratar a todos igualmente, de maneira que se deve dar oportunidade
para todos de forma igual, o que só pode ser alcançado com a realização de
concurso público ou seleção com critérios objetivos.62
Pode-se observar que, o Tribunal de Contas da União manifestou-se em
diversas oportunidades no sentido que os serviços sociais autônomos devem
atender aos princípios elementares da Administração Pública, previstos no
artigo 37, caput, da Carta Política de 1988. Neste sentido, ressaltam-se as
seguintes decisões:
ACORDAM [...] em:
1.1. determinar à Administração Nacional do Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural que:
[...]1.1.3. adote processo seletivo simplificado na admissão de
pessoal, em observância aos princípios constitucionais da legalidade,
da moralidade, da finalidade, da isonomia, da igualdade e da
publicidade, em conformidade com o art. 37 da Constituição Federal e
com a jurisprudência do TCU, especialmente o Acórdão n. 2.305/2007
- TCU - Plenário; AC-0246-03/08-1 - Sessão: 19/02/08 - Relator:
Ministro Marcos Bemquerer Costa - TOMADA E PRESTAÇÃO
DE CONTAS
[ACÓRDÃO]
1.3. determinar ao Serviço Social do Comércio Administração
Regional em Roraima que:
[...]
1.3.9. adote processo seletivo simplificado na admissão de pessoal,
em observância aos princípios constitucionais da legalidade, da
moralidade, da finalidade, da isonomia, da igualdade e da
publicidade, em consonância com o Acórdão n. 2.305/2007 TCU
Plenário;Relator: Ministro Marcos Bemquerer Costa - TOMADA E
PRESTAÇÃO
DE
CONTAS
–
Sessão
20//11/2007.
[ACÓRDÃO]
Admitir que os serviços sociais autônomos possam promover, à sua
discricionariedade, seleções externas e internas para o recrutamento
de pessoal, preservado o processo seletivo público externo para o
ingresso de funcionários nos seus quadros;
61
BARBOSA JÚNIOR, Francisco de Assis. Decisão no processo nº 00653-2008-008-13-00-4,
da 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande.
62
Ibidem.
40
Recomendar às entidades integrantes do Sistema "S" que, em
conjunto, elaborem um regulamento que discipline a utilização dos
processos de recrutamento interno para o preenchimento de cargos
de seus quadros, fixando regras claras e objetivas que resguardem o
atendimento dos princípios constitucionais da legalidade,
impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade; ENTIDADE:
SEBRAE/NA - Acórdão: 369/2009 – Plenário - Data: 13/03/2009 Natureza: Representação - Processo: 005.452/2008-7
[ACÓRDÃO]
[...]
Abstenha-se de admitir pessoal sem a adoção dos procedimentos
previstos nos normativos internos, promovendo processo seletivo
para a admissão de pessoal e com observância dos princípios
constitucionais expressos no artigo 37 da Carta Magna, quais sejam:
legalidade; impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
ENTIDADE: SENAC/AC
Acórdão: 1046/2009 – Segunda
Câmara - Data: 17/03/2009 - Natureza: Prestação de Contas
Simplificada (exercício de 2003) - Processo: 007.645/2004-0
(ACÓRDÃO)
[...]
2.
Atender aos princípios constitucionais insculpidos no art. 37 e
70 da Constituição Federal na prática de qualquer ato de gestão,
principalmente naqueles que impliquem dispêndios financeiros, de
modo a tomar previamente inequívoca a finalidade pública que lhes
deve resultar. ENTIDADE: SESI/GO - Acórdão: 1487/2009 – Segunda
Câmara - Data: 06/04/2009 - Natureza: Prestação de Contas
Simplificada (exercício de 2002) - Processo: 009.939/2003-0
Não é diverso o entendimento da Juíza do Trabalho da 16ª Vara do
Trabalho de Belém/PA, Sra. Erika Moreira Bechara63, que julgou procedente a
Ação Civil Pública 01211-2008-016-08-00-7 ajuizada pelo MPT contra o
SENAT, fundamentando que, embora os serviços sociais autônomos sejam
entidades de natureza privada sendo ainda desvinculados da administração
pública, e ainda reconhecendo que os princípios do artigo 37 da Carta Política
são para as entidades da Administração Pública, pelo fato de os serviços
sociais autônomos, na sua ótica, administrarem recursos públicos, devem
submeter-se aos princípios e regras norteadores da Administração Pública.
Por todo acima exposto, verifica-se os Tribunais Pátrios ainda não
firmaram entendimento acerca da matéria, o que torna este estudo de extrema
relevância, na medida em que expõe todas as questões envolvidas quando se
trata de serviços sociais autônomos e sua tão discutida submissão.
Assim, resta evidente que, muito embora esta questão não tenha sido de
toda exaurida no presente trabalho, entende-se que os serviços sociais
63
BECHARA, Erika Moreira. Ao julgar procedente a Ação Civil Pública 01211-2008-016-08-007, da 16ª Vara do Trabalho de Belém/PA.
41
autônomos, por sua característica principal de desvinculação da Administração
Pública, não pode estar a esta submetida. Entretanto, na medida em que
recebe contribuições parafiscais de órgãos vinculados à Administração Pública,
deve vincular-se, no mínimo, ao Tribunal de Contas da União, a fim de ser de
algum modo fiscalizado, e prestar contas de seu trabalho desenvolvido e para o
qual foi criado, e atender aos princípios básicos da Administração Pública que
se
faz
necessário
frente
à
utilização
de
contribuições
recolhidas
compulsoriamente.
II. Conclusão
No decorrer do presente trabalho, procurou-se demonstrar os aspectos
concernentes aos serviços sociais autônomos, principalmente no tocante à
utilização pelas entidades dos recursos oriundos das contribuições parafiscais
e as conseqüentes responsabilidades trazidas pela administração destes
recursos.
Para tanto, de início, teceu-se um breve comentário acerca da
Administração Pública, no qual foi possível verificar que, a princípio, os
serviços e categorias de Entidades que integram a Administração Pública, no
rol do Decreto Lei 200/1967, em nenhum deles poderão ser enquadrados os
Serviços Sociais Autônomos.
Igualmente, da literal redação do artigo 37, da CF/88, restou evidente
que a observância dos princípios ali referidos é de obrigação dos órgãos da
Administração Direta e Indireta, contudo, em momento algum, o dispositivo
legal referiu que entidades que geram recursos públicos ou contribuições
parafiscais devem obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
No que tange a obrigatoriedade de realização de licitações para
aquisição de bens e serviços e concursos públicos para seleção de pessoal, foi
possível verificar que nada referiu a Lei maior acerca de entidades de natureza
jurídica semelhante aos serviços sociais autônomos, ou sobre entidades que
gerem recursos públicos, tampouco a Lei 8.666/1993 ou leis esparsas referiram
esse tipo de entidade.
Adiante no estudo, primou-se por analisar questões pertinentes aos
42
serviços sociais autônomos especificamente. Tendo em vista que o fato de os
serviços sociais autônomos serem entidades de direito privado que não
integram a Administração Pública, poder-se-ia concluir que essas entidades
não estão obrigadas a seguir nenhuma das regras anteriormente referidas.
No decorrer do presente trabalho, verificou-se que os serviços sociais
autônomos são entidades que possuem natureza jurídica de direito privado,
criados ou autorizados por uma lei específica, para o exercício de funções de
interesse do Estado, chamados serviços não exclusivos do Estado, tais como
de assistência social, educação e formação profissional, mediante o
recebimento de contribuições parafiscais.
Entretanto, chegou-se ao entendimento que o fato de administrar essas
contribuições compulsórias implica um grande problema, à medida que essas
entidades gerem recursos supostamente públicos e, por serem pessoas
jurídicas de natureza privada, não se submetem às rigorosas regras da
Administração Pública no controle dos mesmos.
Assim, no intuito de verificar se existem obrigações que devem ser
cumpridas pelos serviços sociais autônomos, além, é claro, de atender com
eficiência na execução dos serviços de interesse público (não-exclusivos do
Estado) pelo qual foram constituídos, constatou-se que existe muita
divergência quanto ao tema. Muitos doutrinadores entendem que os serviços
sociais autônomos, por administrarem recursos públicos, devem submeter-se
as mesmas regras e princípios impostos às entidades da Administração
Pública.
Todavia, outra corrente entende que, como não existe nenhuma regra
que obrigue os serviços sociais autônomos a atenderem às regras impostas à
Administração Pública e, tendo estas entidades natureza privada, devem
obrigar-se somente ao que expressamente a lei prevê, aliás, ao contrário da
Administração Pública que só deve fazer o que a Lei expressamente permitir.
Outrossim, firmou-se entendimento que essa regra deve ser relativizada
no caso sob análise, pois essas contribuições parafiscais que mantêm os
serviços sociais autônomos são contribuições cobradas compulsoriamente e
têm natureza tributária, sendo que, por isso, são consideradas “dinheiro
público” e, como tal, funciona como um ímã dos princípios elementares da
Administração Pública, esculpidos no artigo 37 caput da Constituição Federal
43
de 1988.
Não seria justo nem razoável que entidades que operam com recursos
públicos realizassem obras, alienações, compra de bens e serviços,
contratação de funcionários e outras atividades, sem atender aos princípios
básicos da legalidade, impessoalidade, moralidade, além é claro da eficiência,
que são elementares para o justo emprego do dinheiro público.
Porém, destacou-se o entendimento que somente os princípios
fundamentais da Administração Pública devem ser respeitados pelos serviços
sociais autônomos e não as regras específicas de concurso público e da Lei de
Licitações, pois, dessa forma, não engessaria os serviços sociais autônomos
com o excesso de burocracia, mas se garantiria o justo emprego do dinheiro
público com a atenção aos princípios básicos anteriormente referidos, de forma
a manter a qualidade e eficiência dos serviços de interesse público prestados
pelos serviços sociais autônomos.
Em que pese a jurisprudência pátria não haver ainda consolidado
entendimento acerca da matéria, ao longo do presente estudo, pôde-se
concluir que os serviços sociais autônomos devem atender somente aos
princípios básicos da Administração Pública, previstos no caput do artigo 37,
caput, da CF/88, não devendo atender às regras específicas de concurso
público e lei de licitações, impostas às entidades que integram a Administração
Pública, sendo esta visão bastante difundida entre os juristas brasileiros.
Por fim, ao término do presente estudo, resta evidente que, apesar de
não ter sido de toda exaurida a problemática apresentada, entende-se que os
serviços sociais autônomos, por sua característica principal de desvinculação
da Administração Pública, não podem estar a esta submetida. Entretanto, na
medida em que recebem contribuições parafiscais de órgãos vinculados à
Administração Pública, devem vincular-se, no mínimo, ao Tribunal de Contas
da União, a fim de serem de algum modo fiscalizados, e prestarem contas de
seu trabalho desenvolvido e para o qual foram criado e, igualmente,
submetendo-se aos princípios básicos da Administração Pública como medida
razoável e de inteira justiça.
44
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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proferida
no
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01084.2008.002.24.006, 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande/MS.
nº
BECHARA, Erika Moreira. Ao julgar procedente a Ação Civil Pública 012112008-016-08-00-7, ajuizada pelo MPT contra o SENAT, 16ª Vara do Trabalho
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