ESTADO DO TOCANTINS PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE PALMAS 3ª VARA CRIMINAL PROCESSO Nº 5029091-33.2013.827.2729 SENTENÇA I - RELATÓRIO O Ministério Público denunciou João Batista Marques, brasileiro, casado, delegado de polícia civil, nascido aos 13 de dezembro de 1959, natural de Bueno Brandão/MG, portador do RG M2.169.050 SSP/MG, inscrito no CPF sob o nº 323.948.026-34, filho de Benedito Ferreira Marques e Joana da Silva Marques1, narrando o que segue: “Constam dos autos de Inquérito Policial, que na data de 18 de abril de 2013, por volta das 14h, em frente ao imóvel localizado na Quadra 904 Sul, Alameda 02, Lote 38, nesta Capital, o denunciado, agindo voluntária e com total consciência da ilicitude de tal prática, opôs-se a execução de ato legal, mediante ameaça a funcionário competente para executá-lo (exercida com arma de pressão), impedindo sua execução, conforme se extrai das provas coligidas ao feito em referência. Apurou-se que nas circunstâncias de tempo e local acima descritos, o oficial de justiça Mário Bonfim Lima de Oliveira, em companhia do Advogado Fabrício Gomes e Cícero de Sousa, foi ao endereço do denunciado com o intuito de cumprir Mandado de Busca e Apreensão de veículo automotor, expedido pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Palmas/TO (doc. constante do evento 1 dos autos de TCO). Ato contínuo, após chegar àquela residência, Mário Bonfim foi atendido por uma senhora, não identificada nos autos, provavelmente esposa do denunciado, a qual fora vista conduzindo o veículo objeto do Mandado, momento em que explicou àquela o motivo de estar ali, pois iria apreender o veículo Nissan Livina LS, placas MXA-6541 que se encontrava na garagem daquela residência. 1 Qualificação conforme a petição inicial. (PROCESSO Nº 5029091-33.2013.827.2729) Neste instante, aquela senhora adentrou à residência e chamou seu esposo, o ora denunciado, o qual já chegou dizendo que era delegado de polícia e que não entregaria o veículo, pois havia realizado um acordo para pagamento da dívida junto a instituição financeira credora. Extrai-se do feito que Mário Bonfim, oficial de justiça portador do Mandado, tentou explicar que estava ali para cumprir a ordem de Busca e Apreensão, não sendo o momento adequado para discutir outras questões. Neste momento, o denunciado foi até uma caminhonete que estava estacionada próximo, pegou uma espingarda (Laudo Pericial constante do evento 9) e começou a ameaçar o oficial de justiça, bradando que ninguém entraria em sua residência, nem levariam o veículo objeto do mandado, pois estava disposto a matar ou morrer para proteger seu patrimônio. Consta do feito que o oficial de justiça, após a resistência e ameaças proferidas pelo denunciado, afastou-se da residência e solicitou reforço policial. Ocorre que, neste ínterim, o denunciado deixou o local conduzindo o veículo objeto do mandado em direção ignorada, frustando a execução do ato. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS denuncia JOÃO BATISTA MARQUES, já devidamente qualificado, como incurso no art. 329, § 1º, do Código Penal. (...)”. A denúncia foi oferecida em 03/09/2013 e recebida no mesmo dia. O acusado foi citado e recusou a proposta de suspensão do processo (evento 27). Sua resposta foi apresentada através de advogado constituído (evento 37). No evento 39, o recebimento da denúncia foi ratificado. Nas audiências da instrução, foram ouvidas as seguintes pessoas: Mário Bonfim de Oliveira, Cícero de Sousa (evento 53), Fabrício Gomes e o acusado (evento 58). As partes apresentaram suas alegações finais através de memoriais (eventos 61 e 63), nos quais pediram a absolvição do acusado, alegando que agiu em exercício regular de um direito, pois o mandado de busca e apreensão era destinado a outro endereço. 2 (PROCESSO Nº 5029091-33.2013.827.2729) II - FUNDAMENTAÇÃO Em sua derradeira manifestação, o representante do Ministério Público assim expôs sua conclusão sobre o mérito da lide: “II - (b) DA MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITO Vencida a fase instrutória, a culpa do acusado João Batista Marques não foi comprovada em Juízo, sendo que as provas produzidas sob o crivo do contraditório, nos conduziram a tese de que o acusado agiu sobre a égide de uma excludente de ilicitude, qual seja: o exercício regular de um direito, bem como o fato de que um vício formal constante da ordem legal tenha maculado o ato ou a ação da autoridade, tornando a conduta atípica por ausência de materialidade. Vejamos: O delito imputado ao acusado está previsto no artigo 329, § 1º, do Código Penal, que assim dispõe: ‘Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário público competente para executá-lo ou quem lhe esteja prestando auxílio: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos. § 1º. Se o ato, em razão da resistência, não se consuma: Pena – reclusão, de 1 (um) ano a 3 (três) anos No caso em comento, ainda que se considere que o veículo estivesse na residência do acusado, o delito não pode ser tido como caracterizado, em razão da excludente de ilicitude, prevista no art. 23, inciso III, 2ª figura. Sobre o assunto: ‘O exercício de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pelo direito. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do direito. Fora desses limites, 3 (PROCESSO Nº 5029091-33.2013.827.2729) haverá o abuso de direito e estará, portanto, excluída esta causa de justificação” (Bitencourt, Cezar Roberto. Código Penal Comentado – 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pag. 162). Das provas produzidas nos autos, não se verifica o dolo de praticar qualquer infração penal, sendo certo que o acusado se opôs ao cumprimento do ato em razão de vícios contidos no mandado de busca e apreensão, haja vista que não continha o nome da pessoa do denunciado, nem tampouco trazia o endereço residencial onde se encontravam denunciado e autoridade competente, como também inexistia na ordem a observação de que a constrição poderia ser realizada no local onde se encontrasse o veículo. Ora, conforme apurado, a busca e apreensão deveria ter sido efetuada em endereço diverso e não na residência do acusado. Em que pese, ao se opor ao cumprimento do ato, o autor tenha feito uso de uma carabina de chumbinho, certo é que, pelas circunstâncias constantes dos autos o mesmo não tinha a intenção de efetivar uma ameaça, não havendo, portanto que se falar em eventual delito de ameaça. Cumpre considerar que a ação do agente no caso supracitado, o qual utilizou-se dos meios necessários para exercer o direito de se opor a um ato que supunha ilegal, é considerada legal pelo Direito pátrio, estando portanto ao abrigo da excludente em comento. Noutro prisma, sendo ilegal o ato praticado pelo Oficial de Justiça, também é atípica a resistência oferecida pelo acusado, eis que tal delito se configura pela oposição a ato que se caracterize como legal do agente público, caso diverso dos autos, já que o acusado agiu no exercício regular de direito ao se opor à execução de uma ordem ilegal (porque eivada de vícios formais). Assim, verifica-se que não se configurou o crime de resistência, haja vista a ausência de uma das elementares do delito, qual seja: a legalidade do ato, pois se não o for, a oposição não é ilícita, quer seja a ilegalidade patente, quer seja dissimulada. III- CONCLUSÃO 4 (PROCESSO Nº 5029091-33.2013.827.2729) Ante o exposto, o Ministério Público Estadual, por seu órgão de execução, requer a ABSOLVIÇÃO do acusado JOÃO BATISTA MARQUES, com fundamento no artigo 386, incisos III e IV, do Código de Processo Penal”. Por concordar com a fala ministerial, resolvi adotá-la integralmente como fundamento para decidir, tendo a acrescentar apenas as considerações a seguir. Primeiramente, consigno que na instrução processual comprovou-se que, em suma, o fato aconteceu da forma narrada na denúncia, ou seja, o acusado impediu o cumprimento do mandado de busca e apreensão do veículo, não havendo controvérsia significativa sobre tal matéria. Adiciono que no inquérito policial que embasou esta ação penal não há propriamente um mandado de busca e apreensão do carro. O que lá existe é uma decisão judicial com força de mandado (Processo 501323189.2013.827.2729, evento 1, p. 9 = p. 11), na qual se deferiu o pedido da parte autora e se determinou a realização da medida pretendida. Também foi encartada no inquérito policial a cópia da petição inicial da ação de busca e apreensão (idem, pp. 11/4), da qual consta que a parte requerida era a empresa Ina Instituição Nac. de Avaliação Autom., estabelecida na Quadra 912 Sul, Alameda 09, Lote 11, Centro, Palmas/TO, e cuja representante legal seria Rosa Maria de Sousa Menezes, residente na Quadra 1006 Sul, Alameda 02, 102, Centro, também nesta capital. No entanto, o oficial de justiça foi cumprir a decisão/mandado na residência do acusado, situada na Quadra 904 Sul, Alameda 02, Lote 38, nesta Capital, sem que dispusesse de autorização para ingressar no imóvel. Ao negar o ingresso do oficial de justiça na sua casa, o acusado buscou proteger a inviolabilidade de seu domicílio. Ainda que o automóvel buscado estivesse no local, o oficial de justiça somente poderia ingressar na casa com autorização do dono ou se o mandado contivesse menção expressa àquele endereço. Enfim, o acusado valeu-se da garantia prevista no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, verbis: “Art. 5º. .......... 5 (PROCESSO Nº 5029091-33.2013.827.2729) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (...)” Por conseguinte, depara-se com situação em que a conduta do agente é abrigada pela excludente de antijuridicidade prevista no art. 23, inciso III, segunda parte, do Código Penal, vale dizer o exercício regular de um direito. III – DISPOSITIVO Diante do exposto, julgo improcedente a denuncia e absolvo o acusado João Batista Marques, com fundamento no art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. Registre-se. Intimem-se. Se esta sentença transitar em julgado sem alteração, promovam-se as devidas comunicações e a baixa do processo. Palmas/TO, 06 de outubro de 2014. Assinado de forma digital por Rafael Goncalves de Paula:78047 Data: 06/10/2014 10:04:22 Rafael Gonçalves de Paula Juiz de direito 6