A aniquilação da execução provisória no processo do trabalho por
imposição da súmula 417, III do Tribunal Superior do Trabalho
Marcos Neves Fava1
1. Introdução. 2. Urgência da execução trabalhista. 3. Execução provisória de
sentença: execução de sentença provisória. 4. Princípio da manutenção dos efeitos
da sentença. 5. Oportunidade para penhora. 6. A súmula 417, III e a proibição de
penhora em dinheiro na fase provisória da execução. 7. Conclusão: inferioridade do
crédito trabalhista e aniquilação da execução provisória.
Palavras-chave: execução provisória trabalhista, penhora em dinheiro, revisão da
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
1. Introdução.
A crise que se abate sobre o direito do trabalho, e que o acompanha
desde a instituição das primeiras leis protetivas, no final do século XVIII, evidencia-se mais
acirrada, hodiernamente, em razão das mazelas do processo. Como o direito do trabalho não se
cumpre, em regra, espontaneamente, por se tratar de conjunto de regras limitadoras das atividades
capitalistas, reduzindo a liberdade de contratação e impedindo que a exploração da mão de obra
ultrapasse o limite do razoável, a intervenção do estado-juiz faz-se imprescindível na concretização
das promessas constitucionais relacionadas aos direitos sociais do trabalhador.
Se nem todos os casamentos, as operações bancárias e as de compra e
venda de bens acabam no Judiciário, é certo que a quase-totalidade dos contratos de trabalho
subordinado termina em frente ao juiz especializado, para revisão dos direitos não cumpridos.
Desparelhada de estrutura compatível2, tanto no plano material3,
quando no pessoal4, a Justiça do Trabalho enfrenta crise de efetividade, que atinge, de forma mais
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2
3
4
Juiz do Trabalho, titular da 89ª vara de São Paulo, mestre em direito do trabalho pela Faculdade de Direito da USP,
professor de processo do trabalho na Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, autor
de Ação civil pública trabalhista, 2ª edição, São Paulo: LTR, 2008.
Há pouco mais de três mil juízes do trabalho no Brasil, para mais de setenta milhões de pessoas economicamente
ativas.
A lei que criou as últimas 11 varas em São Paulo – e o fez em todas as regiões, em quantidades diferentes – tramitou
por mais de onze anos, mostrando-se, ao final, insuficientes as unidades criadas, que não atendiam, sequer, à
demanda que inicialmente houvera sido ofertada ao Legislativo.
Seguidos concursos de ingresso à carreira de magistrado do trabalho abrem-se e se encerram sem o preenchimento
contundente, a fase da execução. Isto porque, nesta fase do processo, a vontade do Estado deve
converter-se em ato concreto de transformação do mundo fenomenológico, modificando a
titularidade das riquezas, o que, de per si, já oferece difíceis barreiras. A par destas duas razões, a
crise que se abate sobre a execução trabalhista encontra justificativa, ainda, numa legislação
antiquada e confusa – não só a Consolidação das Leis do Trabalho, nem o código de processo civil,
mas a lei dos executivos fiscais da união aplicam-se à execução trabalhista, ex vi lege, o que faz
criar, em cada vara, um procedimento particular – e a interpretação que se constrói do direito
processual mostra-se tímida, face às estratégias do devedor, para quem a delonga é, só em si, ganho,
eis que os índices de correção monetária e juros contados sobre a dívida trabalhista são inferiores
aos demais encargos enfrentados pelo empreendedor, para obter outras formas de crédito.
Centra-se, a leitura deste artigo, apenas num aspecto da crise: a
ultrapassada concepção da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, externada pelo verbete
417, III de sua jurisprudência.
2. Urgência da execução trabalhista.
Passa de ser um truísmo identificar a dívida trabalhista como de
caráter alimentar e, por isto, super-privilegiada. A fundamentalidade da natureza desse direito vem
expressa adequadamente pela explanação de CESARINO JÚNIOR5, quando conceituou direito
social:
“direito social
é a ciência dos princípios e leis geralmente
imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum,
auxiliar as pessoas físicas, dependentes do produto de seu trabalho
para subsistência própria e de suas famílias, a satisfazerem
convenientemente suas necessidades vitais e a ter acesso à
propriedade privada”
“Satisfazerem convenientemente suas necessidades vitais” é a
finalidade do ordenamento social, que difere do liberal, em razão dos valores centrais, como se
depreende da leitura de MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA e JORGE LUIZ SOUTO
MAIOR6:
5
6
das vagas disponíveis.
Direito social. São Paulo: LTR/EDUSP, 1980, pp 48 e 49.
“O que é direito social”, in CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (org.). Curso de direito do trabalho. Volume 1 –
teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2007, p. 26.
“E que valores são estes? Os valores são: a solidariedade (como
responsabilidade social de caráter obrigacional), a justiça social (como
conseqüência da necessária política de distribuição dos recursos
econômicos e culturais produzidos pelo sistema), e a proteção da
dignidade humana (como forma de impedir que os interesses
econômicos suplantem a necessária respeitabilidade à condição
humana)”
MARIO GARMENDIA ARIGÓN7 indica que os valores mais
profundos e que estabelecem o “patrimônio jurídico da humanidade” decorrem da colocação do
homem no eixo de centralidade do sistema:
“A presença da pessoa humana como eixo fundamental do sistema
determina o envolvimento de uma série de valores profundos que
exigem e merecem tratamento privilegiado da parte do ordenamento
jurídico, pois fazem parte do que habitualmente costuma chamar-se
consciência jurídica coletiva ou patrimônio jurídico da humanidade”.
Para a consecução de suas finalidades, o direito social – substantivo,
material – não prescinde do direito processual, que lhe é instrumento de espargimento da cidadania.
ROBERT ALEXY8 faz apontar a abrangência destes correspondentes – adjetivo, substantivo – ao
identificar um direito processual fundamental:
“Hoy puede dicirse que, de acuerdo com la jurisprudencia del Tribunal
Constitucional (Alemão) a todo direito fundamental material le están
adscriptos derechos procedimentales. Pero, si los derechos materiales
son derechos subjetivos, por qué no han de serlo también los derechos
procedimentales?”
De grande importância, pois, a efetividade do processo, para dar cabo
de cumprir as promessas constitucionais, relacionadas aos direitos sociais. A estagnação do processo
do trabalho encontra seu ápice em dois locus, o Tribunal Superior do Trabalho – que, com 27
ministros, cuida de apreciar todos os recursos 'extraordinários' dos 24 tribunais regionais – e a
execução em primeira instância9. O tempo fere, prejudica, alija. E, no processo, deve ser, por isto
7
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9
Ordem pública e direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2003, p. 78.
Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios políticos y constitucionales, 2001, p. 460.
Índices de estrangulamento, segundo publica, ciclicamente, o Tribunal Superior do Trabalho, no sítio da internet:
www.tst.jus.br.
mesmo, dividido entre as partes. Exige-se, daí, mudança de perspectiva, incompreensível aos que
“estão acostumados a ver o tempo como algo neutro e incapaz de prejudicar alguém”, mas, como
destaca LUIZ GUILHERME MARINONI10:
“é essa forma cômoda, mas perversas, de encarar o processo que
colabora para o descrédito do povo no Judiciário e para tornar letra
morta a norma constitucional garantidora do direito à tempestividade
da tutela jurisdicional”.
Mais ainda grave torna-se a situação, considerado o caráter alimentar
da prestação que se executa no processo do trabalho. Urgente, urgentíssima. Veja-se a hipótese,
nada rara, de o empregado que, demitido sem justa causa, não recebe sequer o saldo salarial do
último mês trabalhado. Exigir que ele espere quanto tempo, seria razoável? Uma semana, um mês,
um ano, sete anos.
À execução trabalhista impõe-se seja a mais célere e a que colha
maior efetividade.
3. Execução provisória de sentença: execução de sentença
provisória.
Uma inadequação terminológica domina o tema: execução provisória,
enquanto nada há de provisório nos atos que se seguem à publicação da sentença. São atos
definitivos, em cumprimento de sentença provisória. Isto é, pendente, ainda, da solução ou da
interposição de recurso.
Ensinam MARINONI e ARENHART11,
que “os atos executivos
alteram a realidade física, e, portanto, não podem ser classificados como provisórios e definitivos”.
Citados autores indicam um exemplo marcante deste caráter não provisório, coincidente com o
disposto no artigo 64, § 2º da lei 8245/91, que permite, no caso de a execução provisória do despejo
restar revista em apelação, à parte despejada apenas a indenização, não o retorno ao imóvel. Não se
pode tratar por 'provisórios' os efeitos da execução 'provisória' da ordem de despejo.
A consagrada expressão 'execução provisória' revela confusão entre
os conceitos de imutabilidade dos efeitos da sentença e condição de sua eficácia. O cumprimento
10
Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: RT, 2007, pp 26 e 27.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Execução – 2ª ed. revista atualizada. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, p. 367.
11
de sentença de que penda recurso, provisório, pois, não diz respeito à sua eficácia, mas ao efeito
típico da coisa julgada, que é a imutabilidade da decisão. No plano da eficácia, a sentença não
apresenta diferença em suas fases provisória e definitiva. Como ponderam MARINONI e
ARENHART12, com apoio em LIEBMAN:
“É um grande equívoco imaginar que a execução não pode atingir seu
fim apenas porque é fundada em sentença provisória. A provisoriedade
da sentença se liga à sua imutabilidade e não à sua eficácia. Uma
sentença pode ser provisória ou mutável e levar à realização do direito
do autor”
A execução pode ser completa, ainda que a sentença guarde caráter de
provisoriedade. Daí mais correto falar-se em execução de sentença provisória, em lugar de
execução provisória da sentença.
O regime processual instituído pela Consolidação das Leis do
Trabalho indica, ao tratar do efeito geral dos recursos trabalhistas, a execução, na pendência de
recurso, deve prosseguir até a penhora13, impedindo, com isto, atos característicos da expropriação,
como a liberação de valores ou a alienação dos bens apresados. Em síntese esperançosa de
LUCIANO ATHAYDE CHAVES14, concebe-se a valia da aplicação das regras do código de
processo civil ao processo do trabalho, o que tem enfrentado injustificável resistência dos tribunais
“Na Justiça do Trabalho, onde a legislação admite a execução
provisória somente até a penhora, as normas do Códio, que deverão
ser adotadas por supletividade, dão um alento à jurisdição executiva,
que poderá avançar um pouco mais”
No processo comum, a execução de sentença provisória poderá
comportar, nos termos da lei em comento, atos expropriatórios, como a liberação de depósitos em
dinheiro e a alienação de bens, como se lê no inciso III15 do artigo 475-O, mediante o oferecimento
de caução suficiente e idônea, nos próprios autos16. Tal caução converte a execução provisória em
12
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Execução – 2ª ed. revista atualizada. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, 371.
13
Artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho: “os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito
meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora”.
14
A recente reforma no processo comum – reflexos no direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 48.
15
“III - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos
quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e
prestada nos próprios autos”.
16
O que já foi reconhecido em algumas, raras, decisões trabalhistas: “AÇÃO CAUTELAR – CONCESSÃO DE
EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE PETIÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – Não se justifica a concessão de
definitiva17. Registre-se que em cumprimento de sentenças contentoras de obrigação de fazer –
como, tipicamente, a de reintegrar empregado – os prejuízos não se apreendem ordinários, porque
os pagamentos que se realizam correspondem ao serviço que o reintegrado desempenhará na
pendência da confirmação definitiva da decisão. A garantia exige-se na hipótese de execução de
obrigação de pagar.
Num processo em que o título em cobrança tem natureza e caráter de
alimentos, não se pode conceber que os atos da execução de sentença provisória estanquem-se na
fase de apropriação, devendo ser revista a legislação – ou, por interpretação, aplicadas as regras
inovadoras do processo civil comum – para que seja possível o adentramento à fase expropriatória,
antes do término dos infinitos trâmites do processo.
Cuida-se, no entanto, nestas linhas, de aquilatar que a execução de
sentença provisória, no processo do trabalho, foi aniquilada, em sua utilidade, pelo Tribunal
Superior do Trabalho, via da jurisprudência sumulada.
4. Princípio da manutenção dos efeitos da sentença.
O sistema recursal trabalhista é superiormente avançado, em relação
do processual comum. Quer porque os recursos sejam interpostos por mera petição, quer porque
haja número inferior de hipóteses de impugnação, quer, ainda, porque inexistam meios de
recorribilidade imediata das decisões interlocutórias18.
Um princípio, no entanto, emerge de todos, com importância ímpar,
para os argumentos que agora se constroem. Trata-se da inexistência de efeito suspensivo aos
recursos nesta seara. A lei estabelece: “os recursos serão interpostos por simples petição e terão
efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução
provisória até a penhora”.
17
18
efeito suspensivo a agravo de petição na presente hipótese, haja vista que a decisão impugnada, que possibilitou a
liberação de valores aos exeqüentes, ainda que em sede de execução provisória, está autorizada pelo art. 475-O, III,
do CPC”. (TRT 8ª R. – AC 00354-2008-000-08-00-6 – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Marcus Augusto Losada Maia – DJe
18.08.2008)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA – LEVANTAMENTO DE
QUANTIA PENHORADA – OFERECIMENTO DE CAUÇÃO – PREENCHIDOS REQUISITOS DO INCISO III
DO ARTIGO 475-O DO CPC – RECURSO PROVIDO – Nos termos do artigo 475-O do CPC, é admitido,
mediante a execução provisória, e desde que atendidos os requisitos legais, o levantamento de valores em dinheiro e
a prática de atos de alienação, desde que não resulte em dano grave ao executado, fazendo-se regra o oferecimento
de caução idônea como garantia da parte adversa (artigo 475-O do CPC)”. (TJMS – AG 2008.013078-5/0000-00 –
Campo Grande – Rel. Des. Hamilton Carli – J. 21.07.2008)
Aqui resida, talvez, o índice mais evidente da superioridade do sistema trabalhista, que vem sendo perseguido, nas
cíclicas reformas do código de processo civil, sem sucesso absoluto de extinção do agravo de instrumento.
Conceitua o efeito suspensivo, JÚLIO CÉSAR BEBBER19:
“a qualidade que prolonga o impedimento para a produção dos efeitos
da decisão impugnada”.
Uma única exceção normativa existe a confirmar a regra, o recurso
interposto contra sentença normativa – retius, acórdão normativo – consoante atribui a lei 7701/88,
artigos 7º, § 6º e 9º. Assim ensina JÚLIO CÉSAR BEBBER20, peremptoriamente:
“no sistema recursal trabalhista apenas o recurso ordinário interposto a
acórdão normativo é dotado da possibilidade de concessão do efeito
suspensivo”
Excetuada essa única hipótese, as demais sentenças devem guardar
eficácia imediata, não postergada, nem alongada, mas pronta, porque urgentes os direitos tutelados.
Acentue-se que este 'alongamento' pode representar anos de espera do
credor, invertendo-se a lógica da intervenção judicial, que é a de tornar a cobrança da dívida mais
cara e incômoda ao devedor, do que ao credor.
A lei estabelece, pois, que não haverá nada a prolongar o
impedimento para a produção dos efeitos da sentença. Vem daí a conclusão de que vigora, no
âmbito do processo do trabalho, o princípio da manutenção dos efeitos da sentença, até o final do
processo.
5. Oportunidade para penhora.
Na seqüência dos atos executórios, à intimação, silente o réu, segue-se
a penhora, fato que não se diferencia entre a execução de sentença definitiva ou provisória. Não
paga a dívida, nem indicados bens21, penhoram-se tantos quantos forem necessários para o
pagamento da dívida.
Assim preceitua o artigo 88222 da Consolidação das Leis do Trabalho,
abonado pela jurisprudência:
19
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22
Recursos no processo do trabalho – teoria geral dos recursos. São Paulo: LTR, 2000, p. 208.
Recursos no processo do trabalho – teoria geral dos recursos. São Paulo: LTR, 2000, p. 210.
Também aqui revolucionou-se o sistema processual comum, elidindo a inútil fase da oferta de bens. No rito da
Consolidação das Leis do Trabalho, no entanto, persiste a oportunidade do réu para 'pagar ou indicar bens'.
“O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma,
atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial
estabelecida no artigo 655 do Código Processual Civil”.
AGRAVO DE PETIÇÃO – EXCESSO DE PENHORA – NÃOCARACTERIZAÇÃO – À míngua de indicação de bens aptos a
suportar o gravame e traduzir eficácia à execução, deve ser mantida a
constrição judicial sobre o bem imóvel, não obstante a sua expressão
monetária superior ao crédito. Isso porque, ao princípio da execução
menos gravosa se sobrepõe a finalidade maior do processo de
execução, qual seja, a satisfação do débito. Ademais, não há de se
falar em enriquecimento sem causa, considerando que a importância
que sobejar será reintegrada ao patrimônio do devedor por expressa
previsão legal - art. 710 do CPC. Agravo de petição conhecido e não
provido. (TRT 10ª R. – AP 00656-2006-007-10-00-6 – 3ª T. – Relª
Juíza Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro – J. 11.06.2008)
Não há outra oportunidade para a penhora de bens, se realizada a
primeira, salvo se houver desistência, renúncia ou cancelamento do apresamento original, pena de
configuração de excesso. Apenas na oportunidade da expedição do mandato inicial da execução,
ocorre a penhora dos bens necessários à satisfação da dívida.
Importante destacar que o artigo 882, já citado, não diferencia a
imposição da ordem do artigo 655 do código de processo civil, se a execução for provisória ou
definitiva. Retius, de sentença definitiva ou pendente, ainda, de recurso.
6. A súmula 417, III e a proibição de penhora em dinheiro na fase
provisória da execução
A jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, não
obstantes os argumentos até aqui expostos, fixou-se no sentido da proibição da penhora em
dinheiro, na fase de execução de sentença ainda pendente de recurso, como se lê no inciso III do
verbete 417:
“Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do
impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados
outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução
se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art.
620 do CPC”.
Sintetizem-se os argumentos: não há diferença ontológica entre
execução de sentença definitiva e provisória; a lei não estabelece regra, senão a do rol de
preferências do artigo 655 do código de processo civil; há apenas uma oportunidade para penhora,
não se inovando o ato a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida. Com a proibição em
análise, o Tribunal Superior do Trabalho aniquila a possibilidade de, iniciada a execução ainda
quando a sentença penda de recurso, haver apresamento de dinheiro.
A súmula contraria disposição legal acerca da ordem de preferência de
apresamento, que se inicia por pecúnia, fazendo da lei letra morta.
Acresça-se, ainda, o argumento de qualidade. A dívida trabalhista
deveria ocupar ponto elevado no âmbito da hierarquia das obrigações do devedor. Com a incidência
da súmula, se o empregador enfrentar dívida civil comum – por exemplo, se dever os alugueres do
prédio em que se instalou – e trabalhista, ambas em fase de execução não definitiva, a gravidade da
exigência do pagamento do aluguel será muito mais incisiva do que a dos haveres trabalhistas.
Mediante tal orientação, estacam-se, por mandado de segurança,
quaisquer atos do juiz do trabalho que ouse apresar dinheiro na fase provisória da execução,
impondo-se-lhe a penhora de outros bens, em paradoxal violação à ordem contida no artigo 655 do
código de processo civil23. Aplicada a regra sumular, toda execução que se inicie em fase provisória
estará proibida de cumprir a ordem de preferência, jamais, em seu curso, sendo exigível o
apresamento de valores em dinheiro.
Note-se que a Consolidação das Leis do Trabalho, na execução
provisória24, autoriza a prática dos atos “até a penhora”, como se lê em seu artigo 89925. Ora, “a
penhora”, ato único no processo, ocorrendo em fase provisória, segundo a súmula em comento do
Tribunal Superior do Trabalho, incidirá em quaisquer bens, que não pecúnia. Assim que a fase
provisória ceder lugar à definitiva, como não há outra oportunidade para penhora, ou o feito
retroagirá, com a dispensa da garantia revelada na penhora, para, só então, outra, de dinheiro,
sobrevir, ou seguir-se-á enfrentando os desperdícios que surgem com a penhora de bens que exigem
23
24
25
A seguinte ementa, relatada pelo Desembargador Carlos Francisco Berardo, indica passos para compreensão dos
limites do aparente embate entre os artigos 620 e 655 do código de processo civil, mas é minoritária, infelizmente:
MANDADO DE SEGURANÇA – I- DETERMINAÇÃO DE PENHORA DE CONTA CORRENTE MEDIANTE A
UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BACEN JUD – Atuação do juiz na execução. Artigos 765 e 878 da CLT. Observância
dos artigos 655 e 612/CPC. Consolidação dos Provimentos da corregedoria-geral da Justiça do Trabalho (DJU de
12.04.2006), É legítima a determinação judicial de penhora em conta corrente bancária (BACEN-JUD). O princípio
da menor onerosidade (art. 620/CPC) não é descumprido porque o único meio de o credor promover e/ou garantir a
execução é exatamente o adotado. O artigo 655 está subordinado, técnica, sistemática e axiologicamente, ao artigo
612 e não ao artigo 620, todos do CPC. II- (...) (TRT 2ª R. – MS 14372-2005-000-02-00-5 – SDI – Rel. Juiz Carlos
Francisco Berardo – DOE/SP 18.07.2008)
Regramentos que se encontra nu de eficácia, à vista do avanço do processo comum, na legislação reformada.
“Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas
neste Título, permitida a execução provisória até a penhora”.
praça, avaliação, editais etc.
Mais grave será a antinomia, a partir da constatação de que o sistema
comum, que permite a penhora preferencial em dinheiro (artigo 655-A, código de processo civil), o
apresamento de dinheiro na fase provisória (artigo 475-O, III) e sua liberação, ainda em fase não
definitiva (artigo 475-O, III, parágrafos), o que tornará a dívida comum – de alugueres, exemplo
dado – mais fortemente exigível do que o crédito alimentar trabalhista.
Iniciada a fase de expropriação, proibida a penhora em dinheiro, o
bem que vier a ser reservado para a execução será o mesmo que exigirá, passada em julgado a
sentença, praceamento, leilão, editais, novas hastas, em procedimento notoriamente mais lerdo,
menos eficiente e mais custoso.
7. Conclusão: inferioridade do crédito trabalhista e aniquilação da
execução provisória.
Ao limitar a penhora em execução de sentença provisória a bens que
excluam dinheiro, o Tribunal Superior do Trabalho está a militar em desfavor da qualidade
alimentar do crédito trabalhista. Lança, com esta providência, barreiras intransponíveis à efetividade
da execução no processo do trabalho, exigindo uma de duas alternativas do credor: aguardar até que
não haja mais recurso interponível em face da decisão exeqüenda ou iniciar a execução de sentença
provisória, enfrentando as vicissitudes do apresentamento de bens em geral, que vão desde a
dificuldade de avaliação, passando pela incerteza da manutenção de sua integridade, até o
encarecido e ineficaz procedimento de hasta pública.
A súmula 417 presta um desserviço ao crédito trabalhista,
menoscabando-o e tornando, ao devedor, muito mais atrativa a possibilidade de postergação do
cumprimento da obrigação sentencial, em comparação com outras eventuais prioridades de seu
empreendimento. Entre pagar fornecedores, que podem protestar o título de crédito resultado da
operação de venda de produtos ou serviços e quitar a dívida trabalhista, optará pela primeira
alternativa; entre não atrasar alugueres, dívida que, mesmo em fase de sentença provisória, pode
custar-lhe o despejo ou a penhora em dinheiro, e honrar obrigação reconhecida por sentença
trabalhista, pagará a primeira dívida.
Não se argumente que a intervenção judicial em fase de
pronunciamento não definitivo mostra-se limitada, primeiro, porque a lei não traz esta distinção,
senão quanto à fase de expropriação – liberação de dinheiro, alienação de bens penhorados etc – e,
segundo, porque a sentença – em particular a proferida em dissídio individual trabalhista – não
guarda, para que se espraiem seus efeitos pelo mundo fenomenológico, qualquer elemento
condicional, como a revisão necessária por outras instâncias.
JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI26, lamentando a desvalorização da
sentença de primeiro grau que a opção legislativa no processo comum impôs, apesar de consagrado
o princípio da imediatidade:
“apesar da regra da oralidade ter sido acolhida, com veemente rigor,
pelo código de processo civil, é certo que a sentença proferida pelo
juiz de primeiro grau, salvo nas excepcionalíssimas hipótese em que
pode ser executada, na prática, não ostente valor algum”
Comentando a mudança do anteprojeto de lei de que resultou o
procedimento sumariíssimo no processo do trabalho, ESTÊVÃO MALLET27 assegurava que:
“a larga permissão de recursos de natureza ordinária não se justifica
em procedimento que procura privilegiar a oralidade, a imediatidade e
a concentração dos atos processuais. Aliás, nada mais contrário à
imediatidade e à oralidade do que o duplo grau de jurisdição. O
reexame amplo da causa pelo juízo do recurso, que não participou da
colheita
da
prova,
quebra
inevitavelmente
a
imediatidade,
enfraquecendo e desvalorizando a atividade cognitiva desenvolvida
pelo juízo de primeiro grau e, mais ainda, a própria tarefa de
apreciação direta da prova”
A ampla recorribilidade, geral e irrestrita, das sentenças de primeiro
grau, fincada como norma ordinária do sistema processual trabalhista, milita em desfavor da
efetividade da jurisdição. Erigiu-se, desta praxis, a idéia de que sentença constitui sentença apenas
após a confirmação pela outra instância, contrariando-se, frontalmente, o princípio de manutenção
dos efeitos da sentença, vigente no ordenamento de recursos trabalhista. Nada menos útil, mais
errado e teratológico do que dar efeito suspensivo – que é o resultado prático desta postura – à
medida que o próprio legislador não desejou outorgar.
Passa do tempo de ser revista a jurisprudência do Tribunal Superior do
26
27
Tempo e processo uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal).
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 141
Procedimento sumaríssimo trabalhista. São Paulo: LTR, 2002, p. 98.
Trabalho, com a revogação do inciso III da súmula 417, o que dará à congestionada execução
trabalhista maior efetividade e devolverá ao crédito alimentar suas qualidades mais amplas. Com
esta medida, propiciará cumprimento aos comandos constitucionais de manter a proteção da
dignidade do homem como fundamento do Estado Democrático e de construção de uma sociedade
mais justa.
8. Bibliografia mencionada.
AGIRÓN, Mario Garmendia. Ordem pública e direito do trabalho.
São Paulo: LTR, 2003
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales. Madri:
Centro de Estudios políticos y constitucionales, 2001.
BEBBER, Júlio César. Recursos no processo do trabalho – teoria
geral dos recursos. São Paulo: LTR, 2000.
CESARINO JUNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo:
LTR/EDUSP, 1980.
CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum –
reflexos no direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 2006.
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (org.). Curso de direito do
trabalho. Volume 1 – teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2007,
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo uma análise
empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997.
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A aniquilação da execução provisória no processo do trabalho por