1
UNIUV em REVISTA
v. 12
ISSN 1981-9293
2009
FUNDAÇÃO MUNICIPAL CENTRO UNIVERSITÁRIO DA CIDADE DE
UNIÃO DA VITÓRIA - UNIUV
Reitor Jairo Vicente Clivatti
Vice-Reitor José Pedro Ramos
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Fahena Porto Horbatiuk
Secretária
Edite Siqueira
Membros
Alexandre Manoel dos Santos
Angela Maria Farah
Edna Satiko Eiri Trebien
Ernani César de Freitas
Jussara da Silva Leite
Lúcio Kürten dos Passos
Maria Genoveva Bordignon Esteves
Odelir Dileto Cachoeira
Simone Santos Junges
Suely Terezinha Martini
UNIUV em REVISTA é uma publicação anual, multidisciplinar, do Centro Universitário
de União da Vitória (Uniuv). Tem por finalidade divulgar artigos científicos, análises e resenhas, que
possam contribuir para o conhecimento, o desenvolvimento e a discussão nos diversos ramos do
saber. A exatidão das informações, os conceitos e as opiniões emitidos neste periódico são de exclusiva
responsabilidade dos autores.
Os trabalhos encaminhados para UNIUV em REVISTA devem seguir as orientações constantes nas Normas de Publicação contidas neste volume. Os trabalhos serão aceitos ou recusados
pela Comissão Editorial, com base nas recomendações dos membros do Conselho Científico e/ou
árbitros.
É permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte.
UNIUV em REVISTA poderá ser obtida na Biblioteca João Dissenha.
Fotos
Lúcio Kürten dos Passos
Diagramação e Arte Final
Ana Letícia Sebben
Edição e revisão
Angela Maria Farah
Fahena Porto Horbatiuk
Jussara da Silva Leite
Simone Santos Junges
UNIUV EM REVISTA. União da Vitória: Centro Universitário de
União da Vitória, v.12, 2009.
Anual
Continuação, a partir de 2007, 10, de FACE EM REVISTA
ISSN 1981-9293
1. Ciências - Periódicos I. Centro Universitário de União da Vitória
UNIUV.
Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas
demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando
é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert
Jean Eduardo Sebold 1
Alexandre Manoel dos Santos 2
RESUMO
Neste trabalho, apresentaremos alguns procedimentos que evitam o uso de uma descrição equivocada, na
resolução de problemas que envolvem os dois conceitos primitivos: reta e ponto. Proporemos algumas
sugestões que serão extremamente úteis na formalização de provas de teoremas abordados pela Geometria
Plana em seus alicerces mais fundamentais. Segue, também, uma curta explanação a respeito do Sistema
Axiomático de Incidência de David Hilbert, bem como sua maior eficiência, quando comparada aos Postulados de Euclides.
Palavras-chave: Geometria. Axiomas de Incidência. David Hilbert.
1
Licenciado em Matemática, pela Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória
(Fafiuv); especialista em Matemática Aplicada ao Ensino, pela Fafiuv; cursando mestrado em Matemática,
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); professor do Departamento de Sistemas de
Informação, da Universidade do Contestado (UnC), Campus Canoinhas, SC; professor do Departamento
de Administração, da Faculdade Metropolitana do Planalto Norte (Fameplan), Canoinhas, SC; cursa
Doutorado em Métodos Numéricos em Engenharia - Programação Matemática, pela Universidade Federal
do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]
Graduação em Engenharia Civil - Engenharia da Produção Civil, pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), Florianópolis, SC; especialista em Metodologias do Desenvolvimento de Sistemas, pela
Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), Blumenau, SC; mestre em Métodos Numéricos em
Engenharia, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR; professor no Centro Universitário
de União da Vitória (Uniuv), União da Vitória, PR; professor na Universidade do Contestado (UnC),
Campus Canoinhas, SC. E-mail: [email protected]
2
Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009
Common misconceptions and suggestions for best practices
in the demonstrations that organize primitive terms in the plane
when David Hilbert’s axiomatic system of incidence is used
Jean Eduardo Sebold
Alexandre Manoel dos Santos
ABSTRACT
In this paper, we will present some procedures that avoid the use of a mistaken description in the resolution
of problems involving the two primitive concepts: straight line and point. We intend to propose some suggestions that will be extremely useful in the formalization of proofs of the theorems approached by Plane
Geometry in its most basic foundations. It follows, also, a short explanation about David Hilbert’s Axiomatic
System of Incidence, as well as its greater efficiency when compared to the postulates of Euclid.
Keywords: Geometry. Axioms of Incidence. David Hilbert.
Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009
Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos
15
1 INTRODUÇÃO
Os Axiomas de David Hilbert para
geometria plana, publicados em Grundlagen der
Geometrie – Bases da Geometria, são bem mais
explícitos e numerosos que os Axiomas de Euclides. Eles são introduzidos em grupos:
1. Axiomas de Incidência;
2. Axiomas de Ordem;
3. Axiomas de Congruência;
4. Axiomas das Paralelas e
5. Axiomas de Continuidade.
Axioma 3: Existe uma reta r e um ponto
P que não é incidente a r;
Axioma 4: Para quaisquer três pontos A,
B e C que não estão numa mesma reta existe um
plano a, que contém todos os três A, B e C. Para
cada plano existe um ponto contido nele;
Axioma 5: Para quaisquer três pontos
A, B e C que não pertencem a uma mesma reta
não existe mais do que um plano que contém
cada um dos três pontos;
Devemos utilizar cada axioma desses
grupos para justificar uma construção geométrica. Limitar-nos-emos, a partir daqui, ao grupo
1, ou seja, aos Axiomas de Incidência.
Axiomas de Incidência
Axioma 1: Para cada ponto P e cada
ponto Q diferente de P, existe uma única reta
que passa por P e por Q;
Axioma 2: Para cada reta r, existem
pelo menos dois pontos distintos que são incidentes a r;
Axioma 6: Se dois pontos A e B de uma
reta a pertencem a um plano a, então, cada ponto
da reta a pertence a a;
Axioma 7: Se dois planos a e β têm um
ponto em comum A, então, eles têm pelo menos
mais um ponto B em comum;
Axioma 8:Existem pelo menos quatro
pontos que não pertencem ao mesmo plano.
Os cinco últimos Axiomas referem-se à
Geometria Espacial na qual não temos interesse
no momento. Logo, a atenção será posta nos
três primeiros.
2 USO DE UMA AFIRMAÇÃO
Note que nos axiomas 1, 2, e 3, citamos: “...existe uma...”, “...existe pelo menos...”
e “Existe uma...” respectivamente. Na utilização
de quantificadores existenciais, afirmações do
tipo “Existe”, que são a predicação de uma
propriedade ou relação para, pelo menos, um
elemento do domínio, alguns estudantes
cometem equívocos. Nesta seção daremos um
exemplo de fora da geometria, para evidenciar
a diferença entre o uso correto e incorreto de
uma afirmação.
Suponha que temos o seguinte axioma:
“Existe um jogador no campeonato que marcou
7 gols” e queremos provar que todo jogador,
entre outros de outras equipes, que veste camisa
número 9, também marcou 7 gols.
Como faremos? A princípio tomamos
todos os jogadores que participam do campeonato; entre eles selecionamos todos os que
vestem a camisa número 9, e, em seguida, fazemos uma análise de seus históricos em partidas
realizadas no campeonato. Se todos marcaram 7
Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 12-22, 2009
16
Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert
gols, teremos provado o que queríamos.
Vamos supor agora que queremos
utilizar o axioma que sabemos ser uma regra
para as futuras conclusões. Podemos supor que
o jogador mencionado no axioma é um dos
jogadores que veste a camisa 9? E se o camisa
10 também marcou 7 gols?
Pelo que percebemos a afirmação (axioma) não nos servirá. O axioma poderia, quem
sabe, estar se referindo ao camisa 10!
Mas como poderíamos fazer uso do
axioma?
Uma alternativa seria:
linha 1: Seja um jogador que marcou 7
gols – Justificativa: Axioma
A partir daqui podemos nos deparar
com duas situações:
Situação 1: Temos um jogador que tem
a camisa 9 e que marcou 7 gols. Precisamos
verificar se existem mais jogadores que também vestem a camisa 9 e que marcaram 7 gols.
Se estes não existirem, teremos provado o que
queríamos.
Situação 2: O número da camiseta do
jogador que marcou 7 gols não é 9. Logo, teríamos que verificar se existe um jogador que tenha
a camisa 1, 2, 3..., 22 (aqui numeramos uma
equipe completa com 11 titulares e 11 reservas),
com exceção da 9, que marcou 7 gols.
A tentativa acima não demonstra muita
coisa, de qualquer forma, teremos que analisar
o número de gols marcados pelos jogadores,
independentemente do número das camisetas.
Mas pelo menos não cometemos gafes fazendo
suposições indevidas.
Nas questões que abordam geometria
plana, temos nossos axiomas e teoremas, a ideia
de usar uma afirmação de existência e ainda
considerar os possíveis casos que podem nos
levar a caminhos para uma demonstração.
3 BOAS PRÁTICAS PARA EVITAR CONCLUSÕES INDESEJÁVEIS
• No sistema axiomático de incidência de David Hilbert, somos obrigados a justificar tudo
o que se conclui, ou seja, cada linha de uma
demonstração deve ter um motivo lógico
para estar onde está. Veja um exemplo:
Precisamos provar que: “Existem duas retas”.
Demonstração:
linha 1: Existe uma reta r e um ponto P não
incidente a r - Justificativa: Axioma de Incidência 3
linha 2: Na reta r, existem pelo menos dois
pontos distintos que são incidentes à reta r,
consideremos Q e R tais pontos. - Justifica-
tiva: linha 1 e Axioma de Incidência 2
linha 3: Os pontos P e Q são distintos. - Justificativa: linha 1 e linha 2
linha 4: Pelos pontos P e Q passa uma única
reta, que chamaremos de s. - Justificativa:
linha 3 e Axioma Incidência 1.
linha 5: Existem duas retas, r e s. - Justificativa: linha 1 e linha 4.
Assim, como queríamos demonstrar,
existem duas retas, s e r!
• Se esquecermos de que as afirmações devem
ser frases completas e bem construídas gra-
Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos
maticalmente estaremos cometendo erros
que comprometerão a demonstração, por
exemplo:
Suponha que estamos demonstrando um
teorema e em certo momento, escrevemos:
Demonstração:
“...”
linha 3: “Então P é incidente a r”
“...”
De forma alguma podemos iniciar a frase
com a palavra “Então”, essa seria uma frase
subordinada à afirmação anterior.
Cada frase deve ter um significado completo
e ser extremamente clara. Esta afirmação deveria ser simplesmente, “P é incide a r”, e,
ao lado, justificaríamos, por exemplo, com a
linha 2.
• Outro equivoco muito frequente é o uso de
um teorema do tipo tradicional, “Se A, então
B”. Tendo em vista que, pelas regras lógicas,
A implica B é falso somente quando A é verdadeiro e B é falso. Por exemplo:
“Se r é uma reta, então P e Q são dois pontos
distintos incidentes a r.”
A = r é uma reta. (Hipótese)
B = P e Q são dois pontos incidentes a r.
(Tese)
Observe atentamente a demonstração:
Demonstração:
17
linha 1: Seja r uma reta. - Justificativa: Hipótese.
linha 2: Seja P e Q dois pontos distintos incidentes a r. - Justificativa: Axioma de Incidência 2.
Assim, como queríamos demonstrar.
Deparamo-nos aqui com um problema
muito típico, a falta de atenção. Tínhamos
uma reta r pela hipótese, usamos o Axioma
de Incidência 2 para obter 2 pontos distintos,
P e Q, mas espere!!! O Axioma de incidência 2 não diz que existem dois pontos, ele
só afirma que: se tivermos uma reta, então
podemos considerar dois pontos distintos
incidentes a ela. Ele não afirma que temos
uma reta, nem que temos dois pontos. Logo
a demonstração acima está incorreta.
Vamos corrigi-la da seguinte maneira:
Precisamos mostrar que esta tal reta r existe,
mas onde está escrito isso? Na própria linha
1, só que, além disso,
Precisamos dar condições para afirmar que
existem dois pontos incidentes a reta r. Como
fazer isso? Assim:
Demonstração:
linha 1: Seja r uma reta. - Justificativa: Hipótese
linha 2: Tomando a reta r, existem pelo menos dois pontos, distintos, incidentes a r. Justificativa: linha 1 e Axioma de Incidência 2.
linha 3: Sejam P e Q pontos distintos incidentes a r – Justificativa: linha 1 e 2, Axioma de
incidência 2 e Regra lógica (Se A, então B).
Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009
18
Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert
Agora que temos a reta r (hipótese), e que
nela incidem pelo menos dois pontos (P e Q)
distintos(Axioma de Incidência 2), logo podemos considerar a existência de dois pontos
incidentes à ela.
• Afirmar algo sobre uma reta, ou um ponto, ou
qualquer outro objeto que apareceu do nada,
ou seja, não houve uma justificativa para seu
aparecimento. Exemplo: Suponha que temos
um teorema a ser provado, e parte da apresentação da demonstração é dada por:
linha 1. Seja P um ponto. - Justificativa: Hipótese
linha 2. Existe uma reta r e um ponto P que
não é incidente a r. Axioma de Incidência 3
linha 3. Seja s uma reta passando por P e Q. Justificativa: Axioma de Incidência 1.
“...”
De onde vieram a reta s e o ponto Q? Note a
justificativa da linha 3, o Axioma de Incidência 1 não diz que existe uma reta nem um
ponto! Antes dessa frase, linha 3, precisamos
de mais afirmações para introduzir esses dois
novos elementos, reta s e ponto Q, justificando bem de onde vieram. Por exemplo. Uma
forma de fazer isso seria:
“...”
linha 3: Sejam Q e R dois pontos distintos incidentes a r. - Justificativa: linha 2 (existe uma
reta), Axioma de Incidência 2 e Regra lógica
(Se A, então B).
linha 4. P e Q são pontos distintos. - Justificativa: linha 2 e linha 3
linha 5. Seja s uma reta passando por P e Q. Justificativa: linha 4, Axioma de Incidência 1,
Regra Lógica (Se A, então B).
4 ASPECTOS ASSOCIADOS A ERROS GRAMATICAIS
Muitas demonstrações são apresentadas sem os cuidados necessários, tais como:
Nas demonstrações discursivas, exigidas praticamente em todas as construções
geométricas que utilizam os Axiomas de Incidência, as regras gramaticais básicas não
são levadas muito em consideração, ou seja,
as frases são escritas, muitas vezes, sem pontuação, sem iniciar com letra maiúscula, frases
com somente orações subordinadas (vimos um
exemplo neste trabalho no item i)), etc. Também observam-se frases muito longas, com
várias afirmações. Isso pode gerar confusão no
momento que um leitor verificar quais foram
as justificativas usadas para garantir a validade
da afirmação considerada. As demonstrações
são uma sequência de afirmações verdadeiras,
deduzidas a partir de outras, tendo cada uma
delas justificativas claras, que permitem ao leitor
entender por que são consideradas verdadeiras.
Portanto devem ser bem escritas, sob o ponto
de vista gramatical e curtas com uma só afirmação de cada vez, de preferência. Se houver
duas ou mais afirmações que seja por um bom
motivo, por exemplo, para mostrar que temos
a hipótese de um teorema e que queremos usar
a Regra Lógica (Se A, então B). Observe:
Suponha que temos um teorema a ser
demonstrado, e a sequência de sua demonstração é dada por:
Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos
linha 1: Seja P um ponto. - Justificativa: Hipótese
linha 2: Existe uma reta r e um ponto P que
não é incidente a r. Axioma de Incidência 3
linha 3: Sejam Q e R dois pontos distintos incidentes a r. - Justificativa: Se linha 2 (exis-te uma
reta), então Axioma de Incidência 2. Observe
a utilização da Regra lógica (Se A, então B).
linha 4: P e Q são pontos distintos. - Justificativa: linha 2 e linha 3
linha 5: Seja s uma reta passando por P e Q.
- Justificativa: Se linha 4, então Axioma de
Incidência 1. Observe, aqui também, a utilização da Regra lógica (Se A, então B).
Suponha uma modificação na linha 4, feita da
seguinte maneira:
linha 4: P e Q são pontos distintos, assim,
19
seja s uma reta passando por P e Q. - Justificativa: Se linha 2 e linha 3, então Axioma de
Incidência 1.
Logo não teríamos a necessidade da linha 5.
Teríamos aqui duas afirmações em uma única
frase:
1. P e Q são pontos distintos
2. Seja uma reta s passando por P e Q.
Onde a Regra lógica se encaixa?
A = P e Q são pontos distintos
B = Seja uma reta s passando por P e Q.
“Se P e Q são pontos distintos, então seja s
uma reta passando por P e Q.”
A frase pode-se fazer um tanto confusa, mas não deixa de estar certa. No entanto,
esta demonstração fica mais clara usando uma
linha 5, como proposto inicialmente.
5 PROVA DE UM TEOREMA POR ABSURDO
Quando dizemos que vamos provar
um teorema por absurdo, estamos querendo
dizer que vamos iniciar a demonstração usando
o argumento por contradição. Negamos a tese,
e então começamos a deduzir, a partir dela, novas afirmações, podendo usar a hipótese como
verdade. Se conseguirmos chegar a uma afirmação ~A (não A) que é contrária de alguma
afirmação A, já deduzida dentro da demonstração, então teremos deduzido duas afirmações,
A e ~A. Logo, isto é um absurdo, uma contradição. Vejamos um exemplo:
Vamos provar que: “Existem 3 retas
não concorrentes.”
Definimos retas concorrentes como:
Duas ou mais retas são ditas concorrentes se
existe um ponto incidente a todas elas. Queremos mostrar que: “Se não existe um ponto comum incidente às retas r, s e t, então as retas r,
s e t são não concorrentes.”
Hipótese: “Não existe um ponto comum incidente às retas r, s e t.”
Tese: “As retas r, s e t são não concorrentes.”
Demonstração por Absurdo:
Iniciamos negando a tese, isto é, “As
retas r, s e t são concorrentes”. A partir disso
vamos deduzir informações que em algum momento entrarão em contradição com a hipótese, que tomamos como verdadeira.
Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009
20
Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert
linha 1: Existe uma reta r e um ponto P não
incidente a r. - Justificativa: Axioma de Incidência 3
linha 2: Nesta reta r, existem pelo menos
dois pontos distintos, chamemos de Q e R,
que são incidentes a r. - Justificativa: linha 1 e
Axioma de Incidência 2.
linha 3: P, R e Q são pontos distintos. - Justificativa: linha 1 e linha 2.
linha 4: Tomando os pontos P e Q, distintos,
existe uma única reta, chamemos de p esta
reta, que passa por P e Q. - Justificativa: linha
3 e Axioma de Incidência 1.
linha 5: Sejam P, Q e T pontos distintos incidentes a p. - Justificativa: linha 4, Axioma de
Incidência 2 e Regra Lógica (Se linha 4, então
Axioma de Incidência 2).
linha 6: Se R e P estão em retas distintas, r e
p, respectivamente, e se P e T estão na mesma
reta, no caso s, então R e T são pontos distintos e estão em retas distintas, r e p. Justificativa:
linha 1, linha 2, linha 5 e Regra Lógica(Se A,
então B).
linha 7: Sendo P e R pontos distintos, por
estes passa uma única reta, que chamaremos
de s. - Justificativa: linha 3 e Axioma de Incidência 1.
linha 8: Sendo R e T pontos distintos, por
estes passa uma única reta, que chamaremos
de t. - Justificativa: linha 6 e Axioma de Incidência 1.
linha 9: As retas r, s e t são concorrentes no
ponto R. - Justificativa: linha 2, linha 7 e linha 8.
linha 10: Existe um ponto comum às retas r,
s e t – Justificativa: linha 9.
Absurdo!!! Pois, pela hipótese não existe um ponto comum incidente às retas r, s e
t. Assim, vemos que, se não há um ponto em
comum entre as retas r, s e t, não há concorrência entre estas.
6 IMPERFEIÇÕES NOS AXIOMAS DE EUCLIDES
Os Axiomas de Hilbert visam proporcionar a prova de um teorema, sem a ajuda
de qualquer outro tipo de apelo instrumental,
como por exemplo, régua, lápis, compasso e
papel. Logo, argumentos do tipo “é óbvio do
desenho” não terão vez quando estivermos utilizando os grupos apresentados por Hilbert.
Por sua vez, os Postulados de Euclides, apesar de serem inquestionáveis, nem
sempre tornam-se suficientes na demonstração
de alguns teoremas, além disso, se tentarmos
realizar uma demonstração em linha, como as
utilizadas neste texto, veremos claramente que
as justificativas ficarão um tanto inapropriadas, e quase sempre nem poderão ser escritas.
Isso indica uma certa imperfeição do sistema.
Sua apresentação não é tão detalhada, quando
comparamos com a proposta de Hilbert. Os
axiomas de Hilbert narram minuciosamente a
atuação dos termos primitivos em uma construção geométrica, e certamente corrigem as
imperfeições do sistema de Euclideano.
Em seguida façamos uma apresentação dos cinco Postulados de Euclides e
Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos
apresentemos um teorema seguido de uma
demonstração frequentemente encontrada
em alguns livros. Veremos então, que sua
prova real não pode ser justificada pelos Axiomas Euclides.
Os cinco postulados utilizados por Euclides nos Elementos são os seguintes:
•Axioma I: Pode-se traçar uma única
reta ligando quaisquer dois pontos.
•Axioma II: Pode-se continuar (de uma
maneira única) qualquer reta finita continua-mente em uma reta.
•Axioma III: Pode-se traçar um círculo
com qualquer centro e com qualquer
raio.
•Axioma IV: Todos os ângulos retos
são iguais.
•Axioma V: Se uma reta, ao cortar outras duas, forma ângulos internos, no
mesmo lado, cuja soma é menor do que
dois ângulos retos, então estas duas retas
encontrar-se-ão no lado onde estão os
ângulos cuja soma é menor do que dois
ângulos retos.
Segue o teorema: “Se o triângulo ABC
tem os lados AC e BC congruentes, então tem
os ângulos CÂB e C^BA congruentes”.
Demonstração: Seja D o ponto
onde a bissetriz do ângulo ACB intercepta
AB. Os triângulos ADC e BDC são congruentes porque têm os lados AC e BC congruentes, o lado CD em comum e os ângulos ACD e BCD congruentes. Portanto,
21
os ângulos CAB e CBA são congruentes.
Sabemos que o teorema é verdadeiro, mas a
demonstração acima não mostra isso. Qualquer
um que possua instrumentos de desenhos verá
que a bissetriz corta o lado AB, ou seja, a base
do triângulo. Logo podemos observar que a
demonstração não está correta, aliás, não está
mostrando que o teorema é verdadeiro, apenas
dá uma ideia de como mostrar isso, usando lápis, compasso e régua.
Cabem agora algumas perguntas, tais
como:
1. De onde veio o ponto D, enunciado
no início da demonstração?
2. Quais são as garantias de que o ponto
D está entre A e B?
Vemos que nenhuma dessas perguntas podem ser esclarecidas com os cinco Postulados de Euclides.
Assim, para solucionar esse tipo de
problema, recorremos diretamente ao conjunto de Axiomas de Hilbert. Nesse caso apenas
o Grupo de Incidência não é suficiente, mas
lembremos que existem mais quatros outros
grupos.
Por exemplo, os Axiomas de Incidência poderiam responder o “mágico” surgimento do ponto D, proposto na demonstração. Os
Axiomas de Ordem poderiam explicar, sem
qualquer dúvida, à segunda pergunta, pois um
deles prevê a existência de pelo menos um
ponto entre dois outros pontos distintos que
formam uma única reta.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A demonstração na forma discursiva na geometria plana é convenientemente
deixada de lado para dar espaço a provas mais
intuitivas, baseadas em desenhos, utilizando
régua, lápis e compasso.
Os Axiomas de Hilbert proporcionam
Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009
22
Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert
uma construção de justificativas excelentes para
as afirmações utilizadas nas demonstrações discursivas de teoremas, e, ainda, proíbe o uso de
afirmações equivocadas.
O rigor nas demonstrações fica evidente, pois é necessário que tudo fique bem
esclarecido.
O sistema de Hilbert apresenta conclusões satisfatórias e incontestáveis para
qualquer tipo de construção geométrica plana.
A distribuição em cinco grupos organiza sua
classificação e sua utilização, bem como as
áreas de atuação.
Sua robustez supera, inquestionavelmente, as imperfeições do sistema axiomático
Euclideano, entretanto a utilização dos axiomas
de Hilbert exige um aprofundamento mais detalhado a respeito das regras lógicas.
8 REFERÊNCIAS
BOYER, C. B. História da Matemática. São Paulo: Edgar BlÄucher, 1993.
BRAITT, M. S.; Whitley, W. G., Geometria III. Florianópolis: UFSC/EAD/CED/CFM, 2008.
GREENBERG, M. J. Euclidean and Non-Euclidean Geometry. 3rd ed. [s.l.]: W. H. Freemand, 1994.
HILBERT, D. Grundlagen der Geometrie{Foundations of Geometry. Chicago: The Open
Court Publishing Company, 1902.
Download

UNIUV em REVISTA