1 UNIUV em REVISTA v. 12 ISSN 1981-9293 2009 FUNDAÇÃO MUNICIPAL CENTRO UNIVERSITÁRIO DA CIDADE DE UNIÃO DA VITÓRIA - UNIUV Reitor Jairo Vicente Clivatti Vice-Reitor José Pedro Ramos CONSELHO EDITORIAL Presidente Fahena Porto Horbatiuk Secretária Edite Siqueira Membros Alexandre Manoel dos Santos Angela Maria Farah Edna Satiko Eiri Trebien Ernani César de Freitas Jussara da Silva Leite Lúcio Kürten dos Passos Maria Genoveva Bordignon Esteves Odelir Dileto Cachoeira Simone Santos Junges Suely Terezinha Martini UNIUV em REVISTA é uma publicação anual, multidisciplinar, do Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv). Tem por finalidade divulgar artigos científicos, análises e resenhas, que possam contribuir para o conhecimento, o desenvolvimento e a discussão nos diversos ramos do saber. A exatidão das informações, os conceitos e as opiniões emitidos neste periódico são de exclusiva responsabilidade dos autores. Os trabalhos encaminhados para UNIUV em REVISTA devem seguir as orientações constantes nas Normas de Publicação contidas neste volume. Os trabalhos serão aceitos ou recusados pela Comissão Editorial, com base nas recomendações dos membros do Conselho Científico e/ou árbitros. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. UNIUV em REVISTA poderá ser obtida na Biblioteca João Dissenha. Fotos Lúcio Kürten dos Passos Diagramação e Arte Final Ana Letícia Sebben Edição e revisão Angela Maria Farah Fahena Porto Horbatiuk Jussara da Silva Leite Simone Santos Junges UNIUV EM REVISTA. União da Vitória: Centro Universitário de União da Vitória, v.12, 2009. Anual Continuação, a partir de 2007, 10, de FACE EM REVISTA ISSN 1981-9293 1. Ciências - Periódicos I. Centro Universitário de União da Vitória UNIUV. Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert Jean Eduardo Sebold 1 Alexandre Manoel dos Santos 2 RESUMO Neste trabalho, apresentaremos alguns procedimentos que evitam o uso de uma descrição equivocada, na resolução de problemas que envolvem os dois conceitos primitivos: reta e ponto. Proporemos algumas sugestões que serão extremamente úteis na formalização de provas de teoremas abordados pela Geometria Plana em seus alicerces mais fundamentais. Segue, também, uma curta explanação a respeito do Sistema Axiomático de Incidência de David Hilbert, bem como sua maior eficiência, quando comparada aos Postulados de Euclides. Palavras-chave: Geometria. Axiomas de Incidência. David Hilbert. 1 Licenciado em Matemática, pela Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória (Fafiuv); especialista em Matemática Aplicada ao Ensino, pela Fafiuv; cursando mestrado em Matemática, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); professor do Departamento de Sistemas de Informação, da Universidade do Contestado (UnC), Campus Canoinhas, SC; professor do Departamento de Administração, da Faculdade Metropolitana do Planalto Norte (Fameplan), Canoinhas, SC; cursa Doutorado em Métodos Numéricos em Engenharia - Programação Matemática, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected] Graduação em Engenharia Civil - Engenharia da Produção Civil, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC; especialista em Metodologias do Desenvolvimento de Sistemas, pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), Blumenau, SC; mestre em Métodos Numéricos em Engenharia, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR; professor no Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv), União da Vitória, PR; professor na Universidade do Contestado (UnC), Campus Canoinhas, SC. E-mail: [email protected] 2 Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009 Common misconceptions and suggestions for best practices in the demonstrations that organize primitive terms in the plane when David Hilbert’s axiomatic system of incidence is used Jean Eduardo Sebold Alexandre Manoel dos Santos ABSTRACT In this paper, we will present some procedures that avoid the use of a mistaken description in the resolution of problems involving the two primitive concepts: straight line and point. We intend to propose some suggestions that will be extremely useful in the formalization of proofs of the theorems approached by Plane Geometry in its most basic foundations. It follows, also, a short explanation about David Hilbert’s Axiomatic System of Incidence, as well as its greater efficiency when compared to the postulates of Euclid. Keywords: Geometry. Axioms of Incidence. David Hilbert. Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009 Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos 15 1 INTRODUÇÃO Os Axiomas de David Hilbert para geometria plana, publicados em Grundlagen der Geometrie – Bases da Geometria, são bem mais explícitos e numerosos que os Axiomas de Euclides. Eles são introduzidos em grupos: 1. Axiomas de Incidência; 2. Axiomas de Ordem; 3. Axiomas de Congruência; 4. Axiomas das Paralelas e 5. Axiomas de Continuidade. Axioma 3: Existe uma reta r e um ponto P que não é incidente a r; Axioma 4: Para quaisquer três pontos A, B e C que não estão numa mesma reta existe um plano a, que contém todos os três A, B e C. Para cada plano existe um ponto contido nele; Axioma 5: Para quaisquer três pontos A, B e C que não pertencem a uma mesma reta não existe mais do que um plano que contém cada um dos três pontos; Devemos utilizar cada axioma desses grupos para justificar uma construção geométrica. Limitar-nos-emos, a partir daqui, ao grupo 1, ou seja, aos Axiomas de Incidência. Axiomas de Incidência Axioma 1: Para cada ponto P e cada ponto Q diferente de P, existe uma única reta que passa por P e por Q; Axioma 2: Para cada reta r, existem pelo menos dois pontos distintos que são incidentes a r; Axioma 6: Se dois pontos A e B de uma reta a pertencem a um plano a, então, cada ponto da reta a pertence a a; Axioma 7: Se dois planos a e β têm um ponto em comum A, então, eles têm pelo menos mais um ponto B em comum; Axioma 8:Existem pelo menos quatro pontos que não pertencem ao mesmo plano. Os cinco últimos Axiomas referem-se à Geometria Espacial na qual não temos interesse no momento. Logo, a atenção será posta nos três primeiros. 2 USO DE UMA AFIRMAÇÃO Note que nos axiomas 1, 2, e 3, citamos: “...existe uma...”, “...existe pelo menos...” e “Existe uma...” respectivamente. Na utilização de quantificadores existenciais, afirmações do tipo “Existe”, que são a predicação de uma propriedade ou relação para, pelo menos, um elemento do domínio, alguns estudantes cometem equívocos. Nesta seção daremos um exemplo de fora da geometria, para evidenciar a diferença entre o uso correto e incorreto de uma afirmação. Suponha que temos o seguinte axioma: “Existe um jogador no campeonato que marcou 7 gols” e queremos provar que todo jogador, entre outros de outras equipes, que veste camisa número 9, também marcou 7 gols. Como faremos? A princípio tomamos todos os jogadores que participam do campeonato; entre eles selecionamos todos os que vestem a camisa número 9, e, em seguida, fazemos uma análise de seus históricos em partidas realizadas no campeonato. Se todos marcaram 7 Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 12-22, 2009 16 Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert gols, teremos provado o que queríamos. Vamos supor agora que queremos utilizar o axioma que sabemos ser uma regra para as futuras conclusões. Podemos supor que o jogador mencionado no axioma é um dos jogadores que veste a camisa 9? E se o camisa 10 também marcou 7 gols? Pelo que percebemos a afirmação (axioma) não nos servirá. O axioma poderia, quem sabe, estar se referindo ao camisa 10! Mas como poderíamos fazer uso do axioma? Uma alternativa seria: linha 1: Seja um jogador que marcou 7 gols – Justificativa: Axioma A partir daqui podemos nos deparar com duas situações: Situação 1: Temos um jogador que tem a camisa 9 e que marcou 7 gols. Precisamos verificar se existem mais jogadores que também vestem a camisa 9 e que marcaram 7 gols. Se estes não existirem, teremos provado o que queríamos. Situação 2: O número da camiseta do jogador que marcou 7 gols não é 9. Logo, teríamos que verificar se existe um jogador que tenha a camisa 1, 2, 3..., 22 (aqui numeramos uma equipe completa com 11 titulares e 11 reservas), com exceção da 9, que marcou 7 gols. A tentativa acima não demonstra muita coisa, de qualquer forma, teremos que analisar o número de gols marcados pelos jogadores, independentemente do número das camisetas. Mas pelo menos não cometemos gafes fazendo suposições indevidas. Nas questões que abordam geometria plana, temos nossos axiomas e teoremas, a ideia de usar uma afirmação de existência e ainda considerar os possíveis casos que podem nos levar a caminhos para uma demonstração. 3 BOAS PRÁTICAS PARA EVITAR CONCLUSÕES INDESEJÁVEIS • No sistema axiomático de incidência de David Hilbert, somos obrigados a justificar tudo o que se conclui, ou seja, cada linha de uma demonstração deve ter um motivo lógico para estar onde está. Veja um exemplo: Precisamos provar que: “Existem duas retas”. Demonstração: linha 1: Existe uma reta r e um ponto P não incidente a r - Justificativa: Axioma de Incidência 3 linha 2: Na reta r, existem pelo menos dois pontos distintos que são incidentes à reta r, consideremos Q e R tais pontos. - Justifica- tiva: linha 1 e Axioma de Incidência 2 linha 3: Os pontos P e Q são distintos. - Justificativa: linha 1 e linha 2 linha 4: Pelos pontos P e Q passa uma única reta, que chamaremos de s. - Justificativa: linha 3 e Axioma Incidência 1. linha 5: Existem duas retas, r e s. - Justificativa: linha 1 e linha 4. Assim, como queríamos demonstrar, existem duas retas, s e r! • Se esquecermos de que as afirmações devem ser frases completas e bem construídas gra- Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos maticalmente estaremos cometendo erros que comprometerão a demonstração, por exemplo: Suponha que estamos demonstrando um teorema e em certo momento, escrevemos: Demonstração: “...” linha 3: “Então P é incidente a r” “...” De forma alguma podemos iniciar a frase com a palavra “Então”, essa seria uma frase subordinada à afirmação anterior. Cada frase deve ter um significado completo e ser extremamente clara. Esta afirmação deveria ser simplesmente, “P é incide a r”, e, ao lado, justificaríamos, por exemplo, com a linha 2. • Outro equivoco muito frequente é o uso de um teorema do tipo tradicional, “Se A, então B”. Tendo em vista que, pelas regras lógicas, A implica B é falso somente quando A é verdadeiro e B é falso. Por exemplo: “Se r é uma reta, então P e Q são dois pontos distintos incidentes a r.” A = r é uma reta. (Hipótese) B = P e Q são dois pontos incidentes a r. (Tese) Observe atentamente a demonstração: Demonstração: 17 linha 1: Seja r uma reta. - Justificativa: Hipótese. linha 2: Seja P e Q dois pontos distintos incidentes a r. - Justificativa: Axioma de Incidência 2. Assim, como queríamos demonstrar. Deparamo-nos aqui com um problema muito típico, a falta de atenção. Tínhamos uma reta r pela hipótese, usamos o Axioma de Incidência 2 para obter 2 pontos distintos, P e Q, mas espere!!! O Axioma de incidência 2 não diz que existem dois pontos, ele só afirma que: se tivermos uma reta, então podemos considerar dois pontos distintos incidentes a ela. Ele não afirma que temos uma reta, nem que temos dois pontos. Logo a demonstração acima está incorreta. Vamos corrigi-la da seguinte maneira: Precisamos mostrar que esta tal reta r existe, mas onde está escrito isso? Na própria linha 1, só que, além disso, Precisamos dar condições para afirmar que existem dois pontos incidentes a reta r. Como fazer isso? Assim: Demonstração: linha 1: Seja r uma reta. - Justificativa: Hipótese linha 2: Tomando a reta r, existem pelo menos dois pontos, distintos, incidentes a r. Justificativa: linha 1 e Axioma de Incidência 2. linha 3: Sejam P e Q pontos distintos incidentes a r – Justificativa: linha 1 e 2, Axioma de incidência 2 e Regra lógica (Se A, então B). Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009 18 Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert Agora que temos a reta r (hipótese), e que nela incidem pelo menos dois pontos (P e Q) distintos(Axioma de Incidência 2), logo podemos considerar a existência de dois pontos incidentes à ela. • Afirmar algo sobre uma reta, ou um ponto, ou qualquer outro objeto que apareceu do nada, ou seja, não houve uma justificativa para seu aparecimento. Exemplo: Suponha que temos um teorema a ser provado, e parte da apresentação da demonstração é dada por: linha 1. Seja P um ponto. - Justificativa: Hipótese linha 2. Existe uma reta r e um ponto P que não é incidente a r. Axioma de Incidência 3 linha 3. Seja s uma reta passando por P e Q. Justificativa: Axioma de Incidência 1. “...” De onde vieram a reta s e o ponto Q? Note a justificativa da linha 3, o Axioma de Incidência 1 não diz que existe uma reta nem um ponto! Antes dessa frase, linha 3, precisamos de mais afirmações para introduzir esses dois novos elementos, reta s e ponto Q, justificando bem de onde vieram. Por exemplo. Uma forma de fazer isso seria: “...” linha 3: Sejam Q e R dois pontos distintos incidentes a r. - Justificativa: linha 2 (existe uma reta), Axioma de Incidência 2 e Regra lógica (Se A, então B). linha 4. P e Q são pontos distintos. - Justificativa: linha 2 e linha 3 linha 5. Seja s uma reta passando por P e Q. Justificativa: linha 4, Axioma de Incidência 1, Regra Lógica (Se A, então B). 4 ASPECTOS ASSOCIADOS A ERROS GRAMATICAIS Muitas demonstrações são apresentadas sem os cuidados necessários, tais como: Nas demonstrações discursivas, exigidas praticamente em todas as construções geométricas que utilizam os Axiomas de Incidência, as regras gramaticais básicas não são levadas muito em consideração, ou seja, as frases são escritas, muitas vezes, sem pontuação, sem iniciar com letra maiúscula, frases com somente orações subordinadas (vimos um exemplo neste trabalho no item i)), etc. Também observam-se frases muito longas, com várias afirmações. Isso pode gerar confusão no momento que um leitor verificar quais foram as justificativas usadas para garantir a validade da afirmação considerada. As demonstrações são uma sequência de afirmações verdadeiras, deduzidas a partir de outras, tendo cada uma delas justificativas claras, que permitem ao leitor entender por que são consideradas verdadeiras. Portanto devem ser bem escritas, sob o ponto de vista gramatical e curtas com uma só afirmação de cada vez, de preferência. Se houver duas ou mais afirmações que seja por um bom motivo, por exemplo, para mostrar que temos a hipótese de um teorema e que queremos usar a Regra Lógica (Se A, então B). Observe: Suponha que temos um teorema a ser demonstrado, e a sequência de sua demonstração é dada por: Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos linha 1: Seja P um ponto. - Justificativa: Hipótese linha 2: Existe uma reta r e um ponto P que não é incidente a r. Axioma de Incidência 3 linha 3: Sejam Q e R dois pontos distintos incidentes a r. - Justificativa: Se linha 2 (exis-te uma reta), então Axioma de Incidência 2. Observe a utilização da Regra lógica (Se A, então B). linha 4: P e Q são pontos distintos. - Justificativa: linha 2 e linha 3 linha 5: Seja s uma reta passando por P e Q. - Justificativa: Se linha 4, então Axioma de Incidência 1. Observe, aqui também, a utilização da Regra lógica (Se A, então B). Suponha uma modificação na linha 4, feita da seguinte maneira: linha 4: P e Q são pontos distintos, assim, 19 seja s uma reta passando por P e Q. - Justificativa: Se linha 2 e linha 3, então Axioma de Incidência 1. Logo não teríamos a necessidade da linha 5. Teríamos aqui duas afirmações em uma única frase: 1. P e Q são pontos distintos 2. Seja uma reta s passando por P e Q. Onde a Regra lógica se encaixa? A = P e Q são pontos distintos B = Seja uma reta s passando por P e Q. “Se P e Q são pontos distintos, então seja s uma reta passando por P e Q.” A frase pode-se fazer um tanto confusa, mas não deixa de estar certa. No entanto, esta demonstração fica mais clara usando uma linha 5, como proposto inicialmente. 5 PROVA DE UM TEOREMA POR ABSURDO Quando dizemos que vamos provar um teorema por absurdo, estamos querendo dizer que vamos iniciar a demonstração usando o argumento por contradição. Negamos a tese, e então começamos a deduzir, a partir dela, novas afirmações, podendo usar a hipótese como verdade. Se conseguirmos chegar a uma afirmação ~A (não A) que é contrária de alguma afirmação A, já deduzida dentro da demonstração, então teremos deduzido duas afirmações, A e ~A. Logo, isto é um absurdo, uma contradição. Vejamos um exemplo: Vamos provar que: “Existem 3 retas não concorrentes.” Definimos retas concorrentes como: Duas ou mais retas são ditas concorrentes se existe um ponto incidente a todas elas. Queremos mostrar que: “Se não existe um ponto comum incidente às retas r, s e t, então as retas r, s e t são não concorrentes.” Hipótese: “Não existe um ponto comum incidente às retas r, s e t.” Tese: “As retas r, s e t são não concorrentes.” Demonstração por Absurdo: Iniciamos negando a tese, isto é, “As retas r, s e t são concorrentes”. A partir disso vamos deduzir informações que em algum momento entrarão em contradição com a hipótese, que tomamos como verdadeira. Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009 20 Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert linha 1: Existe uma reta r e um ponto P não incidente a r. - Justificativa: Axioma de Incidência 3 linha 2: Nesta reta r, existem pelo menos dois pontos distintos, chamemos de Q e R, que são incidentes a r. - Justificativa: linha 1 e Axioma de Incidência 2. linha 3: P, R e Q são pontos distintos. - Justificativa: linha 1 e linha 2. linha 4: Tomando os pontos P e Q, distintos, existe uma única reta, chamemos de p esta reta, que passa por P e Q. - Justificativa: linha 3 e Axioma de Incidência 1. linha 5: Sejam P, Q e T pontos distintos incidentes a p. - Justificativa: linha 4, Axioma de Incidência 2 e Regra Lógica (Se linha 4, então Axioma de Incidência 2). linha 6: Se R e P estão em retas distintas, r e p, respectivamente, e se P e T estão na mesma reta, no caso s, então R e T são pontos distintos e estão em retas distintas, r e p. Justificativa: linha 1, linha 2, linha 5 e Regra Lógica(Se A, então B). linha 7: Sendo P e R pontos distintos, por estes passa uma única reta, que chamaremos de s. - Justificativa: linha 3 e Axioma de Incidência 1. linha 8: Sendo R e T pontos distintos, por estes passa uma única reta, que chamaremos de t. - Justificativa: linha 6 e Axioma de Incidência 1. linha 9: As retas r, s e t são concorrentes no ponto R. - Justificativa: linha 2, linha 7 e linha 8. linha 10: Existe um ponto comum às retas r, s e t – Justificativa: linha 9. Absurdo!!! Pois, pela hipótese não existe um ponto comum incidente às retas r, s e t. Assim, vemos que, se não há um ponto em comum entre as retas r, s e t, não há concorrência entre estas. 6 IMPERFEIÇÕES NOS AXIOMAS DE EUCLIDES Os Axiomas de Hilbert visam proporcionar a prova de um teorema, sem a ajuda de qualquer outro tipo de apelo instrumental, como por exemplo, régua, lápis, compasso e papel. Logo, argumentos do tipo “é óbvio do desenho” não terão vez quando estivermos utilizando os grupos apresentados por Hilbert. Por sua vez, os Postulados de Euclides, apesar de serem inquestionáveis, nem sempre tornam-se suficientes na demonstração de alguns teoremas, além disso, se tentarmos realizar uma demonstração em linha, como as utilizadas neste texto, veremos claramente que as justificativas ficarão um tanto inapropriadas, e quase sempre nem poderão ser escritas. Isso indica uma certa imperfeição do sistema. Sua apresentação não é tão detalhada, quando comparamos com a proposta de Hilbert. Os axiomas de Hilbert narram minuciosamente a atuação dos termos primitivos em uma construção geométrica, e certamente corrigem as imperfeições do sistema de Euclideano. Em seguida façamos uma apresentação dos cinco Postulados de Euclides e Jean Eduardo Sebold e Alexandre Manoel dos Santos apresentemos um teorema seguido de uma demonstração frequentemente encontrada em alguns livros. Veremos então, que sua prova real não pode ser justificada pelos Axiomas Euclides. Os cinco postulados utilizados por Euclides nos Elementos são os seguintes: •Axioma I: Pode-se traçar uma única reta ligando quaisquer dois pontos. •Axioma II: Pode-se continuar (de uma maneira única) qualquer reta finita continua-mente em uma reta. •Axioma III: Pode-se traçar um círculo com qualquer centro e com qualquer raio. •Axioma IV: Todos os ângulos retos são iguais. •Axioma V: Se uma reta, ao cortar outras duas, forma ângulos internos, no mesmo lado, cuja soma é menor do que dois ângulos retos, então estas duas retas encontrar-se-ão no lado onde estão os ângulos cuja soma é menor do que dois ângulos retos. Segue o teorema: “Se o triângulo ABC tem os lados AC e BC congruentes, então tem os ângulos CÂB e C^BA congruentes”. Demonstração: Seja D o ponto onde a bissetriz do ângulo ACB intercepta AB. Os triângulos ADC e BDC são congruentes porque têm os lados AC e BC congruentes, o lado CD em comum e os ângulos ACD e BCD congruentes. Portanto, 21 os ângulos CAB e CBA são congruentes. Sabemos que o teorema é verdadeiro, mas a demonstração acima não mostra isso. Qualquer um que possua instrumentos de desenhos verá que a bissetriz corta o lado AB, ou seja, a base do triângulo. Logo podemos observar que a demonstração não está correta, aliás, não está mostrando que o teorema é verdadeiro, apenas dá uma ideia de como mostrar isso, usando lápis, compasso e régua. Cabem agora algumas perguntas, tais como: 1. De onde veio o ponto D, enunciado no início da demonstração? 2. Quais são as garantias de que o ponto D está entre A e B? Vemos que nenhuma dessas perguntas podem ser esclarecidas com os cinco Postulados de Euclides. Assim, para solucionar esse tipo de problema, recorremos diretamente ao conjunto de Axiomas de Hilbert. Nesse caso apenas o Grupo de Incidência não é suficiente, mas lembremos que existem mais quatros outros grupos. Por exemplo, os Axiomas de Incidência poderiam responder o “mágico” surgimento do ponto D, proposto na demonstração. Os Axiomas de Ordem poderiam explicar, sem qualquer dúvida, à segunda pergunta, pois um deles prevê a existência de pelo menos um ponto entre dois outros pontos distintos que formam uma única reta. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A demonstração na forma discursiva na geometria plana é convenientemente deixada de lado para dar espaço a provas mais intuitivas, baseadas em desenhos, utilizando régua, lápis e compasso. Os Axiomas de Hilbert proporcionam Uniuv em Revista, União da Vitória, v. 12, p. 11-22, 2009 22 Equívocos frequentes e sugestões para boas práticas nas demonstrações que organizam termos primitivos no plano, quando é utilizado o sistema axiomático de incidência de David Hilbert uma construção de justificativas excelentes para as afirmações utilizadas nas demonstrações discursivas de teoremas, e, ainda, proíbe o uso de afirmações equivocadas. O rigor nas demonstrações fica evidente, pois é necessário que tudo fique bem esclarecido. O sistema de Hilbert apresenta conclusões satisfatórias e incontestáveis para qualquer tipo de construção geométrica plana. A distribuição em cinco grupos organiza sua classificação e sua utilização, bem como as áreas de atuação. Sua robustez supera, inquestionavelmente, as imperfeições do sistema axiomático Euclideano, entretanto a utilização dos axiomas de Hilbert exige um aprofundamento mais detalhado a respeito das regras lógicas. 8 REFERÊNCIAS BOYER, C. B. História da Matemática. São Paulo: Edgar BlÄucher, 1993. BRAITT, M. S.; Whitley, W. G., Geometria III. Florianópolis: UFSC/EAD/CED/CFM, 2008. GREENBERG, M. J. Euclidean and Non-Euclidean Geometry. 3rd ed. [s.l.]: W. H. Freemand, 1994. HILBERT, D. Grundlagen der Geometrie{Foundations of Geometry. Chicago: The Open Court Publishing Company, 1902.