UNIVERSIDADE DO PORTO Faciuldade de Psicologia e de Ciências da Educação M.a Teresa de Jesus Vieira 2004 V erdes, retorcidos, no alto de cada duna de areia branca. "Pinheiros marinheiros, gajeiros de tempestade" Somos serpentes, retorcidos pinheiros sofredores das tempestades de sal. Tempestades de vento agreste, carregadas de iodo e violência, já esquecidas da brisa. JMa nossa beleza carregada de dor, abnegadamente, ajudamos os nossos irmãos. Sustemos o vento marinho fazendo-os crescer grandiosos. 1 entando olhar o azul-verde, verde-azul do mar, escorremos pelas dunas conseguindo vislumbrar o recorte espumosos das ondas e, talvez, as gaivotas... JNo contraste verde-negro dos nossos corpos surgem, como que espreitando, tímidas, as mais belas "flores de verde pinho" . Somos um pinhal! JM o sussurro ondulante dos nossos troncos prolongamos o, ora doce ora agreste, murmúrio do mar e entrelaçamos raízes no âmago da terra. Pelas nossas veias corre a mesma seiva e nada mais nos distingue a não ser a nossa forma. Juntos somos um pinhal. Agitando as suas "flores de verde pinho" na extremidade dos longos e volumosos ramos, os nossos irmãos acenam de longe. Oomos pinheiros cobra mas, suspensos no iodo salgado do ar reluzente de um fim de tarde, somos a esperança de quem nos acena ao longe. hi, orgulhosos, oferecemos as nossas contorcidas formas ao beijo de um pôr de sol. 2 Afonso Lopes Vieira Rei D. Dinis (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva Dissertação apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação, Especialização em Educação e Diversidade Cultural (Porque peias nossas -veias corre a mesma seiva RESUMO Os direitos à educação, à igualdade de oportunidades e à participação na sociedade implicam que, a cada criança, seja devido um atendimento personalizado que responda às suas necessidades e características individuais. Por outro lado, esses mesmos direitos só serão concretizáveis se se garantir uma intervenção adequada, se se envolverem as famílias no processo educativo e se se conseguir atender a criança numa perspectiva ecológica1 tendo em conta os diversos ecossistemas em que está inserida. Tratando-se de crianças com deficiência, a ligação entre os diversos ecossistemas adquire uma importância reforçada uma vez que, dessa ligação depende, por vezes, a possibilidade ou impossibilidade da sua participação cidadã. É nossa convicção que todo o indivíduo se desenvolve tendo em conta variáveis tão importantes como a família, a escola, as experiências, vivências pessoais e as relações interpessoais, condicionadas por factores como o tempo e o espaço em que decorrem. É no contexto do desenvolvimento pessoal que cada indivíduo se torna um ser único e irrepetível, que constrói nas suas vivências o seu próprio sistema de valores e a sua bagagem de saberes. Assim, a escola e a família constituem dois espaços de relação de extrema importância no desenvolvimento individual de cada ser humano. Partindo destes pressupostos, o nosso estudo constitui-se e ganha importância uma vez que incide neste emaranhado de relações para tentar perceber como está a ser operacionalizada a inclusão e o atendimento à diferença que as formas de diversidade humana, decorrentes do factor deficiência, nos oferecem. Sabendo também que nos últimos anos se tem assistido ao reconhecimento crescente do papel da Educação Pré-escolar em Portugal (nomeadamente com a 1 O modelo ecológico de Brophenbrener fornece-nos um quadro conceptual que nos permite compreender a interacção sujeito-mundo e consequente desenvolvimento que esta interacção implica. Segundo este autor o sujeito encontra-se situado no centro do sistema e as suas mais directas interacções são realizadas com o microssistema, estando os outros contextos mais vastos envolvidos: mesossistema, exossistema, e macrossistema. (Portugal, 1992: 40) 3 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva publicação da Lei 5/97 - Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar), torna-se pertinente estudá-la numa das suas múltiplas facetas - a inclusão de crianças com deficiência. Deste modo, pretendemos conhecer de forma mais concreta o seu papel inclusivo e de atendimento à diversidade e desbravar caminho no sentido do estudo das práticas neste nível do Sistema Educativo. É pelo olhar dos pais e recorrendo à entrevista semi-directiva que pretendemos fazê-lo, tentando intuir qual o seu quadro de referências face à escola e à dinâmica desta junto das crianças com deficiência evidente. É desta forma que tentaremos perceber se essa dinâmica se aproxima ou não de uma prática inter/multicultural ou se, pelo contrário, apenas existe uma actuação em função de uma visão benigna de inclusão. Este estudo justifica-se por duas razões que nos parecem fundamentais: a primeira prende-se com a escassez de estudos sobre as práticas no nível da resposta educativa; a segunda prende-se com o facto de a maioria dos estudos efectuados serem centrados na escola, nos docentes e nas suas práticas, colocando em segundo plano outros intervenientes no processo educativo. Neste estudo pretende-se, sobretudo, dar voz aos pais. 4 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva RÉSUMÉ Les droits à l'éducation, à l'égalité d'opportunités et à la participation dans la société impliquent qu'il revient à chaque enfant une prise en charge personnalisée répondant à ses besoins et à ses caractéristiques individuelles. D'autre part, ces droits ne pourront être concrétisés qu'à condition de garantir une intervention adéquate, d'impliquer les familles dans le processus éducatif, et de parvenir à s'occuper de l'enfant dans une perspective écologique1 en tenant compte des divers écosystèmes dans lesquels il s'insère. S'agissant d'enfants handicapés, la liaison entre les divers écosystèmes prend une importance particulière dans la mesure où de cette liaison dépend parfois la possibilité ou l'impossibilité de sa participation citoyenne. Nous sommes convaincus que tout individu se développe en tenant compte de variables aussi importantes que la famille, l'école, les expériences, le vécu personnel et les relations interpersonnelles, conditionnées par des facteurs tels que le temps et l'espace dans lequel ils découlent. C'est dans le contexte du développement personnel que chaque individu devient un être unique qui construit à partir de ses expériences son propre système de valeurs et l'ensemble de ses connaissances acquises. Ainsi, l'école et la famille représentent deux espaces de relation d'une extrême importance dans le développement individuel de chaque être humain. Sur ces faits, notre étude prend toute son importance dans la mesure où elle survient dans cet enchevêtrement de relations pour essayer de comprendre comment se fait l'insersion et la prise en charge de la différence que nous offrent les formes de la diversité humaine qui découlent du facteur handicap. Sachant par ailleurs que nous avons assisté ces dernières années à la reconnaissance croissante du rôle de l'Education Préscolaire au Portugal 1 Le modèle écologique de Brophenbrener nous fournit un cadre conceptuel qui nous permet de comprendre l'interaction sujet-monde et le développement conséquent qu'implique cette interaction. Selon cet auteur le sujet se trouve situé au centre du système et ses interactions les plus directes sont réalisées avec le microsystème, les autres contextes plus vastes étant impliqués: mésosystème, exosystème et macrosystème. (Portugal, 1992: 40) 5 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva (notamment avec la publication de la Loi 5/97 - Orientations pour l'Education Préscolaire), il est pertinent de l'étudier dans l'une de ses multiples facettes Pinsersion des enfants handicapés. Ainsi, nous prétendons connaître de façon plus concrète son rôle d'insersion et de prise en charge face à la diversité et défricher le sujet en étudiant les pratiques faites à ce niveau du Système Educatif. Nous prétendons le faire au travers du regard des parents et en ayant recours aux entrevues semi-directives, tout en essayant de percevoir quel est son cadre de références face à l'école et à sa dynamique auprès des enfants handicapés. C'est de cette manière que nous essayerons de comprendre si cette dynamique se rapproche ou non d'une pratique inter/multiculturelle ou s'il n'existe, au contraire, qu'une action en fonction d'une vision bénigne de l'insersion. Cette étude se justifie, selon nous, pour deux raisons fondamentales: la première est due au manque d'études sur les pratiques au niveau de la réponse éducative ; la deuxième est due au fait que la plupart des études effectuées est centrée sur l'école, les enseignants et leurs pratiques, tout en mettant en second plan les autres intervenants dans le processus éducatif. Dans cette étude nous prétendons avant tout donner voix aux parents. 6 (porque veias nossas veias corre a mesma seiva SUMMARY The right to education, equal opportunities and participating in society implies that each child should be granted personal assistance according to his/her own needs and features. On the other hand, that same right will only be accomplished if an adequate intervention is guaranteed, if families are involved in the education process and if you can look after the child in an ecological perspective1 considering the several ecosystems in which he/she lives. If children are physically or mentally disabled, the connection between the several ecosystems becomes even more important since sometimes the possibility or impossibility of their citizenship depends on that connection. We believe that the growing process of every individual takes into account variables so important as family, school, experiences and relationships determined by factors such as time and place in which they occur. Each individual becomes unique and unrepeatable, his/her own values and wisdom are built in the context of the growing process. Thus, school and family are extremely important for the growing process of each human being. Our work is based on these aspects and it focuses the entangled relationships in order to understand the inclusion process and the assistance to difference given by human diversity which results from the disability factor. As we well know, the role of preschool learning has been highly recognised in the past few years (namely the Enactment of the Law 5/97..Curricular Directions for Preschool Learning), so it is relevant to study it in one of its multiple aspects - the inclusion of mentally or physically disabled children. It is our aim to know exactly its inclusive role as well as its capacity to deal with diversity and explore the path to study the practice at this School System level. 1 Brophenbrener's ecological model gives us a conceptual view which allows us to understand the interaction subject-world and the growing process that mis interaction implies. According to the author, the subject is in the centre of the system and his most direct interactions are performed with the microsystem involving other more vast contexts: midsystem, outersystem and macrosystem. (Portugal, 1992: 40) 7 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva We intend to do it in the parents' eye and through partially direct interview using intuition to find out how school and its dynamic influence mentally or physically disabled children. Thus, we will try to understand if that dynamic is close to a inter/multicultural practice or if, on the contrary, there is only a set of benign procedures towards inclusion. This study is important for two reasons which seem essential to us: the first deals with the lack of research on practice about education response; the second deals with the fact that most research is focused on school, teachers and their practice, leaving on the background other participants in the education process. With this work it is mainly intended to give voice to parents. 8 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva INDICE INTRODUÇÃO 14 CAPÍTULO I - REVISÃO CRÍTICA DA LITERATURA 18 1 - Educação especial inclusão e mudança 1.1. Quadro evolutivo dos modelos e práticas em educação especial 1.1.1. Perspectiva histórica da situação europeia 1.1.2.0 processo português 2 - Educação especial versus ensino regular: qual o significado da inclusão escolar? 2.1. Da classificação por categorias à definição de NEE 2.2. Diferentes modelos de intervenção 2.3. Os Conceitos de integração, inclusão e seus fundamentos 2.4 Fundamentos ideológicos e político-sociais 3 - Educação inter/multicultural e as práticas inclusivas 3.1. Educação e diversidade 3.2. Educação inter/multicultural 3.2.1. Os conceitos 3.3. Como responder à diversidade? 3.4. Inclusão escolar de crianças com deficiência e educação inter/multicultural 3.4.1. Inclusão como factor de mudança e inovação pedagógica 3.4.2. Inclusão como prática educativa 3.4.3. Inclusão escolar e inter/multiculturalidade 4 - A família e os contextos educativos 4.1. Conceito de família 4.1.1. estrutura e dinâmica familiar 4.2. Relação criança-família 4.3. Relação criança-família no caso da criança com deficiência 4.3.1. A família e a relação de vinculação precoce 4.3.2. O processo de luto 4.4. A relação escola-família 4.5. Relação escola família no caso da criança com deficiência evidente 20 21 21 25 33 33 37 40 43 49 49 52 52 54 56 56 57 61 64 64 66 68 71 73 75 79 85 9 (porque peias nossas veins corre a mesma sevva CAPÍTULO II - PLANIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO 89 1 - Apresentação do estudo 1.1. Objectivo do estudo 1.2. Questões levantadas por este estudo 1.3. Justificação da investigação 2 - Métodos e procedimentos 2.1. Constituição da amostra 2.2. Opções metodológicas 2.2.1. Fundamentação teórica 2.2.2. A entrevista 2.3. A preparação da entrevista 2.4. Os procedimentos 2.4.1. A realização da entrevista 2.5. A análise dos dados 91 91 91 92 95 95 96 96 98 100 101 102 1°4 CAPÍTULO III - APRESENTAÇÃO DOS DADOS E RESULTADOS 109 1 - Definição de categorias e subcategorias 1.1. Tratamento das questões referentes ao grupo A 1.2. Tratamento das questões referentes ao grupo B 1.3. Tratamento das questões comuns aos dois grupos 2 - Discussão dos resultados 111 111 113 115 117 CONCLUSÃO 131 BIBLIOGRAFIA E FONTES 136 ANEXOS 144 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva ÍNDICE DE ANEXOS Anexo 1 - Modelo de Cascata Anexo 2 - Guião da Entrevista Anexo 3 - Análise de conteúdo das entrevistas - Grupo A Anexo 4 - Análise de conteúdo das entrevistas - Grupo B Anexo 5 - Análise de conteúdo das entrevistas - Grupo A+B Anexo 6 - Entrevistas 11 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Com profunda amizade, agradeço a todos aqueles que me deram a palavra certa, o apoio certo no momento certo. E, particularmente, à minha orientadora pela sua preciosa dedicação. 12 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva fyexdeo, netoxccdoo, no a£to de cada, duna, de anela, exauça. "Piuueixoo maxinneixoo, aajeixoo de tempcotade"" Somoo oexfienteo, netonciaoo ftinkeixoo oohedoxeo doo temfreotadeé de tal. leaifceofadeo de venta aqxeote, caxxeaadao de coda e vidência, já eoauecidao da éxioa. TU, noooa êeíefa caxxeaada de dox, aéneaadamente. ajudante oo HOOOOO OimÕM. Suotemoo o vento maxUtko {jOfendo-oo cxeocex qxaudioooo. Hentaudo otAax o axuí-vexde. vexde-axul do max, eocovtemoo pelao dttuao conoeouindo <Kolumo\ax o xeconte eojkamoooo doo ondao e. taívef, ao aawofao... Tio coutxaote vexde-neqxo dot HOOOOO coxfioo ouxaem. couto aue eofrieitando, tímidao, ao maio 6elao "{fineo de vexde fùnno " . Somoo um fiutkalf 7lo ouoouxno ondulante doo HOOOOO ttoncoo fixotonoamoo o, ona doce oxaayteote, muxwúxio do won, e enúteCaçamoo taíxeo «o âmaao da texxa. "Petao HOOOOO veiao eoxxe o meoma oe&m e nada maio HOO diotcHaue a não oex a noooa {pnma. Çtuttoo oomoo tun frUtkal. Gaitando ao ouao "tfoneo de vexde fUnno" na etfaemidade doo tonaoo e votumoooo namoo, oo HOOOOOtomãooacenam de ùmae. Somoo {Uukeixoo coéxa moo, ouofienooo KO iodo oalaodo do ax neluxente de um fat de taxde, oomoo a eoftexança de quem HOO acena ao lonae. S, oxauinoooo, ofcxecemoo ao HOOOOO contoxcidao ptnmao ao êeijo de um fiôx deoot. 3 4 Afonso Lopes Vieira Rei D. Dinis 13 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva INTRODUÇÃO Se observarmos a diversidade humana podemos constatar que todo o ser humano possui características únicas. Essa unicidade assenta, muitas vezes, em diferenças que vão desde um simples sinal exterior até a formas de expressão cultural e artística. Por vezes as diferenças que um ser humano exibe, longe de o elevar na sua peculiaridade, podem desencadear um forte estigma e levar à marginalização. De entre todas as diferenças, podemos destacar as que se reconhecem na deficiência evidente (sensorial, motora, física) como um dos factores que mais frequentemente traz ao ser humano o sofrimento desse estigma e consequente marginalização. Ao observarmos a diversidade que a natureza nos oferece, naturalmente enaltecemos o que é diferente, como algo a preservar. Actualmente, todos falamos na conservação e protecção da natureza, na conservação das espécies como um legado para o futuro na conservação da biodiversidade do planeta. Numa clara analogia entre a diversidade humana e a biodiversidade gostaríamos de fazer referência à mancha de pinhal marítimo que guarnece a nossa orla costeira. Gostaríamos ainda de destacar aqui, como uma forma evidente de valorização da diversidade, um pequeno ecossistema que nesta área mais vasta se encontra incluído. Falamos dos "pinheiros cobra", que sendo da mesma espécie de pinheiro bravo que constitui o tão conhecido Pinhal de Leiria, apresentam características que os distinguem da restante floresta. Por influência de factores naturais como a erosão e os ventos salgados da costa atlântica, os pinheiros da beira mar agacham-se sobre as dunas de areia branca, nelas fixando raízes e os seus troncos deslizam rente ao solo protegendose, criando assim formas diversas. Essas formas, de tão exuberantes, tornam rara a beleza que exibem e constituem fonte de inspiração para artistas dos mais diversos quadrantes. Também biólogos e outros investigadores se renderam aos encantos deste pequeno ecossistema e, a sua classificação como árvores notáveis, 14 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva levou a que fossem considerados dignos de protecção em termos ambientais. Pela sua raridade e beleza eles podem personificar a diversidade! Por outro lado, na sua peculiaridade, ajudam a fixar as areias das dunas protegendo assim o restante pinhal que, abrigado dos ventos, consegue elevar os seus troncos de forma erecta. São, a um mesmo tempo, belos, raros e úteis. Se para esta forma de diversidade há uma atitude diferenciada pela positiva então questionamos o porquê de, por vezes, se estigmatizarem as diferenças humanas. Não comungarão elas da mesma condição de riqueza que é apanágio da diversidade vegetal, biológica ou mineral? Como podemos ser tão indiferentes à diversidade que a humanidade nos oferece não a reconhecendo enquanto factor do seu enriquecimento? Foi a partir destas reflexões que encetámos o caminho de investigação que aqui apresentamos. Particularizando, ao considerarmos a deficiência como mais uma forma de diversidade humana, pretendemos estudar as suas implicações ao nível da escola. Partindo da constatação de que os "pinheiros cobra" não se encontram excluídos do seu pinhal e que a sua diferença, longe de os inferiorizar, constitui uma mais valia no seu reconhecimento, gostaríamos de construir um caminho que nos leve a maior esclarecimento sobre se o mesmo acontece, ou não, com as formas de diversidade humana centrando-nos, neste projecto, nas diferenças resultantes da deficiência evidente. Assim, encetámos um percurso que se inicia com uma abordagem histórica em relação às formas de encarar e trabalhar com a pessoa nessa situação. Ao falarmos de deficiência evidente pretendemos colocar de lado todo o pudor que existe em torno da palavra deficiência. Escolhemos propositadamente esta expressão que aparece, repetidamente, ao longo deste trabalho. Pretendemos referir-nos àquelas deficiências que não passam despercebidas nem ao mais incauto dos cidadãos uma vez que, é essa a condição que parece mais entraves colocar à aceitação e à inclusão. É uma dura realidade que muitos cidadãos enfrentam e essa condição pode afectar, de forma muito violenta, toda a sua existência. 15 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Tendo em conta o que atrás se referenciou, pretendemos alargar a nossa investigação à evolução legislativa e conceptual referente à inclusão escolar de crianças e jovens com deficiências evidentes, partindo dos princípios e pressupostos que lhes estão subjacentes. Perante a multiplicidade das diferenças humanas que povoam a nossa sociedade e, particularmente, a escola, a inclusão parece ser a palavra de ordem. Sem ela, a legitimação dos princípios democráticos está definitivamente ameaçada, pondo em causa a igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso escolar. Assim, no nosso percurso, abordaremos também o conceito de inter/multiculturalidade e, como a reflexão sobre ele pode favorecer práticas que valorizem a diversidade na escola, aproximando-se assim da filosofia inclusiva. Encetar um caminho que nos leve a uma abordagem nesta linha implica criar meios que autonomizem os alunos, no seu percurso de aprendizagem, passando pela valorização das suas características individuais. Nesta parte da nossa investigação coloca-se-nos uma questão sobre a qual reflectiremos: será legítimo que a criança com deficiência se veja confrontada com estas designações de "integração", de "inclusão" no sistema escolar ou necessitará antes de uma escola aberta à diversidade onde a especificidade das suas necessidades seja garantidamente tida em conta, tal como para todos os alunos? "Alunos integrados. Para quando alunos, apenas? " No seguimento deste nosso trabalho abordaremos o conceito de família e a problemática do nascimento de uma criança com deficiência no seio da mesma. Esta abordagem pretende constituir-se também em contributo para a reflexão sobre a relação escola-família tentando encontrar as suas particularidades no caso da criança com deficiência evidente. Após a revisão da literatura, procederemos ao enquadramento da investigação empírica e ao seu desenvolvimento e operacionalização. E de destacar que este estudo tem como objectivo conhecer, pelos olhos dos pais, como se operacionaliza a inclusão de crianças com deficiência evidente no sistema regular de ensino, ao nível do pré-escolar. 5 Título de um artigo de Rosa Nunes (1990). 16 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva Este estudo revela-se importante para nós pois, para além de tentarmos maior esclarecimento sobre como é vista a inclusão no nível em que trabalhamos, dá relevo às percepções e opiniões de uma faixa de representantes da comunidade escolar que raramente é chamada a dar opinião. Por outro lado, este nível de ensino é um dos menos investigados no nosso país e, mesmo não fazendo parte da escolaridade obrigatória, pode revelar dados importantes no que toca às práticas inter/multiculturais e de atendimento à diversidade. Apesar de limitado na sua abrangência, este estudo pretende trazer à discussão facetas que se destacam ao nível das práticas, quando vistas de perspectivas distintas. Daí que, através da entrevista semi-directiva tentássemos conhecer a opinião de dois grupos de pais: pais de crianças com deficiência evidente e pais de crianças que frequentam as mesmas turmas das primeiras. Tendo em conta o carácter delicado do trabalho que pretendemos efectuar (a problemática é factor de múltiplos constrangimentos) sabemos que não constituirá uma tarefa assaz fácil. No entanto, a tomada de consciência deste problema pode evitar algumas contrariedades na obtenção de dados. No final deste caminho não sabemos o que encontraremos. Também desconhecemos ainda as dificuldades que teremos para o trilhar. Mas, a motivação que nos impele é forte e contamos com a presença dos pinheiros retorcidos que são, também para nós, fonte de inspiração. Sabemos que eles continuam à beira mar exibindo todo a sua beleza, convivendo pacificamente com a diferença mas lançando-nos a inquietação. 17 (porque peias nossas veias cone a mesma seiva CAPÍTULO I REVISÃO CRÍTICA DA LITERATURA (porque peias nossas veias corre a mesma seiva "E vos digo e conjuro que canteis! Que sejais menestréis Dum gesto de amor universal! Duma epopeia que não tenha reis, Mas homens de tamanho natural! Homens de toda a terra sem fronteiras! De todos os feitios e maneiras, Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!" Miguel Torga 19 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 1 - EDUCAÇÃO ESPECIAL, INCLUSÃO E MUDANÇA Sobre educação especial, integração e inclusão muito se tem investigado e discutido, encontrando-se consensos apenas quanto às definições conceptuais, e à necessidade de mudança de paradigma que lhes está subjacente. Desta forma impõe-se também uma definição de Necessidades Educativas Especiais (NEE)6 que segundo Pierangelo & Jacoby (1996), (cit in Nielsen, 1999) se refere a qualquer criança ou jovem que exiba discrepâncias significativas no que diz respeito aos factores capacidade /resultados e que possa necessitar de receber serviços especiais para dar respostas às suas necessidades educativas. Os rápidos avanços que se têm vindo a registar na reflexão teórica não correspondem, pelo menos com a mesma rapidez, à melhoria e à promoção da qualidade de vida dos indivíduos com NEE. Por outro lado, quando discutimos o conceito de Inclusão, vimos que, mesmo quando o seu estudo começou a ser encarado com maior credibilidade e rigor, não se registaram reacções muito entusiastas na sociedade. Os investigadores tentaram, com a publicação das conclusões dos seus estudos, promover a mudança da consciência da sociedade. Porém, isso não foi nem é ainda tarefa fácil. A reabilitação social do cidadão com deficiência passa pela não exclusão escolar à partida. É neste sentido que surge a ideia da sua inclusão escolar como pré-condição para uma sociedade inclusiva. Veremos, no entanto, como a vontade e a prática social se tornam distanciadas dos avanços obtidos no campo teórico. 6 Sempre que nos referirmos a Necessidades Educativas Especiais utilizaremos a sigla NEE como abreviatura. Esta designação procede do Dec. Lei 319/91 de que falaremos posteriormente. Este termo, segundo Rodrigues (2001) está a ser crescentemente questionado e designa, nas nossas escolas, os alunos que apresentam condições de deficiência ou níveis de desempenho escolar mais baixos que a "média" 20 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 1.1. Quadro Evolutivo dos Modelos e Práticas em Educação Especial A fim de melhor se entender e situar a inclusão escolar7 na evolução histórica da educação especial, em Portugal, consideramos indispensável apresentar um enquadramento histórico geral da situação portuguesa e situá-la no contexto de outros países europeus. Assim, primeiramente, apresentaremos a situação europeia e, de seguida, a situação que se registou no nosso país. Limitarnos-emos aos principais marcos da evolução nas práticas integrativas dos países Europeus, sendo possível distinguir nessa evolução, três períodos essenciais: 1.1.1. Perspectiva histórica da situação europeia 1.° Período - Dos esquecidos e dos escondidos (do século passado ao final da Segunda Guerra Mundial) Foi prática na maioria dos países europeus, desde o século passado, a criação de instituições especiais para pessoas com deficiência. Na maioria dos casos, estas eram de carácter não oficial e funcionavam como instituições de caridade, geridas e organizadas, quase sempre, por organismos eclesiásticos. Numa visão asilar, o objectivo principal era cuidar das pessoas com deficiência e não educá-las. As primeiras escolas especiais parecem ter surgido para atender às deficiências sensoriais, alargando-se depois à deficiência mental e até às dificuldades de aprendizagem. A convicção de que o aluno com deficiência era 7 Ao falarmos de inclusão referimo-nos à mudança de paradigma que levou ao reconhecimento de que todas as crianças são especiais, passando a centração do problema do indivíduo para o currículo. Assim, reconhece-se que todos os alunos têm direito a uma educação de qualidade que respeite as suas necessidades e características individuais. "(...)os professores das escolas regulares devem procurar maneiras eficazes de proporcionar um currículo comum que tenha em conta as diferenças individuais dos alunos. " (UNESCO in Nunes, R. 1997:1) Só a partir de 1994 surge este termo, que exige à escola servir de palco à diversidade cultural e educacional que a realidade social lhe apresenta. Antes desta data falavase de integração que, representando um paradigma distinto, em termos históricos correspondia à tentativa de colocar indivíduos no sistema regular de ensino. Na literatura consultada muitos autores falam de integração, pois alguns deles são anteriores ao aparecimento do paradigma inclusivo. No entanto não queremos contudo dizer que os textos escritos após 1994 já se refiram a inclusão uma vez que a mudança de um conceito não conduz, muitas vezes a uma mudança de pensamento e/ou atitude. Do ponto de vista discursivo ambos nos aparecem na literatura consultada mas após 1994 já não se fala de integração, parecendo existir em alguns autores uma apropriação indevida do termo. Utilizamos as designações de Caldwell (1973) (cit. in Pereira, 1998) para descrever as fases históricas da evolução da educação especial no contexto europeu. 21 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva diferente das outras crianças (ignorando-se que todos são diferentes entre si), fez com que se desenvolvesse um sistema educacional separado, numa perspectiva assistencial (Meijer et ai, 1994). Durante as primeiras décadas do nosso século, começa a desenvolver-se a ideia de uma primeira forma de integração que consistia em colocar crianças das escolas especiais em classes, também especiais, dentro das escolas regulares. Em França, por exemplo, e surgidas com base na divulgação das escalas métricas de Binet, foram chamadas "classes de aperfeiçoamento" e prevaleceram até ao fim da Segunda Guerra Mundial (Simon, 1991). As escolas especiais eram consideradas a melhor forma de educar crianças com deficiência. No ensino regular estas, falhavam em termos académicos e viam a sua auto-estima e confiança enfraquecidas. Considerava-se desejável um adequado enquadramento e a separação destas crianças, não só por questões humanitárias, como também por razões económicas. Nesta perspectiva, as classes ou escolas especiais só traziam benefícios ao ensino regular pois, supostamente, permitiam ao professor maior eficácia com as outras crianças, ao mesmo tempo que às crianças com deficiência era garantida atenção individual e estratégias apropriadas ao seu desenvolvimento mental Ettinger (1918), ( cit. in Nóvoa e Popkewitz, 1992). 2.° Período - Do despiste e da segregação (do final da Segunda Guerra Mundial à década de 70) Depois da segunda guerra mundial, um significativo número de países previram não poder suportar os elevados custos das escolas especiais. Ao mesmo tempo, começaram a surgir ideias de normalização9 que defendiam a integração 9 O conceito de normalização, primeiramente surgido na Escandinávia e depois nos Estados Unidos da América, assenta sobre o princípio de uma educação no meio menos restritivo possível "mainstriming" que surge da luta dos pais por uma educação de qualidade para os seusfilhos.Esta luta tem por objectivo proporcionar condições de vida o mais próximo possível das que usufruem os indivíduos com a mesma idade e o mesmo meio social (Correia, 1997). Já para R. Nunes (1989: 320) referindo-se à inclusão de alunos com NEE, nas turmas regulares, na perspectiva de uma escola para todos, defende que, "qualquer que seja o ângulo de visão, turma normal terá que ser aquela em que cada um tem o seu papel, reconhecido pelo grupo, nele se reconhecendo. É uma situação colectiva individualizada, de bem-estar em que, mesmo os conflitos, (e a angústia que lhes é inerente), não exclui o limiar do comportável sem destruição, para uma personalidade em formação. É um suporte do crescimento integral, também pelas oportunidades de organização das resistências à frustração". 22 (porque veias nossas veias corre a mesma seiva dos alunos com deficiência nas escolas regulares, surgindo legislação e orientações específicas, em alguns países, que lhes permitiam a matrícula nessas escolas. Os próprios sistemas educativos sofreram alterações profundas em que sobressai o aumento do período da obrigatoriedade escolar. Foram estas medidas, tomadas nos principais países da Europa Ocidental, que levaram a um rápido crescimento do número de crianças caracterizadas como alunos com necessidades especiais na escola. A escola de massas10 põe em evidência uma grande diversidade sócio económica e cultural dentro do sistema escolar. Perante o acréscimo do número de crianças e as insuficiências do número e da formação de professores, bem como a escassez de meios de vária ordem, apareceram classes muito numerosas nas quais eram mal aceites as crianças com deficiência. As escolas viram-se a braços com problemas dentro do sistema educativo, para os quais não estavam preparadas. Surge então aquilo a que Simon (1991) chama de "febre segregativa" uma vez que se dá o aparecimento de classes especiais, dentro da própria escola, para atender a essa diversidade crescente. Perante o acréscimo do número de crianças e as insuficiências estruturais da escola, com professores preparados para uma resposta mais homogeneizante do que para essa diversidade vê-las partir para classes ou escolas especializadas era, a curto prazo, um alívio para todos. Estes processos de segregação virão a ser confrontados com posteriores movimentos anti segregativos desenvolvidos nos finais da década de 60, início da década de 70. 3.° Período - Da identificação e aiuda (a partir do início da década de 70) A legislação publicada na década de 60 em países como a Itália, a Dinamarca ou a Suécia, que previam a formação de equipas multidisciplinares e 10 A designação "escola de massas" refere-se ao direito de todos os cidadãos terem oportunidade de acesso à escola. A aquisição deste direito levou ao aumento significativo da população escolar, o que levou a diversidade para dentro de uma instituição anteriormente reservada só a alguns. Reportando-se ao caso português Stoer e Magalhães (2002: 8) referem: "Pe/a primeira vez, a escola portuguesa se confronta com o fenómeno de a quase totalidade das suas crianças e grande parte dos seus jovens se verem envolvidos no sistema educativo. Não sendo um fenómeno especificamente português (...) no nosso país ele assume uma relevância muito específica, dado o atraso que os nosso índices de escolarização apresentaram nos três últimos séculos. " 23 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva organizavam medidas para a integração escolar das crianças com deficiência no sistema regular tentava já inverter a tradição segregativa (Meijer et ai, 1994). Também a publicação nos Estados Unidos da América da Public Law 94-142 , veio influenciar os meios intelectuais europeus, contribuindo para a criação de condições de integração e a mudança na vontade política e social dos países. Na Inglaterra e País de Gales foi também determinante a constituição da Comissão Warnock12 e as suas conclusões, publicadas em relatório em 1978. Este, fez eclodir um novo sistema de classificação, uma vez que introduziu o novo conceito, já atrás referido - NEE. Este conceito de NEE "consiste em basear a definição da deficiência apenas na necessidade da ajuda [educativa] específica" (OCDE, 1994: 11). Esta é uma mudança fundamental mas que, na prática, tem vindo a ser apercebida mais como uma mudança de designação ou mudança terminológica pouco consequente. A partir da década de 70, os países começaram a criar condições nas escolas regulares para incluírem todas as crianças, independentemente da sua cultura, etnia ou capacidade. As escolas tiveram que se preparar para conviver com a diversidade, à excepção de alguns países, como é o caso da Holanda, onde continuaram a coabitar dois sistemas escolares, o especial e o regular. Por toda a Europa, os antigos sistemas tentam fundir-se num só, tentando partilhar as experiências, a formação e os recursos num trabalho comum. Contudo, e como teremos oportunidade de abordar no decorrer do nosso trabalho, a questão da convivência quando envolve deficiência evidente não foi, nem é, pacífica ou de resolução fácil. 11 A Public Law 94-142 foi aprovada pelo Congresso dos E. U. A. em 1975 com o objectivo de "promover a igualdade de oportunidades educacionais para todas as crianças com necessidades educativas especiais" Esta lei é apresentada por Goodman (1976) como aquela que "provavelmente será conhecida como a de maior impacto na história da educação" (Coreia, 1997:21). 12 A Comissão Warnock tinha como objectivo fazer um levantamento sobre a educação das crianças e jovens com deficiência que levou à publicação de um relatório com o mesmo nome. Este desencadeou a publicação de legislação referente à integração escolar da população alvo do estudo nomeadamente a nova Lei da Educação de 1981. 24 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva 1.1.2. O processo português 1.° Período (do século passado a 1940) Pelo enorme período de tempo ocorrido neste primeiro período, é possível observar a inércia a que a educação especial esteve sujeita em Portugal. O primeiro passo para a educação de pessoas com deficiência foi dado, em 1822 quando José António Freitas Rego enviou um pedido a D. João VI no sentido de serem educados cegos e surdos. O pedido foi atendido, contratando-se Aron Borg para que se organizasse um Instituto de Surdos e Cegos. Posteriormente, e até à primeira década do nosso século, foram criados mais alguns asilos e instituições destinadas à assistência e educação de pessoas com deficiências sensoriais. A partir de 1916 a evolução da educação especial sofre alterações importantes pela mão do Dr. António Aurélio da Costa Ferreira. É ele quem funda o Instituto que mais tarde viria a ter o seu nome, destinando-se, no início, à observação e ensino de alunos com deficiência mental. Mais tarde, este Instituto passa para a tutela do Ministério da Instrução que, em 1926, lhe faz aprovar um regulamento definindo-o como orientador e coordenador de serviços relacionados com a selecção e distribuição de crianças com deficiência pelas instituições apropriadas, orientando-as efiscalizando-as.O mesmo regulamento, atribui-lhe competência para a formação de pessoal docente e auxiliar. Prevê ainda a orientação de classes especiais junto das escolas primárias (Bénard da Costa: 1982). 2.° Período (de 1940 a 1973) A partir de 1942, assiste-se a uma renovação da educação especial em geral iniciada pelo Instituto Jacob Rodrigues Pereira, onde se fazia sentir a necessidade de novas instalações, professores especializados e assistência médica (Martins e Amaral, 1986). Em 1946, estabelece-se por Decreto-Lei a criação de classes especiais a funcionar junto das escolas primárias, competindo ao Instituto 25 (porque-petasnossas veias corre a mesma seiva Aurélio da Costa Ferreira a sua orientação e formação de docentes, como já era previsto desde 1926 (Bénard da Costa, 1982, Leal, 1985). Esta prática foi, como vimos, muito usada na Europa nos anos anteriores à guerra. Em 1956 iniciaram-se as actividades da Liga Portuguesa de Deficientes Motores, mas é na década de 60 que se dá um maior relevo ao papel do associativismo com a criação da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (1960), Associação Portuguesa de Pais e Amigos das Crianças Mongolóides (1962) e a Associação Portuguesa de Pais e Amigos das Crianças Diminuídas Mentais (1965) (Bénard da Costa, 1982). No final da década de 60, a Direcção-Geral da Assistência cria estabelecimentos de Educação Especial e, para assegurar o seu bom funcionamento, cria o Centro de Observação e Orientação Médico-Pedagógica (COOMP) e o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Pessoal (CFAP). O primeiro destinava-se à observação de crianças e o segundo à formação de pessoal (Leal, 1985, Martins e Amaral, 1986). São então ensaiadas as primeiras tentativas de integração efectiva de crianças com deficiência no sistema regular. Estas tentativas começam a nível do Ensino Secundário e só para a deficiência visual. Recorde-se que o Instituto de Assistência a Menores criara, em 1964, os Serviços de Educação de Deficientes cuja acção consistia na criação de estabelecimentos oficiais e na remodelação de privados já existentes. Entre 1965 e 1970, este instituto organizou e criou 8 estabelecimentos educativos para atendimento à deficiência visual, 10 para a deficiência auditiva e 11 para a deficiência mental (Bénard da Costa, 1982). 3.° Período (a partir de 1973) Em 1973 é publicada legislação referente ao Ensino Básico e Secundário, constando dela as Divisões de Ensino Especial e Ensino Especial e Profissional, cuja competência era a organização de estruturas educativas para pessoas com deficiência. Estas Divisões orientaram a sua actividade para a especialização de professores e criação de estruturas regionais com o objectivo de desenvolver o chamado Ensino Integrado. Dá-se um incremento especial à formação de pessoal 26 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva docente e técnico no sentido de proporcionar condições de integração. Criam-se alguns modelos que vão desde as salas de apoio às classes especiais integradas (destinadas às deficiências sensoriais e motora), passando muito pelo apoio itinerante (Bénard da Costa, 1982). Com a revolução de 1974, a Divisão de Ensino Especial do Ensino Básico passa a apoiar escolas para crianças com deficiência mental, criadas pela iniciativa de associações de pais e cooperativas. Assiste-se à expansão das CERO13 e das CER14. Em 1975 nasce também o Secretariado Nacional de Reabilitação e são os membros deste Secretariado que sugerem a articulação por uma única lei de todos os departamentos que detêm competências na área da Educação Especial tuteladas pelo Ministério da Educação e, em 26 de Junho de 1979, é aprovada a Lei da Educação Especial que nunca chegaria a ser regulamentada. No entanto, o facto da sua publicação, demonstra o apoio oficial à perspectiva de ter a educação especial e a educação regular articuladas na mesma organização administrativa (Leal, 1985). Já antes fora publicado o Decreto-Lei n.° 174/77 que regulamentava o regime escolar dos alunos portadores de deficiência, quando integrados no sistema regular. As deficiências deveriam estar comprovadas pela apresentação de parecer médico especialista e os alunos passariam a estar sujeitos a condições especiais de matrícula, frequência e avaliação de conhecimentos. Este decreto restringia o seu âmbito ao ensino preparatório e secundário, sendo publicado posteriormente o Decreto-Lei n.° 84/78 que fixava o mesmo tipo de dispositivos para o ensino primário já que, entretanto, havia trabalho no terreno, nesse sentido, ainda que sem cobertura legal, e cuja avaliação positiva desencadeou a sua generalização contextualizada, favorecendo e forçando a emergência de legislação adequada15 No ano lectivo de 1976/77 foram criadas as Equipas de Ensino Integrado que dedicavam os seus esforços apenas a crianças com deficiências comprovadas e contavam com professores e técnicos especializados. Por ser assim, e por haver 13 A sigla CERCI significa Cooperativa para a Educação e Reabilitação das Crianças Inadaptadas. A sigla CER significa Centro de Educação e Reabilitação 15 Ver Rosa Nunes (1985). "Oficina, Nome da Vida, Escola Democrática" Ano VII, n.° 4 e Rosa, Nunes (1990). "Educação Especial Anos 80/90"., in A Educação em Portugal Anos 80/90. Edições ASA. 14 27 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva escassez de pessoal especializado, as equipas funcionavam apenas em seis distritos do país. Também o tipo de problemas em que intervinham era limitado às deficiências motora, visual, auditiva e múltipla. De referir que a perspectiva de intervenção dos técnicos se centrava na criança com deficiência e desenvolviamse esforços para que essa criança não fosse um elemento perturbador na turma (Bénard da Costa, 1981). A legislação viria a aperfeiçoar-se no sentido da garantia da tendencial abertura da escola regular a todos os cidadãos, já que, entretanto, a experiência veio mostrando a necessidade de resolver as dificuldades que se vinham a apresentar à escolarização dos alunos com deficiência evidente. Estes teriam que ter acesso à escolaridade obrigatória com base em princípios de normalização e integração social. É a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986, que consagra o direito à diferença como um princípio do sistema educativo e vem criar condições para que surjam múltiplas iniciativas no campo da integração. Destacamos o ponto 1 do art. 18.° que diz, nomeadamente, "A educação especial organiza-se preferencialmente segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico... " Nesta sequência surge o Despacho Conjunto 36/SEAM/SERE/88 que regulamenta as Equipas de Educação Especial, substituindo as que funcionavam apenas com pessoal especializado em seis distritos e passando a ser constituídas por educadores de infância e professores do ensino não superior, preferencialmente com curso de especialização ou experiência em educação especial, por psicólogos, terapeutas e pessoal auxiliar. Estas equipas passam a abranger todo o sistema não superior e orientam a acção pelos objectivos e princípios consignados na Lei de Bases do Sistema Educativo. Têm também um papel essencial na orientação dos docentes do ensino regular, especificamente para possibilitar o apoio a alunos portadores de deficiência ou dificuldades de aprendizagem. A década de noventa traz ao panorama legislativo nacional três novos diplomas para a educação especial. 28 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva O primeiro é publicado em Janeiro de 1990 (Decreto-Lei n.° 35/90) e parece surgir de uma preocupação do poder central devida a um baixo índice de escolarização das crianças e jovens com deficiência. O aspecto mais importante deste diploma é a garantia da obrigatoriedade no cumprimento da escolaridade das crianças com deficiência, seja em escolas regulares ou instituições específicas de educação especial. O segundo foi o Decreto-Lei n.° 319/91 que surge no sentido de garantir o acesso à escola às crianças com NEE. O facto de utilizar esta terminologia (NEE) reflecte uma preocupação expressa de romper com as classificações do foro médico, colocando ênfase no foro educativo. Assim, parece pretender fomentar uma igualdade de oportunidades a todas as crianças e jovens com deficiência e permitir que às NEE correspondam, no âmbito das escolas regulares, intervenções específicas adequadas. Permite ainda o desenvolvimento da integração, sendo generalizada a todos os alunos que, de acordo com critérios psicopedagógicos16, tenham NEE. Os alunos com NEE vêem assim consignado o direito a adequações no processo de ensino, traduzidas em medidas diversas, designadas neste diploma como Regime Educativo Especial . Para as escolas é transferida a responsabilidade de organizar o seu funcionamento com o apoio de professores de educação especial de modo a poder acolher a população com NEE. O terceiro normativo foi o Despacho Conjunto n.° 105/97. Este, vem introduzir uma mudança significativa na educação especial em Portugal. Como consequência imediata, terminou com o sistema das Equipas de Educação Especial e passaram a constituir-se os designados Serviços Especializados de Apoio Educativo (SEAE) em que os professores de educação especial bem como outros técnicos (psicólogos, terapeutas, técnicos de serviço social...), passam a constituir uma equipa com nova designação. Os técnicos que compõem os SEAE 16 Posteriormente, o Despacho 173/ME/1991 vem reforçar o disposto no Decreto-lei 319/91 no que diz respeito à atribuição de competências ao professor para identificar os alunos com NEE. A avaliação passa do foro médico para o foro pedagógico. 17 O Regime Educativo Especial consiste na adaptação das condições em que se processa o ensino aprendizagem dos alunos com NEE e compreendem diferentes processos de matrícula ou frequência, adaptações curriculares, condições especiais de avaliação, apoio educativo ou ensino especial. 29 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva (basicamente os professores de educação especial), passam a ser colocados nas escolas e, esta equipa, responde a todo o sistema de ensino não superior. Propondo-se contribuir para a igualdade de oportunidades de sucesso de todas os alunos e a qualidade educativa, defende a articulação dos recursos existentes noutros serviços (Centro de Saúde, Centros de Emprego, Autarquias e outros). A criação dos serviços especializados (SEAE) traduziu-se numa nova reorganização dos apoios educativos. Mas será que esta reorganização não é meramente administrativa? Segundo alguns autores, este diploma é mais um passo para a não segregação pois, segundo eles, o facto de os docentes especializados passarem a fazer parte dos recursos da escola, retira-lhes uma conotação que provocava um rótulo nos alunos apoiados pelas Equipas de Educação Especial. O acto de colocar esses professores nas escolas, na tentativa de as preparar para a diversidade da sua população, parece estar de acordo com o conceito de inclusão. Mas será que, no terreno, esta nova base legislativa levou às necessariamente profundas alteração das práticas? Ou será que a esta sucessão de factos e aparentes mudanças não correspondeu prevalecentemente a mais do que a uma apropriação discursiva mais eficaz à camuflagem e manutenção de condições estruturais e atitudinais que não condizem com uma escola de todos? Parece-nos que toda esta mudança terminológica que a publicação de nova legislação trouxe não é, muitas vezes, coincidente com uma toma da de consciência que induza uma mudança ao nível das práticas. Para além disso a filosofia subjacente a estas mudanças legislativas mais recentes não se coaduna com o paradigma inclusivo já que, em nada é tocada a continuação da existência de duas estruturas paralelas, entretanto consolidados por legislação que determina a existência de concursos separados para professores do ensino regular e da educação especial. Na verdade a estrutura paralela (ensino especial/ensino regular) continua a existir e, com ela co-ocorrendo o aumento exponencial do número de crianças classificadas com NEE, dando livre curso à "categorização" actualmente tão contestada pelos investigadores. A existência de educação especial, seja ela com professores dentro da escola ou não continua a alimentar o 30 (porque peias nossas veins corre a mesma seiva subsistema paralelo de que atrás falámos, colocando visíveis entraves à inclusão, paradigma só realizável no âmbito das estruturas regulares. Para R. Nunes (1997), citando os Materiais de Apoio à Formação de Professores Escolas Inclusivas da UNESCO "Muitas vezes as formas de segregação na escola regular são mais difíceis de detectar, embora possam produzir resultados muito negativos. (...) A abordagem dominante relativa aos alunos que sentem dificuldades nas escolas, é procurar identificar vários subgrupos que se considera terem problemas idênticos provocados pelas mesmas causas. A perspectiva centrada no aluno conduz a formas de resposta que podem ser caracterizadas por acentuar a categorização, a protecção e a segregação" (UNESCO 1985: 39) Baseada nos mesmos materiais da UNESCO a autora refere ainda: "Com a emergência da Educação Especial o processo de identificação tornouse crucial e desenvolveu-se todo um conjunto de serviços técnicos relacionados com este processo de classificação e de colocação, frequentemente excluindo o professor. E então acontece muitas vezes que os alunos só são considerados especiais se existem serviços para os atender. (...) E não há qualquer estímulo para que os professores das turmas regulares se ocupem dos alunos que têm dificuldades. Os professores são até, por vezes, desencorajados (com muita subtileza acrescentamos nós) de o fazer, já que ensinar crianças com necessidades especiais é uma tarefa para os especialistas. (...) O professor do ensino regular que procura ajudar alunos 'especiais'pode ser acusado de lhes estar aprestar um mau serviço, negando-lhes o acesso a especialistas e a recursos suplementares. " (UNESCO 1985: 35,36) 18 O Projecto "Escolas Inclusivas" da UNESCO/AINSCOW tinha como finalidade desenvolver um conjunto de ideias e materiais de formação com o intuito de serem utilizados por professores e formadores, ajudando desta forma, as escolas regulares a responder positivamente à diversidade dos seus alunos. Em Portugal, este projecto esteve a cargo do Instituto de Inovação Educacional, tendo sido a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto a responsável pela sua implementação na Região Norte. 31 (porque-peiasnossas veins corre a mesma seiva A valorização das diferenças individuais longe de ser um entrave, favorece o crescimento afectivo, cognitivo e social de todos. Esta valorização da diversidade pode ser o início do caminho que conduz à inclusão social. 32 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva 2 - EDUCAÇÃO ESPECIAL VERSUS EDUCAÇÃO REGULAR: QUAL O SIGND7ICADO DA INCLUSÃO ESCOLAR? A Lei de Bases do Sistema Educativo, (LBSE), no seu art. 2o, ponto 1 refere "Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da r Constituição da República. " No ponto 2 do referido artigo refere ainda "E da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares. " Além disto aponta para a preparação de todos os jovens no sentido de se tornarem cidadãos activos na sociedade de amanhã, de espírito democrático e pluralista, bem como para o desenvolvimento harmonioso da personalidade. Mas permanece toda a ambiguidade induzida pela da separação entre a educação especial e o sistema regular de ensino. Se admitimos que toda a educação deve ser especial por se dirigir a seres peculiares e originais, toda a intervenção pedagógica deve respeitar a identidade de cada um, munindo-se de técnicas e estratégias capazes de proporcionar condições que facilitem a aprendizagem (Fonseca, 1989), já que "A necessidades especiais verificam-se quando as escolas são incapazes de responder às necessidades das crianças" (UNESCO, 1985:11) As características individuais devem ser entendidas não como entraves mas como mais valias - isto, sim, é o que nos propõe o paradigma inclusivo. 2.1. Da Classificação por Categorias à Definição de NEE O conceito de deficiência foi marcado durante muito tempo pela ideia de inatismo e determinismo. Esta concepção, que vigorou até meados do século XX, veiculava a ideia de que o problema se encontrava enraizado no próprio indivíduo e fez surgir um grande movimento de estudos na tentativa de identificar e caracterizar todo o tipo de distúrbios, por categorias, com base em etiologias. Do ponto de vista epistemológico integra-se num modelo atomista 33 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva condizente com o paradigma da ciência moderna isto é, com um modelo de racionalidade que segundo Sousa Santos (1999:10) preside à ciência moderna, se constitui a partir da revolução científica do século XVI e que se estende às ciências sociais a partir do século XIX. Segundo Rodrigues (2001: 9) "...toda a nossa educação tem sido organizada por categorias e feita de modo a exacerbar a "categorização" ou o que por outras palavras poderíamos chamar o 'pensamento tipológico' ". Esta fase de etiquetagem também obrigava a uma detecção precoce da deficiência e o facto incentivou estudos importantes sobre técnicas de diagnóstico, das quais salientámos já os testes de inteligência. Como referem alguns autores, sob a pressão das teorias inatistas e pondo-se em causa a educabilidade das crianças com deficiências evidentes, a solução era simples e evidente: um sistema educacional à parte, transformando-se as instituições que cuidavam dessas crianças em escolas especiais. Todavia, as movimentações já referidas e ocorridas no pós-guerra, originaram a contestação, especialmente dentro das correntes ambientalistas e comportamentalistas que questionaram a veracidade das teses deterministas e defendiam que a deficiência também pode ser provocada, por exemplo, por envolvimentos caracterizados por severas privações. Começava-se, então, a veicular a ideia de que todas as crianças seriam educáveis, provocando-se uma ruptura com o inatismo e produzindo uma verdadeira revolução na educação. Nos anos sessenta e setenta começa a desenhar-se uma nova postura no que diz respeito à deficiência, transferindo-se o centro do problema da deficiência do indivíduo para a procura, no meio envolvente, de condições que permitam um melhor desenvolvimento, tendo em conta as necessidades particulares de cada um (OCDE, 1994). Um factor de preocupação, eram as crianças que apresentavam diversos sintomas, que a maioria dos estudiosos caracterizava como défices perceptivos, lesões cerebrais ou desordens neurológicas. Estas situações não se incluíam em qualquer das categorias de deficiência vulgares e legalmente aceites e que permitiam e davam direito às diversas formas de apoio. Esta realidade levou a que se registassem movimentações da parte de pais, 34 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva educadores e outros técnicos a fim de se criar uma categoria específica e abrangente para essas crianças. Esta categoria teria que ser, não só ampla, como legalmente aceite de forma a permitir direitos idênticos aos existentes para os outros grupos de deficiência. (Rebelo, 1993) Por isso, a eclosão de um novo sistema de classificação tornava-se cada vez mais premente. Foi o relatório Warnock que veio dar o passo determinante para a ruptura dos anteriores sistemas de classificação com a introdução do conceito de aluno com necessidades educativas especiais. Não se trata apenas de uma mudança de linguagem, é a mudança que se situa na raiz do problema, pois a dicotomia da deficiência e não deficiência não explica a "complexidade das necessidades humanas". De facto, "descrever alguém como sendo deficiente não significa nada no que respeita ao tipo de ajuda educativa e, consequentemente, os meios a pôr em acção". O conceito de NEE não se refere à "incapacidade específica que se pode atribuir à criança mas a tudo o que lhe diz respeito; às suas capacidades como às suas incapacidades, a todos os factores que determinam a sua progressão no plano educativo" (Warnock Report, 1978: 13-37). As NEE resultam antes de uma falta de interacção entre o indivíduo e o seu meio envolvente em que ocupa lugar de destaque a família e a instituição escolar. O conceito de NEE tem levantado, no entanto, algumas objecções, dividindose estas em dois tipos: as primeiras, de ordem prática, relacionam-se com a demasiada amplitude do termo, confundindo-se mesmo situações de comprovado défice intelectual com crianças em situação de insucesso escolar; as segundas têm a ver com a possível banalização do conceito e mesmo da sua recuperação exclusora quando, o mais acertado será reconhecer as diferenças individuais e, assim, mobilizar os recursos necessários para uma intervenção de sucesso. Para R. Nunes (1997) citando o Projecto UNESCO para Escolas Inclusivas "Em vez de agrupar alguns alunos porque são considerados, por alguma razão, 'especiais', deveria reconhecer-se que todas as crianças são especiais. Deste modo, o nosso objectivo deve ser responder a todos os alunos como indivíduos, reconhecendo a sua individualidade como algo que deve ser respeitado. " (UNESCO 1985: 10) Isto só é realizável quando se assumir que todo o ser 35 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva humano tem necessidades especiais e se questionar o paradigma cognitivista e atomista que, apesar do discurso da complexidade, ainda persiste no campo educativo. No entanto, sabemos que é mais fácil interiorizar uma nova linguagem que não condiga, necessariamente, com uma nova prática, daí que não possamos deixar de questionar se as práticas melhoraram com a adopção de um novo plano discursivo. Segundo R. Nunes (1998: 4) "Tal como a partir de certa altura, não falar de mudança (não importa de quê, de quem, em que sentido) se tornou reaccionário, de algum tempo a esta parte não há discurso político de bom tom que não fale de exclusão. A medida que a desigualdade se vem transformando em exclusão, emerge o discurso da sociedade inclusiva, dando-se, a partir do mesmo radical, expressão antinómica a um fenómeno que, sendo velho, se apresenta novo nas procedências, nos contornos e no ameaçador crescendo, a impor o recurso à imaginação do poder para a concepção de instrumentos da sua regulação controlada, também ao nível da peça central da política cultural que a viabiliza: a escola. " Parece então existir uma apropriação discursiva por parte do poder político que pode não ser garantia de intenção de mudança. Trata-se apenas de criação de mecanismos de auto regulação que pretendem diluir "um certo mal-estar mais intuído do que consciencializado " Assim, embora existindo legislação e poder discursivo compatível com o conceito de inclusão sabemos, por experiência própria, que não é por decreto que mudamos por dentro. Só uma compreensão profunda do paradigma inclusivo pode levar a práticas diferenciadas e que verdadeiramente atendam à diversidade. De acordo com Correia (1997), o termo NEE vem responder a um princípio de progressiva democratização das sociedades, pois reflecte uma filosofia de inclusão baseada na igualdade, significando que qualquer criança ou jovem tem direito a um programa de educação público, adequado e gratuito, num meio de aprendizagem o mais apropriado possível, que responda às suas necessidades educativas. E, com o intuito de encontrar níveis que garantissem a 36 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva resposta adequada a cada situação, surgiram diversas propostas organizacionais, ao longo dos anos, das quais falaremos no ponto seguinte. 2.2. Diferentes Modelos de Intervenção No seu desenvolvimento, a aplicação do princípio de integração é objecto de diversas propostas organizacionais que se traduzem em diferentes modelos, a que têm correspondido terminologias mais ou menos diferenciadas. Vários foram os modelos considerados gerais, mas, possivelmente, o mais conhecido e divulgado é a célebre cascata desenvolvida por Evelyn Deno, (Anexo 1), que se caracteriza por um contínuo de serviços organizados numa ordem progressiva de pequenos saltos, no sentido da maior proximidade entre alunos com NEE e as outras crianças. Ao pôr em prática este modelo, os serviços de educação terão que se organizar estruturalmente no sentido de garantir e disponibilizar uma grande variedade de recursos. Terá também de garantir grande variedade de modalidades de colocação em carácter transitório, dependentes dos objectivos definidos para cada aluno (Simon, 1991). Outro dos modelos é a definição operacional de integração proposta por Soder (cit. in Bautista, 1997) que prevê quatro graus de integração e pode considerar-se como consistindo numa redução de distâncias: a) A integração física em que a acção educativa se realiza em centros ou classes especiais a funcionar nas escolas regulares com uma organização diferente mas que possibilita a utilização de espaços comuns; b) A integração funcional que se articula em três níveis: a utilização dos mesmos recursos em tempos diferentes; a utilização simultânea de todos os recursos; a utilização comum de algumas instalações, em simultâneo e com objectivos comuns; c) A integração social que consiste na integração individual de um aluno com NEE numa classe regular; 37 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva d) A integração na comunidade que é a continuação pela juventude e vida adulta da integração escolar. Supõe as mesmas oportunidades para influenciar a sua vida numa comunidade social com todos as outras pessoas, deficientes ou não. Podemos ainda citar outro modelo, o de Kobi (1983) (cit. in Meijer et ai, 1994) que inclui de uma forma evidente a integração curricular, o que, do ponto de vista da educação escolar, se torna muito importante. 1. Integração física que consiste na eliminação de barreiras arquitectónicas e outras que permitam contactos entre os alunos com e sem deficiência; 2. Integração terminológica que consiste na exclusão de todo o tipo de rótulos relativos à designação de alunos com deficiência; 3. Integração administrativa que consiste em os alunos com deficiência serem sujeitos às mesmas regras administrativas que os seus colegas, podendo existir diferenças relativas a algumas das suas necessidades especiais; 4. Integração social que consiste em contactos constantes e intensos entre os alunos com e sem deficiência; 5. Integração curricular que consiste na existência de um mesmo plano curricular19 com os mesmos objectivos a longo prazo; 6. Integração psicológica que consiste na educação de todos os alunos em conjunto, no mesmo espaço, no mesmo tempo, com o mesmo currículo. Perante a descrição destes modelos e dos graus de integração para que remetem isso não autoriza a sua transposição mecânica para a prática. Esta seria uma leitura "maniqueísta" destes modelos e levaria sempre a graves erros. A ela se opõe "uma visão considerada dinâmica, segundo a qual não se trata de identificar um registo de tudo ou nada a presença de um estatuto de integrado mas de marcar uma evolução progressiva, um processo de mudança, que pode também ser trabalhado para as instituições, traduzindo-se pela sua evolução progressiva para uma maior abertura ao mundo exterior" (OCDE, 1994: 28). A integração é, assim, encarada como um continuum em termos de respostas educativas e de alternativas que respeitem as necessidades educativas de cada 19 Sublinhado nosso 38 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 20 aluno. E se abordarmos o preconizado na Conferência de Salamanca , quanto ao facto de que as escolas devem garantir um bom nível de educação para podemos dizer que "só uma pedagogia diferenciada centrada na cooperação poderá vir a concretizar os princípios da inclusão, da integração e da participação" (Niza, 1996: 147). E se estes dois princípios, (integração e inclusão), enunciados por Niza, se concretizam através dessa pedagogia diferenciada e centrada na cooperação, o seu conceito diverge em relação à perspectiva para que cada um aponta. A inclusão não nega as condicionantes relacionadas com a criança, mas evidencia a importância dos factores relacionados com os conteúdos curriculares, com as estratégias e com todas as mudanças que devem ocorrer ao nível da estrutura escolar. "A fundamental mudança que distingue esta fase da anterior [integração/inclusão] consiste na transferência de uma perspectiva centrada na criança para uma perspectiva centrada no currículo" UNESCO (1994), (cit. in Benard da Costa, 1996: 153). O conjunto dos materiais de apoio do Projecto UNESCO 'Escolas Inclusivas' perspectiva as necessidades especiais em termos do problema curricular. "Isto significa que, em vez de proporcionar experiências de aprendizagem separadas, para grupos de crianças especiais, os professores das escolas regulares devem procurar maneiras eficazes de proporcionar um currículo comum que tenha em conta as diferenças individuais dos alunos. " (UNESCO:, cit. in R. Nunes, 1997: 1,2) 20 Conferência realizada em Salamanca em Junho de 1994, sob a égide da Organização das Nações Unidas, que visou o enquadramento da acção na área das NEE. Nesta conferencia é introduzido um novo conceito, mais abrangente que o conceito de integração - o conceito de inclusão. Estes podem ser conceptualmente divergentes em relação à perspectiva para que cada um aponta. 39 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva 2.3. Os Conceitos de Integração, Inclusão e seus Fundamentos "Se há uma noção difícil de deixar clara ao interlocutor, para ajudá-lo a compreendê-la e a aceitá-la, é a da integração de indivíduos considerados diferentes num grupo social. É difícil integrar uma população particular numa sociedade, pois a partir de uma certa percentagem de indivíduos diferentes, a população de origem teme perder a sua identidade" (Vayer e Roncin, 1992: 7). Como refere Kelley (1981), falar de integração requer bastante prudência, uma vez que o seu conceito esconde grande complexidade. A integração, com todo o seu potencial, implica colocar em questão valores fundamentais da nossa sociedade que se prendem, por exemplo, com rentabilidade, eficácia, rapidez, beleza ou perfeição. Por tudo isto, a integração torna-se um processo difícil que encontra fortes resistências e que exige uma mudança de atitudes no que respeita a concepções de piedade, protecção e caridade, tradicionalmente empregues como motor de acção no tratamento de deficientes. Não se conhecendo ainda a concretização do conceito de integração na sua plenitude, a autora refere, que podemos enunciar três modelos que deram origem a outras tantas práticas. No primeiro modelo, designado por modelo médico, a integração é vista como a melhoria dos serviços que estão preparados para responder às necessidades da pessoa com deficiência. Estas necessidades decorrem de patologias específicas, procurando-se maximizar os recursos e dando-se especial importância ao papel do especialista. Pelo segundo modelo, do tipo sociológico, a integração é vista como uma mudança na sociedade. Obriga a uma reestruturação de forma a que os grupos minoritários sejam absorvidos pelas normas gerais da sociedade. O terceiro modelo é centrado na comunicação individual e parece ser o mais complexo e sujeito a maiores riscos. Aproxima-se do modelo psicanalítico e procura escutar a pessoa deficiente e os seus desejos. Procura saber se ela está preparada para ser integrada. A este propósito Foucault (1981) ( cit. in Correia, 1998: 61) diz "(...) o que está em causa não é apenas o conhecimento que se tem do homem, mas o próprio homem (..)" O risco reside na afinidade encontrada 40 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva entre elementos de minorias sociais, podendo estas preferir a segregação a uma integração assimiladora. Em termos da educação, alguns autores observaram que as crianças com deficiência não teriam, necessariamente, que estar inseridas em classes especiais e poderiam ser integradas em classes regulares se houvesse uma "via comum" ou mainstreaning21. Desta forma aproveitar-se-ia ao máximo as potencialidades das estruturas regulares de ensino. Situando-nos nos anos 60/70 este modelo apresenta características que se prendem com responsabilidades partilhadas a nível administrativo; remoção de rótulos; integração de programas baseada em observação, planeamento e avaliação; apoio ao pessoal docente, planificação e métodos pedagógicos, traduzindo-se na articulação entre o professor do ensino regular e o professor especializado. Segundo Birch (1974) a integração escolar pode ser vista "como um processo que pretende unificar a educação regular e a educação especial com o objectivo de oferecer um conjunto de serviços a todas as crianças, com base nas suas necessidades de aprendizagem" (cit. in Bautista, 1997: 29). Diversas são as definições de integração apresentadas por diferentes autores, umas abrangendo campos mais alargados, outras restringindo-se ao contexto escolar. O termo pode ser aplicado a todas as tentativas de evitar o ensino segregado para crianças claramente comprometidas no seu desenvolvimento, ou significar, num sentido mais amplo, a utilização de recursos de toda a comunidade no sentido de reabilitar os indivíduos para que se tornem adultos felizes e independentes. O significado da integração torna-se, mesmo assim, um pouco vago, uma vez que se pode apresentar com um carácter ambíguo, podendo significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Pode depender dos contextos, assumindo-se como um facto ou um processo, rodeandose de variantes únicas (Jones e Southgate, 1989). 21 Mainstreaming " refere-se à integração temporal, educacional (instrução) e social de crianças excepcionais com os seus iguais, baseada no prosseguimento de determinados programas educacionais, exigindo a clarificação de responsabilidades entre as administrações regular e especial no que consta aos programas e ao pessoal" MacMillan, e Becker, (1977), (cit. in Bairrão Ruivo, 1981:19) 41 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Mas, ao falar de integração, dos seus modelos e conceitos, continuamos a referir-nos, obviamente, a alunos com NEE nas escolas regulares. Esta forma de abordagem levanta, contudo, equívocos que importa esclarecer. Se a integração visa responder no sistema regular aqueles que se encontram segregados, não faz sentido falar de integração no que respeita à grande maioria das crianças com NEE, pois estas nunca estiveram separadas da escola. A integração referir-se-ia, então, aos alunos com graves problemas (cerca de 2% das NEE, de acordo com o Warnock Report)22, mas o conceito de integração não pode ser um mero processo de importação para a escola regular dos métodos e estratégias da educação especial (Hegarty, 1987). Na Conferência de Salamanca, em 1994, estrutura-se o conceito de inclusão, parecendo encontrar-se na sua base uma ideia realmente nova. O conceito de inclusão parece absorver o de integração, afastando-se, ao mesmo tempo, de alguns dos seus pressupostos. Não se trata de incluir elementos estranhos num sistema maioritário, trata-se de construir um sistema unitário, baseado na premissa de que a sociedade é caracterizada pela diversidade. A ideia pode colocar-se da seguinte forma: ao falarmos de integração, há subjacente ao conceito alguém que está fora e pretendemos pôr dentro da escola: na ideia de escola inclusiva, não há ninguém de fora pertencendo todos a esta. Parece, pois, deixar de fazer sentido falar de integração, se a sociedade adoptar o princípio da inclusão, uma vez que este parece exigir a erradicação das condições que propiciam a exclusão e, no caso da instituição escolar, da exclusão da escola. No entanto, convém clarificar que este é um caminho de luta pelos Direitos Humanos que remete para a emergência de condições políticas e sociais que transcendem a escola mas que lhe dizem respeito A escola inclusiva vem exigir uma mudança de fundo na escola e, consequentemente, das suas práticas. Estas deverão basear-se em modelos pedagógicos de cooperação, flexibilidade e diferenciação pedagógica, entendendo-se por diferenciação pedagógica, "o 22 Warnock Report surge na Inglaterra e País de Gales em 1978 e é constituído pelas conclusões da Comissão Warnock. Este relatório fez eclodir um novo sistema de classificação, uma vez que introduziu o novo conceito de necessidades educativas especiais (NEE). Este conceito "consiste em basear a definição da deficiência apenas na necessidade de ajuda (educativa) específica" (OCDE, 1994:11). 42 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva processo pelo qual os professores enfrentam a necessidade de fazer progredir no currículo, uma criança em situação de grupo, através da selecção aprofundada de métodos de ensino e de estratégias de aprendizagem." Visser (1993), (cit.in Niza, 1996:147). Na mesma linha UNESCO (1995, 10 e 11), (cit. in Nunes 1997: 2) diz: "Estas mudanças consistem numa redefinição das necessidades especiais em termos de currículo e implicam que os professores utilizem práticas que facilitem a aprendizagem de todos os alunos. É que, «as necessidades especiais verificamse quando as escolas são incapazes de responder às dificuldades das crianças» ", como atrás já se refere; o que remete para que as mudanças necessárias não se restrinjam à inclusão física e funcional das crianças excluídas da escola mas a mudanças mais amplas e profundas que apontem para a promoção da qualidade educativa, que venha a beneficiar toda a população escolar. E assim que, "Os alunos que sentem dificuldades podem ser vistos mais positivamente como fonte de feedback sobre as formas de ensino existentes na aula, fornecendo pistas sobre o modo como podem ser melhoradas". (UNESCO 1985: 40) "Afastamonos das noções de categorias, cuidados especiais e segregação para nos centrarmos em maneiras de trabalhar que dão prioridade à pesquisa à colaboração e ao progresso" UNESCO (1995: 41), (cit. in Nunes 1997: 3) 2.4. Fundamentos Ideológicos e Político-Sociais As reacções contra a segregação correspondem a factores ético-filosóficos, políticos e sociais que contribuíram para a consolidação da integração. Os movimentos críticos, surgidos nos anos sessenta, que acusaram a sociedade como co-responsável na rotulagem do deficiente, responsabilidade essa que se traduzia na definição da deficiência como um construeto social, fizeram vingar a ideia de uma única solução: a integração (Meijer et ai, 1994). Em termos filosóficos, e tendo presente as crianças gravemente comprometidas no seu desenvolvimento, as preocupações foram no sentido da 43 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva igualdade de oportunidades, concretizando-se naquilo a que inicialmente foi chamado de valorização, e depois normalização. Este conceito, sofreu recentemente modificações no sentido de reforçar a importância do papel social do indivíduo, enquanto pessoa. Para que a pessoa com deficiência se sinta parte inteira da sociedade, esta terá de encarar o seu papel e participação social como válido, facultando-lhe o acesso aos serviços e oportunidades de educação valorizados pela sociedade em que ela vive. O princípio da normalização terá a ver com a utilização de meios culturalmente correctos, "tão próximos quanto possível das normas culturais do meio onde o indivíduo se insere" Wolfensberger (1972), (cit. in Correia, 1997: 47). Com a normalização não se procura transformar o "anormal" em "normal" nem significa que toda a gente deve ser a mesma coisa. Ao contrário, significa apenas a emergência de condições para que todos os indivíduos sigam a sua vida ao longo do dia, da semana, do ano, no ciclo da vida. Desta forma, promover a normalização não é tanto intervir junto da pessoa considerada em desvantagem, mas no seu envolvimento, na "sociedade que contém a desvantagem e a pessoa a ela sujeita" (Costa, 1995: 14) Outro factor importante a salientar, foi o movimento da desinstitucionalização surgido nas décadas de sessenta e setenta que consistiu na retirada das pessoas com deficiência das instituições onde se encontravam, transferindo-as para pequenas comunidades como residências e casas de família. Este movimento contribuiu decisivamente para que a educação especial reconsiderasse os seus objectivos, introduzindo como metas finais a maximização da autonomia, bem como a melhor qualidade de vida. Kathleen Kelley afirma poderem-se encontrar três chaves na política de integração. A primeira prende-se com a legislação. Esta é muito importante, pois quando a integração é consignada na lei, torna-se um direito que assiste a qualquer pessoa. No entanto as leis nem sempre são claras e não defendem a integração em pleno. É frequente encontrar na legislação expressões como: "na medida do possível..."; "desde que a criança possa sentir benefícios..."; "desde 44 (porque petas nossas veias corre a mesma seiva que não seja prejudicial para os outros..."; etc. Ora, são afirmações como estas que podem refrear seriamente o processo da integração. A segunda chave tem a ver com a modificação na organização administrativa. É frequente que, nos diversos países, as organizações de educação especial dependam de ministérios diferentes, não só o da educação, como a da saúde ou o da segurança social. Constituem mundos diferentes que não se encontram, produzindo contradições por falta de uma única coordenação. Neste aspecto, a autora fala ainda de centralização e descentralização, defendendo que é mais vantajoso para o processo de integração que este seja coordenado por estruturas descentralizadas. A terceira chave diz respeito ao factor económico, talvez o mais importante em certos meios políticos. Este aspecto está intimamente ligado com os que se lhe antecedem pois relaciona-se com a administração de verbas, seja pelo poder central ou pelos poderes locais (Kelley, 1981: 27). Acerca deste aspecto, parece ser aceite por todos os países que concretizam os princípios da integração que, até do ponto de vista económico, esta é mais vantajosa do que as políticas de segregação. Sabe-se que o custo médio da educação especial é sete a nove vezes superior no caso das colocações em escolas especiais. Isto mostra a economia considerável que é feita quando, em casos em que se registam hesitações, é preferida a integração à segregação (OCDE, 1994). Para além da questão central dos Direitos Humanos, surpreende-nos pois, a constância de países que ainda suportam os valores enormes consumidos pelo "luxo" da segregação, com dinheiros públicos que bem podiam ser melhor empregues em estratégias de aproximação entre pessoas. No plano legislativo, os países escandinavos e os Estados Unidos da América tomaram a dianteira na definição de uma política de integração. No caso da Escandinávia, partiu-se do princípio da normalização para passar a uma "convivencialidade" apercebida como uma componente fundamental de bem estar individual sentido pelo poder público. 45 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Como atrás referimos, foi a Dinamarca que, em 1969, avançou uma resolução do Parlamento que estabeleceu que o ensino dos alunos com deficiência deveria ser alargado de modo a que estes pudessem ser educados no sistema regular23 (Gaspar, 1989). E foi também através de movimentos políticos, partindo do princípio da educação com iguais oportunidades para todas as crianças, que os Ministros da Educação do Conselho da Europa, em 1984, adoptaram uma resolução onde se indica que em todos os estados membros, a política da educação se orienta para a integração das crianças e jovens com NEE nos sistemas de ensino regular. Esta resolução é o culminar de um processo que se iniciara em 1981, Ano Internacional do Deficiente, com a primeira resolução do Conselho da Europa no sentido da integração das pessoas com deficiência. Posteriormente, em 1990, em reunião do Conselho de Ministros da Educação, seriam de novo adoptadas medidas destinadas a promover uma melhor integração dos alunos com NEE nas escolas (Gaspar, 1995). A saga política sobre a integração desempenhada pelo Conselho da Europa reflecte a forma como os poderes públicos tomaram em mãos a causa dessa integração, promovendo-a e incentivando os seus pares a que a promovessem. Como referem Meijer et ai. (1994), este processo político foi complicado pelo facto de, em muitos países coincidir com a implementação de extensas reformas educativas. Por isso, em muitos casos, a integração permaneceu exclusivamente como uma forma de inovação pedagógica a implementar em escolas modernizadas por novas reformas. No caso português, vimos também que a política educativa relacionada com a integração foi desenvolvida nos últimos anos. Os grandes princípios orientadores dessa política são importados dos países com mais experiência nessa prática e das resoluções de organismos internacionais como as Nações Unidas, UNESCO, OCDE e UE. 23 Ficaram famosos os princípios que norteavam a chamada "Reforma da Escolaridade Básica" em relação à integração: Princípio da proximidade (frequência da escola mais próxima da residência); Princípio da interferência mínima ( a criança deve receber apenas os apoios que lhe são necessários); Princípio da eficácia (as situações previstas devem contribuir para que a criança possa ultrapassar a deficiência ou as suas consequências); Princípio da integração (cujo início, historicamente marcado por esta resolução se traduz num processo em constante desenvolvimento) (Gaspar, 1989). 46 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva Como referimos anteriormente, a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo afirmam o direito à educação, o direito à igualdade de oportunidades e o direito à participação na sociedade para todos os cidadãos. Nessa linha o Decreto-Lei 319/91 reafirma esses direitos evocando, numa perspectiva de "escola para todos", uma mudança profunda ao nível das práticas. Do seu preâmbulo destacamos os seguintes pontos de viragem: a abertura da escola regular a todos os alunos, a crescente responsabilização desta pela aprendizagem dos mesmos, um reconhecimento efectivo do papel dos pais na educação, o reconhecimento de que a educação deve decorrer no meio menos restritivo possível e, também, a introdução do conceito de NEE. Mais recentemente, o Despacho Conjunto n.° 105/97 e a Lei 6/01, preconizando a criação de condições para que as escolas respondam de forma diversificada à população que abrangem, defendem também a escola para todos, aproximando-se da ideia de escola inclusiva. De forma concreta, o Despacho Conjunto 105/ 97, tem como consequência imediata o desaparecimento das conhecidas Equipas de Educação Especial fixando os docentes nas escolas. Estas, apetrechadas com novos recursos humanos deveriam dar resposta a todo o tipo de necessidades educativas dos alunos. A designação atribuída aos professores da educação especial passa a serDAE24. A Reorganização Curricular do Ensino Básico (Lei 6/01) defende também a criação de condições na escola para atendimento à diversidade de alunos que ela contém, introduzindo novos mecanismos de que pode socorrer-se para combate às dificuldades de aprendizagem. Tem como objectivos a promoção da Educação Básica para todos com qualidade; a reflexão sobre desenvolvimento curricular, apelando a uma gestão flexível dos currículos; a explicitação das orientações curriculares nacionais; a incorporação de espaços de trabalho que vão para além das disciplinas tradicionais. Esta Lei propõe assim duas novas áreas curriculares que são: Estudo Acompanhado, que visa a aprendizagem de métodos de estudo e trabalho, e a Educação para a Cidadania. 24 Sigla utilizada nesta nova publicação e que significa Docente de Apoio Educativo. 47 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Tal como se referiu anteriormente, estas mudanças pontuais ao nível das políticas educativas vêm na esteira de mudanças semelhantes ocorridas em diversos outros países e/ou decorrem de orientações recebidas das organizações internacionais a que Portugal pertence. No entanto, a publicação destes suportes legais nem sempre levou a uma mudança efectiva das práticas e, como já foi referido, continuou a legitimar dois sistemas paralelos de educação: educação regular e educação especial. Esta sectarização da educação, longe de caminhar para a perspectiva inclusiva, corre o risco de tornar cada vez mais evidentes as diferenças entre alunos, no sentido de destacar a deficiência apenas como desvantagem. Actualmente, afirma-se a vontade de fazer progredir o processo da inclusão, tornando-se claro que sem uma profunda redefinição das políticas educativas ao nível do centro do sistema, as escolas têm muita dificuldade em avanças no seu próprio auto-questionamento. "A medida que a desigualdade se vem transformando em exclusão, emerge o discurso da sociedade inclusiva, dando-se, a partir do mesmo radical, expressão antinómica a um fenómeno que, sendo velho, se apresenta novo nas procedências, nos contornos e no ameaçador crescendo(...)".(R.Nunes, 1998: 4) 48 (porque peías nossas veias com a mesma seiva 3 - A EDUCAÇÃO INTER/MULTICULTURAL E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS 3.1. Educação e Diversidade A igualdade de direitos de que atrás falámos, consignada na Constituição da República Portuguesa, permite a todo o cidadão o direito à educação. Este direito também expresso no ponto um do art° 2 da LBSE assenta no princípio de "escola para todos", isto é, a escola oficial, gratuita e laica (Stoer et. ali., 2001: 247-250). Esta igualdade de direitos face à educação tem como consequência directa o ingresso escolar de indivíduos únicos, com características específicas, baseadas em vivências sócio-culturais diferenciadas. Tudo isto contribui para a coexistência de diferentes formas de agir em termos de estratégias de actuação, formas de conceptualização e resolução de situações problema. Tendo por base uma realidade tão diversificada, compete à escola desenvolver formas de ensino/aprendizagem que passem pela produção de saberes, que dependem de dispositivos de diferenciação pedagógica dinâmicos, baseados nas vivências e nos saberes dos alunos. Esta opção poderá garantir não somente o direito de acesso à escola mas também o direito de sucesso na mesma escola. Cortesão (2000) (cit. in Magalhães e Stoer, 2002: 25) Apesar do que atrás foi dito, com o conceito de "escola para todos" assiste-se à massificação da escola e com ela a implementação de políticas quantitativas em detrimento de uma escola de qualidade que reconheça e valorize a heterogeneidade da sua população, numa escola de massas. A escola constitui-se assim como difusora de um currículo elaborado para um "grupo dominante" que em nada respeita a heterogeneidade de identidades dos seus destinatários. Nesta perspectiva a escola tem sido uma reprodutora de desigualdades sociais e tem como principal objectivo o debitar de conteúdos e conhecimentos que a sociedade considera relevantes "para todos", indiscriminadamente, ou seja, uma pedagogia transmissiva com gestão pedagógica fundada no conhecimentodominante. (Magalhães e Stoer., 2002) 49 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva A pedagogia desenvolvida por esta escola é centrada no saber e aquisição de conhecimentos valorizada pela sociedade, que os considera imprescindíveis para uma integração social plena. Actualmente, parece desenvolver-se uma perspectiva mais aberta sobre a escola, da qual parece ser protagonista a nova Reorganização Curricular do Ensino Básico (Dec. Lei 6/01). Assim, a uma política mais quantitativista e curricularmente fechada parece sobrepor-se uma política mais virada para a qualidade e consequentemente mais atenta à diversidade. Nesta última concepção de escola o conceito de inclusão parece ser a palavra-chave, palavra essa que nos leva a pensar numa pedagogia crítica que proporciona conhecimento e promove reflexão e acção. Esta dicotomia, a que atrás nos referimos, longe de estar decidida parece coexistir no panorama educativo nacional. Existem assim duas visões de escola, uma meritocrática e outra aberta à diversidade e mais próxima do ideal inter/multicultural. A primeira concepção de escola de que falamos assenta, visivelmente, na homogeneização e baseia-se na exclusão da diferença, o que leva ao insucesso e consequente abandono escolar. Nesta linha Magalhães e Stoer. (2002: 23) afirmam "... a escola meritocrática nunca poderia ser uma escola para todos. Porquê? Porque esta escola se homogeneizou com base na exclusão da diferença promovendo simultaneamente uma nova hierarquia social e novas desigualdades". Nesta perspectiva, o acesso e o sucesso não se complementam, criando uma profunda contradição uma vez que, a escola, não soube criar os dispositivos que levassem ao sucesso de todos os que a ela acedem. Torna-se cada vez mais visível que a diversidade de indivíduos que constituem um grupo requer da escola uma forma de atendimento diferenciado, que potencie os saberes individuais e capitalize esses saberes como mais valia na educação do grupo. Esta capacidade de lidar com a heterogeneidade que habita a escola baseia-se numa prática educativa inter/multicultural que, repudia a exclusão e a guetização, considerando a coexistência de diferentes culturas. 50 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva É na convivência inter-relacional que diferentes indivíduos efectivam a troca de saberes pessoais, aumentando assim, o seu potencial formativo. Diferentes formas de saber estar, saber ser e saber fazer podem constituir um impulso de crescimento do grupo. Opiniões e visões diferenciadas levam ao debate e ao desenvolvimento do espírito crítico de que hoje tanto se fala. E nesta linha que Freire (1980) afirma "Ninguém ensina nada a ninguém. Os homens aprendem uns com os outros mediatizados pelo mundo". A este propósito Vieira (1999: 26) fala em "... culturas diferentes em tentativa de diálogo. Diálogo de identidades pessoais diferenciadas, numa dinâmica de flexibilidade com vista a sair de si próprio para entrar no mundo do outro: na cultura do outro sentida por dentro". Tendo por base o que atrás foi dito, consideramos que só uma pedagogia virada para os princípios democráticos de justiça social levará à formação de cidadãos conscientes e reflexivos, capazes de operacionalizar as mudanças sociais que levam ao pluralismo anti-discriminatório. Esta é a orientação que uma educação efectivamente multicultural exige. A educação inter/multicultural é "crítica porque armada por um conhecimento sociológico reflexivo e implicado, quer do processo de reprodução social e cultural quer da relação entre cidadania e subjectividade; contrahegemónico porque face aos excessos de regulação se assume como parte integral do movimento para a solidariedade, a cidadania activa e a justiça social". (Stoer et ali. 2001: 271) 25 Texto policopiado, recolhido no seminário "Escola Pública e Educação Intercultural" no âmbito deste mestrado. 51 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 3.2. Educação Inter/Multicultural 3.2.1. Os conceitos Ao falarmos de educação e diversidade não podemos deixar de pensar nos conceitos que lhes estão associados por se assumirem como respostas a essa mesma diversidade. Surgem-nos então os conceitos de multiculturalidade, interculturalidade e inter/multiculturalidade. É na Europa dos anos 60 que surge o conceito de multiculturalidade (origem anglo-saxónica) que se prende, em primeiro lugar, com questões de justiça social, com preocupações políticas de procura de igualdade e de combate à discriminação de que determinados grupos sociais são alvo. (Vieira, 1999) Segundo o mesmo autor, este termo deve referir-se somente à simples pluralidade de culturas e sub-culturas, à sua coexistência e aos efeitos que esta coexistência simultânea estabelece. Assim o multiculturalismo é, basicamente, a afirmação por parte de cada grupo, de que a sua cultura é diferente de todas as outras. Objectiva a promoção entre culturas e o respeito pelas diferenças em presença, garantindo às minorias o acesso aos conhecimentos e competências necessários para beneficiarem de igualdade de oportunidades na sociedade receptora. Alguns autores, como por exemplo Cardoso, utilizam preferencialmente este termo quando se referem à educação para a diversidade. No que se refere à interculturalidade, a sua origem é marcadamente francófona, e tem como objectivo promover relações de igualdade e de enriquecimento mútuo entre pessoas procedentes de culturas diferentes, mediante a partilha de valores, habilidades, atitudes e conhecimentos. Estão em jogo a cooperação e a solidariedade, o encontro entre culturas e a regulação razoável dos conflitos. Segundo Vieira (1999), deve utilizar-se o conceito de interculturalidade a partir do momento em que há preocupações de comunicação entre indivíduos provenientes de diferentes culturas. Barbosa (1996: 23) refere que o 52 (porque-petasnossas veias corre a mesma seiva interculturalismo "estabelece uma relação dialéctica profunda das diversas culturas entre si e destas com uma cultura universal que é património de todos e, em simultâneo, essa mesma cultura universal estabelece relações entre essas culturas particulares, dando-lhes um sentido, que lhes permite ver além de si próprias". Peres (2000) utiliza preferencialmente este termo quando se refere ao atendimento à diversidade pela escola. Aqui a ênfase é colocada nas trocas e na permeabilidade. Apesar de ambos os conceitos se ligarem e se sobreporem na sua utilização, o multiculturalismo remete-nos mais para a coexistência pacífica da pluralidade dentro de uma sociedade, enquanto que, o interculturalismo sugere a interacção da pluralidade nessa mesma sociedade. Se aos ideais de igualdade, tolerância, aceitação e integração, juntarmos os de partilha, democracia, solidariedade e liberdade, assistimos ao nascimento do conceito de inter/multiculturalidade Ao falarmos de inter/multiculturalidade referimo-nos a um conceito mais recente. Este conceito, grosso modo, parece ocorrer com a fusão dos dois conceitos anteriores e visa a potenciação dos aspectos positivos de ambos. Decorrendo do conceito de inter/multiculturalidade, a educação inter/multicultural afigura-se como uma nova forma de atendimento à diferença dentro da escola, que valoriza o pluralismo cultural, respeitando os saberes, experiências e vivências da cada indivíduo. Em diversos estudos publicados, Cortesão e Stoer defendem que a resposta à diversidade cultural está na educação inter/multicultural. Apesar de tudo o que para trás foi dito, a abordagem a estes conceitos não é linear. Pelo caminho encontramos bastantes dificuldades e até, por vezes, não está isenta de alguma ambiguidade. 53 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 3.3. Como Responder à Diversidade? Numa perspectiva de educação para a diversidade, podemos dizer que o papel da escola se complexifícou. Já não se trata apenas de ensinar mas de criar meios para que os alunos se autonomizem na aprendizagem dos saberes que se desmultiplicaram do saber fazer e integraram o saber pensar, o saber ser e o saber estar. Trata-se de criar um espaço para a compreensão do particular, no sentido de responder, pela valorização, às especificidades de cada um. "...a educação multicultural implica outros níveis e actores exteriores ao cenário da sala de aula, é um processo progressivo de mudanças envolvendo toda a educação básica e todos os alunos. Rejeita e combate o racismo e outras formas de discriminação nas escolas e na sociedade. Aceita, defende e afirma o pluralismo representado pelos alunos, as suas famílias e comunidades. Implica ajustamento do currículo ao nível dos conteúdos, das estratégias de ensino, das interacções entre os professores e alunos de modo a proporcionar, a todos os alunos, igualdade de circunstâncias educativas. Exige que a escola como um todo, o seu ambiente, a sua organização administrativa e pedagógica, se estruture de modo a reflectir e acolher a diversidade dos seus alunos. Requer a dinamização das relações da escola com as famílias no sentido do diálogo, da participação e da co-responsabilização. Procura realizar os princípios democráticos da justiça social através de pedagogias críticas, proporcionando conhecimentos, promovendo reflexão e acção que permita aos futuros cidadãos participar nas mudanças sociais no sentido de níveis cada vez mais elevados de igualdade de oportunidades. " Cardoso (1996: 9) Nesta linha, é à escola que compete adaptar estratégias, currículos e metodologias que respondam ao ideal inter/multicultural. Deve ser a escola a fazer um esforço de adaptação à heterogeneidade da sua população e não a criança a adaptar-se a uma escola que não respeita as suas especificidades como ser único. 54 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva Ao entrar na escola, as crianças não se encontram em pé de igualdade. As suas origens, vivências, características e saberes são distintas e constituem um potencial rico e valorizável. Desta forma, compete ao professor ir ao encontro das crianças, conhecendo as suas peculiaridades e, tendo em conta as diferenças responder-lhes, adequando currículos, estratégias e formas de interacção. Um professor, que respeite a diversidade cultural, ritmos e estilos de aprendizagem, que promova a partilha de experiências e o respeito pelas diferenças, que promova a auto-estima, a auto-confiança e defenda e veicule a atitude anti-racista, está com toda a certeza, a responder de forma adequada à diversidade. Compete ainda ao professor trabalhar no sentido de transformar a escola no sentido de deixar de ser uma escola passiva e indiferente às diferenças, para passar a ser activa, centrada na pessoa dos alunos e na sua participação no grupo (quer seja no grupo turma ou no contexto geral da escola). O confronto de opiniões e conhecimentos, ideais e experiências deve ser incentivado, pois é com base na análise crítica dos diversos conhecimentos que se promovem as aprendizagens. É nesse confronto e partilha que a diversidade é considerada, hoje, uma mais valia na consolidação do pensamento crítico, que promove a opinião avalizada, de autonomia e de decisão. Num esforço para ilustrar a importância da diversidade como uma mais valia citamos Rowland (1987) "Na diversidade residem as possibilidades de progresso da humanidade uma vez que o progresso deriva da colaboração entre culturas diferentes" e porque "através da diversidade torna-se possível a compreensão das culturas na medida em que só a compreensão das diferenças enquanto sistema permitirá atribuir a qualquer cultura individual o seu sentido verdadeiro "Rowland, (cit. in Cortesão e Stoer, 1996: 36). 55 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 3.4. Inclusão Escolar de Crianças com Deficiência e Educação Inter/Multicultural 3.4.1. Inclusão como factor de mudança e inovação pedagógica Passaremos agora a falar da inclusão de crianças com deficiência no sistema de ensino. Estas, que constituem uma forma de diversidade dentro da escola têm, também elas, formas muito diferenciadas de se relacionar com o conhecimento e com o mundo e sempre constituíram, ao longo de décadas, um grupo minoritário dentro do sistema educativo. Como já tivemos oportunidade de referir, o conceito de inclusão emerge de raízes históricas, filosóficas e pedagógicas. Assim, poderemos questionar, num tempo em que tanto se fala de inovação, se a inclusão se pode considerar como prática inovadora. Se por inovação entendermos a movimentação concertada de todos os intervenientes do sistema escolar para encontrarem soluções eficazes com vista ao atendimento à diferença, então afirmaremos que a inclusão pode ser inovação pedagógica. Benavente (1993) A autora acima citada considera que uma mudança ao nível das práticas assenta em duas vertentes distintas: a primeira a nível estrutural, com novas fórmulas organizativas, e a segunda as práticas dos protagonistas. A primeira vertente, como vimos, tem vindo a ser construída através de legislação e normativos resultantes de reformas centralizadas. Quanto à segunda vertente, parece-nos bem mais difícil de concretizar, pois prende-se com a mudança das representações de escola que os protagonistas interiorizaram. Neste processo, a participação de todos parece fundamental, mas como em todas as mudanças no âmbito da educação, os professores desempenham um papel fundamental. Eles, como gestores das práticas pedagógicas, são capazes de travar ou incentivar os processos de mudança e, se atentarmos à opinião de Hutmacher (1992), quando defende que os professores não mudam as suas práticas pela lógica do decreto, entenderemos a complexidade de que se reveste a segunda vertente em que assenta a mudança. 56 (porque peias nossas ceias corre a mesma seiva A escola como local onde se preservam conceitos de permanência, continuidade e estabilidade, há muito deixou, ou deveria ter deixado de existir. Ela não pode continuar a perpetuar valores que se assumem como elitistas e selectivos. Talvez devido a essas características, a "velha escola" tem vindo a ser alvo de críticas generalizadas por parte dos pais, alunos e professores que exigem uma alteração de atitudes. Entendida como inovação educativa, a implementação da inclusão, levará a uma série de mudanças na escola e à vivência de situações inovadoras que supõem a transformação de muitos aspectos da prática pedagógica. Como refere Canário (1992) a uniformidade das práticas terá que dar lugar à heterogeneização dessas mesmas práticas, implicando uma maior diversidade num processo de produção de saberes marcado pela imprevisibilidade. Contudo, o meio de proceder à mudança é tanto ou mais importante que o conteúdo dessa mudança. As novas práticas terão que surgir inventadas, conquistadas, construídas colectivamente dentro da escola, resultando dos esforços de todos os actores. A escola inclusiva, paradigma da total e incondicional integração, necessita de pessoas dispostas a tentar e a acreditar na mudança. Contudo esta mudança, irá sem dúvida colocar em questão convicções, atitudes e métodos pedagógicos aos quais os professores estão fortemente ligados. 3.4.2. Inclusão como prática educativa A inclusão de crianças com deficiência nas salas de aula configura-se como um dos mais significativos, ambiciosos e difíceis objectivos da educação pois pressupõe que se deverão enfrentar novas situações e dar-lhes a respectiva e adequada resposta. Transformar a inclusão em prática educativa dos professores e das escolas regulares é, pois, um desafio que precisa ser ganho. Ainscow (1998) defende que a perspectiva dominante quanto à prática da inclusão nas escolas regulares se manteve durante anos como uma resposta a que se dava o nome de "individualizada" entendendo-se por isto interpretar os 57 (porque petas nossas veias corre a mesma seiva problemas sem referência aos contextos envolvimentais. Trata-se de uma abordagem centrada na criança com deficiência, nas suas características e, principalmente, nas suas incapacidades. Esta perspectiva, se bem que fruto de uma época (mas que continua a subsistir) e aplicada com a melhor das intenções, revelou-se como ineficaz e segregadora. Trata-se de uma ideia baseada em pressupostos que levam ao entendimento da aprendizagem como um processo, pelo qual os professores são utilizados para transmitir conhecimentos que os alunos precisam de aprender. A este propósito Bernard Chariot (s/d: 27), diz ainda "existe um duplo processo mental de reificação e aniquilamento que leva à criação (...) do algo ausente que a deficiência é, uma falta imputada ao indivíduo". Deste modo, se os alunos não se dispuserem a aproveitar as oportunidades que lhe são oferecidas é porque são incapazes ou deficientes numa visão de deficiência enquanto estigma. O problema da individualização acarreta consequências graves que se situam em cinco campos de argumentos: (1) "o impacto dos rótulos"; (2) "a estandardização das respostas"; (3) "as limitações de oportunidades"; (4) "a utilização de recursos"; (5) "a manutenção do status quo" (Ainscow, 1998: 27). Estes encontram-se interligados pelo factor segregador da individualização. Na verdade, o uso dos rótulos para descrever os alunos, sintetizando a natureza das suas dificuldades, influencia de forma determinante e determinista a resposta educativa. Focalizar a atenção em categorias de alunos conduz à estandardização das respostas educativas, limitando as oportunidades que podem consistir na preparação de tarefas e materiais específicos e no acompanhamento individual do aluno, separando-o do contacto enriquecedor com os outros. A edificação de envolvimentos o menos restritivos possível passa pelo respeito das características individuais de cada aluno. Mas essa ideia prende-se com a chamada filosofia da heterogeneidade, segundo a qual a intervenção terá de ser diferente de criança para criança, caracterizando-se o processo de ensino aprendizagem por múltiplas atitudes que começam pelo respeito às variáveis de 58 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva personalidade de cada aluno e terminam no estilo individual de aprendizagem. A este respeito Bernard Chariot diz: "Um sujeito é: . um ser humano, aberto a um mundo que não se reduz ao aqui e agora, portador de desejos, movido por esses desejos, em relação com outros seres humanos, eles também sujeitos; . um ser social, que nasce e cresce em uma família (ou em um substituto da família), que ocupa uma posição e um espaço social, que está inscrito em relações sociais; . um ser singular, exemplar único da espécie humana, que tem uma história, interpreta o mundo, dá um sentido a esse mundo, à posição que ocupa nele, às relações com os outros, à sua própria história, à sua singularidade. " (Chariot, s/d: 33) • Assim, numa escola atenta à diversidade deixa de fazer sentido falar em inclusão: os programas e as estruturas de ensino deverão permitir que umas crianças evoluam lentamente e outras rapidamente, sem que recebam estigmas ou rótulos de inferioridade ou superioridade, respeitando o que é único em cada indivíduo. As questões que têm a ver com a utilização dos recursos prendem-se com a ideia de que "alunos especiais" só podem ser atendidos através de práticas e materiais específicos. As condições melhoradas numa escola, no que respeita ao aumento de materiais, à redução de alunos por turma e à experimentação de novas metodologias não poderão ser associadas ao aluno com deficiência, mas sim promovidas com vista à optimização da aprendizagem de todos e à promoção de uma escola de qualidade. O "olhar individualizado" tende também a manter o satus quo da criança com deficiência na escola. Perigosamente, a organização da escola e do seu currículo podem, sob este ponto de vista, não ser postos em causa, uma vez que se parte do princípio de que são adequados para a maioria dos alunos. 59 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva Por outro lado Vieira (1998: 25) afirma "Os alunos não estão em pé de igualdade. É essa diferença, essa heterogeneidade de experiências, de saberes, essa riqueza de conhecimentos vários, desde o mais pragmático até ao mais teórico e abstracto (...) que o currículo escolar não conseguiu ainda abraçar e incorporar nos conteúdos a valorizar, aferir e avaliar". Segundo OCDE (1994), perspectiva-se novo olhar sobre estes assuntos, significando práticas diversas, baseadas em abordagens diferentes que convergem no sentido da inclusão. Algumas propostas são apontadas como fundamentais: compreender a criança com deficiência dentro do seu próprio sistema de referências; entrar nesse sistema relativizando os prognósticos que o saber técnico sugere; aceitar que em cada criança existem capacidades de adaptação e possibilidades de aprender e criar; compreender os sinais de uma organização e identidade própria de cada criança; colocar em primeiro plano as motivações do acto de aprender, do desejo de compreender e ser compreendido e de estabelecer relações; respeitar uma perspectiva balizada pelos direitos da criança, incluindo o de aceder à autonomia e ao estatuto de adulto. As práticas que conduzirão aos resultados pretendidos derivarão do chamado "ponto de vista curricular", baseando-se no reconhecimento de que os indivíduos têm de ser vistos dentro do seu contexto. Tal como afirma Sim-Sim (1994) "O desenvolvimento da criança pode e deve ser encarado como o resultado de um processo dialético entre esta e o meio". A implementação do ponto de vista curricular requer quatro condições: "avaliação e registo centrados nas interacções entre alunos e professores, no ambiente normal da sala de aula; interacção coligida numa base de continuidade; um papel-chave reservado à reflexão dos alunos sobre a sua própria aprendizagem; e, como objectivo fundamental, melhoria da qualidade de ensino aprendizagem proporcionada a todos os alunos" (Ainscow, 1998: 31-40). Para alguns autores, entre os quais Hegarty (1987), a inclusão é: "um processo e não um fim em si mesmo. Os alunos com deficiência não necessitam de inclusão, o que eles precisam é de educação, o que destaca o 60 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva potencial de aprendizagem que esta população tem. (...) Não estando à partida preparada para este desafio, a escola terá que adequar, que criar abordagens, que recriar os seus próprios conceitos de aprendizagem, de sucesso e de níveis e participação em actividades" ( cit in Amaral, 1998: 14). A criação de dispositivos de diferenciação pedagógica impõe-se como uma forma concreta de lidar com esta forma de diversidade na escola. "Através deles, os alunos, realizam todo um conjunto de trabalhos que contribui para um auto conhecimento reflexivo, que inclui também o seu grupo de pertença, uma valorização, um respeito pelas suas próprias raízes culturais, ao mesmo tempo que as aprendizagens, curricularmente consideradas como importantes, vão sendo adquiridas com mais facilidade e sobretudo com mais prazer. Mais do que instrumentos metodológicos tecnicamente bem concebidos e eficientes, trata-se portanto de materiais que decorrem de um quadro teórico bem explícito e que se constroem, conscientemente, de acordo com uma intencionalidade de contribuir para o desenvolvimento reflexivo e para a consciencialização dos direitos dos alunos" (Cortesão e Stoer, 1996:42). 3.4.3. Inclusão Escolar e Inter/multiculturalidade Tendo em conta a abordagem inclusiva, no que diz respeito a alunos com deficiência não é difícil encontrar, na literatura, pontos de comunhão com a educação inter/multicultural. Os estudos publicados nestas áreas fazem referência à inclusão de grupos minoritários integrados no sistema educativo. Assim, segundo Stoer e Cortesão (1999) a educação formal de grupos minoritários tem resultado em elevado insucesso escolar e abandono precoce da escola. Não será este um problema comum às crianças/jovens com deficiência? Os mesmos autores referenciam que, conceitos como igualdade de oportunidades e escola para todos defendidos na Constituição da República Portuguesa, nem sempre são conducentes a práticas de educação aberta à 61 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva diferença. Por outro lado, referenciam ainda que a heterogeneidade dos indivíduos que partilham o espaço escola, o desinteresse dos conceptores de currículos por esta diversidade, a aceitação passiva por parte dos professores das orientações curriculares e a sua forma de trabalhar face à diversidade e ainda as dificuldades de recontextualização que a comunidade educativa enfrenta face à necessária criação de um bilinguismo cultural constituem os principais problemas que a escola enfrenta ao tentar implementar uma prática educativa inter/multicultural (Stoer e Cortesão 1999). Parece-nos que estes problemas de base que são inerentes à inclusão de grupos minoritários na escola, se estendem à inclusão escolar de crianças com deficiência. Para qualquer dos casos, o acesso a um currículo escolar concebido à medida dos grupos dominantes é, em si, gerador de insucesso escolar. O não respeito pela diferença de necessidades e interesses e a não adequação de estratégias à diversidade dos alunos, configura uma escola "para alguns" que se traduz muitas vezes em completa desmotivação e abandono escolar precoce. "Criada para dar educação básica a todos e à qual todos deveriam ter acesso, a escola tradicional desenvolveu práticas e valores que progressivamente acentuaram as diferenças e que colocaram precocemente fora da corrida da competência largos estratos da população escolar. Assim, o insucesso escolar, o abandono da escola, os problemas de disciplina, as múltiplas culturas presentes mas marginalizadas, etc., fizeram com que a escola, que deveria integrar e acolher todos, fosse, ela própria, um instrumento de selecção, que em muitos casos seguia e acentuava as diferenças culturais, de características e capacidades pessoais de que os alunos eram portadores. Este processo não é arcaico: é um problema contemporâneo, tal como facilmente constatamos ao verificar a taxa de insucesso escolar na educação básica portuguesa. " (Rodrigues, 2001: 16) Neste início do Séc. XXI, cabe à escola perceber a existência cada vez maior de grupos socioculturais diferentes que não partilham forçosamente os mesmos valores, os mesmos códigos de conduta, os mesmos saberes, os mesmos 62 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva interesses, (Stoer e Cortesão, 1999), e possuem características individuais distintas. E essas características individuais não podem ser consideradas à partida como desvantagem mas devem consideradas uma mais valia para a aprendizagem comum de um grupo e ser o motor de uma diferenciação pedagógica que hoje se exige à escola. Para além disto e, na tentativa de melhor responder à diversidade, compete também à escola encetar um caminho de relação com a família uma vez que esta última é, ela própria, uma das principais fontes de diversidade. É nela que se forja o "habitus"*1 e é ela que pode ser a melhor parceira da escola na tentativa de encontrar respostas que vão ao encontro do sucesso educativo. Falaremos seguidamente desta relação começando por definir o conceito de família. 27 Habitus é um conceito largamente utilizado por Pierre Boudieu que parece ultrapassar, na sua abrangência, a ideia de conhecimento adquirido não dispensando o campo da acção. "(...) o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (...) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural (...)" (Boudieu, 1989: 61) "(...) as "escolhas" do habitus (por exemplo, o que consiste em corrigir o R na presença de locutores legítimos) são realizadas, sem consciência nem condicionante, em virtude de disposições que apesar de serem indiscutivelmente o resultado de determinismos sociais, se constituíram, também, fora da consciência e da obrigação. (...)Tudo permite supor que as instruções mais determinantes para a construção do habitus se transmitem sem passar pela linguagem e pela consciência, através das sugestões inscritas nos aspectos aparentemente mais insignificantes das coisas, das situações ou das práticas da existência comum(...) ". (Boudieu 1998: 33) (...) o conceito de habitus tem por função primordial lembrar com força que as nossas acções têm por princípio mais vezes o sentido prático que o cálculo racional, ou que, contra a visão descontinuista e actualista que é comum às filosofias da consciência (...) e às filosofias mecanicistas (...), o passado continua presente e actuante nas disposições que produziu, ou ainda que, contra a visão atomista proposta por certa psicologia experimental, empenhada em analisar aptidões ou atitudes separadas (...) e contra a repressão (:..) que opõe os gostos nobres, "ditos puros" e os gostos elementares, ou alimentares, os agentes sociais têm, mais vezes do que poderia esperar-se disposições mais sistemáticas do que poderia supor-se". (Bourdieu, 1998: 54) 63 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva 4 .A FAMÍLIA E OS CONTEXTOS EDUCATIVOS 4.1. Conceito de Família Se pensarmos na questão da família o que primeiro nos ocorre é pensar na "nossa família", lugar onde, naturalmente, nascemos, crescemos e morremos, ainda que, durante esse percurso, possamos passar por mais do que uma família. A família apresenta-se então como um espaço dinâmico e privilegiado r para a aprendizagem de dimensões significativas de interacção. E aqui que se privilegia e desenvolve a comunicação pelo contacto corporal, pela linguagem verbal, como uma das formas de comunicação mais importantes, bem como as relações interpessoais. Para além disso, a família constitui o espaço de vivência de relações afectivas profundas como a filiação, a fraternidade, o amor e a sexualidade, numa profunda teia de emoções e afectos. Estes últimos podem ser positivos ou negativos mas a sua existência proporciona o desenvolvimento da personalidade, a individualização e um sentimento de pertença não a um grupo qualquer mas àquela família em particular. Assim, a família constitui um grupo institucionalizado que representa uma importante base da vida social, enquanto elemento relativamente estabilizador. Sendo a família o objecto de estudo de diferentes disciplinas e podendo ser encarada em diversas perspectivas, ela constitui-se também como um ponto norteador do nosso estudo, na sua perspectiva sistémica, que abordaremos sumariamente. Segundo Alarcão (2002), existem na actualidade muitas definições de família mas talvez o mais importante seja vê-la como um todo, como uma emergência dos seus elementos, o que a torna verdadeiramente única e 64 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva irrepetível. Analisar uma família de forma sistémica implica ter uma visão holística da sua estrutura (dimensão espacial) e do seu desenvolvimento (dimensão temporal).28 29 Segundo Sampaio e Gameiro (1985: 11-12) a família é ' um sistema , um conjunto de elementos ligados por um conjunto de relações, em contínua relação com o exterior, que mantém o seu equilíbrio ao longo de um processo de desenvolvimento percorrido através de estádios de evolução diversificados ". Ainda numa perspectiva global, outros autores definem família como "...sistema de interacção que supera e articula dentro dela os vários componentes individuais" Andolfi (1981: 19-20). Para Alarcão (2002: Ad), "...(a) família pode ser considerada como um sistema pois, tal como qualquer outro, também ela: 1) é composta por objectos, respectivos atributos e relações, 2) contém subsistemas30 e também ela é contida por diversos outros sistemas, ou supra-sistemas31, todos eles ligados de forma hierarquicamente organizada, 3) possui limites ou fronteiras que a distinguem do seu meio. " Dentro do sistema familiar, podem distinguir-se claramente quatro subsistemas: o individual, o conjugal, o parental e o fraternal. Na interacção entre estes diversos sub-sistemas existe uma trama de relações que ajuda a família a ganhar forma e identidade próprias e lhe permite a relação com todas as solicitações que o mundo exterior contém. Esta identidade 27 Segundo esta autora, já Jackson em 1965, ao definir família como uma unidade, nos alertava para a necessidade de encontrar medidas que a não reduzissem à soma dos seus indivíduos. " (...) o todo é mais do que a soma das suas partes, é tudo o que nos interessa" No mesmo sentido, Gameiro (1992: 187) afirma: "A família é uma rede complexa de relações e emoções na qual se passam sentimentos e comportamentos que não são passíveis de ser pensados com os instrumentos criados pelo estudo dos indivíduos isolados". Este autor diz ainda: "A simples descrição dos elementos de uma família não serve para transmitir a riqueza e a complexidade desta estrutura". A apresentação destes dois eixos de análise do sistema familiar é feita em Alarcão (2002: 237-249), os quais denomina de Eixos sincrónicos e Eixos diacrónicos. Sistema - conjunto de elementos ou unidades em interacção constante e recíproca, ordenados sob determinadas regras e formando um todo organizado. Alarcão (2002:356) 30 Sub-sistemas - São unidades mais pequenas que integram o sistema e têm as mesmas propriedades que este possui. Alarcão (2002:356) 31 Supra-sistema - é uma unidade sistémica mais vasta que engloba sistemas e sub-sistemas interligados entre si numa relação vertical. Alarcão (2002:356) 65 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva própria é feita de peculiaridades que toma uma família diferente de qualquer outra. A escola é um dos exemplos concretos que leva a família ao contacto e ao confronto com o mundo exterior, fazendo parte dos factores de pressão externa de que falaremos mais adiante. 4.1.1.Estrutura e dinâmica familiares A família, como instituição, tem sofrido grandes alterações ao longo da história. No entanto, qualquer que seja a época em que se caracterize a família, ela surge sempre como um meio e um veículo de transmissão de cultura. A esta instituição revelam-se dois sistemas de forças de extrema importância para a sua manutenção e organização. O primeiro reporta-se às regras universais de organização da família: hierarquia de poder, autoridade paisfilhos e relação progenitor/progenitora (ou no sistema mais tradicional, relação marido/esposa). O segundo reporta-se às expectativas específicas de cada sistema familiar. A família, como unidade social, assume funções executivas que visam a educação e protecção das gerações mais novas, provendo a sua protecção psicossocial e a inserção das mesmas noutros sistemas. Segundo diversos autores, a dinâmica da família encontra-se sujeita a dois tipos de pressões: interna e externa. A pressão interna de que falamos é inerente ao desenvolvimento dos seus membros e seus sub-sistemas enquanto que a pressão externa está relacionada com a exigência de adaptação dos mesmos às instituições sociais. Nesta linha de pensamento, a dinâmica familiar encontra-se condicionada por vários factores que a sociedade lhe impõe, sendo de realçar a falta de tempo e todas as outras formas de pressão a que se encontra sujeita. Cada vez mais, a família vê as suas funções aumentadas o que a obriga a uma maior dependência em relação ao meio exterior e apesar dos maus tratos a que está sujeita, a família 66 ••Torque peias nossas veias corre a mesma seiva em marcha dinâmica, aceitante do desafio que o desenvolvimento lhe lança é ainda, em princípio,um lugar de conforto do qual emerge o homem no caldo da sua socialização primária. . É difícil dar uma definição simples de família, de tal modo se diversificam as formas de coexistência entre crianças e adultos. A família nuclear "clássica", constituída por um casal casado e com filhos, não é senão uma forma entre outras pelo que é preciso também ter em conta a diversidade das estruturas familiares que vão desde as famílias mono parentais às comunidades alargadas de diversos tipos. (Montandon e Perrenaud, 2001) De qualquer forma, todas as pessoas pertencem a um sistema familiar, não sendo no entanto possível, nos dias de hoje, encontrar uma família padrão. Quando duas pessoas resolvem unir-se, iniciar uma vida em comum, encetam um novo ciclo. Forma-se então o sub-sistema conjugal, geralmente constituído por um homem e uma mulher. Estes dois elementos têm que desenvolver uma acomodação mútua, ao mesmo tempo que enfrentam a separação da sua família de origem. Uma boa gestão e simetria permitirá, a cada elemento, manter a sua zona de individualidade. Uma das funções deste subsistema, o sub-sistema conjugal, é o desenvolvimento de limites e fronteiras que protejam o casal da intrusão de outros elementos. Segundo Alarcão (2002), é assim que o casal constitui uma plataforma de suporte para lidar com o stresse intra e extra familiar. O sub-sistema conjugal é ainda vital para o crescimento dos filhos, servindo-lhes de modelo relacional. Com o nascimento de um filho, surgem dois novos sub-sistemas de que já falámos anteriormente: o sub-sistema parental e o sub-sistema filial (nalguns casos, na nossa sociedade, o sub sistema-conjugal coincide com o parental). De novo, é necessário que a família se organize em função destes novos sub-sistemas. É preciso que esta se adapte ao novo elemento de forma a assegurar, quer a identidade cultural dos seus membros, quer as novas funções que terão de assumir. 67 (porque peias nossas ■veias corre a mesma seiva Com o nascimento de um segundo filho, aparece o subsistema fraternal que representa um meio de socialização e experimentação face ao mundo extra familiar. "O stress oriundo da transição de um para outro período do ciclo vital é inegável ainda que esperado e normativo. " Alarcão (2002: 95) Numa situação normal os limites são estabelecidos gradualmente consoante surgem diferentes responsabilidades. No entanto, há que definir sempre as regras de funcionamento que permitem estabelecer os diferentes papéis. Tradicionalmente ao pai era atribuída a função de sustento e autoridade, à mãe a organização doméstica e o cuidar dos filhos. Hoje em dia, estes papéis não se encontram definidos da mesma forma já que a mulher também contribui bastas vezes para o sustento da família, o que implica a renegociação de novas regras familiares, nomeadamente na partilha das responsabilidades doméstica e de educação dos filhos. Falando ainda no stresse a que a família se encontra sujeita, é de extrema importância salientar o stresse que provém de problemas particulares, não normativos: acontecimentos inesperados que podem afectar fortemente a organização estrutural do sistema familiar. De entre esses factores, que vão desde uma doença grave até à morte de um dos seus elementos, destacamos o nascimento de uma criança com deficiência, destaque esse que se justifica pelas motivações deste trabalho e que se fará mais à frente. 4.2. Relação Criança-família Uma das etapas do ciclo vital da família é o momento do nascimento do primeiro filho. É neste momento marcante, que aparecem dois novos sub sistemas (subsistema parental e subsistema filial), trazendo com ele a necessidade de reorganizações relacionais no seio familiar. O bebé quando nasce é, por si só, um ser único, não idêntico a qualquer outro, com características biológicas e psicológicas que o diferenciam. Após o 68 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva nascimento, a inter-relação mãe/filho reveste-se de extrema importância já que a aproximação física que os une é algo de intenso e vital à vida do bebé. Esta relação essencialmente tónica vincula-os, permitindo ao bebé a descoberta de si e do mundo. Segundo Montagner (1993), a criança é, desde os primeiros dias, activa no seu interesse pelas coisas. Ela explora espontaneamente estímulos e começa, portanto, a integrar estruturas intelectuais ou esquemas, por si própria. A formação de reflexos que se ligam a duas grandes necessidades da criança, as necessidades alimentares e as necessidades posturais, em conjugação com a acção do meio humano, influenciam-se reciprocamente e vão provocar progressos decisivos na criança. A bidireccionalidade da interacção traduz-se numa organização activa e, assim sendo, a criança não pode ser vista como um ser passivo que responde de forma mecânica às influências do envolvimento. O papel da mãe e, principalmente, a sua atitude são fundamentais na primeira relação da criança com o mundo. E através desta dualidade ou díade relacional que se promove a atitude de aceitação positiva, de confiança básica nos outros, a partir da qual se desenvolve a socialização. O laço afectivo mãe-criança proporciona o modelo para todos os vínculos humanos, pois representa a informação base no programa das relações interpessoais. "Uma multiplicidade de estudos mostrou como, funcionando como uma verdadeira unidade diádica, mãe e criança constroem activamente experiências interactivas contingentes. Mãe e criança, cada uma com as suas características próprias e a sua individualidade, sincronizam os seus comportamentos interactivos num processo harmonioso de regulação mútua, onde cada elemento da díade manifesta grande sensibilidade e competência na construção de experiências contingentes. " (Leitão 2000: 10) 32 Quando nos referimos a díade falamos de relacção mãe-criança, conceito largamente utilizado em Leitão (Org.) 2000. 69 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Também ao pai é atribuído um papel de relevo, uma vez que este é o primeiro "objecto" percebido pelo bebé e traz, sobretudo ao longo do segundo ano de vida, o princípio de pluralidade. Ele contribui também para o desenvolvimento da personalidade e para a emergência e evolução das aptidões fundamentais da criança. A criança começa então a alargar a sua interacção, passando a uma relação grupai que é a família nuclear. Segundo Cooley, (cit.in Caldeira 1979: 281), "(a) família é um grupo de intimidade, um grupo completo de relação face-a-face"'. Dada a dupla forma de relação neste meio, progenitor/progenitora e progenitores/filho, existente no seio familiar, este deve oferecer um ambiente pessoal de simpatia, solidariedade, compreensão e afeição, qualidades fundamentais para o bom desenvolvimento da criança facilitando o seu futuro alargamento de interacções. A família é, assim, uma unidade em interacção em que se cruzam pessoas, objectos e situações, nos seus variados momentos de vida, representando para a criança uma "matriz social" já que nela encontra identificações sucessivas e modelos indispensáveis para o seu desenvolvimento afectivo e intelectual. A família possibilita-lhe ainda a construção da sua própria identidade, o que leva ao desenvolvimento progressivo da autonomia. 70 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 4.3.Relação Criança-família no Caso da Criança com Deficiência "Na verdade, o rapaz não tem nenhum problema. Eu vivo bem. A minha vida é quase normal Mas mesmo assim, Eu sinto uma coisa dentro do peito. Não sei bem o que é - mas é tão duro! Não consigo esquecer-me, Mesmo quando estou satisfeita. " (Gurlifyhr, 1984: 1) Quando um casal inicia a sua vida em comum e deseja ter um filho, sonha com uma criança robusta e saudável que seja o símbolo do seu sucesso, da sua auto-imagem e a continuação da sua linhagem, nome e tradições de família. Um filho é como que uma continuidade e um prolongamento dos próprios pais. A espera de um filho desejado é uma fonte de satisfação, é um tempo de construção de expectativas. Para a mãe, um filho pode constituir a confirmação do seu valor enquanto mulher, da afirmação da sua auto-imagem. Para o pai, um filho pode ser como que a prova do seu sucesso como homem. Os pais sonham juntos mil e uma coisas para aquele filho que vai nascer e que vai ser o resultado das suas próprias qualidades. Mas o que acontece quando nasce uma criança com deficiência? Segundo Alarcão (2002: 95). "(...) o stress advindo de problemas particulares, não normativos, diz respeito àqueles acontecimentos inesperados mas que podem afectar fortemente a organização estrutural de um sistema familiar. " O aparecimento de uma criança com deficiência no seio familiar é, segundo esta autora, uma forma de stresse não normativo. Este diz respeito a situações anómalas, mas que, sem dúvida, vão afectar fortemente a organização familiar por mais que esta seja funcional. É, então, compreensível o esforço reorganizativo dos seus padrões transaccionais para poder responder funcionalmente a esta forma de stresse. 71 (porque peias nossas ceias corre a mesma seiva O nascimento de uma criança com deficiência constitui, então, uma forma de "crise acidental"33do sistema familiar que compromete a natural evolução do mesmo sistema. É nesta fase que surgem no casal sentimentos de culpabilidade mútua e a procura de uma razão para uma realidade tão diferente da esperada. Neste caso, a criança pode apresentar-se não como um reflexo das suas qualidades mas dos seus defeitos. Passa de motivo de alegria a motivo de tristeza e angústia profundas. Para a família, muitas vezes é o caos; é o desabar de expectativas e o desmoronar do mundo. Este momento de grande stresse e fonte de desequilíbrio pode manter-se até que a família consiga encarar o seu filho real, tão diferente do "filho sonhado " . Esta crise acidental, tal como já referimos, pode gerar na família uma grande instabilidade. Os pais sentem-se por vezes sozinhos e temem o confronto com os restantes familiares, amigos e sociedade em geral, o que pode levar ao isolamento e ao quebrar de relações com amigos e vizinhos. Para além disto, a chegada de uma criança com deficiência ao seio familiar, pode provocar uma ruptura já que, muitas vezes, o processo de culpabilização mútua ou de auto-culpabilização eleva o stresse familiar a níveis incomportáveis para o sistema. Na grande maioria dos casos, a economia familiar sofre também alterações, pois a criança pode necessitar de cuidados dispendiosos e assistência sistemática e contínua. Algumas vezes a mãe vê-se obrigada a deixar a sua vida profissional para tratar do seu filho, diminuindo assim as fontes de rendimento do agregado familiar, originando alterações no seu padrão de vida. 33 Alarcão (2002) utiliza os termos "crise natural" e "crise acidental". Segundo a autora, as primeiras encontram-se associadas às diferentes etapas do ciclo vital; as segundas ocorrem inesperadamente e por isso assumem um carácter mais dramático. Estas últimas referem-se particularmente ao nascimento de uma criança com deficiência, ao aparecimento de uma doença grave, à adopção, etc. 34 "Filho sonhado" é a expressão utilizada por Gurlifyhr (1985) no seu livro "O desgosto proibido" e que designa o ser imaginado e idealizado pelos pais antes do nascimento. 72 (porque-peiasnossas veias corre a mesma seiva 4.3.1. Família e relação de vinculação precoce Tal como já referimos o nascimento de um filho é um marco muito importante na vida de uma família. Mais importante se torna quando se trata do primeiro filho. Este facto faz com que os pais tomem consciência da realidade quotidiana da vida de uma família. As mudanças que é preciso operar são frequentemente, muito mais do que supunham. Segundo Bettelheim (2003) é muito raro que um acontecimento como o nascimento do primeiro filho esteja de acordo com as fantasias que foram tecidas ao seu redor antes da sua chegada. Antes do nascimento, ou do diagnóstico35 há todo um clima de expectativa, esperança e ansiedade em relação ao filho que esperam e, como afirmam alguns autores, durante a gravidez os pais criam um bebé imaginário e, por vezes, projectam nele tudo o que não puderam viver. Para a mãe o nascimento do seu filho pode ser uma recompensa, um sonho que preenche os vazios do seu próprio passado, um prolongamento e uma remodelação da sua própria vida. Após o nascimento, os pais constatam que não é aquele bebé que tinham imaginado mas, na maior parte dos casos, rapidamente se "apaixonam" pelo bebé real com que deparam. Desde esse momento a criança exerce uma significativa influência sobre a vida dos seus pais, inicialmente de uma forma passiva e posteriormente de uma forma mais activa, através dos seus actos. O aparecimento de uma criança com deficiência no seio familiar vai criar um conjunto de reacções diversas. Como se compreende, quanto mais grave for a deficiência da criança, maior será a angústia do agregado familiar, perante uma situação inesperada e não desejada que ao mesmo tempo é desconhecida e perturbadora. A severidade da deficiência e as consequentes dificuldades de autonomia condicionam a reacção da família face à deficiência. Uma criança que necessite 35 Alguns dos diagnósticos são efectuados no período pré-natal o que obviamente vai condicionar as expectativas dos futuros pais. 73 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva de cuidados médicosfrequentespode constituir uma fonte de dificuldades para a sua família assim como uma criança com limitações de autonomia e/ou comunicação pode trazer frustração à interacção, o que condiciona o desenvolvimento desta última. Por outro lado uma deficiência grave, nitidamente visível, se por um lado desculpa um comportamento público desapropriado por parte da criança, por outro lado pode levar a um estigma36 social e a uma rejeição da família. Isto traduz-se, em muitos casos, no isolamento social da própria família (de que já falámos) que, para evitar o confronto, passa a não expor a sua criança publicamente. Segundo Sequeira et ai. (1981), é vulgar os pais sentirem culpa ou vergonha em relação à criança. Estes mesmos autores referem que todos os pais deveriam estar conscientes da universalidade das suas reacções pois todos os pais reagem de forma ambivalente em relação aos filhos. Todos os pais aceitam e amam os filhos mas também os rejeitam, já que muitas vezes eles são o entrave para algumas das suas actividades, aumentam as suas responsabilidades, e motivam pequenos desapontamentos angústias e problemas. Segundo Pereira (1996), quando a criança possui uma deficiência, estas componentes negativas acentuam-se levando por vezes a sentimentos de hostilidade e rejeição, muitas vezes reprimidos e simbólicos, e até ao desejo de morte. A mesma autora refere ainda que "(e)stes sentimentos, originando culpabilidade, vão resultar por vezes em superproteção, preocupações excessivas, auto-abdicação, numa tentativa de negação ou compensação dos sentimentos hostis". Pereira (1996: 18) Alguns estudos efectuados sobre famílias de crianças com deficiência apontam para um amento de: conflitos conjugais; necessidades económicas decorrentes da necessidade de cuidados de saúde, terapêuticos e da aquisição de equipamentos especiais; maior isolamento e/ou diminuição da mobilidade social 36 O termo estigma surge-nos na Grécia antiga e referia-se a sinais corporais que referenciassem algo de mau sobre um indivíduo ou a sua condição. Ervin Gofman (1988) no seu livro "O estigma" define este termo como "referência a um atributo profundamente depreciativo". 74 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva e variedade de manifestações emocionais como a depressão, o sentimento de culpa e a ansiedade. Para além dos pais, outros elementos da família mais próximos (irmãos, avós, etc.) têm um papel importante no desenvolvimento da criança e são afectados pelo problema desta. Os irmãos podem apresentar comportamentos negativos ou positivos, isto é, preocupam-se com o futuro da criança e, por vezes, questionam-se se terão culpa no aparecimento da deficiência. Os avós, algumas vezes, demoram mais tempo a aceitar a deficiência e, desacreditando nas possibilidades de alguma evolução, perspectivam um futuro triste. Com alguma frequência imputam culpabilidade ao genro ou à nora associando a deficiência a este ou aquele comportamento que, na sua perspectiva, pode ter dado origem ao problema. Porém, após a aceitação do problema, são recursos óptimos ao nível do apoio e da assistência quer aos pais quer à criança. Para além de todos os problemas e dificuldades que o nascimento de uma criança com deficiência traz ao seio familiar, a família tem que se confrontar ainda com as dificuldades inerentes à aceitação do seu filho pela sociedade bem como a procura de uma resposta educativa que favoreça a sua inclusão. 4.3.2.0processo de lute?1 Torna-se fundamental, para este estudo, conhecermos a diversidade de sentimentos e emoções que a família pode demonstrar como resultado do nascimento de uma criança com deficiência. Numa posição tradicional, estas famílias eram vistas à luz do modelo patológico. Assim, todas as famílias eram descritas em função de culpabilidade, ansiedade incontrolada, super protecção, rejeição, etc. Como tal, se se procurasse 37 O processo de luto descrito por Freud em "Luto e Melancolia" é visto como uma reacção à perda de um ente querido ou de um objecto equivalente. Neste processo estão envolvidos processos depressivos que tendem a ser resolvidos pelo próprio indivíduo que, dessa forma, pode reinvestir a sua energia numa nova pessoa ou situação. Este processo pode demorar bastante tempo e conter uma série de fases diferenciadas. 75 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva soluções para a criança e, de preferência, retirando-a do meio familiar, a perturbação emocional da família tenderia a diminuir. Hoje, sabe-se que as famílias não podem ser vistas todas da mesma forma, embora apresentem características comuns. São assim, de um modo geral, famílias ditas normais, reagindo a um stresse excessivo e cumulativo e não um conjunto de pessoas perturbadas. Não existem, pois, famílias-tipo mas, sim, famílias com condições, problemas e necessidades diferentes. Segundo Gurlifhyr (1985) as famílias com filhos com deficiência vivem um desgosto profundo, desgosto esse que pode ser visto como tendo várias fases. No entanto, o autor diz que os pais raramente têm os mesmos sentimentos ao mesmo tempo sobre o seu filho e que cada um deles tem a sua própria vivência do luto38. A reacção dos pais à informação de que o seu filho é uma criança com deficiência tem sido comparada à experiência de perda de alguém amado, por morte ou separação (O'Hara e Levy, cit. in Correia: 2002).Desta forma, também os pais passam por um processo de luto pela perda do "filho sonhado ". Segundo vários autores, as reacções dos pais hipotetizam uma sequência de estádios , que vão do choque inicial à aceitação da realidade (figura 1). No entanto, é de salientar que as reacções parentais nem todas se processam pela mesma ordem ou mesmo que todos os pais passem todas as fases. Cada família é única e como tal vive o "luto" de uma forma própria. Por outro lado a intensidade com que estas fases são vividas varia de família para família e pode depender de factores de ordem cultural, social, económica e religiosa, da deficiência e suas consequências directas e ainda do prognóstico face ao desenvolvimento da criança. Uma primeira etapa é caracterizada pelo estado de choque, pânico e negação onde surgem sentimentos de vergonha, culpa, desilusão, abatimento, 38 Convém ressalvar que, de família para família, há variações na forma de vivenciar o nascimento de uma criança com deficiência. Nem sempre as famílias passam por todos os estádios que aqui se apresentam, do mesmo modo que também não se defende a existência de uma ordem estática e sequencial entre eles. 39 Esta sucessão de estádios sofre ligeiras variações de autor para autor. Para a elaboração da figura baseámo-nos em Correia (2002) por ser um dos autores consultados que apresenta estudos publicados mais recentemente 76 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva angústia. É também nesta fase que surgem comportamentos de negação face a um diagnóstico. Quando a família se depara com esta nova situação, pode surgir um desgaste nas suas relações. Muitas vezes, o casal tem dificuldade em encarar o problema, em falar dele e isto pode levar a um afastamento Figura 1 - Estádios de reacção parental ao nascimento de um filho com deficiência - Adaptado de Correia (2002: 77). progressivo. O equilíbrio destes primeiros tempos condiciona, muitas vezes, o futuro do casal e do seu filho ou filhos. 77 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Negar um diagnóstico tão ameaçador pode ser, por vezes, a única forma de a família conseguir sobreviver. Numa segunda fase, podem desencadear-se outro tipo de comportamentos como a raiva e o ressentimento que se viram, normalmente, contra o exterior, projectando-se sobre os profissionais que envolvem a criança, nomeadamente aqueles que foram responsáveis pelo diagnóstico. Esta raiva e ressentimento podem também atingir elementos da família alargada e amigos. Num terceiro estádio a que Correia (2002) chama de negociação e exigência, os sentimentos de revolta podem transformar-se num trabalho determinado (exigido a si próprios, à criança e/ou aos profissionais envolvidos) mas, mesmo assim, esta forma de lidar com o problema pode mascarar uma aceitação racional do inevitável. Numa fase posterior, a família pode passar por sentimentos de depressão e de desânimo, que não são alheios à perda do "filho sonhado ". Este sentimento de tristeza pode levar à apatia e à sensação de que de nada adianta o esforço a que se submetem. O quinto e último estádio caracteriza-se por uma melhor aceitação da realidade. A família começa a estar capaz de lidar activamente com a criança e de perspectivar o seu futuro tentando uma adaptação de estilo de vida. Passa a existir uma vontade de envolvimento activo na educação/desenvolvimento da criança. Como atrás já referimos e apesar desta descrição sucessiva não pretendemos, contudo, generalizar. Isto não significa que estes estádios se processem por uma mesma ordem sequencial ou que todos os pais passem por todos eles. Pode haver momentos de avanços e recuos ou outras formas de manifestação do luto que não se encontram aqui descritas. Segundo Correia (2002), este facto tem suscitado alguma controvérsia por parte da comunidade científica que se tem dedicado a esta problemática. Mas, apesar disso, e baseando-se nos estudos de Turnbull e Turnbull (1986), Correia (2002: 76) refere, que "no momento do diagnóstico, esta controvérsia torna-se irrelevante, porque os pais necessitam de expressar os seus sentimentos, já que isso constitui 78 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva um passo saudável para a resolução, devendo ser facultada com honestidade toda a informação acerca da condição do seu filho. " Assim, os estádios emocionais por que as famílias passam devem ser vistos como aspectos constitutivos do crescimento parental, sem os quais as famílias dificilmente conseguiriam adaptar-se a esta nova situação. Em todo o caso eles apresentamse-nos como resultantes de estudos sobre esta realidade específica mas, como todos os estudos sobre a realidade, não são a própria realidade a qual nem sempre é captável em toda a sua complexidade. E, a linearidade desta sucessão de estádios pode sobrepor-se uma realidade em que a diversidade de variáveis em interacção desencadeie situações muito peculiares e que fogem à mais arguta vontade de as estandardizar. E também aqui não há famílias tipo mas sim famílias com diferentes tipos de necessidades e condições. Estes pais são, tal como já referimos, pessoas submetidas a um stresse excessivo e cumulativo que, por vezes, é provocado por falta de respostas para os seus problemas. Estes problemas podem situar-se ao nível médico, social e educacional. Compete aos profissionais envolvidos com a família desenvolver atitudes de compreensão empática, tolerância e aceitação que a ajude a vivenciar esta experiência tão dolorosa. Para além disso, é de extrema importância um escutar activo e uma actuação equilibrada no sentido de fazer emergir na família todas as competências que julgam não possuir. A educação é uma das áreas em que os pais sentem maior insegurança, uma vez que as respostas a este nível nem sempre são as que a família merece e precisa. Este será o ponto sobre o qual nos debruçaremos seguidamente. 4.4. A Relação Escola-famflia Os estudos sobre a relação escola-família emergiram recentemente como problemática sociológica, muito embora esta relação tenha sido objecto de estudo no passado. A sua abordagem tem sofrido alterações que acompanham as evoluções no campo da sociologia da educação. Nos anos 60 e 70 as correntes 79 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva dominantes encontravam-se centradas, sobretudo, no campo das desigualdades de oportunidades escolares. A articulação escola-família restringia-se à influência da estrutura social sobre a escola, mediada pela classe social das famílias Recorrendo a metodologias predominantemente qualitativas, os anos 70 e 80 foram profícuos em termos de estudos nesta área tanto a nível micro como meso (sala de aula, estabelecimento de ensino ou comunidade local). Nesses mesmos estudos atribui-se primordial destaque à acção social a fim de se compreenderem os processos através dos quais os actores constroem e reconstroem as estruturas sociais, no seu quotidiano. Assim, a conceptualização da relação escola-família sofreu também alterações. A família deixou de ser um mero reflexo da estrutura social para passar a ser vista como um espaço imbuído de dinâmica própria, onde diversas estratégias colectivas são desenhadas e desenvolvidas. Actualmente o que importa é perceber as interacções estabelecidas entre a escola e a família. Estas podem ser estudadas quer a partir do interior da organização escolar, quer a partir do interior da configuração familiar (Diogo 2002, in Lima 2002). "Cada uma à sua maneira, várias ciências humanas podem esclarecer as relações entre a família e a escola, em particular a psicologia social, a antropologia, a história e a sociologia. No interior de cada uma destas disciplinas, a escola e a família são «objectos» distintos, correspondendo a especializações. É, de resto, o que se passa com a sociologia. Os sociólogos da educação interessam-se pelas relações entre a família e a escola a partir de uma análise centrada no sistema escolar, mas que chega a um impasse se considerar a família como uma «caixa negra». A sociologia da família, por seu lado, não se interessa pela escola a não ser quando quer analisar de mais perto as estratégias e o funcionamento das famílias no seu meio envolvente. As tentativas de integração entre estas duas correntes ainda são recentes. " (Perrenaud, 2001, in Montadon e Perrenaud, 2001: 6) 80 (porque peCas nossas veias com a mesma seiva A investigação focalizada no interior da família é apontada, por alguns autores, como relativamente escassa. No entanto os estudos efectuados têm vindo a salientar a existência de variações e diversidades nas famílias que ultrapassam o efeito linear da classe social. Segundo Diogo (2002), "(o) envolvimento parental na escola é relacionado com a interacção familiar, as representações das famílias e outras variáveis como o habitat rural ou urbano ou a nacionalidade dos pais. " {in Lima 2002: 253) Para Silva (2002, in Lima 2002) o efeito de clivagem sociológica40 tende a atravessar o envolvimento e participação parentais, resultando num efeito perverso que se apresenta à relação escola-família. Este autor refere ainda que "A relação escola-família pode então, inadvertidamente, funcionar como um mecanismo de reprodução das desigualdades escolares e sociais. ".(Silva, 1993, in Barbeiro e Vieira, 1996: 23) Estas afirmações levam-nos a constatar que a relação escola-família pode ser influenciada por diversos factores, pelo que importa estar alerta. Ter conhecimento dos efeitos perversos que a clivagem sociológica apresenta a esta relação pode constituir um caminho para a sua minimização. A reflexão baseada na relação escola família leva-nos também a ter em conta a interacção entre as diferentes culturas presentes: a cultura da escola e a cultura das famílias. (Silva 1996) Esta interacção tem sido tradicionalmente difícil uma vez que a escola tem tendência a impor e reproduzir a sua própria cultura ignorando as diferentes culturas nela presentes. De acordo com Silva (2002), a sociologia e a antropologia da educação têm vindo a demonstrar, desde há muito, que a escola promove e privilegia a cultura letrada, urbana de classe média, (in Lima 2002) É nesta linha que Stephen Stoer (1993) afirma: " (...) a escola é concebida de forma a servir o aluno que corporiza as características da criança-tipo que frequenta o sistema educativo. E o aluno assim concebido será uma criança 40 SaraLightfoot (1978: 9) é talvez a primeira investigadora a alertar para a clivagem sociológica ao declarar que para alguns professores "as crianças tornam-se sombras da posição social dos seus pais, versões em miniatura de médicos, apanhadores de lixo, secretárias, contabilistas" {in Lima 2002:105) 81 'Porque peias nossas veias corre a mesma seiva portuguesa, branca, de classe média, oriunda de meios urbanos e que professa a religião católica. " ( cit in Silva 1996:21) Esta constatação deixa-nos no ar uma questão: e quando a criança se afasta deste padrão, o que acontece? Segundo numerosos estudos de diferentes autores é inquestionável o facto de um maior envolvimento familiar na educação escolar das crianças ter resultados evidentemente positivos em termos de sucesso académico. De entre estes autores podemos destacar os trabalhos de Silva, Marques, Davies, Souta, Lima, Diogo, Vieira, Stoer e tantos outros que estudaram esta problemática concretamente em Portugal. Os aspectos benéficos da relação escola-família traduzem-se em diversos modos de actuação que vão desde o acompanhamento em casa até uma certa interactividade que inclui a participação dos pais dentro da própria escola. Segundo Silva (1996) as crianças sentem este envolvimento como uma forma de valorização das suas actividades o que se traduz num aumento da sua auto-estima e da sua confiança. Para além deste efeito imediato, os professores podem entender esta participação activa como forma de interesse por parte dos pais nas actividades escolares dos seus filhos. Por outro lado, os pais ganham com este contacto com a escola uma vez que é a forma de melhor compreender os processos educativos dos seus filhos e os processos internos a nível da instituição escola. "O estreitamento de relações entre a escola e as famílias provoca geralmente um melhor conhecimento mútuo, eliminando, assim, barreiras, aliviando tensões, reduzindo resistências. " (Silva 1996: 23) Também para Cano-Garcia (2000) "Si la família se relaciona com la escuela puede favorecer el desarrollo afectivo, intelectual y social dei nino " (in Fontaine 2000: 224) Segundo este autor a escola e a família são dos contextos ambientais mais importantes na educação da criança proporcionando aquisição de conhecimentos e adaptação psicológica. A relação entre estes dois contextos ambientais pode assumir diversas formas. De entre estas formas destaca a participação dos pais na realização dos deveres escolares, actividade a que a 82 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva maioria dos pais dá grande importância. Este autor refere ainda existirem estudos que apontam diversas variáveis que interferem na relação escola família. De entre essas destaca: a) O tempo dedicado pelos pais a ajudar os filhos na realização das tarefas escolares; b)0 status educativo dos pais e o tipo de contactos que estabelece com a escola; c)0 sexo dos sujeitos e a sua área de estudos Segundo o autor supra referenciado todos estes factores têm influência sobre os resultados académicos dos alunos. Para Perrenaud (2001), a família e a escola deveriam funcinar como um "team" pois ambos os intervenientes reconhecem o valor que esse esforço articulado representa. Marques (1992: 39) refere que "(...) a chave do envolvimento dos pais reside numa boa comunicação". Mas será que uma boa comunicação é, por si só, o garante do sucesso da relação escola-família? Não será esta uma visão demasiado ingénua ou demasiado optimista? Para nós, esta boa comunicação a que o autor se refere só existirá se for possível uma aproximação com vista ao (re)conhecimento entre os dois sistemas. Não se consegue estabelecer comunicação com o que se desconhece. E se há desconhecimento mútuo e falta de articulação então esta relação está comprometida e pode influenciar, de forma negativa, a evolução global dos educandos. Por este motivo Davis (1989: 39) refere "(...) o envolvimento e a participação dos pais devem ser preparados cuidadosamente e guiados por sólidos princípios democráticos, baseados em preocupações de igualdade e cuidadosamente seguidos para se evitarem efeitos perversos (...) ". Tendo em conta a tipologia de Henderson (1987) existem diversas linhas orientadoras que facilitam o envolvimento dos pais na escola. São elas: . Clima aberto e amistoso, onde são facilitados, sem serem forçados, tanto ao nível físico como psicológico, o encontro entre pais e professores. 83 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva . Existência de comunicação frequente e bilateral, de modo a que a informação seja variada e circule nos dois sentidos. . Interacção dos pais enquanto parceiros do processo educativo, de modo a que se impliquem activa e positivamente na dinâmica da escola. . Existência por parte dos órgãos de gestão de uma verdadeira consciencialização das práticas de envolvimento parental, criando e activando os recursos possíveis para uma boa colaboração. . A escola encorajar o envolvimento parental utilizando, para isso, vários recursos que disponibiliza com vista a motivar pais e professores, de forma voluntária, ao diálogo, (cit in. Marques 1988) Para que este leque de estratégias resulte e seja profícua é também necessário que sejam eliminados os estigmas que muitas vezes são atribuídos a certos grupos familiares minoritários, que se combata a ideia de que existem "famílias modelo" a partir das quais se desenha toda a actuação e criar instrumentos de ligação eficazes na relação escola-família. Por outro lado e segundo Perrenaud (2001), a assimetria de poderes existente torna, quase sempre, o diálogo difícil. A assimetria complica-se, neste caso, porque tanto professores como pais são simultaneamente actores individuais e actores colectivos. Mas, para este autor, por muito desigual que seja, o diálogo é possível ainda que repleto de fragilidades. Tendo em conta a problemática apresentada pensamos que se torna claro que o estreitamento da relação escola-família não é tarefa fácil. "De acordo com alguma literatura produzida, é suposto que, em prol de um maior bem-estar das crianças, a família e a escola colaborem harmoniosamente. O seu diálogo deveria ser permanente, aberto e construtivo. " (Perrenaud, 2001, in Montadon e Perrenaud, 2001: 6) Contudo a realidade pode ser bem diferente. Promover e manter o diálogo pode constituir uma tarefa difícil e trazer à tona desigualdades e fragilidades obviamente mais sentidas pelas famílias mais distantes do quadro sócio-cultural em que se revê a escola. 84 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva Se tudo isto é importante considerar em relação às famílias cujos níveis de stresse em relação à escola se encontram dentro dos limites esperados, o que se passará quando esses níveis de stresse se encontram aumentados pelo aparecimento de algo inesperado e não normativo como o nascimento de uma criança com deficiência? 4.5. A Relação Escola-família no Caso da Criança com Deficiência Evidente Os estudos da problemática da relação escola-família na criança com deficiência têm aqui um lugar de destaque uma vez que o nosso estudo empírico se centra particularmente nesta questão. A nossa abordagem insere-se na perspectiva de apreensão e compreensão desta interacção baseando-se em experiências pessoais de diferentes actores. A escola, como já vimos, tem atitudes diferenciadas face a grupos minoritários nela contidos. Estes grupos minoritários de etnia, de culturas ou meios sociais diversificados são, hoje, alvo de estudo dentro da própria escola. Ora as crianças com deficiência constituem também um grupo minoritário na escola. Só que, sobre a relação escola-família, neste caso particular, existem poucos estudos e a bibliografia é bastante escassa. Apesar dos condicionalismos encontrados, iniciámos o trabalho assente na ideiabase de que a participação dos pais de crianças com deficiência na escola se inscreve nos princípios-base da relação escola-família, na generalidade. Considerando os princípios contidos na legislação em vigor que defende a total participação e igualdade para as crianças com deficiência na escola, existem certos factores que contribuem para o sucesso ou insucesso escolar das mesmas. Havendo consenso em relação à importância que se confere à participação dos pais na escola, esta torna-se preponderante quando está em causa uma criança com deficiência. 85 (Porque peias nossas ceias corre a mesma seiva Por outro lado, se são reconhecidos bloqueios, antagonismos e fragilidades face à relação escola-família, num quadro de referências "ditas normais", como se desenvolverá esta relação estando em causa crianças com deficiência? Uma vez que hoje se generalizou o discurso sobre práticas inclusivas e que se encontra legislada uma permanência cada vez mais frequente e longa da criança com deficiência na escola então, investir qualitativamente na participação dos pais na escola, pode favorecer a tão almejada inclusão escolar, pois é provável que venha a favorecer a emergência de experiências educativas compensadoras para as crianças. Porque os pais são quem melhor conhece a criança, eles constituem uma fonte de recursos e informação inesgotável da qual a escola necessita para intervir adequadamente. Para além disto, a ligação assídua e empenhada dos pais na escola pode levar a trocas de informação, participação efectiva no desenvolvimento do currículo particularmente ao nível das estratégias implementadas. Nesta perspectiva, uma relação escola-família efectiva favorece bons níveis de interacção, o que leva ao desenvolvimento de atitudes funcionais ao bem estar de ambos os pólos de relação. Segundo alguns autores consultados (Hegarty, Souta, Silva, Lima, Montadon, Perrenaud) parece não haver dúvidas quanto ao desejo de envolver os pais como principais colaboradores na escolarização dos seus filhos. Na legislação referente à inclusão escolar encontramos frequentemente dados relativos a esta participação. Já em 1978, no Warnock Report, é explicitada a defesa dos pais enquanto parceiros envolvidos no processo educativos dos seus filhos, sendo considerada uma condição essencial para o seu sucesso educativo. Neste relatório são ainda consideradas de primordial importância três formas essenciais sobre as quais deve incidir a relação escola-família: troca de informação, aconselhamento mútuo, ajuda prática. Também a Declaração de Salamanca (1994), de que já falámos, é bastante explícita ao referir a necessidade de envolvimento crescente dos pais na educação dos respectivos filhos. Assim no seu ponto 59° refere: "A educação das crianças com NEE é uma tarefa partilhada por pais e profissionais. Uma atitude positiva 86 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva (...) favorece a integração social e escolar (...) ". No 60° ponto refere ainda " Os pais são parceiros privilegiados no que diz respeito às necessidades educativas dos seus filhos e, na medida do possível, deve-lhes ser dada a escolha sobre o tipo de resposta educativa que pretendem para eles". E no ponto 61° "Deve ser desenvolvida uma colaboração cooperativa e de ajuda entre autoridades escolares, professores e pais", numa clara alusão à importância da relação escola-família no desenvolvimento de cada criança. Ainda no mesmo documento, no seu ponto 62°, se imputa aos governantes a responsabilidade de tomar iniciativas que promovam as relações de cooperação com os pais, nomeadamente, a publicação de legislação relativa aos seus direitos. De acordo com o que anteriormente referenciámos, ter como objectivo uma educação de sucesso para as crianças com deficiência não é incumbência exclusiva da escola ou da família. É necessária uma intervenção consertada entre os diversos intervenientes no processo educativo, dando especial relevo à relação escola-família, numa progressiva consciencialização dos diferentes papéis que todos os intervenientes têm no processo educativo da criança. Nesta perspectiva todos os parceiros devem estar informados sobre tudo o que diz respeito à criança no sentido de uma intervenção articulada promotora do sucesso educativo. No entanto, e comungando da ideia de Souta (1997), na colaboração escola-família é maior o desejo que a realidade. Assim, para este autor "(a) forte e longa tradição de isolamento dos estabelecimentos de ensino, a centralização administrativa e a diminuta participação da sociedade civil são razões que explicam «os dois mundos à parte»". (Souta 1997: 82) Referencia ainda a falta de formação dos docentes, nesta área, como um entrave ao desenvolvimento da relação escola-família. Para além disso, o facto de haver legislação publicada não leva necessariamente a uma mudança nas práticas. Segundo ele "(é) verdade que a legislação faz diferença mas há que reconhecer que persiste o fosso entre a lei e a prática social". (Souta, 1997:89) Por outro lado, para que os pais possam assumir um papel activo e eficaz na educação dos seus filhos com deficiência, é essencial que tenham conseguido 87 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva superar a situação de crise causada pelo seu nascimento. E tudo fica mais facilitado quando os pais chegam à situação de aceitação. A adaptação comportamental dos pais a um filho com deficiência é, muitas vezes, um processo longo e extremamente difícil que comporta avanços e recuos no seu percurso. Assim, é de extrema importância contarem com ajuda externa à família, ajuda essa que pode (e deve) também acontecer na escola. Desta forma a cooperação escola-família parece apresentar-se como factor de interferência positiva no sucesso de todas as crianças, sendo particularmente relevante no caso portadoras de deficiência evidente. Mas nada neste processo é simples e linear. Associados ao nascimento de uma criança com deficiência estão, muitas vezes, factores sócio-económicos e culturais que fragilizam ainda mais a situação dos pais colocando-os face à escola numa situação muito desfavorável. Estes factores podem ter o efeito perverso de facilitar a legitimação e justificação de falta de respostas escolares. Aos profissionais de educação exigem-se acrescidas competências e estes, muitas vezes, não se encontram disponíveis para desencadear o desenvolvimento das mesmas. O que pode conduzir a respostas deficientes, centrando-se numa culpabilização exterior e à ausência de auto-questionamento. Se numa qualquer situação de escolarização se preconiza a ideia de "team" para definir a relação escola -família, (Perrenaud, 2001), então a inclusão de uma criança com uma deficiência evidente exige que esse mesmo "team" se articule de mod a desencadear a obtenção dos meios e recursos necessários a essa mesma inclusão. Mas, para chegar a esta articulação de equipa não haverá ainda um longo caminho a percorrer? A revisão bibliográfica, que temos vindo a tentar, dá a dimensão da exigência qualitativa da relação escola-família para todas as crianças e, particularmente, para os casos de maior "melindre" onde os intervenientes se encontram fragilizados face a dificuldades acrescidas, exacerbadas pelo longo caminho a percorrer na procura de satisfação dessa exigência. 88 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva CAPÍTULO II PLANIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO 89 (porque-peiasnossas veias corre a mesma seiva "Ninguém escapa ao sonho de voar, De ultrapassar os limites do espaço onde nasceu, De ver nascer lugares e novas gentes. Mas saber ver em cada coisa, Aquele algo que a define como especial, Um objecto especial, um amigo, é fundamental. Navegar é preciso, Reconhecer o valor das coisas e das pessoas mais ainda. Antoine de Saint-Exupery 90 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 1 - APRESENTAÇÃO DO ESTUDO 1.1. Objectivo do Estudo Com este estudo pretende-se uma melhor compreensão da realidade escolar mais focalizada nas práticas inclusivas, nas atitudes face à diversidade e, consequentemente, na educação para a cidadania. Pretende-se assim, abordar os pais sobre as suas concepções e representações face à inclusão escolar de alunos com deficiência evidente e ainda tomar conhecimento das suas percepções sobre as formas de atendimento às crianças com deficiência bem como da leitura que fazem dos comportamentos e atitudes de outros intervenientes face à mesma, nomeadamente, outras crianças, técnicos e outros pais. Para melhor clarificar o âmbito deste estudo procedemos ao seu desdobramento em duas linhas orientadoras: .Auscultar como os pais de crianças com deficiência sobre como vêem a inclusão escolar dos seus filhos; .Auscultar como os pais de crianças sem deficiência sobre como vêem a inclusão escolar de crianças com deficiência (nomeadamente na sala de aula dos seus filhos). Gostaríamos ainda de compreender se existe, da parte destes actores, uma visão "benigna" das crianças com deficiência ou se se reconhece a presença das mesmas como uma mais valia. Todo o quadro de análise que referenciamos se situa ao nível do ensino pré-escolar. 1.2. Questões Levantadas por este Estudo A abordagem inter/multicultural em educação busca articular, pela via da interculturalidade, saberes e conhecimentos com origem em diversas culturas e 91 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva que coabitam a nossa realidade escolar. Desta forma, compete à sociedade em geral e à escola em particular desenvolver atitudes de respeito por essas diferenças, valorizando a diversidade como factor de enriquecimento. A diversidade de que falamos pode ser proveniente de diferentes culturas, grupos sociais ou situar-se apenas ao nível dos valores e atitudes, das diferenças de género ou condição. Desta forma, a educação inclusiva representa uma alternativa efectiva que permite dar respostas adequadas à diversidade de que falamos, estabelecendo um corte com a perspectiva integradora e a escola tradicional de carácter monocultural e promotora de exclusão. Apesar desta perspectiva se encontrar legislada no nosso país, nomeadamente com a publicação do Despacho 105/97, e se preconizar uma mudança de paradigma educacional, existe um conjunto de questões que constituem para nós uma fonte de preocupação e para as quais gostaríamos de obter algumas respostas. Assim sendo, perguntamo-nos: . Sabendo nós que existe legislação de suporte à inclusão escolar é este facto do conhecimento de toda a comunidade escolar? . Que sabem os pais sobre este tema? . Que medos e angústias sentem os pais em geral na entrada dos seus filhos para a escola? . Que angústias, medos e até mesmo entraves vivem os pais das crianças com deficiência na sua entrada para a escola? . Numa altura em que tanto se fala em educação para a cidadania que impacto têm as filosofias inclusivas nas práticas educativas? 1.3. Justificação da Investigação No que concerne à educação, a legislação portuguesa consigna direitos que implicam que, a cada criança, seja devido um atendimento personalizado que responda às suas necessidades e características individuais. Para que as crianças, 92 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva todas elas diferentes, possam crescer desenvolvendo ao máximo as suas potencialidades é necessário um atendimento adequado às suas necessidades específicas, atendimento esse que a nossa legislação também prevê tendo em conta as directrizes de organismos internacionais como a UNESCO, a OCDE e a CE. Por outro lado, a igualdade de oportunidades, o direito à educação e participação em sociedade só serão concretizáveis se se garantir uma intervenção adequada, se se envolverem as famílias no processo educativo e se se conseguir atender a criança numa perspectiva ecológica41 tendo em conta os diversos ecossistemas em que está inserida. Tratando-se de crianças com deficiência, a ligação entre os diversos ecossistemas adquire uma importância reforçada uma vez que dessa ligação depende, por vezes, o sucesso ou o insucesso da sua inclusão. Por outro lado, é nossa convicção que todo o indivíduo se desenvolve tendo em conta variáveis tão importantes como a família, a escola, as experiências e vivências pessoais e as relações interpessoais condicionadas por factores como o tempo e o espaço em que decorrem. É no contexto de desenvolvimento pessoal que cada indivíduo se torna um ser único e irrepetível, que constrói nas suas vivências o seu próprio sistema de valores e a sua bagagem de saberes. Assim, a escola e a família constituem dois espaços de relação de extrema importância no desenvolvimento pessoal e social de cada ser humano. Partindo destas convicções e tendo em conta este emaranhado de relações, é através dele que tentaremos perceber como se operacionalizam as condições de inclusão e como é gerida a diferença que as formas de diversidade humana, decorrentes do factor deficiência, nos oferecem. Sabendo também que nos últimos anos se tem assistido (ou apregoado) ao reconhecimento crescente do papel da Educação Pré-escolar em Portugal 41 O modelo ecológico Brophenbrener fornece-nos um quadro conceptual que nos permite compreender a interacção sujeito-mundo e consequente desenvolvimento que esta interacção implica.Segundo este autor o sujeito encontra-se situado no centro do sistema e as suas mais directas interacções são realizadas com o microssistema, estando os outros contextos mais vastos envolvidos: mesossitema, exossistema, e macrossistema. (Portugal, 1992, 40) 93 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva (nomeadamente com a publicação da Lei 5/97 - Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar), torna-se pertinente estudá-la numa das suas múltiplas facetas - a inclusão de crianças com deficiência. Deste modo, pretendemos conhecer de forma mais aprofundada o seu papel inclusivo e desbravar um caminho no sentido do estudo das práticas neste nível de ensino. É pelo olhar dos pais e recorrendo à entrevista semi-directiva que pretendemos fazê-lo, tentando intuir qual o seu quadro de referências face à escola e à dinâmica desta junto da criança com deficiência evidente. E através deste olhar que tentaremos perceber se essa dinâmica se aproxima ou não de uma prática inter/multicultural ou se, pelo contrário, apenas existe uma actuação em função de uma visão benigna de inclusão. Pretendemos ainda conhecer qual a opinião dos entrevistados acerca do suporte legislativo relativo a este paradigma inclusivo. Assim, este estudo justifica-se por duas razões que nos parecem fundamentais: a primeira prende-se com a escassez de estudos sobre as práticas no nível de ensino referenciado; a segunda prende-se com o facto de a maioria dos estudos efectuados serem centrados na escola, nos docentes e nas suas práticas, colocando em segundo plano outros intervenientes no processo educativo. Neste estudo pretende-se dar voz aos pais. 94 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva 2 - MÉTODOS E PROCEDIMENTOS 2.1. Constituição da Amostra Após uma incursão pelas metodologias de investigação e pelos instrumentos que concorrem para as operacionalizar, com vista a ajustar as escolhas metodológicas ao nosso objecto de estudo, podemos agora definir em termos práticos e de acordo com os objectivos definidos, quais os instrumentos de pesquisa que serão utilizados para a recolha de dados. Elegemos a entrevista semi-estruturada e o seu tratamento através da análise de conteúdo para a pretensão de conhecer quais as diferentes representações dos pais acerca da inclusão escolar de crianças com deficiência evidente, tentando levar cada um dos entrevistados a partilhar connosco as suas opiniões e sentimentos. A amostra será constituída por um total de 10 entrevistas a pais de crianças que frequentam a educação pré-escolar. De entre estes, 50% serão pais de crianças com deficiência (Grupo A) e 50% pais de crianças sem deficiência, cujos filhos frequentem as turmas de Jardim de Infância onde estejam as crianças com deficiência evidente, filhas dos pais do grupo A. (Grupo B). 95 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Total da Amostra Tipologia/Situação Entrevistados/Códigos GRUPO A Al 5 Pais de crianças A2 com deficiência de A3 diferentes etiologias A4 A5 10 PAIS GRUPO B BI B2 5 Pais de crianças B3 sem deficiência B4 B5 Quadro 1 - Constituição e caracterização da amostra 2.2. Opções Metodológicas 2.2.1. Fundamentação teórica O desenvolvimento das Ciências Sociais levou os investigadores a atribuir uma crescente importância à acção humana, focalizando o seu interesse no indivíduo, no seu olhar sobre o mundo, nas suas crenças e intenções. Para que esta compreensão do ser humano seja realizável torna-se necessário penetrar no mundo pessoal dos sujeitos tentando perceber como interpretam as situações, que intenções têm e o significado dos seus actos. Este significado de que falamos é de importância vital numa abordagem qualitativa, uma vez que é apreendendo as perspectivas dos participantes que se chega à dinâmica interna das situações. Ao seguirmos esta via, a nossa investigação vai inscrever-se, fundamentalmente, num modelo de investigação qualitativa, uma vez que os 96 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva objectivos que pretendemos atingir com a nossa pesquisa, se inserem numa perspectiva compreensiva dos fenómenos. Bogdan e Biklen (1982) apresentam o conceito de pesquisa qualitativa destacando cinco características básicas que definem este tipo de estudo: a) A investigação qualitativa assenta no ambiente natural e este constitui a sua fonte directa de dados e o investigador é o seu principal instrumento; b) Os dados recolhidos são predominantemente descritivos; c) A preocupação com o processo é maior do que com o produto; d) A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo; e) Os significados que os sujeitos dão à sua acção e ao seu percurso são focos de atenção especial por parte do investigador. Assim, a abordagem qualitativa fundamenta-se numa filosofia naturalista/fenomenológica que postula a existência de múltiplas realidades construídas pelo indivíduo em interacção com a sociedade. Alguns autores afirmam ser a entrevista um instrumento primordial na recolha de dados o que pode constituir um paradoxo face às Ciências Sociais: se por um lado estas se interessam pelo colectivo, por outro a entrevista destina-se a interrogar um só indivíduo. No entanto, quando um investigador selecciona um entrevistado ele tem sempre em mente um objectivo pelo que, essa selecção é feita em função do que o indivíduo representa, da importância que a sua prestação pode constituir em função do conhecimento do grupo no qual está inserido. 97 (porque-peiasnossas veias corre a mesma seiva 2.2.2. A entrevista "Léntretien est donc tout le contraire d'une simple technique de recueil de données. H représente un travail intense pour franchir tous ces paliers, tellement difficiles qu'on peut dire que l'idéal n'est jamais atteint, de très loin (...). Difficile pour l'enquêteur comme pour l'informateur, quiforment véritablement une équipe. " (Kaufinann, 1996: 54) A entrevista constitui-se como um modo privilegiado de recolha de informação, dentro das suas diversas variantes. Segundo Tuckman (2000), os investigadores utilizam a entrevista para transformar em dados a informação directa obtida de um sujeito. Ao aceder a esta informação é possível perceber o que uma pessoa sabe, (informação ou conhecimento), do que gosta (valores e preferências) e o que pensa (atitudes e crenças). Segundo Maccoby e Maccoby (1954), a entrevista é "um intercâmbio verbal, cara a cara, entre duas ou mais pessoas, sendo que uma delas, o entrevistador, tenta obter informação da outra ou das outras pessoas". Já para Bingham e Moore (1959) a entrevista é "uma conversa séria que se propõe um fim determinado, diferente do simples prazer da comunicação. " Em 1975, Grawitz faz a abordagem da entrevista como um conhecido método de investigação científica, interpretando o processo como sendo "a ocorrência de conversação de duas ou mais pessoas num lugar determinado para tratar de um assunto. É um método de investigação científica, que utiliza um processo de comunicação verbal para recolher algumas informações em função de um AO determinado objectivo " Para Visauta (1989: 248) trata-se "de una conversasión seria entre dos personas o más, una de las cuales, el entrevistador, trata de obtener información de la otra u otras ,el entrevistado o entrevistados, y ello com una determinada finalidad". 42 Estas definições encontram-se em Visauta (1989:235-236) 98 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva De entre os diferentes tipos de entrevista descritos na literatura consultada, a que se nos afigura de maior utilidade e adequação ao nosso estudo é a entrevista do tipo semi-estrurada. Burgess (1997), considera que este tipo de entrevista dá ao investigador a possibilidade de propor apenas alguns tópicos, em torno dos quais as questões vão surgindo no decurso da conversa, não perdendo de vista o objectivo. " Esta estratégia dá aos informantes uma oportunidade para desenvolver as suas respostas fora de um formato estruturado. " (Burgess, 1997: 112) Esta forma de procedimento pode levar à obtenção de informação mais rica e pormenorizada pois permite desenvolver as respostas sem imposição de limites. No entanto, o mesmo autor alerta para que a maneira de enunciar as perguntas, o enviesamento, o relacionamento e o evitamento de questões embaraçosas podem constituir problemas à investigação. Mas outros problemas podem surgir com a utilização da entrevista como forma de recolha de dados. Segundo Bourdieu (1998) a dissimetria social e o capital cultural dos intervenientes podem trazer dificuldades. Este autor refere "(é) o pesquisador que inicia o jogo e estabelece a regra do jogo, é ele quem geralmente, atribui à entrevista, de maneira unilateral e sem negociação prévia, os objectivos e hábitos... " (Bourdieu, 1998: 695) Assim, dificilmente poderemos considerar as entrevistas em investigação social como não directivas, dada a relação estabelecida entre entrevistador e entrevistado, isto é, a entrevista é sempre pedida pelo entrevistador e não pelo seu interlocutor. Do mesmo modo o tema à volta do qual se desenvolve a entrevista também é escolhido pelo investigador. Este tema relaciona-se apenas com o objectivo que o investigador persegue na procura de resposta para a sua investigação. Por estes motivos, cada vez menos se fala em entrevista não directiva dando, as Ciências Sociais, especial relevo às entrevistas do tipo semidirectivo ou, como defende Quivy (1998), entrevistas exploratórias. Este autor considera que, de certa forma, a entrevista semi-directiva já engloba a não directividade porque assenta, enquanto processo metodológico, em duas vertentes: a vertente não directiva, por permitir que o próprio entrevistado 99 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva estruture a sua linha de pensamento em tomo do objecto perspectivado; a vertente directiva, que corresponde às intervenções do investigador, no sentido de velar para que o investigado não de disperse na estruturação do seu próprio pensamento, guiando-o em função do objecto de estudo. De um modo geral a atitude do entrevistador deve caracterizar-se pela capacidade de utilização de estratégias para estimular as forças positivas do entrevistado e estratégias neutralizadoras de factores negativos. Segundo Bourdieu (1998) as distorções devem ser conhecidas e dominadas não descuidando uma prática reflexiva e metódica. A este propósito diz ainda: "Só a reflexividade, que é sinónimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num 'trabalho', num 'olho' sociológico, permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os efeitos de estrutura social na qual ela se realiza. "(Bourdieu, 1998: 694) 2.3. A Preparação da Entrevista Segundo Ruquoy (1997), as entrevistas semi-directivas são baseadas na construção de um guião de entrevista, guião esse que deve colocar o interlocutor em condições de se exprimir, seguindo o curso do seu pensamento. Esse guião assume um papel muito importante pois constitui o fio condutor de que o investigador se socorre, no sentido de não permitir uma fuga aos temas em investigação. Por outro lado este guião oferece a garantia de que tópicos semelhantes são abordados em todas as entrevistas. Tomando estes factos em consideração procedemos à construção de um guião que constituísse a base de orientação para as entrevistas que pretendemos efectuar. O nosso guião de entrevista foi então estruturado, de acordo com os objectivos deste trabalho de pesquisa e subdividido em três blocos de questões (anexo 2): - questões a colocar exclusivamente aos pais de crianças com 100 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva deficiência (Grupo A); - questões a colocar exclusivamente aos pais de crianças sem deficiência (Grupo B); - questões comuns aos dois grupos (grupos A e B). Organizámos as questões procurando seguir uma ordem lógica, traduzida numa sequencialização dos assuntos, buscando a sua interligação. Optámos, de início, por uma questão menos abrangente e menos profunda de modo a dar ao entrevistado algum tempo para se familiarizar com a situação e se descontrair de modo a facilitar o prosseguimento da entrevista. 2.4. Os Procedimentos Para Bourdieu (1998), tentar colocar-se em pensamento no lugar do pesquisado é uma tarefa que se apresenta ao sociólogo como essencial para a compreensão dos fenómenos em estudo e que implica um profundo saber e uma experiência sólida "Esta compreensão não se reduz a um estado de alma benevolente. Ela é exercida de maneira ao mesmo tempo inteligível, tranquilizadora e atraente de apresentar a entrevista e de conduzi-la, de fazer de tal modo que a interrogação e a própria situação tenham sentido para o pesquisado (...)". (Bourdieu, 1998: 700) Não perdendo de vista estes ensinamentos valiosos, a preparação das entrevistas envolveu o cumprimento dos seguintes procedimentos: a) Contacto com os sujeitos a entrevistar para formular a proposta de entrevista, tendo o cuidado de apresentar o tema e os objectivos da pesquisa. Tal como nos refere Bourdieu (1998) o contacto é facilitado quando os participantes consideram valiosos os fins da investigação. Procedemos então a um primeiro contacto, telefónico, para garantir a aceitação da entrevista. 101 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Para obtenção do contacto telefónico procedeu-se à utilização da base de dados da Equipa de Coordenação dos Apoios Educativos e de contactos com profissionais de educação de infância. b) Obtida a concordância por parte dos entrevistados foram dadas garantias de confidencialidade e anonimato de todos os dados obtidos. Foi ainda pedida autorização para o registo das entrevistas em banda magnética (gravador) o que foi aceite sem dificuldades. Procedeu-se então à marcação da data e local da sua realização. 2.4.1A realização da entrevista "(...) le processus (...) ne parvient pas à se développer sans que l'enquêteur utilise tout un arsenal de tactiques pour favoriser l'expression. Tout est bon pour faire parler et bien faire parler: le charme, la séduction, l'humour (Douglas, 1976). L'humour est une technique particulièrement efficace: un enquêteur gai et souriant obtien des résultats incomparablement supérieurs à ceux d'un enquêteur morose et fermé. " (Kauffinann, 1996: 55) São inúmeros os conselhos de variadíssimos autores sobre o modo de conduzir a investigação através da entrevista. No entanto, consideramos que não há receitas infalíveis mas sim cuidados a serem observados que, aliados a uma atitude honesta e atenta do entrevistador, podem levar a uma boa entrevista. Existe igualmente uma longa lista de qualidades que um investigador deve possuir para chegar a uma recolha de qualidade. De entre estas qualidades destacamos o treino e a experiência de investigação. No nosso caso concreto, este é um dos principais obstáculos à nossa investigação uma vez que somos totalmente inexperientes nesta área. 102 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Apesar desta situação, tentaremos não desrespeitar as recomendações dos diversos autores, estando conscientes de que o percurso que temos pela frente é difícil e cheio de adversidades. "L'aquisicion d'un savoir-faire complexe se fait pour couches sucessives et progressives, il est dificile de comprendre et de metre en oeuvre une nouvelle couche plus experte, tant que l'acquis expérientiel de la couche precedent n'est pas suffisant. " (Vermersch, 1994: 168) • Onde e quando se realizaram As entrevista foram realizadas, de um modo geral, nos Jardins de Infância frequentados pelas filhos dos envolvidos, com excepção de dois casos que decorreram nos locais de trabalho dos entrevistados. O período de recolha de informação decorreu nos meses de Junho e Julho de 2003. • Fases da realização . Legitimação e motivação da entrevista - procurámos estabelecer um clima informal em que se estabelecesse uma relação de confiança. Voltámos a garantir confidencialidade dos dados e tentámos motivar o entrevistado. .Recolha de dados - procedemos à recolha sistemática dos dados relativos a variáveis de caracterização dos sujeitos da investigação: sexo, idade, habilitações e profissão. Esta fase foi utilizada como momento preparatório para a conhecimento mútuo e permitiu a descontracção e descompressão necessárias à fase seguinte. Ainda nesta fase preliminar facilitámos todos os esclarecimentos que nos foram pedidos. Decorrido este tempo, foram efectuadas as entrevistas propriamente ditas, nunca esquecendo o contexto relacional em que estas devem decorrer nem as regras metodológicas delineadas. Todas as entrevistas decorreram em ambiente calmo e sem interrupções com excepção da entrevista A3 que foi continuada após breves momentos de interrupção, pedida pelo entrevistado. 103 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva O tempo de duração variou entre 30 e 50 minutos e procedeu-se à gravação em audio conforme estabelecido em acordo prévio. • Reacções dos entrevistados "Assim, por exemplo, em muitas entrevistas (..), a relação social entre o pesquisado e o pesquisador produz um efeito de censura muito forte, redobrado pela presença do gravador: é sem dúvida ele que torna certas opiniões inconfessáveis (salvo por breves fugas ou por lapsos) " (Bourdieu, 1998: 701) Corroborando esta opinião, foi-nos possível constatar que quase todos os participantes se mostraram, no início, um pouco incomodados com a gravação em audio. Posteriormente o gravador parecia ficar esquecido e os entrevistados mostravam-se mais descontraídos. Por vezes houve alguma hesitação nas respostas precisando de algum tempo para pensar. O entrevistado A4 mostrou-se mais à vontade com a entrevista do que os restantes. O entrevistado B3 continuou a falar após o fim da entrevista. Dos dados obtidos nesta fase elaborou-se um registo escrito, à posteriori, por se considerarem dados importantes para o estudo. 2.5. A Análise dos Dados A análise de conteúdo constitui-se, para nós, como uma forma privilegiada de tratamento da informação recolhida através das entrevistas efectuadas. Esta é uma técnica de investigação empírica muito utilizada pelas Ciências Sociais. Segundo Quivy (1998) o lugar que ocupa no âmbito da investigação em Ciências Sociais é cada vez maior, porque oferece a possibilidade de tratar, de forma metódica, informações e testemunhos que apresentam um certo grau de profundidade e complexidade. 104 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Assim, problemas metodológicos, de validade e fidelidade no tratamento dos dados exigem que, a ser aplicada, seja feita a explicitação de todos os procedimentos utilizados. A definição de Berelson citado por Vala (1986), como sendo uma técnica de investigação que permite a descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação, está associada a ideia de que esta técnica deve servir objectivos descritivos e classificatórios e revela a preocupação de preservar o trabalho de inferências ingénuas. Esta preocupação é tanto mais relevante quanto coloca o analista de sobreaviso em relação à permeabilidade de ideologias dos contextos históricos e sociais, obrigando o investigador a procedimentos críticos e rigorosos. Deste ponto de vista reduz-se a análise de conteúdo às suas capacidades descritivas e limita-se o seu campo de aplicação. A definição de Krippendorf citado por Vala (1986) refere -se a uma técnica de investigação que permite fazer inferências, válidas e replicáveis, dos dados para o seu contexto o que alarga o âmbito de utilização. A inferência enquanto atribuição de sentido às características do material que foram levantadas, enumeradas e organizadas permite a passagem da descrição à interpretação (Bardin, 1977, cit. in Vala, 1986). Entendida desta forma, a análise de conteúdo permitirá inferências sobre a fonte e condições de contexto em que se produziu o material a estudar. A finalidade da análise de conteúdo será pois efectuar inferências, com base numa lógica explicitada, sobre as mensagens cujas características foram inventariadas, condensadas e sistematizadas. (Vala, J. 1986). A análise de conteúdo é, antes de mais, um instrumento de organização do texto, de forma a sistematizar um pouco mais as questões e as ideias propiciando a emergência de sentido inscrito nos discursos registados. Pretende-se tornar visível, em forma de texto que possa englobar as regularidades e particularidades, os sentidos inscritos no registo efectuado. Poderíamos afirmar em consonância com Ghiglione et Matalon (1993: 199): 105 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva "(p)ara nós a análise de conteúdo é antes de tudo uma prática inscrita numa pragmática. Com isto queremos dizer que uma análise de conteúdo participa de um processo de investigação em que, num dado momento, estão implicados actores sociais. Ela é apenas uma parte deste processo que a ultrapassa e sobredetermina conferindo-lhe, assim, os seus critérios de pertinência. Com efeito, o jogo dos actores e das finalidades sociais implicam uma procura, um início, um desenvolvimento, umfim,efeitos e avaliações. " Por conseguinte, pretendemos utilizar a entrevista e posteriormente proceder-se-á a uma análise de conteúdo na preocupação de irmos ao encontro de sentido que esse trabalho ajude a explicitar. O tratamento da informação na análise a efectuar será de tipo interactivo e de carácter intensivo. Com isto queremos significar que, não perdendo de vista o quadro teórico de referência, teremos a preocupação de trazer para o trabalho as categorias emergentes do discurso, num processo que se pretende interpretativo e compreensivo. A análise de conteúdo pode, no entanto, tomar diferentes caminhos e direcções, consoante as concepções metodológicas adoptadas para a orientação de uma pesquisa. No nosso caso, não seguimos de forma específica qualquer autor, mas tentámos, através das orientações recolhidas em diversos autores, traçar o nosso próprio plano de análise que se traduziu no processo que descrevemos seguidamente. Para a segmentação do discurso, teremos em conta os critérios mais comummente considerados importantes para a análise de conteúdo: exclusividade, homogeneidade, pertinência, exaustividade e objectividade. (Bardin, 1977) O tratamento dos dados obedecerá a várias fases. Numa primeira fase proceder-se-á a uma análise do conteúdo emergente, considerando-se unidade de registo todo o fragmento de texto com significado pertinente para o trabalho, constituindo uma unidade de informação. Numa segunda fase proceder-se-á a 106 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva uma leitura horizontal, que nos permitirá a elaboração de uma síntese com os aspectos que nos parecerem mais relevantes em cada uma delas. Por último efectuaremos uma leitura vertical, que nos permitirá fazer algumas comparações entre os discursos dos diversos sujeitos, tentando assim uma melhor compreensão dos fenómenos. • Preparação do material Efectuámos a preparação do material, procedendo à codificação das entrevistas através da atribuição de uma letra e um número correspondendo, respectivamente, ao grupo de pais e à ordem de realização da entrevista, tal como se apresenta no quadro 1 do presente trabalho. Seguidamente procedeu-se à transcrição integral das entrevistas obtendo um corpus de cerca de 80 páginas, que se apresenta em anexo, (anexo 6) À posteriori, foi efectuada uma revisão através da escuta atenta dos registos, leitura e correcção simultânea do material escrito. Este trabalho, embora muito moroso, apresentou-se de grande utilidade, uma vez que nos permitiu ter uma percepção global do conteúdo, constatar a frequência de alguns dados, coerências e contradições dos discursos. Funcionalmente este trabalho aproximou-se do que Bardin (1979: 96) define por "leitura flutuante" • Determinação do sistema de categorias Procurámos definir um sistema de categorias emergentes dessa leitura, e não pré-definidas, que nos permitisse agregar os diferentes fragmentos do texto para posteriormente proceder à sua análise. Assim começámos por determinar blocos temáticos ou unidades de significação centrais nos textos das entrevistas, através do cruzamento do guião com as informações decorrentes do material em análise. Procedeu-se de seguida à codificação dessas unidades conforme a sua interpretação. Posteriormente as unidades foram agrupadas em subcategorias. Após este procedimento as subcategorias foram condensadas em blocos de discussão que deram origem às categorias encontradas. Este processo interactivo 107 (porque peías nossas veias corre a mesma seiva constituiu-se, fundamentalmente, no entrecruzamento entre o esquema teórico estabelecido à priori e formalizado nos objectivos e temáticas subjacentes ao guião de suporte às entrevistas e o material recolhido. Nesta fase, foram combinados procedimentos do tipo dedutivo e indutivo. Foi deste trabalho intensivo e exploratório que surgiu o plano de categorias que seguidamente apresentamos. 108 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva CAPÍTULO III APRESENTAÇÃO DOS DADOS E RESULTADOS (porque peias nossas veias corre a mesma seiva "Uma educação inclusiva Reconhece-se na procura de pontes, Pontes de sentido que nos devolva à condição De sentir que o que se passa com os outros Nos diz respeito. " Rosa Nunes 110 (porque petas nossas veias corre a mesma seiva 1 - DEFINIÇÃO DE CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS l.l.Tratamento das Questões Referentes ao Grupo A Análise de conteúdo das entrevistas efectuadas a pais de crianças com deficiência evidente, a frequentar Jardim de Infância.( anexo 3) • Primeira Questão: Acha que o Jardim de Infância teve dificuldade na inclusão do seu filho? Percepção dos pais sobre a inclusão do seu filho(a) na instituição SUBCATEGORIAS CATEGORIAS Relativamente à atitude da Exclusora Instituição Inclusiva Sem referências Alheamento • Segunda Questão: Como pai (ou mãe) o que sentiu com a entrada do seu filho (a) no Jardim de Infância? Sentimentos dos pais acerca da inclusão escolar do seu filho CATEGORIAS SUBCATEGORIAS Entrada na Instituição Sentimentos positivos (I a fase) Sentimentos negativos Frequência da Instituição Sentimentos positivos (2a fase) • Terceira Questão: Na sua perspectiva, como reagiram as outras crianças à inclusão do(a) seu (sua)filho(a)nas actividades regulares do jardim? 111 (porque-petasnossas veias corre a mesma seiva Percepção dos pais sobre a atitude dos pares na inclusão dos seus filhos SUBCATEGORIAS CATEGORIAS Estranheza 0 impacto Dificuldade na aceitação (Ia fase) Curiosidade Fase de conhecimento Compreensão (2a fase) Aceitação sem restrições • Quarta Questão: E os outros pais como reagiram? Percepção dos pais sobre a inclusão do seufilho(a)na comunidade escolar CATEGORIAS SUBCATEGORIAS Atitude dos pais em geral face à Reacção positiva e não discriminatória Criança com deficiência Curiosidade Dificuldade na aceitação • Quinta Questão: Pensa que o seu (sua) filho(a) está feliz neste Jardim de Infância? Percepção dos pais sobre os sentimentos dos filhos face ao Jardim de Infância __^_ SUBCATEGORIAS CATEGORIAS Reacções positivas da criança Sentimentos Atitudes 112 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 1.2. Tratamento das Questões Referentes ao Grupo B Análise de conteúdo das entrevistas efectuadas a pais de crianças sem deficiência, cujos filhos frequentam as turmas de Jardim de Infância onde estão integradas as crianças com deficiência evidente, filhas dos pais do grupo A. (anexo 4) • Primeira Questão: Quando matriculou o seu (sua) filho(a) sabia que tinha uma criança com deficiência na sua turma? Qual a sua opinião sobre esse facto? Opinião dos pais sobre a inclusão de crianças com deficiência evidente nas turmas SUBCATEGORIAS CATEGORIAS Troca de saberes (Re)conhecer/valorizar a diferença Inclusão como benefício Perspectiva assistencial Enquanto criança Igualdade de direitos Face à escola Não discriminação/cumplicidade Desenvolvimento de valores e Entreajuda atitudes Aprendizagem da convivência 1 • Segunda Questão: A legislação portuguesa legitima e incentiva a inclusão de crianças com deficiência na escola, já que o direito à educação para todos está consignado na Constituição da República Portuguesa e existem leis que determinam que todas as crianças têm que frequentar a escola até ao 9o ano de escolaridade. Por favor comente esta afirmação. 113 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Percepção dos pais sobre o enquadramento legal e a prática da inclusão CATEGORIAS SUBCATEGORIAS Igualdade de direitos Concordância com a inclusão Convívio/Aprendizagem em comum Aprender a conviver com a diferença Vantagens da Inclusão Para a criança com deficiência Segregação como impedimento aprendizagem Falta de formação dos docentes Reconhecimento de dificuldades à Falta de preparação das escolas Dificuldades económicas das famílias Dificuldades de aceitação pelos pares Factores condicionantes à inclusão Inclusão com restrições • Terceira Questão: No seu percurso pessoal teve alguma experiência de proximidade com pessoas com deficiência? Experiências pessoais de relação com pessoas com deficiência CATEGORIAS Confirmação SUBCATEGORIAS Experiências em contexto Familiar Experiências em contexto escolar Negação Sem experiências anteriores 114 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva 1.3. Tratamento das Questões Comuns aos Dois Grupos (Grupo A e Grupo B) Análise de conteúdo das entrevistas efectuadas a todos os pais. (anexo 5) • Primeira Questão: Por que motivo escolheu este Jardim de Infância para o seu filho? Razões que motivaram a escolha do estabelecimento de ensino SUBCATEGORAS CATEGORIAS Proximidade Casa Local de trabalho Boas referências Informação Sugestão de outrem Sem referências Factores económicos Custos Tipo de serviço Maior cobertura de horário Outras razões Gosto pessoal Problemas de adaptação • Segunda Questão: Na sua opinião, como acha que deveriam ser atendidas as crianças com deficiência? Opinião dos pais sobre o atendimento a dar a crianças com deficiência 115 (porque peias nossas veias cone a mesma seiva SUBCATEGORIAS CATEGORIAS Igualdade de oportunidades Igualdade no atendimento Inclusão como vantagem Aprendizagem partilhada Desenvolvimento da escolaridade em contexto regular Integração sócio-profissional Falta de condições na escola Entraves à inclusão Atitude segregadora Falta de apoios Melhoria das condições Formação dos docentes Factores propiciadores de mudança Articulação escola-família Tentativa de descentração • Terceira Questão: Que expectativas tem face ao futuro do(a) seu (sua) filho(a)? Expectativas dos pais face ao futuro dos filhos CATEGORIAS Expectativas do grupo A Expectativas do grupo B SUBCATEGORIAS Aposta na aprendizagem em contexto regular Esperança no desenvolvimento académico Esperança no desenvolvimento pessoal e social Medo/insegurança no futuro Área do desenvolvimento académico Área do desenvolvimento pessoal e social 116 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva 2 - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Após a definição de categorias e subcategorias, tentaremos agora fazer uma leitura dos resultados obtidos. Este estudo pretende ser um contributo para o esclarecimento do que pensam os pais sobre a inclusão de crianças com deficiência evidente no sistema regular de ensino, ao nível do pré-escolar, bem como das percepções destes sobre as reacções da comunidade escolar. De acordo com a primeira questão colocada ao universo de entrevistados estes referem ter escolhido o Jardim de Infância que os seus filhos frequentam por diversas razões das quais se destacam a proximidade ao seu domicílio e ao local de trabalho. Tiveram em conta informação diversa como boas referências que possuíam sobre o Jardim e também a sugestão de outras pessoas. Foram evocadas ainda outras razões que se prendem com factores económicos e tipo de serviço prestado pela instituição como maior cobertura de horário. Apenas dois pais evocaram outras razões: um destaca uma questão de preferência pessoal e outro refere que a sua criança teve dificuldades de adaptação noutro infantário e por conseguinte escolheu o actual. Nesta questão, nenhum dos entrevistados do grupo A referiu, como razão de escolha, as condições do Jardim de Infância, a competência pedagógica das educadoras ou a sua experiência com crianças com deficiência. No entanto, noutra questão, um dos entrevistados referiu a larga experiência do Jardim de Infância na inclusão de crianças com deficiência evidente (A4). Também para os pais do grupo B não constituíram factores de referência as condições do Jardim ou particularidades da sua experiência enquanto instituição, do que se pode inferir o relevo que os pais dão a questões de ordem logística em detrimento de questões pedagógicas. Passando agora as questões apenas apresentadas ao grupo de pais codificado como A, estes percepcionam a inclusão do seu filho no Jardim de Infância em duas vertentes opostas que vão da atitude exclusora à inclusiva. 117 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Relativamente à atitude da instituição, alguns pais referem atitudes marcantes de exclusão nomeadamente o entrevistado A2: "Foi uma situação muito difícil. (...) Realmente foi-me dito que davam soração ao problema dela. Eu esperei e nada foi feito. Depois disseram-me que a L. era uma criança que realmente tinha problemas, que era muito difícil comer sozinha, ir à casa de banho, e que ...enfim, não a aceitaram. (...) Ela precisava muito de contactar com outras crianças para aprender mais e desenvolver a linguagem. Os problemasfísicosnão podiam fazer com que a recusassem." Esta instituição parece viver à margem da legislação actual que, para além de legitimar a inclusão, prevê um atendimento diferenciado para crianças com deficiência evidente e estabelece regimes de excepção na inclusão das mesmas nas estruturas regulares de ensino (Dec-Lei 319/91). Este foi um testemunho marcado pela dureza das vivências ocorridas no momento descrito e que é exemplificador das dificuldades sentidas pelas famílias destas crianças. Mas a grande maioria das referências situam-se ao nível da atitude inclusiva. Os pais percepcionam a entrada dos seus filhos na instituição como adequada e positiva caracterizando a instituição como receptiva e o pessoal docente e não docente como desencadeadores de inclusão. Podemos ilustrar esta perspectiva com as opiniões dos pais Al e A4: "Houve sempre muita receptividade da parte de todas as pessoas e não...nunca vi qualquer entrave fosse em que aspecto fosse, antes pelo contrário. As pessoas disponibilizaram-se sempre que foi necessário eu conversar com elas, sempre que foi necessário esclarecer dúvidas, sempre que necessitei de informaçâo."(Al); "(...) é um jardim perfeitamente aberto, é um jardim receptivo e é um jardim que consegue contornar as situações, o que facilite bastante quer aos pais quer ao próprio jardim que começa a ter um historial e que sabe como trabalhar e que trabalha bem. "(A4 Apenas um dos entrevistados refere uma total ausência de feed-back face à inclusão do seu filho no Jardim de Infância. Questionados sobre os seus sentimentos, aquando da entrada do seu filho no Jardim de Infância, os pais referem duas fases distintas. Numa primeira fase 118 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva alguns pais experimentaram sentimentos positivos e alguma tranquilidade enquanto que outros pensam que foi um processo difícil gerador de ansiedade, angústia e medo. O entrevistado A3 refere-se a esta período da seguinte forma: "Ao princípio difícil porque ele não queria, chorava muito e as duas primeiras semanas foi terrível. Como era a primeira vez sabe.. Ele tinha estado sempre em casa, náo estava habituado com outras crianças. Só connosco..." (...) "Sim. Senti uma angústia muito grande... ele ficava a chorar e eu não sabia como ia ser e tudo... ao princípio aindafiqueiumas manhãs com ele."(A3) Na segunda fase que os pais apontam, apenas falam de sentimentos positivos que ocorreram após algum tempo da entrada da criança no Jardim de Infância Nesta questão, os sentimentos dos pais face à entrada da criança no Jardim de Infância são bem notórios e traduzem os receios que estes têm no confronto com novas vivências sociais. Se para os pais em geral a entrada dos seus filhos numa instituição representa um factor de stresse, para os pais das crianças com deficiência evidente ele pode ser acrescido, uma vez que o medo de ver o seu filho rejeitado ou marginalizado assume nestas etapas proporções assustadoras. (Alarcão, 2002) Quando questionados quanto à sua percepção em relação à atitude das outras crianças na inclusão dos seus filhos, os pais referem igualmente duas fases distintas: o impacto que corresponde basicamente ao início da frequência do estabelecimento de ensino e a fase do conhecimento. Na fase de impacto registaram reacções de estranheza, de curiosidade e, por vezes, algumas dificuldades na aceitação. Os pais referem que as crianças do grupo faziam perguntas e observavam mas entendem estas reacções de forma positiva achando-as adequadas à situação, tal como refere A2: "Ao princípio a Educadora falou com elas pronto, preparou-as. Disse que iam receber uma criança diferente, com alguns problemas e ... e elas quando viram a L. claro perguntaram porquê. Porque é que ela tinha a cara assim? O que é que ela tinha nas mãos? Acharam estranho..." 119 (Porque-petasnossas veias corre a mesma seiva "E a educadora explicou e aceitaram-na muito bem. Acho que sim, que a aceitaram sem dificuldades. Pelo menos ela fala muito dos meninos, que brinca muito com eles e gosta muito cia escola e dos meninos." Na fase de conhecimento, referida pela população entrevistada, são apontadas apenas reacções de compreensão e de aceitação sem restrições tendo, esta última, uma grande preponderância sobre a anterior. Alguns pais referem como factor de mudança nas atitudes dos pares a influência dos Educadores na promoção da inclusão. Como exemplo destacamos partes do discurso dos pais A l e A4: "Portanto, eu acho que a resposta da (nome da Educadora) ou digamos assim, a (nome da Educadora) salvaguardar a posição do M aqui, foi muito bem escolhida este frase... Pronto o M foi visto como um bebé grande. Que é de facto uma criança grande, em tamanho, mas que o resto, pronto, acompanhará ao longo do tempo precisa de tempo. Mas este momento maréou-me porque eu vi que para as crianças estava tudo bem. Elas aceitavam o meu filho, com as suas hmitações. É obvio que com a ajuda das educadoras, não é ? Mas havia uma atitude...e foi isso que me marcou."(Al) "(... )naquele jardim como já havia crianças com necessidades e todos os colegas de grupo, de turma estavam habituados, tinham um carinho muito especial por essas crianças. Portanto isto de uma maneira geral."(A4) "Tinham uma atitude extremamente positiva relativamente a crianças como o meufilho.Ora bem, portanto, por aí não houve qualquer problema. Por outro lado, as crianças têm uma fase de adaptação incrível. "(A4) Na questão seguinte os pais falam da sua percepção sobre as reacções dos outros pais do Jardim de Infância em relação à inclusão. Dos seus discursos podemos destacar alusões a reacções positivas e não discriminatórias, por vezes associadas a alguma curiosidade. Apenas o entrevistado Al relata algumas dificuldades na aceitação por parte dos outros pais. Parece-nos, pelo seu discurso, que essas dificuldades não se referiam à criança com NEE em si, mas ao estatuto que ela detinha dentro da instituição escolar, nomeadamente no que concerne à 120 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva obtenção de apoio. Subentende-se ainda que, se por um lado os pais (em geral) chamavam a si legitimamente a utilização de um recurso da escola (a Educadora de apoio) que seria utilizado em benefício geral, por outro lado esta estratégia poderia pôr em causa afrequênciada criança com deficiência. "No início, quando ele vinha temporariamente (antes dbs 3 anos de idade), e depois o porquê de ter uma educadora que lhe dava mais atenção a ele do que aos outros meninos, inclusivamente porque é que a Educadora de apoio dele não poderia estar com os outros meninos na falta da Educadora da sala. Acho que isso foi um bocado difícil para os pais aceitarem e... suscitar algumas duvidas, não é? Talvez porque também não fossem bem esclarecidos que aquela Educadora estaria aqui enfim, com um objectivo não ë? E que além de estar aqui tinha que se deslocar a outros lados porque não existe só uma criança M! Existem muitos M, ... infelizmente."(Al) Quanto à percepção dos pais sobre os sentimentos dos seus filhos em relação à frequência do Jardim de Infância, estes apenas referem reacções positivas por parte da criança. Ao nível dos sentimentos declaram que as suas crianças são felizes e declaram ainda que as suas atitudes são bastante demonstrativas desse sentimento. "Sim muito, muito feliz porque ela todos os dias pede para ir para a escola. Muito feliz mesmo. Coisa que eu nunca esperei que ela se sentisse tão bem Eu fico muito feliz de a deixar sempre bem. Ela é uma criança muito alegre, gosta muito de todos, fala muito de todos."(A2) "Eu penso que ele gosta muito; Ainda no outro dia... às vezes nos adormecemos e ele chama pelos pais para virem trazer à escola. Ou eu ou o pai vimos trazê-lo conforme os horários, então ele gosta muito da escola. Vem sempre contente e quando chega ao portão corre cá para dentro."(A3) Todos os pais se manifestam desta forma relatando factos e vivências que demonstram a satisfação da criança por estar no Jardim. Quanto às questões colocadas ao grupo de pais codificado como B elas diferem substancialmente das do grupo A, e destinam-se a conhecer as perspectivas dos primeiros face à inclusão das crianças com deficiência evidente no Jardim de Infância e as suas opiniões e percepções quanto ao enquadramento legal da mesma. 121 (porque peCas nossas veias corre a mesma seiva Este grupo de pais que vê a inclusão como beneficio refere e reconhece a igualdade de direitos das crianças e destaca como aspecto positivo o desenvolvimento de valores e atitudes. Ao falar da inclusão como benefício colocam ênfase na troca de saberes que ela proporciona e valorizam o reconhecimento da diferença. São exemplo disso os pais cujas opiniões a seguir ilustramos: "Aprendem com os outros muitas coisas e os nossos também aprendem a ajudá-los e isso é bonito. O meu J Gosta muito do menino e feia muito dele."(BI) "Acho... Acho que é muito importante as outras crianças depararem-sè com uma situação diferente e começarem assim a viver a vida com crianças diferentes. Acho que é muito bom para todas as crianças."(B4) Quanto à igualdade de direitos referem que ela deve ser respeitada, tanto no que se refere às crianças como no que se refere à escola, reconhecendo a importância desta no desenvolvimento da criança com deficiência evidente. "Acho que...portanto acho que ele tem o direito de conviver com outras crianças normais não é? Não quer dizer que ele não seja uma criança normal, simplesmente tem algumas...diferenças portanto. Más eu acho que está bem-'Achoque sim."(Bl> "Eu não conhecia a criança sófiqueia saber depois. E acho que vir à escola é muito importante para esses meninos. Os meus filhos são normais mas nunca se sabe o que acontece. Eu acho isso bem porque também gostava que os meus filhos fossem bem tratados na escola, se eles tivessem problemas, claro! Felizmente não os têm mas compreendo como deve ser difícil ter um filho assim e tudo. Estes meninos precisam de mais ajuda e estar na escola é bom para eles."(BI) No que se refere ao desenvolvimento de valores e atitudes os pais falam de cumplicidade, convivência e entreajuda, atitudes que o convívio comum pode desenvolver. Parecem também acreditar que a inclusão escolar é desencadeadora de atitudes anti-discriminatórias em geral. "Não vamos discriminar uma criança por ter uma deficiência. Isso é um grande erro porque ela está cá, não pediu pára nascer assim e é uma criança como outra qualquer."(B2) "Na altura fui informada disso. Tenho ideia de que fui! Ah... Na altura não me fez qualquer tipo de... de... impressão ou o que quer que fosse porque eu sou um bocado (palavra ininteligível) de que as crianças deverão conviver com todo o tipo de ... diferenças que possam existir.''(B5) 122 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva "Exactamente... parece, parece que há um maior cuidado. As crianças reparam no que elefeze ajudam-no quando ele não consegue fazer qualquer coisa. Também já vi isso quando vou levar a nnnhafilha."(B4) "E que os outros meninos também aprendem coisas com o M. Aprendem a conviver com meninos... quer dizer... um bocadinho diferentes e que têm mais dificuldades. E eles também aprendem a conviver todos juntos. Isso é bom. No meu tempo não era nada assim. Estes meninos não iam à escola eficavamem casa ou os que não aprendiam eram tratados como burros e isto não estava certo, portanto..."(BI) "Eu acho que sim, até mesmo ao nível emotivo. Para as crianças... para elas terem um sentimento, uma forma de actuar diferente. É perceber que há diferença do que eles fazem para os outros colegas. E que para aqueles tem que ser diferente."(B4) "A ocorrência de uma condição de deficiência é um factor adicional de diversidade (não o único, mas um facto adicional). (...) Hoje entendemos que a diversidade e a diferença são valores positivos e factores importantes de progresso. " (Rodrigues, 2001: 22) Após uma breve apresentação do enquadramento legal português à inclusão e a prática da mesma os pais manifestaram a sua concordância com os princípios, reconhecendo-lhe vantagens. No entanto não são alheios à praticabilidade da mesma, reconhecendo-lhe dificuldades na operacionalização e também alguns factores condicionantes. A sua concordância com a inclusão assenta em três vectores distintos: o reconhecimento da igualdade de direitos, a valorização do convívio e da aprendizagem em comum e a mais valia que, aprender a conviver com a diferença, pode constituir no desenvolvimento da cidadania. Apesar deste discurso dos pais, ainda subsistem opiniões que apenas reconhecem vantajosa para a criança com deficiência a sua inclusão na escola, abstraindo-se dos benefícios comuns ao desenvolvimento de todos que uma escola inclusiva desencadeará. Senão vejamos: "Para as nossas penso que não faz diferença, para eles penso que vai ser muito bom. Mesmo muito bom, para eles.(...)Porque sentem-se integrados com os colegas, não se sentem rejeitados. Não é? E ao ponto de ser uma felicidade para eles é eles precisam de ser felizes. Não é?"(B4) 123 Torque velas nossas ceias cotre a mesma seiva Existe contudo um reconhecimento efectivo das dificuldades na operacionalização da inclusão. Os pais referem falta de formação dos docentes, falta de preparação das escolas, dificuldades económicas das famílias e dificuldades de aceitação pelos pares. Mas percepcionam a segregação como um entrave à aprendizagem desses alunos. "Se colocarem essas crianças de parte elas não aprendem. Ficam sem saber como é conviver com as outras."(Bl) Apesar de todo este discurso indiciador de uma forma de pensar inclusiva, alguns pais colocam restrições à inclusão, entrando em contradição discursiva neste ponto. Algumas destas opiniões são manifestamente exclusoras. "Eu penso que isso é uma coisa que deve ser e para mim é normal. Isso também depende de criança para criança. Há crianças com deficiências que se integram bem e há outras crianças que têm mais dificuldades. Portanto depende também se essa criança não vai, por exemplo, para uma sala de aula perturbar. Por exemplo... agora num jardim de infância é brincar e não perturba nada. Toda a gente brinca e toda a gente dá atenção mas... por exemplo quando chegam a uma primária é diferente. Porque as crianças vão para aprender e agora depende se a criança vai perturbar a aprendizagem das outras crianças ou não. Portanto há muita coisa que tem que ser posta em questão...eu por mim é normal uma criança com deficiência/XB3) "'Sei lá. se calhar para as nossas crianças não será tão complicado como se calhar para eles. Não é?"(B4) "Porque uma criança dessas se calhar não consegue ter capacidade para acompanhar os outros. não vai conseguir, com certeza que não vai. Quando chega a um certo nível como é que é? Se calhar não consegue acompanhar. (B4) "Pois mas mesmo assim será difícil não? Eu não sei muito disso mas não estou a ver como é que o F vai estar numa sala como no ciclo, por exemplo. Deve ser difícil e complicado. Até para os que acompanham e se desenvolvem mais rápido é difícil quanto mais para estas crianças..."(B4) Os pais referem nomeadamente que neste nível de ensino não há problema com a inclusão mas já pode surgir como entrave noutro nível de ensino. E é aqui que surge um dos pontos de reflexão que gostaríamos de deixar como contributo fundamental deste estudo. Em primeiro lugar gostaríamos de referir que, com base nestes testemunhos não é reconhecida à educação pré-escolar valor enquanto educação. A tónica é colocada no carácter lúdico que remete para uma posição de menor seriedade 124 (porque pelas nossas veias corre a mesma seiva face a outros níveis de ensino. A não obrigatoriedade deste nível de ensino não é alheia a este tipo de referências. Por outro lado o carácter académico dos outros níveis de ensino e o reconhecimento do seu valor social numa sociedade cognitivista e sem comtemplações ao nível da competição, coloca os alunos com deficiência evidente em notória desvantagem. Para os pais, do grupo B, a inclusão destas crianças nestes níveis pode constituir um entrave à aprendizagem dos demais alunos e todas as capacidades das crianças com deficiência evidente são postas em causa e negligenciando aquilo que, ao nível do pré-escolar, valorizam como experiências enriquecedoras de todos. Aqui se esquece a aprendizagem de valores, a troca de conhecimentos, e o direito à igualdade de oportunidades largamente referida nesta e noutras questões. Esta contradição discursiva clara não deixa muitas dúvidas quanto à diferença de conclusões a que chegaríamos se intentássemos este estudo noutros níveis de ensino/aprendizagem. Ao falarmos das experiências pessoais de relação com pessoas com deficiência, alguns pais referem experiências em contexto familiar. Contactaram ou contactam com parentes com deficiência evidente. Apenas um dos inquiridos falou de uma experiência em contexto escolar e outro nunca teve nenhum contacto com pessoas com deficiência antes da entrada do seu educando para o Jardim de Infância. Passaremos agora à leitura dos resultados das duas últimas questões, questões essas comuns aos dois grupos entrevistados. Convidados a pronunciarse sobre o atendimento a dar às crianças com deficiência evidente podemos organizar o que disseram em três categorias distintas: inclusão como vantagem; entraves à inclusão e factores propiciadores de mudança. Na categoria inclusão como vantagem os pais referem que todas as crianças devem ter oportunidades iguais no acesso à escola bem como nas oportunidades de aprendizagem. Defendem que todas as crianças deveriam ser tratadas de forma igualitária. 125 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva "Sim acho muito importante porque assim têm todas as mesmas oportunidades;.. de aprender."(A2) "Bem, como as outras crianças. Eles não tem <nripa deterem nascido assim. Eu acho que é como os outros, como as outras crianças. Só têm aquelas deficiências mais nada. São apenas crianças e.. .devem ser tratadas como as outras.. .é assim. .."(A3) "Acho que deveriam ser todos atendidos por igual, da parte dos professores e outras pessoas. Porque é assim, eu já hoje penso como é que será o dia de amanhã, da R- ir para a escola,... Não sei se ela continuam com visão se não continua...mas penso que ela um dia tenha sorte e que o professor que vá ter a veja como diferente."(A5) Estas opiniões são aqui apontadas como exemplo do que atrás referimos. Para além disto os pais defendem a aprendizagem partilhada, o desenvolvimento da escolaridade em contexto regular e, mais tarde, a integração sócio profissional das pessoas com deficiência. Os testemunhos que seguidamente apresentamos são disso exemplo e é de salientar que pais de ambos os grupos partilham estas opiniões. "E os outros miúdos também ajudam porque eu sei que o meu R (irmão de L) também tem meninos desses na turma. E por muito pouco que aprendam aprendem sempre alguma coisa. Precisavam era de mais apoio, do apoio de todos. E também de mais tempo. E os outros também aprendem a ajudar os mais fracos e assim... Também é importante isso* não é? Que todos colaborem para ajudar..."(A2) "Eu, como mãe entendo a importância de ter o meu filho nesta escola, seria muito triste que ele estivesse numa instituição mas entendo que há crianças com outras necessidades que se calhar teriam mais dificuldades em estar nesta escola ou noutra com menos condições não é?"(Al) "Voltamos à questão. Acho que as crianças deviam ser todas integradas porque eu tenho a ideia que se as crianças fossem ajudadas e bem ajudadas elas podiam ser úteis à sociedade. Há casos na Câmara (Câmara Municipal), a trabalharem. Pessoas com deficiências e desempenham bem as suas funções. É muito mais agradável ter uma pessoa a fazer nem que seja andar a entregar correio como é o caso de pessoas que conheço do que estarem enfiadas num buraco qualquer isolados. Cabe à sociedade também mudar um bocadinho de si e ajudar essas pessoas, integrálas pelo menos. Se a gente pode trabalhar...por exemplo um deficiente mental não é deficiente dos braços pode trabalhar não é?(...) E não é a sociedade estar a pagar para essas pessoas estarem num sítio isoladas, elas podem trabalhar."(...) Eu acho que todas as pessoas podem trabalhar à sua maneira, logicamente tem outras formas de serem úteis à sociedade. Se não podem fazer uma coisa podem fazer outra. (03)-.- 126 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Pondo as questões em termos genéricos, os pais voltam ao discurso inclusivo. No plano dos princípios não vêem problemas à inclusão mas o excerto anterior da entrevista B3, mostra como, na prática, quando se trata da eventual e imaginada perturbação das futuras aprendizagens académicas dos filhos, o seu discurso é bem diferente. No que se refere aos entraves à inclusão os pais apontam a falta de condições na escola quer ao nível das estruturas quer ao nível dos recursos; a atitude segregadora por parte de alguns elementos da comunidade escolar e, por último, a falta de apoios como principais factores. Esta falta de apoios é imputada ao governo e não se refere exclusivamente à escola mas também a estruturas de saúde e outras instituições. São os pais do grupo A que mais referem entraves à inclusão. Isto denota uma atitude de profundo conhecimento dos factos - é a experiência do vivido. Estes são apenas alguns dos testemunhos encontrados. "Essa é difícil... Se calhar deviam ter outras condições não? Não sei, eu penso,... não sei se os Jardins estarão bem preparados para receber, por exemplo, uma criança que venha numa cadeira de rodas. Não sei se estarão, se calhar não estão...não é? Porque existem degraus por todo o lado, enfim, porque se calhar as casas de banho não foram feitas a pensar nessas crianças. Enfim, não sei até que ponto é que as crianças, em termos de integração, o que é que lhes podem dar aqui? Talvez alguma qualidade de vida, não sei se poderão fazer muito mais que isso. Não sei se haverá condições para isso."(Al) "Eu acho que se calhar deveriam ter mais condições para essas crianças, que não têm. As escolas se calhar não têm...como é que eu hei-de explicar?... as condições se calhar necessárias. ."(BI) "Porque há professores que vêm diferente e põem à parte! Espero que isso não vá acontecer porque se isso acontecer a maneira que a R. tem trabalhado tem sido de superar. E acho que na altura se ela vir que lhe é indiferente se vai abaixo. Pode não ser, também ainda faltam alguns anitos. Quando chegar à altura também logo se vê..."(A5) "O governo também deveria fazer mais por estas crianças. Todos os dias há casos nas televisão...cada vez são mais e maiores os problemas. Alguém devia fazer alguma coisa por elas, mais apoios. E ajudar os pais..."(A2) No entanto os pais também falam de factores que propiciam a mudança e fazem apelo à melhoria das condições materiais da escola, à formação dos docentes, à articulação escola-família, visão que, em nosso entender, se aproxima 127 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva das preocupações expressas na literatura recente sobre inclusão escolar, sobre as relações escola-família e nos dados da investigação que esta literatura tem divulgado. "(...)eu acho que há mais facilidades que deviam ser implementadas e tentarfacilitar as coisas... Eu acho que o nosso país também não está preparado para isso. Não sei se algum dia vai estar, não é? A ... nós vamos ao estrangeiro e vimos que as coisas funcionam um bocadinho de maneira diferente, mesmo que a nossa legislação já vai mudando certas coisas."(B5) "Já sei que algumas não aprendem tão bem mas é por isso que eu disse que os professores deviam estar com mais formação, para as ajudar. "(A2) "Não cabe aos pais dizer que a educação está a cargo dos professores. Não. Têm que assumir as suas responsabilidades:-.Da mesma maneira, os professores têm que assumir a responsabilidade da parte que lhes toca.(.) Tem que haver uma articulação conjunta e nos não podemos nunca esquecer que uma criança é o nosso futuro. Não vamos dizer que a geração é rasca porque, se a geração é rasca, os pais foram muito "rascos", Foram de tal maneira "raseds" que conseguiram fazer uma geração rasca, portanto há que ter em conta que nós somos o fruto de quem nos criou. Há que ter muita atenção a isso. E aí é que eu acho que está um bocado longe, acho que há muito a fazer.(...) Eu diria que, é um trabalho muito árduo e muito duro para o professor e o educador. Essa articulação levada a sério e feita em consciência de certeza que constitui um trabalho muito árduo. Também não tenho duvida nenhuma disso.(...) E um trabalho que se impõe a ambos."(A4) De realçar o discurso de descentração em relação ao problema por parte de um dos pais. A tentativa de colocar-se no lugar do outro propicia uma visão diferenciada do problema. "Ninguém está livre de uma situação daquelas... Eu já me tentei pôr um bocadinho na situação dos pais da R.. Como é que eu reagiria se eu tivesse uma filha assim... E eu acho que, para já é preciso ter uma força incrível. "(B5) Na última questão colocada a ambos os grupos entrevistados tentou-se conhecer as expectativas dos pais face ao futuro dos respectivos filhos. No caso dos pais do grupo A os seus discursos situam-se muito ao nível das expectativas realistas desejando para os seus filhos uma aprendizagem em contexto regular e manifestam maior esperança no desenvolvimento pessoal e social do que no desenvolvimento académico. Apenas dois pais referem alguma esperança no desenvolvimento académico do seu filho. Contudo, é largamente referido o medo e a insegurança no futuro dos seus filhos como seguidamente 128 (porque peias nossas veias cone a mesma seiva ilustraremos, traduzido numa linguagem muito sentida e com forte fundamento nas experiências vividas. "As expectativas fàœ ao futuro do F, na área da educação, são muito más, muito más Primeiro porque eu não estou aver para o ano nem daqui adois anos. Estou a ver a longo prazo. Nós pais vamos melhorá-lo (ao futuro) o máximo que a gente conseguir porque o F já vai este ano para a escola." (...) "Se se sentir diferente porque ha mais amor acho que não há problema, se se sentir diferente por que é rejeitado é muito, muito grave. Agora na primária, mais coisa menos coisa, irá andando e depois quando sair da primária...E obvio que faltam unis anos, ainda não pensei, estou preocupado com a situação mas não ando amda a mvestigar no sentido de para onde vai, como vai ser, etCi Agora relativamente ao futuro, estou muito, multo séptico. Depois ele deixa de poder estar com o grupo! Depende da evolução. Imaginemos que ele até aceita estar numa sala sossegado uma hora, o tempo do professor, seja a fazer riscos seja o que for, depois vai lá para fora conviver com os colegas Depois é a tal situação! Se os colegas viveram sempre com crianças com mais dificuldades eles próprios o ajudam, eles próprios vão ter a preocupação de quando em vez brincarem com ele Dar-lhe alguma atenção. Se forem crianças que nunca tiveram essa experiência e, quando tiverem doze anos lhe aparecer uma criança assim,a rejeição é completa. A não ser que sejam crianças preparadas em casa pelos pais. Que tenham uma educação verdadeiramente diferente. Eu não acredito que isso seja a maioria." (A4) No que diz respeito ao grupo B os pais mostram ter altas expectativas face à progressão académica dos seus educandos mas também têm preocupações no que toca ao desenvolvimento pessoal e social. Desejam que os seus filhos tenham sucesso na escolaridade e atinjam níveis de instrução superiores aos seus. De referir que este aspecto nunca é referido pelos pais do grupo A. Desejam ainda que os seus educandos tenham uma formação baseada em diversos valores que desenvolvam atitudes de aceitação da diferença, tal como nos refere B3: "Pelo menos tento passar alguns valores. Quando ele diz alguma coisa: "o H foi isto, foi não sei quê", tento logo dizer e tento explicar que é uma criança diferente e que precisa é da ajuda dele e não das críticas dele. Logicamente tento incutir o valor...principalmente o valor da amizade e da ajuda. E gostava que ele fosse uma criança com valor um homem com valores e feliz."(B3) Globalmente poderemos inferir que todos os pais de crianças com deficiência esperam que os seus filhos façam o seu percurso na escola regular, nunca se afastando dos seus pares. Já os pais do grupo B, embora refiram defender a inclusão entram em contradição discursiva em alguns pontos. 129 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Principalmente no que toca à expressão de sentimentos, ela é muito mais evidente nos pais do grupo A que falam de medos, inseguranças e angústias. Estes sentimentos não são referidos pelos pais do grupo B e as suas expectativas face ao futuro são muito mais optimistas do que as dos pais do grupo A. Para além disto, parece poder afírmar-se que os pais de ambos os grupos vêem a inclusão escolar como uma mais valia para os seus filhos no Jardim de Infância, acreditam que existe inclusão no pré-escolar e referem que as crianças não demonstram dificuldade na aceitação da diferença. Ao nível do interesse investigativo seria interessante estudar o que pensam os pais cujos filhos frequentam o I o Ciclo de Ensino Básico, uma vez que, no nosso estudo, para os pais do grupo B, a inclusão poderá ser um entrave à aprendizagem dos alunos sem deficiência. A esse nível seria igualmente interessante estudar quais as representações que os mesmos têm dos docentes enquanto agentes da inclusão. A grande maioria dos testesmunhos encontrados é merecedora de uma reflexão atenta e profunda. De entre esses gostaríamos de destacar dois que nos pareceram de uma grande pertinência e actualidade: "A educadora explicou e aceitaram-na muito bem." A2 ... "Os professores deveriam estar com mais formação para ajudar." A2 ... "a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividde crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente da identidade pessoal. " (Nóvoa, cit. m Vieira, 1999:100) " Se se sentir diferente porque há mais amor, acho que não há problema, se se sentir diferente porque é rejeitado é muito grave." A4 Esta última afirmação remete-nos para Boaventura de Sousa Santos (1997: 30) quando afirma "(...) as pessoas e os grupos sociais têm o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. " 130 (Porque peias nossas veias corre a mesma seiva CONCLUSÃO "Peéeu (totetu veúu conne * meâm& àewa ttacU tu&U HM cUtóUtque a ttãa 401 a, HOMO, fapma,. Çmtoú &mo4 um ftùtfal". Nos últimos anos tem vindo a ganhar terreno a abordagem inclusiva da educação numa sociedade cada vez mais multicultural. Segundo Souta, (1997), o enfoque da grande maioria dos estudos situa-se nas diferenças de etnia, género, classe social e deficiência sendo as duas primeiras, as mais escolhidas como objecto de investigação. A problemática da deficiência apresenta-se, segundo o autor, como uma das menos estudadas e, assim sendo, constituiu para nós um desafio tê-la transformado em objecto de estudo. A terminologia ligada a esta problemática tem sofrido, ao longo dos anos, alterações condizentes com alterações conceptuais que, só por si, não asseguram imã efectiva mudança ao nível das práticas no campo educativo. Embora com outros nomes, as práticas pouco são tocadas e a literatura consultada dá-nos disso maior consciência. Por outro lado, a revisão bibliográfica que temos vindo a fazer mostra-nos, que o inter/multiculturalismo deve definir-se a partir da crescente diversidade cultural que povoa as nossas escolas para, nessa diversidade, identificar princípios e elementos comuns e com eles estabelecer uma prática pedagógica democrática e reflexiva. A este propósito, Cortesão e Stoer (1996: 42) acrescentam que "as aprendizagens que a escola suscita não poderão nunca ser obtidas sobre a destruição da imagem do seu grupo de pertença, contribuindo para o esvaziamento da cultura local. Ao contrário (...), terão que se valorizar também outras culturas para além da escola, estimulando, simultaneamente, atitudes reflexivas face aos processos globais de educação". 131 (porque pefas nossas veias corre a mesma seiva A criança, ao entrar na escola, traz consigo um verdadeiro legado de conhecimentos e experiências acumulados que não poderão nunca ser ignorados. A escola terá que encontrar formas de partilhar esse conhecimento tão vasto com o grupo, de forma a promover o crescimento de todos os seus elementos. É, portanto, na pessoa do educador, enquanto mediador, que recai a tarefa de promover uma educação verdadeiramente inter/multicultural, promovendo as pontes que nos aproximam sem nos descaracterizar. Os caminhos percorridos na inclusão da pessoa com deficiência e a perspectiva inclusiva em educação exigem à escola um esforço no sentido de renovar as suas práticas, já que as práticas e as atitudes face à diferença trilham, ainda hoje, velhos caminhos. Ao nível da literatura sobre as práticas inclusivas encontramos opiniões diferentes e, por vezes até, divergentes entre si. Por exemplo, Stainback e Bunch (1989)44 afirmam ser cada vez maior o número de pais e educadores que defendem a integração de crianças com deficiência na classe regular, afirmando ainda que as necessidades educativas destes alunos não deveriam estar sujeitas a um sistema dual (Educação Especial/Educação Regular), pois este, por si mesmo, pode ser um factor gerador de atitudes desapropriadas e injustas. Contrapondo-se a esta teoria, autores como Braaten, Kauffman, Polsgrove, e Nelson (1988), argumentam que nem todos os estudos apontam para a integração indiferenciada de alunos com NEE nas classes regulares e que, os defensores da "unificação" do sistema dual, não compreendem a magnitude do problema (Correia L., 1999: 33). Obviamente que há situações limite, felizmente muito excepcionais, que não comportam qualquer ideia de integração escolar. Como se depreenderá, de qualquer análise em que impere o bom senso, situações há em que os cuidados médicos e terapêuticos se sobrepõem a qualquer outra preocupação, não autorizando sequer o pensamento de inclusão escolar. Considerando ainda os limites à inclusão escolar, podemos destacar os que decorrem de situações extremas que ponham em risco a vida do próprio 44 CU in Correia L. (1999: 33) 132 (porque peías nossas veias cone a mesma seiva indivíduo e/ou a dos outros como por exemplo a situação de doença mental peculiar indutora desses comportamentos. Mas, ao nível da existência de condições de educabilidade, ainda que mínimas, nada é feito de forma segregada que não possa ser melhor feito integradamente. Ora não nos parece que isto ponha em causa a escola inclusiva. Ela, obviamente, não comporta a ideia de existência de uma estrutura dual que, por si mesma, tem uma natureza estigmatizante. De forma mais genérica, isto é, não se referindo directamente à inclusão de crianças com deficiência no sistema regular de ensino mas sim à ideologia de inclusão, Correia J.(2000: 22) salienta: "Aflrmando-se como um discurso particularmente permeável aos problemas sociais, esta ideologia tende, paradoxalmente, a preservar o campo educativo de qualquer questionamento social e político. A ideologia da inclusão procura, com efeito, fazer-nos crer que o mundo da educação se declina numa linguagem organizacional construída na utilização indiscriminada de um conjunto de noções (...) seria capaz tanto de gerar respostas adequadas à diversidade de interesses dos destinatários como de assegurar a conciliação de interesses contraditórios". Mas o conceito de escola inclusiva não é contraditório (bem pelo contrário) com o paradigma do conflito. Este último, quando utilizado com finalidades pedagógicas, leva ao desenvolvimento de práticas inclusivas criativas e inovadoras. Por outro lado, o facto de o currículo, na nossa sociedade, apresentar um forte pendor cognitivista dificulta, obviamente, todo o processo educativo na sua maior abrangência. Contrariando esta tendência defendemos que o currículo escolar não pode ser estático e inflexível mas que deve recorrer à sua plasticidade para perspectivar práticas educativas adequadas às características dos alunos reforçando a sua auto-estima, respondendo às suas necessidades, valorizando as suas diferenças sócio-culturais e estilos cognitivos. 133 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Apesar de todas estas incertezas e das diferentes teorias e estudos efectuados, parece-nos que a escola inter/multicultural será a que mais se aproxima da possibilidade responder educativamente a todos, independentemente das suas características biopsicossociais. Se defendermos ainda que as crianças com deficiência são mais um grupo minoritário dentro da escola e se outros grupos minoritários existem e coexistem, então fará sentido falar de "bilinguismo cultural"45. Desta forma a escola deixaria de ser a escola inclusiva e passaria a ser apenas "a escola". Nesta linha de actuação poderá promover-se o verdadeiro entendimento da diversidade e o atendimento à diversidade de todos os alunos, tendo eles deficiências ou não, numa visão holística do ser humano, no verdadeiro caminho da inter/multiculturalidade. Tal como nos refere Nunes R. (2002: 71) "Se vivemos nos mesmos limites sociais, nos mesmos universos discursivos, não causará espanto que sejamos semelhantes. Mas no conjunto de variáveis em que vivemos mergulhados e de que somos parte, há trocas, há recombinações que nos tornam singulares e irrepetíveis. " Outra vertente que a nossa revisão bibliográfica assumiu foi o estudo da relação família-escola e as particularidades que esta pode assumir quando influenciada pelo factor deficiência. A ideia de aumento de dificuldades relacionais aquando da presença do factor deficiência, particularmente nos casos de maior melindre, pode ocorrer uma vez que, os intervenientes se encontram fragilizados face a dificuldades acrescidas. Temos a percepção de que há um longo caminho a percorrer no conhecimento das particularidades desta relação quando é influenciada pelo factor deficiência, parecendo existir uma enorme escassez de estudos nesta área. 43 O conceito de bilinguismo cultural é referido por Luísa Cortesão em diversas publicações de sua autoria. Para esta autora "(...) o bilinguismo cultural é uma tentativa de conciliar o que Sousa Santos chama de lógica baseada nas raízes com outra baseada nas opções: « a lógica das raízes é pensar sobre tudo o que é profundo, permanente, único e singular, tudo o que dá segurança e consistência; a lógica das opções é pensar sobre o que é variável, efémero, substituível, possível e indeterminado com base nas raízes» (Cortesão, 1999: 113) 134 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva Por outro lado, é dado aos docentes e outros técnicos da escola um papel preponderante na aceitação pelos outros, das crianças com deficiência evidente. Se se entender que estes pais são primeiramente pais e depois pais de crianças com deficiência, percebemos que às suas angústias normais teremos de acrescentar todos os outros dilemas e dificuldades de vários níveis. O incremento de uma verdadeira relação escola-família, em que a escola se abra a uma comunicação mais horizontal e ao seu permanente auto-questionamento, permitirá aos pais um melhor conhecimento da instituição escola, dos seus valores, das suas práticas. E aos docentes aprender com estes, valorizando o conhecimento que têm dos filhos, facilitando-se assim a aprendizagem de todas as crianças. " A ideia de educação inclusiva remete para o sentido de comunidade. E não há comunidade sem comunicação. " Nunes R. (1998,6) Parece-nos que, se se tomasse consciência dos ingredientes afectivos e intelectuais de uma filosofia inter/multicultural traduzida numa prática em conformidade, não seriam necessárias preocupações com a inclusão, já que essa filosofia a consubstancia. "O reconhecimento do outro é, de si, desencadeador de complementaridade e, nutrida que esta seja na reciprocidade, se transfigura em crescimento emancipador ...nem que seja 'no sonho na poesia ou na loucura'". (ibid: 7) 135 (porque peias nossas veias corre a mesma seiva BIBLIOGRAFIA E FONTES BBbiografia AINSCOW,M (19%), Necessidaaw Especiais na Sab de Aula- Um Guia para a Formação de Professores. Lisboa, Instituto ^JtwvaçãoEducacàMal-Edições UNESCO. AINSCOW, M. et alL (1997X Caminhos para as Escolas Inclusivas. Lisboa,fostilutode Inovação Educacional. ALARCÃO, M. (2002). (Des) Equilíbrio Familiares. Coimbra, Quarteto Editora. AMARAL, L ( 1998> 'X^ntinho do sucesso." la Apoios educativos. Lisboa, N.° 1,14 ANDOLFI, M. (1981). A Terapia Familiar. Lisboa, Editorial Veja. AQUINO, X G. (19%y Diferenças e Preconceito. S. Paulo, Summus Editorial. BAIRRÃO RUIVO, J.( 1981). Subsídios paia um modelo de integração. Encontro sobre Me^açâb da Criança e do Jovem Deficientes.IMxja, -25. BARBOSA, J. 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Programa de intervenção dirigido pelo professor de educação especial Aluno frequenta escola especial. Programa elaborado por especialistas entre os quais figura o professor de educação especial Aluno recebe serviços de educação especial no seu domicílio. Programa elaborado por especialistas entre os o ^ k figira o r»qfessor de cdnracao esoer"' Aluno recebe serviços de educação especial em instituições especializadas Mais restritivo (hospitais, lares e EPSS). Programa elaborado por especialistas Adaptação da cascata de Deno (1970) por Correia (1977) Menor número de alanos ANEXO 2 Questões - Situação A .Acha que p Jardim de Infância teve dificuldades na inclusão do seu filho? . De que tipo? (só se efectua esta questão se a resposta à questão anterior for afirmativa) .Como pai (ou mãe) o que sentiu com a entrada do seu filho no Jardim de Infância? . Na sua perspectiva, como reagiram as outras crianças à inclusão do seu (sua) filho(a) nas actividades regulares do jardim? . E os outros pais como reagiram? . Pensa que o seu (sua) filho (a) está feliz neste Jardim de Infância? . Porquê? Questões - Situação B . Quando matriculou o seu (sua)filho(a)sabia que tinha crianças com deficiência na sua turma? Qual a sua opinião sobre isso? . A legislação portuguesa legitima e incentiva a inclusão de crianças com deficiência na escola, já que o direito à educação está consignado na Constituição da República Portuguesa e há leis que determinam a obrigatoriedade de frequência para todas as crianças até ao 9o ano de escolaridade. Por favor comente esta afirmação. . No seu percurso pessoal teve alguma experiência de proximidade com pessoas com deficiência? .Que tipo de relação? (relação pessoal, profissional, familiar ou outra) (Só se efectua esta questão se a resposta à questão anterior for afirmativa) Questões comuns - Situações A e B . Por que motivo escolheu este Jardim de Infância para o seu (sua) filho(a)? . Na sua opinião como acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? . Que expectativas tem face ao futuro do (a) seu (sua) filho(a)? ANEXO 3 Grupo A (Análise de conteúdo das entrevistas efectuadas a pais de crianças com deficiência evidente, afrequentarJardim de Infância) O -d s c» O -d S "o o GO o CA s a -O' *T3 es "d es At oa «8 •O" «8 U u eu -*•» ta <u es S o o 3 < 1 G0 es a o & <*> O 09 CU ca -o o GO S o* « © **3 o 4> tas o yflM. o «g es D. O S e U t» 1 o -ts 00 es Pu, •w-4 P •3 ¾ o - WJ «s «a 4» O es d 1O CS CN PH O a ã •M ■*«» a eu "w u 3 er -o eu 3 O" *eU eu eu §•< 3 ce O xs «N S s L-. ' O N ia, Chi x> eu o Ou PO. m a> £ > ce <8 SO. s 43 eu 4 -¾ S? O tes CL, eu eu * S g i eu **-4 "3 a •M •H Q in -« «a e 9 0) • <* 3 .PS > SS 3 " <! "S eu *• a *•« d. 3 3 4> -O : ^ 8.2 .§' 00 O b s M -¾ "O • M S, a S CO ■a eu o "3 U O eu CL, a. S o eu «S «es e S ^ o e» < ■° £ 5 l*ï eu u S ca eu tfi 11 03 a> u eu 3 S gr es S §1 PI o o. ST -o ■s eu u CS S <2 3 <U T 3 -a ai O* eH eu 00 ©6 a o x> 00 0 o 3 O es cet es eu e  < S" 00 eu S o -S g » «fer3, -c o s 00 00 s •M C3 -' 'JE* CU 00 •| M Si O- « ■es ■-a !» es es» a ■s es •^ TS ta è I es £9 «m fa O TJ O o Ci -S3 e es u -** «a t3 es O ■"O «es «a - s «♦H O cu V es o JM < o o u 2^ ON 2 a ï * ta w w depo is com "Eu tenteivia. Então e a consciência da seicied explicar que el atinh aos iúda associou que erauí va, pulava."(A àn problemas vezes diz: - m « C o k amig blem C 2L « s «T g" 5 ~ 1 U o ja ^"3 sa» ft* I « ey 3 s« o «- a vê-se q AR. não do e (A5) uma co sciê ia difer com qu ela sceu m e a R b inca e cola „ jlan trás , que a consciência colectiva os assim por queen t uma doe roblema que ela tin ha e brin - . 3 > o cr g § 3 2 <a es -§ e +* 1 o 2 es a a > 5K: s£ a 4> +* S 3 § S cá a es o. e e g » <« » 2 U 3. S3 <r> 3 » B S ~43 T á es -¾ S » o I & Scsi es H * ** 3 es ... •S s 3 O. ^ o «5 C 3 S % £ *3 «" I a ^ V O a> 43 «S '5 O u 'o JS CA 0> ne na •M d S o es d © -d a d O ■o o se d .a os o SC •a so O O «es a <u «J PH I _es o s o « O W -cá u o. S 1 3 <o u k. oo <u ? •S (S scd»* o>» Os N !a o" W « * 5 §.2. » § e2 « «, o Sag* n . 3 « Êf S 2 § 2 S 2 9 8s w u 3 81 5.8 5 a*-> «> «s s . g ^ S3 ** ^OH K ^_J U N Ë ¥ .2I- " Bes a« s- 3 -3 3 — S3 g » g •§ J l st, > — -tu e T3 es es O o O 8 '3 <u S .Ë O .Z b 1? as su <u ft «* b <U «> a 8 2" » 2 .2 _ u es . 5 ¾ ¾ es .O S -S co S v 8 _ « ""* a o> 18 w ce II e ff a<a§a •* o g » * °"2 w g a g .2.5 « g t*> u co Ë. O § o 4s S-a &. o •o <u o, C0 es ■3 co O CO O 2 as C T O-. O - ■+-* 11 feo SA O ■ * * a C/3 en eu 13 S a "■S atu < es • 08 O g - < . C O c o" es co ■ w •B s ggË o.a2 •c •"• -O o co ^ X! 3 * Su2 -S 11 ça w c g. si ; aill 8.5 s^>« g2 w 33 "S co 5 en *eS <4> 3 S .2 -ts • 3 -b JI co O a «3 « es ■ ° V TwJ *«3 fico co o < u •■9 .-s . g. ë eS Ë es ou O 3 s S.' et P. <*» a H e a" -2 t | ^ es o o ■Sa !! .ïï es .2 c 2 " S 3 ° u •§ «s s s 5 •30 a .a lî il a s < g K w 3-3 *í|í OH S co 1:3 «u t a : a 2 co es -es 2 11 * ^ N R C 85 . 8 22 S 8 • 3 (U i 2 o o ai V lit *° £ .s 3 > MU B .2 o a - O •s* •s <u .a es O C « M <u U «u •» 8 , Ë _es cr 3 S « d Ë o es "S ■S CT o -Sa o •<u Í-T.H i i o g 1 8 Pá U •c » 7 3 13 t>0 «5 C0 C "O g s g § « •u â 8 a u S 3 ^ M S«2 . es "> 5 u 3 O" M) - S u g T3 S — U S O " . 2 , s" £ - 3 u S a\ Z. » «a a .a S -S s «« ÇetO B0U o« xies qj ci *" ■ OH +Z u S W flj |M 03 3 5 • *® is 8 O Ë 53 » îî 3 S-S S g Ë es (7 u rf S «i Ë S. a co u Ë <u a S CO S 3 g 3 « g d 1) S > A •3« 2 r-« es a 3 'C - J> *C C Ë «s CO <u 5" O S O es «S es o o. u c OH •Ë Ç 3 53 83 "S co w g S'S i « 6 O °",2 S rt <o et "2 fi g 2 3 ■§ 3 - .a gRN ars« f. g«2. Ë5 S . - -: õS S S^ o -S a o 03 g 3 •S Sfc g 2" g. S »? & «>o « o S u JB M 83 O 5 U S °" B o iSl es o 0,.¾ S 3 S S •HU co O o* 3 CO T 3 '3 es U | | t * s* » o JB S w>T^ "C a D o "2 3 0« 2 o" . : u es u a« es CS co 0 ^ u 3 CT S'il «s I B /—s O es « •s I .§ 5 a g « -a o 3 cr <u "cS O" S S « S & 3 > «i o o m o a g «s a -K > •*> S3 S SS _. » es « <u JJ ta es "X, -2 u «> co - g I p. O « O I <« < " ^ OS X * 3 B. o. u co i^. -2 " « « 1¾ a S er o O co T3 et 3 o ■ * 88 09 * S K C U o sa > Sá ■8 1*3 a1* g g ANEXO 4 Grupo B (Análise de conteúdo das entrevistas efectuadas a pais de crianças sem deficiência, cujosfilhosfrequentamas turmas de Jardim de Infância onde estão integradas as crianças com deficiência evidente, filhas dos pais do grupo A) o VI eS d "a o Vx O es t« CO o o "» eu o M 4» s "S I e o u I I ■a a. Si M O W » -S g. ■» ° 3 11 ** i «Il .ts S es es _s s 3 B 2; 3 es Xi *- 3 "O S õ «2 g m u a " 0 ru. es s u es o o -3 en 4> "3 V Xi eu CO J3 s a u 3. 3 tn o- »]S -o 3 O «a « m eu b SÍ * eu 4> J3 o a a «u o ^ w ,2 eu oh ^*^ rs ES es H o B o O 2-2 un u S « m o S - es a 1 1 a,; «s * î e a-rO ia 28 S b 4> -es « eu to _• "3 o g, a- eu oEt S. B a> a* es O J3 M eu en c 21 1 I 51 ■♦* •2 * 5 1» KM II ir u .2 "3 a > g CO a o eU T3 u 1 ^.1 ¾ es u » s! a « 2* ° es s — 3 res u* K i- Re. lC u 1u ■ a e a « *3 a 3, o cr S «• 2 « i i •s a S g.? c « 1S? aHesft a s ■S o 3 , «s S a g s a o «u cr m o ! a8 6 ■a es •O u w Isa S Es t. si 4) to -H «a ■o a 2 n * ^ O <u v a 09 cr «en a ?1 £ S ea** •3 Jî es u o a « e> e3 <«, a /—..ts g'S s es u S 0.2g t S3 6 is ■ es .« 0¾ II « S - sE« C2 —> h s *■ cr » es 2 a . -S e S CO eu — to en 5 « co S w » B 1°-? w s .S3 T a 2S a 3 a s s s E/l eu _ es 0« on — h es |2 8 '3 eu « 2o a S CU £=3 ó « a 6.3 a '3 o eu •a s a co *** S ai « a • i1 " 2s es **~* ™ v ■c 5- S- S 3 es a * 3 S ** 3 * 2 «2 .s « Il & a o I3 s a s CL es s ° S t9o °PI 4) ■a • S3 u a o a CL, S.-s Si «3 >4i ■c es **• es » a eë cr,> S3 co a 'S2" ce) «o "O <§• » 5 •§ b es to eu 3 ■** g „ » » -o u 55 a a a* to tu •o a eu t* s g. e s * ■o i es © to O »to -s 60 <S g. .1 a a et to et a. eu 9 s-s b u> es a a I eU S* (M S* eu ".a o -c 53 •» * o" ea s 111 E 3 g o i IVs s I l S 8 S.SS W 5 —< b o 3-8 8 2 s * 8 « S w | .I , . S O! ■S o M « 8 « «3 "u• * sa 3-2 3 „ ?8 te ï O co +- §.« S ** £ et o O a BS c SB O « g T3 w g S S O C _ <D fS a gl l5 M •S '3 2 0 «g«g| S ° g 8 s o 2 " erwt £ o. «a » «a •o o jd 01 o ■*•» ' ■ • * * • ■ ' D cA g <t> Si ■5*. M o-a !>'£ S. fi S 2 § » 111 o-° a o u 3 O J5 S : 5* CP -<SJ cti o .i» CS fl> «0 k es o ill u CU O U es * S l i « « S' e s •£ „° " e>-< S «» .2 • S M •9 ■— fi Ç8 cfl — 1 co U tj cfl CU s O cu s g o O ta co « C S S U 3 •agi si s Si d eu 52 u M I lit cu u 5 S o B O. .S S S ' a 9 U 3 1 3 <U 3 B es es . g CO 3 0"<. O (U s« es I a <U TS « CU GO O 73 O ies o Cu eu cu u PH O "* "S 9 s o .ae g a e1 I 6« <S es co -â s 8*2 § CO •PN cu 2 O en O pfi J3 ° o cr °" a o § «» &8S. e|4S » a S ^s -° «J u o 3 es c es u es ; §■? T3 a° s g m CO «a a .2 « 5 tí P o S> N o «8 8 . 3 o a c si ill : « o 4> es a S O co S a o n ■4^ ils 13 es u «- «S tu rs es fl 2 j? © .S wg O o a* eu w <i. S (31) s r*: CO u OT k t g cu -«* «n s «2 S S3 s es a cr Si 3 •>es íS «a co O •*N ■o. S» SSg- g » •O o s s rt o- fi ÍJE » 3 - 43 ^ Ps s s fe a 'w ca es a S o S M <» o O tes xn a u ~ "ês $ > ° c3 e« ca J3 •t»:' *o O *o -#-» ■O : es que a m cri is, m • O CO S5 ? s ° OT es eu VJ eu O <s eg CO I I ! 43 o "S u * « N et) 1 S M «D | s «Q M «U H S U /—s 1 3 CN p f i SB -S 3 S. «! u .g 11 fc-S s | sI ■g.1 at a er e ■o /—« 3, If ■o d a «S «•g •> « * S3 4> 9 I » o o «s s - «a u fi 0> £ es .3 fi S "S S w e a •3 S S S3 o ■S s 1 s « u <n es si O IC8 O es es ki 8 0S a o a 04 *WD .S a s ^3 *» «u "S ca -O « _ 81 es <u h S v g< j ¢/3 . 5 es WD « es fa "O o IS « S3 Q> *3 2 S € »9 es 4» M -o S 2 3k§a s ©s <u cet S s o ai "S œt § 8 I •S g Õ o O, J3 o to «o 04 ce) O o "O o -¾ e ° ;s - « «. S a — w o ° sa — O a O- aw a ii C "S Jfi C 3 SO vuS « — je 5 * 3 s„ s Si I a • * s« B _« S: ë? es ■MM *T3 8 JS s M S ■ 2 o ^ C/5 •§ ,_« 0» a §1 GO <D cet to es <u C A /-t O 03 ? 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I +-* Plis .—, S S. i l si T3 4> B as Sa 5..2 o M a. « § a s >s a il*!" 1 5 ïIss ■o 3 fc BI Õ g ? u s en es «S ■*■* s o 4> O tea « ti s-» Vi 9> WD S Vi es u a <he> .v «*H es r> 9 Vi Vi 4) U en O S <u •** VI S en O U O CA O tes e> es S «2 a GA O <U IO N w es u o es o b <u es u •+* l/J s *©s en 3 O »e8 S Si" o es 04 es •g 3 S3 ■s S * s es M S eu Ml * * S £ h-1 C S M go S o o S «3 U o S 2 S l-N >• S 55 S T . 2 O <o u - "§."«> O" § * 5 » .a 2 ° s l l l l § g § 1 1g Ë • « OH 2 O « «w " f i s . g a 2 3 « o a Ë > 0 O — » O M « o 9 c ai _ O Ja « 2 « -3 _ .2 M S All) S. ft g»" g â 0.« a g ■48 cr d s o > • c 3 W : 1. a H 8 rf^8 aâ g Is g o g «a « g -* * B fii * I l * S §•§■ o et S *Va a 3 a 9, s « 0 « w 2 fe » a — — P8 eS s T3 »— w ai > - ^•o S . - o ï» 3 g J S Ë w s £2 S . 9 B S u 2 «-H « Ë s •§ S 2 u 5 S _e «1 - 2 » i ( t eoS *ï ai ri H 1*- a* «S "5t —. 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Foi-nos proposto que o apoio fosse dado lá e nós concordámos. Era perto e assim o M tinha mais contacto com as outras crianças. A minha mãe é que o levava porque eu estava a trabalhar e o pai também. Só tinha um bocadinho de receio porque ele era muito grande e desequilibrava-se muito, ainda não andava bem mas era importante ir e foi. Depois quando chegou aos três anos foi mais fácil. Ele já conhecia o espaço, os meninos e também todas as outras pessoas que trabalhavam no Jardim. Também era o Jardim queficavamais perto de casa. Entrevistador - E já conhecia o Jardim de Infância anteriormente? Al - Não. Não conhecia o Jardim nem ninguém de lá. Sabia que havia este Jardim porque passava por lá as vezes... lá à frente. Entrevistador - Acha que no Jardim de Infância houve dificuldades na inclusão do seu filho? Al - Não. Penso que não. Todos foram muito receptivos. Ele também só ia aos bocadinhos. E só nas horas do apoio. Assim foi mais fácil porque ele tinha uma pessoa só para ele. Nunca me apercebi que ele tivesse qualquer dificuldade... mesmo quando ele começou a vir sem ser a tempo inteiro. Aos 3 anos ele já estava adaptado e correu tudo bem. Nunca me apercebi de dificuldades nem houve restrições, ele participava em tudo e até era muito protegido por todos...era a mascote lá do sítio. Entrevistador - E como mãe? O que sentiu com a entrada do seu filho no Jardim de Infância? Al - Senti-me bem embora um pouco receosa da reacção dele. Mas...ele tinha uma pessoa sempre com ele e não era por muito tempo. Foi gradual... tanto para ele como para mim. Houve sempre muita receptividade da parte de todas as pessoas e não... nunca vi qualquer entrave fosse em que aspecto fosse, antes pelo contrário. As pessoas disponibilizaram-se sempre que foi necessário eu conversar com elas, sempre que foi necessário esclarecer dúvidas, sempre que necessitei de informação. As pessoas disponibilizaram-se sempre e foram sempre receptivas a isso. Entrevistador - Na sua perspectiva, como é que reagiram as outras crianças à inclusão do seu filho nas actividades regulares do jardim de Infância? A 1 - Eu penso e por aquilo que me era dito que a receptividade foi boa. Penso, embora fosse um bocado estranho, quando o M veio, no início, ainda usar fralda por exemplo, ainda vinha de chupeta mas penso que isso foi, foi bem aceite; até porque ele foi evoluindo ao longo do tempo - não é? As crianças faziam perguntas e foi-lhes explicado que o M era diferente. Eles aceitaram muito bem. Isso acabou por cair no esquecimento e superou-se bem. Não, penso que não. Não houve problema nenhum. Entrevistador - E naquilo que observou, nos comportamentos em termos da escola? Da relação dos adultos com o M, das crianças com o M? O que é que pensa dessa situação? Al - É assim, eu já disse um pouco o que penso. Todos reagiram muito bem. Um dia aconteceu uma, uma situação curiosa que... eu gravei na memória - não é? Que é assim o M teve muitas dificuldades em termos da linguagem, em termos de linguagem o M teve muitas dificuldades e eu lembro-me de uma vez ter vindo aqui ao Jardim de Infância e...houve... ele falou com uma menina mas a menina não percebeu nada do que ele disse. E eu disse: - Ó filho acho que a menina não percebeu nada do que tu disseste. E a menina respondeu assim: -Não faz mal porque a (nome da Educadora) já disse que o M é o nosso bebé grande! Portanto eu acho que isto diz tudo. Eles viam o M muito grande, porque é grande fisicamente, não é? E talvez lhes fizesse um bocadinho de confusão porque é que o M era tão grande e nos dava a ilusão óptica de que tudo deveria ser de acordo com o tamanho dele, quando na verdade não era assim. Portanto eu acho que a resposta da (nome da Educadora) ou digamos assim, a (nome da Educadora) salvaguardar a posição do M aqui, foi muito bem escolhida esta frase... Pronto o M foi visto como um bebé grande. Que é de facto uma criança grande, em tamanho, mas que o resto, pronto, acompanhará ao longo do tempo precisa de tempo. Mas este momento marcou-me porque eu vi que para as crianças estava tudo bem. Elas aceitavam o meu filho, com as suas limitações. E obvio que com a ajuda das educadoras, não é ? Mas havia uma atitude...e foi isso que me marcou. Entrevistador - E em relação aos pais, aos pais dos outros meninos, como é que acha que eles reagiram? Nos momentos que esteve com eles quer nas reuniões, nas entradas e nas saídas, inclusivamente nas festas do Jardim de Infância? Como é que acha que os pais reagiram à presença do M? Al - Eu acho que no início a presença do M suscitou alguma curiosidade. No início, quando ele vinha temporariamente (antes dos 3 anos de idade), e depois o porquê de ter uma educadora que lhe dava mais atenção a ele do que aos outros meninos, inclusivamente porque é que a Educadora de apoio dele não poderia estar com os outros meninos na falta da Educadora da sala. Acho que isso foi um bocado difícil para os pais aceitarem e... suscitar algumas dúvidas, não é? Talvez porque também não fossem bem esclarecidos que aquela Educadora estaria aqui enfim, com um objectivo não é? E que além de estar aqui tinha que se deslocar a outros lados porque não existe só uma criança M! Existem muitos M, ... infelizmente. Mas depois isso ficou esclarecido numa reunião e acho que todos entenderam Mas para além disso não me apercebi de mais nada. Nem nunca ouvi comentar nada. Também nunca soube de nenhuma atitude que fosse menos boa em relação ao meu filho. Penso que hoje as pessoas são mais educadas. Educadas no sentido de saber dar valor ao que uns pais como nós passam e está sempre a falar-se nisso nos meios de comunicação social. As pessoas assim sabem entender melhor apesar de ainda haver muitos que só se ralam com a sua quintinha. Mas... mesmo esses têm obrigação de perceber que estes problemas não são só da família mas de toda a sociedade, não é? Entrevistador - Acha que o seu filho está feliz neste Jardim? Al - Ai acho que ele é muito feliz neste Jardim! (Com expressão alegre e riso) Eu acho que sim! Sem dúvida! Entrevistador - Porquê? Al - Porque eu acho que o M é uma criança muito feliz e porque eu quando lhe digo: - M tu vais para a escola primária, vais para a escola (nome da escola) e é uma escola grande... Ele quer levar estes meninos todos e quer levar (nome de todas as educadoras) e quer levar toda agente com ele. Portanto, se assim não fosse eu pensaria... ele tinha que ir, e até ia de boa vontade e sem falar nos amigos e nas Educadoras não é? Isto para mim é muito importante, é sinal que ele está bem nesta escola e que gosta de lá estar. Ele gosta de todos e por isso faz questão de os levar, isto é muito sugestivo. (Faz uma pausa e sorri, depois continua). O M sempre gostou de vir para a escola. No início até perguntava ao fim de semana porque é que não ia aos meninos e tivemos que lhe explicar que a escola estava fechada porque a (nome da educadora) estava cansada e tinha que descansar. Agora vai ser um problema porque ele quer que todos vão com ele...ele quer todos na primária. Entrevistador - Na sua opinião como é que acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? Al - Como?... (momento de hesitação/pausa para pensar) Entrevistador - E quando falo de deficiência falo da deficiência visível, dos casos de deficiência evidente... Al - Essa é difícil... Se calhar deviam ter outras condições não? Não sei, eu penso,... não sei se os Jardins estarão bem preparados para receber, por exemplo, uma criança que venha numa cadeira de rodas. Não sei se estarão, se calhar não estão...não é? Porque existem degraus por todo o lado, enfim, porque se calhar as casas de banho não foram feitas a pensar nessas crianças. Enfim, não sei até que ponto é que as crianças, em termos de integração, o que é que lhes podem dar aqui? Talvez alguma qualidade de vida, não sei se poderão fazer muito mais que isso. Não sei se haverá condições para isso. Entrevistador - E não acha que é importante que as crianças estejam dentro da sua comunidade? Al - Muito, acho que é muito importante mas também acho que é importante criar estruturas para isso, não é? E criar as condições...Não é colocar as crianças num espaço porque tem que ser. É importante ter meios adequados para a criança poder estar e aprender como as outras e acho que as escolas não têm isso. Ainda está tudo muito no início e ter uma criança numa escola só por ter não é para a criança nem para os outros. Ainda há muita dificuldade não é? Eu, como mãe entendo a importância de ter o meu filho nesta escola, seria muito triste que ele estivesse numa instituição mas entendo que há crianças com outras necessidades que se calhar teriam mais dificuldades em estar nesta escola ou noutra com menos condições não é? Entrevistador - E que expectativas tem em relação ao futuro do M? Al - Isso é um bocado complicado... (risos) Eu não sei. É assim, eu não tenho grandes expectativas, ou seja, eu não tenho grandes ambições para o futuro do M. Não me preocupa muito se ele vai ser médico, se vai ser engenheiro ou se vai ser arquitecto porque eu acho que também são precisos os enfermeiros, também são precisos os bombeiros, os pedreiros e essa gente toda... É assim, eu só quero que o M seja um...um homem bom. Se eu conseguir isso o meu objectivo está atingido em relação ao M. Se ele for um homem bom ele consegue ser tudo o resto. Entrevistador - Obrigada. ENTREVISTA A2 Entrevistador - Por que motivo escolheu este Jardim de Infância para a sua filha? Como foi a escolha do Jardim? A2 - Foi uma situação muito difícil. Inscrevi a L. aos dois anos e foi feito... portanto, falei com a directora da escola e disse que a minha filha tinha alguns problemas, e então marcámos uma entrevista com a L. e a pessoa, a educadora, e esteve a ver como é que a L. reagia e pronto. Realmente foi-me dito que davam uma solução ao problema dela. Eu esperei e nada foi feito. Depois disseram-me que a L. era uma criança que realmente tinha problemas, que era muito difícil comer sozinha, ir à casa de banho e que...enfim, não a aceitaram. Deram uma desculpa, que não tinham muito pessoal e que era difícil lidar com a L e que ela tinha problemas - isso eu já sabia, não precisava que me dissessem. Como eu tive que ir a uma das consultas a Coimbra falei com a terapeuta da fala onde me disse que tinha que haver uma solução para a L. e tinha que haver um escola. Ela precisava muito de contactar com outras crianças para aprender mais e desenvolver a linguagem. Os problemas físicos não podiam fazer com que a recusassem. Então escreveram uma carta para Leiria e foi através dessa carta que me enviaram então ao Jardim de Infância de novo. A L. voltou lá, já era outra directora... outra directora e então a L. foi aceite naquela escola ao fim de um ano. Isto ao fim de um ano. Ora ela na altura tinha dois e entrou na escola com três anos. Depois foi-me dito realmente que ela era uma criança que não era aquilo que estavam a pensar, que ela já fazia tudo sozinha, ela já ia à casa de banho, que comia...foi assim uma coisa, que pensavam que ela que era muito diferente e realmente ela adaptou-se muito bem na escola e continua lá. Entrevistador - Então e porque é que escolher esse jardim? A2 - Porquê? Porque tinha que ser um jardim onde a L estivesse mais tempo porque eu precisava de trabalhar e não tinha ninguém que me ficasse com ela. Sabe, nós não somos de cá e não temos cá ninguém. Tinha que ser um jardim como este e nós não tínhamos muita escolha, este era da segurança social. Os outros particulares eram muito caros. Para mim foi muito difícil porque quem nos recebeu pela primeira vez foi uma assistente social e eu vi que nada fez, onde devia ser uma pessoa que realmente me encaminhasse e me ajudasse e nada fez. Anotou no livro de anotações dela que me telefonava ao fim de oito dias e esse telefonema nem foi feito nem nada disso ficou registado. Nada. Foi como se nós não tivéssemos lá ido. Nada, nada. Entrevistador - Acha que no Jardim de Infância houve dificuldades na inclusão daL? A2 - Da primeira vez sim mas depois não, não teve. Penso que não teve. Ela reagiu muito bem e eu fiquei com medo que ela fosse um dia ou dois porque ela queria muito brincar com crianças. E felizmente ela adaptou-se muito bem e as crianças a ela. Até a protegiam. Diziam que era a menina, que era a bebé, que era a filha deles e foi muito protegida pelas crianças. Entrevistador - Ela participava em tudo, então? A2 - Sim ela participava em tudo e também sabia fazer tudo apesar das mãos. Desenrascava-se muito bem e a educadora ficou muito admirada com a evolução dela. Pensavam que era muito pior e que ela não ia ser capaz de fazer nada. Mas ela fazia tudo...às vezes tinha um bocado de dificuldade numas coisas...mas noutras não. Entrevistador - E como mãe sentiu alguma dificuldade na entrada dela no Jardim de Infância? A2 - Da primeira vez tive muitas dificuldades em aceitar...não me terem telefonado... fez-me perder a hipótese de um emprego. Não tinha ninguém para ficar com ela e tive de deixar de trabalhar. Foi uma fase muito difícil da nossa vida... estivemos quase a voltar para a terra. Só não voltámos por causa da escola do R (irmão de L). Até tínhamos problemas de ir ao café. Os outros pais não deixavam os filhos aproximar-se da L e até se iam embora mais depressa mas depois mudamos de casa e isso passou. Aqui ninguém repara ou pareceme...nunca vi nada. Entrevistador - E no Jardim como foi? A2 - Depois dessas tais reuniões, as primeiras, não tive mais problema nenhum. Entrou muito bem, felizmente a Educadora e a Auxiliar... ela sempre gostou muito delas e continua feliz. Gosta muito de ir para a escola e está sempre a dizer - Mãe vamos aos meninos? Até quando está doente...Não tivemos nenhum problema: (pausa para pensar) Não! Entrevistador - Já me respondeu, basicamente, a esta questão mas gostaria que desenvolvesse esta questão. Na sua opinião como é que as outras crianças reagiram à integração da L. nas actividades do Jardim de Infância? A2 - Ao princípio a Educadora falou com elas pronto, preparou-as. Disse que iam receber uma criança diferente, com alguns problemas e ... e elas quando viram a L. claro perguntaram porquê. Porque é que ela tinha a cara assim? O que é que ela tinha nas mãos? Acharam estranho... E a educadora explicou e aceitaram-na muito bem. Acho que sim, que a aceitaram sem dificuldades. Pelo menos ela fala muito dos meninos, que brinca muito com eles e gosta muito da escola e dos meninos. Entrevistador - E quanto aos pais? Como é que pensa que os outros pais reagiram à entrada da L.? A2 - Isso não sei porque sempre me disseram que os pais reagiram muito bem, foi aquilo que as educadoras me disseram. Agora nunca falei assim com certos pais, nem nunca vi assim grandes problemas. Mas é natural alguma curiosidade, as pessoas são assim não é? No início devem ter feito perguntas... mas é normal, penso que é normal... Entrevistador - E pensa que a sua filha está feliz neste Jardim de Infância? A2 - Sim muito, muito feliz porque ela todos os dias pede para ir para a escola. Muito feliz mesmo. Coisa que eu nunca esperei que ela se sentisse tão bem. Eu fico muito feliz de a deixar sempre bem. Ela é uma criança muito alegre, gosta muito de todos, fala muito de todos. Entrevistador -. Na sua opinião como acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? A2 - Deveriam ser atendidas melhor ainda que a criança normal, com mais ensino especial, com mais educação e devem ser integradas numa escola normal. Todas deveriam estar na escola como os outros E essa escola deve estar preparada para as receber com tudo o que elas precisam. As pessoas também deviam ter mais preparação, os professores e as outras pessoas que estão nas escolas. Se fosse assim eu não tinha tido tantos problemas no princípio. O governo também deveria fazer mais por estas crianças. Todos os dias há casos nas televisão...cada vez são mais e maiores os problemas. Alguém devia fazer alguma coisa por elas, mais apoios. E ajudar os pais... Entrevistador - Então acha importante que as crianças frequentem todas as mesmas escolas? A2 - Sim acho muito importante porque assim têm todas as mesmas oportunidades de aprender. Já sei que algumas não aprendem tão bem mas é por isso que eu disse que os professores deviam estar com mais formação, para as ajudar. E os outros miúdos também ajudam porque eu sei que o meu R (irmão de L) também tem meninos desses na turma. E por muito pouco que aprendam aprendem sempre alguma coisa. Precisavam era de mais apoio, do apoio de todos. E também de mais tempo. E os outros também aprendem a ajudar os mais fracos e assim... Também é importante isso, não é? Que todos colaborem para ajudar... Entrevistador - E que expectativas tem face ao futuro escolar da L.? A2 - As expectativas são muito difíceis de dizer. Tenho muito medo de uma mudança de escola. Há um grande medo todos os dias a pensar que a mudança lhe vá trazer mais problemas, a maneira como ela irá encarar outras pessoas, outras crianças. É muito difícil. É sempre muito difícil o dia a dia e eu estou sempre a pensar que pode ser melhor a mudança, pode ser pior...pode trazer problemas, pode não trazer; é muito difícil a gente falar no dia de amanhã... E há sempre aquele medo que aconteça tudo outra vez, que não a queiram na escola. E se os outros meninos não gostam dela...ou não gostam dela como ela é? É sempre uma preocupação, não consigo deixar de pensar nisso porque é muito triste ver-se umfilhoposto de parte compreende? É muito difícil... (Nesta fase a mãe emociona-se e fazemos uma pausa) Entrevistador - Quando fala na mudança, fala na mudança de jardim ou fala na mudança para o Io ciclo? A2 - Falo na mudança para a escola primária. Por que eu já não vou tirar a L daqui. Aqui ela está bem e isso é o que interessa. Ainda não sei para que escola é que ela vai mas se escolhermos a escola que fica mais perto de casa o mais certo é que não vá ninguém com ela. Nenhuns meninos! Isso vai fazer com que tudo comece de novo, eu não quero pensar nisso agora! Entrevistador - E o que é que pensa que a L pode vir a ser no futuro? A2 - (pausa prolongada para pensar) Ela vai ser o que ela puder...dentro das suas capacidades...tanto eu como o pai gostaríamos que ela aprendesse e fosse alguém. Ao menos que seja feliz, é o que nos interessa mais, que ela seja feliz. O futuro é uma carta fechada, não podemos adivinhar, nem vale a pena... Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA A3 Entrevistador - Gostaria de saber, em primeiro lugar, por que motivo escolheu este jardim de infância para o seu filho? A3 - Eu moro numa rua aqui perto e vim inscrevê-lo em Junho passado. Acho que... acho que não há outra razão! Não! Estou perto de casa e foi fácil. Entrevistador - Já conhecia este jardim? A3 - Não. Não conhecia, isto é ...só por fora. Sabia que era aqui mas não o conhecia. Entrevistador - Foi o primeiro contacto que teve. A3 - Foi o primeiro que tive. Vim logo aqui. Se tivesse vaga muito bem se não tivesse ficava em casa. Para outro jardim não dava jeito...este é mais perto. Entrevistador - Bom, vou passar à pergunta seguinte, se não se importa. Acha que o jardim de infância teve alguma dificuldade, o jardim de infância em si, em incluir o seu filho numa turma? A3 - Não. Que eu saiba não. Pelo menos eu não sei de nada. Nunca ninguém se queixou de nada. Penso que correu tudo...como é que hei-de dizer... normal... Entrevistador - Como é que acha que foi a chegada do H. ao jardim de infância? A3 - Ao princípio difícil porque ele não queria, chorava muito e as duas primeiras semanas foi terrível. Como era a primeira vez sabe... Ele tinha estado sempre em casa, não estava habituado com outras crianças. Só connosco... Entrevistador - Teve uma adaptação difícil. A3 - Exacto. Teve muito tempo com a gente desde que nasceu até ir para o jardim. Foi muito difícil. Chorava todos os dias e ...para nós pais...isso foi muito difícil! Entrevistador - Ele entrou aos três anos? A3 - Sim, entrou aos três anos. Entrevistador - Ele é um grande menino! A3 - É, já nasceu grande. E cresceu sempre bem mas... (hesitação no prosseguimento) Entrevistador - E como mãe, como é que sentiu esta entrada do H no Jardim de infância? A3 - Foi difícil porque estava habituada com ele. Para mim, não estar lá ninguém em casa foi difícil. Faltava qualquer coisa em casa. Era como... estava a casa vazia, pronto! Isso custava-me muito e ainda por cima eleficavaa chorar... Entrevistador - O que sentiu quando o entregou no jardim? A3 - Sim. Senti uma angústia muito grande... ele ficava a chorar e eu não sabia como ia ser e tudo... ao princípio ainda fiquei umas manhãs com ele. Entrevistador - Quer contar-me mais alguma coisa sobre essa experiência? A3 - Não, penso que já disse tudo. Bem, passado um tempo começou a correr tudo bem... Ele deixou de chorar, e gostava muito da educadora. Ela falava sempre muito comigo sobre as coisas que ele fazia...e...foi tudo muito melhor. Entrevistador - Então, de certa forma, foi fácil a adaptação dele? A3 - Foi. Até foi. Tirando aqueles primeiros quinze dias... Entrevistador - Na sua perspectiva como é que reagiram as outras crianças em relação ao H? A3 - Um bocado difíceis porque ele babava-se muito e perguntavam às professoras porque é que ele se babava. As professoras explicavam-lhes porquê e depois eles perceberam a ideia. Mas no início não percebiam...assim...que ele era diferente e tudo, e não percebiam porque é que ele não ficava sentado como eles. Mas depois passou, eles entenderam, parece-me que sim... Entrevistador - Conseguiram perceber o que é que se passava. A3 - Perceberam o que se passava com ele. Entrevistador - Como é que acha que eles são com o H? A3 - Acho que está bem, está muito bem eles convivem muito com ele mas ele como está habituado a estar sozinho, a brincar sozinho ele foge muito dos garotos. Entrevistador - Isola-se! A3 - É. Isola-se muito. Não estava habituado a conviver... Entrevistador - E os outros pais, como é que acha que os pais das outras crianças reagiram? A3 - Não sei. Entrevistador - Não faz ideia? A3-Não. Entrevistador - E da parte das educadoras? Elas falaram com os outros pais, sabe se falaram se não? A3 - Não sei. Entrevistador - Os pais nunca lhe fizeram perguntas sobre o seu filho? A3 - Não pelo menos ninguém me disse nada. E eu não me encontro muito com os outros pais. Eu entro e saio e só conversamos o trivial: Olá! Estás bom? E mais nada. Também o meu filho está pela primeira vez e eu ainda não conheço muito bem... E depois só venho semana sim, semana não...por causa dos turnos... Entrevistador - Pensa que o seu filho está feliz aqui no jardim de infância? A3 - Eu penso que ele gosta muito. Ainda no outro dia... às vezes nós adormecemos e ele chama pelos pais para virem trazer à escola. Ou eu ou o pai vimos trazê-lo conforme os horários, então ele gosta muito da escola. Vem sempre contente e quando chega ao portão corre cá para dentro. Entrevistador - Isso é bom! Sente-se bem quando o vem trazer assim e ele vem bem disposto? A3 - Bem. Muito bem, é um alívio! Porque... se corresse maL.era mais difícil. Entrevistador -. Na sua opinião como acha que deveria ser o atendimento as crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? A3 - Bem, como as outras crianças. Eles não têm culpa de terem nascido assim. Eu acho que é como os outros, como as outras crianças. Só têm aquelas deficiências mais nada. São apenas crianças e...devem ser tratadas como as outras...é assim... Entrevistador - Então está satisfeita com o trabalho que está a ser desenvolvido aqui. A3 - Estou mesmo. Disseram-me logo se o meter numa escola ou no infantário que ele vai desenvolver e bem. Porque o pai já tinha perdido a esperança que ele falasse mas felizmente ele resolveu. Entrevistador - O que é que espera do futuro do H? A3 - Espero sempre melhorias. Espero que ele desenvolva mais. Entrevistador - Ele está com que idade agora? A3 - Ele agora está com quatro anos. Entrevistador - E portanto ainda vai ficar mais um ano no jardim de infância pelo menos? A3 - Até aos seis anos. Entrevistador - Até aos seis, sim. A3 - Depois dos seis vai para a escola primária. Entrevistador - E pensa que ele vai acompanhar o grupo dele? O grupo que tem agora? A3 - Eu acho que sim. Entrevistador - Isso é importante para si? A3 - É! Para mim e para o pai. Isso faz-nos sentir bem. Quem não dizia nada e agora diz tudo, diz tudo e mais alguma coisa...para mim já é muito bom. Entrevistador - Então ele teve um grande desenvolvimento a nível da linguagem? A3 - Sim, desenvolveu muito. Entrevistador - E outros aspectos em que ele tenha evoluído assim? A3 - Em tudo, faz de tudo um pouco. Mas a parte de brincar com os outros meninos... vai continuar porque ele é sozinho não convive com ninguém. Só se for na escola, mas o resto... ou então convive com os pais lá em casa. Ou comigo ou com o pai está sempre bem disposto. Entrevistador - Que expectativas tem para o futuro do seu filho? A3 - Para o futuro? É assim, eu só quero que ele continue feliz como é agora, mais nada... Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA A4 (Depois de explicitado o objectivo do estudo o entrevistado começou a falar sobre o tema ainda antes de ser colocada qualquer questão) A4 - No meu caso e relativamente à situação do meu filho não senti qualquer diferença a nível de introdução, a nível de aceitação na escola relativamente às outras crianças, por o meu filho ter necessidades especiais. Não senti qualquer distinção. Portanto o meu filho foi bem aceite,... é a sensação que eu tenho. O meu filho foi bem tratado, não acredito que tenha sido mais bem tratado que os outros ou se foi porque naturalmente precisava mais disto ou precisava mais daquilo mas por necessidades próprias. Portanto foi feito, acredito eu, o que era necessário fazer. Esta é a ideia que eu tenho relativamente ao meu filho na situação própria da escola... do jardim de infância que frequenta. Entrevistador - Uma questão que eu tinha aqui para colocar era: como é que foi encontrar este jardim de infância? Como é que aconteceu? Ser este e não ser outro - o porquê da escolha? A4 - Como é que apareceu este jardim de infância? Na nossa situação, nós pais com filhos com problemas... portanto a criança tinha.... Estava num infantário particular e tinha assistência por parte de... do apoio educativo especial. Neste caso a pessoa que sempre o acompanhou e começou a acompanhar desde bebé fez uma sugestão. Depois, naturalmente, quando chega a idade começamos à procura... começamos à procura de soluções e então fomos visitar o jardim, falamos com a pessoa que estava ligada a esse jardim. Essa pessoa era quem já nos estava a acompanhar e a partir daí decidimos colocar o F nesse jardim. Arranjamos também uma ama onde ele ficasse, próximo do jardim, que o pudesse levar após a saída, portanto para colmatar as diferenças horárias. Quando se vai (para o jardim) pela primeira vez não há promessas, não sabemos se é bom, não sabemos se é mau. O F. foi e ficamos agradados com o resultado. Entrevistador - E esse problema dos horários é de facto um entrave para os pais? A4 - É! Para qualquer pai porque se tivermos uma escola ou outra actividade qualquer que seja nove ou ás nove e meia, se o nosso horário de trabalho for ás oito, temos que equacionar porque a criança não vai para lá sozinha. No meu tempo a partir dos sete anos eu ia para onde quer que fosse mas isso era no meu tempo. Hoje em dia não vejo nenhum pai fazer isso, muito menos a uma criança com dificuldades. Entrevistador - Então não ouve nenhum tipo de dificuldade em inscrever o F.? A4 - Na situação houve cumprimento da lei e a partir do momento que se cumpre a lei, cumpre-se a lei. O meu filho regulou-se sempre pela lei, nunca esteve acima da lei e o jardim cumpriu a lei. Portanto não teve qualquer objecção, não teve qualquer reticência em cumprir. Neste caso o jardim é um jardim que infelizmente costuma ter crianças com necessidades educativas especiais, infelizmente! Portanto tinha experiência é um jardim perfeitamente aberto, é um jardim receptivo eé um jardim que consegue contornar as situações, o que facilita bastante quer aos pais quer ao próprio jardim que começa a ter um historial e que sabe como trabalhar e que trabalha bem. Entrevistador - E para a própria criança não é? A4 - A própria criança obviamente que é o primeiro beneficiário de tudo isso. Tem outra qualidade de vida. Entrevistador - Portanto não viu nenhuma dificuldade na inclusão no jardim de infância! A4 - Não, nenhuma. A partir do momento que estava dentro da lei, o jardim cumpriu a lei e entrou de acordo com a lei, portanto eu também não iria pressionar o jardim para que estivesse acima da lei. E se o jardim quisesse também não estaria a fazer bem. Por muito que nós pais sintamos e não só pais de crianças com necessidades, por muito que a gente sinta e deseje muito que o filho tenha um tratamento diferente nem sempre nos infantários há. Porque isso também é verdade, só alguns infantários muito especiais é que se sente que na verdade o tratamento é ao nível de um jardim. Pelo menos se calhar tive felicidade no jardim que encontrei e nas pessoas que estavam nesse jardim porque o jardim por si só não é nada. O que faz a casa são as pessoas que estão dentro da casa porque se tirarmos as pessoas e lá ficar a casa em e metermos outras pessoas que não trabalhem da mesma maneira... se trabalharem melhor... tudo bem se não trabalharem tão bem o resultado é inferior, claramente. E, neste caso, tive sorte. Entrevistador - Como pai, como é que sentiu essa experiência da entrada de um filho pela primeira vez para uma instituição escolar? Como é que sentiu essa vivência? Foi com ansiedade? A4 - Não, não. Eu também não sou propriamente uma pessoa que espere respostas difíceis porque acredito muito nas coisas e é claro se as coisas não correm bem sou o primeiro a fazer o que for necessário para que corram bem. Isso doa a quem doer. Lá nisso sou implacável! Como já conhecia a pessoa que o acompanhava e tinha boas referências do próprio jardim, como podia escolher aquele jardim pela zona onde que trabalho, foi um processo tranquilo. A criança é uma criança que apesar dos problemas todos que tem é uma criança com que se lida muito bem. É uma criança que não é extremamente difícil, não... Realmente trabalha-se bem com a criança se se entender não dá problemas, não dá chatices. Também penso que tudo isso ajudou. Entrevistador - E na sua perspectiva como é que acha que reagiram as outras crianças? Tem alguma apreciação? A4 - As outras crianças é assim, eu acho extremamente útil para a sociedade comum, para a formação da sociedade futura, como futuros indivíduos, acho de uma utilidade enorme que as crianças de uma tenra idade comecem a conviver e a viver com crianças com problemas. Dois motivos: para já têm, no futuro, uma visão diferente. Olham para essas crianças de uma maneira igual. Aliás as crianças no início fazem... tratam-nos com amor e carinho de que muito precisam. Todos! Todos eles! No caso do jardim - só respondendo à pergunta que já estava já a avançar muito não encontrei porque naquele jardim como já havia crianças com necessidades e todos os colegas de grupo, de turma estavam habituados, tinham um carinho muito especial por essas crianças. Portanto isto de uma maneira geral. Entrevistador - Já havia uma atitude desenvolvida, não é? A4 - Sim. Não estou a dizer casos pontuais, não os conheço e portanto não os vou referir. Tinham uma atitude extremamente positiva relativamente a crianças como o meu filho. Ora bem, portanto, por aí não houve qualquer problema. Por outro lado, as crianças têm uma fase de adaptação incrível. Os pais é que muitas vezes não olham para isso e dizem "ai o meu menino que assim ai o meu menino que assado". Esqueçam isso, isso é tudo tretas! Da mesma maneira que eu cresci, e eu não era o único, se eu olhar em meu redor éramos todos assim. Portanto hoje em dia se as crianças não crescem tolerantes de certeza que também que não é só por elas. Entrevistador - Sem dúvida, são formas de estar que se adquirem, que se aprendem nesse convívio... A4 - Pois é. Às vezes começa-se a fazer um proteccionismo que para mim é extremamente exagerado. Mas aí já é aquela situação de eu também pensar assim. Agora essas crianças ao conviverem, e isso vê-se e sente-se, todas em conjunto, olham para as crianças especiais com muito amor e carinho. Nunca se irão esquecer delas. Terão sempre uma postura diferente. Tratarão sempre, depois, um adulto com necessidades sempre de modo diferente. Quando eu digo diferente é com proximidade, não é com distância, não é com recusa, não é com expulsão. Não, não, é com aceitação e com preocupação de que tudo corra bem. Isso faz deles, o que é extremamente importante, melhores homens e melhores mulheres no futuro. Faz depois com que a consciência da sociedade, que a consciência colectiva seja uma consciência diferente. Porque eu começo-me a aperceber que há muitas crianças com dificuldades que nunca passaram de uma cama, que nunca passaram de um quarto, que nunca passaram de um sítio fechado. Nunca... sempre, sempre, sempre viveram assim. Isso faz com que a própria criança com necessidades não cresça, que a própria criança com necessidade não aprenda, não desenvolva. E um bocadinho que se cresça, um bocadinho que se desenvolva é muito, muito importante. Tem um peso que quase não é mensurável. Entrevistador - E tem o reverso da medalha, quando essa criança está isolada os outros não aprendem com ela, não aprendem o sentido da solidariedade não é verdade? A4 - Sim! E principalmente quando os pais não são capazes de passar esses valores. Ali pelo menos, pela escola, esses valores são passados. Portanto, essencialmente, é neste sentido que eu acredito. E... pela experiência que tenho, pelo que tenho visto, tenho a certeza que essas crianças num futuro olharão e terão uma postura completamente diferente. E isso é muito bom, não digo só para as pessoas depois quando adultas, ao nível do tratamento das necessidades especiais, mas será muito bom para a sociedade em si. A sociedade está a tomar um rumo muito violento e não é isso que se pretende não é assim que as coisas lá vão, de maneira alguma. Entrevistador - Como acha que reagiram os pais destas crianças? Ainda agora falámos das crianças, agora queria saber como foi com os pais. A4 - Sim senhora. Os pais,... os pais destas crianças também reagiram bem. Tal como as próprias crianças e o jardim, que já era um jardim com alguma tradição. Portanto os pais sabiam de tudo. Nunca senti a mínima resistência por parte de qualquer pai, não senti. Não digo que não houvesse casos pontuais! Mas de uma maneira geral não senti. Com toda a gente, mesmo nas festas de convívio, sempre houve muita união. Sempre houve muito entendimento. Sempre foi muito bom, muito bom, muito proveitoso. Entrevistador - Então acha que há uma permeabilidade das ideias dos filhos? Passam a ser um bocadinho contagiantes para os pais? A4 - Ai não tenho dúvidas nenhumas. Porque pai é pai, não se é só progenitor. E preciso não se ser pai para não se sentir! E quer queiramos quer não os filhos passam muita informação aos pais. Não digo propriamente que tenha que ser uma informação verbal, não digo propriamente que tenha que ser uma informação escrita, não! Eles (os filhos) passam um sentido diferente, passam uma atitude diferente e isso molda os pais. Não tenho dúvida também relativamente a isso! Entrevistador - Acha que o F. é feliz neste jardim de infância? A4 - Sim, sim, disso não tenho dúvida. Ele é feliz neste jardim, está sempre alegre quando vem para cá. E o jardim tem feito tudo por isso. Entrevistador - A sua perspectiva é muito optimista quanto ao jardim de infância. Considera que teve sorte? A4 - Eu posso ter tido sorte relativamente ao meu filho ao envolvimento e a tudo o que aconteceu até hoje. Tudo bem! Mas uma coisa lhe garanto, se assim não fosse seria extremamente difícil para mim mas não tinha sido pacífico para o jardim de infância. E acho que todos os pais em situações como a minha, se calhar muitas vezes por falta de conhecimento ou por falta de cultura, se sintam um bocadinho amedrontados em expor as situações. Não deve ser assim. A mensagem é se algo não está bem, devem expor e devem lutar para que tudo fique bem. Lutar no sentido de fazer com que as coisas andem. Se o jardim não dá o jardim tem que se moldar. O jardim é feito pelas pessoas, portanto as pessoas têm que se moldar. Para além de tudo isso, como pessoas, como seres humanos que somos, há uma lei que tem de ser cumprida. Se mudarem esta lei para pior é um passo muito grande, são séculos, que andamos para trás. E uma vergonha! Entrevistador - Como é que acha que deveriam ser entendidas as diferenças na escola? A4 - Se forem entendidas como o meu menino acho que é bastante positivo. Não tenho dúvida nenhuma e nós podemos ver pelos meios de comunicação social que há muitos problemas. Há muitas situações que não são como esta. Também acredito que muitas vezes quem está à frente das instituições não consiga fazer mais. Eu digo instituição directa, escola e jardim de infância, porque o jardim de infância por si só é extremamente limitado. Precisa sempre de apoio de uma Câmara, de uma Junta. Do que quer que seja. E, muitas vezes, as portas fechamseaí. Entrevistador - Fala da comunidade? A4 - Sim. Aí as portas fecham-se. Mas como eu ia a dizer, era extremamente importante que muitas das coisas que são idealizadas fossem realmente aplicadas. Eu acho que quem está como educador de infância, quem está como professor deve fazê-lo por vocação. Não deve fazê-lo porque é um emprego que mais tarde ou mais cedo é estável. Não devem fazê-lo porque, embora se queixem, no fim da carreira se ganha bem. Não esqueçam isto, devem fazê-lo com vocação. Se fizerem isto de certeza que tratam bem todas as crianças. Deve haver empenhamento, deve haver preocupação inclusivamente na aprendizagem (refere-se à formação dos docentes)... Preocupação pelo que existe no momento disponível, quais são as experiências dos colegas, como resultou? Isso deve ser transmitido porque, se todos esses aspectos positivos forem transmitidos, toda a gente ganha. (As experiências) devem ser difundidas, devem ser divulgadas, devem estar acessíveis. Deveria haver um órgão de divulgação, se calhar o Ministério da Educação. Deveria existir uma página com as várias experiências porque isso é um enriquecimento enorme. Não é tirar o valor a quem o tem, porque quem fez, fez com valor. É valorizar as experiências. Mas se isso for feito o conhecimento está sempre a crescer, a crescer e vai fazer com que as pessoas obrigatoriamente trabalhem melhor. Trabalhem mais no mesmo tempo e com menos cansaço, com menos exigência. Isso, eu não tenho dúvida nenhuma, é obvio que se vai reflectir nas crianças. As crianças reflectem duas coisas muito importantes: reflectem a educação dos pais e reflectem a educação dos professores. Não cabe aos pais dizer que a educação está a cargo dos professores. Não. Têm que assumir as suas responsabilidades. Da mesma maneira, os professores têm que assumir a responsabilidade da parte que lhes toca. Entrevistador - Então tem que haver articulação? A4 - Tem que haver uma articulação conjunta e nós não podemos nunca esquecer que uma criança é o nosso futuro. Não vamos dizer que a geração é rasca porque, se a geração é rasca, os pais foram muito "rascos", Foram de tal maneira "rascos" que conseguiram fazer uma geração rasca, portanto há que ter em conta que nós somos o fruto de quem nos criou. Há que ter muita atenção a isso. E aí é que eu acho que está um bocado longe, acho que há muito a fazer. Entrevistador - Há uma dificuldade muito grande nessa articulação entre a família e a escola, é isso que pretende dizer? A4 - Eu diria que, é um trabalho muito árduo e muito duro para o professor e o educador. Essa articulação levada a sério e feita em consciência de certeza que constitui um trabalho muito árduo. Também não tenho dúvida nenhuma disso. Entrevistador - Se não há encontro entre os pais e a escola de certeza absoluta que a culpa não é só dos pais e não é só da escola! A4 - Pois não! É um trabalho que se impõe a ambos. Entrevistador - Vou passar à última pergunta. Que expectativas tem face ao futuro do F? A4 - As expectativas face ao futuro do F, na área da educação, são muito más, muito más. Primeiro porque eu não estou a ver para o ano nem daqui a dois anos. Estou a ver a longo prazo. Nós pais vamos melhorá-lo (ao futuro) o máximo que a gente conseguir porque o F já vai este ano para a escola. Já vai este ano para a primária. Optámos por assumir esse trabalho e ele vai para a escola. Até agora as coisas estão a correr razoavelmente bem e vamos ver como é que será na escola. Mais uma vez será em função do professor que o acompanhe. E do professor do ensino especial que o acompanhe também. Isso vai revelar alguma coisa. Mas mesmo que a primária corra bem ,a seguir à primária e em termos de escolaridade, eu acho muito importante o meu filho estar juntamente com crianças sem problemas. Porque quer queiramos quer não ele assimila padrões e ao assimilar padrões está a assimilar padrões dentro do mais normal possível. Não está a ter como padrão outras crianças com muitas dificuldades. É um erro muito grande isolar. Portanto quer custe muito quer custe pouco eu acho que o estado devia preocupar-se mais em recuperar os milhões que se gastam mal gastos e que são roubados à descarada, e garantir que meia dúzia de tostões façam a diferença a muitas crianças. Quem me ouve falar, ouve-me falar de uma maneira só que é assim, quem os não tem com problemas não consegue dar o devido valor. Por muito que tente, por muito que esteja de coração aberto não consegue dar o devido valor. Não estou com isto a dizer que nós somos os sacrificados, que nós somos os mártires. Não, de maneira alguma. Temos é uma visão muito própria das situações e quando dizemos é necessário isto é porque é verdade. Se digo que é necessário o pão é porque se está com fome. Eu penso que relativamente ás crianças os projectos, da maneira como estão, vão no caminho certo, no sentido de manter sempre as crianças o mais tempo possível com os grupos. É obvio que a criança tem um livro e se tiver um livro igual a quem está no quarto ano de escolaridade, o facto de ele ter um livro igual faz com que ele tenha padrões iguais. Eu não estudei nada de psicologia, isto é o que eu aprendo com o meu filho. É o que sinto, é uma maneira de ele se sentir integrado. Se o livro do colega for diferente do livro dele ele vai querer ver o livro do outro porque é diferente porque há uma curiosidade nata. Agora se ele tiver um livro igual é parte do caminho para que ele continue no caminho da atenção, que esteja com mais atenção Sentia-se também, de certa maneira, tal como os colegas. Se se sentir diferente porque há mais amor acho que não há problema, se se sentir diferente por que é rejeitado é muito, muito grave. Agora na primária, mais coisa menos coisa, irá andando e depois quando sair da primária...É obvio que faltam uns anos, ainda não pensei, estou preocupado com a situação mas não ando ainda a investigar no sentido de para onde vai, como vai ser, etc. Agora relativamente ao futuro, estou muito, muito séptico. Depois ele deixa de poder estar com o grupo! Depende da evolução. Imaginemos que ele até aceita estar numa sala sossegado uma hora, o tempo do professor, seja a fazer riscos seja o que for, depois vai lá para fora conviver com os colegas. Depois é a tal situação! Se os colegas viveram sempre com crianças com mais dificuldades eles próprios o ajudam, eles próprios vão ter a preocupação de quando em vez brincarem com ele. Dar-lhe alguma atenção. Se forem crianças que nunca tiveram essa experiência e, quando tiverem doze anos lhe aparecer uma criança assim, a rejeição é completa. A não ser que sejam crianças preparadas em casa pelos pais. Que tenham uma educação verdadeiramente diferente. Eu não acredito que isso seja a maioria. Depois disso existem as instituições para crianças com dificuldades. Essas instituições mais uma vez dependem das pessoas que lá estão e, da mesma maneira que há pessoas que lá estão e que trabalham, também se podem encontrar pessoas que escolhem esses sítios para não fazerem nada. Vão lá passar o tempo e é obvio que são custos para a sociedade. Mas não me restará outra solução para além de ter que comer as favas que o meu filho vai trazer com ele. Na altura irei procurar, irei ver como é. Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA A5 Entrevistador - Por que motivo escolheu este Jardim de Infância para a R? A5 - Eu já tinha um filho mais velho que estava no (nome do jardim), estava satisfeita e procurei pôr a R num sitio que fosse adequado para ela estar com outras crianças, brincar, desenvolver e desde que ela está no (nome do jardim) é melhor do que estar como estava, com a avó. Ela até ao ano esteve com a avó e a partir do ano veio para o (nome do jardim) e desenvolveu muito, imenso. Estou muito satisfeita com os progressos que ela fez. Este jardim é bom e eu já sabia como o irmão tinha sido tratado. Tinha confiança nas pessoas porque já as conhecia e isso deu-me mais segurança para pôr cá a R. Sabia que a iam tratar bem e eu também sabia que cá tinham outras crianças com problemas e até mais graves porque o meu F (irmão de R) tinha uma criança dessas na sala. Era a V que agora está na (nome de uma instituição local de apoio a crianças com deficiência mental). Entrevistador - Acha que no Jardim de Infância houve dificuldades na inclusão da sua filha? A5 - Não, acho que a I (nome da directora do Jardim de Infância) é espectacular, põe-nos á vontade e não pôs obstáculos nenhuns. Antes pelo contrário. Tem dado muita força o que é muito importante porque para estes problemas havendo sempre um apoio é óptimo, é bem vindo. Entrevistador - E da parte das educadoras? A5 - Também é espectacular desde a P(educadora da sala) à S (educadora de apoio). A R fala imenso da S e da P e mais, agora tem outra idade. Já fala mais das coisas que se passam, das coisas que faz com as educadoras Mas acho que ela está perfeitamente ambientada. A outra educadora que ela teve antes, em casa, também era mais nova mas tinha outra maneira de ser. Não punha tão à vontade. Porque a R no princípio, aos três meses, teve uma educadora que era a C (primeira educadora de apoio domiciliário) e também foi espectacular e puxava muito pela R - foi uma coisa óptima. Ainda hoje quando vejo a C gosto imenso e ás vezes quando vou ao hospital telefono à C a dizer como estão as coisas e isso. Gosto dela e vê-se que ela sempre se interessou e teve uma boa relação com a R. Enquanto a L (referência à segunda educadora de apoio domiciliário) eu não tenho nada contra mas foi completamente diferente. Não havia aquela relação. Entrevistador - Sabe que isso também tem muito a ver com questões de personalidade. A5 - Pois é, isso é a diferença. Relacionamo-nos com uma pessoa de uma maneira com outra de outra maneira. Mas há pessoas e pessoas e parece-me que agora a R tem muito boa relação com todos, desde as educadoras às auxiliares. Não tem problemas nenhuns. É toda desenrascada e muito mexida. Penso que ela agora está muito bem. Entrevistador -Portanto da parte do jardim de infância não encontrou nenhum obstáculo, nenhuma dificuldade, nem com pessoal auxiliar nem com os educadores? A5 - Não. Toda a gente é óptima para a R. A R dá-se muito bem com todos não diz a mínima coisa de mal que seja que se passe e está numa idade que todas as queixinhas se fazem. Que se houvesse algum problema ela contava, mas não há. Depois ela está á vontade, adora vir não faz birra para vir para o (nome do jardim) enquanto que o irmão fez sempre birra, ela não faz birra. Ela está sempre deserta para vir aos meninos e "quando é que eu vou?" e a perguntar pelos amigos e a contar as histórias dela. Ela gosta muito daqui. Entrevistador - Como mãe como é que sentiu a entrada da R para este Jardim? Alguma ansiedade? A5 - Não, quer dizer, o segundo (filho) é diferente do primeiro. O primeiro há sempre aquele medo como é que será? O segundo já dá mais confiança, mais segurança. E como eu já disse já conhecia e gostava deste jardim. Já sabia como as coisas funcionavam e isso dá outra confiança. Já não é novidade. E depois a R dá uma força interior que ela tem, é lutadora. Tem um á vontade espectacular. Mesmo ela quando é operada vê-se que ela dá coragem. Porque eu pergunto e ela diz que não dói e que está bem. Quer dizer ela é que me dá apoio. Entrevistador - Na sua perspectiva como é que as outras crianças reagiram á R e à sua inclusão nas actividades do Jardim de Infância? A5 - É diferente, (pausa para pensar?) Entrevistador - Eu sei que ela veio para cá muito pequenina. A5 - É diferente, sabem que ela tem problemas, querem ver. Depois assustam-se porque tem os olhos diferentes mas mesmo assim é bem tratada, brinca porque vêem que ela brinca como eles. Eles pensam que ás vezes é diferente. Há uma miúda que uma vez disse que ela era tão linda, tão linda mas tinha olhos de lobo. Assustou-se. Eu tentei-lhe explicar que ela tinha os olhos assim porque era uma doença com que ela nasceu mas que via. Então a miúda associou que era um problema que ela tinha e brincou e a R brincava e colaborava com ela e saltava, pulava. Às vezes é a curiosidade das crianças e as crianças vêm que são diferentes. Mas hoje vê-se que os pais têm mais à vontade com a experiência, se calhar porque vive num mundo igual, pronto. As crianças têm problemas mas têm que tentar suplantar. Ela vê-se que tem amigas e tudo e não tem problemas e às vezes diz: - mãe eu vou mais a S. outras vezes. A R. não tem problemas e... Entrevistador - E acha que o Jardim incluiu bem a R. nas suas actividades? A5 - Eu penso que sim. Eu vejo ela a fazer tudo. Vejo-a a fazer actividades mais os meninos e às vezes até aprecio que a brincar é tal e qual como as outras. As vezes a 1er um livro os outros querem estar a fazer outras coisas. Mas ela não, antes quer estar a ver o livro. Mesmo nos vídeos ela diz deste não gosto - não aprecia. Mas em casa pede sempre para ver o canal panda e fica a ver os bonecos. Não sei se é por estar mais à vontade... Não está sempre em cima da televisão. Ou ela se apercebe mais depressa que os outros. Às vezes eu digo-lhe... e ela diz: - não, destes não gosto, destes não gosto! Não sei se ela como não vê, não sei se arranja desculpa ou se não gosta mesmo. Ou é uma maneira de contornar...E, é, eu penso que ela seja assim. Ás vezes ela está com o pai a ver histórias e ela vê, vê... eu penso que também há outros miúdos assim... Ás vezes eu digo: - tu não vês os bonecos mais os outros meninos? E ela diz: - eu não gosto daqueles... Entrevistador - E quanto aos outros pais, como é que pensa que os outros pais reagiram? A5 - Penso que... Entrevistador - Quando teve reuniões, quando se encontrou com eles na rua... A5 - Não, não fazem diferença. Eu vejo, pronto, que eles não se importam mesmo. Nas festas, eu vejo que tratam a R. como outra criança qualquer, sem problema nenhum. Ela por exemplo hoje vai a uma festa de anos. Ela é sempre convidada. Mesmo com os mais velhos, eu às vezes não a deixo ficar muito tempo porque ela ainda é pequenina. Mas acho que a estou a proteger às vezes e ela fica triste quando eu não a deixo ficar. Mas da parte dos pais acho que a tratam como se ela não tivesse nada, pronto. E isso também é bom porque nos dá força. Vivesse o dia a dia. Entrevistador - Pensa então que ela é feliz neste Jardim de Infância? A5 - Ai eu acho que sim... Entrevistador - Por que é que acha que ela é feliz? A5 - É a maneira dela transmitir as coisas... Ri-se por tudo e por nada. Tem um sentido de humor melhor que o irmão. Se este caso fosse com o irmão ia ser muito mais complicado porque o F. não se abre. Vê-se que é a maneira dele ser. A R. é muito feliz, ela ri-se, bate palmas, conta histórias...vê-se que é muito teimosa... e nunca quer ajuda. Se é contrariada fica triste mas passado um bocado já não é nada. Ela tem um humor espectacular. Ela adora ir à piscina e eu não a deixo ir à piscina mas ela adora. Agora tem tido oportunidade de ir e ela adora, fica super feliz quando eu a deixo ir à piscina. Ela pula, ela dá pulos de alegria enquanto que o irmão não fazia nada disso. Entrevistador - Na sua opinião como acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? A5 - Como? Na escola? Entrevistador - Sim e... A5 - Acho que deveriam ter mais apoio ... na escola. Porque às vezes a gente precisa das coisas e tem que se andar a informar por meios, por outros meios que não havia necessidade e que ela havia de ter na escola. Ela quando está no hospital é optimamente bem atendida na parte médica mas fora disso não tem apoio nenhum. Pronto, tenho que ser eu ... ou a mãe ou o pai... não tem nada de entretenimento, pronto. E ela sabe muito bem para o que é que vai e não tem nada que a distraia. Sabe que nesse dia vai ser operada ou vai para a consulta e não há apoio nenhum. Nesse aspecto, nos hospitais ou outras coisas que eu tenho sabido... Entrevistador - E em termos escolares , como é que acha que estas crianças deveriam ser atendidas? A5 - Acho que deveriam ter as coisas necessárias, os equipamentos. Não eram os pais a tentar informar-se. Era ter as coisas na altura certa sem ter que andar a pedir, pronto. A gente é que tem que tratar para pedir tudo. E as coisas, penso que acabam depois por vir, pronto. No tempo certo que venham mas acho que deviam vir cedo, o mais possível porque ela tem que se inteirar das coisas. Entrevistador - Deveriam vir mais cedo os materiais para estarem preparados os meios... A5 - Sim, sim... Entrevistador - E quanto aos meios humanos... A5 - Acho que deveriam ser todos atendidos por igual, da parte dos professores e outras pessoas. Porque é assim, eu já hoje penso como é que será o dia de amanhã, da R. ir para a escola... Não sei se ela continua com visão se não continua...mas penso que ela um dia tenha sorte e que o professor que vá ter a veja como diferente. Porque há professores que vêm diferente e põem à parte! Espero que isso não vá acontecer porque se isso acontecer a maneira que a R. tem trabalhado tem sido de superar. E acho que na altura se ela vir que lhe é indiferente se vai abaixo. Pode não ser, também ainda faltam alguns anitos. Quando chegar à altura também logo se vê... Entrevistador - E ela é uma lutadora não é? A5 - Ela é uma super lutadora e dá força. Dá-nos força a nós próprios. Entrevistador - E que expectativas tem face ao futuro? A5 - Eu penso o melhor. Pelo menos penso... gostava que mantivesse a visão que tem, não perdesse o que tem ... se perder... será outra luta... Acho que vai ser porque também não se estava à espera disto e tem sido uma luta muito grande... Entrevistador - E espera que ela faça progressos... A5 - Sim, sim, sim... ela hoje é uma miúda curiosa e tudo. Quando vê livros e revistas pergunta porquê , o que é que aconteceu nas histórias. Por isso ela já tem, por ela própria o querer saber mais e mais e mais. Penso que isso ela não vá perder? E acho que na altura certa eu vou ajudar da maneira que as dificuldades vão aparecendo. Vamos experimentar e ir sempre em frente porque conheço pessoas invisuais e são pessoas espectaculares e têm cursos e formação. Por isso o não ter visão não se vai ficar inferior ou superior aos outros. Que por vezes até dizem que um cego vê melhor do que aqueles que vêem. Porque às vezes não é por termos visão que somos melhores que os outros... Entrevistador - Melhores pessoas? A5 - Exacto. Entrevistador - Espera que a R. seja... A5 - Seja uma grande mulher, uma lutadora. E acho que vai ser. Acho mesmo que vai ser! Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA BI Entrevistador - Então por que motivo é que escolheu este Jardim de infância para o seu filho? BI - Primeiro porque ficava mais perto de onde nós morávamos e depois é só esse o facto de ficar mais perto porque eu também não conhecia o Jardim de Infância. Já o tinha visto quando passava aqui e via os meninos cá fora a brincar... Tentei inscrever o J aos três anos mas ele não entrou. Só entrou aos quatro anos. Entrevistador - Não tinha muitas referências? BI - Não, não. Não tinha referências nenhumas e nem... não conhecia ninguém. Também moro aqui à pouco tempo, relativamente e não conhecia ninguém que lá tivessefilhosnem nada. Entrevistador - Quando matriculou o seu filho aqui sabia que tinha uma criança com deficiência na turma dele? BI - Não, não. Não sabia mas depois na reunião estava uma educadora que falou disso. Ela não disse quem era mas falou de uma criança com problemas e eu até pensei que fossem problemas diferentes. Pensei que fosse muito pior e ao princípio nem sabia qual era o menino. Entrevistador - E esse facto alterou alguma coisa na sua opinião sobre a escolha do Jardim de Infância? BI - Nada, não. De maneira nenhuma. Eu não conhecia a criança só fiquei a saber depois. E acho que vir à escola é muito importante para esses meninos. Os meus filhos são normais mas nunca se sabe o que acontece. Eu acho isso bem porque também gostava que os meus filhos fossem bem tratados na escola, se eles tivessem problemas, claro! Felizmente não os têm mas compreendo como deve ser difícil ter um filho assim e tudo. Estes meninos precisam de mais ajuda e estar na escola é bom para eles. Aprendem com os outros muitas coisas e os nossos também aprendem a ajudá-los e isso é bonito. O meu J. Gosta muito do menino e fala muito dele. Entrevistador - Então na sua opinião é importante o facto de J ter uma criança com deficiência na sala ? BI - Eu acho que sim. Acho que...portanto acho que ele tem o direito de conviver com outras crianças normais não é? Não quer dizer que ele não seja uma criança normal, simplesmente tem algumas...diferenças portanto. Mas eu acho que está bem. Acho que sim. E que os outros meninos também aprendem coisas com o M. Aprendem a conviver com meninos... quer dizer... um bocadinho diferentes e que têm mais dificuldades. E eles também aprendem a conviver todos juntos. Isso é bom. No meu tempo não era nada assim. Estes meninos não iam à escola e ficavam em casa ou os que não aprendiam eram tratados como burros e isto não estava certo, portanto... Entrevistador - Sabia que a legislação portuguesa prevê que todas as crianças, todas elas, independentemente de terem ou não deficiências, independentemente da sua condição, têm direito a frequentar a escola? Inclusivamente existe, em Portugal, obrigatoriedade de frequência da escola até ao 9o ano, mesmo no caso das crianças com problemas muito graves. O que é que pensa disso? BI - Eu acho bem...é como já lhe disse... elas aprendem a conviver todas juntas. Porque eu acho que têm o direito a aprender como as outras crianças. Entrevistador - Quer dizer terem o direito a conviver juntas, Fazer as aprendizagens juntas?... BI - Exacto, sim. Se colocarem essas crianças de parte elas não aprendem. Ficam sem saber como é conviver com as outras. Às vezes os professores é que não sabem como lidar com elas mas deviam ter mais formação para isso. Por exemplo o M tem uma educadora que trabalha com ele e ele tem desenvolvido muito, está muito diferente. Ao princípio não se percebia nada e ele tinha muitas dificuldades. Penso que ainda usava fralda e tudo. Mas agora está um homenzinho. Muito diferente. As escolas deviam ter mais ajudas assim...não era só na pré que era preciso, também nas outras escolas. Entrevistador - E isso parece-lhe de alguma forma...como é que me hei-de explicar...será que isso é bom para essa criança é bom para os outros? O que é que entende dessa relação? BI - Eu acho que é bom para ela e é bom para os outros porque os outros também ficam a perceber que nem todas as crianças são como eles não é? Porque é mesmo assim. É isso. Há crianças diferentes e é preciso conviver com todos da mesma maneira. Entrevistador - No seu percurso pessoal alguma vez teve alguma experiência de proximidade com uma pessoa com deficiência? BI -Não, por acaso não. Entrevistador - Nunca teve ninguém na família, nem nenhum parente, nem na escola quando a frequentou? BI - Na escola havia uma menina cega mas não era da minha turma. Ela fazia tudo, corria a escola toda sozinha. Entrevistador - Na sua opinião, como é que acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? BI - Como é que deviam ser atendidas?... Entrevistador - Como é que deveria ser a escola para ter as crianças com deficiência? BI - Eu acho que se calhar deveriam ter mais condições para essas crianças, que não têm. As escolas se calhar não têm...como é que eu hei-de explicar?... as condições se calhar necessárias... Entrevistador - Está a falar em condições físicas? BI - Sim, é isso. A escola em si não está preparada para estas crianças. Entrevistador - E em termos humanos, o que é que pensa? BI - Eu acho que também há muita gente que se calhar...marginaliza um bocado...essas crianças. É o que eu penso. Tanto os professores como as empregadas da escola. E também alguns pais. Todos deviam saber dar o valor de ter um filho assim. E também a própria criança sente que é diferente e que a tratam diferente... chega a uma altura que começa a perceber o que se passa... Deviam dar mais carinho a essas crianças e ajudá-las mais...é o que eu penso! Entrevistador - Exacto. A última questão que eu lhe queria pôr era: que expectativas tem face ao futuro do J? Falo do futuro escolar...e não só! BI - Espero que ele tenha sucesso na escola...que consiga mais do que eu não consegui, que consiga tirar um curso. É isso que nós vamos esperar que ele consiga. Gostava que ele fosse qualquer coisa na vida mas uma coisa que ele gostasse. Também não o vamos contrariar se ele quiser ir por ali, por outro caminho, mas era importante que fosse para a universidade. Era o que eu e o pai queríamos mas, se ele não quiser, paciência. Ele é que tem que escolher...mas... ele é um miúdo muito inteligente, aprendeu a 1er sozinho e tudo, pensamos que ele vai conseguir ser o que quiser. Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA B2 Entrevistador - Por que motivo é que escolheu este Jardim de Infância para a sua filha? B2 - Por motivos económicos. É o único onde a gente tem possibilidade de estar pelo estado, pela segurança social e nós não precisamos de tanto dinheiro para estar a pagar a infantários particulares. Os particulares são muito mais caros e antes dos três anos não há muita escolha. Eu não a queria pôr numa ama. Não gosto. Falaram-me neste jardim, que se pagava de acordo com os rendimentos e eu experimentei e não pago muito. Entrevistador - Então as mensalidades neste infantário baseiam-se no rendimento per capita, é isso? B2 - É. É da Santa Casa da Misericórdia. Entrevistador - Foi essa a principal razão da sua escolha? B2 - Sim foi essa a principal razão. Mas a pessoa que me disse para vir aqui também me falou que era bom e que as crianças eram muito bem tratadas. Entrevistador - Quando matriculou a sua filha tinha alguma ideia, sabia que havia crianças com deficiência na turma? B2 - Não, não. Até estive um ano à espera para a minha filha entrar. Por isso não sabia que grupo é que ela ia ter nem quem eram as crianças nem nada. Nem sabia quem era a educadora nem nada. Entrevistador - Pois, não sabia para que turma é que ela ia? B2 - Não sabia para que turma é que ela ia. Entrevistador - E qual é a sua opinião sobre esse facto, sobre o facto de ter na turma uma criança com deficiência? B2 - Acho bem. As crianças têm que ser tratadas num grupo normal, com crianças normais, para ver se conseguem levar uma vida normal como outra criança qualquer. Não vamos discriminar uma criança por ter uma deficiência. Isso é um grande erro porque ela está cá, não pediu para nascer assim e é uma criança como outra qualquer. Na minha opinião é muito importante para a criança ...e para os pais que ela esteja numa escola como as outras. Estas crianças não podem ficar em casa. É mau para elas e os pais delas também têm que trabalhar como os outros. Então onde é que elasficavam?Em casa sozinhas? Isso não podia ser... Entrevistador - Portanto, sabe que a legislação portuguesa legitima, incentiva, diz que todos os cidadãos têm direito à mesma educação. A própria Constituição da República refere isso. E para todas as crianças existe a obrigatoriedade de frequência até ao 9o ano. O que é que acha disso? B2 - Acho que sim mas... não estão a facilitar nada em crianças com deficiências mais profundas. Entrevistador - Acha que não é fácil? B2 - Não. É quase impossível. Para estas crianças não há... nada que seja, pronto, gratificante para os pais. Os pais gastam muito mais dinheiro do que nós e eles não ajudam nada a integração. Cada vez se vêem mais esses casos na televisão. Entrevistador - E acha que a escola está ou não preparada para receber estes meninos? B2 - Esta escola está. Entrevistador - Esta aqui?! B2 - Esta está mas as outras não sei... Entrevistador - Mas em termos de futuro como é que pensa que a escola deve reagir à criança com deficiência? B2 - Vê-la como uma criança, como outra criança qualquer. São seres humanos...como nós! São crianças como as nossas. As minhas duas têm saúde, graças a Deus, mas é preciso saber dar valor a isso. A escola deve ter mais cuidado a receber estas crianças, deve atendê-las como às outras, como normais. E saber levá-las e ajudá-las a aprender mais da vida. Entrevistador - No seu percurso pessoal alguma vez teve alguma experiência de proximidade com uma pessoa com deficiência? B2 - Tenho um tio direito que vive com os meus pais. Teve meningite em bebé e ficou muito apanhado. Não consegue quase comer, não consegue quase falar. Andar, anda muito mal. Está em casa dos meus pais. E sempre foram eles que trataram dele desde que a minha avó morreu. Olhe esse meu tio nunca andou na escola. Naquele tempo era assim. Não era nada como hoje. Hoje está tudo muito diferente e esses meninos já vão à escola e aprendem coisas. O meu tio quase nunca sai de casa, só para ir ao médico e pouco mais. Entrevistador - E acha que isso influenciou a sua opinião sobre o atendimento às crianças com deficiência? B2 - Não, não tem nada a ver. Eu mesmo antes de ele viver com os meus pais já assim pensava nestas crianças. As crianças não têm culpa de nascerem com deficiência assim como nós não temos culpa de elas terem nascido com deficiência. Eu penso que têm os mesmos direitos das crianças sem deficiência porque também são crianças antes de mais. Isto é o que eu penso e sempre pensei assim. Não é por causa do meu tio, não. Entrevistador - Já disse, portanto, que se tratava de uma relação pessoal. Tem uma relação muito directa com a pessoa de quem está a falar? B2 - Sim, tenho. Entrevistador - Na sua opinião, como é que acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? B2 - Como uma criança normal. Sabemos que a criança é deficiente mas... de vemos tentar ocupá-la como uma criança normal. Agir como se ela fosse normal - não é dizer coitadinha - é uma criança. Os coitadinhos não vão a lado nenhum, nem levam a nada. Entrevistador - Então acha bem que as crianças com deficiência estejam na escola? Entendi bem? Em relação à escola como é que deve ser o atendimento a estas crianças? B2 - Sim. Eu acho bem. Claro que têm que ter um apoio um bocado, um bocado diferente mas tentar levar a criança como outra criança normal. Não ser o "Ai Jesus" e as outras crianças não. Deve ser levada no global, num grupo, tal e qual, para ela se adaptar bem ao grupo dela. E o grupo também se adaptar a ela e não a verem como uma coitadinha. Entrevistador - Para finalizar gostaria de saber que expectativas tem face ao futuro da B.? B2 - Não sei, ela é muito inteligente. A minha filha é muito inteligente, graças a Deus. Já sabe muita coisa e faz comparações que outras crianças da idade dela não fazem. Tem conversas que me surpreendem muito Não sei o futuro dela, ninguém sabe. Entrevistador - Mas o que é que a senhora gostava que fosse? B2 - Que seguisse um curso superior. Que tivesse mais alguma coisa que eu. E tivesse um bom emprego e não tivesse que passar dificuldades. Entrevistador - E em termos humanos como é que acha que ela deveria ser? B2 - Uma pessoa boa, sem dúvida! Isso sem dúvida! Entrevistador - E acha que ela vai desenvolver essas competências? B2 - Vai! Ela é uma criança meiga, calma, carinhosa, preocupa-se muito com os outros. Está sempre a perguntar: - Ó mãe estás bem? - Ó pai estás bem? Ela é muito carinhosa, gosta muito das pessoas e preocupa-se com todos, até com a irmã apesar dos ciúmes que tem dela... Em casa ela fala muito da L e preocupa-se e pergunta : - Ó mãe porque é que a L é assim? E eu expliquei-lhe. Ela agora fala dela como dos outros. Ela vê essa criança igual aos outros, não tem nada a ver que ela tenha deficiência ou não. A menina dela é uma menina normal, é uma colega dela, da escola. A minha filha é muito amiga e carinhosa! Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA B3 Entrevistador - Por que motivo escolheu este jardim de infância para o seu filho? B3 - Porque era o que ficava mais perto do meu local de trabalho e de onde tenho as pessoas que cuidam dele, que o vão buscar, que o vão levar... Entrevistador - Tinha alguma preferência pelo jardim de infância, já conhecia? Não conhecia? B3 - Já! Perguntei se era um sítio em condições e deram-me boas referências sobre isso. Mesmo muito boas e isso também conta, não é? Entrevistador - Quando matriculou o seu filho sabia que na turma dele havia crianças com deficiência? B3 - Não sabia porque o R já lá está à dois anos e o H só foi o ano passado. Entrevistador - Portanto o H entrou mais tarde. B3 - Sim. Entrevistador -Qual é a sua opinião sobre isso? B3 - Para mim é normal quanto a isso não vejo que haja algum problema sobre isso. Para mim é uma criança como outra qualquer, não é pelo facto de ter a deficiência que é uma criança diferente. É diferente de uma maneira mas é uma criança como outra qualquer, precisa de acompanhamento e precisa de conviver, precisa de estar com as outras crianças como qualquer outra criança. Não vejo nada de anormal nisso. Entrevistador - A legislação portuguesa incentiva a inclusão das crianças com necessidades educativas especiais neste caso, uma criança com deficiência na sala. Portanto, têm direito à educação como as outras crianças e a nossa Constituição da República prevê esse mesmo direito à educação. Por outro lado há leis que obrigam que a criança permaneça durante os nove anos de escolaridade obrigatória nas escolas junto com os outros meninos, com os pares do nível etário. Todas as crianças do pré-escolar ao nono ano têm a escolaridade assegurada. O que pensa disso? B3 - Eu penso que isso é uma coisa que deve ser e para mim é normal. Isso também depende de criança para criança. Há crianças com deficiências que se integram bem e há outras crianças que têm mais dificuldades. Portanto depende também se essa criança não vai, por exemplo, para uma sala de aula perturbar. Por exemplo... agora num jardim de infância é brincar e não perturba nada. Toda a gente brinca e toda a gente dá atenção mas... por exemplo quando chegam a uma primária é diferente. Porque as crianças vão para aprender e agora depende se a criança vai perturbar a aprendizagem das outras crianças ou não. Portanto há muita coisa que tem que ser posta em questão...eu por mim é normal uma criança com deficiência. Eu penso que uma grade parte das crianças se lhe for dada assistência como deve de ser integram-se como qualquer outra criança e pelo que já me apercebi no H e pelo pouco que tenho visto, penso que foi uma criança que se integrou. Eu noto, por exemplo quando vou levar o R, quando vem a entrar (referindo-se à criança com deficiência evidente), ele vai com uma cara de feliz, alegre. E por acaso hoje até comentei isso porque noto que a criança vai feliz. Vai alegre. Gosta de estar ali e na minha opinião dá-me ideia que ele ao gostar também se integrou. Também convive com as outras crianças. Agora o aceitamento das outras crianças...vejo que notam a diferença porque o atormentam um bocado. E qualquer coisa que se faz é logo: "foi o H"! E eu noto isso no R, no meu filho e tento combater essa ideia. Tento que ele tem que ser amigo dele e tem que o ajudar mas noto que nas conversas que as outras crianças são um bocado implacáveis, não pensam como nós. Entrevistador - Acha que tem influência o facto do H ter entrado mais tarde naquele grupo? B3 - Se calhar se eles tivessem iniciado todos juntos possivelmente houvesse uma amizade diferente. Ele como veio depois...ouve um grupinho que se criou dos mais velhos que eram guardados pelos mais velhos que saíram e ficaram aqueles todos e os mais novos agora estão a ser alvos da atenção. Agora o H...eu noto...também nunca lhe perguntei em relação a outro menino, também nunca houve uma afirmação em relação a outro menino. Não sei se em relação aos outros meninos também se tem a mesma ideia, isso agora também não sei não posso falar sobre isso mas realmente já me apercebi que há ai qualquer coisinha... Quando se estraga qualquer coisa " foi o H!" Tem tendência logo a por... Porquê? O H é maior que eles... Talvez isso também tenha um bocado...e como tem mais força que eles, talvez isso também tenha um bocado de influência. Mas eu penso que eles no fundo...todos juntos...que até brincam, que até se integram eu penso que sim. Entrevistador - No seu percurso pessoal teve alguma experiência...assim de proximidade com uma pessoa com deficiência? B3 - Não. Nunca tive. Entrevistador - Nem na família um parente com problemas, nem na escola...? B3 - Tenho. Por acaso tenho uma tia que é esquizofrénica e penso que é a única pessoa assim. Não com um grau de deficiência muito elevado. Entrevistador - E que relação é que tinha com essa sua tia? B3 - Uma relação normal, não há uma grande amizade há mais o termo família porque ela é uma pessoa que não se pode fazer grande amizade. São pessoas que não se pode falar nada porque são pessoas que contam tudo. Então o que se fala é só as questões do dia a dia, aquelas coisinhas, que não se pode desenvolver uma grande relação. Entrevistador - Na sua opinião, como é que acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? B3 - Atendidas em que aspecto? Entrevistador - Em termos escolares. B3 - Voltamos à questão. Acho que as crianças deviam ser todas integradas porque eu tenho a ideia que se as crianças fossem ajudadas e bem ajudadas elas podiam ser úteis à sociedade. Há casos na Câmara (Câmara Municipal), a trabalharem. Pessoas com deficiências e desempenham bem as suas funções. E muito mais agradável ter uma pessoa a fazer nem que seja andar a entregar correio como é o caso de pessoas que conheço do que estarem enfiadas num buraco qualquer, isolados. Cabe à sociedade também mudar um bocadinho de si e ajudar essas pessoas, integrá-las pelo menos. Se a gente pode trabalhar...por exemplo um deficiente mental não é deficiente dos braços pode trabalhar não é? Entrevistador - Sim... B3 - E não é a sociedade estar a pagar para essas pessoas estarem num sítio isoladas, elas podem trabalhar. Entrevistador - De uma certa óptica, as pessoas são muito mais felizes quando se sentem úteis. B3 - É a minha opinião. Por exemplo, ter uma escola própria para essas crianças que é o estado que tem que pagar, ou por outra, são os contribuintes que pagam e...numa grande parte dos casos se as crianças fossem acompanhadas desenvolviam-se tão bem como outra criança qualquer. Eu acho que todas as pessoas podem trabalhar à sua maneira, logicamente tem outras formas de serem úteis à sociedade. Se não podem fazer uma coisa podem fazer outra. Entrevistador - Que expectativas tem face ao futuro do seu filho? E uma pergunta que eu faço aos outros pais, que expectativa têm em relação ao futuro doR? B3 - Vai-se fazer os possíveis. Entrevistador - Expectativas, tem? B3 - Lógico, todos os pais têm (espectativas). Vamos ver, vamos tentar acompanha-lo o máximo possível, ajuda-lo o máximo possível Entrevistador - Estamos a falar isto em termos de futuro escolar em termos de progressão académica? B3 - Sim.(Falamos de progressão académica) Vamos ver, ele pode chegar a uma altura e não querer. Não sou eu que vou impor. Vamos acompanhar, vamos fazer os possíveis. Entrevistador - E como pessoa como é gostava que fosse como pessoa? B3 - Que fosse um bocado como eu e como o pai. Entrevistador - Gostaria de falar mais sobre isso? B3 - Claro! Pelo menos tento passar alguns valores. Quando ele diz alguma coisa: "o H foi isto, foi não sei quê", tento logo dizer e tento explicar que é uma criança diferente e que precisa é da ajuda dele e não das críticas dele. Logicamente tento incutir o valor...principalmente o valor da amizade e da ajuda. E gostava que ele fosse uma criança com valor um homem com valores e feliz. Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA B4 Entrevistador - Por que motivo é que escolheu este jardim de infância para a sua filha? B4 - O primeiro e principal motivo é porque fica lá ao pé de casa, esse é logo o primeiro e depois ouvi falar muito bem daquela escola. Entrevistador - Tinha boas informações? B4 - Sim. Tinha boas informações daquela escola, tive colegas minhas que os filhos já passaram lá e gostaram deles lá e eu entendi que a minha filha ali também ficava bem. E gosto do jardim e de todo o pessoal. Estou satisfeita com o atendimento de um modo geral. O facto deficarperto de casa ainda ajuda mais. Entrevistador - Quando matriculou a sua filha sabia que havia crianças com deficiência na sala? B4 - Sabia, através de... Por acaso sei porque eles (os pais do menino com deficiência) são meus colegas. Soube através deles que o filho deles também ia para lá, mas não me incomoda nada. Entrevistador - Qual é a sua opinião sobre isso? B4 - Acho... Acho que é muito importante as outras crianças depararem-se com uma situação diferente e começarem assim a viver a vida com crianças diferentes. Acho que é muito bom para todas as crianças. Entrevistador - Acha que é importante na vivência delas contactar com crianças diferentes? B4 - Exactamente, eu acho que sim. É muito importante o contacto com crianças diferentes, aprender a conviver desde cedo com essas diferenças vai deixá-los mais preparados para a vida. Entrevistador - Isso traz benefícios ás crianças em si? B4 - Eu acho que sim, até mesmo ao nível emotivo. Para as crianças... para elas terem um sentimento, uma forma de actuar diferente. É perceber que há diferença do que eles fazem para os outros colegas. E que para aqueles tem que ser diferente. Eu penso que a minha filha inclusive, ainda hoje fique em casa de manhã com ela porque ela de noite portou-se muito mal, ela falava-me muito no menino, nesse menino que não me lembro agora do nome. Ela fala muito nele e parece gostar dele. Entrevistador - E o F? B4 - É o F e falava-me muito nele. Falava que o F faz isto e usa um babete e mais não sei quê. Ela fala de tudo o que se passa na escola, de uma maneira geral mas fala também muito do F talvez porque ele lhe chame mais à atenção por ser diferente. Entrevistador - Então acha que as crianças desenvolvem algumas atitudes diferentes em relação à criança com deficiência? B4 - Exactamente... parece, parece que há um maior cuidado. As crianças reparam no que ele faz e ajudam-no quando ele não consegue fazer qualquer coisa. Também já vi isso quando vou levar a minha filha. Entrevistador - Sabia que a legislação portuguesa prevê que todas as crianças, independentemente de terem deficiência ou não, frequentem as escolas regulares e que tenham os mesmos direitos das outras crianças? E ainda que a escolaridade é obrigatória para todos até ao 9o ano? B4-Não. Não sabia. Entrevistador - Ainda não tinha conhecimento? B4-Não. Entrevistador - É verdade. Todas as crianças independentemente de terem ou não deficiência independentemente de serem mais graves ou menos graves têm o direito a frequentar a escolaridade obrigatória junto com as outras crianças da mesma idade e a fazer a progressão inclusivamente junto com o mesmo grupo, de nível escolar para nível escolar até ao 9o ano. O que acha disso? B4 - Sei lá, se calhar para as nossas crianças não será tão complicado como se calhar para eles. Não é? Entrevistador - Sim.? B4 - Porque uma criança dessas se calhar não consegue ter capacidade para acompanhar os outros, não vai conseguir, com certeza que não vai. Quando chega a um certo nível como é que é? Se calhar não consegue acompanhar... Entrevistador - Evidentemente que tem que haver uma intervenção diferenciada, nãoé? B4 - Pois mas mesmo assim será difícil não? Eu não sei muito disso mas não estou a ver como é que o F vai estar numa sala como no ciclo, por exemplo. Deve ser difícil e complicado. Até para os que acompanham e se desenvolvem mais rápido é difícil quanto mais para estas crianças... Entrevistador - Sim... B4 - Para as nossas penso que não faz diferença, para eles penso que vai ser muito bom. Mesmo muito bom, para eles. Entrevistador - Porquê? B4 - Porque sentem-se integrados com os colegas, não se sentem rejeitados. Não é? E ao ponto de ser uma felicidade para eles e eles precisam de ser felizes. Não é? Entrevistador - Será que eles não sentem que de certa forma estão mais bem incluídos socialmente? B4 - Exactamente. Entrevistador - Estão com grupos de iguais. B4 - Exactamente, sempre com os mesmos colegas. E os colegas também eles próprios, os meses vão passando e eles vão integrando a criança com eles nas brincadeiras deles. Ora se no primeiro ano estão com as mesmas crianças, no segundo ano com as mesmas crianças eles conhecem-se todos eles vão brincando todos juntos. Acho que é muito bom, acho que é muito bom para as crianças em geral. Entrevistador - No futuro como é que acha que eles serão quando forem adultos? Se calhar já me estou a adiantar um bocadinho na conversa... B4 - Pois aí não faço ideia mas espero que... Eu... É difícil responder a isso porque eu não tenho colegas, nunca convivi com, directamente com crianças assim. Entrevistador - Já está a responder-me á pergunta seguinte, que é, se no seu percurso pessoal teve ou não alguma vez contacto com uma pessoa com deficiência? B4 - Pois... Não tive, não tive. Embora tenha duas primas minhas deficientes mas são profundas e estão numa instituição em Fátima. São mesmo deficientes profundas e estão internadas. Portanto com essas crianças não há mesmo hipótese nenhuma de as pôr na escola. Mas nunca directamente, nunca... Lembro-me delas pequeninas, andar com elas ao colo mas quando elas foram para ali para Fátima e eu deixei de ter o contacto com elas. Sei só pelos avós como é que elas estão. Entrevistador - Na sua opinião como é que acha que deveriam ser o atendimento a todas as crianças com deficiência? Como é que acha que deveria ser o atendimento delas em termos escolares? B4 - É complicado. 'E assim, a gente ouve falar na televisão das muitas coisas que existem por esse país fora. É uma vergonha, que é mesmo, tirarem certas professoras especializadas das escolas e as crianças ficam sem ninguém, é muito triste, mesmo muito triste. Porque eu acho que essas crianças deviam ter sempre uma escolaridade normal igual às outras mas sempre com uma pessoa ali a acompanhá-las - como aquela escola tem, que é um espectáculo. Eu vou mais cedo buscar a minha filha e apareço de surpresa. Elas não sabem que eu estou lá e eu vejo a maneira como elas tratam aquela criança é um espectáculo e acho que a todas as crianças... E o garoto sente-se lá bem, portanto eu acho que todas as crianças deviam de ter a mesma oportunidade para se sentirem felizes. Acho que eles se sentem felizes se não forem estas coisinhas assim onde é que eles vão buscar a felicidade? Entrevistador - Exactamente, exactamente, se nós os isolar-mos, se privar-mos do contacto com os outros como é que alguém se pode desenvolver, não é? Nem mesmo os animais conseguem viver isolados. B4 - Exacto, exacto, quanto mais uma criança. Entrevistador - E que expectativas tem face ao futuro da P? O que acha que ela vai ser no futuro em termos escolares e não só? B4 - Em termos escolares ela hoje gosta muito da escola chora se não vai à escola e já quer fazer aquilo que os outros fazem. Portanto ela está no primeiro ano da pré e já quer fazer o que os do segundo estão a fazer. E diz: -Ó mãe porque é que eu ainda não escrevo, porque é que eu não tenho um livro daqueles? Portanto eu penso que ela vai conseguir chegar aos objectivos dela porque ela é uma pessoa muito optimista, mesmo pequenininha, e muito! Fazer aquilo que eu quero está em primeiro lugar Entrevistador - Tem vontade. B4 - Tem vontade e garra. Penso que ela vai conseguir ser aquilo que ela quiser. Em termos de personalidade tem uma personalidade vincada, muito, muito, muito, muito. Entrevistador -E em relação às crianças com deficiência, às pessoas com deficiência? Como é que acha que ela vai ser no futuro? B4 - Acho que vai ser uma boa pessoa e vai ser boa para eles. Exactamente, exactamente, acho sim senhor, acho sim senhor porque eles brincam ali todos eles não põem o garoto de lado para brincarem. O garoto está sempre incluindo nas brincadeiras deles e eu vejo a maneira como ela fala do garoto em casa, portanto ela não o põe de lado. Portanto penso que no futuro ela não vai pôr crianças dessas de lado, penso que não. Pronto já lhe dei a minha opinião acerca da minha filha. É esta. Entrevistador - Muito obrigada. ENTREVISTA B5 Entrevistador - Porque é que escolher este Jardim de Infância para a sua filha? B5 - Ela antes de vir para este jardim já tinha iniciado noutro sem ser este e não se adaptou nada bem. E...este por um lado, estava perto da minha área de trabalho na altura, por outro lado oferecia-me algumas condições em termos de...pelo menos de aspecto e daquilo que eu conhecia de outras pessoas que tinham cá os filhos. Inspirava-me confiança. Até para mais que ela tinha estado noutro Jardim de Infância em que não se adaptou, nem eu gostava! Até porque a C. chegou a ir para a escola às onze da manhã e eu ir buscá-la às quatro da tarde e entrava a chorar e saía a chorar e desde que veio para este jardim de infância mudou completamente, chegando ao ponto de eu a vir buscar às sete da tarde e ela não querer vir para casa. Portanto... Entrevistador - Quando inscreveu a C. Sabia que tinha uma criança com deficiência na sala dela? B5 - Não. Na altura fui informada disso. Tenho ideia de que fui! Ah... Na altura não me fez qualquer tipo de... de... impressão ou o que quer que fosse porque eu sou um bocado (palavra ininteligível) de que as crianças deverão conviver com todo o tipo de ... diferenças que possam existir. Tanto que era um dos motivos porque eu não queria que a C. ficasse cá quando iniciasse a escola primária porque era mais por isso. Porque quer queiramos quer não nem todo o tipo de crianças tem hipótese de vir para este Jardim de Infância. Acho muito importante que na primeira fase da vida deles, até aos seis anos, de facto, estejam... de certa forma protegidos porque nós pais muitas vezes não temos as condições a ... criadas para lhes dar o melhor apoio possível, a partir daí criar outro tipo de horizontes e ver se de facto não é só a superproteção. Acho que têm que criar e têm que se aperceber que existem muitas crianças diferentes se calhar com outro tipo de dificuldades. Se calhar que estão em muito melhores condições(as crianças sem deficiência) mas têm de se aperceber disso mesmo. E eu como andei numa escola privada e não gostei acho que não quero isso. Entrevistadores - Na nossa história de vida acontecem essas coisas... B5-É,é... Entrevistador - Não coloco aqui a questão de qual a sua opinião porque já ma deu entretanto. Penso que na primeira questão. Mudado de questão, sabe que legislação portuguesa, de facto, incentiva a inclusão de crianças com deficiência nas classes regulares? Inclusivamente está consignado este direito na Constituição da República Portuguesa, o acesso à escola por todas as crianças, independentemente da sua condição. E a Escolaridade é obrigatória até ao 9o ano, neste momento. Gostava que comentasse esta afirmação. B5 - Eu acho bem, acho bem porque a... felizmente... já começa a haver essa situação. Não me repugna nada que a minha filha conviva com crianças como a R., nada. Absolutamente nada, antes pelo contrario. Ajuda-nos imenso a nós pais, muitas vezes no exterior, para que elas compreendam que existem outras crianças diferentes, que existem outros adultos diferentes. A C. inclusivamente nunca me - não é envergonhar - mas deixar-nos um bocadinho apreensivos quando às vezes vêem pessoas diferentes. Normalmente, ela tem o cuidado de perguntar mas perguntar discretamente. Eu vejo que, muitas vezes, isso não acontece com outro tipo de crianças que não convivem com outro tipo... com este tipo de crianças como a R. E até já me apercebi que são outras crianças que andam no (nome do jardim) mas que andam em salas diferentes e que... não conseguem tão facilmente, não sei se é por ser a C., mas eu apercebo-me e vejo que as outra crianças que... às vezes eu ia com a C. à piscina e apercebi-me, de facto, que todos eles viam a R. como uma colega perfeitamente igual. Isso eu achei curioso até porque a C. realmente já não é... mesmo logo no primeiro ano a R. foi da turma da C. porque ela ficou duas vezes nos encarnados por causa da idade de entrada para a escola primária. A R. repetiu-se sempre na sala da C. Mas achei sempre que ela encarou com muita naturalidade nunca questionou nada. Nunca pôs problemas nenhuns por ela ser diferente. E eu acho muito bem, como existem por exemplo pessoas de outra cor. Acho que acaba por ser um bocadinho a mesma coisa... e os ciganos acaba por ser tudo a mesma coisa. Eu acho que no futuro ficam um bocadinho mais bem preparados para o futuro. Porque acabam por ir parar a uma sociedade onde se encontra de tudo. E felizmente, a minha filha não nasceu (com deficiência) ... mas se nascesse eu estaria muito bem se a minha filha fosse aceite como a R. Entrevistador - Então vê essa experiência como uma mais valia? B5 - São, são experiências que ficam... Entrevistador - Já teve alguma experiência de proximidade de pessoas com deficiência? Entrevistador - Não, nunca tive, de facto. A primeira experiência de proximidade foi de facto o caso da R.. O primeiro ano é que me apercebi mais porque ia buscar a C. à sala no ano em que ela foi dos amarelos e depois passou para os encarnados e depois já era a A. (nome da educadora). Nesse ano apercebi-me bastante ... da presença. Apercebo-me pouco, neste momento, porque na altura... a R. também houve uma altura em que ia à piscina, neste momento penso que até já nem vai... Entrevistador - Não, não vai por causa dos problemas nos ouvidos... B5 - Exactamente mas eu apercebi-me e... pronto achei... mas de resto nunca tive outro tipo de convivência e assim muito próximo dela, não. Mas apercebo-me que as coisas... convivo com pessoas que até têm familiares deficientes mas não... nunca convivi assim... não de perto. Entrevistador - Na sua opinião, como é que acha que deveria ser o atendimento às crianças com deficiência? O que se lhe oferece dizer sobre isso? B5 - O atendimento...? Entrevistador - Em termos escolares? B5 - Ah, em termos escolares... Tentar que as coisas fossem o mais normais possíveis. Como se elas fossem ah... uma, uma criança perfeitamente normal. De qualquer forma teria que ser diferente para elas porque elas poderiam, poderiam sentir-se... um bocadinho tristes ah... A R. nós temos a sensação de que ela não se apercebe mas eu acho que ele se deve aperceber imenso daquilo que a rodeia, não é? Porque...há crianças com mais, com maiores e outras com menores problemas a... e eu acho que até para os próprios pais, mas neste caso especialmente da R. a ... eu acho que há mais facilidades que deviam ser implementadas e tentar facilitar as coisas... Eu acho que o nosso país também não está preparado para isso. Não sei se algum dia vai estar, não é? A ... nós vamos ao estrangeiro e vimos que as coisas funcionam um bocadinho de maneira diferente, mesmo que a nossa legislação já vai mudando certas coisas. Vejo...tenham que estar preparadas para pessoas com o mínimo de deficiência ou com o máximo de dependência. Mas eu acho que por um lado não se deviam distinguir, não se devia fazer diferenciação mas por outro lado também se deveria permitir que elas a ... fossem tratadas de igual forma, que acedessem aos vários sítios de igual forma... Entrevistador - E que tivessem condições favoráveis... B5 - As mesmas oportunidades que outros que... de facto... seja de nascença, não seja, a ... são seres humanos e isso acho que é muito importante... Propriamente somos todos pessoas na mesma sociedade, mas acho que isto é muito importante. Ninguém está livre de uma situação daquelas... Eu já me tentei pôr um bocadinho na situação dos pais da R... Como é que eu reagiria se eu tivesse uma filha assim... E eu acho que, para já é preciso ter uma força incrível. Uma vez, no hospital, apercebi-me de uma criança que estava para ser operada à vista e a mãe, apercebi-me, estava num dilema e não fazia transparecer que estava muito preocupada com a situação. Mas era de facto, de certeza, preciso ter uma força incrível interior para, para lidar com a situação. Mas também acho que é assim, quando há amor, tudo se consegue. Consegue-se transmitir isso e isso é que é... Entrevistador - Pois é ... B6 - Consegue-se saltar as barreiras... Entrevistador - Que expectativas é que tem face ao futuro da C. ? B5 - Em termos de? Entrevistador - O que é que acha que ela poderá vir a atingir em termos futuros? B5-A... Entrevistador - Ou que tipo de percurso é que gostaria que ela fizesse... B5 - Não me vou tentar importunar. Vou tentar acompanhá-la ao máximo e ajuda-la no sentido de... de que as opções dela sejam as melhores. Não tentarei nunca importunar, até porque se calhar tentar impor à minha filha tirar um curso não...não, não tenho esse tipo de expectativas. É lógico se ela achar bem tirar um curso melhor. Se não vou tentar apoia-la para que ela tenha um percurso normal porque ela também tem uma situação especial. Ela tem noção de que os pais são separados e se calhar sei dar um bocadinho de valor à... se calhar de uma, de uma forma completamente diferente mas é preciso aprender a encarar certas coisas, não é? Mas vou tentar dar o meu apoio e que eu seja vista mais como uma amiga do que propriamente uma mãe que impõe. A ... e... muitas vezes e especialmente na minha geração as coisas eram impostas e eu nunca gostei de ver as coisas como uma imposição e também, também tenho alguma experiência de vida. E por essa experiência de vida gostaria de a ajudar a escolher o que é melhor para ela e eu penso que muitas vezes já lhe consigo transmitir isso e ... pelo menos que ela perceba. Por vezes eu não quero que ela faça ou isto ou aquilo, não por ser melhor ou pior mas que... É aquela tendência de... de ... de achar que é o melhor caminho. Não quer dizer que ela até não tivesse razão mas e...não queria chegar por aí! Porque acho que é correcto. Por outro lado, portanto, só quero que ela esteja bem. Tenho algum receio a ... escrevi isto no papel, hoje fui à escola primária... Porque tenho algum receio pela dificuldade de integração que ela às vezes tem, é um bocadinho estranha e tem dificuldade. Eu espero que como tem esta dificuldade, eu vou tentar ajudar o máximo possível. Também acho que consigo dar-lhe neste momento e neste ano, se calhar há cerca de dois meses para cá, eu consigo dar um melhor acompanhamento à C. Vou tentar ajuda-la a ser o que ela quiser ser... Entrevistador - Muito obrigada pela sua colaboração. 5 o 8 <t ~ H ERRATA Após a impressão desta dissertação foram encontrados alguns erros que podem comprometer a descodificação de alguma informação relevante. Assim decidimos elaborar este documento com o objectivo de corrigir essas folhas. >ag. Deve ler-se Onde se lê Linha 13 8 o recorte espumosos das ondas o recorte espumoso das ondas 17 21 todo a sua beleza toda a sua beleza 30 21 coincidente com uma toma da coincidente com uma tomada 30 25 entretanto consolidados entretanto consolidadas 33 9 induzida pela da separação induzida pela separação 33 14 A necessidades As necessidades 40 18 pessoa com deficiência pessoa com deficiência 42 4 aaueles que se encontram àqueles que se encontram 48 14 avanças no seu próprio avançar no seu próprio 49 3 art°2_daLBSE artigo segundo da LBSE 49 26 conhecimentodominante conhecimento dominante 63 3 mas devem consideradas mas devem ser consideradas 26 apontam para um amento apontam para um aumento 74 79 8 Eji linearidade E, à linearidade 83 11 deveriam funcinar deveriam funcionar 86 22 é explicitada é explicitada 87 13 intervenção consertada intervenção concertada 88 22 de mod a de modo a 91 11 Auscultar como os pais Auscultar os pais 91 13 Auscultar como os pais Auscultar os pais 100 3 não de disperse não se disperse 125 4 sem comtemplacões sem contemplações 129 9 É obvio que faltam uns anos É óbvio que faltam uns anos 129 11 muito séptico muito céptico 130 15 grande maioria dos testesmunhos grande maioria dos testemunhos 130 20 aformação não se constrói A formação não se constrói 131 10 imã efectiva mudança uma efectiva mudança 134 3 possibilidade responder possibilidade de responder