Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 984.803 - ES (2007/0209936-1) RELATORA RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADOS : MINISTRA NANCY ANDRIGHI : GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S) FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S) : HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA : JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S) DIOGO DE SOUZA MARTINS EMENTA Direito civil. Imprensa televisiva. Responsabilidade civil. Necessidade de demonstrar a falsidade da notícia ou inexistência de interesse público. Ausência de culpa. Liberdade de imprensa exercida de modo regular, sem abusos ou excessos. - A lide deve ser analisada, tão-somente, à luz da legislação civil e constitucional pertinente, tornando-se irrelevantes as citações aos arts. 29, 32, § 1º, 51 e 52 da Lei 5.250/67, pois o Pleno do STF declarou, no julgamento da ADPF nº 130/DF, a não recepção da Lei de Imprensa pela CF/88. - A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade. - A honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além disso, são do interesse público. - O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará. - O jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar. Isso não significa que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque os meios de comunicação, como qualquer outro particular, não detém poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la a morte. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial. - A reportagem da recorrente indicou o recorrido como suspeito de integrar organização criminosa. Para sustentar tal afirmação, trouxe ao ar Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 de 19 Superior Tribunal de Justiça elementos importantes, como o depoimento de fontes fidedignas, a saber: (i) a prova testemunhal de quem foi à autoridade policial formalizar notícia crime; (ii) a opinião de um Procurador da República. O repórter fez-se passar por agente interessado nos benefícios da atividade ilícita, obtendo gravações que efetivamente demonstravam a existência de engenho fraudatório. Houve busca e apreensão em empresa do recorrido e daí infere-se que, aos olhos da autoridade judicial que determinou tal medida, havia fumaça do bom direito a justificá-la. Ademais, a reportagem procurou ouvir o recorrido, levando ao ar a palavra de seu advogado. Não se tratava, portanto, de um mexerico, fofoca ou boato que, negligentemente, se divulgava em cadeia nacional. - A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe seja, de fato, existia e era, à época, fidedigna. Se hoje já não pesam sobre o recorrido essas suspeitas, isso não faz com que o passado se altere. Pensar de modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que divulgue investigação ou ação penal que, ao final, se mostre improcedente. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). JOSÉ PERDIZ DE JESUS, pela parte RECORRENTE: GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A. Dr(a). JAQUES MARQUES PEREIRA, pela parte RECORRIDA: HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA. Brasília (DF), 26 de maio de 2009(Data do Julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 2 de 19 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 984.803 - ES (2007/0209936-1) RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADOS : GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S) FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S) : HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA : JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S) DIOGO DE SOUZA MARTINS RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por Globo Comunicações e Participações S/A, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/ES. Ação: Hélio de Oliveira Dorea ajuizou ação de reparação por danos morais e materiais contra a recorrente, em razão de reportagem veiculada no programa Fantástico em maio de 2002 sobre suposta corrupção na Prefeitura de São Gonçalo (RJ). Afirmou não estar envolvido nos fatos e que a "versão fantasiosa " do programa televisivo teria lhe causado danos, como o afastamento do jornal onde trabalhava e a diminuição no faturamento de suas empresas, inclusive com o encerramento de uma delas. Pleiteou, além da indenização, direito de resposta (fls. 03/13). Sentença: Julgou procedentes os pedidos, condenando a recorrente a pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais e R$ 6.543.774,71 (seis milhões, quinhentos e quarenta e três mil, setecentos e setenta e quatro reais e setenta e um centavos) de danos materiais, com juros legais e correção desde a propositura da ação e honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre a condenação (fls. 306/320). Acórdão: Deu parcial provimento ao apelo da recorrente, tão-somente para determinar que o montante dos danos materiais seja apurado na Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 3 de 19 Superior Tribunal de Justiça fase de liquidação de sentença (fls. 408/437). Recurso especial: Alega a recorrente violação dos seguintes dispositivos legais: 1) art. 927 do CC - ausência dos requisitos fundamentais do dever de indenizar e alto valor fixado para os danos morais; 2) arts. 51 e 52 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) - liberdade de manifestação do pensamento e da informação e necessidade de limitação do montante indenizatório; 3) arts. 5º, IX e XIV e 220 da CF; 4) art. 186 do CC - inexistência de nexo de causalidade e culpa para reparação dos danos materiais; 5) arts. 29 e 32, § 1º, da Lei 5.250/67 incompetência absoluta do Juízo Cível para decidir sobre o pedido de resposta e descabimento da resposta diante do pedido de indenização (fls. 442/468). Foram apresentadas contrarrazões (fls. 514/540); admissibilidade positiva perante o TJ/ES (fls. 542/543). É o relatório. Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 4 de 19 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 984.803 - ES (2007/0209936-1) RELATORA RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADOS : MINISTRA NANCY ANDRIGHI : GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S) FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S) : HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA : JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S) DIOGO DE SOUZA MARTINS VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cinge-se a lide a definir a responsabilidade da imprensa televisiva por veicular reportagem na qual o recorrido é apontado como suspeito de participar de uma organização criminosa. I. Preliminarmente: da ADPF 130/DF no STF. Inicialmente destaco que o Pleno do STF, por maioria, julgou procedente, em 30.04.2009, o pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/DF para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa, nos termos do voto do i. Min. Relator, Carlos Britto. Assim, a lide deve ser analisada tão-somente à luz da legislação civil e constitucional pertinente, tornando-se irrelevantes as citações aos arts. 29, 32, § 1º, 51 e 52 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa). II. Violação de dispositivos constitucionais (arts. 5º, IX e XIV e 220 da CF). Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 5 de 19 Superior Tribunal de Justiça O recurso especial tem sua fundamentação vinculada às hipóteses expressamente previstas nas alíneas do art. 105, III, da CF, dentre as quais não se encontra violação a dispositivos constitucionais. Assim, eventual contrariedade aos arts. 5º, IX, XIV, e 220, ambos da CF, deveria ter sido suscitada com a interposição do competente recurso extraordinário perante o STF. Neste ponto, não se conhece do recurso especial. III. Nexo causal e culpa (arts. 186 e 927 do CC/02). III.1. Admissibilidade. Os fatos que deram origem à pretensão do recorrido não são objeto de disputa entre as partes. Em uma primeira oportunidade, a recorrente exibiu reportagem na qual procurava denunciar a existência de organização criminosa, com atuação nos Estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Ocorre que a morte do advogado Marcelo Denadai ensejou nova reportagem, exibida no dia 5.05.2002, durante o programa dominical denominado “Fantástico”. Nessa oportunidade foram feitas as afirmações relevantes para a controvérsia. Uma fonte jornalística, cuja identidade foi mantida em sigilo, revelou que chegou a participar da empreitada ilícita, financiando-a, mas que, a partir de certo momento, passou a ser ameaçado. Com isso, a fonte decidiu delatar a organização criminosa, contratando o advogado Marcelo Denadai para que, em seu nome, apresentasse notícia crime contra a denominada “máfia das prefeituras”. A fonte revelou não ter “dúvida nenhuma que Marcelo foi morto por essa organização criminosa” (fls. 04). A reportagem veiculou, ainda, a opinião do Procurador da República, Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 6 de 19 Superior Tribunal de Justiça Edson Abdon Peixoto, para quem “essas empresas (...) que são citadas e as pessoas que se encontram na notícia crime, elas têm uma certa influência na sociedade capixaba de tal modo que podem ter sido, encomendado sim a morte do senhor Denadai” (fls. 07). O nome do recorrido é mencionado em duas oportunidades. Na primeira, o narrador da reportagem afirma que o recorrido teve seu nome citado “na notícia crime como parte da máfia das prefeituras” . Na segunda, a fonte revela que teria sido ameaçada pelo recorrido, verbis : “Pessoa não identificável : Não devia contar nada para ninguém e jogaram, o sogro do Vitor Sarlo me ligou que minha vida estaria acabada... que ele ia me perseguir junto ao Tribunal de Justiça, junto à Polícia Federal, junto à Receita Federal... Repórter entrevistador : O Hélio? Pessoa não identificável : O Hélio Dórea. Porque o prestígio dele, eu era muito pequenininho, eu seria um grão de areia no mar de Camburi. Foi aí que eu procurei o Marcelo, que eu não estava agüentando mais a pressão”. Ao encerrar a reportagem, o narrador destacou que o recorrido foi procurado e seu advogado assim se manifestou sobre a reportagem: “não há nenhuma vinculação de qualquer fato concreto a um envolvimento do meu cliente (...) com uma situação de negócio, que, se existente, poderia gerar evidências, evidências que deveriam ser apuradas” (fls. 07). O TJ/ES viu, nessa situação de fato, abuso do direito de informar, com ânimo de difamar e caluniar, destacando que “a simples pecha de suspeito atribuída ao apelado (...) já se faz conduta suficiente a ensejar danos à honra objetiva (social) e subjetiva (íntima) do autor, merecendo, assim, repreensão judicial” (fls. 427). É nesse contexto que surge a suposta violação aos arts. 186 e 927 do CC/02, sendo certo que, no recurso especial, a recorrente afirma não estarem Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 7 de 19 Superior Tribunal de Justiça presentes os requisitos para que lhe imputem responsabilidade civil. Não haveria culpa e tampouco nexo causal. Vê-se, portanto, que a questão trazida a lume não exige reexame de provas, mas apenas que se afira a exatidão das conclusões jurídicas que são extraídas dos fatos soberanamente reconhecidos pelo TJ/ES. Além disso, mesmo sem ter feito menção expressa aos arts. 186 e 927 do CC/02, o TJ/ES analisou profundamente a questão da responsabilidade civil do veículo de imprensa, razão pela qual se encontram implicitamente prequestionados esses dispositivos de lei. Isso é o quanto basta para a admissibilidade do recurso especial. III.2. Liberdade de imprensa. A lide que ora se apresenta tem, como pano de fundo, um conflito de direitos constitucionalmente assegurados. A Constituição Federal assegura a todos a liberdade de pensamento (art. 5º, IV, da CF), bem como a livre manifestação deste pensamento (art. 5º, IX, da CF) e o acesso à informação (art. 5º, XIV, da CF). Esses direitos salvaguardam a atividade da recorrente. No entanto, são invocados pelo recorrido os direitos à reputação, à honra e à imagem, assim como o direito à indenização pelos danos morais e materiais que lhes sejam causados (art. 5º, X, da CF). A solução deste conflito não se dá pela negação de quaisquer desses direitos. Ao contrário, cabe ao legislador e ao aplicador da lei buscar o ponto de equilíbrio onde os dois princípios mencionados possam conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora. A questão não é substancialmente diversa de tantas outras que se apresentam cotidianamente ao Poder Judiciário, mas merece ser vista com cautela, Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 8 de 19 Superior Tribunal de Justiça para que se esclareçam os limites da liberdade de expressão. Nessa busca por harmonização, é essencial o manejo correto das regras de responsabilidade civil, pois só elas podem indicar onde há abuso de liberdade e lesão injustamente causada a outrem. III.3. Relevância e Veracidade da Informação. Já tive oportunidade de asseverar, em outra oportunidade, que “a liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade” (REsp 896.635/MT, 3a Turma, minha relatoria, DJe 10/03/2008). Com isso quis dizer que, em regra, a honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além disso, são do interesse público. A apuração do interesse público é relativamente simples. Em hipóteses como a desses autos, justifica-se a divulgação de informações a toda a sociedade civil. Supostamente, estar-se-ia diante de organização criminosa, com influência sobre a administração pública. Mas além disso, era certa a existência de um homicídio, praticado contra um advogado, fato a ser devidamente investigado. A observância do dever de veracidade exige, no entanto, maior atenção. Isso porque o juízo de veracidade, quando abstratamente considerado, só pode levar a dois resultados: a informação é falsa ou verdadeira. Não há outras alternativas possíveis. Nesse ponto, na tentativa de demonstrar a falsidade do que foi dito a seu respeito, o recorrido, ao propor sua inicial, propõe pequeno, mas relevante, desvio de perspectiva. Ele pretende convencer que não participou de organização Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 9 de 19 Superior Tribunal de Justiça criminosa, que não ameaçou a fonte da emissora e que não estava envolvido em qualquer crime de homicídio. Ocorre que a reportagem sob análise em nenhum momento afirmou aquilo que o recorrido afirma ser falso. A recorrente afirmou que o recorrido era apenas suspeito de pertencer a organização criminosa. Ademais, foi dito que a organização criminosa era suspeita de ordenar o homicídio de um advogado. Feito esse reparo, fica mais fácil observar que a problemática central desta lide recai mais propriamente sobre a possibilidade de se afirmar que alguém é suspeito. Quando é possível afirmar livremente que alguém é suspeito de algo? É essa pergunta que exige resposta. Para enfrentar esse problema, deve-se ter em mente aquele que talvez seja o requisito mais importante para aferir a responsabilidade do veículo de imprensa, qual seja, a culpa. De fato, os veículos de imprensa e comunicação sujeitam-se a um regime de responsabilidade subjetiva, não havendo que se falar aqui de responsabilidade por risco. Conseqüentemente, não basta a divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a inveracidade da informação propalada. A doutrina especializada de Enéas Costa Garcia, com apoio no direito anglo-saxão, afirma que “a regra da 'actual malice' significa que o ofendido, para lograr êxito na ação de indenização, deve provar a falsidade da declaração e que o jornalista sabia da falsidade da notícia (knowledge of the falsity) ou teria demonstrado um irresponsável descuido (reckless disregard) na sua conduta. Não basta a falsidade da notícia” (Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 140). O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 0 de 19 Superior Tribunal de Justiça divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar. Diz-nos a doutrina que “quanto mais séria, ofensiva ou improvável for a notícia, maior deve ser o grau de investigação, mais detalhada deve ser a aferição de sua credibilidade” (Op. Cit., p. 148). Não é por outro motivo que o Código de Ética do Jornalista estabelece que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação” (art. 7o). O compromisso ético com a verdade exige a obrigação natural de escutar ambas as partes envolvidas em um determinado fato para que, assim, o leitor possa formar sua opinião ou, pelo menos, para que ele, leitor, tenha em mãos elementos suficientes para discordar da opinião crítica manifestada pelo jornalista. Por isto, o Código de Ética profissional estabelece que “o jornalista deve: a) ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas, objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas; b) tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar” (art. 14). Feitas essas observações e voltando os olhos à hipótese desses autos, constata-se que a reportagem da recorrente, para sustentar essa sua afirmação, trouxe ao ar elementos importantes, como o depoimento de fontes fidedignas, a saber: (i) a prova testemunhal de quem foi à autoridade policial formalizar notícia crime; (ii) a opinião de um Procurador da República. Ademais, os autos revelam que o próprio repórter fez-se passar por agente interessado nos benefícios da atividade ilícita, obtendo gravações que efetivamente demonstravam a existência de engenho fraudatório. Não se tratava, portanto, de um mexerico, fofoca ou boato que, negligentemente, se divulgava em cadeia nacional. Acresça-se a isso que o próprio recorrido revela que uma de suas empresas, a HRD Comunicação Ltda., foi objeto de busca e apreensão (fls. 10; Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 1 de 19 Superior Tribunal de Justiça 388; e 528). Daí infere-se que, aos olhos da autoridade judicial que determinou tal medida, havia fumaça do bom direito a justificá-la. Por outro lado, a reportagem procurou ouvir o recorrido, levando ao ar a palavra de seu advogado, segundo o qual “não há nenhuma vinculação de qualquer fato concreto a um envolvimento do meu cliente (...) com uma situação de negócio, que, se existente, poderia gerar evidências, evidências que deveriam ser apuradas” . Ao público foram dadas as duas versões do fato: a do acusador e a do suspeito. Os elementos que cercaram a reportagem também mostravam que haviam fatos a serem investigados. Embora se deva exigir da mídia um mínimo de diligência investigativa, isso não significa que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque a recorrente, como qualquer outro particular, não detém poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la a morte. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial. Por tudo isso, vê-se claramente que a recorrente atuou com a diligência devida, não extrapolando os limites impostos à liberdade de informação. A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe seja, de fato, existia e era, à época, fidedigna. Se hoje já não pesam sobre o recorrido essas suspeitas, isso não faz com que o passado se altere. Pensar de modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que divulgue investigação ou ação penal que, ao final, se mostre improcedente. Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 2 de 19 Superior Tribunal de Justiça Por todos esses motivos, deve-se concluir que a conduta da recorrente foi lícita, havendo violação aos arts. 186 e 927 do CC/02. Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. O recorrido arcará com as despesas processuais e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% sobre o valor da causa. Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 3 de 19 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 984.803 - ES (2007/0209936-1) RELATORA RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADOS : MINISTRA NANCY ANDRIGHI : GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S) FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S) : HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA : JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S) DIOGO DE SOUZA MARTINS VOTO O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Senhor Presidente, também na linha dos votos precedentes, louvando, embora, o trabalho dos dois causídicos, acompanho S. Exas. Realmente, quanto ao prequestionamento, V. Exas. foram claríssimos: não é condition sine qua do conhecimento do recurso especial; basta que a matéria já esteja prequestionada, discutida, explícita ou implicitamente, como foi o caso. No mais, não tenho outras palavras senão louvar o bem lançado voto, como sói acontecer, da eminente Ministra Nancy Andrighi, aliás não só nesta oportunidade como em outras, a respeito da liberdade de imprensa. Reconheço que não é fácil, como disseram V. Exas., como já disse a Sra. Ministra Relatora, quando estão em jogo dois direitos fundamentais – o direito à liberdade e o direito à honra –, saber qual deles tem a precedência. Parece que cada caso deve ser visto analisando os elementos que o compõem. Neste caso, S. Exa., em seu voto, demonstrou que não houve açodamento da notícia, que não houve notícia infundada, que não se atribuiu a autoria, mas sim suspeita – S. Exa., inclusive, reafirmou a suspeita, quer dizer, não se chegou a esse ponto de dizer que estava comprovado. Todos esses dados me fazem ver que realmente não pecou por excesso o jornalista, inclusive em função de uma notícia com foros de veracidade, e não uma notícia sem fundamento, falsa. Por esses fundamentos todos, e ainda me reportando ao memorial que me foi encaminhado, que me poupo de ler porque traz documentos que me parecem não poderiam ser usados neste momento, em função de não constarem dos autos, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, dando Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 4 de 19 Superior Tribunal de Justiça provimento ao recurso especial. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador Convocado do TJ/RS) Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 5 de 19 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 984.803 - ES (2007/0209936-1) RELATORA RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADOS : MINISTRA NANCY ANDRIGHI : GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S) FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S) : HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA : JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S) DIOGO DE SOUZA MARTINS VOTO-VOGAL EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA: Sr. Presidente, eminentes Ministros e eminente Ministra Nancy Andrighi, como de costume e de hábito, S. Exa. a Sra. Ministra Relatora produziu um trabalho digno de figurar em anais de jurisprudência, por fazer, exatamente, um contorno, e destacar esse conflito aparentemente existente entre princípios constitucionais: o princípio da liberdade de informação e o direito à intimidade. Esse é um tema que causa muita celeuma e requer do julgador, quando instado a pronunciar-se sobre uma questão tão importante e delicada como esta, mas o que me impressionou bem, feitas todas essas considerações – eu havia recebido, também, um memorial do eminente Advogado da Rede Globo, louvando também a sustentação oral do Advogado do recorrido, Dr. Jaques Marques Pereira –, com todo respeito à posição do recorrido, o bem elaborado voto da eminente Ministra Relatora dá a exata dimensão do ocorrido. E a fixação da delimitação está no parágrafo em que, ao encerrar a reportagem, o narrador destacou que o recorrido, no caso Hélio de Oliveira Dorea, foi procurado, e seu Advogado assim se manifestou sobre a reportagem: "Não há nenhuma vinculação de qualquer fato concreto ao (...) do meu cliente, com uma situação de negócio que, se existente poderia gerar evidências, evidências que deveriam ser apuradas." Então, S. Exa., com muita propriedade, ressalta o relevante papel da imprensa, que, como órgão de comunicação, tem o poder-dever de informar o público – esse interesse público –, de algo relevante que esteja acontecendo na sociedade. Não fosse essa circunstância de erro, num paralelismo de formas, entre um contraditório, na apresentação da reportagem, estaríamos diante de uma Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 6 de 19 Superior Tribunal de Justiça hipótese em que, evidentemente, a manifestação de notícia avançaria o limite da liberdade reconhecido no poder-dever. Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo com o voto da Sra. Ministra Relatora, inclusive havia anotado que o eminente Advogado do recorrido, na sua bem elaborada sustentação oral, sustentou a impossibilidade do conhecimento do recurso especial por não terem sido opostos embargos de declaração, implicando em impedimento do prequestionamento, mas temos, e também me filio a ela, a tese da aceitação do prequestionamento implícito. Então, como bem disse aqui a Sra. Ministra Nancy Andrighi: "Nessa parte preliminar, encontram-se implicitamente prequestionados os dispositivos de lei." Na verdade, estamos já analisando um tema que é fundamental para delimitar a responsabilidade da imprensa, mormente agora, que a Lei de Imprensa, de 1967, foi declarada não recepcionada pela Constituição de 1988. Mas isto também, como bem posto, deve se guiar pelo princípio, pela teoria da responsabilidade, e, no caso, a responsabilidade da imprensa é subjetiva, não pode ser considerada uma responsabilidade objetiva, uma responsabilidade de risco, sob pena de inviabilizar esse importante segmento da sociedade, que é a imprensa. Acompanho o voto da eminente Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial. Ministro MASSAMI UYEDA Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 7 de 19 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2007/0209936-1 REsp 984803 / ES Números Origem: 24040063661 24040063661001 PAUTA: 26/05/2009 JULGADO: 26/05/2009 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADOS : GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S) FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S) : HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA : JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S) DIOGO DE SOUZA MARTINS ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Lei de Imprensa SUSTENTAÇÃO ORAL Dr(a). JOSÉ PERDIZ DE JESUS, pela parte RECORRENTE: GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A Dr(a). JAQUES MARQUES PEREIRA, pela parte RECORRIDA: HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 8 de 19 Superior Tribunal de Justiça Brasília, 26 de maio de 2009 MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA Secretária Documento: 886843 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/08/2009 Página 1 9 de 19