Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 984.803 - ES (2007/0209936-1)
RELATORA
RECORRENTE
ADVOGADOS
RECORRIDO
ADVOGADOS
: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
: GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A
: JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S)
FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S)
: HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA
: JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S)
DIOGO DE SOUZA MARTINS
EMENTA
Direito civil. Imprensa televisiva. Responsabilidade civil. Necessidade de
demonstrar a falsidade da notícia ou inexistência de interesse público.
Ausência de culpa. Liberdade de imprensa exercida de modo regular, sem
abusos ou excessos.
- A lide deve ser analisada, tão-somente, à luz da legislação civil e
constitucional pertinente, tornando-se irrelevantes as citações aos arts. 29,
32, § 1º, 51 e 52 da Lei 5.250/67, pois o Pleno do STF declarou, no
julgamento da ADPF nº 130/DF, a não recepção da Lei de Imprensa pela
CF/88.
- A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois
a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião
pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação
verdadeira é relevante para o convívio em sociedade.
- A honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam
informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além disso, são
do interesse público.
- O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes
fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes
interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que
divulgará.
- O jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar. Isso
não significa que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança
daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar
horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir
que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade.
Isso se dá, em primeiro lugar, porque os meios de comunicação, como
qualquer outro particular, não detém poderes estatais para empreender tal
cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la
e condená-la a morte. O processo de divulgação de informações satisfaz
verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual
não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial.
- A reportagem da recorrente indicou o recorrido como suspeito de
integrar organização criminosa. Para sustentar tal afirmação, trouxe ao ar
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elementos importantes, como o depoimento de fontes fidedignas, a saber:
(i) a prova testemunhal de quem foi à autoridade policial formalizar
notícia crime; (ii) a opinião de um Procurador da República. O repórter
fez-se passar por agente interessado nos benefícios da atividade ilícita,
obtendo gravações que efetivamente demonstravam a existência de
engenho fraudatório. Houve busca e apreensão em empresa do recorrido e
daí infere-se que, aos olhos da autoridade judicial que determinou tal
medida, havia fumaça do bom direito a justificá-la. Ademais, a reportagem
procurou ouvir o recorrido, levando ao ar a palavra de seu advogado. Não
se tratava, portanto, de um mexerico, fofoca ou boato que,
negligentemente, se divulgava em cadeia nacional.
- A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe seja,
de fato, existia e era, à época, fidedigna. Se hoje já não pesam sobre o
recorrido essas suspeitas, isso não faz com que o passado se altere. Pensar
de modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que
divulgue investigação ou ação penal que, ao final, se mostre improcedente.
Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami
Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra
Relatora.
Dr(a). JOSÉ PERDIZ DE JESUS, pela parte RECORRENTE: GLOBO
COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A.
Dr(a). JAQUES MARQUES PEREIRA, pela parte RECORRIDA: HÉLIO
DE OLIVEIRA DOREA.
Brasília (DF), 26 de maio de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
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DIOGO DE SOUZA MARTINS
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por Globo Comunicações e
Participações S/A, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, contra
acórdão proferido pelo TJ/ES.
Ação: Hélio de Oliveira Dorea ajuizou ação de reparação por danos
morais e materiais contra a recorrente, em razão de reportagem veiculada no
programa Fantástico em maio de 2002 sobre suposta corrupção na Prefeitura de
São Gonçalo (RJ). Afirmou não estar envolvido nos fatos e que a "versão
fantasiosa " do programa televisivo teria lhe causado danos, como o afastamento
do jornal onde trabalhava e a diminuição no faturamento de suas empresas,
inclusive com o encerramento de uma delas.
Pleiteou, além da indenização, direito de resposta (fls. 03/13).
Sentença: Julgou procedentes os pedidos, condenando a recorrente a
pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais e R$ 6.543.774,71
(seis milhões, quinhentos e quarenta e três mil, setecentos e setenta e quatro reais
e setenta e um centavos) de danos materiais, com juros legais e correção desde a
propositura da ação e honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre a
condenação (fls. 306/320).
Acórdão: Deu parcial provimento ao apelo da recorrente,
tão-somente para determinar que o montante dos danos materiais seja apurado na
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fase de liquidação de sentença (fls. 408/437).
Recurso especial: Alega a recorrente violação dos seguintes
dispositivos legais: 1) art. 927 do CC - ausência dos requisitos fundamentais do
dever de indenizar e alto valor fixado para os danos morais; 2) arts. 51 e 52 da Lei
5.250/67 (Lei de Imprensa) - liberdade de manifestação do pensamento e da
informação e necessidade de limitação do montante indenizatório; 3) arts. 5º, IX e
XIV e 220 da CF; 4) art. 186 do CC - inexistência de nexo de causalidade e culpa
para reparação dos danos materiais; 5) arts. 29 e 32, § 1º, da Lei 5.250/67 incompetência absoluta do Juízo Cível para decidir sobre o pedido de resposta e
descabimento da resposta diante do pedido de indenização (fls. 442/468).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 514/540); admissibilidade
positiva perante o TJ/ES (fls. 542/543).
É o relatório.
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DIOGO DE SOUZA MARTINS
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a lide a definir a responsabilidade da imprensa televisiva
por veicular reportagem na qual o recorrido é apontado como suspeito de
participar de uma organização criminosa.
I. Preliminarmente: da ADPF 130/DF no STF.
Inicialmente destaco que o Pleno do STF, por maioria, julgou
procedente, em 30.04.2009, o pedido formulado na Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental nº 130/DF para o efeito de declarar como
não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da
Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa, nos termos do voto do i. Min. Relator, Carlos
Britto.
Assim, a lide deve ser analisada tão-somente à luz da legislação civil
e constitucional pertinente, tornando-se irrelevantes as citações aos arts. 29, 32, §
1º, 51 e 52 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).
II. Violação de dispositivos constitucionais (arts. 5º, IX e XIV e
220 da CF).
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O recurso especial tem sua fundamentação vinculada às hipóteses
expressamente previstas nas alíneas do art. 105, III, da CF, dentre as quais não se
encontra violação a dispositivos constitucionais. Assim, eventual contrariedade
aos arts. 5º, IX, XIV, e 220, ambos da CF, deveria ter sido suscitada com a
interposição do competente recurso extraordinário perante o STF. Neste ponto,
não se conhece do recurso especial.
III. Nexo causal e culpa (arts. 186 e 927 do CC/02).
III.1. Admissibilidade.
Os fatos que deram origem à pretensão do recorrido não são objeto de
disputa entre as partes.
Em uma primeira oportunidade, a recorrente exibiu reportagem na
qual procurava denunciar a existência de organização criminosa, com atuação nos
Estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Ocorre que a morte do advogado Marcelo Denadai ensejou nova
reportagem, exibida no dia 5.05.2002, durante o programa dominical denominado
“Fantástico”.
Nessa oportunidade foram feitas as afirmações relevantes para a
controvérsia. Uma fonte jornalística, cuja identidade foi mantida em sigilo,
revelou que chegou a participar da empreitada ilícita, financiando-a, mas que, a
partir de certo momento, passou a ser ameaçado. Com isso, a fonte decidiu delatar
a organização criminosa, contratando o advogado Marcelo Denadai para que, em
seu nome, apresentasse notícia crime contra a denominada “máfia das
prefeituras”.
A fonte revelou não ter “dúvida nenhuma que Marcelo foi morto por
essa organização criminosa” (fls. 04).
A reportagem veiculou, ainda, a opinião do Procurador da República,
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Edson Abdon Peixoto, para quem “essas empresas (...) que são citadas e as
pessoas que se encontram na notícia crime, elas têm uma certa influência na
sociedade capixaba de tal modo que podem ter sido, encomendado sim a morte
do senhor Denadai” (fls. 07).
O nome do recorrido é mencionado em duas oportunidades. Na
primeira, o narrador da reportagem afirma que o recorrido teve seu nome citado
“na notícia crime como parte da máfia das prefeituras” . Na segunda, a fonte
revela que teria sido ameaçada pelo recorrido, verbis :
“Pessoa não identificável : Não devia contar nada para
ninguém e jogaram, o sogro do Vitor Sarlo me ligou que minha vida estaria
acabada... que ele ia me perseguir junto ao Tribunal de Justiça, junto à
Polícia Federal, junto à Receita Federal...
Repórter entrevistador : O Hélio?
Pessoa não identificável : O Hélio Dórea. Porque o prestígio
dele, eu era muito pequenininho, eu seria um grão de areia no mar de
Camburi. Foi aí que eu procurei o Marcelo, que eu não estava agüentando
mais a pressão”.
Ao encerrar a reportagem, o narrador destacou que o recorrido foi
procurado e seu advogado assim se manifestou sobre a reportagem: “não há
nenhuma vinculação de qualquer fato concreto a um envolvimento do meu cliente
(...) com uma situação de negócio, que, se existente, poderia gerar evidências,
evidências que deveriam ser apuradas” (fls. 07).
O TJ/ES viu, nessa situação de fato, abuso do direito de informar,
com ânimo de difamar e caluniar, destacando que “a simples pecha de suspeito
atribuída ao apelado (...) já se faz conduta suficiente a ensejar danos à honra
objetiva (social) e subjetiva (íntima) do autor, merecendo, assim, repreensão
judicial” (fls. 427).
É nesse contexto que surge a suposta violação aos arts. 186 e 927 do
CC/02, sendo certo que, no recurso especial, a recorrente afirma não estarem
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presentes os requisitos para que lhe imputem responsabilidade civil. Não haveria
culpa e tampouco nexo causal.
Vê-se, portanto, que a questão trazida a lume não exige reexame de
provas, mas apenas que se afira a exatidão das conclusões jurídicas que são
extraídas dos fatos soberanamente reconhecidos pelo TJ/ES.
Além disso, mesmo sem ter feito menção expressa aos arts. 186 e 927
do CC/02, o TJ/ES analisou profundamente a questão da responsabilidade civil do
veículo
de
imprensa,
razão
pela
qual
se
encontram
implicitamente
prequestionados esses dispositivos de lei.
Isso é o quanto basta para a admissibilidade do recurso especial.
III.2. Liberdade de imprensa.
A lide que ora se apresenta tem, como pano de fundo, um conflito de
direitos constitucionalmente assegurados.
A Constituição Federal assegura a todos a liberdade de pensamento
(art. 5º, IV, da CF), bem como a livre manifestação deste pensamento (art. 5º, IX,
da CF) e o acesso à informação (art. 5º, XIV, da CF). Esses direitos salvaguardam
a atividade da recorrente.
No entanto, são invocados pelo recorrido os direitos à reputação, à
honra e à imagem, assim como o direito à indenização pelos danos morais e
materiais que lhes sejam causados (art. 5º, X, da CF).
A solução deste conflito não se dá pela negação de quaisquer desses
direitos. Ao contrário, cabe ao legislador e ao aplicador da lei buscar o ponto de
equilíbrio onde os dois princípios mencionados possam conviver, exercendo
verdadeira função harmonizadora.
A questão não é substancialmente diversa de tantas outras que se
apresentam cotidianamente ao Poder Judiciário, mas merece ser vista com cautela,
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para que se esclareçam os limites da liberdade de expressão. Nessa busca por
harmonização, é essencial o manejo correto das regras de responsabilidade civil,
pois só elas podem indicar onde há abuso de liberdade e lesão injustamente
causada a outrem.
III.3. Relevância e Veracidade da Informação.
Já tive oportunidade de asseverar, em outra oportunidade, que “a
liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a
falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública,
bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante
para o convívio em sociedade” (REsp 896.635/MT, 3a Turma, minha relatoria,
DJe 10/03/2008).
Com isso quis dizer que, em regra, a honra e imagem dos cidadãos
não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu
respeito e que, além disso, são do interesse público.
A apuração do interesse público é relativamente simples. Em
hipóteses como a desses autos, justifica-se a divulgação de informações a toda a
sociedade civil. Supostamente, estar-se-ia diante de organização criminosa, com
influência sobre a administração pública. Mas além disso, era certa a existência de
um homicídio, praticado contra um advogado, fato a ser devidamente investigado.
A observância do dever de veracidade exige, no entanto, maior
atenção. Isso porque o juízo de veracidade, quando abstratamente considerado, só
pode levar a dois resultados: a informação é falsa ou verdadeira. Não há outras
alternativas possíveis.
Nesse ponto, na tentativa de demonstrar a falsidade do que foi dito a
seu respeito, o recorrido, ao propor sua inicial, propõe pequeno, mas relevante,
desvio de perspectiva. Ele pretende convencer que não participou de organização
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criminosa, que não ameaçou a fonte da emissora e que não estava envolvido em
qualquer crime de homicídio.
Ocorre que a reportagem sob análise em nenhum momento afirmou
aquilo que o recorrido afirma ser falso. A recorrente afirmou que o recorrido era
apenas suspeito de pertencer a organização criminosa. Ademais, foi dito que a
organização criminosa era suspeita de ordenar o homicídio de um advogado.
Feito esse reparo, fica mais fácil observar que a problemática central
desta lide recai mais propriamente sobre a possibilidade de se afirmar que alguém
é suspeito. Quando é possível afirmar livremente que alguém é suspeito de algo?
É essa pergunta que exige resposta.
Para enfrentar esse problema, deve-se ter em mente aquele que talvez
seja o requisito mais importante para aferir a responsabilidade do veículo de
imprensa, qual seja, a culpa. De fato, os veículos de imprensa e comunicação
sujeitam-se a um regime de responsabilidade subjetiva, não havendo que se falar
aqui de responsabilidade por risco.
Conseqüentemente, não basta a divulgação de informação falsa,
exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a
inveracidade da informação propalada.
A doutrina especializada de Enéas Costa Garcia, com apoio no direito
anglo-saxão, afirma que “a regra da 'actual malice' significa que o ofendido,
para lograr êxito na ação de indenização, deve provar a falsidade da declaração
e que o jornalista sabia da falsidade da notícia (knowledge of the falsity) ou teria
demonstrado um irresponsável descuido (reckless disregard) na sua conduta.
Não basta a falsidade da notícia” (Responsabilidade Civil dos Meios de
Comunicação. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 140).
O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes
fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes
interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que
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divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que
deseja publicar. Diz-nos a doutrina que “quanto mais séria, ofensiva ou
improvável for a notícia, maior deve ser o grau de investigação, mais detalhada
deve ser a aferição de sua credibilidade” (Op. Cit., p. 148).
Não é por outro motivo que o Código de Ética do Jornalista
estabelece que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos
fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua
correta divulgação” (art. 7o).
O compromisso ético com a verdade exige a obrigação natural de
escutar ambas as partes envolvidas em um determinado fato para que, assim, o
leitor possa formar sua opinião ou, pelo menos, para que ele, leitor, tenha em
mãos elementos suficientes para discordar da opinião crítica manifestada pelo
jornalista. Por isto, o Código de Ética profissional estabelece que “o jornalista
deve: a) ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas, objeto de
acusações
não comprovadas,
feitas por terceiros e não suficientemente
demonstradas ou verificadas; b) tratar com respeito a todas as pessoas
mencionadas nas informações que divulgar” (art. 14).
Feitas essas observações e voltando os olhos à hipótese desses autos,
constata-se que a reportagem da recorrente, para sustentar essa sua afirmação,
trouxe ao ar elementos importantes, como o depoimento de fontes fidedignas, a
saber: (i) a prova testemunhal de quem foi à autoridade policial formalizar notícia
crime; (ii) a opinião de um Procurador da República. Ademais, os autos revelam
que o próprio repórter fez-se passar por agente interessado nos benefícios da
atividade ilícita, obtendo gravações que efetivamente demonstravam a existência
de engenho fraudatório. Não se tratava, portanto, de um mexerico, fofoca ou
boato que, negligentemente, se divulgava em cadeia nacional.
Acresça-se a isso que o próprio recorrido revela que uma de suas
empresas, a HRD Comunicação Ltda., foi objeto de busca e apreensão (fls. 10;
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388; e 528). Daí infere-se que, aos olhos da autoridade judicial que determinou tal
medida, havia fumaça do bom direito a justificá-la.
Por outro lado, a reportagem procurou ouvir o recorrido, levando ao
ar a palavra de seu advogado, segundo o qual “não há nenhuma vinculação de
qualquer fato concreto a um envolvimento do meu cliente (...) com uma situação
de negócio, que, se existente, poderia gerar evidências, evidências que deveriam
ser apuradas” .
Ao público foram dadas as duas versões do fato: a do acusador e a do
suspeito. Os elementos que cercaram a reportagem também mostravam que
haviam fatos a serem investigados.
Embora se deva exigir da mídia um mínimo de diligência
investigativa, isso não significa que sua cognição deva ser plena e exauriente à
semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar
horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a
mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em
primeiro lugar, porque a recorrente, como qualquer outro particular, não detém
poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à
imprensa significaria engessá-la e condená-la a morte. O processo de divulgação
de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz,
razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento
judicial.
Por tudo isso, vê-se claramente que a recorrente atuou com a
diligência devida, não extrapolando os limites impostos à liberdade de
informação. A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe
seja, de fato, existia e era, à época, fidedigna. Se hoje já não pesam sobre o
recorrido essas suspeitas, isso não faz com que o passado se altere. Pensar de
modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que divulgue
investigação ou ação penal que, ao final, se mostre improcedente.
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Por todos esses motivos, deve-se concluir que a conduta da recorrente
foi lícita, havendo violação aos arts. 186 e 927 do CC/02.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para
julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. O
recorrido arcará com as despesas processuais e honorários advocatícios, que ora
fixo em 10% sobre o valor da causa.
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VOTO
O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/RS): Senhor Presidente, também na linha dos votos precedentes, louvando,
embora, o trabalho dos dois causídicos, acompanho S. Exas. Realmente, quanto ao
prequestionamento, V. Exas. foram claríssimos: não é condition sine qua do
conhecimento do recurso especial; basta que a matéria já esteja prequestionada,
discutida, explícita ou implicitamente, como foi o caso.
No mais, não tenho outras palavras senão louvar o bem lançado
voto, como sói acontecer, da eminente Ministra Nancy Andrighi, aliás não só nesta
oportunidade como em outras, a respeito da liberdade de imprensa.
Reconheço que não é fácil, como disseram V. Exas., como já disse
a Sra. Ministra Relatora, quando estão em jogo dois direitos fundamentais – o direito
à liberdade e o direito à honra –, saber qual deles tem a precedência. Parece que
cada caso deve ser visto analisando os elementos que o compõem.
Neste caso, S. Exa., em seu voto, demonstrou que não houve
açodamento da notícia, que não houve notícia infundada, que não se atribuiu a
autoria, mas sim suspeita – S. Exa., inclusive, reafirmou a suspeita, quer dizer, não
se chegou a esse ponto de dizer que estava comprovado. Todos esses dados me
fazem ver que realmente não pecou por excesso o jornalista, inclusive em função de
uma notícia com foros de veracidade, e não uma notícia sem fundamento, falsa.
Por esses fundamentos todos, e ainda me reportando ao memorial
que me foi encaminhado, que me poupo de ler porque traz documentos que me
parecem não poderiam ser usados neste momento, em função de não constarem
dos autos, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, dando
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provimento ao recurso especial.
Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(Desembargador Convocado do TJ/RS)
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DIOGO DE SOUZA MARTINS
VOTO-VOGAL
EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Sr. Presidente, eminentes Ministros e eminente Ministra Nancy
Andrighi, como de costume e de hábito, S. Exa. a Sra. Ministra Relatora produziu
um trabalho digno de figurar em anais de jurisprudência, por fazer, exatamente, um
contorno, e destacar esse conflito aparentemente existente entre princípios
constitucionais: o princípio da liberdade de informação e o direito à intimidade.
Esse é um tema que causa muita celeuma e requer do julgador,
quando instado a pronunciar-se sobre uma questão tão importante e delicada como
esta, mas o que me impressionou bem, feitas todas essas considerações – eu havia
recebido, também, um memorial do eminente Advogado da Rede Globo, louvando
também a sustentação oral do Advogado do recorrido, Dr. Jaques Marques Pereira
–, com todo respeito à posição do recorrido, o bem elaborado voto da eminente
Ministra Relatora dá a exata dimensão do ocorrido.
E a fixação da delimitação está no parágrafo em que, ao encerrar a
reportagem, o narrador destacou que o recorrido, no caso Hélio de Oliveira Dorea,
foi procurado, e seu Advogado assim se manifestou sobre a reportagem:
"Não há nenhuma vinculação de qualquer fato concreto ao (...) do
meu cliente, com uma situação de negócio que, se existente poderia gerar
evidências, evidências que deveriam ser apuradas."
Então, S. Exa., com muita propriedade, ressalta o relevante papel da
imprensa, que, como órgão de comunicação, tem o poder-dever de informar o
público – esse interesse público –, de algo relevante que esteja acontecendo na
sociedade. Não fosse essa circunstância de erro, num paralelismo de formas, entre
um contraditório, na apresentação da reportagem, estaríamos diante de uma
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hipótese em que, evidentemente, a manifestação de notícia avançaria o limite da
liberdade reconhecido no poder-dever.
Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo com o voto da Sra.
Ministra Relatora, inclusive havia anotado que o eminente Advogado do recorrido,
na sua bem elaborada sustentação oral, sustentou a impossibilidade do
conhecimento do recurso especial por não terem sido opostos embargos de
declaração, implicando em impedimento do prequestionamento, mas temos, e
também me filio a ela, a tese da aceitação do prequestionamento implícito. Então,
como bem disse aqui a Sra. Ministra Nancy Andrighi:
"Nessa
parte
preliminar,
encontram-se
implicitamente
prequestionados os dispositivos de lei."
Na verdade, estamos já analisando um tema que é fundamental
para delimitar a responsabilidade da imprensa, mormente agora, que a Lei de
Imprensa, de 1967, foi declarada não recepcionada pela Constituição de 1988. Mas
isto também, como bem posto, deve se guiar pelo princípio, pela teoria da
responsabilidade, e, no caso, a responsabilidade da imprensa é subjetiva, não pode
ser considerada uma responsabilidade objetiva, uma responsabilidade de risco, sob
pena de inviabilizar esse importante segmento da sociedade, que é a imprensa.
Acompanho o voto da eminente Ministra Relatora, dando
provimento ao recurso especial.
Ministro MASSAMI UYEDA
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0209936-1
REsp 984803 / ES
Números Origem: 24040063661 24040063661001
PAUTA: 26/05/2009
JULGADO: 26/05/2009
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
ADVOGADOS
RECORRIDO
ADVOGADOS
: GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A
: JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S)
FERNANDA MIGUEZ COSTA E OUTRO(S)
: HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA
: JAQUES MARQUES PEREIRA E OUTRO(S)
DIOGO DE SOUZA MARTINS
ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Lei de Imprensa
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). JOSÉ PERDIZ DE JESUS, pela parte RECORRENTE: GLOBO COMUNICAÇÕES E
PARTICIPAÇÕES S/A
Dr(a). JAQUES MARQUES PEREIRA, pela parte RECORRIDA: HÉLIO DE OLIVEIRA DOREA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador
convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra.
Ministra Relatora.
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Brasília, 26 de maio de 2009
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária
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