CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO NA INFÂNCIA WALMARI PILZ PORTO ALEGRE 1999 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO NA INFÂNCIA Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade Oral Orientadora: Mirian Goldenberg WALMARI PILZ PORTO ALEGRE 1999 1 RESUMO Os distúrbios da deglutição, também chamados de disfagias, nem sempre são de fácil diagnóstico, e as seqüelas respiratórias são as manifestações mais significativas e importantes desta alteração. O objetivo deste estudo é trazer informações que possam auxiliar tanto no diagnóstico como no manejo de crianças com disfagia. Para isso é feita uma análise do mecanismo da deglutição, detalhando todo o processo normal e destacando as manifestações clínicas das alterações que podem ocorrer nesse processo. São abordados alguns procedimentos e orientações realizados no setor de Pneumologia do Hospital da Criança Santo Antônio. Esta condutas têm se mostrado eficazes na tentativa de diminuir e/ou evitar os riscos de aspiração que estas crianças possuem, considerando que apresentam alterações na respiração, o que compromete, muitas vezes, a coordenação entre deglutição e respiração necessária para uma alimentação segura. Como não se detém em técnicas específicas da fonoaudiologia, este estudo pode auxiliar profissionais de diversas áreas, possibilitando melhor compreensão e conseqüentemente uma atuação mais efetiva nos distúrbios da deglutição. 2 ABSTRACT Swallowing disorders, also called dysphagias, are not always easily diagnosed. Effects on the respiratory system are the most significant manifestations of this malady. This study aims to provide information that can assist not only in diagnosising but also in dealing with children with dysphagia. Thus, an analysis is done of the swallowing mechanism, detailing the normal process and noting any clinical evidence of abnormalities that may occur. Some procedures and guidelines from the Pneumologia ward of the Santo Antonio Children’s Hospital are described. They have showed effective in reducing and/or preventing aspiration risks that these children run, considering the breathing disorders they have, which often interferes with the coordination between swallowing and breathing that is necessary for safe food intake. As it does not restrict itself to specific speech pathology techniques, this study can help professionals in a variety of areas, enabling better understanding and consequently a more effective approach to swallowing disorders. 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1 DISCUSSÃO TEÓRICA ................................................................................ 3 1. Desenvolvimento oromotor normal e da alimentação .. .......................... 3 2. Fases da deglutição ............................................................................... 8 2.2 Fase preparatória ................................................................................... 8 2.3 Fase oral ................................................................................................ 8 2.4 Fase faríngea ......................................................................................... 9 2.5 Fase esofágica ..................................................................................... 11 3. A interferência das drogas no processo da deglutição ....................... 14 4. Classificação das disfagias ................................................................. 18 5. Aspiração como conseqüência dos distúrbios de deglutição ............... 22 6. Atuação nos distúrbios da deglutição ................................................. 27 6.1 Levantamento dos fatores indicativos ................................................ 27 6.2 Avaliação clínica ................................................................................. 28 6.3 Orientações e procedimentos para uma deglutição segura ................ 29 6.4 Sucção não-nutritiva ........................................................................... 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 41 4 INTRODUÇÃO Na deglutição participam várias estruturas com o objetivo de transportar alimentos e secreção da boca até o estômago. O adequado funcionamento deste mecanismo é essencial para a saúde humana. Parte do trajeto que o alimento faz é também passagem do ar. Sendo assim, é necessário que todos os elementos envolvidos estejam trabalhando de forma equilibrada e em perfeita sintonia. Qualquer alteração pode comprometer a eficácia e segurança da deglutição. A atuação fonoaudiológica nos distúrbios da deglutição vem ganhando destaque nos últimos anos e tem marcado forte presença junto aos profissionais de outras áreas, num trabalho interdisciplinar. Em Porto Alegre estamos no início desta jornada, pois ainda é pequeno o número de hospitais que oferecem atendimento fonoaudiológico aos seus pacientes. Conseqüentemente, são poucos os profissionais da saúde que sabem da importância e necessidade do trabalho do fonoaudiólogo no restabelecimento da deglutição. Nestes três anos de atuação hospitalar, tenho observado que, pela falta de um conhecimento mais amplo e, ao mesmo tempo, detalhado da deglutição, crianças são expostas ao risco de aspiração durante a alimentação. Por outro lado, muitas delas deixam de se beneficiar das vantagens da alimentação via oral pela ausência de estimulação e/ou orientação adequadas. Considerando estes aspectos, a proposta deste trabalho é apresentar uma revisão bibliográfica que contemple os temas relacionados à deglutição. Para isso, inicio apresentando o desenvolvimento das funções orais envolvidas na alimentação 5 para então detalhar a deglutição. Cada fase do processo normal é separado e caracterizado, destacando as manifestações clínicas da disfagia e a interferência das medicações. As classificações das disfagias também são relacionadas e servem como auxílio na definição e compreensão do tipo e grau das alterações. Outros assuntos revisados são as características e conseqüências das aspirações decorrentes dos distúrbios da deglutição. Alguns procedimentos e orientações realizados no setor de Pneumologia do Hospital da Criança Santo Antônio, com pacientes portadores de distúrbios da deglutição, são descritos e fundamentados teoricamente na bibliografia consultada. Este trabalho não pretende abordar técnicas fonoaudiológicas específicas para o manejo das disfagias, mas fornecer elementos que possam informar e auxiliar os profissionais de diversas áreas, como médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros, etc, que atuam com pacientes disfágicos, especialmente crianças. 6 DISCUSSÃO TEÓRICA 1. DESENVOLVIMENTO OROMOTOR NORMAL E DA ALIMENTAÇÃO Os primeiros movimentos de deglutição e sucção podem ser observados já durante a vida fetal. Segundo Arwedson, Brodsky & Rogers (1993), é entre a 10ª e 11ª semanas de gestação que pode-se perceber o início dos movimentos de deglutição. Já a sucção tem seu aparecimento por volta da 18ª e 24ª semanas. Porém, apesar do aparecimento precoce destas funções, é somente após a 34ª semana que há coordenação entre sucção-deglutição-respiração (S-D-R), tão necessária para uma alimentação eficaz e segura. É também neste período que o feto alcança a quantidade necessária de gordura que possibilita uma alimentação normal. Quando o bebê a termo nasce, está pronto para sugar, pois apresenta um conjunto de estruturas que, embora sejam semelhantes às do adulto, possuem diferenças anatômicas e funcionais que são fundamentais para um bom desempenho durante a alimentação. O bebê apresenta ainda reflexos orais que auxiliam na alimentação (busca e sucção) e na defesa (Gag ou reflexo de vômito e mordida). Além disto, é neurologicamente organizado e possui coordenação ritmada entre S-D-R. Para que o bebê possa se alimentar de forma segura, é preciso que a respiração e a deglutição ocorram de forma coordenada. Na bibliografia consultada há diferentes posições quanto à ocorrência ou não de pausa respiratória durante a deglutição. Em estudos realizados por Wilson, Thach, Brouillette & Obu-Obsa (1981) foram medidos o esforço respiratório das crianças e o fluido nasal durante deglutições espontâneas. Os achados demonstram que a deglutição sempre 7 coincide com uma pausa na respiração, que dura aproximadamente um segundo e não varia com as mudanças no ritmo respiratório. Para Stevenson e Allaire (1991), os tipos de respiração variam de acordo com a idade e o desenvolvimento do lactente. Com um mês de vida, os bebês realizam duas ou mais sucções antes de fazer uma pausa para respirar ou deglutir. Aos poucos, vão aumentando o grupo de sucções espaçando mais as pausas, parando a respiração durante o estágio faríngeo da deglutição. Os autores salientam também que a respiração dos lactentes é obrigatoriamente nasal, devido ao tamanho da cavidade oral e ao fato da língua ocupar todo o espaço intra-bucal. Arvedson, Brodsky & Rogers (1993) concordam quanto à presença da respiração nasal em quase todos os recém-nascidos, porém afirmam que a deglutição pode ocorrer sem a interrupção da respiração, devido a grande aproximação entre o palato mole e a epiglote - o líquido passaria lateralmente ao vestíbulo faríngeo. Acrescentam ainda que este tipo de funcionamento perdura até aproximadamente quatro a seis meses de vida, quando há mudanças anatômicas com o crescimento da face e na posição da laringe, além da modificação dos padrões alimentares e o início da fonação. Xavier (1998) descreve que, em alguns casos, as dificuldades na coordenação entre sucção, deglutição e respiração podem não ficar evidentes nos primeiros meses de vida do bebê, pois ele funciona basicamente em nível reflexo e a anatomia facilita o desempenho. Porém, com o crescimento e as modificações que ocorrem na cavidade oral, há necessidade de uma perfeita coordenação entre todas as estruturas envolvidas. Quando isto não acontece, é grande o risco de aspirações e, então, é preciso suspeitar que possa haver alterações neurológicas que estejam dificultando ou impedindo o funcionamento normal. 8 Os recém-nascidos apresentam características particulares que os diferenciam anatômica e funcionalmente. A mandíbula é pequena e retraída em relação à maxila e as bochechas possuem bolsas de gordura que, de acordo com Xavier (1998), dão firmeza, proporcionando maior estabilidade e auxiliando na sucção. A língua preenche quase toda a cavidade oral, e em repouso permanece com a ponta sobre a gengiva e o lábio inferior, liberando a região posterior da boca para a respiração. Devido ao pouco espaço intra-oral, durante a sucção a língua faz um movimento antero-posterior para a extração do leite. Este padrão de movimentação horizontal é chamado suckling. De acordo com Arvedson, Brodsky & Rogers (1993), o suckling se mantém até seis ou nove meses de idade, quando a língua começa a apresentar uma movimentação mais vertical, subindo e descendo, com forte participação dos músculos intrínsecos e pequena excursão vertical da mandíbula – esta movimentação estimula o crescimento da mandíbula. Outra mudança que ocorre neste período é o aumento da pressão dos lábios em torno do bico,auxiliando na extração do líquido. Os mesmos autores afirmam ainda que a passagem de um padrão de sucção para o outro (suckling/sucking) é um dos estágios na preparação das estruturas orais para a manipulação de consistências mais espessas e para a introdução da colher. Sendo assim, é importante observar a etapa de desenvolvimento oral em que o bebê se encontra, antes de orientar mudanças alimentares. Ele pode apresentar engasgos e dificuldades no controle do alimento na cavidade oral, se não estiver pronto para isso. Um dos enganos freqüentes é a introdução de alimentação pastosa na colher, quando o bebê ainda se encontra na fase do suckling. Isto ocorre porque na maioria das vezes leva-se em conta apenas a idade cronológica. 9 As mudanças no padrão de sucção são decorrentes não apenas do crescimento facial, mas também da maturidade neurológica, das experiências de sucção que o bebê vivencia – que auxiliam no crescimento da maxila e da mandíbula – e no fortalecimento da musculatura. De acordo com Xavier (1998), estas modificações iniciam por volta do quarto e sexto meses e continuam durante o primeiro ano de vida. As modificações alimentares também iniciam por volta do quarto e sexto mês e acompanham uma série de acontecimentos na vida do bebê. Neste período ele permanece mais tempo acordado, há maior interesse e participação no que acontece ao seu redor e, principalmente, domina a posição sentada com apoio. A introdução gradativa de consistências variadas neste período vai auxiliar no desenvolvimento de habilidades de alimentação conforme apresentado por Arvedson (1993): Idade Consistência 4-6 m Líquidos Habilidade § Segura a mamadeira com as duas mãos; Pastosos § Introdução do copo com ajuda; § Introdução da colher- vedamento labial para retirar o alimento da colher; 5-7m Semi-sólidos § Mastigação inicialmente com movimentos verticais de mandíbula e, após, rotatórios; 9m 10-11 m Sólidos Sólidos § Leva a bolacha à boca; § Segura a colher; § Movimento de pinça ao se alimentar com as mãos; 12 m Líquidos § Segura o copo com as mãos e é capaz de fazer quatro ou cinco deglutições seguidas; 10 15-24 m Todas as consistências § Possui habilidades para se alimentar sozinho; Arvedson (1993) lembra que podem haver variações nas idades sugeridas para a introdução das diferentes consistências, pois esta recomendação depende da história da criança e do seu desenvolvimento global. Por outro lado, enfatiza a importância de não retardar a mudança na alimentação quando a criança está pronta para isso. Ela acredita que este atraso pode dificultar o aprendizado das habilidades de alimentação. 11 2. FASES DA DEGLUTIÇÃO A deglutição é definida por Arvedson, Brodsky & Rogers (1993) como um ato motor semi-automático. Neste processo, estruturas do sistema respiratório e digestivo interagem com o objetivo de transportar o alimento e também as secreções da cavidade nasal e oral, promovendo limpeza e proteção das vias aéreas inferiores. Para facilitar a compreensão de como ocorre, quais são e qual a função das estruturas envolvidas, a deglutição pode ser dividida em quatro etapas distintas: fase preparatória, oral, faríngea e esofágica. 1) Fase preparatória: nesta fase, o alimento é manipulado na boca para formar o bolus, com o objetivo de facilitar a deglutição. A consistência, o volume e a temperatura dos alimentos interferem na duração da fase preparatória. A preparação dos líquidos é mais rápida – Logeman (1983) cita um tempo de aproximadamente dois a três segundos. Quanto mais sólido o alimento, mais demorado será seu preparo para a deglutição. Isto acontece porque os sólidos precisam ser lateralizados pela língua para serem triturados pelos dentes. A contração da musculatura das bochechas auxilia na manutenção do alimento sobre os dentes e evita depósito de resíduo nos recessos alveolares. Depois de mastigados, os alimentos são misturados com a saliva formando um bolus pronto para ser deglutido. Enquanto o alimento está sendo preparado, o palato mole está em repouso e a contração do músculo palatoglosso evita que grande quantidade de alimento entre na faringe antes do reflexo de deglutição ser desencadeado. Os lábios permanecem 12 fechados para evitar a perda de alimentos. Durante esta fase, a via aérea está aberta e a respiração é predominantemente nasal. 2) Fase oral: é voluntária, podendo ser mais automática (deglutição da saliva) ou menos (alimentos). Quando o bolus alimentar está preparado, ele é colocado no sulco central da língua e levado para a faringe através da elevação e de movimentos ondulatórios da língua. De acordo com Logemann (1993), esta fase tem a duração média de um segundo (independente da consistência do alimento) e a respiração é reflexamente inibida desde o início deste estágio. Nas fases preparatória e oral, o vedamento labial garante a manutenção do alimento na boca e propicia a criação de pressão oral negativa. Esta ausência de pressão vai possibilitar o discreto movimento de sucção que é realizado para coletar os resíduos alimentares dos recessos orais. Apesar da importância do vedamento labial, é a língua que desempenha o papel de maior importância, tanto na preparação como durante a fase oral. Angelis, Mourão & Furia (1997) e Logemann (1993) descrevem que a mobilidade e a força da língua, além de serem responsáveis pela organização e manipulação do bolus alimentar, exercem influência na fase faríngea da deglutição. Acreditam que quanto maior a força de propulsão do bolus, melhor o desempenho e o transporte deste na fase faríngea. 3) Fase faríngea: é um dos estágios mais críticos da deglutição, onde ocorre uma série de movimentos involuntários, de forma simultânea. Inicia com a ativação do reflexo de deglutição no momento em que o bolus toca os pilares anteriores – Logemann (1983) caracteriza-os como sendo os lugares mais sensitivos para a elicitação deste reflexo. 13 De acordo com McCaffrey (1998), as informações sensoriais são levadas ao centro da deglutição, localizado na medula, através do IX par encefálico. Neste momento há elevação do palato mole e o fechamento do esfíncter velofaríngeo para proteção das Vias Aéreas Superiores (VAS). A língua fica retraída, evitando o retorno do alimento. Ao mesmo tempo em que ocorre o fechamento do esfíncter velofaríngeo, ocorre a elevação e o fechamento da laringe, protegendo as Vias Aéreas Inferiores (VAI). Neste momento a respiração cessa, enquanto o EES relaxa permitindo a passagem do alimento, para logo após fechar. A respiração então se restabelece completando a fase faríngea. Logemann (1983) salienta a importância do reflexo de deglutição nesta fase, pois a movimentação do véu palatino, da faringe e da laringe só ocorre como resultado deste reflexo. A autora relata que os pacientes podem ser ensinados a realizar o fechamento glótico para proteção das vias aéreas, mas não há meios de iniciar ou modificar voluntariamente a contração faríngea ou o fechamento velofaríngeo durante a deglutição. A proteção das VAI ocorre através do fechamento completo e automático da glote, durante a deglutição e na produção da tosse reflexa. O fechamento do espaço supraglótico se dá pela oposição das paredes laterais, conseqüência da contração e espessamento do feixe superior do músculo Tiroaritenoideo. Já o fechamento do vestíbulo acontece pela compressão do espaço subepiglótico ocasionado pela inclinação da epiglote. De acordo com Arvedson, Brodsky & Rogers (1993), há uma seqüência no fechamento laríngeo para a proteção das VAI: 1. Adução de pregas vocais com aproximação horizontal das cartilagens aritenóides; 14 2. Aproximação das aritenóides com a base da epiglote; 3. Elevação laríngea; 4. Abaixamento da epiglote; Segundo as autoras, a mera introdução de líquidos na boca freqüentemente causa adução parcial de pregas vocais, sugerindo que talvez existam fibras sensoriais aferentes na cavidade oral que desencadeiem este mecanismo de proteção. Outro importante mecanismo de proteção, a tosse reflexa, tem como objetivo expulsar qualquer corpo estranho da laringe e espaço subglótico. Ela é desencadeada pelos receptores sensitivos estimulados pelo Vago (X). De acordo com Rocha (1998), os pontos de maior excitabilidade para o reflexo de tosse são: a bifurcação traqueal (carina), a epicarina e a laringe. A tosse será mais intensa e persistente quanto mais próximos destes pontos estiverem os elementos irritativos. Para que a propulsão do alimento na faringe ocorra de forma eficaz e sem risco de aspiração, é preciso a interação de vários fatores. McCaffrey (1998) cita quatro elementos como reponsáveis pela movimentação do bolus para o Esfíncter Esofágico Superior (EES) ou Cricofaringeo: § movimentação e força do dorso da língua; § ação dos músculos constritores da faringe; § presença de pressão negativa na laringofaringe; § ação da gravidade; Angelis, Mourão & Furia (1997) também reforçam a importância da língua neste processo. As autoras descrevem que a movimentação e a força da base da língua são fundamentais para a criar a pressão que vai impulsionar o bolus através 15 da faringe, e que é através de contrações que a faringe transporta o alimento até o esôfago, evitando que sobrem resíduos em suas paredes. Resumindo, podemos dizer que, para que a deglutição ocorra de forma segura, é preciso uma perfeita coordenação entre os movimentos que ocorrem na fase faríngea: transporte do bolus pela faringe, fechamento laríngeo e abertura do EES. No atraso ou ausência de alguma das etapas desta fase, a alimentação pode acumular-se na nasofaringe, nas valéculas e seios piriformes, podendo deslizar para a passagem aérea após a deglutição. Outro comprometimento encontrado diz respeito à falta de mobilidade da laringe na elevação e/ou no fechamento, ocasionando aspiração. 4) Fase esofágica: é involuntária e consiste no transporte do bolus pelo esôfago até o estômago através de movimentos peristálticos auxiliados pela gravidade. Em relação à duração desta fase, os dados bibliográficos diferem. Para Arvedson, Brodsky & Rogers (1993) a fase esofágica dura de seis a oito segundos. Já para Logemann (1983), o tempo de trânsito esofágico é de oito a vinte segundos. O relaxamento do EES depende do volume do bolo a ser transportado. Quanto maior a quantidade, maior a abertura e o tempo que permanecerá aberto. O atraso na abertura do EES pode provocar a retenção do bolus na faringe, podendo ocasionar aspiração no momento em que a respiração se restabelecer. De acordo com Angelis, Mourão & Furia (1997), a abertura do esfíncter ocorre pelo relaxamento do seu tônus e principalmente pela movimentação para cima e para frente do complexo hiolaríngeo, através da elevação da cartilagem cricóide. Além da movimentação da laringe, McCaffrey (1998) relaciona outros fatores que podem interferir no funcionamento do EES: a inervação, realizada pelo nervo 16 Vago, o tempo de contração da faringe e a elevação da laringe. Porém, alerta que este processo de relaxamento do esfíncter ainda não está bem compreendido. Assim como há uma interdependência entre as fases oral e faríngea, todo o desenvolvimento da fase esofágica está relacionado com o que aconteceu durante as fases anteriores. É preciso lembrar também que a divisão da deglutição em etapas é apenas uma forma simplificada de se analisar este processo, pois, na verdade, tudo ocorre de maneira integrada e sincrônica, onde o que acontece numa fase tem interferência sobre a outra. 17 3. A INTERFERÊNCIA DAS DROGAS NO PROCESSO DA DEGLUTIÇÃO Na presença da queixa e/ou sintomas de distúrbio da deglutição é importante investigar se o paciente está sendo medicado e qual o tipo de droga que está recebendo. Segundo Dantas (1998), não é freqüente a disfagia como efeito colateral das medicações, no entanto, é preciso estar atento para perceber e investigar esta possibilidade. Alguns medicamentos podem causar ou agravar a disfagia, por provocarem alteração em algum momento do processo da deglutição. O grau de prejuízo à deglutição vai depender da intensidade do efeito que a droga causa e também das características da doença à qual se destina. Na experiência de Taylor (1997), os efeitos colaterais são mais comuns nas pessoas com alterações do desenvolvimento neurológico e naquelas com danos no Sistema Nervoso Central. Como durante a deglutição a harmonia no funcionamento das estruturas envolvidas é um o fator preponderante, qualquer alteração pode ser a causa de modificações que afetem todo o mecanismo. Medicamentos que tenham como efeito colateral algumas das alterações citadas abaixo podem desencadear a disfagia: • alteração da mobilidade, sensibilidade, força ou coordenação da musculatura oral: pode provocar dificuldades na preparação do alimento e no controle da fase preparatória e oral, podendo ocorrer deslize precoce do alimento para a faringe e possível aspiração. • alteração da salivação: a saliva é fundamental na formação do bolo alimentar, no transporte para o esôfago e na limpeza da cavidade oral e 18 faríngea, prevenindo aspirações pós-deglutição. De acordo com Taylor (1997), a saliva também desempenha um papel essencial na desobstrução do esôfago, pela estimulação constante da peristalse. Dantas (1998) lembra que as drogas como os antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos e anticolinérgicos diminuem a produção de saliva e aumentam sua viscosidade, dificultando a deglutição. Já as drogas com atividade colinérgica produzem o efeito contrário - aumentam a salivação, podendo provocar sialorréia. • alteração na movimentação faríngea: pode causar incoordenação ou déficit na movimentação da musculatura da faringe, o que tornará o trânsito do bolo alimentar mais lento ou provocará estase de pequenas porções nas paredes da faringe, com risco de aspiração ou asfixia. • Refluxo Gastro-Esofágico (RGE): pode ser a causa de choro e desprazer durante a alimentação, podendo provocar incoordenação na etapa faríngea da deglutição. Entre os medicamentos que afetam a deglutição estão os neurolépticos. Para Taylor (1997), estes formam o grupo que apresenta maior risco para uma deglutição segura. Além destes, há os anticonvulsivantes, antidepressivos e drogas antiparkinsonianas. A seguir, são citadas algumas destas drogas e alguns dos seus efeitos colaterais, de acordo com Taylor (1997) e Poon (1995): • Fenitoína: ataxia, letargia, alteração do paladar, náusea e hiperplasia gengival; • Carbamazepina: sedação, ataxia, anorexia, náusea, toxicidade cerebelar, discinesia orofacial; 19 • Fenobarbital: depressão respiratória, ataxia, diminuição da atenção e consciência, déficit da memória a curto prazo; • Haloperidol: boca seca, taquicardia, constipação, reações distônicas agudas; • Teofolina: náusea e vômito, RGE, anorexia, taquicardia; • Acido Valpróico: sedação, náusea e vomito, alterações gastrointestinais; • Hidrato de Cloral: sedação, ataxia, irritação gástrica, desorientação; • Thioridazina: sedação, efeitos extrapiramidais, boca seca, alterações gastrointestinais; Outros medicamentos que podem provocar disfagia são citados por Dantas (1998). Em seu artigo, o autor agrupa as drogas de acordo com os efeitos colaterais destas no sistema nervoso central: 1. Depressão do nível de consciência: benzodiazepínicos, zolpidem, hidrato de cloral, carbamazepina hidroxine, e anti-histamínicos, valproato. Dosagens barbitúricos, maiores fenitoína, aumentam a probabilidade de provocar disfagia. 2. Supressão da regulação central da deglutição: benzodiazepínicos como lorazepam, alprozolam e nitrazepam causam a diminuição das contrações na faringe. 3. Desordem dos movimentos: haloperidol e clorpromazine podem prejudicar as fases oral e faríngea da deglutição, por provocarem prejuízo na coordenação ou problemas posturais. 20 A suspeita de que a disfagia esteja sendo provocada pelo uso de determinado tipo de droga geralmente ocorre no início do uso desta ou quando há modificações na dosagem. Os sintomas podem se manifestar através de queixas como: inapetência, engasgos freqüentes, perda de peso, maior tempo despendido para a alimentação, alterações na ausculta pulmonar principalmente após a alimentação, e aumento de secreção. Uma avaliação criteriosa da deglutição vai auxiliar não só no diagnóstico, mas poderá fornecer dados que possibilitem uma conduta mais eficaz e adequada para cada caso. 21 4. CLASSIFICAÇÃO DAS DISFAGIAS Disfagia é um distúrbio da deglutição que pode afetar qualquer momento do processo, desde a preparação do alimento, diminuição da peristalse faríngea, até alterações anatomofisiológicas do esôfago. Não é uma doença, mas um sintoma de uma patologia de base. As causas das disfagias podem ser anatômicas, neurológicas, musculares ou ainda ocasionadas por alguns tipos de drogas. De acordo com Furkim & Martinez (1998), as principais patologias neurológicas que apresentam a disfagia como sintoma são: Acidente Vascular Cerebral, Trauma Crânioencefálico, Paralisia Cerebral, Distrofias Neuromusculares e Tumores Cerebrais. Marquesan (1995) acrescenta também o mal de Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica e Parkinson. As disfagias podem ser classificadas conforme o local onde ocorre a alteração, ou então de acordo com a sua intensidade. A classificação que segue o mesmo processo de divisão da deglutição, localizando o comprometimento de acordo com a etapa em que ocorrem os distúrbios é mais freqüentemente encontrada na literatura nacional – Botelho (1995), Dantas (1998), Furkin & Martinez (1998), entre outros. Nesta classificação, as disfagias dividem-se em: • Disfagia oral: manifesta-se por dificuldades na sucção, ausência de vedamento labial, mastigação alterada, presença de reflexos orais arcaicos, distúrbios sensoriais relacionados a gosto, temperatura e textura de alimentos, incompetência velofaríngea e alteração na mobilidade da língua. Pode ter causas anatômicas (fissuras, micrognatia, etc.) ou funcionais (bebês prematuros). De acordo com Marquesan (1995), este tipo de 22 disfagia é freqüente nos distúrbios do SNC e nas afecções neuromusculares (Parkinson, Paralisia Central, Distrofias Musculares, etc.). Pode também ser resultante de lesão de nervos cranianos V, VII e XII. • Disfagia faríngea: Botelho (1995) relata que a dificuldade na alimentação, em pessoas que apresentam este tipo de disfagia, se caracteriza por engasgo, tosse, náusea, regurgitação ou refluxo faringonasal, baixo peso ponderal ou dificuldades ventilatórias por aspiração. É mais freqüente a ocorrência destes sinais durante ingestão de líquidos. Segundo a autora, as alterações mais comuns são: atraso ou ausência do reflexo de deglutição, incoordenação no fechamento do EES (comum em bebês até dois ou três meses de idade, pela imaturidade funcional das estruturas), alteração na elevação e no fechamento da laringe e redução na contração da musculatura da laringe. Quando há alteração da deglutição tanto na fase oral como na faríngea, a disfagia é denominada como orofaríngea. • Disfagia esofageana: pode ser decorrente de alterações estruturais do esôfago (fístulas, tumores, hipotonia do músculo cricofaríngeo) ou ainda estar relacionada a esofagite e Refluxo Gastro Esofágico (RGE). As principais queixas são de dor à deglutição (odinofagia), sensação de pressão durante a passagem do alimento, vômito e regurgitação. Nos bebês, há recusa de alimentos e/ou choro. 23 Episódios de RGE, assim como as disfagias, muitas vezes estão associados a sintomas respiratórios. Aspiração de conteúdo gástrico pode provocar graves lesões pulmonares devido a sua composição. Como não é incomum a presença de RGE acompanhada de disfagia, nos casos onde há suspeita de aspiração é importante investigar não somente o refluxo como também o mecanismo da deglutição. Botelho (199) adverte que o tratamento clínico e/ou cirúrgico do RGE geralmente não é suficiente para sanar os problemas respiratórios em pacientes com disfagia orofaríngea não tratada. A classificação proposta por Sheppard (1995) é baseada na adequação funcional da deglutição. A autora classifica as disfagias em estágios, de acordo com a severidade: • Estágio I – normal: competência oral, faríngea e esofágica em todos os tipos de alimentos e secreção oral. • Estágio II – disfagia leve: a nutrição é realizada através de dieta especial e/ou com uso de medicamentos. O status respiratório e nutricional relativos à deglutição são bons. • Estágio III - disfagia moderada: há restrição da dieta e uso de estratégias especiais para a alimentação. O status respiratório e nutricional relativos à deglutição são bons. • Estágio IV – disfagia severa: nutrição e/ou proteção da via aérea inadequada(s), apesar da utilização de estratégias compensatórias. • Estágio V – disfagia profunda: quando há contra-indicação de alimentação por via oral. 24 Assim como Sheppard (1995), Silva (1998) apresenta uma classificação baseada na intensidade da disfagia. Sua proposta foi elaborada a partir de um estudo realizado com adultos pós-Acidente Vascular Encefálico Isquêmico e é caracterizada da seguinte forma: • Disfagia Leve: quando o controle e transporte do bolo alimentar está atrasado e lento, sem sinais de penetração laríngea na ausculta cervical. • Disfagia Moderada: quando o controle e transporte do bolo alimentar está atrasado e lento, com sinais de penetração laríngea na ausculta cervical e risco de aspiração. • Disfagia Severa: quando há presença de alteração substancial com sinais de alteração respiratória e ausência ou falha da deglutição completa do bolo alimentar. Logemann (1983) não propõem uma classificação para as disfagias mas, durante estudo videofluoroscópico, verifica o tempo que o paciente leva para deglutir cada consistência testada. Quando o tempo ultrapassa dez segundos em todas as consistências, a autora considera que ele não é capaz de receber alimentação exclusivamente pela via oral. 25 5. ASPIRAÇÃO COMO CONSEQÜÊNCIA DOS DISTÚRBIOS DE DEGLUTIÇÃO De acordo com Logemann (1983), a aspiração pode ser definida como “um termo genérico que se refere à penetração do material na laringe e sua entrada na passagem aérea, na região abaixo das pregas vocais”(p.65). O fato da via aérea ser próxima do canal alimentar e o ar utilizar, no seu trajeto, a mesma passagem que o alimento (cavidade oral e faringe) fazem com que o risco de aspiração exista mesmo para crianças com estruturas e funções normais. Porém, de acordo com Stevenson & Allaire (1991) as crianças de mais alto risco são as que apresentam distúrbios do Sistema Nervoso Central e as portadoras de anomalias estruturais congênitas da orofaringe. A ocorrência de aspiração é um dos principais indicativos de disfagia e ao mesmo tempo o mais preocupante, mas nem sempre provoca doenças pulmonares. Laraya-Cuasay & Mikkilineni (1995) citam que aproximadamente 45% das pessoas aspiram saliva durante o sono, porém, devido à presença dos reflexos e mecanismos de defesa mucociliares, poucas desenvolvem doenças respiratórias. Os sintomas e as lesões decorrentes da aspiração vão depender de vários fatores, como os citados por Dinwiddie (1992), Brosky & Volk (1993), Colombo (1993) e Ísola (1998): quantidade e freqüência da aspiração, tipo de material aspirado e condições pulmonares individuais. Em estudos realizados com animais, Colombo (1993) relata que o ph do material aspirado e o volume são os elementos mais agressivos e que freqüentemente provocam lesões pulmonares. Para evitar aspirações, os pulmões contam com três mecanismos reflexos de proteção: tosse, fechamento laríngeo e deglutição. Se algum destes reflexos estiver ausente, ainda há a possibilidade do material aspirado ser eliminado 26 da traquéia ou da árvore brônquica através da ação ciliar. Como em crianças com Paralisia Cerebral, retardo neuromotor e doenças neuromusculares os reflexos de proteção estão geralmente ausentes ou alterados, as aspirações são mais freqüentes. Colombo (1993) divide em quatro grupos os principais distúrbios que podem levar à aspiração: Imaturidade do reflexo de deglutição, Neuromusculares paralisia laríngea ou faríngea, hidrocefalia, distrofia muscular, paralisia cerebral, etc. Fístula Anatômicas traqueoesofágica, traqueostomia, tubo endotraqueal, anel vascular, micrognatia,etc. Funcionais RGE, fístula traqueoesofágica reparada,etc Diversas Gengivite, trauma na faringe e higiene oral pobre. Muitos episódios de aspiração são silentes, ou seja, não apresentam um quadro sintomático claro e por isso passam despercebidos. De acordo com Dinwiddie (1992), pode ser difícil diagnosticar as aspirações quando estas não estão associadas à malformação congênita ou à alterações fisiológicas mais visíveis. Colombo (1993) salienta que a queixa de tosse e engasgos durante a alimentação é bastante útil para auxiliar no diagnóstico, porém não é freqüente, especialmente se ocorre aspiração de pequena quantidade de material durante o sono ou se o reflexo de tosse encontra-se diminuído. Por isso, tanto Colombo como 27 Dinwiddie declaram que, muitas vezes, crianças que fazem aspirações silentes são tratadas como portadoras de infecção recorrente do trato respiratório inferior ou de asma. Os mesmos autores relatam que crianças que aspiram geralmente apresentam episódios de sibilância e de infecção com hiperinsuflação significativa dos pulmões. Pode-se observar também taquipnéia em repouso, retração intercostal e sibilos bilaterais à ausculta. Além dos sinais citados, a aspiração pode provocar também alterações fisiológicas como as relacionadas por Kush & Sanders (1988): redução da oxigenação arterial, aumento da permeabilidade da membrana capilar, diminuição do volume intravascular e entrada de plasma nos pulmões acarretando edema pulmonar. Como já foi visto anteriormente, as seqüelas respiratórias são as manifestações mais significativas dos distúrbios da deglutição. Dinwiddie (1992) ressalta que episódios freqüentes de aspiração podem levar à pneumonia e,nos casos mais graves, à doenças do parênquima pulmonar e bronquiectasias. Os principais sinais indicativos de pneumonia são: febre, irritabilidade, alteração da cor, consistência e odor das secreções. Geralmente após duas horas de uma aspiração severa pode-se observar tosse, taquipnéia, febre e sibilos. Pessoas que aspiram têm seus brônquios constantemente inflamados e, segundo Ísola (1998), os de médio calibre são os mais afetados. Os lobos inferiores, principalmente à esquerda, são mais acometidos devido aos seguintes fatores: - o brônquio principal direito é maior que o esquerdo e, por ser como uma continuação da traquéia, facilita a drenagem de secreções; - há uma discreta compressão do brônquio principal esquerdo pela artéria pulmonar. 28 Em estudo radiológico realizado com 22 crianças com aspiração recorrente, Colombo (1993) apresenta outros dados. Ele observou que 41% dos casos mostraram infiltrados localizados nos dois lobos, 27% infiltrados difusos e 18% com espessamento da parede dos brônquios ou somente hiperinsuflacão. Em 14% dos casos, os RXs de tórax foram normais. Na atuação com crianças com distúrbios da deglutição não basta identificar a ocorrência de aspiração, mas principalmente o momento em que ocorre e sua possível causa, pois, cada etiologia requer um tratamento diferenciado. Para auxiliar nesta tarefa, Logemann (1983) relaciona as possíveis causas de acordo com o momento em que ocorre a aspiração: 1. Antes do reflexo de deglutição ser acionado: as causas principais são a alteração na sensibilidade, redução ou dificuldade no controle motor oral e atraso ou ausência do reflexo de deglutição; 2. Durante a deglutição: ocorre pela redução ou ausência do fechamento laríngeo e falha na elevação da laringe; 3. Após a deglutição: pode ocorrer por diversos motivos, tais como: sobra de resíduos alimentares na cavidade oral que se dirigem à via aérea quando o paciente dorme; redução ou ausência dos movimentos constritores da faringe, permitindo que os resíduos se acumulem nos recessos faríngeos; redução na elevação laríngea, possibilitando que o alimento permaneça no topo da laringe e a hipertonicidade do músculo cricofaríngeo. Apesar da existência de vários estudos enfocando o tema aspiração, ainda há muito a se descobrir, principalmente sobre sua inter-relação com os distúrbios de deglutição e quais suas conseqüências no funcionamento pulmonar. 29 6. A ATUAÇÃO NOS DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO 6.1. LEVANTAMENTO DOS FATORES INDICATIVOS: A investigação de disfagia geralmente inicia com o levantamento de dados referentes à história do caso, revisão dos achados médicos e observação. É realizada através de entrevista com os pais ou cuidadores e, neste momento, coletase informações relacionadas à alimentação. As questões são direcionadas aos fatores citados por Dinwiddie (1992), Arvedson (1993), Hernandez (1996) e Xavier (1998) como indicativos de distúrbios da deglutição: • período de alimentação maior que 30 a 40 min; • sucção fraca; • alteração brusca da respiração durante a alimentação; • reflexo de vômito exagerado ou tosse durante a alimentação; • irritabilidade ou problemas comportamentais durante a alimentação; • movimentos de boca exagerados durante mastigação e/ou deglutição; • sobra de alimento na língua ou vestíbulo após a deglutição; baba excessiva; • pigarro depois de comer ou beber; • alterações vocais durante ou depois da alimentação (rouquidão); • refluxo nasal; • recusa inexplicável de alimentos; • expectoração mucopurulenta; • infecção pulmonar recorrente; 30 6.2. AVALIAÇÃO CLÍNICA Após o levantamento das queixas e do histórico, é realizada a avaliação clínica dos pacientes com suspeita de distúrbios da deglutição. Este momento da investigação compreende duas etapas. Inicialmente, avalia-se as características anatômicas e funcionais das estruturas e da musculatura envolvida na deglutição. Após, observa-se seu funcionamento durante a alimentação, buscando avaliar a efetividade da proteção do Trato Respiratório Inferior e coordenação da respiração e deglutição. Conforme referido por Sheppard (1995), durante a avaliação clínica a utilização de ausculta cervical e oxímetro de pulso podem ser úteis para detectar e monitorar sinais de disfagia. Apesar de Colombo (1993) salientar que não há substituto para a observação da criança durante a alimentação, quando se suspeita de aspiração, é preciso lembrar que nem sempre os sintomas são evidentes. Desta forma, muitas vezes é imprescindível a realização de exames complementares como a videofluoroscopia, a manometria, a endoscopia ou o ultrassom para avaliação da deglutição. Na avaliação instrumental é possível determinar não somente o diagnóstico, mas também a causa da disfagia e, a partir de manobras e procedimentos realizados durante o exame, verificar a conduta mais adequada para cada caso. Durante a avaliação da deglutição é preciso atenção em todos os aspectos que cercam a alimentação: postura, tipo de alimento, utensílios utilizados, forma como recebe a alimentação, etc. Por isso é importante, observar como a criança está recebendo e qual o seu comportamento durante a dieta, para se fazer as orientações necessárias. Há estudos que, apesar de terem sido realizados com adultos, podem ser estendido às crianças e confirmam esta afirmação. É o caso da 31 pesquisa realizada por Ohmae et al. (1997) que, durante avaliação da deglutição por videofluoroscopia, verificaram que mudanças posturais adicionadas ao controle do volume a ser ingerido podem prevenir a aspiração em mais de 70% dos pacientes. Tendo em vista estes aspectos, e com o objetivo de melhorar o desempenho e garantir maior segurança na alimentação das crianças internadas no Serviço de Pneumologia do Hospital da Criança Santo Antônio, temos adotado alguns procedimentos e orientações (citados a seguir) que têm nos mostrado serem realmente eficazes. 6.3. ORIENTAÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA UMA DEGLUTIÇÃO SEGURA • Postura – durante a alimentação é importante que a criança esteja em simetria e a posição deve ser confortável, não apenas para ela como para quem a alimenta. A modificação do posicionamento da criança vai acompanhando o seu desenvolvimento motor e também o tipo de alimento que recebe. Em seu artigo, Sheppard (1995) apresenta uma tabela relacionando a melhor postura de acordo com o tipo do alimento que será ingerido e a habilidade necessária (sucção, mastigação). Indica, por exemplo, que durante a sucção e quando recebe alimentos semi-sólidos a criança deve estar no colo, semireclinada. A partir do momento em que passa a receber alimentos macios em pequenos pedaços, a melhor posição é sentada em uma cadeira alta. Sheppard também enfatiza a importância de um posicionamento adequado de todo o corpo, pois a postura global pode facilitar ou dificultar os movimentos realizados durante a alimentação. Isto acontece especialmente em crianças com 32 alterações no desenvolvimento. Segundo a autora, a posição ideal é aquela que propicia flexão moderada de membros inferiores e superiores, estabilidade de tórax e cintura escapular com alinhamento cervical. Esta postura vai permitir melhor coordenação entre respiração e deglutição, vedamento labial, manutenção da língua na cavidade oral e coordenação faringe-laringe, necessárias à deglutição. A forma como o alimento é apresentado também vai influenciar na manutenção da postura adequada. A pessoa que alimenta a criança deve estar na mesma altura que esta, pois isto vai evitar a elevação do queixo para receber o alimento. A hiperextenção da cabeça aumenta o diâmetro da faringe e diminui o espaço valecular, facilitando a aspiração. As orientações de Xavier (1998) são semelhantes, e a autora lembra ainda que a postura mais elevada dos bebês, durante a alimentação, é muito importante na prevenção de infecções do ouvido médio, pois a tuba auditiva dos bebês encontra-se posicionada horizontalmente desde o ouvido médio até a nasofaringe. Para reforçar esta conduta, Xavier faz referência aos estudos de Shelov (1995), onde se observa que, quando os bebês recebem a mamadeira numa posição menos elevada, os exames timpanométricos acusam presença de líquido no ouvido médio. Ao se modificar a postura, os resultados são normais. No caso de crianças portadoras de RGE, o tratamento postural se faz ainda mais necessário. A posição de prono, com a cabeça elevada aproximadamente em 30°,tem se mostrado mais efetiva para reduzir a incidência de RGE. Em pesquisa realizada por Vandenplas & Sacré (1987), 25% das crianças tiveram seu refluxo controlado apenas com orientação desta postura. 33 Outras vantagens da posição de prono são citadas por Orenstein (1992): melhora do esvaziamento gástrico, diminuição do tempo de choro e inúmeros benefícios nas doenças respiratórias. Porém, de acordo com Vandenplas (1996), é preciso cautela na indicação da postura de prono durante o sono, pois esta posição é um fator de risco para a morte súbita em crianças (sudden infant death). • Tipo de bico (da mamadeira) – há grande diversidade nos bicos de mamadeira, não só em relação ao formato, como no tamanho, resistência e material em que é confeccionado. A partir de sua experiência, Arvedson (1993) constatou que há variação nas preferências dos bebês em relação aos bicos. Sendo assim, muitas vezes é necessário avaliar o desempenho com diferentes tipos de bicos e, sempre que possível, respeitar a preferência do bebê. Além disto, é importante conhecer bem a causa da dificuldade de sucção para fazer uma escolha mais adequada, aliando prazer e segurança. De acordo com Hernandez (1996), o bico mais adequado é aquele que “permite ao bebê sugar a quantidade de leite necessária à sua nutrição em tempo adequado, da forma mais segura, com boa função motor-oral” (p.88). O bico ortodôntico possui vantagens sobre o comum, pois propicia vedamento labial, com anteparo para os lábio, e não avança além do terço médio da língua, diminuindo a excessiva extensão desta, favorecendo a obtenção de pressão intraoral negativa. O tamanho do bico deve ser correspondente ao tamanho da cavidade oral do bebê, ou seja, não deve ultrapassar o terço médio da boca, para possibilitar a elevação do dorso da língua. 34 • O furo do bico – deve ser adequado à força de sucção e ao espessamento do líquido. Geralmente, um furo adequado é aquele que, ao se virar a mamadeira para baixo, o líquido goteja. Um furo grande dificulta o estabelecimento do ritmo e da coordenação entre sucção-deglutição-respiração. Por outro lado, um furo pequeno demais pode provocar excesso de esforço para extrair o leite, com conseqüente fadiga muscular e alteração na respiração. O furo do bico na região superior evita que o leite flua diretamente para a região posterior da boca, auxiliando na organização do alimento antes da deglutição. • Tipo de colher – recomenda-se o uso de uma colher pequena (para que possa ser introduzida na boca da criança) e rasa (facilitando a retirada do alimento com o lábio superior). O volume de alimento pastoso deve ser adequado para ser deglutido de uma só vez. Já no caso dos sólidos, recomenda-se um volume que permita a lateralização do alimento, para que possa ser mastigado sem dificuldade. • Temperatura – é preciso avaliar se há mudança de desempenho de acordo com a temperatura do alimento, para então fazer a indicação mais adequada. Se não houver nenhuma diferença, oferecer tanto alimentos frios quanto quentes para propiciar maior estimulação. Caso contrário, iniciar com alimentos na temperatura de maior facilidade e introduzindo os poucos a mudança. • Textura - o espessamento do alimento facilita a deglutição quando há dificuldade no controle oral, quando há atraso no disparo do reflexo de deglutição ou incoordenacão entre respiração e deglutição. Porém, podem ficar resíduos na 35 faringe, se não houver um bom funcionamento dos músculos constritores da faringe, havendo o risco de aspiração após a deglutição. Toda vez que é oferecida nova textura, o bebê precisa de um tempo para se adaptar a ela. Por isso, novas texturas devem ser gradualmente introduzidas. Um bom desempenho com líquidos nem sempre garante o mesmo com pastosos. A deglutição de alimentos de diferentes texturas requer um maior controle; sendo assim, recomenda-se não misturá-las na mesma colherada e não beber líquidos enquanto ainda há alimentos na boca. Arvedson (1993) cita que o risco de aspiração é maior com texturas misturadas porque a criança ainda não sabe lidar com alimentos que exijam ações diferentes – deglutir o líquido e mastigar o sólido. O espessamento dos líquidos, especialmente o leite, além de ser uma conduta utilizada nas disfagias, tem sido freqüentemente indicada para crianças com RGE. Vandenplas et al (1996) observam que, apesar de diminuir a quantidade e a severidade das regurgitações, esta medida isolada não soluciona o refluxo. Além disto, Davies & Sandhu (1995) fazem um alerta, pois acreditam que o espessamento dos líquidos pode prolongar a duração dos episódios de refluxo, sendo desaconselhado à pacientes com suspeita de esofagite. Para Orenstein (1992), esta é a conduta ideal para crianças que apresentam dificuldade em ganhar peso devido ao RGE, porque, além de aumentar a densidade calórica, diminui o choro e, conseqüentemente, o gasto de energia. • Fracionamento da dieta – é uma conduta especialmente indicada para crianças que possuem hipotonia da musculatura orofacial. Freqüentemente, estas crianças se cansam muito durante a alimentação, o que pode provocar uma incoordenação e/ou alteração no ritmo S-D-R. Botelho (1995) acredita que este é um 36 procedimento também indicado para crianças com RGE, pois, apesar de aumentar os períodos pré-prandiais – onde sabidamente é grande o número de refluxos, estes são menos nocivos porque tamponados pelos alimentos. • Pausas – Xavier (1998) observa que no início da mamada o bebê realiza grandes grupos de sucções, com breves pausas entre eles. Aos poucos, diminui a quantidade e aumenta o tempo das pausas. No final da mamada, ele realiza pausas prolongadas que são interrompidas por pequenos grupos de sucções. Em bebês que não têm uma boa coordenação sucção/pausas, é necessário auxiliar a estabelecer um grupo menor de sucções, pois, ao se desorganizar, ele altera tônus, respiração e postura. A autora alerta ainda que bebês que no início da mamada apresentam alteração no ritmo da sucção não estão prontos para receber a alimentação pela via oral de forma segura e funcional. Na alimentação com colher, é preciso respeitar o ritmo próprio de cada criança, somente oferecendo nova colherada após ter certeza de que a anterior foi deglutida. • Percepção dos sinais de stress – é possível reduzir os riscos de aspiração em bebês apenas prestando atenção aos sinais de stress. É geralmente nos momentos em que o bebê apresenta estes sinais que ele altera seu ritmo e a coordenação S-D-R, podendo aspirar o alimento. De acordo com Arvedson (1993) e Xavier (1998), são considerados sinais de stress: bocejos, soluços, engasgos, regurgitamento, vômitos, espirros, mudanças de coloração (palidez, cianose), pausas respiratórias, respiração irregular, respiração ofegante, tremores, tosse, choro, agitação, inconsolabilidade, hipotonia, hipertonia e contorções. 37 6.4. SUCÇÃO NÃO-NUTRITIVA Para os bebês que não possuem condições de serem alimentados via oral, adotamos a estimulação da sucção não-nutritiva como forma de acelerar a transição para a via oral. Xavier (1998) descreve que a estimulação deve ser realizada com o bebê em decúbito lateral, flexionado e em simetria. Enquanto recebe o alimento pela sonda é oferecido o bico ou o dedo mínimo enluvado. Durante a estimulação da sucção nãonutritiva é preciso especial atenção ao comportamento do bebê e aos sinais indicativos de stress. A utilização da sucção não-nutritiva como estimulação, de uma maneira bem orientada, tem se mostrado bastante eficaz, endossando os achados na literatura, especialmente nos distúrbios de deglutição decorrentes de uma sucção fraca e portanto ineficiente e/ou de uma incoordenação entre S-D-R, que pode ter como causa principal uma imaturidade do desenvolvimento deste sistema. Pesquisas – Field et al (1982), Bernbaum et al (1983), Rabello et al (1989) – mostram que a experiência de sucção auxilia no desenvolvimento proporcionado pela maturação, melhorando o desempenho dos bebês durante a alimentação, possibilitando maior ganho de peso e, conseqüentemente, diminuindo o tempo de internação hospitalar. Além destas vantagens da estimulação da sucção não-nutritiva, Berezin et al (1992), Hernandez (1996) e Xavier (1998) citam ainda: • Efeito de tranqüilização com o uso da chupeta, propiciando um menor gasto energético; 38 • Associação entre preenchimento gástrico e a sucção, favorecendo a digestão e a absorção dos nutrientes pela liberação de hormônios intestinais, estimulados desde a mucosa da boca; • Estimulação da lipase oral; • Experiência de sucção adequando a recepção do estímulo oral, desenvolvendo o ritmo, a coordenação e a força muscular; • Propicia melhores índices de oxigenação transcutânea, mantendo o bebê bem saturado; • Adequação da musculatura oral; • Altera os estados de vigília; • Transição para a alimentação por via oral mais rápida e eficiente; A estimulação da sucção não-nutritiva é um procedimento simples que pode ser realizado pelos pais, ou na ausência destes, pelos auxiliares de enfermagem, toda vez que a criança é alimentada por sonda. No momento em que há melhora no desempenho sucção/deglutição, a chupeta passa a ser molhada no leite, propiciando também estimulação gustativa, conseqüentemente a quantidade de deglutições. 39 aumentando a salivação e CONSIDERAÇÕES FINAIS A deglutição está presente desde a vida intra-uterina e, com a idade e o desenvolvimento, vai sofrendo transformações. Estas mudanças ocorrem não apenas como resultado de um amadurecimento neurológico ou de modificações nas estruturas envolvidas. É também através da experiência com diferentes tipos de alimentos e utensílios (copos, colher, canudo) que a criança vai desenvolver habilidades para se alimentar de forma segura e que proporcione o aporte calórico necessário para o seu crescimento. Quando se estuda o mecanismo da deglutição é comum encontrá-lo dividido em etapas, na tentativa de facilitar sua compreensão. Esta divisão pode porém minimizar um aspecto fundamental no entendimento de todo o processo que é a sincronia, onde um evento tem forte interferência sobre o outro. Qualquer alteração que o alimento sofra em seu trajeto vai provocar uma série de alterações nas etapas subseqüentes. Apesar da importância de todas as estruturas envolvidas na deglutição, algumas podem ser destacadas como figuras principais, que desempenham papel de extrema importância em cada fase da deglutição. São elas a língua (com atuação nas fases preparatória/oral e interferência também na fase faríngea), o reflexo de deglutição (fundamental para a ativação do sistema de proteção do trato aéreo) e finalmente o Esfíncter Esofágico Superior, cujo funcionamento ainda não está bem compreendido. Este não é o único tema relacionado à deglutição que suscita dúvidas e inquietações. Há ainda várias perguntas sem resposta, como, por exemplo, em relação a aspiração. O avanço dos métodos diagnósticos tem facilitado a identificação da ocorrência de aspirações; apesar disto, restam ainda algumas 40 questões sobre qual a relação entre tipo, quantidade de material aspirado e danos pulmonares, e como as freqüentes aspirações podem interferir no desenvolvimento da criança. O esclarecimento destas e outras questões vão auxiliar no entendimento destes casos e também na escolha da conduta mais adequada. Outro assunto que necessita mais atenção é o efeito colateral de algumas medicações na deglutição. Sabe-se que há drogas que exercem forte interferência no mecanismo da deglutição, muitas vezes alterando seu funcionamento de tal forma que impossibilita a alimentação via oral. Pesquisas neste tema podem auxiliar na compreensão, não apenas para evitar o uso de alguns tipos de medicamentos em pacientes com risco para o desenvolvimento de disfagia mas também para fundamentar a prescrição, pensando nos benefícios que o efeito colateral pode trazer ao paciente. É o caso do uso de anticolinérgico – que reduz a produção de saliva – em pacientes que não estão recebendo dieta por via oral mas que fazem infecção respiratória de repetição por aspiração de saliva. Este tipo de indicação precisa ser bem avaliada, medindo vantagens e desvantagens, sem esquecer que é ao médico que compete a prescrição de qualquer tipo de medicamento. Fato este que não impede aos profissionais envolvidos no caso de auxiliar na tomada de decisão. Nesta tentativa de compreender melhor as alterações para auxiliar no diagnóstico e tratamento das disfagias, encontra-se na bibliografia consultada, algumas classificações baseadas no local ou na severidade do distúrbio. Apesar de algumas delas serem baseadas na avaliação de adultos, podem também servir na caracterização das disfagias infantis. Isso é possível porque, independente da classificação se basear na localização ou na severidade do distúrbio, o objetivo 41 central é poder determinar se há possibilidade, ou não, do paciente ser alimentado via oral, de forma segura, com todas as consistências. Ao se trabalhar com pacientes disfágicos é preciso estar atento a diversos aspectos, pois a deglutição sofre interferência tanto de elementos internos como externos. Tenho acompanhado crianças que apresentam uma performance completamente diferente, dependendo da situação e das condições em que estão sendo alimentadas. Alguns pacientes encaminhados por suspeita de distúrbio de deglutição, apresentando engasgos, tosse, sinais de stress e perda de líquido pelas comissuras, melhoram seu desempenho simplesmente com a adequação do furo do bico da mamadeira que, conseqüentemente, possibilita melhor controle do fluxo do leite, facilitando a coordenação respiração/deglutição. Baseada nestas experiências fundamentadas teoricamente, acredito que muitos episódios de aspiração podem ser evitados apenas tomando-se alguns cuidados durante a alimentação. Cuidados estes que não se restringem à atuação fonoaudiológica, pois os distúrbios da deglutição envolvem um amplo campo de conhecimento, formando um ponto de intersecção entre várias especialidades da área da saúde. Da mesma forma que é necessária harmonia e interação das estruturas envolvidas para que a deglutição ocorra de forma eficaz e segura, é preciso que esta mesma interação ocorra entre os profissionais que atendem o paciente disfágico. Só com a participação e envolvimento de todos é que vai se garantir um atendimento efetivo e de qualidade. Além deste aspectos, na atuação com as dificuldades da deglutição não é possível deixar de lado o aspecto social e afetivo que envolve a alimentação. Transformar as refeições em procedimentos mecânicos é esquecer a importância 42 destes momentos na formação e no estreitamento do vínculo mãe-bebê e na organização das relações entre o bebê e o meio ambiente. A alimentação das crianças, desde o nascimento, exerce impacto não somente sobre elas como também na família. Assim, muitas vezes, é preciso lançar o olhar além das questões técnicas, buscando compreender e atuar de forma a ser um facilitador do estabelecimento de interações saudáveis, pois qualquer alteração na alimentação pode afetar não somente o estado nutritivo, como o desenvolvimento global do bebê e principalmente a interação pais-filhos. 43 BIBLIOGRAFIA ANGELIS, E.C.; MOURÃO, L.F.; FURIA, C.L.B.M – Disfagias associadas ao tratamento do câncer de cabeça e pescoço. Acta Oncol. Bras. 17:2 77-82, 1997. ARWEDSON, J.C.; BRODSKY, L.; ROGERS B. – Anatomy, embryology and physiology. In: ARWEDSON, J.C. & BRODSKY, L. - Pediatric swallowing and feeding assesment and management. 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