MESTRADO EM COMUNICAÇÃO MEDIA E JUSTIÇA Direito da Comunicação A internet e o sistema de justiça. A resolução de litígios na internet. A questão da prova digital 27 de Maio de 2011 Mestrandos: Alexandrina Almeida, Ana Gomes e Renato Militão Prof. Doutora Maria Eduarda Gonçalves • Novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC) • Sociedade da informação • Sistema de justiça • Resolução alternativa de litígios • Prova (prova digital) Um processo num minuto Um processo O processo Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fev. Portaria n.º 457/2008, de 20 de Jun. Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dez. Portaria n.º 195-A/2010, de 8 de Abr.. Portaria n.º 471/2010, de 8 de Jul. Artigo 138.º-A Tramitação electrónica 1- A tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias. 2 - A tramitação electrónica dos processos garante a respectiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade. • Acções declarativas cíveis • Acções executivas cíveis • Processos da competência dos TEP (distribuição de processos) http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasDistribuicao.aspx (elaborar um despacho) http://www.citius.mj.pt/Portal/article.aspx?Art icleId=105 (diligências marcadas) • http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/Co nsultasAgenda.aspx Ac. do Tribunal Constitucional 293/2009 O artigo 138.º -A do Código de Processo Civil (…) passou a dispor no seu n.º 1, que «a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça». Este novo dispositivo consagrou uma importante mudança na forma de registo dos actos praticados em processo civil, preterindo -se o suporte em papel, em favor de um sistema informático, denominado CITIUS, no prosseguimento de uma política visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais. Conforme se explicou no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, (…) No âmbito da promoção desta ‘utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de justiça, como forma de assegurar serviços mais rápidos e eficazes’, define se como objectivo ‘a progressiva desmaterialização dos processos judiciais’ e o desenvolvimento ‘do portal da justiça na Internet, permitindo -se o acesso ao processo judicial digital’. Assim, as alterações acolhidas nesta matéria visam permitir a prática de actos processuais através de meios electrónicos, dispensando -se a sua reprodução em papel e promovendo a celeridade e eficácia dos processos.». No seguimento do disposto no artigo 138.º -A do CPC, veio a ser aprovada a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro (…) a qual veio dispor sobre várias matérias atinentes à tramitação electrónica dos processos civis, O Estatuto dos Magistrados Judiciais constitui um instrumento legislativo material concretizador do princípio do Estado de direito, na medida em que se destina a garantir a independência e a imparcialidade dos juízes no exercício da função jurisdicional. Por isso devem aí constar as normas relativas às condições de exercício do cargo de juiz, com influência na sua independência e imparcialidade, Ora, a forma que devem revestir os actos escritos praticados pelos magistrados judiciais nos processos civis tramitados electronicamente não é matéria que integre as condições de exercício do cargo de juiz com influência na sua independência e imparcialidade, pelo que não é matéria que deva integrar o seu estatuto. Não se incluindo a matéria em causa na normação obrigatoriamente estatutária dos magistrados judiciais, não se vê razão para estar abrangida pela reserva de lei, pelo que a sua remissão para portaria, não constitui um acto de «deslegalização» proibido pelo artigo 112.º, n.º 5, da CRP. Não se vê como a imposição aos juízes de praticarem os seus actos escritos em processos civis em suporte informático, através de uma determinada aplicação informática, possa comprometer o princípio da separação de poderes ou a liberdade do acto de julgar, na medida em que se limitam a indicar o meio técnico através do qual os juízes devem realizar as suas intervenções escritas no processo, sem qualquer influência no seu sentido e conteúdo. Formas Extrajudiciais de Resolução de Conflitos na Internet A Arbitragem • A Convenção de Arbitragem consiste num acordo pelo qual as partes submetem ás decisões de árbitros um litígio, que pode ser actual ou eventualmente emergente. Artigo 1º, nº2 LAV A Arbitragem online • Podemos defini-la como aquela que é convencionada, processada e decidida através de uma rede electrónica de transmissão de dados. • O seu objectivo é, essencialmente, o comércio electrónico. Como causas do seu aparecimento podemos apontar • • • • • • • O crescimento do volume de Comércio Electrónico; Processos mais rápidos; A redução de Custos; A certeza de neutralidade da instância decisória; A Confidencialidade; A escolha dos Árbitros ou Mediadores pelas partes; A promoção do aumento da Confiança no Comércio Electrónico. Vantagens na adopção dos meios extrajudiciais • Redução da hostilidade emocional entre as partes; • Confiança, simplicidade, imparcialidade, igualdade, celeridade processual, escolha do idioma e dos árbitros; • Uso de softwares que permitem a interacção entre as partes, mas protegendo a privacidade; • As empresas que disponibilizam serviços em rede não ficam sujeitas aos tribunais; • Permite resolução do conflito mesmo a vários quilómetros de distância; Legislação que regula a resolução extrajudicial de conflitos online: • Lei da Arbitragem Voluntária (LAV): Lei 31/86, de 29 Agosto. • Dec.Lei 7/2004, de 7 de Janeiro (sobre Comércio Electrónico) • Directiva nº 2000/31/CE (sobre Comércio Electrónico) • Dec.Lei 290-D/99, de 2 de Agosto (aprova o regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital). • Convenção de Nova Iorque. • Convenção de Roma sobre a lei aplicável ás obrigações contratuais. • Lei modelo UNCITRAL (ONU), sobre arbitragem comercial. Arbitragem online, questões quanto à forma: O Artigo 2º, nº1 da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), determina que a convenção de Arbitragem deve ser reduzida a escrito. Regra idêntica expressa o Artigo 7º, nº 2 da Lei modelo de CNUDCI, sobre a Arbitragem Comercial Internacional. A Convenção de Nova Iorque, no Artigo II, nº1 determina: “Cada estado reconhece a Convenção escrita, pela qual as partes se comprometem a submeter a uma arbitragem todos os litígios que surjam.” O nº2 do mesmo artigo, acrescenta: “Entende-se por escrita uma clausula compromissória inserida no contrato pelas partes, mesmo por carta ou telegrama.” Levanta-se aqui a questão de saber se será válida e internacionalmente eficaz a Convenção celebrada electronicamente em troca de mensagens de correio electrónico. Na Lei Portuguesa surge o nº1 do Artigo 3º do Decreto Lei 290D/99, de 2 de Agosto e o nº1, Artigo 26º do Decreto Lei nº7/2004. Das leis apresentadas se conclui que entre nós é válida em documento electrónico desde que o documento ofereça garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação. À luz da Convenção de Nova Iorque já se tem entendido que a troca de correio electrónico é considerado idêntico à troca de telegramas, Artigo II, nº2 Convenção de Nova Iorque. Arbitragem online, questões quanto ao objecto: Quanto ao objecto, refere o Artigo 1º, nº1 da LAV que, só podem ser submetidos a arbitragem voluntária os litígios que não envolvam direitos indisponíveis. Desta forma são insusceptíveis de serem resolvidos em arbitragem os conflitos referentes à violação de Direitos de Personalidade. Abre-se uma ressalva para os litígios que dizem respeito ao tratamento de dados pessoais transferidos para países exteriores à Europa. Estes casos podem ser resolvidos em arbitragem desde que o país importador dos dados tenha ratificado a Convenção de Nova Iorque. É o que resulta da Decisão da Comissão Europeia nº 2001/797/CE e 2002/16/CE Direito aplicável ao Processo Arbitral online: O Artigo 34º do Decreto Lei 7/2004 confere permissão genérica do funcionamento em rede de formas de resolução de conflito extrajudiciais, entre os prestadores de serviços da Sociedade de Informação, desde que sejam garantidas as disposições que dizem respeito à validade. Na falta de regras especiais sobre os actos processuais por meios electrónicos, devemos entender que no Direito Português se aplicam as regras do Código Processo Civil. Em que circunstâncias se aplica o Direito Português, na resolução de um conflito online? O critério geral vem definido no Artigo 37º da LAV: O presente diploma aplica-se às arbitragens que tenham lugar em território nacional. Com esta decisão o Estado português acautela o seu exercício da função jurisdicional dentro do território, ao mesmo tempo que acautela o interesse das partes, de terceiros e da Comunidade em geral. Na arbitragem online a dificuldade, na aplicação do Artigo 37º, surge em definir quando é que surgiu em território nacional. Sabemos que apesar da internet ser global e sem fronteiras, a verdade é que não é impossível determinar, se não o local concreto, pelo menos o país em que ocorreu a relação, e com isso definir o Direito competente. Eficácia Internacional da decisão Arbitral. O artigo 23º, nº1 da Lei da Arbitragem Voluntária exige-se que a decisão seja reduzida a escrito e assinada pelos árbitros, sob pena de uma anulação, nos termos do Artigo 27º da mesma lei. A decisão deve ser notificada às partes mediante remessa de um exemplar, por carta registada. No caso online esta formalidade tem-se como cumprida quando feita em documento electrónico, desde que preenchidos os requisitos do Artigo 6º, nº3 do Decreto Lei. 290/99. No que diz respeito ao reconhecimento das sentenças estrangeiras, Portugal esta vinculado à Convenção de Nova Iorque, Artigo IV e V da Convenção. A Mediação como meio extrajudicial de resolução de conflitos online A mediação não se confunde com a arbitragem. O mediador não julga o litígio, limita-se a propor a solução, que as partes aceitam ou não. O Artigo 35º,nº2 da Lei 78/2001 apresenta-o como um terceiro neutro. Ao nível da forma, em Portugal vigora o disposto no Código Civil, no Artigo 219º, Principio da liberdade da forma. Por isso na Lei Portuguesa podem ser validamente celebrados, desde que seja respeitada a emissão e a Comunicação de declaração de vontade por meio electrónico. Prova digital A disponibilização, facilitação e potencialidades crescentes das NTIC têm levado cada vez mais à sua utilização como meios privilegiados para a prática de novos e velhos actos de elevada danosidade, inclusive sobrepondo-se às fronteiras. A prova digital pode definir-se como «qualquer tipo de informação, com valor probatório, armazenada [em repositório electrónico-digitais de armazenamento] ou transmitida [em sistemas e redes informáticas ou redes de comunicações electrónicas, privadas ou publicamente acessíveis], sob a forma binária ou digital». A prova digital: - não é física; - não pode, por isso, ser materialmente apreendida; - é volátil; - é fácil e imperceptivelmente adulterável; - nem sempre se encontra no local da prática do crime; - está frequentemente no domínio de terceiros; - torna-se imperioso garantir tanto quanto possível a respectiva fiabilidade, bem como a fidelidade da sua reprodução; - é necessário assegurar que a sua produção seja perceptível ao julgador; - a sua busca, preservação, obtenção, análise, tratamento e apresentação implica conhecimentos e meios técnico-informáticos, etc. Por isso, reclama-se: - a dotação das entidades competentes para a investigação criminal de recursos humanos e meios técnicos e tecnológicos adequados; - a facilitação do regime processual penal relativo àquelas acções; - o envolvimento nessas acções das operadoras de comunicação, sobretudo com a consagração de obrigações para estas; - a criação de medidas eficientes de cooperação internacional. Porém, a investigação criminal relativa à prova digital: - é profundamente agressiva de direito fundamentais pessoalíssimos (à palavra, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, etc.) e até patrimoniais, e gera enormes riscos para esses direitos; - frequentemente, tem que ser obtida em sistemas informáticos de terceiros, o que igualmente ofende direitos e, mesmo, deveres destes, designadamente contratuais e de sigilo. Acresce que a prova digital: - é pouco segura, quer quanto à autoria, quer quanto à genuinidade (o DL 290-D/99, de 2/8, alterado pelo DL 62/2003, de 3/4, regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos, bem como a assinatura electrónica; porém, as dúvidas sobre a autoria e genuinidade dos documentos digitais resultam de causas técnicas, não podendo ser colmatadas por lei, pelo que sempre subsistirão); - gera a tentação de hipervalorização de indícios. Assim, as medidas com vista à facilitação da investigação criminal relativa prova digital devem respeitar o princípio da proibição do excesso (ser necessárias, adequadas e proporcionais) – art. 18º, nº 2, da CRP. No quadro europeu, há dois diplomas fundamentais que visam harmonizar as legislações nacionais, além do mais, relativamente (i) à consagração de medidas processuais adaptadas à investigação da criminalidade informática e (ii) à implementação de medidas de cooperação internacional destinadas a combater os crimes informáticos: - Convenção sobre o Cibercrime, do Conselho da Europa, aprovada em Budapeste, a 23/11/2001 (Portugal ratificou esta Convenção em 15/9/2009). - Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da UE, de 24/2. A Lei nº 109/2009, de 15/9, transpôs para a ordem jurídica interna portuguesa a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da EU, e adaptou ao nosso direito a Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime. A Lei nº 109/2009 prevê diversas medidas de investigação criminal e cooperação internacional no domínio da prova digital: - preservação expedita de dados; - revelação expedita de dados; - injunção para apresentação ou concessão de acesso a dados; - pesquisa de dados; - apreensão de dados informáticos; - apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, etc. Todas as medidas previstas na Lei nº 109/2009 cumulam-se com as disposições da Lei nº 32/2008, de 17/7, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2006/24/CE, do Parlamento e do Conselho, de 15/3, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. Apesar de todos esses diplomas afirmarem a subordinação das medidas que prevêem aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, mostram-se profundamente securitários: - pela amplitude dessas medidas agressivas, intrusivas, secretistas e desleais; - pela sua aplicabilidade indiscriminada a ilícitos axiologicamente diferenciados; - pelos avultados poderes que atribuem aos OPC Exige-se, por tudo isso, uma redobrada ponderação dos valores em jogo por parte das autoridades competentes, as quais deverão aplicar efectivamente o princípio da proibição do excesso. No direito civil inexiste um regime específico para a prova digital, com excepção do DL nº 290º-D/99, de 2/8. Aplicam-se as normas do direito probatório geral, estabelecidas no CC e no CPC, designadamente as referentes à prova documental e à prova pericial, conjugadas com aquele DL. No domínio do direito probatório adjectivo, destaco a possibilidade de ser requerida e ordenada uma produção antecipada de prova (art. 520º do CPC). Por fim, dadas as características da prova digital, sobretudo a sua reduzida segurança, exige-se ao julgador redobrados cuidados na respectiva apreciação e valoração.