Diabetes mellitus tipo 1 e
Cetoacidose diabética
Eline Rozária F. Barbosa
Interna – ESCS/FEPECS
Coordenação; Elisa de Carvalho
História Clínica
Identificação
BRS, sexo masculino, 10 anos, pardo,
natural e procedente de Unaí- MG.
Data de nascimento: 05/02/06.
Filiação:
Mariléia Ribeiro dos Santos, 29a, comerciante
Edson Ribeiro dos Santos, 34 a, comerciante
Q.P.: enjôo e perda de peso há 2 meses
História da Doença Atual:
Há cerca de 2 meses: náuseas diárias, cefaléia
frontal moderada e hiporexia (“virose”).
 Há 10 dias procurou P.S. em Unaí, pois além
dos sintomas anteriores desenvolveu poliúria,
polidipsia e perda ponderal de 2kg. Foi
ratificado o diagnóstico de virose, sendo
prescrita medicação para náusea (mãe não
sabe o nome). Houve melhora do apetite e
náuseas, sendo que o paciente iniciou quadro
de polifagia.
 Há 3 dias procurou o P.S. pela persistência
dos sintomas, associada à astenia e um
episódio de vômito. Aferida a glicemia
capilar = 309 mg/dl. No dia seguinte
retornou ao P.S., com glicemia de jejum=
173 mg/dl, EAS com glicosúria (+/4+) e
cetonúria (3+/4+). Foi administrada
Insulina regular 4U SC e encaminhado ao
HRAS.
 Chegou em 16/02/06 ao P.S. do HRAS.
Revisão de Sistemas
Nega dispnéia , tosse, febre.
 Ritmo intestinal: 1-2x/dia com fezes de
consistência normal.
Antecedentes fisiólogicos
mãe G2P2A0C0. Teve ameaça de abortamento e
ITU na gestação, tratada com antibioticoterapia.
Nasceu de Parto normal, a termo. APGAR: ?
Peso: 2900g. Estatura: 45 cm. PC: ?
 Amamentado exclusivamente ao seio até os 6
meses.
 Desenvolvimento neuro-psicomotor:
engatinhou aos 8 meses, deambulou aos 14
meses.
Antecedentes patológicos:
Nega internações, transfusões, cirurgias
prévias, alergias medicamentosas e
intolerâncias alimentares.
 Vacinações: em dia (visto o cartão).
 Bom rendimento escolar. Escolaridade: 4a
série.
Antecedentes familiares:
 Pai e mãe saudáveis.
 Irmão com púrpura trombocitopênica
idiopática diagnosticada em dez. 2005.
 Avós com HAS. Nega DM e outras
patologias na família.
 Nega consangüinidade.
Hábitos de vida
 Habitação urbana com 8 cômodos, 4 pessoas.
Saneamento básico
 2 animais peridomicílio (cães) morreram.
Exame Físico
Dados antropométricos e sinais vitais:
Peso: 25.500, Est: 1,33m
Sinais vitais: FC: 88 bpm, FR: 21 irpm
Exame Físico
 BEG, corado, hidratado, afebril,
acianótico, anictérico, ativo e reativo.
Otoscopia: membrana timpânica íntegras
com brilho habitual.
 OF: sem hiperemia ou pontos purulentos.
Pescoço: sem linfonodomegalias palpáveis
ACV: Ritmo regular em 2 tempos, bulhas
normofonéticas sem sopros.
Cont. Exame Físico
 AR: Murmúrio vesicular fisiológico, sem
ruídos adventícios.
 Abdome: plano, RHA presentes. Indolor,
sem visceromegalias.
 Extremidades: bem perfundidas, sem
edema.
HD: CETOACIDOSE DIABÉTICA
DM TIPO 1 DESCOMPENSADA
Prescrição do PS (16/02/06)
1- Hidratação venosa: em 4 etapas
SG 5% 190 ml
Correr EV
SF 0,9% 190 ml
em 3h
KCL 10% 8,5 ml
2- 5a etapa e 6a etapa:
SG 5% 190 ml
Correr EV
SF 0,9% 190 ml
em 6h
KCL 10% 8,5 ml
3- Insulina Regular 3U IM 2/2h após glicemia
capilar
Exames no PS (16/02/06)
 Gasometria arterial
pH: 7,39
HCO³: 22,2
PCO²: 37,0
BE: -2,3
Na: 134
K: 4
Cl: 101
Glicemia: 437 mg/dl.
Hemograma
Hem: 4,27 Hg: 12
HT: 34,6 VCM:81,1
HCM: 28,1
Leu: 6.100 (45% seg,
0% bast, 44% linf,
1% mono, 10% eosin).
às 21h: 417, Cetonúria ++.
Variação da glicemia capilar
Evolução clínica
 17/02/06: foi transferido para “Ala B”
 às 4h, glicemia capilar= 161, cetonúria:  Às 7h45: glic= 274, cetonúria: +++
 Em uso de SG: 5% e SF 0,9%. Desidratado.
 Foi instituída: Insulina NPH 0,5 U/Kg/dia
(2/3 pela manhã e 1/3 no jantar)
 Insulina REG conforme glicemia
160-200: 4U
Não fazer
201-250: 5U
após 21h
251 ou +: 6U
18/02- 2° DIH Ala B.
 Apetite aumentado.
 NPH 10U pela manhã e 5U à noite
Suspensa insulina regular.
17h15: glic=424, cetonúria - . Hidratado.
Feita Insulina regular: 6U
22h: paciente queixa-se de tremores (não
vistos ao exame) e apetite muito
aumentado. Glic=87. CD: lanche
19/02- 3° DIH Ala B.
 às 22h20: Glic: 499 mg/dL.
 NÃO foi administrada NPH antes do jantar.
 Feita Insulina regular: 6U
 20/02:
 Apetite aumentado.
 NPH 10U pela manhã e 8U à noite
 Introduzida: NPH 2U às 14h e 4U às 21h.
 Dosar glicemia antes do desjejum, almoço, jantar,
ceia e às 3h.
 21h45: glic=476, cetonúria - . NÃO foi feita NPH
das 21h.
21/02- 5° DIH Ala B.
Insulina NPH: 12U pela manhã, 02U às
14h, 04U às 21h.
22/02: NPH 13U pela manhã, 02 U às 14h
e 5U à noite.
23/02: conduta mantida.
24/02: Recebe alta com esquema anterior.
Orientado quanto à dieta, exercícios físicos
e sinais de hipoglicemia. Fornecida caneta,
aparelho, fitas para medição. Anotar
glicemias em caderno.
Mapa glicêmico
Data
3h
Café
Almoço
Jantar
Ceia
16/02
17/02
18/02
161
337
274*
437
HI
437
391
468
250
424
417
255
112**
19/02
20/02
21/02
22/02
23/02
24/02
185
269
79
241
378
183
177
277
104
189
476
277
335
250
282
252
297
165
311
183
499
464
177
326
282
Exame de Urina
Dia
16/02
17/02
18/02
19/02
Hora
16h
21h
04h
08h
09h30
21h
07h30
11:30
07h45
Glicosúria Cetonúria
++
++++
++++
+++
++++
+++
++++
+
++
++
+++
+
-
Diabetes Mellitus tipo 1
 CONCEITO: doença metabólica que cursa
com hiperglicema por defeito na secreção e/ou
ação da insulina.
 Epidemiologia:
 Taxa de incidência muito variável entre os
países ( interferência genética+ambiental)
Finlândia
Canadá
Paquistão
Brasil
34,9/100.000
20/100.000
0,7/100.000
23.8/100.000 * (dado: IDF)
Etiopatogenia
Fatores genéticos:
 Haplótipos HLA DR3 ou DR4 (braço curto crom. 6) .
 Gene DQ (não-Asp/não-Asp- pos. 57 cad.β- RR:
100 de desenv. DM tipo 1). Presença ác. Aspártico=
proteção.
 Concordância em gêmeos monozigóticos < 50%
Fatores ambientais:
 Proteínas do leite de vaca (albumina bovina)
 Agentes virais ( Caxumba, Coxsackie B, retrovírus,
Epstein-Baar e CMV)
 Estresse e toxinas químicas
Etiopatogenia
 Evidências de Auto-imunidade
 Ligação genética HLA e presença de células T
nas ilhotas agredidas
 Anticorpo anticélulas da ilhota (ICA): 80-90% dos
pacientes
 Anticorpos anti-GAD: 80%
 Anticorpos anti-insulina: 30 a 40%
 Associação com outras doenças auto-imunes:
Doença de Addison, tireoidite de Hashimoto, de
Graves, anemia perniciosa e vitiligo.
Fisiopatologia
 Destruição progressiva das células β:
 Deficiência crescente de insulina
 Produção excessiva de glicose e
seu uso
 Estado catabólico profundo (estresse metabólico)
 Liberação de hormônios contra-reguladores:
- Epinefrina: inibe secreção de insulina
- Epinefrina, cortisol, hormônio do crescimento:
antagonizam ação da insulina e diminuem
depuração e utilização periférica de glicose
- Cortisol, glucagon, epinefrina e GH: glicogenólise,
gliconeogênese, lipólise e cetogênese
Quadro clínico
Poliúria, Polifagia, Polidipsia, Perda
ponderal (geralmente < 1 mês)
Fraqueza, letargia, perda ponderal (início
insidioso)
Infecções cutâneas piogênicas e candidíase
em adolescentes do sexo feminino
Cetoacidose- manifestação inicial em 25%
Critérios diagnósticos
(mod. ADA, 1997)
Glicemia aleatória ≥ 200 mg/dL + sintomas
Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL
Glicemia 2h após TTG (75 g de glicose
VO) ≥ 200 mg/dL.
O valor deve ser confirmado em um dia
subseqüente
INTOLERÂNCIA À GLICOSE
110 ≤ glicemia de jejum ≤ 126 ou
140 ≤ glicemia 2h ≤ 200
Tratamento do DM 1
Insulinoterapia:
Tipo
Rápida
Intermediária
Lenta
Ultra-rápida
Sigla
Início
Pico
Duração
R
½h
2-4 h
4-6 h
NPH
lenta
Ultralen
ta
Lispro
1,5 h
8-12 h
16-24 h
4-8 h
12-16 h 24-36 h
5-15
min
1-2 h
3,5-4 h
Tratamento do DM 1
Tratamento: objetivos
gerais
 Adequado crescimento e desenvolvimento
Minimizar sintomas de hipoglicemia e
hiperglicemia
Prevenir complicações crônicas e agudas
Ajuste psicossocial do paciente
Em pacientes motivados, níveis glicêmicos
normais são alcançáveis em até 70-80%
das vezes
Tratamento:esquemas
 Insulinoterapia basal: 2 aplicações/dia
(NPH na hora de dormir e pela manhã)
 Insulinoterapia relacionada às refeições
(Insul. Reg SC 30 min antes da refeição ou
Lispro imediatamente antes)
Doses:
0,5 a 1 U/kg/dia (menores na “lua-de-mel”)
1,5 a 3 U/kg/dia na adolescência
Tratamento: Medidas adicionais
Recomendações calóricas
ADA. 1987
Modificação do
Nutriente
Rec. calórica
estilo de vida:
Atividade física:
sensibilidade à
insulina, queda do
colesterol,
obesidade, menor
risco de retinopatia
 Dieta: Dividir em 6
refeições.
Carboidratos
55%
Proteínas
15%
Gorduras
<30%
Saturadas
10% do total
Poliinsaturada
6-8
Monoinsaturada restante
Colesterol
<300 mg/dia
Fibras
25/1000cal
CETOACIDOSE DIABÉTICA
 Evento inicial do DM tipo 1 em 25% das
crianças e 40% das crianças < 4 anos.
 Condição grave com risco de morte
iminente.
 Se tratada adequadamente, a mortalidade
da CAD < 5%.
FISIOPATOLOGIA
 Deficiência insulínica grave (massa funcionante de
células β < 20%)
 Resistência à insulina ( hormônios do estresse e
citocinas- IL1)
 FATORES PRECIPITANTES:
Crianças: Primodescompensação
Estresse emocional e físico
Infecções virais e bacterianas
Omissão ocasional de insulina
Adolescentes: subdoses de insulina, omissão ou diminuição
de doses para prevenir hipoglicemia
Bulimia (princ. Mulheres)
Uso excessivo de álcool
Deficiência insulínica
Glicogenólise
Resistência insulínica
Lipólise
Gliconeogênese
Hiperglicemia
Diurese osmótica
Contração da volemia
Desidratação
Perda de eletrólitos
Acidose metabólica
Perda de potássio
Perda de fosfato
Captação periférica
de glicose
Oxidação de ácidos
graxos livres
Cetonemia
Quadro Clínico
 Dor abdominal
 Vômitos
 Fraqueza
 Dispnéia
 Confusão mental
 Letargia
 Rubor facial
 Desidratação
 Letargia
 Respiração de
Kussmaul
 Hálito cetônico
 Rebaixamento do
nível de consciência
 Coma (10% dos
casos)
 Sede
Diagnóstico diferencial
Outras causas de
desidratação, hiperventilação, obnubilação:
Síndrome de Reye
Intoxicação exógena (salicilatos, álcool)
Infecções ou traumas do SNC
GECA
Apendicite aguda
(não estão presentes os “4 Ps”)
Critérios Diagnósticos
(Sperling, 1996)
 Glicemia > 300 mg/dl
 pH < 7,3 e ou bicarbonato < 15 mEq/L
 Cetonemia > 3 mg/dL
 Glicosúria e Cetonúria > 2+
AVALIAÇÃO LABORATORIAL:
 Glicemia capilar
 Gasometria arterial
 Cetonemia
 Na+,K+, Uréia, Creatinina
CETOACIDOSE DIABÉTICA
Avaliação laboratorial:
 EAS/urocultura
Considerar UTI se:
 RX tórax
 pH < 7,0
 Hemocultura
 Idade < 2 anos
 Cultura de orofaringe
 Inconsciência
 ECG (pesquisa
hipercalemia)
 Glicemia >1.000
mg/dL
 Avaliação do débito
urinário (em coletor)
Tratamento da CAD:
1- Hidratação venosa:
20 mL/kg de SF 0,9% durante 1h.
 Se sinais de choque: 30-50ml/kg/h (máx.
1000ml/h até estabilização hemodinâmica
Reavaliar o paciente (procurar causa)
2- Introduzir Insulina 0,1U/kg/h na 2a h
Glicemia capilar de 1/1h. Eletrólitos e
gasometria a cada 2-4h nas prim. 24h
3- Correção dos distúrbios eletrolíticos
Tratamento da CAD:
Importância da Osmolaridade
 Osm sérica= 2 x (Na+K) + Glicemia + Uréia
( VR: 280 a 320)
18
6
Se Osm. > 330 e < 360: Reidratação em 36h
Se Osm. > 360: Reidratação em 48h
( ½ em 8-12h e restante nas próx. 18-24h)
Quando a glicemia atingir níveis inferiores
a 250 mg/dL, acrescentar SG 5% (1:1) e
considerar redução da insulina p/ 0,05
U/kg/h.
Correção dos distúrbios
eletrolíticos
Potássio: ( Após diurese):
 4 a 6 mEq/kg/dia ( 3 a 4,5 ml/kg/dia de KCl a
10%).
 Velocidade de infusão: máx 0,5 mEq/kg/h.
 Nas 16h seguintes: 3-4mEq/kg/dia de Na+
K+: 4 mEq/kg/dia, Ca++: 20 mg/kg.
Bicarbonato: (pH < 7,1 ou HCO3 < 10)
 Infusão pd hipóxia (diss. Curva Hb p/esq.)
 1-2 mEq/kg em 2h (lento)
Complicações
(Hipoglicemia, hipocalemia, Arritmias cardíacas)
Edema cerebral: 2-3% dos casos
 Mortalidade: 30%
 Entre 4 e 12h após início do tratamento
 Sinais de alerta: cefaléia, midríase,
anisocoria, vômitos, bradicardia,
incontinência, delírio,
sensório
Tratamento: reduzir taxa de sol. IV
Manitol (20%)- 0,5-1g/kg IV (10-20 g/m²)
em 5 a 10 min.
Repetir em 2-4h
Bibliografia
 Berhrman, R. E.; Kliegman; R. M.; Jenson, H. B. Nelson
Tratado de Pediatria. 16a ed., Guanabara Koogan, 2002.
 Braunwald, E. e cols. Harrison Medicina Interna, vol. 2
15a ed.; McGraw-Hill Companies Inc. 2002.
 Jr., W. W. H.; Hayward, A. R. et al. Current Pediatric
Diagnosis & Treatment. 16th ed., McGraw-Hill
Companies Inc. 2002.
 Oliveira, R. G. Black book: Manual de referência de
pediatria, medicamentos e rotinas médicas. 2a ed. Belo
Horizonte, 2002.
 Setian, N. e cols. Endocrinologia pediátrica. Aspectos
físicos e metabólicos do Recém-Nascido ao Adolescente.
2a ed., Sarvier Editora, São Paulo, 2002.
Download

Diabetes mellitus tipo 1 e cetoacidose diabética