4-
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA
GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO BENEDITO DA SILVA
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CRIMINAL N°. 014.2005.000393-9/001 — r Vara da Comarca de
Catolé do Rocha/PB
Relator
: Exmo. Des. João Benedito da Silva
Apelante
: Francisco Silvestre da Silva, vulgo "Kiko" (Adv. Luiz de Sousa Leite)
Apelado
: Justiça Pública
APELAÇÃO CRIMINAL. Lesão corporal gravíssima. Aborto.
Condenação. Irresignação. Autoria e materialidade
comprovadas. Versões apresentadas em Juízo contraditórias.
Provas testemunhal e técnica que confirmam os depoimentos
prestados à autoridade policial. Presença de advogado.
Idoneidade das declarações. Vítima que passados alguns anos do
fato tenta inocentar o réu. Inadmissão. Livre convencimento
motivado do magistrado. Legítima defesa. Requisitos não
comprovados. Manutenção da condenação. Desprovimento.
•
— Havendo contradições entre os depoimentos apresentados em
juízo e na delegacia, deve o magistrado, atento ao seu livre
convencimento, sopesar tais provas em conjunto com as demais
produzidas nos autos, notadamente quando se observa a nítida
intenção de inocentar o réu em desalinho com a verdade real dos
Mos.
- Para se caracterizar a legítima defesa, mister se jaz presentes,
concomitantemente, os requisitos da reação à injusta agressão.
operada contra si ou contra terceiro, atual ou iminente, com a
utilização de meios necessários e moderados, sem os quais o
agente deve responder integralmente pelo crime praticado.
•
VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS
acima;
os autos identificados
ACORDAa Egrégia Câmara Criminal do Colendo Tribunal de
Justiça do Estado da Paraíba, em harmonia com o parecer da douta Procuradoria de
Justiça, negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator. Unânime.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta por Francisco Silvestre
da Silva, vulgo "Kiko" (fls. 170; 191/199), contra sentença lançada pelo douto Juiz de
Direito da 2" Vara da Comarca de CatoM do Rocha/PB (fls. 144/150) que o condenou
à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em
regime inicialmente semi-aberto, pela prática do crime previsto no §2" do inciso 1' do
art. 129 do Código Penal, por t no dia 29 de março do ano de 2003, por volta das
12hs, no bairro Tancredo Neves daquele município, desferido diversos golpes de facapeixeira no rosto, mãos e braços da vítima, a Sra. Narcisa Maria dos Santos Belo, filha
da sua provável ex-companheira, causando-lhe as lesões descritas nos laudos de tis.
14/14v e 32/32v, que ruminaram no aborto da criança que gestava. já no nono mês de
gravidez.
Aduziu o apelante que o magistrado a alio "desconsiderou a
robustez das provas contidas nos autos", que, segundo sustenta, afastavam a
responsabilidade penal do agente no crime denunciado, eis que reagira "a atual e
injusta agressão em defesa de direito próprio", estando amparado, desta feita, por uma
descriminante.
Asseverou, ainda, que as provas testemunhais são frágeis e
contraditórias, e que. em que pese sua confissão perante a autoridade policial (fls. 20). o
delito lhe foi atribuído de forma graciosa, posto que, em Juízo (fls. 49/50), desmentiu
toda a versão.
Noutra banda, sustentou a tese da negativa de autoria fulcrado nos
depoimentos da vítima ,e sua genitora, que em Juízo mudaram seus depoimentos iniciais,
de sorte que, diante deste cenário de dúvidas que aponta, pugnou pela absolvição do
recorrente, ou a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de
direitos.
Contrarrazões às fls. 203/207, onde o Órgão ministerial pugnou
pelo desprovimento do recurso.
Nesta Instância, a douta Procuradoria de Justiça emitiu parecer,
também, pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
V O T O: Exmo. Des. João Benedito da Silva
Conforme relatado, trata-se de Apelação Criminal interposta por
Francisco Silvestre da Silva, vulgo "Kiko" (fls. 170; 191/199), contra sentença lançada
(fls.
pelo douto Juiz de Direito da 2" Vara da Comarca de Catolé do Rocha/PB
144/150) que o condenou à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 08 (oito)
meses de reclusão, em regime inicialmente semi-aberto, pela prática do crime previsto
no §2° do inciso V do art. 129 do Código Penal, por ter, no dia 29 de março do ano de
2003, por volta das 12hs. no bairro 'Tancredo Neves daquele município, desferido
diversos golpes de faca-peixeira no rosto, mãos e braços da vítima. a Sra. Narci.sa
Maria dos Santos Belo, filha da sua provável ex-companheira, causando-lhe as lesões
descritas nos laudos de fls. 14/14v e 32/32v. que ruminaram no aborto da criança que
gestava, já no nono mês de gravidez..
Aduz o apelante, em linhas gerais, que as provas carreadas aos
autos são frágeis e contraditórias, não se revelando suficientes para firmar sua culpa
penal, de sorte que a dúvida deve ser dirimida em seu favor, haja vista que Os
depoimentos prestados perante a autoridade policial divergem daqueles colhidos em
Juízo. Nesse contexto, sustenta, inclusive, não ser o autor das lesões sofridas pela
vítima.
Por outro lado, em tese alternativa, assevera que agiu em legitima
defesa reagindo à injusta agres ío perpetrada também pela vítima.
v-
Contudo, tenho que razão não assiste ao recorrente.
A um, porque a autoria do crime denunciado restou incontroversa
nos autos, apenas tentando o recorrente emprestar uma nova dinâmica aos fatos
narrados para eximir-se, da responsabilidade penal a si atribuída, senão vejamos.
Na esfera policial, assistido por seu advogado", e quase dois anos
após o crime, quando então foi intimado à comparecer perante a autoridade policial para
prestar depoimento, conforme se observa do auto de . interrogatório de fls. 19, aduziu o
recorrente que:
"QUE NARCISA chamou a Polícia, tendo o interrogado chegado a ser
preso pela Polícia e disse para a mesma que quando saísse da cadeia ia
matá-la e logo no dia seguinte, ao sair do xadrez mais uma vez dirigiuse àquela residência, onde NARCISA passou a ensultá-lo (sie], e
aproximadamente quinze dias após a sua prisão, desferiu quatro golpes
de faca-peixeira contra a mencionada mulher, deixando-a gravemente
ferida, tendo esta sido socorrida para o Hospital Regional desta Cidade
e mais tarde foi removida para um dos Hospitais da cidade de SousaPB, onde segundo soube posteriormente, NARCISA perdeu o bebê;...;
QUE não tinha a intenção de assassinar a vítima NARCISA e muito
menos chegou a imaginar que esta viesse a perder o filho que esperava.
e tudo aconteceu em uni momento de raiva. "(grifos nossos)
Nessa mesma esteia, em perfeita harmonia com o depoimento do
réu, a vítima confirmou à autoridade policial que foi o recorrente quem praticou as
lesões descritas na exordial, senão vejamos:
...QUE afirma a declarante que naquele momento o indivíduo
FRANCISCO SILVESTRE DA SILVA, também conhecido por KIKO
que também estava do lado de fora, adentrou para o interior da
residência e, logo em seguida, para surpresa da declarante, este
retornou armado de faca-peixeira e sem lhe dar qualquer chance de
defesa, desferiu vários golpes de faca-peixeira na pessoa da declarante
que veio a cair ao solo, tendo o mencionado indivíduo ainda desferido
alguns golpes depois que a declarante estava caída; QUE Kiko lhe feriu
na altura do pescoço, rosto e cabeça; QUE em seguida o mencionado
indivíduo evadiu-se do local, enquanto a declarante era socorrida para
o Hospital Regional de Sousa e mais tarde foi removida para o Hospital
Santa Terezinha, onde foi cirurgiada, tendo o médico retirado a sua
criança do sexo feminino, que já encontrava sem vida;" (fls. 15) (grifos
nossos)
Também, a testemunha Francisco das Chagas Silva, proprietário
de urna padaria localizada na rua em que ocorreu o crime, e que socorreu a vítima para o
Hospital, verbis:
"QUE o depoente e Rômulo imediatamente colocaram a vítima no
veículo e a conduziram para o Hospital Regional desta Cidade; QUE o
depoente perguntou a vítima quem tinha sido o autor das lesões, tendo
a vítima lhe informado que tinha sido o indivíduo FRANCISCO
SILVESTRE DA SILVA, .popularmente conhecido como KIKO; QUE
afirma o depoente que RÔMULO CÉSAR lhe disse que presenciou
quando KIKO se evadiu do local com uma faca-peixeira na mão." (fls.
17) (grifos nossos)
/
/(
Nesse diapasão, a referida testemunha ~ido César 4,evedo
Batista:
"QUE o depoente presenciou o indivíduo FRANCISCO SILVESTRE
DA SILVA, popularmente conhecido por KIKO, que evadiu-se do local
escondendo um objeto nas mãos, e que depois o depoente ficou sabendo
que era a faca-peixeira que o mesmo tinha utilizado para desferir
vários golpes na mencionada mulher, que depois ficou sabendo que era
conhecido por NARCISA;" (fls. 18) (grifos nossos)
Como se vê, este foi o cenário descrito de forma harmoniosa pelos
sujeitos do processo. e que deu azo à presente Ação Penal. É dizer, havia mais do que
meros indícios de autoria delitiva na pessoa do recorrente.
Pois-bem! É cediço que vige no processo penal o princípio que vela
pela busca da verdade real dos fatos.
Cabe ao magistrado, portanto, diligenciar no sentido de firmar seu
convencimento sopesando as provas coligidas nos autos em seu todo, e não de forma
singular.
Na espécie, laborou de forma irretocável o magistrado comarcão.
quando enxergou nos depoimentos prestados em Juízo, tanto pelo recorrente, quanto
pela vítima, uma tentativa inócua de desnaturar os fatos contidos na denúncia, tudo isso
no an de eximir o réu da responsabilidade penal por seu ato bestial.
Nunca é demais lembrar que a presente Ação Penal é pública, não
estando, por essas razões, ao alvedrio das partes, quando lhes convier, sustar por
quaisquer formas o andamento do feito, dada sua natureza de indisponibilidade.
Desta foirria, em que pese a intenção das partes de afastar a
responsabilidade que recai sobre o recorrente, não encontrou coesão o magistrado a quo
nos depoimentos que ora transcrevo.
Verberou o recorrente em Juízo às fls. 49:
"que nega os fatos narrados na denúncia; que não agrediu a vítima
Narciso' Maria dos Santos; que nem o interrogando, nem mesmo a
vítima sabe quem a agrediu; que ela é 'mulher da vida' e possui muitas
inimizades;...; que a confissão que existe foi forjada pelo Delegado de
Polícia."
Pór sua vez, a vítima, cujo depoimento curiosamente ja havia sido
"antecipado" pelo recorrente, asseverou perante a autoridade judicial.
"que reconhece o acusado aqui presente como o 'Kiko'; que estava
bêbada e não sabe quem a agrediu, que a depoente não nega o que
falou na delegacia, mas agora afirma que não viu a pessoa, pois estava
de costas; que retificando o que disse anteriormente, afirma que não
falou o que consta no depoimento de fls. 10; que o acusado nunca teve
relacionamento com sua mãe." (fls. 59) (grifos nossos)
Como se vê, tais depoimentos apresentam flagrantes contradições
entre si, não se revelando capazes de infirmar a condnação posta.
No mesmo depoimento asseverou que não negava o que disse na
delegacia, para depois retificar dizendo que negava. Igualmente afirmou seguramente na
delegacia ser o réu o autor das lesões sofridas, para em Juízo verberar que não viu a
pessoa porque estava de costas.
Ora, as lesões descritas no laudo de fls. 32 dão conta que foram
diversos ferimentos na face, mãos, braço e antebraço esquerdo, de sorte que cai por terra
a versão que estava de costas, haja vista que tais lesões são típicas de quem está
tentando se defender.
IrrétOcável a sentença vergastada, também, quando afasta a
veracidade do depoimento prestado pela mãe da vítima. Maria de Lourdes da
Conceição, no ano de 2007, que afirma não ter tido qualquer relacionamento amoroso
com o recorrente. De fato, causa estranheza tal assertiva, notadamente porque assumiu
uma posição de defesa em favor do réu, inobstante afirmar não saber quem praticou o
crime.
O magistrado a (pio com seu costumeiro acerto, enxergou tais
contradições e concluiu que a única finalidade da dita testemunha, arrolada pela defesa.
ressalte-se, em que pese ser o réu acusado de causar lesões em sua filha que ruminaram
na morte da sua neta, era inocentar o recorrente.
Vejamos o que disse em Juízo referida testemunha:
"que é apenas conhecida do acusado;...; que nunca manteve
relacionamento com o acusado;...; que não sabe quem agrediu sua
filha;...; o acusado era um bom rapaz e não fazia mal a ninguém;...;
que sua filha jamais foi ameaçada pelo acusado."
Portanto, tal depoimento não foi capaz de inocentar o réu. O que se
observa é que passados alguns anos, a família da vítima perdoou o acusado, contudo. tal
ato é irrelevante para o presente feito, haja vista a natureza pública da ação, já foi dito.
Em conclusão, as provas carreadas apontaram insofismavelmente
para a autoria delitiva na pessoa do recorrente, não se havendo falar em reforma da
sentença de fls. 144/150.
Também não se há falar em legítima defesa. Tal tese.
aparentemente contraditória com a da negativa de autoria apresentada. registre-se, não
restou comprovada nos autos, de sorte que o réu não se desincumbiu de tal ônus. Para
tanto, segundo melhor doutrina, deveria ter provado sequer que reagira a uma injusta
agressão, iminente ou atual, a direito seu ou de outrem. e utilizando-se de meios
necessários e moderados.
Dessarte, nas circunstanciais em que se deram os fatos. inóspito
acreditar que qualquer reação, ainda que injusta, a uma agressão sofrida pelo réu, e de
uma mulher grávida com nove meses de gestação, com diversas facadas, fosse
qualificada como legítima defesa, ante a flagrante imoderação dos meios utilizados.
Assim, não se há falar no reconhecimento da arguida dirimente.
Por sua vez, a reprimenda bedeceu às três fases de aplicação da
pena, não sendo carente, também, de reforma sentença primogênita neste particular.
I, (/
A pena-base fora fixada de forma razoável em 03 (três) anos e 06
(seis) meses de reclusão, inobstante a presença de circunstâncias judicias desfavoráveis.
consoante o art. 59 do CP.
Já na segunda fase, a existência de circunstâncias agravantes (art.
61. II, "a" e "c") foram responsáveis pelo aumento de 01 (um) ano e 02 (dois) meses na
pena-base, que à mingua de outras causas, tomou a pena privativa de liberdade
definitiva em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime iniciai semiaberto, devendo a condenação ser mantida nesse patamar.
Forte em tais razões, NEGO PROVIMENTO ao presente apelo,
tudo isso em harmonia com o parecer ministerial.
É como voto.
Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Leôncio Teixeira Câmara.
Participaram ainda do julgamento o Exmo. Des. João Benedito da Silva, relator, o
Exmo. Des. Luiz Silvio Ramalho Júnior, revisor, e o Exmo. Des. Leôncio Teixeira
Câmara.
Presente à Sessão o(a) Exmo.(a) Dr.(a) Maria Salete de Melo
Araújo Porto, Promotora de Justiça convocada.
Sala de Sessões da Egrégia Câmara Criminal do Colendo Tribunal
de Justiça do Estado da Paraíba, em João Pessoa, Capital, aos 17 (dezessete) dias do
mês de maio do ano de 2011.
es/Joãõ Benedito da Silva
CR el a t or
-
•
•
•
Download

Francisco Silvestre da Silva, vulgo "Kiko"