Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
A EXCEPCIONALIDADE DA ADOÇÃO
INTERNACIONAL E O MELHOR INTERESSE DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Autora: Claudia Michele de Medeiros Esteves
Orientadora: Profª.MSC Adriana Andrade
Miranda
Brasília – DF
2010
CLAUDIA MICHELE DE MEDEIROS ESTEVES
A EXCEPCIONALIDADE DA ADOÇÃO INTERNACIONAL E O MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Prof. MSC Adriana Andrade
Miranda
Brasília
2010
Esteves, Claudia Michele de Medeiros
A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor
Interesse da criança e do adolescente / Claudia - Michele
de Medeiros Esteves. Novembro de 2010.
Trabalho de Conclusão de Curso da Universidade
Católica de Brasília, novembro de 2010.
Orientação: Professora Mestre Adriana Andrade Miranda
1. Adoção, 2. Adoção internacional, 3. Princípio do melhor
Interesse. I. Miranda, Adriana Andrade.
A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor
Interesse da criança e do adolescente.
CDU Classificação
Monografia de autoria de Claudia Michele de Medeiros Esteves, intitulada “A
EXCEPCIONALIDADE DA ADOÇÃO INTERNACIONAL E O MELHOR INTERESSE
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE”, apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em
___/___/___, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________
Profª.MSC Adriana Andrade Miranda
UCB
_____________________________________________
Integrante Prof.
UCB
_____________________________________________
Integrante Prof.
UCB
Brasília
2010
RESUMO
ESTEVES, Claudia Michele de Medeiros. A excepcionalidade da adoção
internacional e o melhor interesse da criança e do adolescente. 2010. nº f.--Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Curso de Direito. Universidade
Católica de Brasília, Taguatinga, 2010.
A presente monografia tratará sobre adoção internacional em face do melhor
interesse da criança e do adolescente, ou seja, questiona se a excepcionalidade do
instituto significa o melhor interesse. Para isso serão analisados os princípios que
regem a proteção integral, aspectos gerais da adoção, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, a Convenção de Haia de 1993, a Constituição Federal de 1988 e a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças de 1989.
Palavras-chave: adoção; adoção internacional; princípio do melhor interesse;
excepcionalidade; Estatuto da Criança e do Adolescente; Convenção de Haia.
ABSTRACT
ESTEVES, Claudia Michelle de Medeiros. The uniqueness of international adoption
and best interests of children and adolescents. 2010. No f --- End of Course Work
(Graduate). Law Course. Catholic University of Brasilia, Wansbeck, 2010.
This monograph will address on international adoption in the face of the best
interests of children and adolescents, ie, questions whether the uniqueness of the
institute means the best interest. We shall analyze the principles that govern the
overall protection, general aspects of adoption, the Children and Adolescents, the
Hague Convention of 1993, the 1988 Federal Constitution and the International
Convention on the Rights of the Child 1989.
Keywords: adoption; international adoption; principle of best
exceptionality; Status of Children and Adolescents; Hague Convention.
interests;
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Adoções realizadas por pretendentes brasileiros
Quadro 2 – Adoção realizada por pretendentes estrangeiros
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................
8
1. ADOÇÃO .......................................................................................................
10
1.1 Conceito .......................................................................................................
10
1.2 Características da Adoção ...........................................................................
11
1.3 Espécies de Adoção ....................................................................................
13
1.4 Evolução Histórica do Instituto da Adoção ....................................................
13
1.5 A Importância da Família .............................................................................
19
1.6 A Importância da Adoção .............................................................................
22
1.7 Justificativa ..................................................................................................
24
1.8 Requisitos para Adoção ................................................................................
25
2. PRINCÍPIOS ..................................................................................................
29
2.1 Princípio da Proteção Integral .....................................................................
29
2.2 Princípio da Prioridade Absoluta ..................................................................
30
2.3 Princípio do Melhor Interesse ........................................................................
33
2.4 Princípio da Co-responsabilidade ................................................................
35
2.5 Princípio da Condição Peculiar de Pessoas em Desenvolvimento .............
35
2.6 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ................................................
36
2.7 Direito Fundamental à Convivência Familiar ...............................................
38
3. A ADOÇÃO INTERNACIONAL ......................................................................
43
3.1 A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) ................
49
3.2 A Convenção de Haia (1993) ......................................................................
52
3.3 Requisitos Pessoais dos Adotantes Estrangeiros .......................................
56
3.4 Requisitos Pessoais do Adotando ...............................................................
57
3.5 Procedimentos da Adoção Internacional no Brasil ......................................
59
3.6 As Comissões ..............................................................................................
61
3.7 A Excepcionalidade da Adoção Internacional e o Melhor Interesse da
Criança ..............................................................................................................
63
CONCLUSÃO ....................................................................................................
69
REFERÊNCIAS .................................................................................................
71
8
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objetivo o estudo da adoção internacional e
o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que tal
modalidade de adoção ainda é pouco tratada no Brasil e a ausência de
doutrinadores dispostos a discutir o tema é sentida com poucas obras específicas
sobre o assunto. Por esses aspectos será necessário um estudo mais aprofundado
sobre o tema em tela a partir de uma análise sobre a doutrina da proteção integral,
uma retrospectiva histórica abordando a evolução do instituto da adoção, e por fim a
questão da possibilidade da adoção internacional em face do melhor interesse da
criança e do adolescente.
O capítulo inicial tratará da adoção no Brasil, bem como suas espécies e
características, apontando sua origem e demarcando sua evolução histórica.
Abordará, ainda, a importância da família para o desenvolvimento da criança e
também como base da sociedade, e da importância da adoção e seus requisitos. O
capítulo tratará com especial enfoque a evolução legislativa do país desde o Código
de Menores de 1979 até o implemento do Estatuto da Criança e do Adolescente em
1990, apontando a relevância dessa evolução para o instituto da adoção
internacional no Brasil.
O segundo capítulo abordará sobre a doutrina da proteção integral presente
no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, e dos seus princípios norteadores
que são: o princípio da prioridade absoluta, que de forma sucinta, significa dizer que
é dever da família, do poder público e da sociedade em geral garantir com absoluta
prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária das crianças e dos
adolescentes; o princípio do melhor interesse, a sua origem, a forma com que o
sistema jurídico brasileiro acatou tal princípio; o princípio da co-responsabilidade,
que trata-se de uma cláusula geral de responsabilidade onde serão apresentadas de
forma clara as consequências desse princípio presente no Estatuto da Criança e do
Adolescente e de que forma prática essa co-responsabilidade atua na vida dos
menores abandonados; o princípio da condição peculiar de pessoas em
desenvolvimento, mostrando como esse princípio é de suma importância para a
9
interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente; princípio da dignidade da
pessoa humana com o fim de demonstrar a relevância desse princípio no que diz
respeito aos direitos da criança.
O terceiro e último capítulo analisará a origem da adoção internacional,
quando ocorre a possibilidade de tal instituto no Brasil, a Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança e sua importância em criar normas genéricas a todos os
países que a ratificaram, assim como as modificações trazidas pela Convenção de
Haia e a sua importância no instituto da adoção juntamente com o Estatuto da
Criança e do Adolescente. E, por fim, tratará da excepcionalidade que cerca a
adoção internacional e os aspectos que ligam essa excepcionalidade ao melhor
interesse da criança e do adolescente.
Pretende-se com esse estudo um esclarecimento maior relacionado ao modo
com que os menores estão sendo tratados pelo Estado e pela sociedade, mostrar a
devida importância que se deve dar ao futuro dessas crianças que não puderam
permanecer com suas famílias naturais, a possibilidade de serem adotadas por
estrangeiros e o dever do Estado de proteger integralmente essa criança, visando
sempre o melhor interesse dela, pois representa um bem maior para toda a
sociedade.
10
1. ADOÇÃO
1.1 Conceito
O termo adoção, segundo Kátia Maciel1: “Se origina do latim, de adoptio, tem
como significado em nossa língua, na expressão corrente, tomar alguém como filho”.
Carvalho2 conceitua adoção da seguinte forma:
Adoção é um ato jurídico solene e bilateral que gera laços de paternidade e
filiação entre pessoas naturalmente estranhas umas às outras. Estabelece
um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de
filho, pessoa que geralmente lhe é estranha. É uma ficção legal que
possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de
parentesco de 1º grau na linha reta, estendendo-se para toda a família do
i
adotante . É um ato complexo que depende de intervenção judicial, de
caráter irrevogável e personalíssimo.
A adoção é um meio artificial de filiação que procura imitar a filiação natural,
este ato civil nada mais é do que aceitar uma pessoa estranha na qualidade de filho,
pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade ou de
sentença judicial. A filiação natural repousa sobre o vínculo de sangue enquanto a
adoção é uma filiação exclusivamente jurídica que se baseia sobre uma relação
afetiva. A adoção é, portanto, um ato jurídico que cria relações de paternidade e
filiação entre duas pessoas e este ato faz com que o adotado passe a gozar do
estado de filho do adotante. 3
Em um sentido mais natural, significa conceber um lar a crianças
necessitadas e abandonadas em face de várias circunstâncias, como a orfandade, a
pobreza, o desinteresse dos pais biológicos e os desajustes sociais que
desencadeiam no mundo atual. A adoção tem como objetivo dar às crianças e
adolescentes sem uma família um ambiente de convivência mais humana, onde
outras pessoas irão satisfazer ou atender aos pedidos afetivos, materiais e sociais
que um ser humano necessita para desenvolver dentro da normalidade comum,
1
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.205.
2
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 22 ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, p.483-484 apud CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e Guarda, Belo Horizonte:
Del Rey, 2010. p. 1
3
VICENTE, José Carlos, Adoção – O que é adoção, seus efeitos e formas para se adotar. Disponível
em: <http://pailegal.net/fatiss.asp?rvTextoId=1183371062> Acesso em 20 de ago. 2010.
11
sendo de grande interesse do Estado que coloque essa pessoa em estado de
abandono ou carente de um ambiente familiar homogêneo e afetivo. A adoção, vista
como um fenômeno de amor e afeto deve ser incentivado pela lei.4
Segundo Diniz, a adoção é: “Um instituto de caráter humanitário, que tem por
escopo, de um lado, dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado
uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e
material do adotado”.5
No que se refere aos sentimentos, a adoção é antes de tudo uma ato de
vontade, combinado com um ato de amor, regado de afeto e carinho, onde o
adotante passa a ser pai do adotado, como se o tivesse concebido.6
1.2 Características da Adoção
As características da
adoção
são: ato personalíssimo,
excepcional,
irrevogável, incaducável, plena, constituída por sentença judicial.7
É constituída por ato personalíssimo, pois o §2º do artigo 39 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), veda a adoção por procuração.8
No §1º do artigo 39 do ECA, preceitua que a adoção é medida excepcional e
irrevogável, devendo ser utilizada somente quando esgotados os recursos de
manutenção da criança ou adolescente na família natural. Então, eventual retirada
da pessoa em desenvolvimento de sua família biológica poderá ocorrer somente em
casos excepcionais. Apesar de a lei ter com principal finalidade a manutenção da
convivência na família natural, se não for possível, competirá ao Estado-Juiz, em
4
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 22.ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. P. 483-484 apud CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e Guarda, Belo Horizonte:
Del Rey, 2010. p.1 .
5
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 14 ed.rev. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. V, p.65.
6
BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas
enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.>
Acesso em: 20 ago 2010.
7
ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves
Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.p.188.
8
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit. p.189.
12
procedimento judicial, determinar a destituição definitiva do poder familiar, e
direcionar a criança ou adolescente para a adoção.9
A lei prioriza a adoção para os membros da família extensa (parentes
próximos, como avós e tios, que tenham afetividade e afinidade com a pessoa); se
não houver possibilidade de estes assumirem a função ou estes não existirem, a
terceiros nacionais e residentes/ domiciliados no Brasil; e na impossibilidade desses,
a adoção internacional será deferida, inserindo-se,
da
Convenção
de
Haia sobre Cooperação
no
em
ECA,
Matéria
as disposições
de
Adoção
Internacional.10
A adoção é irrevogável, pois impossibilita a retomada do poder familiar pela
família natural, assim como diz o artigo 39,§1º do ECA11, in verbis:
Art. 39. A adoção da criança e do adolescente reger-se-á segundo o
disposto nesta lei.
§1º. A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer
apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou
adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do
12
art. 25 desta Lei.
A incaducabilidade também é uma característica da adoção, pois a morte dos
adotantes não possibilita o restabelecimento do poder familiar dos pais biológicos,
porque a adoção tem caráter de definitivo.13
Outra característica da adoção é a plenitude, uma vez que a lei determina que
o adotado e os filhos biológicos tenham os mesmos direitos e deveres, inclusive
sucessórios.14
A última característica da adoção é a exigência de que seja constituída por
sentença judicial, não sendo admitida por escritura pública. A sentença judicial que
determinar
a
adoção deverá
ser
inscrita
no
registro
civil
por meio de
15
mandado.
9
ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves
Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.p.189.
10
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190
11
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190
12
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010.
13
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190
14
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190
15
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.191.
13
1.3 Espécies de Adoção
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, há duas espécies de
adoção: unilateral e bilateral. Na adoção unilateral, existe o vínculo de filiação com
um dos pais biológicos enquanto que a bilateral, há o rompimento total do vínculo de
filiação16 e os genitores deixarão de exercer o poder familiar e não possuirão mais a
prerrogativa de pais da criança ou adolescente adotada por outra família. 17
1.4 Evolução Histórica do Instituto da Adoção
A adoção pode ser observada nos sistemas jurídicos das comunidades mais
antigas, tendo claramente expressa sua evolução desde os primórdios, no Direito
Ancião, até os dias atuais.18
1.4.1 Período pré-romano
Entre todos os povos antigos, a adoção tinha como objetivo principal, a
perpetuação dos deuses e do culto familiar. O primeiro registro em adoção
internacional que se tem conhecimento encontra-se no Livro Sagrado onde
Termulos, filha de um faraó egípcio, adotou Moisés, que havia sido encontrado às
margens do rio Nilo.19
A adoção surgiu no período da antiguidade de acordo com os primeiros textos
legais. O código de Hammurabi, do período de 1728 a 1686 aC, já mencionava
regras que diziam respeito à adoção na Babilônia. A adoção era tratada no
parágrafo 185 a 195 do código e estabelecia quais as possibilidades, ao adotado, de
retornar à casa do pai biológico.20
De acordo com Chaves21, ao concluir o §185 do Código de Hammurabi que:
16
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit .p.184.
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit .p.185.
18
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p 197.
19
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: doutrina e prática. Curitiba: Juruá,
2002, p 15-17.
20
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. Aceso em: 19 de
ago.2010
21
CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. 3 ed. revista e ampliada, São Paulo:
1983, p.40.
17
14
Enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa
paterna; mas uma vez educado, tendo o adotante despedido dinheiro e
zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranquilamente à
casa do pai de sangue. Estaria lesando aquele princípio da justiça
elementar que estabelece que as prestações recíprocas entre os
contratantes devem ser iguais, correspondentes, princípios que constitui um
dos fulcros do direito babilonense e assírio.
Pode-se concluir, ao verificar a maneira como a adoção era tratada pelo
referido código, que, uma vez adotado de forma irrevogável, o filho adotivo possuía
os mesmos direitos hereditários do filho natural. Observa-se o enorme senso de
justiça que o Código de Hammurabi possuía.22
A sociedade hindu, como a sociedade babilônica, previa em suas leis, o
instituto da adoção. Segundo as Leis de Manú, IX, 10, “Aquele a quem a
natureza não deu filhos, pode adotar um para que as cerimônias fúnebres não
cessem”.23
Em Esparta, existem alguns relatos da prática da adoção, porém era diferente
da maneira pela qual conhecemos. O modelo de família na sociedade espartana
determinava que os filhos somente ficassem com a mãe até os sete anos de
idade,
depois
eram entregues ao treinamento militar. O rei que atestava a
adoção.24
Em Atenas, apenas os cidadãos podiam adotar e tanto homens como
mulheres podiam ser adotados desde que também fossem cidadão ou cidadã. Os
estrangeiros e os escravos estavam proibidos de adotar ou ser adotados. E para o
filho adotivo voltar à sua família biológica, teria que deixar filho substituto na
adotiva.25
1.4.2 Período romano
A
estrutura
social e
religiosa
da
civilização
romana
influenciou o
desenvolvimento e a plenitude dos efeitos da adoção.
22
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. Aceso em: 19 de
ago.2010
23
ALVIM, Eduardo Freitas. Op. cit.
24
ALVIM, Eduardo Freitas. Op. cit.
25
ALVIM, Eduardo Freitas Op. cit.
15
O Instituto da Adoção teve seu desenvolvimento mais acentuado em Roma
que primeiramente teve como objetivo proporcionar filhos aos que não tinham
biologicamente.26 Sobre o tema, Paiva acentua:
Era uma instituição de direito privado, simétrica à da naturalização no direito
público: assim como a naturalização incorporava um estrangeiro no Estado
outorgando-lhe a cidadania, também a adoção agregava um estranho na
27
família romana, concedendo-lhe os direitos e deveres de filho-família.
Em Roma, à época de Justiano, havia duas espécies de adoptio: a plena e a
minus plena. A plena tinha o objetivo de conceder pátrio poder a quem não possuía,
mas somente entre membros da mesma família natural ou de sangue. A minus
plena, ao contrário, se caracterizava por continuar os laços de parentesco do adotivo
com sua família natural, ficando sob o pátrio poder de seu pai biológico. Então se o
adotante falecesse sem testamento, o filho adotivo concorria à sucessão. Esse tipo
de adoção, para ser concretizada, exigia a presença do juiz.28
Quando a adoção era efetivada, em Roma, o pater famílias ensinava ao
adotado o culto doméstico de sua nova família, e ele tinha que deixar o que havia
aprendido no culto da antiga (in sacra transiti), rompendo-se o vínculo de parentesco
natural. A única forma por meio da qual o filho adotivo poderia retornar à sua antiga
família era deixando, à família adotante, um outro filho em seu lugar, rompendo-se
todos os laços de parentesco com este, ao partir.29
No direito francês, a adoção atravessa um processo de renascimento no o
início da Idade Moderna, com o Código Civil francês de 1792, o Código de
Napoleão. Este código possuía fortes intenções políticas ao instituir a adoção, pois
Napoleão Bonaparte precisava de um sucessor.
1.4.3 Evolução histórica no Brasil. Do código de menores de 1979 ao Estatuto da
Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90.
26
VICENTE, José Carlos. Op.cit.
CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. 3 ed. revista e ampliada, São Paulo:
1983, p.27.
28
ALVIM, Eduardo Freitas Disponível em:
http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. Aceso em: 19 de
ago.2010
29
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
<http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf.> Aceso em: 19 de
ago.2010.
27
16
Com o Código Civil de 1916, foi disciplinado o instituto da adoção pela
primeira vez no Brasil, mas percebe-se nesta legislação que havia diferenças
enormes, principalmente no campo dos direitos sucessórios, entre os filhos
biológicos e os filhos adotivos. Na época, era muito comum que as pessoas
possuíssem filhos de criação, mas estes tinham um tratamento inferior, diferenciado
perante os filhos biológicos, pois estavam inseridos naquela família de favor. 30
Nos artigos 368 a 378 da lei, a adoção era autorizada somente aos maiores
de cinquenta anos e desde que fossem dezoito anos mais velhos que o adotado e
que não possuíssem prole legítima ou legitimada. Com isso as dificuldades eram
muito grandes para àqueles que tinham a intenção de adotar. Com esse requisito de
o adotante não possuir filhos, pode-se observar que a adoção possuía, à época, a
função prioritária de oferecer oportunidade àquele que não pôde ou não quis ter
filho, de adotar uma criança.31
Em 8 de maio de 1957, com a promulgação da Lei n. 3.133/5732, o Código
Civil de 1916 sofreu algumas alterações, a fim de atualizar o instituto e fazer com
que este tivesse maior aplicabilidade,33 como a diminuição da idade de cinquenta
para trinta anos, a diferença de idade entre o adotante e o adotado de dezoito para
dezesseis anos, e a exigência de que o casal não possuísse filhos, deixou de ser
necessária, precisando demonstrar estabilidade conjugal de um período mínimo de
cinco anos. Houve, então, uma pequena evolução para o instituto da adoção.34
Ainda conforme a Lei n.3.133/57, o parentesco resultante da adoção, produzia
efeitos apenas entre adotante e o adotado, o pátrio poder era transferido, no
entanto, os demais direitos e deveres em relação à família natural não se
extinguiam, e em relação à sucessão, os direitos do filho adotivo resumiam-se
somente à metade do quinhão a que tinham direito os filhos biológicos. 35 Mas esse
30
BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas
enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.>
31
ALVIM, Eduardo Freitas.
32
BELTRAME, Martha Silva. Op.cit.
33
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
34
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
<http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf>. Aceso em: 19 de
ago.2010
35
Ibidem.
17
artigo (1605) foi revogado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, §6º
proíbe qualquer diferença entre filhos adotivos e biológicos.36
Nota-se que a adoção tinha uma finalidade de resolver os problemas
daqueles que não podiam ter filhos, ou seja, dar filhos aos que não os tiveram de
maneira natural. Contudo, na atualidade, o instituto da adoção volta-se para o
interesse da criança e adolescente, onde suas necessidades devem ser respeitadas.
Em 2 de junho de 1965, foi promulgada a Lei n.4.655, que instituiu nova
feição à adoção, onde os adotados tinham uma integração maior com a família. As
regras da legitimação só eram aplicadas para crianças, a não ser que já estivessem
na companhia dos adotantes, pois se baseava na ideia de que não houvesse
nenhuma relação com a família biológica, pois buscava-se uma aproximação mais
eficiente da criança com a família adotiva. A adoção era irrevogável, e uma
nova certidão
equiparados
de
nascimento
era
emitida
e
os
filhos
adotivos
eram
aos naturais que o casal viesse a conceber, salvo o direito
sucessório.37
No século XX, a justiça uniu a assistência à infância e a consequência dessa
associação foi o desenvolvimento da criação de uma legislação especial para a
infância, denominado Código de Menores de 1979, que trouxe grandes avanços no
instituto da adoção, que tinha como finalidade da adoção a proteção integral do
menor, onde o artigo 50 determinava que “Na aplicação desta lei, a proteção aos
interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente
tutelado”. Previa, também, duas formas de adoção: a simples e a plena. Revogou o
Código de Menores de 1926 (Decreto nº 5.083/26) bem como a Consolidação das
Leis
da Assistência e Proteção a Menores (Decreto nº17943-A/27), a Lei nº
4.655/65 e as outras legislações vigentes à época no que diz respeito à
adoção.38
Com o advento do Código de Menores em 10 de outubro de 1979 (Lei nº
6.697/79), a adoção ficou dividida em dois tipos, a simples e a plena. A simples
direcionava-se aos menores de dezoito anos, em situação irregular, realizada por
36
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 20 de
set.2010.
37
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
38
BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas
enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.>
18
meio de escritura pública, utilizando o Código Civil no que fosse pertinente. A plena
aplicava-se aos menores de sete anos, mediante procedimento judicial. Esse tipo de
adoção atribuía ao adotando situação de filho, quebrando qualquer tipo de relação
com a família biológica e seu registro civil original era cancelado.39 Deveria haver o
estágio de convivência de no mínimo um ano, salvo se o adotado fosse recémnascido.40
O Código de Menores não aceitava a adoção por estrangeiros, solteiros,
viúvos e separados. Nos casos de viúvos e separados, se o estágio de convivência
de três anos antes da morte ou separação tivesse sido iniciado, a adoção seria
permitida. Os vínculos do adotado com a família natural eram extintos, salvo os
impedimentos matrimoniais.41
A adoção simples, de acordo com o Código de Menores, assemelhava-se à
adoção prevista no Código Civil, salvo algumas diferenças, como o uso dos apelidos
da família substituta, havia a possibilidade de mudança do prenome, igualdade na
sucessão hereditária e destituição do pátrio poder.42
Foi no Código de Menores, que pela primeira vez, houve a preocupação em
proteger as crianças e os adolescentes antes da proteção dos adotantes, ou seja, a
preocupação direcionou-se para os adotados, suas necessidades mostravam-se
acima das necessidades dos adotantes. Observa-se no artigo 5º do Código de
Menores: “Na aplicação desta Lei, a proteção aos interesses do menor
sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado”.43
O instituto da adoção sofreu alterações em 1990 pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 que entrou em vigor com a
principal função de proteger e sobrepor os interesses da criança e do
adolescente, tendo em vista, sempre o bem-estar destes e com o objetivo de
proporcionar menos empecilhos à adoção, como exemplo, a redução da idade
máxima do adotando de sete para dezoito anos de idade, salvo se antes de
39
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.200.
40
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
<http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf>. Aceso em: 19 de
ago.2010
41
Ibidem.
42
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf.
43
CÓDIGO DE MENORES. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/19701979/L6697.htm.> Acesso em 19 de ago de 2010.
19
completar tal idade o adotando já estivesse em companhia dos adotantes, a
idade mínima dos adotantes diminuiu de trinta para vinte e um anos, sendo
mantida a diferença entre adotante e adotado em pelo menos dezesseis
anos.44
A Lei nº 12.010/09, promulgada em 03 de agosto de 2009, alterou o
disposto no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e diminuiu a
idade mínima de vinte e um para dezoito anos para quem queira adotar,
independente do estado civil.45
Com todo o exposto, pode-se observar diversas modificações sofridas
no instituto da adoção no decorrer dos anos. Em um primeiro momento com o
Código Civil de 1916, a finalidade da adoção era dar filhos aos casais que não
podiam, por vários motivos, ter filhos. Em um segundo momento, percebeu-se
a adoção para proteger a criança e o adolescente, com a promulgação da Lei
nº 3.133/57, 4.655/65, 6.697/79. E por fim, até os dias atuais, a promulgação
da Constituição Federal de 1988, que em seu §6º do artigo 227, extinguiu por
vez a diferença entre filhos naturais e adotivos. Com o Estatuto da Criança e
do Adolescente de 1990, a adoção deixa de privilegiar somente o adotante
para proteger a criança e o adolescente.46
1.5 A Importância da Família
A família, entre os romanos, teve uma função religiosa e, com o passar
dos anos, uma função política, procriativa e por fim, uma função afetiva.
Cícero já definia como “seminarium reipublicae” expressão que tem como
significado a semente da república.47
44
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
<http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf.> Acesso em: 20 set.
2010.
45
LEI Nº 12.010/09. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03_Ato20072010/2009/Lei/L12010.htm.> Acesso em 20 set. 2010.
46
ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf.
47
SZNICK, Valdir. Adoção. 3.ed. Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.205
20
A família é o principal agente socializador da pessoa. A ausência de
afeto e de amor da família marcará para sempre seu futuro.48
O direito à convivência familiar sadia deve ser entendido como a
garantia à coletividade de crianças institucionalizadas de ter proteção
materno-familiar, necessárias a sua formação e desenvolvimento, desde o
nascimento até a idade adulta.49
A importância da família está inserida na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 10 de outubro de 1948, onde diz no artigo 16, que a
família é o núcleo natural e fundamental da sociedade, e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado. Na Constituição de 1988, no artigo 226,
também preceitua esse conceito onde dispõe que a família é a base da
sociedade e que terá proteção do Estado.50
Um dos direitos assegurados na Constituição é a convivência familiar
para que a criança e o adolescente possuam vínculos de afeto necessários
para o desenvolvimento da pessoa humana, físico, mental e social.51
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que toda criança ou
adolescente tenha direito de ser criado no seio familiar e, excepcionalmente,
em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária.52
Segundo Tavares: “A instituição da família substituta é uma das mais
belas passagens da marcha evolutiva do Direito da Infância de da Juventude,
[...] que salva frágeis criaturas das agruras do desprezo e da solidão
aniquiladora”.53
48
LIBERATI, Wilson Donizei, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 11 ed. revista e
ampliada, de acordo com a Lei nº12. 010/09, São Paulo, Malheiros, 2010.p.25.
49
COSTA, Tarcisio Jose Martins. Adoção Transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da
legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey,1998.p.34.
50
SZNICK, Valdir. Adoção. 3 ed.Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.207.
51
CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e Guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010.p.10.
52
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.set.2010.
53
TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2002,
p.139.
21
O 6º princípio da Declaração Universal dos Direitos da Criança
preceitua que:54
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a
criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível,
aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais, e em qualquer hipótese,
num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo
circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da
mãe.
A função de extrema importância que a família representa no processo de
adaptação das crianças para a vida em sociedade, a participação na educação e no
desenvolvimento da criança e do adolescente cria uma base mais sólida e segura
para que eles possam enfrentar as dificuldades da vida. A falta de uma família
provoca inúmeras consequências na formação desses menores.55
Em uma entrevista feita com crianças que não possuem vínculo familiar há
mais de um ano, observou-se que ausência da convivência familiar provoca
prejuízos para a formação de sua identidade e desenvolvimento, tais como:
dificuldade de planejar e refletir sobre o seu futuro; pessimismo quando se trata de
relacionamentos afetivos; visão negativa em relação aos pais biológicos. Afirmam
ainda, que preferem morar em orfanatos ao invés da família biológica, e demonstram
uma enorme vontade de serem adotadas, e consequentemente, em morar com uma
família substituta.56
Em uma palestra realizada na cidade de Warm Springs, Califórnia, EUA,
Costa destacou que:
A experiência ensina que crianças institucionalizadas são crianças tristes,
deprimidas, angustiadas, de futuro incerto, sempre à procura de migalhas
de amor e ternura. É induvidoso que a criança, desde os primeiros anos de
sua vida precisa do contato físico e do carinho de uma mãe biológica ou
57
substituta, fator decisivo para sua saúde física e mental.
Sznick assinala que: “[...] A família é o núcleo inicial e base de toda a
sociedade, é a viga mestra na formação do ser humano, não só no seu nascimento,
54
Declaração Universal dos Direitos da Criança apud LIBERATI, Wilson Donizei, Comentários ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, 11 ed. revista e ampliada, de acordo com a Lei nº12. 010/09,
São Paulo, Malheiros, 2010.p.25
55
Disponível em:<http://www.metodista.br/cidadania/numero-58/a-importancia-da-familia-para-aformacao-de-cidadaos-conscientes/.>
56
WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyi. Da institucionalização à adoção: um caminho possível?. Revista
Igualdade.
57
COSTA, Tarcisio Jose Martins. Adoção Transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da
legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.p.36.
22
mas, em especial, na sua educação, permitindo que, adulto, venha a integrar
plenamente a sociedade”58
Veronese ressalta:
Tivéssemos um país no qual todos vivessem bem os seus papéis: famílias
responsáveis, amorosas, saudáveis e estruturadas; uma sociedade cuja
existência não fosse meramente abstrata, mas identificadora de um
conjunto de pessoas engajadas, co-responsáveis, solidárias, e um Estado
que não tivesse sido espoliado desde o seu processo de colonização –
sempre servil às metrópoles mundiais - certamente teríamos condições de
resolver aos poucos, quem sabe raros, casos de crianças em situação de
abandono, e muito menos ainda precisaríamos nos valer da adoção
internacional, apesar de muitos “senões” que apresenta e devem
continuamente ser apresentados, coloca-se como um mecanismo cuja
59
utilidade não podemos levianamente desconsiderar ou mesmo descartar.
A Constituição Federal assegura como direito fundamental, uma família para
crianças e ao adolescente, e mesmo que não exista a família biológica, abre a
oportunidade de que uma família de outro país adote uma criança ou adolescente
para que o direito tutelado seja alcançado.60
Com todo o exposto, fica claro que a família é o centro natural da afeição, do
cuidado, do conforto e da segurança que a criança necessita para que possa crescer
e se desenvolver de forma integral, e formar um vínculo familiar estável e necessário
para seu pleno desenvolvimento.61
A defesa de Costa em relação à adoção “Tanto a adoção nacional, quanto à
estrangeira, cumprem no papel de família substituta todas as funções que
desempenha a família biológica, com exceção da gestação”.62
1.6 A Importância da Adoção
A palavra adoção deriva do latim adoptio e quer dizer “Por um nome em ou
dar seu próprio nome”, ou seja, também pode significar acolher alguém. Contudo,
esse acolhimento não deve, em hipótese alguma, ser realizado observando somente
58
SZNICK, Valdir. Adoção. 3.ed. Revista Atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.211.
VERONESE, Josiane Rose Petry, Adoção internacional: um assunto complexo, in CD-ROM Acervo
Operacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2003 (disponível em:
www.ccl.ufsc.br/~9612212/crianca/adocao.txt, acesso em 25.09.2003) apud LIBERATI, Wilson
Donizeti, Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17.
60
LIBERATI, Wilson Donizeti, Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17.
61
COSTA, Tarcisio Jose Martins. Adoção Internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais.
Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tarcisio/AdocaoInter.pdf Acesso
em 20 de ago.2010, p.37.
62
Ibidem, p.38.
59
23
os interesses de quem quer adotar, mas, sobretudo o interesse, as necessidades
das crianças, que por algum motivo foram privadas da convivência segura com a
família biológica.63
Freire assinala que:
A adoção é a resposta encontrada para aquelas crianças que não tiveram a
oportunidade de ter uma família natural; é a solução para que elas possam
suprir a falta de um ambiente familiar necessário ao seu desenvolvimento. A
adoção não consiste em um fator eminentemente jurídico, vai além, é “um
instrumento de profundas modificações éticas e sociais”. Assim, de todas as
possibilidades de colocar a criança em uma família substituta, esse intuito é
o único que “cumpre com todas as funções que caracterizam uma família”.
Além disso, dá lugar à internalização da auto-estima, sentimento necessário
para que possa firmar uma personalidade sadia e construtiva, permitindo
que cresça e torne-se um adulto com responsabilidades diante da
64
sociedade e da sua família.
A fundamentação correta para o ato de adotar é colocar o interesse e o bem
estar do adotado como finalidade principal, uma vez que a adoção foi apontada
como um ato de amor, para que o instituto obtenha bons resultados, é necessário
que seja embasado no amor e também na busca do bem estar do adotado.65
Os indivíduos envolvidos no processo de adoção devem estar preparados
para não encarar a adoção como um substituto no processo biológico de gestação,
concepção. É necessário ter em mente, que a adoção é uma possibilidade de se
proteger integralmente a criança, e que é muito mais que um ato assistencial
humanitário.66 Nesse processo, o que se busca é adequar para a criança um
ambiente familiar seguro e favorável para o seu desenvolvimento tanto físico quanto
psicológico.67
Da mesma maneira que os pais biológicos devem construir uma relação de
filiação com seus filhos, os adotantes devem, da mesma forma, construir uma
relação de filiação com os filhos adotados, pois filiar significa amar, desejar e
conhecer um filho como próprio, aceitá-lo e criá-lo independente de sua origem
biológica.68
63
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 17
FREIRE, Fernando apud LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2003. p.20.
65
BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas
enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.>
Acesso em: 12 de ago. 2010.
66
Ibidem.
67
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit.
68
BELTRAME, Martha Silva. Op.cit.
64
24
Beltrame considera que “Não se deve falar em pais verdadeiros e pais falsos,
pois verdadeiros são os pais que sabem que uma família serve para gerar amor,
promover a esperança, conter a tristeza e pensar”.69
A autora supracitada observa ainda que “todos somos adotados (ou não) pelo
desejo de nossos pais”.70
Logo, percebe-se que atualmente, o que prevalece no instituto da adoção é o
melhor interesse da criança e do adolescente, e que não só o ordenamento jurídico,
mas também toda sociedade deve respeitar tal princípio que se tornou base para
todo o conceito de adoção.
1.7 Justificativa
A questão da adoção internacional ainda é pouco tratada no Brasil, a
ausência de doutrinadores dispostos a discutir o tema é sentida com falta de obras
específicas sobre o assunto. Por esses aspectos, que será necessário um estudo
mais aprofundado sobre o assunto em tela a partir de uma retrospectiva histórica,
abordando a evolução do instituto da adoção, dos direitos humanos fundamentais e
do melhor interesse da criança e do adolescente.
É de se notar a importância que se deve dar à adoção, visto o crescente
número de crianças abandonadas e o dever do Estado e da sociedade em
proporcionar um ambiente familiar adequado para as crianças e adolescentes
abandonados, priorizando sempre, a permanência na família natural, porém, se não
houver possibilidade, aí sim, encaminhá-las para famílias substitutas que deverão
cumprir um importante papel no desenvolvimento desses menores.
O Estado percebeu a necessidade de proteger melhor essas crianças, criouse a noção de que não são meros objetos e sim pessoas com personalidade, que
merecem respeito e, que por não serem totalmente capazes, por estarem ainda em
fase de desenvolvimento, devem ter uma atenção especial, e isto inclui direitos
especiais e específicos, proteção integral e um ambiente familiar adequado.
O estudo desse tema iniciar-se-á com um breve esclarecimento sobre a
evolução histórica do processo de adoção, quando começou, as mudanças sofridas
69
BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas
enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.>
Acesso em: 12 de ago. 2010.
70
BELTRAME, Martha Silva. Op.cit.
25
com a ratificação da Convenção de Haia, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
que entrou em vigor somente em 1990 e um paralelo com o Código Civil de 2002.
Pretende-se com esse estudo, um esclarecimento maior relacionado ao modo
com que os menores estão sendo tratados pelo Estado e pela sociedade, mostrar a
devida importância que se deve dar ao futuro dessas crianças, que não possuem o
privilégio de permanecer com suas famílias naturais, a possibilidade de serem
adotadas por estrangeiros e o dever do Estado em proteger integralmente essa
criança, visando sempre o melhor interesse dela, pois representa um bem maior
para toda a sociedade.
Hoje, com o mundo muito mais globalizado, faz com que a adoção
internacional se torne um fato cada vez mais comum em nosso país, pois existem
milhares de crianças sem família e muitos “pais” nacionais e inclusive estrangeiros
interessados em proporcionar um lar a essas crianças.
1.8 Requisitos para Adoção
1.8.1 Requisitos subjetivos para adoção
Segundo Rossato, os requisitos subjetivos para adoção são:
a) Idoneidade do adotando;
b) Motivos legítimos/desejos de filiação;
c) Reais vantagens para o adotando.71
A adoção, como medida excepcional, é precedida de preparação gradativa,
acompanhada por equipe especializada a serviço da Justiça da Infância e da
Juventude, e acompanhamento posterior (art. 28, § 5º, do ECA), depois de
esgotadas as possibilidades de reintegração da criança e do adolescente na família
natural ou extensa.72
Os menores em situação de risco devem ter prioridade na inclusão em
programas de acolhimento familiar. É necessário que o acolhimento de crianças ou
adolescentes seja feito preferencialmente para pessoa ou casal cadastrado e
habilitado à adoção.73
71
ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves
Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.p.193.
72
CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 18.
73
CARVALHO, Dimas Messias de, Op. cit, p.18.
26
A adoção deve apresentar reais benefícios para o adotando, pois com a
verificação dessas vantagens, pose-se aplicar o princípio do melhor interesse. A
criança precisa de uma família que a ame, independentemente da situação
financeira, não que ela não deva ser avaliada pelo juiz, mas que a questão
patrimonial não esteja em plano principal.74
O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, proferido em
ação rescisória, traz um exemplo de prevalência do princípio do melhor interesse da
criança:
AÇÃO RESCISÓRIA. ADOÇÃO. VÍCIOS NO PROCEDIMENTO. GUARDA,
SUSTENTO E RESPONSABILIDADE COM ADOTANTE CONSOLIDADA
PELO
DECURSO
DO
TEMPO.
AFEIÇÃO
COMPROVADA.
CONVALIDAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NA SEDE
RESCIDÓRIA. USO RACIONAL, INSTRUMENTAL E EFETIVO DO
DIREITO. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. MAIORIA.
1. Ação de adoção tem natureza especialíssima, pois envolve direito
fundamental relacionado às crianças e adolescentes em situação irregular
para que possam ter um lar e uma convivência familiar dignos. 2. A adoção
é um ato de solidariedade, é uma construção necessária da cultura a
respeito do destino dos que nela nascem. 3. O interesse da criança deve
sempre prevalecer sobre qualquer outro, quando seu destino estiver em
discussão, já que a adoção deve ser deferida quando apresentar reais
vantagens ao adotando (art. 43 do ECA) e sua finalidade mais importante é
a ampla proteção à criança e ao adolescente. 4. Embora reconhecidamente
viciado se encontra o feito primário de adoção, toda matéria atinente à
controvérsia em revisão resta debatida nos autos. 5. A guarda, o sustento e
a responsabilidade da menor cuja maternidade se disputa, estão
consolidados como a adotante legal, pois já perdura o convívio por mais de
sete anos. 6. Declaração de amor feita pela criança adotada à mãe legal em
juízo e na presença do Ministério Público, quando da instrução da
rescisória. 7. Comprovado afeto e plena responsabilidade da mãe adotante
na criação e educação satisfatória da criança adotada. 8. Desapego da
forma para que o interesse fundamental maior da criança seja tutelado, pois
o uso racional do Direito reclama a prevalência do seio afetivo sobre o seio
formal. 9. Homenagem, ainda, aos princípios da instrumentalidade e da
efetividade plena da prestação jurisdicional. 10. Ação rescisória que se julga
improcedente, convalida a adoção questionada. 11. Decisão por maioria
(TJPE – Ação rescisória nº 42884-6 – 2ª Câmara Cível – Rel. desg. Des.
75
Ricardo de Oliveira Paes Barreto – j. em 20.05.2003).
1.8.2 Requisitos objetivos para adoção
Também, de acordo com Rossato, os requisitos objetivos para adoção são:
a) Requisitos de idade;
b) Consentimento dos pais e do adolescente;
c) Precedência de estágio de convivência;
74
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p. 240-241.
75
MACIEL, Kátia. Op. cit. p.239-240.
27
d) Prévio cadastramento.76
Em relação ao primeiro requisito, no que diz respeito à idade, o Estatuto
autoriza a adoção para os maiores de dezoito anos, sendo que a diferença de idade
entre adotante e adotado seja de dezesseis anos, no entanto, se for o caso de
adoção bilateral, esse requisito pode ser preenchido por apenas um dos adotantes. 77
Para a realização da adoção, deve haver, de acordo com o Estatuto, o
consentimento dos pais biológicos ou dos representantes legais, não sendo exigido,
portanto, nos casos em que já estiverem destituídos do poder familiar ou os pais
forem desconhecidos. No caso de adotando maior de doze anos, é necessária a
concordância deste.78
De acordo com Carvalho:
Evidentemente que ninguém é melhor que pais conscientes para
escolherem aqueles que consideram ideal para tornarem-se os pais afetivos
de seus filhos biológicos, pois o consentimento para adoção, na maioria das
vezes, é um ato de amor extremo, buscando o melhor para os filhos que
79
não podem cuidar.
O estágio de convivência é de suma importância porque tem como objetivo
observar se houve adaptação entre adotante e adotando. Deve ser feito estudo
psicossocial acompanhado por uma equipe interprofissional, para verificar os
requisitos subjetivos para a adoção.80
É o que reza o artigo 46, §4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou
adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as
peculiaridades do caso.
§4º. O estágio de convivência será acompanhado pela equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude,
preferencialmente como apoio dos técnicos responsáveis pela execução da
política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão
81
relatório minucioso acerca da convivência do deferimento da medida.
76
ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves
Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.p.194.
77
ROSSATO, Luciano Alves. Op. cit. p.194.
78
ROSSATO, Luciano Alves. Op. cit. p.194-195.
79
CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 23.
80
ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit. p. 195.
81
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.de set.de 2010.
28
O art. 50 do Estatuto dispõe que: “A autoridade judiciária manterá, em cada
comarca ou em foro regional, um registro de crianças e de adolescentes em
condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.”82
Para a adoção ser deferida não é suficiente apenas que as pessoas
interessadas estejam cadastradas, mas devem preencher outros requisitos exigidos
no processo judicial de adoção, sendo que a ordem de inscrição deve ser
observada.83
82
LIBERATI, Wilson Donizei, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 11 ed. revista e
ampliada, de acordo com a Lei nº 12.010/09, São Paulo, Malheiros, 2010.p.58.
83
CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.30.
29
2. PRINCÍPIOS
2.1 Princípio da Proteção Integral
O antigo Código de Menores (Lei nº 6.697/79) tinha como parâmetro a antiga
e ultrapassada doutrina da situação irregular84 que abrangia menores desprovidos
de condições básicas à sua subsistência, saúde e educação, por motivos como
ausência, ação ou omissão dos pais ou responsáveis; maus-tratos, os que
permaneciam em ambientes contrários aos bons costumes; autores de infrações
penais e menores com “desvio de conduta”85
A situação irregular era uma doutrina que abrangia limitadamente o público
infanto-juvenil.86
A doutrina da situação irregular foi substituída pela da proteção integral e a
partir da revogação dessa Lei e com o advento do ECA, onde a criança e do
adolescente foram reconhecidos como sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e
do Adolescente destina-se a qualquer criança e adolescente em situação regular ou
situação de risco, garantindo a eles, direitos especiais à sua condição de pessoa em
desenvolvimento.87
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, diz respeito à doutrina da
proteção integral e integra-se com o princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana.88
Foi na Declaração Universal dos Direitos da Criança, que houve o
reconhecimento inicial de crianças como sujeito de direitos. Esse documento
estabeleceu alguns princípios como, educação gratuita e obrigatória, proteção
especial para seu desenvolvimento, prioridade em prestação de socorro, proteção
contra negligência, crueldade e exploração, proteção contra discriminação.89
A doutrina da proteção integral, entendida como um meta princípio orientador,
é amparada nos dispositivos constitucionais que protegem a infância e a juventude e
84
DUPRET, Cristiane, Curso de Direito da Criança e do Adolescente, Belo Horizonte: Ius, 2010, p.25.
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.13.
86
MACIEL, Kátia.Op.cit. p.13.
87
DUPRET, Cristiane. Op. cit. p.25.
88
MACIEL, Kátia.Op.cit. p.11
89
MACIEL, Kátia.Op.cit. p.11
85
30
se completa nas normas do ECA juntamente com os preceitos internacionais de
proteção dos direitos humanos e também prescrições administrativas (por exemplo,
as resoluções do Conanda), um grande sistema de proteção dos direitos da criança
e do adolescente.90
ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE
PARA RECORRER. Adoção. Menor impúbere. Recurso. Defensoria Pública.
Legitimação. Lei Complementar 80/94. ECA. Doutrina da proteção integral.
Segundo a LC 80/94, art. 4, VII, é função institucional da Defensoria Pública
“exerce a defesa da criança e do adolescente”. Logo, sua legitimação
recursal se mostra evidente, pois a interpretação ampliativa do rol dos
legitimados ao ajuizamento da medidas de proteção à criança e a que
melhor se afina com a teoria da proteção integral. Se a adoção consulta aos
interesses do menor, que se sobrepõem a qualquer outro interesse
juridicamente tutelado, pode e deve ser deferida. Recurso desprovido.
(TJRJ – Apelação Cível nº 2003.001.34302 – Décima Terceira Câmara
Cível – Rel. Des. Nametala Machado Jorge – j. 18/12/04)
2.2 Princípio da prioridade absoluta
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira na legislação brasileira a inserir
um artigo que aborde a prioridade absoluta.
O artigo 227 da Carta Magna determina ser obrigação não só da família, mas
como do Estado e também da sociedade, garantir à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à conveniência
familiar e comunitária.91
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
92
exploração, violência, crueldade e opressão.
Nesse sentido, Pereira afirma:
Se a criança e o adolescente são, por determinação da Constituição de 88,
“prioridade absoluta”, caberá à sociedade e à família implantar esta primazia
90
ROSSATO, Luciano Alves, LÉPORE, Paulo Eduardo, CUNHA, Rogério Sanches, Estatuto da
Criança e do Adolescente Comentado, Lei 8.069/90, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.80.
91
MARCHESAN, Ana Maria. O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do
adolescente e a discricionariedade administrativa. Disponível em: www .Acesso em 17 de ago.2010.
92
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 20 de
set.2010.
31
através de medidas sócio-políticas imediatas e concretas, sobrepondo-a a
93
interesse supérfluo e secundário em nosso atual contexto nacional.
O mesmo princípio foi recepcionado no artigo 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que assim diz:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
94
convivência familiar e comunitária.
Nas palavras de Liberati, entende-se por prioridade absoluta: “Por absoluta
prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em
primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que,
primeiro,
devem
ser
atendidas
todas
as
necessidades
das
crianças
e
adolescentes.”95
A prioridade absoluta presente tanto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente como no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 corresponde ao
interesse superior da criança e foi posto primeiramente em evidência na Convenção
de Nova York de 1989.96
Essas previsões legais, determinam prioridade em favor das crianças e dos
adolescentes em seus interesses. Em qualquer área, judicial, extrajudicial,
administrativo, familiar ou social, deve-se priorizar o interesse infanto-juvenil.97
O princípio da proteção integral tem como finalidade facilitar a efetivação dos
direitos fundamentais do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 além de levar
em consideração a condição de pessoa em desenvolvimento, pois por serem mais
frágeis, correm mais riscos que os adultos.
Um dos principais aspectos do Estatuto é o reconhecimento de que o Estado,
por si só, não é capaz de resolver o problema das crianças abandonadas inserindo
como dever, a colaboração tanto da família como da sociedade e com isso, aponta
93
PEREIRA, Tânia da Silva apud DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de
família e o novo código civil. 2. Ed. Revista atualizada e ampliada. Belo Horizonte, 2002. p.137.
94
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.set.2010.
95
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p.34
96
CHAVES, Antônio. Comentário ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTR,
1997. p.56.
97
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.20.
32
que os problema referentes à infância devem ser tratados por todos como prioridade
absoluta.98
A prioridade deve ser observada por todos: família, comunidade, poder
público e sociedade.99
DIREITO
CONSTITUCIONAL
À
ABSOLUTA
PRIORIDADE
NA
EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS
ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS.
EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE
ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
1.
Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer,
ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo em vista
a violação do direito à saúde de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes,
sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em
hospital infantil daquele Estado.
2.
O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à
saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional
reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3.
(...)
4.
Revela notar que em uma Constituição Federal é fruto da vontade
política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das
possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes
suas promessas, sob pena de restarem vâs e frias enquanto letras mortas
no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas
menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias
tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente,
inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados
a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimplilo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a
expressão de Konrad Hessem, foi no sentido da erradicação da miséria que
assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado
em regra de normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo
dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
5.
Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro
ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do
princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente,
a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas
as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse
direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade
do direito em foco enseja a propositura de ação civil pública.
6.
A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra
suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não
há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados,
quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem
admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
7.
Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das
desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo
patamar da esfera da Federação da República, não pode relegar o direito à
98
CHAVES, Antônio. Comentário ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTR,
1997. p.56.
99
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.20.
33
saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma
das mais belas e justas garantias constitucionais.
8.
Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que
se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se
programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja,
somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se
essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se
revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a
acionabiliade do direito consagrado no preceito educacional.
9.
(...)
10.
(...)
11.
(...)
12.
O direito no menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde,
insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através de sua rede própria.
Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo
que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar
não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de
ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana.
13.
Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do
Ministério Público, prosseguir no processo até o julgamento do mérito. (STJ
– RESP 577836/SC – Rel. Min. Luiz Fux – j. 21/10/04)
2.3 Princípio do Melhor Interesse
A origem do princípio do melhor interesse da criança é encontrada no instituto
inglês do parens patriae, que foi utilizado como prerrogativa do rei para proteger aos
que não poderiam fazê-lo por conta própria. No que tange a versão inglesa do
princípio, vale ressaltar o caráter qualitativo do interesse da criança – The Best
Interest – “o melhor interesse”.100
Devido a sua grande importância, a comunidade internacional incorporou o
best interest na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959.101
O BRASIL, AO RATIFICAR A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS
DIREITOS DA CRIANÇA, ATRAVÉS DO DECRETO 99.710/90, IMPÔS,
ENTRE NÓS, O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA,
RESPALDADA POR PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. O que
faz com que se respeite no caso concreto a guarda de uma criança de 03
anos de idade, que desde o nascimento sempre esteve na companhia do
pai e da avó paterna. Não é conveniente, enquanto não definida a guarda
na ação principal que haja o deslocamento da criança para a companhia da
mãe que, inclusive, é portadora do transtorno bi-polar. Agravo provido.
(TJRS – Agravo de Instrumento nº 70000640888 – Rel. Antônio Carlos
Stangler Pereira -j.06/04/00)
100
CHAVES, Antônio. Comentário ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTR,
1997. p.56.
101
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.27.
34
A versão brasileira, como se percebe na Declaração Universal dos Direitos da
Criança, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/90, em seu artigo 3º,
§1º, teve um foco quantitativo e não qualitativo.102
Contudo, o Brasil adotou de forma definitiva em seu sistema jurídico, pelo
princípio do melhor interesse da criança, preceito que tem servido de norte para
diversas modificações nas legislações internas referentes aos direitos da criança e
do adolescente.103
Um marco importante na utilização do princípio do melhor interesse da
criança foi em 1813, nos Estados Unidos, no julgamento de um caso conhecido
como Commonwealth v. Addicks da Corte da Pensilvânia. Neste caso, havia uma
disputa pela guarda de uma criança onde a mãe tinha cometido adultério, e mesmo
assim, a Corte norte-americana optou pela guarda materna, pois concluíram que
seria melhor para a criança que continuasse sob os cuidados da mãe, independente
do adultério cometido.104
O princípio do melhor interesse da criança está inserido tanto no Estatuto da
Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90, artigos 5º e 6º, quanto na Constituição
Federal de 1988, no artigo 5º, §2º. Declara o artigo 5º da Lei nº 8.069/90: “Nenhuma
criança ou adolescente será objeto
de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido
lei
qualquer
atentado,
por
ação
ou
omissão,
aos
na forma da
seus
direitos
fundamentais”.105
Segundo Maciel: “O princípio do melhor interesse é, pois, o norte que orienta
todos aqueles que se defrontam com as exigências naturais da infância e juventude.
Materializá-lo é dever de todos.”106
102
BRASIL. Decreto-Lei nº 99.710/90. Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança.
Disponível em:
<http:www2.camara.gov.br/legislação/legin.html/textos/vizualizarTexto.html?ideNorma=342735&se
qTexto=1&PalavrasDestaque=>. Acesso em 14 de ago. 2010.
103
PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do melhor interesse da criança: da teoria à prática.
Disponível em:
<http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pf>.
Acesso em 20 de ago. de 2010.
104
PEREIRA, Tânia da Silva. Op. cit.
105
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm.> Acesso em: 2.set.2010.
106
MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed.
Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.28.
35
2.4 Princípio da co-responsabilidade
O princípio da co-responsabilidade vem expresso de forma clara no artigo 4º
do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao definir que:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
107
convivência familiar e comunitária.
Trata-se de uma cláusula geral de responsabilidade, que estabelece a
participação da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado, visando
maior vulnerabilidade da criança e do adolescente diante do todas as formas de
violência, e da necessidade de garantir seus direitos.
Mesmo o Estado tendo a responsabilidade, é também dever da família e da
sociedade, cuidar para que as crianças e os adolescentes tenham todos os meios
possíveis para se desenvolver de forma saudável, e por isso, não podem e não
devem ficar passivas, apenas esperando atitudes, projetos e programas de incentivo
do governo.108
2.5 Princípio da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento
É expresso na Carta Magna de 1988, em que os direitos das crianças e
adolescentes devem ser universalmente reconhecidos, sendo esses, especiais e
específicos, pois as crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, sem
capacidade absoluta para responder por seus atos.109
A interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como define o
artigo 6º, deve levar em conta a condição peculiar da criança e do adolescente. Tal
princípio é reconhecido no artigo 227, da Constituição Federal, assim como no artigo
4º também do Estatuto. Falar desse princípio significa dizer que tanto a criança
107
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm.> Acesso em: 2.set.2010.
108
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do adolescente comentado. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
12.
109
CURY, Munir. Op. cit. p.13.
36
quanto o adolescente por ainda estarem em fase de desenvolvimento de
personalidade merecem atenção especial.110
Por ainda estarem em desenvolvimento não somente físico, como também,
mental, deve-se reconhecer que a criança e o adolescente não conhecem de plena
forma seus direitos, e muito menos possuem condições de defendê-los.111
Reconhecer que as crianças e os adolescentes são pessoas diferentes dos
adultos, e que cabe a estes, a maior responsabilidade pelo crescimento e
desenvolvimento desses pequenos até a vida adulta, para assim se tornarem
pessoas livres e dignas, é necessário fazer com que a infância e a juventude sejam
preservadas.112
Por tudo isso é necessário admitir que as crianças sejam detentoras não só
de todos os direitos que os adultos possuem, mas também de direitos especiais, que
são
frutos,
principalmente,
de
sua
condição
peculiar
de
pessoa
em
113
desenvolvimento.
2.6 Princípio da dignidade da pessoa humana
O valor do homem tem raízes no pensamento clássico, e no ideário cristão. O
cristianismo relatava que o homem foi criado a partir da imagem e semelhança de
Deus, que tinha um valor próprio, assim, não podendo ser transformado em objeto
ou instrumento. Já o pensamento clássico-filosófico, a dignidade humana era
medida pela posição social que ocupava, ou seja, havia o conceito de pessoas mais
ou menos dignas.114
Note-se que o princípio da dignidade vem sendo construído a um longo
período, e começou a ser elaborado com o decorrer da história e chega ao século
XXI com uma qualidade intrínseca do ser humano.115 É, portanto, inalienável da
110
ILANUD. Comentário de. Artigo 6/ livro 1: tema criança e adolescente. Disponível em:
<http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoI
d/9c1c82fb-c19c-4819-bfec27732bdf3a93/Default.aspx.>Acesso em 12 de set. 2010.
111
Ibidem.
112
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do adolescente comentado. São Paulo: Malheiros, 2002, p.13.
113
ILANUD. Op. cit.
114
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 3. Ed. Revista atualizada e ampliada, Porto Alegre, 2004, p. 29-30.
115
NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva,
2002, p.46.
37
própria condição de ser humano e irrenunciável. Assim como não pode ser vendida,
criada, retirada ou concedida, visto que esta é inerente ao ser humano.116
Somente depois da segunda guerra mundial, a dignidade da pessoa humana,
após ser consagrada na Declaração Universal da ONU de 1948, é que passou a ser
expressamente reconhecida pelas Constituições.117
O princípio da dignidade do homem é o principal direito garantido pela
Constituição Federal de 1988, sendo este, que suporta todos os outros direitos e
garantias conferidos às pessoas na Carta Magna. O princípio mencionado aparece
no artigo 1º da Constituição, como fundamento da República Brasileira.118
Conforme observa:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
119
V – o pluralismo político. [grifou-se]
Neste sentido assevera Piovesan:
A dignidade da pessoa humana, [...] está erigida como princípio matriz da
Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a
interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e
Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as
exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a
120
todo o sistema jurídico brasileiro.
Maciel sobre o princípio salienta que;
É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra
seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e o seu ponto de chegada,
na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da
116
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 3. Ed. Revista atualizada e ampliada, Porto Alegre, 2004, p.31.
117
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p.32.
118
NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 45-46.
119
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 02 de
set.2010.
120
PIOVESAN, Flávia apud MACIEL, Álvaro dos Santos. A dignidade da pessoa humana como fonte
garantidora do progresso social. Disponível em:
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1925. Acesso em 23 de ago. 2010.
38
pessoa humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito
121
Internacional e o Interno.
Entretanto, o princípio ora mencionado não se faz presente apenas no artigo
1º da Constituição de 1988, mas também em vários outros capítulos da Carta
Magna, assim como nos artigos 170, caput, ao afirmar que a atividade econômica
tem como objetivo garantir uma existência digna de todos, e na esfera social, no
artigo 226, §6º, quando fundou o planejamento familiar e a paternidade responsável
nos princípios da dignidade da pessoa humana, assim como no artigo 227, caput ao
assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade.122
O princípio da dignidade da pessoa humana confere a todos os outros
princípios e normas constitucionais, assim como os infraconstitucionais uma base,
um norte e por isso não pode em hipótese alguma ser desconsiderado em qualquer
ato de interpretação, criação e aplicação das normas jurídicas. 123 Os direitos
fundamentais das crianças e adolescentes que estão inseridos dispersamente na
Carta Magna, assim como as convenções ratificadas pelo Estado brasileiro,
representam um limite mínimo a ser respeitado.124
2.7 Direito fundamental à convivência familiar
O primeiro agente que socializa o ser humano é a família. A ausência de amor
e afeto da família marcará para sempre seu futuro.125
A Constituição Federal de 1988 assumiu um novo paradigma ao identificar a
convivência familiar como um direito fundamental da criança e do adolescente, com
isso a família passou a assumir um papel importante para a realização dos direitos
fundamentais infanto-juvenis.126 Foi a Carta Magna, a primeira a tratar de forma
séria e responsável sobre a permanência da criança e do adolescente no seio
121
MACIEL, Álvaro dos Santos. A dignidade da pessoa humana como fonte garantidora do progresso
social. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1925. Acesso em
23 de ago. 2010.
122
NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 62.
123
Ibiem, p. 65.
124
PEREIRA, Tânia da Silva apud DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de
família e o novo código civil. 2 ed. revista atualizada e ampliada. Belo Horizonte, 2002. p. 140.
125
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 11 ed. revista e
ampliada, de acordo com a Lei nº 12.010/09. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 25.
126
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Anais do IV
Congresso brasileiro de direito de famílias possíveis: novos paradigmas na convivência familiar.
Belo Horizonte, 2004, p. 633.
39
familiar, assim como a importância que a família representa para o desenvolvimento
daqueles.127
A família é reconhecida pela legislação vigente, como um lugar essencial para
o desenvolvimento da criança e do adolescente, sendo fundamental para sua
humanização e também socialização.128 O direito da criança de ter uma família está
garantido em diversos dispositivos legais, são eles os artigos 203, I, 226, § 6º, 227 e
229, da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos
3º, 4º, 5º e 19 a 52.129
O artigo 226, da Constituição Federal, deixa claro que a família é a base da
sociedade e que merece especial proteção do Estado, e este sendo obrigado a
prestar-lhe total assistência. A preocupação em promover a proteção da família, está
presente também nos artigos 227, da Constituição Federal, assim como no artigo 19
do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegura à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. Integram, criando mecanismos
130
para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada
a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de
131
pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Percebe-se que a principal função da família em relação à criança e ao
adolescente é reforçada pela Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 19, que é tratado como elemento imprescindível para o
processo da proteção integral.132
127
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 56.
ENAPA 2008. Adoção novos rumos e ritmos. In: XIII Encontro nacional de apoio à adoção –
Cidade de Recife, 29 a 31 de maio, 2008, Brasil. Anais Eletrônicos... Brasil, 2008. Disponivel em
CD ROOM.
129
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. Cit. p. 58
130
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 02 de
set.2010.
131
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.set.2010.
132
ENAPA 2008. Op. cit.
128
40
Em função deste dispositivo, fica evidente a enorme preocupação em manter
a criança em uma família, mesmo que esta seja substituta, quando os recursos para
manutenção na família de origem configurem-se esgotados.133
Contudo, na esfera internacional, a preocupação referente à importância da
família para as crianças é antiga, assim como fica constatado na Declaração
Universal dos Direitos da Criança de 1959, em seu texto princípio que contempla.134
6º Princípio – A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve
crescer, sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de
afeto e de segurança moral e material para desenvolver a sua
personalidade. A sociedade e as autoridades públicas devem propiciar
cuidados especiais às crianças sem família e àquelas que carecem de
meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial
e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias
135
numerosas.
É principalmente no seio da família que a criança desenvolve seus valores,
aprende a lidar com as diversas situações diárias, e é neste, que a criança cria o
sendo de certo e errado, é lá a origem da primeira educação, assim como é na
família que a criança deve se sentir protegida e preparada para enfrentar e se
integrar na sociedade, é a família que deve ser seu porto seguro, seu lugar para
voltar.136
Considera Cury sobre a importância da convivência familiar:
[...] a família continua sendo sempre o espaço privilegiado, único e
insubstituível de socialização, prática de tolerância e divisão de
responsabilidades, além de celeiro para o exercício da cidadania, do
137
respeito e dos direitos humanos.
Assim como reforça Liberati:
Ser criado e educado em uma família é direito fundamental de toda criança
[...] não se pode perder de vista que a família é a primeira instituição a ser
convocada para satisfazer as necessidades básicas da criança, incumbindo
aos pais a responsabilidade pela sua formação, orientação e
acompanhamento. Como núcleo principal da sociedade, a família deve
receber imprescindível tratamento tutelar para proteger sua constituição,
133
Ibidem.
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p.60
135
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em:
<http://www.portaldafamilia.org.br/datas/criancas/direitosdacrianca.shtm>l. Acesso em 18 de ago.
2010.
136
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.58.
137
CURY, Munir. Direito à convivência familiar: da reintegração à colocação em família substituta.
Disponível em:< www.mp.pr.gov.br.> Acesso em: 20 de ago. 2010
134
41
pois é no lar que a criança irá receber a melhor preparação para a vida
138
adulta.
Atualmente, o conceito de família, está baseado na função afetiva, ou seja, é
o lugar onde a criança encontra amor, afeto, proteção, onde é aceita com todas as
suas peculiaridades139, independente se essa família for biológica ou não, do país de
origem ou ainda de um país estrangeiro, o importante, é que esta família seja capaz
de oferecer o afeto, amor, proteção e educação para que esta criança tenha uma
vida digna.
O vínculo entre a família e as crianças ou adolescentes, deve ser protegido
tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Caso esse vínculo venha a ser rompido
definitivamente, ou seja, mesmo com todos os esforços feitos pelo Estado para
proporcionar a proteção da família e que, contudo, não tenha surtido efeito, cabe ao
Estado, por meio de programas, estratégias e projetos, levar às crianças a
constituição de novos vínculos familiares, mesmo que este não for mais em seu
lugar de origem, deve o Estado disponibilizar a opção de se proporcionar uma
família substituta estrangeira, mas sempre com o intuito de garantir o direito
fundamental à convivência familiar, assim como o melhor interesse da criança.140
Afirma Thomaz Júnior e Minicelli, que:
[...] sem uma família, pouco ou nada adianta a criança saber que, como
cidadã, tem ela direito à cultura e ao lazer, à instrução obrigatória, ao
acesso à assistência e à seguridade sociais, a não ser abusada, violentada
ou explorada, a ser profissionalizada. O ente coletivo a que se denomina
„família‟ é a base natural em cujo seio asila a pessoa humana desde tenra
idade, para ter acesso aos demais direitos reservados aos cidadãos. A
141
família é, enfim, o referencial da pessoa humana no mundo.
O direito legal à convivência familiar é constantemente violado, visto que o
número de adoções ainda é insuficiente para que se possa proporcionar a todas as
crianças o direito de viver em família.142 Por esse motivo que a questão da adoção
internacional deve ser considerada como mais uma forma de proporcionar o direito
138
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 59.
Ibidem. p. 59.
140
ENAPA 2008. Adoção novos rumos e ritmos. In: XIII Encontro nacional de apoio à adoção –
Cidade de Recife, 29 a 31 de maio, 2008, Brasil. Anais Eletrônicos... Brasil, 2008. Disponivel em
CD ROOM.
141
THOMAZ JÚNIOR, Dimaz Borelli e MINICELLI, João, apud TARCÍSIO, José Martins Costa.
Adoção trasnsnacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 49.
142
TARCÍSIO, José Martins Costa. Adoção trasnsnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da
legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 49.
139
42
fundamental da criança e do adolescente crescer em um seio familiar saudável, ou
seja, ter pais para que possam usufruir da convivência familiar.
Sendo assim, pelas palavras de Tavares, deve-se enxergar a família como
todo o agrupamento humano que convive, ou deve conviver com crianças ou
adolescentes. Esta família pode ser tanto natural, formada por pai, mãe e
descendentes, ou substituta, em situação de guarda, tutela ou adoção. Através
disso, é possível concluir que o ambiente ideal para o desenvolvimento equilibrado
da criança e do adolescente é o seio familiar, sem preconceitos quanto a ser natural
ou substituta, visto que esta última representa uma fórmula legal de grande nobreza
e eficaz para a formação da pessoa em desenvolvimento.143
143
TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 61
– 132.
43
3 A ADOÇÃO INTERNACIONAL
A possibilidade da adoção internacional encontra-se de forma expressa na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 5º e também no artigo 31 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 5º- A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que
estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de
144
estrangeiros.
A adoção internacional nas palavras de Liberati significa: “A adoção
internacional de menores como aquela em que os adotantes e o adotado tenham
residência habitual em países diferentes”.145
Reitera Silva:
A adoção seja nacional ou internacional será sempre conceituada como
instituto jurídico por meio do qual alguém (adotante) estabelece com outrem
(adotado) laços recíprocos de parentesco em linha reta, por força de uma
146
ficção jurídica advinda da lei.
Pilotti diz que as adoções internacionais têm sua origem no ano de 1627,
quando cerca de 1500 crianças inglesas foram encaminhadas de navio para se
integrarem em famílias de colonos no sul dos Estados Unidos. Sejam órfãos,
abandonados, ou com autorização dos genitores, esta inclusão se dava como
aprendizes, em famílias de artesões.147
Historicamente, após a segunda guerra mundial, surgem registros de adoção
internacional de forma regular, pois até esse momento, as adoções eram realizadas
apenas internamente. A guerra fez com que várias crianças tivessem suas famílias
144
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 2 de
set.2010.
145
LIBERATI, Wilson Donizeti apud GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o
novo código civil. 3ª tiragem. Afiliada, 2003, p. 27.
146
Ibidem.
147
DAVIES, Francisco J. Pilotti. Manual de Procedimentos para Formação de Família Adotiva. Instituto
Interamericano Del Niño. Montevidel: 1990 apud FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção
Internacional: a Convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização e procedimentos. 1
ed. (ano 2002), 6 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.31.
44
dizimadas pelos conflitos, e com isso, a adoção transnacional passou a ser
amplamente realizada na Europa.148
Casais norte-americanos e europeus, com o fim da segunda guerra mundial,
adotaram crianças da Alemanha, Itália, China, dentre outros, que foram prejudicadas
pelo conflito armado.149
Com o desenvolvimento das nações, depois da segunda guerra mundial, que
a adoção internacional passou a ter maior importância, pois a comunidade
internacional passou a se preocupar mais com a situação dos excluídos e com o
abandono social que surgiam cada vez mais fortes, e com ele, o desenvolvimento
industrial.150
Logo, por ser um tema relativamente novo no direito pátrio, e tendo tomado
uma proporção maior há apenas algumas décadas, a adoção transnacional ainda é
encarada por muitos de uma maneira equivocada e com muitos preconceitos, que
atrapalham a adoção feita por estrangeiros, e consequentemente a possibilidade de
um lar saudável para as crianças brasileiras.151
Porém, ao considerar a globalização como um fator importante, onde a
informação ultrapassou as fronteiras geográficas, afirma-se que não existe mais
espaço para preconceitos referentes à adoção internacional.152 A globalização fez
com que as fronteiras geográficas diminuíssem, olhar para a adoção transnacional
sem olhar para o mundo hoje como um bloco cada vez mais unificado pelo rápido
deslocamento de pessoas, pela união entre casais com nacionalidades diferentes, e
com isso a internacionalização da família, ou seja, para se ter real compreensão da
dimensão e importância da adoção internacional hoje, é fundamental o entendimento
de todas essas características, que são muito comuns em nossa sociedade.153
É comum, nos países em desenvolvimento um número crescente de crianças
abandonadas, que vivem jogadas a própria sorte, e que não têm a possibilidade de
148
COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção trasnsnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da
legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.58.
149
COSTA, Tarcísio José Martins. Op. cit. p.58.
150
GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3 tiragem.
Afiliada, 2003, p. 20.
151
COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais.
Disponível em:< http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tarcisio/AdocaoInter.pdf.>
Acesso em: 20 de ago. 2010.
152
GATELLI, João Delciomar. Op.cit.,p. 25.
153
COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais.
Disponível em:< http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tarcisio/AdocaoInter.pdf.>
Acesso em: 20 de ago. 2010.
45
encontrar um lar em sua própria sociedade, em seu próprio país. Por isso, como
afirma Alves, nesses casos “O Estado deve em nome do parens patriae, deferir a
adoção de uma criança ou de um adolescente brasileiro para um estrangeiro
residente em outro país.”154
Para Foyer e Labrusse-Riou:
Adoção Internacional é aquela que faz incidir do Direito Internacional
Privado, seja em razão do elemento de estraneidade que se apresenta no
momento da constituição do vínculo (nacionalidade estrangeira de uma das
partes, domicílio ou residência de uma das partes no exterior), seja em
155
razão dos efeitos extraterritoriais a produzir.
Complementando, Marques esclarece que:
A adoção internacional significa no Brasil, hoje, um “des-enraizamento”
cultural e social da criança, que é levada para outra sociedade, outra
cultura, outra família e outra língua. É a adoção internacional dos anos 90,
que ficou conhecida como “adoção intercultural”, para se opor à adoção dos
anos 50-70 do século XX, conhecida como “adoção humanitária”.
Atualmente, a preocupação maior do direito internacional privado não é
somente “dar uma nova chance” para esta criança ou indicar a melhor lei
para regular a formação desta nova família, visualizam-se muito mais os
perigos da transferência internacional e do “des-enraizamento” social das
crianças, voltando-se o Direito para assegurar respeito, segurança e bemestar desta criança, assim como a realização plena de seus direitos
156
fundamentais.”
A efetivação da adoção internacional determina que as pessoas que fazem
parte da relação processual sejam domiciliadas em países diferentes. Contudo, a
Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 227, § 5º elegeu a nacionalidade do
adotante.157
No Brasil há duas correntes no que diz respeito à adoção internacional.
Embora ambas se apóiem na proteção do adotando, no que se refere à convivência,
são divergentes.158
154
SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse
da criança. Disponível em:
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/2011/19882/Direito_Internacional_Contemor%C3%A2neo.pdf
?sequence=1 Acesso em: 10 de ago. 2010.
155
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência (de acordo com o novo
código civil, Lei nº 10.406/2002), 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.41.
156
MARQUES, Cláudia Lima. A Convenção de Haia, de 1993, e o regime da adoção internacional no
Brasil, após a aprovação do novo Código Civil brasileiro em 2002, in CD-ROM Acervo Operacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2003 apud LIBERATI, Wilson Donizeti, Manual de
Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p.18.
157
LIBERATI, Wilson Donizeti.Op.cit. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência (de acordo com
o novo código civil, Lei nº 10.406/2002), 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.41.
158
GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3. tiragem.
Afiliada, 2003, p. 23.
46
Um dos autores que representa a corrente contrária é Chaves que afirma:
Que as campanhas para adoção não deveriam ser fomentadas por
agências especializadas para incentivar estrangeiros não residentes a
adotar, mas dever-se-ia procurar investigar e afastar as causas
determinantes da carência e do abandono que resultam na exploração de
159
crianças como simples objeto.
Já a corrente favorável defende a adoção internacional não como resolutiva,
mas apenas como um remédio, visto que amenizaria a situação de milhares de
crianças
abandonadas,
que não terão solução imediata de seu Estado de
160
origem.
Alguns autores, tais como Chaves, acreditam que a adoção internacional
pode ser comprometedora para a soberania do Estado do adotando, visto que ao
aceitar tal “solução” demonstra sua incapacidade para solucionar os problemas
sociais que levam à adoção internacional. Porém, para outros autores, o abandono
dessas crianças e adolescentes deve ser combatido, independente dos demais
interesses, e se para isso for necessário a contribuição de outros países, que então
seja feito.161
Falar em diminuição de soberania do Estado em um momento em que
crianças passam a vida sem um lar, sem possibilidade de crescimento em todos os
aspectos, significa falar em egoísmo, pois para a criança que será adotada, seja por
um casal nacional ou estrangeiro, o que realmente importa é a condição de vida que
terá, e o amor que vai receber, o respeito como ser humano e a possibilidade de ter
uma vida digna e feliz.162
Como a doutrina brasileira adota o fundamento do melhor interesse da
criança, admitir a adoção internacional revela que tal fundamento é cumprido, visto
que em grande parte, ser adotado por estrangeiro representa um melhor interesse
para o infante, pois, provavelmente, se não houvesse tal opção, o destino dessa
criança seria passar o resto de sua infância em abrigos, ou até mesmo nas ruas,
marginalizado.163
159
CHAVES, Antônio apud Ibidem, p.23.
CHAVES, Antônio apud Ibidem, p.23.
161
GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3 tiragem.
Afiliada, 2003, p. 24.
162
SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse
da criança. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/2011/19882/Direito_Internacional_Contemor%C3%A2neo.p
df?sequence=1> Acesso em: 10 de ago. 2010.
163
Ibidem.
160
47
A procura por crianças para adoção é muito grande, porém existem alguns
pré-requisitos, que também podem ser chamados de pré-conceitos, porque as
características mais procuradas nas crianças que serão acolhidas por famílias
brasileiras são: pele branca, nenhum problema físico ou mental e, especialmente,
recém nascido. Para crianças com essas características há uma fila gigantesca de
futuros pais, prontos para adotá-las.164
Contudo, a maior parte de crianças disponíveis para adoção não se
enquadram nesse perfil. Em geral, são crianças negras, com problemas de saúde e
longe de serem recém nascidas, e justamente por isso, tem como destino passar a
vida, nas melhores das hipóteses, em abrigos sem nunca conhecerem o que é o
afeto familiar de verdade.165
Os estrangeiros em sua maioria, por sua vez, quando vêm ao Brasil com a
intenção de adotar, não fazem questão que a criança seja branca, recém nascida,
completamente saudável. Isso não significa que os estrangeiros sejam livres de
preconceitos, a verdade e que
por não haver, na maioria das vezes,
nenhuma criança disponível em seu país
as crianças que estão
disponíveis
de origem, cabe a eles aceitar
em abrigos
a vontade de adotar é imensa, a idealização
recém
nascida
adotar, e
e
saudável
não
configura
estrangeiros, pois como
de
o
uma
criança
branca,
objetivo principal, que é
por não haver tal rejeição, a adoção transnacional tornou-se um meio
de acolher essas crianças que são repelidas por suas famílias em seu próprio
país.166
As tabelas dispostas a seguir permitem uma boa concepção da situação
da
adoção
encontrada em
Recife,
realizadas
por brasileiros e por
167
estrangeiros:
164
Ibidem.
Ibidem.
166
SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse
da criança. Disponível em:
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/2011/19882/Direito_Internacional_Contemor%C3%A2neo.pdf
?sequence=1 Acesso em: 10 de ago. 2010.
167
FIGUEIRÊDO, Maria Tereza Vieira de; LOUREIRO, Vânia Campelo e MORAIS, Sônia Maria
Amaral. In “Adoção: Famílias adotivas X Famílias Destituídas do Pátio Poder”. UFPE. Inédito.
Recife: 1999. apud FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros, p. 149-150
165
48
Quadro 1 – Adoções realizadas por pretendentes brasileiros
ANO
COR
IDADE
SEXO
0–2
3a6
7a9
ANOS
ANOS
ANOS
BRANCA
PARDA
NEGRA
1995
10
05
01
11
03
1996
17
16
01
20
1997
08
12
01
1998
11
15
03
1999
05
21
2000
04
92
2001
14
81
TOTAL
FEM.
MAS.
02
08
08
16
11
03
18
16
34
12
04
05
12
09
1
16
06
07
15
14
29
04
17
04
09
16
14
30
01
50
17
30*
44
53
97
04
42
28
29
50
49
99
*25 com mais de 9 anos
Quadro 2 – Adoções realizadas por pretendentes estrangeiros
ANO
COR
IDADE
SEXO
0–2
3a6
7a9
ANOS
ANOS
ANOS
07
09
04
10
14
07
16
07
21
09
00
07
06
20
10
01
09
_
04
BRANCA
PARDA
NEGRA
1995
02
07
1996
03
18
1997
10
1998
04
1999
2000
2001
TOTAL
FEM.
MAS.
03
04
12
16
10
13
18
31
04
08
15
18
33
00
05
01
12
13
22
04
10
05
31
36
01
01
02
08*
08
03
11
05
02
04
03
_
09
09
*06 com mais de 9 anos
Sznick conclui que “[...] A adoção internacional apresenta dois ângulos
diretamente opostos: é de um lado um grande mal, mas que pode, de outro,
proporcionar um grande bem.”168
Se a adoção internacional trouxer benefício para a criança ou o adolescente,
deve-se priorizar pelo melhor interesse, pois o ingresso em famílias adotivas
somente será realizado se houver vantagens efetivas, fundamentando-se no
princípio do melhor interesse da criança.169
O que se pretende com a adoção internacional é que ela possa obter a
possibilidade de oferecer um lar àqueles que de alguma forma foram preteridos em
168
SZNICK, Valdir. Adoção. 3 ed. Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.
462.
169
CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional Procedimentos Legais. Curitiba: Juruá, 2009.
pg.120.
49
seu país, dando-lhes a oportunidade de serem pessoas respeitadas e fazerem parte
de uma família que lhes proporcione amor e carinho.170
3.1 A Convenção Internacional sobre os direitos da criança (1989)
Existem várias diferenças nas legislações dos países em relação a adoção,
por isso há necessidade de criar uma norma básica, com regras genéricas a todos
os Estados, para que seja estabelecido, com isso, um ponto comum nas questões
que se referem à adoção. Tendo em vista o número de adoções nos últimos anos, e
com isso, a necessidade dos países em proteger de forma mais efetiva suas
crianças, a partir desse panorama surgiram as Convenções Internacionais.171
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é o documento sobre
os direitos humanos que tem maior credibilidade pela sociedade internacional, foi
ratificada por 193 países. A Organização das Nações Unidas adotou a Convenção
em 20 de novembro de 1989.172 Essa Convenção representa um avanço enorme à
proteção dos menores, pois há o comprometimento dos Estados que a ratificaram
em seguir as normas para que haja uma maior proteção das crianças a fim de não
serem tratadas como objetos, mas como detentoras de direitos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, como o objetivo de atender aos
anseios
da
comunidade
internacional,
fez
com
que
os
países-membros
protegessem as crianças contra a exploração e abuso sexual, como uma das
maneiras de evitar o desvio da finalidade da adoção internacional.173
De acordo com o artigo 34 da Convenção, os Estados-partes têm de
providenciar medidas necessárias para impedir o incentivo ou a coação para que
uma criança se envolva em atividade sexual ilegal; exploração na prostituição ou
outras práticas sexuais ilegais; exploração da criança em materiais pornográficos.174
O Brasil ratificou a Convenção em 20 de setembro de 1990 e essa
Convenção exige dos países que a ratificaram duas prioridades: cuidado e
170
CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional Procedimentos Legais. Curitiba: Juruá, 2009. p.115.
SZNICK, Valdir. Adoção. 3 ed. Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.483.
172
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em:
<http://www.unicef.org./brazil/pt/resurces_10120.htm>. Acesso em: 15 de set. 2010.
173
LIBERATI, Wilson Donizeti. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p.53.
174
Ibdem.
171
50
responsabilidade em relação às crianças, para que os Estados membros possam
protegê-las de forma mais eficaz.175
Antes do advento da Convenção, as crianças eram vistas como mero objeto,
pois eram apenas devedores de respeito aos seus pais.176 Afirma Tavares que: “A
Convenção sobre os Direitos da Criança [...], foi o primeiro diploma que considerou a
criança (e o adolescente) sujeito de direitos individuais civis, políticos, sociais e
culturais. Sujeito titular de direitos próprios e não mais simples objeto das relações
jurídicas”.177
Esse cenário em que a criança não era detentora de direitos, mas somente de
deveres, começou a mudar no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de
1988, juntamente com a ratificação da referida Convenção e do advento do Estatuto
da Criança e do Adolescente, ambos em 1990.178
A Convenção considera criança, aquele menor de 18 anos de idade,
enquanto que o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança, os que têm
até 12 anos incompletos e adolescentes os com mais de 12 até 18 anos
incompletos.
Convenção Internacional dos Direitos da Criança:
Art. 1 – Para os efeitos da presente convenção considera-se criança todo
ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em
conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada
179
antes.
Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 2 – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescentes, aquela entre doze anos e
180
dezoito anos de idade.
Costa comenta sobre o assunto:
A convenção parte do reconhecimento do valor intrínseco da criança,
enquanto pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento,
condição que faz da criança credora de atenção e cuidados especiais,
devido ao fato de:
- as crianças freqüentemente não conhecerem de modo pleno seus direitos;
- as crianças não terem condições de fazer valer seus direitos;
175
ENAPA 2008. Adoção novos rumos e ritmos. In: XIII Encontro nacional de apoio à adoção –
Cidade de Recife, 29 a 31 de maio, 2008, Brasil. Anais Eletrônicos... Brasil, 2008. Disponivel em
CD ROOM.
176
ISQUEIRO, Scalco Renato. A reconstrução: do direito privado. São Paulo: RT, p. 32.
177
TAVARES, José de Farias. Direitos da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.
32.
178
Idem, p.525.
179
CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em:
<http://www.unicef.org./brazil/pt/resurces_10120.htm>. Acesso em: 15 de set. 2010.
180
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 02.set.2010.
51
- as crianças não deterem condições de suprir, por si mesmas, as suas
necessidades básicas;
- as crianças seres humanos em pleno desenvolvimento físico, mental,
afetivo e espiritual.
Além desse valor intrínseco, as crianças têm, ainda, um valor projetivo, ou
seja, as crianças são portadoras do futuro, isto é, da continuidade de sua
família, da continuidade de seu povo e da continuidade da espécie
181
humana.
A convenção representa também um vínculo jurídico entre os países que a
ratificam, não é apenas uma carta de intenções, pois os países que aderem devem
regulamentar suas normas internas de acordo com as regras estabelecidas pela
convenção, apenas dois países não aderiram à convenção, são eles: Estados
Unidos da América e Somália.182
A convenção é sustentada por quatro princípios básicos, são eles:
a) A não discriminação, que quer dizer que todas as crianças devem
exercer seu potencial, independentemente do momento e da circunstância e
esse direito deve poder ser exercido em qualquer parte do mundo;
b) O interesse superior da criança, que deve ser sempre respeitado em
todas as ocasiões, vale lembrar que é esse princípio que norteia todo o
nosso Estatuto da Criança e do Adolescente;
c) A sobrevivência e desenvolvimento é fazer garantir o acesso aos serviços
básicos, assim como garantir a igualdade de oportunidades, para que
possam se desenvolver de forma mais completa;
d) A opinião da criança, que significa dizer que em relação aos seus
direitos, a voz da criança deve ser sempre ouvida em todas as
183
circunstâncias.
É possível dividir os 56 artigos da Convenção em quatro grandes categorias:
direitos à sobrevivência; direitos relativos ao desenvolvimento; direitos relativos à
proteção e direitos de participação.184
A estrutura da Convenção é formada pelo preâmbulo, parte I, que vai do
artigo 1º ao 41 e contém o Direito Subjetivo, menciona os princípios da Carta das
Nações Unidas e traz alguns antecedentes importantes; a parte II que vai do artigo
42 ao 49, contém o modo de aplicação daqueles direitos; e por fim, a parte III, que
181
COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transacional: um estudo sociojurídico e comparativo da
legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.187.
182
UNICEF. Direitos da Criança. Disponível em:<
<http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2>.Acesso em: 15 de ago.2010.
183
UNICEF. Op. cit.
184
Ibidem.
52
segue do artigo 50 ao 56, além de conter as disposições finais, regula o processo de
ratificação, assinatura, denúncia, emendas e reserva.185
O prólogo da Declaração dos Direitos da Criança enuncia:
A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama esta Declaração dos
Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa
gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, dos direitos e das
liberdades aqui enunciados, e apela aos pais, homens e mulheres, em sua
qualidade de indivíduos, bem como as organizações voluntárias, às
autoridades locais e aos governos nacionais que reconheçam esses direitos
e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de
outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os
186
seguintes princípios [...].
A Convenção Internacional sobre Direitos da Criança (1989) reconheceu as
crianças como principais interessados (sujeito) nos direitos fundamentais, e não
mais como objeto, garantindo a elas, todos os direitos que um adulto possa ter, mas
sempre com prioridade, respeitando sua condição de pessoa em desenvolvimento,
assim como sua incapacidade de conhecer todos os seus direitos e defendê-los.
3.2 A Convenção de Haia (1993)
A Convenção de Haia, diz respeito sobre a Cooperação Internacional em
matéria de Adoção Internacional de crianças de 1993, foi promulgada pelo Decreto
3.087, de 21 de junho de 1999 e que juntamente com a Lei nº 8.069/90 – Estatuto da
Criança e do Adolescente e com a Lei de Introdução ao Código Civil regulam
atualmente a adoção internacional no Brasil.187
Foi na Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, na 16ª reunião,
no mês de outubro de 1988, que ficou decidido que a Organização, juntamente com
os Estados-membros, deveriam instituir uma Convenção sobre adoção internacional.
Foi formada então, uma Comissão Especial, a Commission spéciale sur l’adoption
d’enfants originaires de l’etranger, que se reuniu em 1990, 1991 e 1992,
apresentando na 17ª Seção da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado,
em maio de 1993, o texto que se chamou Convenção Relativa à Proteção e à
185
COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo
da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.192.
186
ONU. Unicef. Declaração dos direitos da criança. Disponível em:
http://www.unicef.org/brazil/decl_dir.htm> Acesso em: 11 set. 2010.
187
MARQUES, Claudia Lima. Revista de direito privado. Coord. Nelson Nery e Rosa Maria de
Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 42.
53
Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional, hoje mundialmente
conhecida como Convenção de Haia.188
Portanto foi criada em 1993, e na época com 57 países membros, a
Convenção de Haia, que viabilizou diversas convenções sobre temas relevantes,
tais como conflitos entre leis de nacionalidade e do domicílio, sobre leis aplicáveis
em regime matrimonial de bens, aspectos civis sobre transferência internacional de
crianças etc. Os representantes dos Estados-membros, para evitar o problema
referente à língua produziram textos idênticos em inglês, francês, russo e
espanhol.189
A partir da década de 60, quando houve um aumento considerável de
adoções internacionais, vários problemas foram identificados a partir de então, como
sociais e jurídicos representados pela obtenção de vantagens pecuniárias, registros
de nascimentos falsificados, rapto e sequestro de crianças, sentenças judiciais que
não eram reconhecidas, e o não alcance de cidadania plena pelas crianças
adotadas.190
A Convenção de Haia foi a primeira convenção que estipulou uma maneira de
caráter mundial para tentar regulamentar a adoção internacional.191 Ela representa
uma nova visão em relação à adoção transnacional, pois está direcionada nos
direitos humanos das crianças, bem como seu bem-estar e superior interesse, e não
apenas nos interesses patrimoniais das famílias e continuação da família. 192
Sobre o assunto observa Costa:
A Convenção de Haia de Direito Internacional Privado relativa à proteção de
Criança e a Colaboração em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de
maio de 1993, pode ser considerada a primeira Convenção
verdadeiramente internacional a regular a adoção, instituto que de há muito
ultrapassou as fronteiras regionais, para tornar-se um fenômeno de efetivo
193
interesse mundial.
As prioridades centrais estabelecidas pela Convenção de Haia são quatro: 1)
para o desenvolvimento harmonioso da personalidade da criança, ela deve conviver
188
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.48
189
FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: a Convenção de Haia e a normativa
brasileira – uniformização e procedimentos. 1 ed. (ano 2002), 6 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.48-49.
190
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.39.
191
Ibdem.
192
MARQUES, Claudia Lima. Op.cit.,p.45.
193
COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo
da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.198
54
em uma família e crescer em um lar onde haja felicidade, amor e compreensão; 2)
que sejam tomadas providências suficientes para que essa criança seja mantida em
sua família de origem; 3) que a adoção internacional apresente vantagem de dar
uma família a uma criança que não encontra família adequada em seu país de
origem; 4) e que devem ser instituídas medidas para garantir que as ações
internacionais devem ser feitas no superior interesse da criança, preservando seus
direitos fundamentais, bem como prevenir o seqüestro, a venda e o tráfico de
crianças e adolescentes.194
Pode-se observar que a Convenção enfatizou o direito material à adoção e
seu processo, pois no preâmbulo assevera que cada país deveria tomar “como
caráter prioritário, medidas adequadas para permitir a manutenção de criança em
sua família de origem” ou em uma família em seu país de origem. Mas se não
houver possibilidade, recorria-se à adoção internacional como meio legal de priorizar
o direito fundamental de uma criança ter uma família.195
A Convenção de Haia tem sua aplicação descrita nos dois primeiros artigos
que aborda o objeto e a oportunidade para efetivação da adoção, que são:196
ARTIGO I
A presente Convenção tem por objetivo:
a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas
segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos
fundamentais que lhe reconhece o direito internacional;
b) instaurar um sistema de cooperação entre os Estados contratantes que
assegure o respeito às mencionadas garantias e, em conseqüência previna
o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças;
c) assegurar o reconhecimento nos Estados contratantes das adoções
realizadas segundo a Convenção.
ARTIGO 2
1. A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual
em um Estado contratante (“o Estado de origem”) tiver sido, for, ou deva ser
deslocada para outro Estado contratante (“o Estado de acolhida”), quer
após sua adoção no Estado de origem pelos cônjuges ou por uma pessoa
residente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoção
197
seja realizada, no Estado de acolhida ou no Estado de origem.
A Convenção estabelece regras articuladas, não para impedir a adoção
internacional, mas direcionadas para sua eficácia de forma a concretizar um
tratamento igualitário entre os países de origem e os de acolhida, sem ganhos
194
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.48
195
LIBERATI, Wilson Donizeti. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros,2009, p.42.
196
Idem, p.49.
197
Ibdem.
55
ilícitos e sim com o seu principal objetivos que é garantir o superior interesse da
criança.198
Nesse sentido, Pereira afirma que “A Convenção não tem como intenção
unificar as leis internacionais sobre adoção, seu objetivo é fazer com que os direitos
das crianças adotadas sejam respeitados ao máximo.”199
O objetivo da Convenção, segundo Costa, é “Organizar um sistema de
cooperação entre os Estados como meio de obter adoções internacionais regulares
e sadias.”200
A Convenção de Haia determina três diretrizes importantes para adoção
transnacional: respeito dos direitos da criança; que haja um sistema de cooperação
entre os Estados-partes; garantir o reconhecimento as adoções nos países que
aceitarem seguir as orientações da Convenção.201
De acordo com Cláudia Lima Marques são três as palavras-chave da
Convenção: centralização, colaboração e controle. Centralização, pois centraliza as
adoções internacionais em autoridades centrais e competentes; colaboração, porque
é preciso que haja entre as autoridades, no que se refere a decisões difíceis; e
controle, pela existência de troca de informações, divisão de competências e
preenchimento de requisitos mínimos, tudo isso feito por um sistema de
reconhecimento automático de decisões.202
Apesar de toda determinação em criar um sistema de cooperação entre os
Estados de origem e os receptores, apenas a Convenção de Haia não é
suficientemente capaz de atingir todos os objetivos propostos. É preciso que haja
uma atualização nas legislações internas dos países que ratificaram a Convenção,
para que trabalhando juntos possam garantir o melhor interesse da criança e coibir
práticas ilegais.203
198
FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: a Convenção de Haia e a normativa
brasileira – uniformização e procedimentos. 1 ed. (ano 2002), 6 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.53.
199
Ibidem, p. 54.
200
COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo
da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.201.
201
LIBERATI, Wilson Donizeti. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros,2009, p.42.
202
MARQUES, Claudia Lima. Revista de direito privado. Coord. Nelson Nery e Rosa Maria de
Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 49.
203
Ibdem, p.54.
56
3.3 Requisitos pessoais dos adotantes estrangeiros
Os requisitos exigidos para adoção transnacional são os mesmos exigidos
para adoção feita por brasileiros, porém, são previstos requisitos específicos
elencados no artigo 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente.204
Para que um estrangeiro que está interessado em adotar e esteja capacitado
para tal, é necessário conferir os dispositivos da legislação do país de origem do
adotante e do adotado. De acordo com o artigo 7º da Lei de Introdução do Código
Civil brasileiro, foi estipulado o critério do domicílio da pessoa para regular os
direitos de personalidade, nome, capacidade e direitos de família, adotando a teoria
da aplicação distributiva das leis, segundo a qual, se atende às exigências das leis
do adotante e do adotado naquilo que são peculiares, devendo ser analisadas as
duas leis e cumpridos os requisitos exigidos em ambas.205
A legislação brasileira que regula a adoção, o Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei nº 8.069/90 -, determina, nos arts. 29, 42 (revogado pelo novo
CC) e 51, que o interessado em adoção, estrangeiro, deve preencher os seguintes
requisitos pessoais:
a) ser maior de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil (cf.
novo CC);
b) se a adoção for realizada por ambos os cônjuges ou concubinos, pelo
menos um deles deverá ter completado vinte e um anos de idade;
c) comprovar a estabilidade da relação conjugal;
d) ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando;
e) estar habilitado à adoção, segundo as de seu país;
f) apresentar estudo psicossocial elaborado por agência credenciada em seu
país;
g) ter compatibilidade com a adoção e oferecer ambiente familiar
adequado.206
204
CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional: procedimentos legais. Curitiba: Juruá, 2009, p. 125.
Ibdem.
206
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência. 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.98-99.
205
57
3.4 - Requisitos pessoais do adotando
O artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente ao falar sobre o direito à
convivência familiar e comunitária, afirma que “a falta ou carência de recursos
materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio
poder”. Como afirma Liberati “a pobreza não é motivo para retirar uma criança de
sua família de origem e colocá-la em outra família através da adoção.”207
No entanto, preocupado com esse problema de dificuldade financeira, o
parágrafo único do ECA diz que “não existindo outro motivo, que por si só autorize a
decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de
origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de
auxílio”. Se a família tiver dificuldade financeira e, somente por esse motivo, quiser
entregar um filho à adoção, não será autorizado, pois o Estado terá de ajudar essa
família.208
No Brasil, os “Adotáveis” por estrangeiros são as pessoas de zero a dezoito
anos de idade onde ninguém exerce o poder familiar sobre eles.209
A situação de abandono do adotando, é o primeiro passo para a entrada de
famílias que querem adotar. Pois a possibilidade de adoção surge quando há
situação de abandono. Associar o abandono à adoção é, um caminho feliz para
adotante e adotando.210
O Estatuto da Criança e do Adolescente não conceitua o abandono, mas
utiliza outra nomeclatura, situação de risco, e no artigo 98 enumera situações que se
enquadram crianças e adolescentes ao abandono ou risco pessoal:
“As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre
que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados:
I- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III- em razão de sua conduta”.211
207
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.123.
208
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op cit. p.123-124.
209
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.124.
210
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.127.
211
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.125.
58
Uma criança que se encontra abandonada apresenta algumas características
que podem ser identificadas com clareza pelo seu olhar, como tristeza, melancolia,
angústia, e pela falta de amor.212
A carência afetiva é um fator negativo que influencia a personalidade da
criança, mas se houver grande interesse e disponibilidade de casais o desejarem
como filho, esse trauma pode ser retirado e pode permitir à criança um
desenvolvimento ausente desse passado, fazendo com que ele não mais faça parte
da vida dessa criança.213
O falecimento dos pais biológicos pode inserir uma criança ao estado de
abandono, e se os parentes não assumem essa criança, ela fica então, órfã de pai,
mãe e de família. Tais crianças são, normalmente, inseridas em entidades de
atendimento onde um processo de colocação em família substituta é iniciado, pois
com o auxílio de uma nova família adotiva, essa criança poderá construir uma nova
história em sua vida.214
Outro motivo que configura o estado de abandono das crianças é o
desaparecimento dos pais, ocasionado pela paternidade irresponsável juntamente
com gravidez precoce e indesejada, fazendo com que as crianças sejam
desprovidas do amor dos pais.215
Quando uma criança é levada para uma instituição, pode-se verificar
que algo não está certo em relação à própria criança ou aos seus pais, e isso
configura outra hipótese de situação de risco.216
Quando a criança está inserida em uma instituição, significa, então, que há
um indício de que essa criança está preparada para ser adotada.217
A instituição deve funcionar somente como um local de emergência social,
mantendo a criança apenas por um período, pois quando ela está institucionalizada,
ela está desprovida de uma família e a criança necessita de um lar e não de uma
instituição.218
212
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003,p.125.
213
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.128.
214
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.132.
215
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.133.
216
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.134
217
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.136.
218
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.137.
59
3.5 Procedimentos da adoção internacional no Brasil
Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto a Convenção de Haia,
de 1993, devem ser aplicados de forma conjunta.
O Estatuto da Criança e do Adolescente recentemente alterado pela Lei nº
12.010/09, em seu artigo 51 e parágrafos seguintes, enumera de forma detalhada o
procedimento que deverá ser seguido pelos estrangeiros residentes ou domiciliados
fora do país que desejam adotar uma criança ou adolescente nacional.
Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou
casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto
no art. 2º da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à
Proteção da Criança e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional
aprovada pelo Decreto Legislativo n. 1, de 14 de janeiro de 1999, e
promulgada pelo Decreto n.3.087, de 21 de junho de 1999.
§1º. A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou
domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado:
I- que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso
concreto;
II- que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou
adolescente em família substituta brasileira, após a consulta aos cadastros
mencionados no art. 50 desta Lei;
III- que, em se tratando de adoção de adolescente, este for consultado, por
meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra
preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe
interprofissional, observado o disposto nos §§1º e 2º do art. 28 desta Lei.
§2º. Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros,
nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro.
§3º. A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades
219
Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional.
O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela
autoridade competente do respectivo domicílio, que está devidamente habilitado à
adoção, conforme as leis de seu país. Assim como apresentar estudo psicossocial
elaborado por uma agência especializada e credenciada em seu país de origem. 220
Caso a autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público
queira, será necessária então, a apresentação de texto pertinente à legislação
estrangeira, assim como sua vigência.221
Os documentos de língua estrangeira devem ser juntados aos autos,
autenticados pela autoridade consular, traduzidos por tradutor juramentado público e
devem ser observados também, os tratados e convenções internacionais.222
219
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 11 ed. revista e
ampliada, de acordo com a Lei 12.010/09. São Paulo: Malheiros, 2010 p. 46.
220
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010.
221
Ibidem.
60
O adotando não poderá sair do país antes de consumada a adoção. A adoção
internacional poderá se condicionada a estudo prévio por uma comissão estadual
judiciária que fornecerá os laudos de habilitação para o prosseguimento do processo
competente. O laudo de habilitação à adoção internacional terá validade de no
máximo 1 (um) ano.223
A documentação exigida para habilitar a realização de adoção internacional
no Brasil é a seguinte:
a) Documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio,
que comprove estar habilitado a adotar mediante as leis de seu país;
b) Autorização para promover adoção de brasileiro;
c) Estudo biopsicossocial (físico e mental);
d) Cópia do passaporte;
e) Texto pertinente à legislação sobre adoção do país de residência ou
domicílio dos requerentes;
f) Prova de vigência da legislação mencionada no item anterior;
g) Declaração firmada de próprio punho, de ciência de que a adoção no Brasil
é gratuita e irrevogável e irretratável;224
h) Atestado de antecedentes criminais;
i) Atestado de residência expedido por órgão oficial;
j) Declaração de rendimentos;
k) Fotografia dos requerentes, de sua residência e de seus familiares;
l) Ficha de inscrição totalmente preenchida.225
Estes são os documentos essenciais para que um estrangeiro domiciliado ou
residente fora do Brasil necessita para requerer a adoção de crianças ou
adolescentes brasileiros.
No artigo 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador
estabeleceu que pudesse ser condicionado a um estudo prévio e análise de uma
Comissão Estadual Judiciária de Adoção, que fornecerá o laudo de habilitação,
222
Ibidem.
Ibidem.
224
MONTEIRO, Sônia Maria. Aspectos novos da adoção: adoção internacional e adoção do
nascituro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 59.
225
SANTOS, Ozéias J. Adoção no novo código civil. 2 ed. São Paulo: Vale do Mogi, 2003, p. 73-74.
223
61
assim como deverá ficar responsável por manter o registro centralizado de
interessados estrangeiros em adotar.226
3.6 As comissões
Para impedir os abusos relativos à adoção, principalmente a internacional,
algumas modificações foram feitas na legislação brasileira.227
As comissões mencionadas no artigo 52 do Estatuto da Criança e do
Adolescente são chamadas de CEJAI. A primeira foi instituída no estado do Paraná,
pelo Decreto Judiciário 21/89, amparada pelo disposto no artigo 227 da Constituição
Federal. Inicialmente, sua função era preservar as crianças, evitar a discriminação, a
negligência e a exploração. As CEJAIS procuram manter um intercâmbio entre
órgãos e instituições internacionais que dão apoio a adoção, para aumentar o
controle, o acompanhamento dos casos de adoção internacional, e também para
divulgar suas atividades, o que dificulta a saída irregular das crianças ou
adolescentes do país diminuindo o tráfico internacional de crianças, impedindo que
estrangeiros adotem e saiam do país irregularmente e descumprindo a lei.228
A partir da edição do Decreto 3.174, de 19.9.1999, a discussão sobre a
obrigatoriedade do funcionamento das CEJAIS perdeu sua significância, pois as
Autoridades Centrais são responsáveis em cumprir as obrigações impostas pela
Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de
Adoção Internacional, institui o Programa Nacional de Cooperação em Adoção
Internacional e cria o Conselho das Autoridades Centrais Administrativas
Brasileiras.229
Dispõe o art. 4º do referido Decreto que:
Ficam designados como Autoridades Centrais no âmbito dos Estados
federados e do Distrito Federal, as Comissões Estaduais Judiciárias de
Adoção, previstas no art. 52 da Lei nº 8.069/90, ou os órgãos análogos com
distinta nomeclatura, aos quais compete exercer as atribuições operacionais
e procedimentos que não se incluam naquelas de natureza administrativa, a
cargo da Autoridade Central Federal, respeitadas as determinações das
respectivas leis de organização judiciária e normas locais que a instituíram.
226
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010.
227
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.138.
228
Ibem, 2003, p.138-139.
229
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. Cit. p.139.
62
Parágrafo único. As competências das Autoridades Centrais dos Estados
federados e do Distrito Federal serão exercidas pela Autoridade Central
Federal, quando no respectivo ente federado inexistir Comissão Estadual
230
Judiciária de Adoção ou órgão com atribuições análogas”.
Com isso, a CEJAI é órgão obrigatório com vinculação perante o Poder
Judiciário Estadual, porém de caráter não vinculante ao Juiz da Infância e da
Juventude.231
São
atribuições
das
Comissões
Estaduais
Judiciárias
de
Adoção
Internacional:
I- organizar, no âmbito do Estado, cadastros centralizados de: a) pretendentes
estrangeiros, domiciliados no Brasil ou no exterior, à adoção de crianças brasileiras;
b) crianças declaradas em situação de risco pessoal ou social, passíveis de adoção,
que não encontrem colocação em lar substituto em nosso país;
II
–
manter
intercâmbio
com
órgãos
e
instituições
especializadas
internacionais, púbicas ou privadas, de reconhecida idoneidade, a fim de ajustar
sistemas de controle e acompanhamento de estágio de convivência no exterior;
III – trabalhar em conjunto com entidades nacionais, de reconhecida
idoneidade e recomendadas pelo Juiz da Infância e da Juventude da Comarca;
IV – divulgar trabalhos e projetos de adoção, onde sejam esclarecidas suas
finalidades, velando para que o instituto seja usado somente em função dos
interesses dos adotandos;
V – realizar trabalhos junto aos cadastros cadastrados, visando favorecer a
superação de preconceitos existentes em relação às crianças adotáveis;
VI – propor às autoridades competentes medidas adequadas destinadas a
assegurar o perfeito desenvolvimento e devido processamento das adoções
internacionais no Estado, para que todos possam agir em colaboração, visando
prevenir abusos e distorções quanto ao uso da instituição da adoção internacional;
VII – expedir o Laudo ou Certificado de Habilitação, com validade em todo
território estadual, aos pretendentes estrangeiros e nacionais à adoção, que tenham
sido acolhidos pela Comissão;
VIII – comunicar à Autoridade Central Administrativa Federal a habilitação do
estrangeiro interessado na adoção;
230
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.139-140.
231
LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.140.
63
IX – colaborar com a Autoridade Central Administrativa Federal ou outras
autoridades públicas, para a concretização de medidas apropriadas para prevenir
benefícios materiais induzidos por ocasião de uma adoção e para impedir quaisquer
práticas contrárias aos objetivos da Convenção de Haia.232
Em 30 de maio de 2007, numa reunião ordinária, o Conselho de Autoridades
Centrais Brasileira, definiu diversas recomendações que devem ser seguidas pelas
Comissões, e estas são resumidamente: a não aceitação de requerimento de
habilitação para adoção internacional por interessados oriundos de países que não
ratificaram a Convenção de Haia de 1993; os países que ratificaram a Convenção, e
que possuem organismos de adoção internacional credenciado do Brasil devem
enviar
o
pedido
de
habilitação
somente
por esses organismos,
e
não
individualmente; os países que ratificaram a Convenção, mas que não possuem
organismos de adoção internacional credenciados no Brasil devem encaminhar o
pedido de habilitação por autoridade central estrangeira diretamente para a CEJAI,
ou para ACAF, e a aceitação ou recusa ficará a critério da CEJAI. Essa autoridade
central deve ser comprometer em prestar assistência durante o estágio de
convivência, assim como se comprometer e enviar relatórios a CEJAI por um
período de dois anos depois de feita a adoção.233
Foi também recomendado que a adoção internacional seja aceita somente
para crianças maiores de cinco anos de idade, exceto, para grupos de irmãos ou
crianças portadoras de necessidades especiais, e caberá a CEJAI, orientar sobre a
convivência da adoção nesta última hipótese.234
3.7 A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor interesse da
criança
A adoção feita por estrangeiros foi colocada e forma excepcional em nossa
legislação nos artigos 19 e 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
232
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.141-142.
233
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Autoridade Central Administrativa Federal.
Resolução n. 11/2007. Artigos terceiros e quarto. Disponível em:
<http://www.previdencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/
Id_of_Autoridade_Central/Id_AutoridadeCentral_Arq_Resolucoes/res11.pdf>Acesso em: 02 de
set. 2010.
234
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Op. cit. .
64
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada
a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de
235
pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida
236
excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.
A excepcionalidade é uma das principais regras no que diz respeito à adoção
internacional, está prevista de forma expressa no artigo 31 do Estatuto da Criança e
do Adolescente e também na Convenção de Haia, ou seja, falar em
excepcionalidade significa de uma forma mais simplória, permitir que a criança
brasileira seja adotada por estrangeiro somente em último caso, apenas quando não
há nenhuma outra possibilidade desse infante permanecer em uma família brasileira.
Porém, levar essa regra a sua forma mais severa, poderá significar o não
cumprimento do princípio fundamental do melhor interesse da criança e do
adolescente, princípio este, que serve de base para todas as outras regras.237
Segundo Liberati: “O argumento da excepcionalidade da medida de colocação
em família substituta estrangeira é forte, mas não é absoluto”.238
Percebe-se, que qualquer que seja a forma de colocação em família
substituta é excepcional, pois a “excepcionalidade” se enquadra na medida de
colocação em família substituta, não estando diretamente relacionado com a
nacionalidade do interessado, pois estaria aplicando a norma de modo lato, sem
levar em consideração a vinculação com as regras básicas de interpretação da
norma.239
É o que se observa com o instituto jurídico da colocação de crianças e
adolescentes em famílias substitutas ou alternativas como é direcionado a “Todo
aquele que revele compatibilidade com a natureza da medida ou ofereça ambiente
familiar adequado”, art. 29 do ECA. E em sentido contrário, aqueles que não
235
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010.
236
Ibdem.
237
SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse
da criança. Disponível em:
<http://bdjus.stj.br/xmlui/bitstream/handle/2011/19882/Direito_Internacional_Contempor%C3%A2n
eo.pdf?sequence=1 >10 de ago. 2010.
238
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.73.
239
Ibidem. p. 74.
65
oferecerem ambiente familiar adequado à criança ou adolescente, não poderá ser
concedida a colocação em família substituta.240
Pelos artigos 31 e 51 da Lei nº 8.069/90, entende-se que somente o instituto
da adoção poderá ser utilizado pelos estrangeiros, ou seja, é vedada a guarda e a
tutela. Há uma parte da doutrina que afirma que esses artigos são inconstitucionais,
pois estabelecem diferença entre nacionais e estrangeiros, o que, na opinião desses
doutrinadores, fere o artigo 5º, I, da Constituição Federal.241 Sendo assim, o
propósito de vedar a guarda e a tutela a estrangeiros é impossibilitar que a criança
ou adolescente brasileiro saia do país de forma provisória.242
Porém, destaca-se, não há discriminação em relação aos estrangeiros, o que
há é uma imensa preocupação, um zelo maior, pois as crianças nacionais quando
adotadas por estrangeiros são levadas de seu país para outro, e o Estado é o maior
responsável pelo destino desses infantes, visto que a adoção tem caráter
irrevogável, ou seja, não há possibilidade da criança retornar ao país caso a adoção
não logre sucesso.
Além do que, o artigo 5º da Constituição Federal mostra
claramente que é garantida a igualdade entre brasileiros e estrangeiros residentes
no país, e, portanto, não inclui o estrangeiro que não reside no país. 243
Como explica Liberati, os motivos que fizeram com que o legislador vedasse
os institutos de guarda e tutela foram, por exemplo:
A guarda, por exemplo, não necessita da destituição do pátrio poder para
ser concedida [...]. Se um estrangeiro, domiciliado fora do território
brasileiro, recebe uma criança em guarda e os genitores dessa criança, que
continuam manter os vínculos paternais, desejam visitar seu filho, ou até
mesmo, requerer a revogação ou modificação da guarda, o que fazer se a
criança já está residindo em país estrangeiro? Essa e outras dificuldades
levaram o legislador a impedir que o estrangeiro domiciliado no exterior
244
pudesse fazer uso da guarda de crianças ou adolescentes nacionais.
Está claro que a lei aborda de forma diferente o procedimento em relação à
adoção feita por nacionais e a feita por estrangeiros, no entanto, essa diferença não
poderia ser vista como prejudicial, e sim, como uma maneira de proteger a criança,
240
Ibidem. p. 74.
MONTEIRO, Sônia Maria. Aspectos novos da adoção: adoção internacional e adoção do
nascituro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 54.
242
COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo
da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.236.
243
Ibdem, p. 51-52.
244
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo:
Malheiros,2003, p.75.
241
66
pois o adotado terá de deixar seu país de origem, assim como a língua, a cultura, e
as proteções que o Estado lhe confere enquanto residente.245
Assevera Tarcísio José Martins Costa, que a adoção internacional rege dois
princípios: o princípio da prioridade da própria família e o princípio da prioridade de
uma família nacional, para que se possa priorizar a estada da criança em seu
território nacional, assim como preservar sua cultura.246
Para Costa:
[...] o direito à identidade nacional e à conservação, do qual fazem parte a
manutenção dos vínculos com a família e a própria terra, as tradições, a
cultura, a língua materna, é um direito essencial da pessoa humana, que se
adquire pelo simples fato de nascer com vida [...]. O rompimento deste
processo de interação com aqueles igualmente ligados pelas mesmas
raízes, só se justifica em caráter de excepcionalidade. Somente depois de
exauridas todas as possibilidades de manutenção dos vínculos com a
família natural e buscada infrutiferamente, a colocação em família substituta
247
nacional, é que se considera a possibilidade da adoção internacional.
Para Liberai, essa discussão é infrutífera, não acarreta benefício algum para
as crianças e adolescentes que necessitam e anseiam por uma nova família, pois
estas, não estão preocupadas com a nacionalidade dessa nova família e sim em têla.248
A preferência de adoção por brasileiro em detrimento do estrangeiro, não é
uma regra absoluta, pois, deve-se sempre observar o melhor interesse da criança ou
do adolescente.249
ADOÇÃO – Disputa com estrangeiros – Prevalência do interesse do menor.
Adoção de criança brasileira por estrangeiro – Caráter supletivo – Interesse
do menor – Prioridade. O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz
discriminação entre brasileiros e estrangeiros. O que a lei quer é que se dê
supremacia à criança ou ao adolescente, seu bem-estar, seus direitos,
dignidade, convivência familiar etc., e, estando brasileiros e estrangeiros
nas mesmas condições, sendo ambos convenientes à criança ou ao
adolescente, deve-se preferir o brasileiro ao estrangeiro. Se, porém, as
condições oferecidas pelo casal estrangeiro forem melhores e trouxerem
vantagens ao menor, a medida excepcional deve ser aplicada.
TJMG, 4ªC., Ag. 22.528-4, rel. Des. Alves de Melo, j. 2.4.92, (Minas Gerais
II 5.12.92, p.1, ementa oficial).
245
MONTEIRO, Sônia Maria. Op.cit. p. 56-57.
COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo
da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.237.
247
Ibdem, p.239.
248
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 76.
249
CARVALHO, Dimas Messias. Adoção e Guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 57.
246
67
ADOÇÃO DE MENOR POR CASAL ESTRANGEIRO – Pretendentes
brasileiros.
Disposições de ordem administrativa da Corregedoria-Geral da Justiça,
preterindo casais estrangeiros em favor de brasileiros, na adoção de
menores, não é regra de direito para excluir, desde logo, a possibilidade de
uma criança brasileira ser adotada por casal estrangeiro, mesmo existindo
pretendentes brasileiros, porque o que se visa é o bem-estar do menor,
fique ele no Brasil ou no exterior. Apelo provido para determinar que
prossiga o processo de adoção.
TJRS, 8ªC.,Ap. 592136972- São Leopoldo/RS.
Thomaz Junior e Minnicell salientam:
Há estrangeiros honestos e desonestos, há nacionais moralmente idôneos e
inidôneos. Um dos papéis da Justiça está em resguardar a criança de
desonestos e inidôneos, sejam qual pátria provenham [...]. A origem do
casal não deve pretender que ao casal estrangeiro seja inacessível a
250
adoção de crianças nacionais.
De acordo com Costa, sobre medidas necessárias para garantir uma
adequada adoção por estrangeiros, conclui que :
Do ponto de vista jurídico, as garantias desejáveis para a adoção
internacional podem ser assim resumidas:
a) determinação das autoridades competentes para pronunciá-la, a lei que
deve por elas ser aplicada e a definição do procedimento a seguir;
b) assegurar que a adoção seja reconhecida nos países envolvidos;
c) impedir que se concedam autorizações de adoção sem as necessárias
precauções;
d) estabelecer preferência de organizações confiáveis, devidamente
credenciadas, em lugar de indivíduos que atuam como intermediários;
e) vedação de adoção por procuração;
f) punição dos responsáveis pelas adoções realizadas com fraude às leis
nacionais e internacionais;
g) melhor controle das autorizações de viagens internacionais e emissão de
passaportes para menores;
h) respeito aos princípios básicos já mencionados, consagrados pela
Convenção das Nações Unidas sobre direitos das crianças e Convenção de
Haia relativa à adoção.
(...)
Finalmente, é dentro do contexto de inescapável mundialização em que
vivemos que a adoção internacional deve ser inserida.
A revolução dos meios de comunicação, a integração dos países em blocos
econômicos, a flexibilização das fronteiras, o aumento das uniões entre
homens e mulheres de diferentes nacionalidades e o intenso deslocamento
de pessoas além-fronteiras cada vez mais aproximam os povos, permitindolhes que melhor se conheçam e se tratem mais solidariamente. Portanto,
nada mais natural no mundo de hoje do que o intercâmbio entre as nações
e os povos.
Não se pode, entretanto, esquecer os imensos obstáculos a superar, em
especial o de compatibilizar não só as legislações, mas, principalmente,
costumes e culturas distintas. Não obstante, impõe-se enfrentar a questão
250
THOMAZ JUNIOR, Dimas Borelli e MINNICELLI, João Luiz Portolan Galvão apud SILVA, Viviane
Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. p.85.
68
das crianças desamparadas, centro de todas as preocupações e valor
fundamental a defender, sem preconceitos ou condicionamentos ideológicos
prévios. Como os valores familiares e humanos estão acima dos valores
difusos, como pátria, cultura, língua e outros, não se podem transformar o
instituto humanístico da adoção internacional em cenário de confrontos, seja
pela reafirmação injustificada do nacionalismo, seja pela invocação da
251
soberania como valor politicamente superior.
As vantagens para o menor que será adotado por um estrangeiro devem ser
gritantes visto que, a criança e/ou o adolescente serão levados de seu país e terão
que enfrentar uma cultura diferente, assim como a língua, costumes, enfim, a
realidade de um novo país. Porém, todos estes obstáculos devem ser enfrentados,
visto a possibilidade de aquela criança conseguir encontrar uma família que a acolha
de verdade, com todo amor, carinho e respeito que merecem. Submeter essas
crianças à espera de uma melhora na realidade nacional, para que possam ser
adotadas apenas por famílias brasileiras, significa deixar gerações e gerações
abandonadas à própria sorte.252
251
COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: Aspectos Jurídicos, Políticos e
Socioculturais. Anais do II Congresso Brasileiro do Direito de Família. Coord. Rodrigo da Cunha
Pereira. Belo Horizonte: IDFAM: OAB/MG. Del Rey, 2000. p.278-281. Disponível em:
<www.ibdfam.org.br/anais_download.php?a=69>. Acesso em 20 de out. 2010.
252
SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse
da criança. Disponível em:
<http://bdjus.stj.br/xmlui/bitstream/handle/2011/19882/Direito_Internacional_Contempor%C3%A2n
eo.pdf?sequence=1 >10 de ago. 2010.
69
CONCLUSÃO
Em princípio é necessário frisar a evolução histórica no tratamento relativo às
crianças e adolescentes, ou seja, a modificação em sua situação jurídica, onde
deixaram de ser meros objetos e, que com a promulgação da Constituição Federal
de 1988, passaram à condição de serem sujeitos de direito. A promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente também foi importante e relevante para essa
evolução, onde o princípio da proteção integral veio para amparar todas as crianças
de forma indiscriminada. Para garantir essa proteção, outros princípios foram
adotados como o princípio da prioridade absoluta, do melhor interesse, da coresponsabilidade, da dignidade da pessoa humana, da condição peculiar da pessoa
em desenvolvimento e da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988, juntamente com estes princípios que
norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente, identificou a convivência familiar
como direito fundamental da criança e do adolescente. Diante disso, a importante
função da família, aliada à aplicação dos direitos fundamentais infanto-juvenis,
representa um lugar adequado para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Com o objetivo de que estes possam ter condições de se desenvolverem da melhor
maneira possível para que com isso seja proporcionado um futuro digno, pois a
família é a base da sociedade e ela pode permitir que essas crianças tenham apoio
emocional, material, e que seu bem-estar seja garantido.
A criança tem como direito fundamental crescer e se desenvolver em um
ambiente familiar, seja essa família natural ou substituta, nacional ou internacional,
pois o que realmente importa para a criança é um ambiente familiar que proporcione
amor, boa educação, compreensão, ou seja, valores indispensáveis para o
crescimento e desenvolvimento saudável de uma criança, pois somente aqueles que
realmente possuem dom e vocação para serem pais, conseguem dar a devida
proteção a essas crianças e isso independe de sua nacionalidade, onde devemos
sempre primar pelo melhor interesse da criança, pois a nacionalidade, por si só, não
é fator determinante para garantir que esse princípio seja garantido.
É nesse contexto que se insere a adoção internacional, não como solução
para o problema do abandono no Brasil, mas como forma de amenizar a atual
70
situação das crianças esquecidas em abrigos, que não lograram sucesso em
encontrar uma família em seu país de origem dispostas a amá-las e a educá-las.
O princípio do superior interesse da criança é o principal fundamento a ser
seguido e respeitado. Entretanto, o extremo receio com que é tratada a adoção
internacional muitas vezes impede que crianças e adolescentes disponíveis à
adoção, e que são rejeitadas por famílias brasileiras, deixem de ter um lar saudável,
uma família que o ampare de verdade, ferindo, assim, o melhor interesse, garantia
Constitucional, que fica relegado a segundo plano.
O caráter subsidiário que a Lei aplica à adoção internacional nem sempre
representa a melhor solução para o superior interesse do adotado, pois a colocação
em família substituta nacional ou internacional, já caracteriza a excepcionalidade e
colocar a adoção por estrangeiros como última possibilidade, pode ferir o princípio
do melhor interesse da criança e do adolescente, pois um casal de outra
nacionalidade pode, perfeitamente, oferecer melhores condições que um casal
nacional.
Convém ressaltar que tanto a colocação da criança em família substituta
nacional ou transnacional existe o risco da adoção não lograr êxito. A adoção
internacional requer requisitos rígidos, o que pode impedir possíveis danos ao
adotado, se esta for feita de acordo com todos os preceitos exigidos pela lei. Logo,
deve-se sempre observar o princípio do melhor interesse da criança, resguardando
que seja garantida a adoção que proporcione melhores condições para a criança, e
que ser for por estrangeiros, que ela seja deferida.
71
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Claudia Michele de Medeiros Esteves