Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A EXCEPCIONALIDADE DA ADOÇÃO INTERNACIONAL E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Autora: Claudia Michele de Medeiros Esteves Orientadora: Profª.MSC Adriana Andrade Miranda Brasília – DF 2010 CLAUDIA MICHELE DE MEDEIROS ESTEVES A EXCEPCIONALIDADE DA ADOÇÃO INTERNACIONAL E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof. MSC Adriana Andrade Miranda Brasília 2010 Esteves, Claudia Michele de Medeiros A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor Interesse da criança e do adolescente / Claudia - Michele de Medeiros Esteves. Novembro de 2010. Trabalho de Conclusão de Curso da Universidade Católica de Brasília, novembro de 2010. Orientação: Professora Mestre Adriana Andrade Miranda 1. Adoção, 2. Adoção internacional, 3. Princípio do melhor Interesse. I. Miranda, Adriana Andrade. A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor Interesse da criança e do adolescente. CDU Classificação Monografia de autoria de Claudia Michele de Medeiros Esteves, intitulada “A EXCEPCIONALIDADE DA ADOÇÃO INTERNACIONAL E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em ___/___/___, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _____________________________________________ Profª.MSC Adriana Andrade Miranda UCB _____________________________________________ Integrante Prof. UCB _____________________________________________ Integrante Prof. UCB Brasília 2010 RESUMO ESTEVES, Claudia Michele de Medeiros. A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor interesse da criança e do adolescente. 2010. nº f.--Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Curso de Direito. Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2010. A presente monografia tratará sobre adoção internacional em face do melhor interesse da criança e do adolescente, ou seja, questiona se a excepcionalidade do instituto significa o melhor interesse. Para isso serão analisados os princípios que regem a proteção integral, aspectos gerais da adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção de Haia de 1993, a Constituição Federal de 1988 e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças de 1989. Palavras-chave: adoção; adoção internacional; princípio do melhor interesse; excepcionalidade; Estatuto da Criança e do Adolescente; Convenção de Haia. ABSTRACT ESTEVES, Claudia Michelle de Medeiros. The uniqueness of international adoption and best interests of children and adolescents. 2010. No f --- End of Course Work (Graduate). Law Course. Catholic University of Brasilia, Wansbeck, 2010. This monograph will address on international adoption in the face of the best interests of children and adolescents, ie, questions whether the uniqueness of the institute means the best interest. We shall analyze the principles that govern the overall protection, general aspects of adoption, the Children and Adolescents, the Hague Convention of 1993, the 1988 Federal Constitution and the International Convention on the Rights of the Child 1989. Keywords: adoption; international adoption; principle of best exceptionality; Status of Children and Adolescents; Hague Convention. interests; LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Adoções realizadas por pretendentes brasileiros Quadro 2 – Adoção realizada por pretendentes estrangeiros SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 8 1. ADOÇÃO ....................................................................................................... 10 1.1 Conceito ....................................................................................................... 10 1.2 Características da Adoção ........................................................................... 11 1.3 Espécies de Adoção .................................................................................... 13 1.4 Evolução Histórica do Instituto da Adoção .................................................... 13 1.5 A Importância da Família ............................................................................. 19 1.6 A Importância da Adoção ............................................................................. 22 1.7 Justificativa .................................................................................................. 24 1.8 Requisitos para Adoção ................................................................................ 25 2. PRINCÍPIOS .................................................................................................. 29 2.1 Princípio da Proteção Integral ..................................................................... 29 2.2 Princípio da Prioridade Absoluta .................................................................. 30 2.3 Princípio do Melhor Interesse ........................................................................ 33 2.4 Princípio da Co-responsabilidade ................................................................ 35 2.5 Princípio da Condição Peculiar de Pessoas em Desenvolvimento ............. 35 2.6 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ................................................ 36 2.7 Direito Fundamental à Convivência Familiar ............................................... 38 3. A ADOÇÃO INTERNACIONAL ...................................................................... 43 3.1 A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) ................ 49 3.2 A Convenção de Haia (1993) ...................................................................... 52 3.3 Requisitos Pessoais dos Adotantes Estrangeiros ....................................... 56 3.4 Requisitos Pessoais do Adotando ............................................................... 57 3.5 Procedimentos da Adoção Internacional no Brasil ...................................... 59 3.6 As Comissões .............................................................................................. 61 3.7 A Excepcionalidade da Adoção Internacional e o Melhor Interesse da Criança .............................................................................................................. 63 CONCLUSÃO .................................................................................................... 69 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 71 8 INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objetivo o estudo da adoção internacional e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que tal modalidade de adoção ainda é pouco tratada no Brasil e a ausência de doutrinadores dispostos a discutir o tema é sentida com poucas obras específicas sobre o assunto. Por esses aspectos será necessário um estudo mais aprofundado sobre o tema em tela a partir de uma análise sobre a doutrina da proteção integral, uma retrospectiva histórica abordando a evolução do instituto da adoção, e por fim a questão da possibilidade da adoção internacional em face do melhor interesse da criança e do adolescente. O capítulo inicial tratará da adoção no Brasil, bem como suas espécies e características, apontando sua origem e demarcando sua evolução histórica. Abordará, ainda, a importância da família para o desenvolvimento da criança e também como base da sociedade, e da importância da adoção e seus requisitos. O capítulo tratará com especial enfoque a evolução legislativa do país desde o Código de Menores de 1979 até o implemento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, apontando a relevância dessa evolução para o instituto da adoção internacional no Brasil. O segundo capítulo abordará sobre a doutrina da proteção integral presente no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, e dos seus princípios norteadores que são: o princípio da prioridade absoluta, que de forma sucinta, significa dizer que é dever da família, do poder público e da sociedade em geral garantir com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária das crianças e dos adolescentes; o princípio do melhor interesse, a sua origem, a forma com que o sistema jurídico brasileiro acatou tal princípio; o princípio da co-responsabilidade, que trata-se de uma cláusula geral de responsabilidade onde serão apresentadas de forma clara as consequências desse princípio presente no Estatuto da Criança e do Adolescente e de que forma prática essa co-responsabilidade atua na vida dos menores abandonados; o princípio da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, mostrando como esse princípio é de suma importância para a 9 interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente; princípio da dignidade da pessoa humana com o fim de demonstrar a relevância desse princípio no que diz respeito aos direitos da criança. O terceiro e último capítulo analisará a origem da adoção internacional, quando ocorre a possibilidade de tal instituto no Brasil, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e sua importância em criar normas genéricas a todos os países que a ratificaram, assim como as modificações trazidas pela Convenção de Haia e a sua importância no instituto da adoção juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente. E, por fim, tratará da excepcionalidade que cerca a adoção internacional e os aspectos que ligam essa excepcionalidade ao melhor interesse da criança e do adolescente. Pretende-se com esse estudo um esclarecimento maior relacionado ao modo com que os menores estão sendo tratados pelo Estado e pela sociedade, mostrar a devida importância que se deve dar ao futuro dessas crianças que não puderam permanecer com suas famílias naturais, a possibilidade de serem adotadas por estrangeiros e o dever do Estado de proteger integralmente essa criança, visando sempre o melhor interesse dela, pois representa um bem maior para toda a sociedade. 10 1. ADOÇÃO 1.1 Conceito O termo adoção, segundo Kátia Maciel1: “Se origina do latim, de adoptio, tem como significado em nossa língua, na expressão corrente, tomar alguém como filho”. Carvalho2 conceitua adoção da seguinte forma: Adoção é um ato jurídico solene e bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas naturalmente estranhas umas às outras. Estabelece um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha. É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta, estendendo-se para toda a família do i adotante . É um ato complexo que depende de intervenção judicial, de caráter irrevogável e personalíssimo. A adoção é um meio artificial de filiação que procura imitar a filiação natural, este ato civil nada mais é do que aceitar uma pessoa estranha na qualidade de filho, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade ou de sentença judicial. A filiação natural repousa sobre o vínculo de sangue enquanto a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica que se baseia sobre uma relação afetiva. A adoção é, portanto, um ato jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas e este ato faz com que o adotado passe a gozar do estado de filho do adotante. 3 Em um sentido mais natural, significa conceber um lar a crianças necessitadas e abandonadas em face de várias circunstâncias, como a orfandade, a pobreza, o desinteresse dos pais biológicos e os desajustes sociais que desencadeiam no mundo atual. A adoção tem como objetivo dar às crianças e adolescentes sem uma família um ambiente de convivência mais humana, onde outras pessoas irão satisfazer ou atender aos pedidos afetivos, materiais e sociais que um ser humano necessita para desenvolver dentro da normalidade comum, 1 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.205. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.483-484 apud CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e Guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 1 3 VICENTE, José Carlos, Adoção – O que é adoção, seus efeitos e formas para se adotar. Disponível em: <http://pailegal.net/fatiss.asp?rvTextoId=1183371062> Acesso em 20 de ago. 2010. 11 sendo de grande interesse do Estado que coloque essa pessoa em estado de abandono ou carente de um ambiente familiar homogêneo e afetivo. A adoção, vista como um fenômeno de amor e afeto deve ser incentivado pela lei.4 Segundo Diniz, a adoção é: “Um instituto de caráter humanitário, que tem por escopo, de um lado, dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do adotado”.5 No que se refere aos sentimentos, a adoção é antes de tudo uma ato de vontade, combinado com um ato de amor, regado de afeto e carinho, onde o adotante passa a ser pai do adotado, como se o tivesse concebido.6 1.2 Características da Adoção As características da adoção são: ato personalíssimo, excepcional, irrevogável, incaducável, plena, constituída por sentença judicial.7 É constituída por ato personalíssimo, pois o §2º do artigo 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), veda a adoção por procuração.8 No §1º do artigo 39 do ECA, preceitua que a adoção é medida excepcional e irrevogável, devendo ser utilizada somente quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural. Então, eventual retirada da pessoa em desenvolvimento de sua família biológica poderá ocorrer somente em casos excepcionais. Apesar de a lei ter com principal finalidade a manutenção da convivência na família natural, se não for possível, competirá ao Estado-Juiz, em 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 483-484 apud CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e Guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p.1 . 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 14 ed.rev. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. V, p.65. 6 BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.> Acesso em: 20 ago 2010. 7 ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.p.188. 8 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit. p.189. 12 procedimento judicial, determinar a destituição definitiva do poder familiar, e direcionar a criança ou adolescente para a adoção.9 A lei prioriza a adoção para os membros da família extensa (parentes próximos, como avós e tios, que tenham afetividade e afinidade com a pessoa); se não houver possibilidade de estes assumirem a função ou estes não existirem, a terceiros nacionais e residentes/ domiciliados no Brasil; e na impossibilidade desses, a adoção internacional será deferida, inserindo-se, da Convenção de Haia sobre Cooperação no em ECA, Matéria as disposições de Adoção Internacional.10 A adoção é irrevogável, pois impossibilita a retomada do poder familiar pela família natural, assim como diz o artigo 39,§1º do ECA11, in verbis: Art. 39. A adoção da criança e do adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta lei. §1º. A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do 12 art. 25 desta Lei. A incaducabilidade também é uma característica da adoção, pois a morte dos adotantes não possibilita o restabelecimento do poder familiar dos pais biológicos, porque a adoção tem caráter de definitivo.13 Outra característica da adoção é a plenitude, uma vez que a lei determina que o adotado e os filhos biológicos tenham os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios.14 A última característica da adoção é a exigência de que seja constituída por sentença judicial, não sendo admitida por escritura pública. A sentença judicial que determinar a adoção deverá ser inscrita no registro civil por meio de 15 mandado. 9 ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.p.189. 10 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190 11 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190 12 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010. 13 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190 14 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.190 15 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit.p.191. 13 1.3 Espécies de Adoção Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, há duas espécies de adoção: unilateral e bilateral. Na adoção unilateral, existe o vínculo de filiação com um dos pais biológicos enquanto que a bilateral, há o rompimento total do vínculo de filiação16 e os genitores deixarão de exercer o poder familiar e não possuirão mais a prerrogativa de pais da criança ou adolescente adotada por outra família. 17 1.4 Evolução Histórica do Instituto da Adoção A adoção pode ser observada nos sistemas jurídicos das comunidades mais antigas, tendo claramente expressa sua evolução desde os primórdios, no Direito Ancião, até os dias atuais.18 1.4.1 Período pré-romano Entre todos os povos antigos, a adoção tinha como objetivo principal, a perpetuação dos deuses e do culto familiar. O primeiro registro em adoção internacional que se tem conhecimento encontra-se no Livro Sagrado onde Termulos, filha de um faraó egípcio, adotou Moisés, que havia sido encontrado às margens do rio Nilo.19 A adoção surgiu no período da antiguidade de acordo com os primeiros textos legais. O código de Hammurabi, do período de 1728 a 1686 aC, já mencionava regras que diziam respeito à adoção na Babilônia. A adoção era tratada no parágrafo 185 a 195 do código e estabelecia quais as possibilidades, ao adotado, de retornar à casa do pai biológico.20 De acordo com Chaves21, ao concluir o §185 do Código de Hammurabi que: 16 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit .p.184. ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit .p.185. 18 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p 197. 19 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2002, p 15-17. 20 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. Aceso em: 19 de ago.2010 21 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. 3 ed. revista e ampliada, São Paulo: 1983, p.40. 17 14 Enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna; mas uma vez educado, tendo o adotante despedido dinheiro e zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranquilamente à casa do pai de sangue. Estaria lesando aquele princípio da justiça elementar que estabelece que as prestações recíprocas entre os contratantes devem ser iguais, correspondentes, princípios que constitui um dos fulcros do direito babilonense e assírio. Pode-se concluir, ao verificar a maneira como a adoção era tratada pelo referido código, que, uma vez adotado de forma irrevogável, o filho adotivo possuía os mesmos direitos hereditários do filho natural. Observa-se o enorme senso de justiça que o Código de Hammurabi possuía.22 A sociedade hindu, como a sociedade babilônica, previa em suas leis, o instituto da adoção. Segundo as Leis de Manú, IX, 10, “Aquele a quem a natureza não deu filhos, pode adotar um para que as cerimônias fúnebres não cessem”.23 Em Esparta, existem alguns relatos da prática da adoção, porém era diferente da maneira pela qual conhecemos. O modelo de família na sociedade espartana determinava que os filhos somente ficassem com a mãe até os sete anos de idade, depois eram entregues ao treinamento militar. O rei que atestava a adoção.24 Em Atenas, apenas os cidadãos podiam adotar e tanto homens como mulheres podiam ser adotados desde que também fossem cidadão ou cidadã. Os estrangeiros e os escravos estavam proibidos de adotar ou ser adotados. E para o filho adotivo voltar à sua família biológica, teria que deixar filho substituto na adotiva.25 1.4.2 Período romano A estrutura social e religiosa da civilização romana influenciou o desenvolvimento e a plenitude dos efeitos da adoção. 22 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. Aceso em: 19 de ago.2010 23 ALVIM, Eduardo Freitas. Op. cit. 24 ALVIM, Eduardo Freitas. Op. cit. 25 ALVIM, Eduardo Freitas Op. cit. 15 O Instituto da Adoção teve seu desenvolvimento mais acentuado em Roma que primeiramente teve como objetivo proporcionar filhos aos que não tinham biologicamente.26 Sobre o tema, Paiva acentua: Era uma instituição de direito privado, simétrica à da naturalização no direito público: assim como a naturalização incorporava um estrangeiro no Estado outorgando-lhe a cidadania, também a adoção agregava um estranho na 27 família romana, concedendo-lhe os direitos e deveres de filho-família. Em Roma, à época de Justiano, havia duas espécies de adoptio: a plena e a minus plena. A plena tinha o objetivo de conceder pátrio poder a quem não possuía, mas somente entre membros da mesma família natural ou de sangue. A minus plena, ao contrário, se caracterizava por continuar os laços de parentesco do adotivo com sua família natural, ficando sob o pátrio poder de seu pai biológico. Então se o adotante falecesse sem testamento, o filho adotivo concorria à sucessão. Esse tipo de adoção, para ser concretizada, exigia a presença do juiz.28 Quando a adoção era efetivada, em Roma, o pater famílias ensinava ao adotado o culto doméstico de sua nova família, e ele tinha que deixar o que havia aprendido no culto da antiga (in sacra transiti), rompendo-se o vínculo de parentesco natural. A única forma por meio da qual o filho adotivo poderia retornar à sua antiga família era deixando, à família adotante, um outro filho em seu lugar, rompendo-se todos os laços de parentesco com este, ao partir.29 No direito francês, a adoção atravessa um processo de renascimento no o início da Idade Moderna, com o Código Civil francês de 1792, o Código de Napoleão. Este código possuía fortes intenções políticas ao instituir a adoção, pois Napoleão Bonaparte precisava de um sucessor. 1.4.3 Evolução histórica no Brasil. Do código de menores de 1979 ao Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90. 26 VICENTE, José Carlos. Op.cit. CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. 3 ed. revista e ampliada, São Paulo: 1983, p.27. 28 ALVIM, Eduardo Freitas Disponível em: http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. Aceso em: 19 de ago.2010 29 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: <http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf.> Aceso em: 19 de ago.2010. 27 16 Com o Código Civil de 1916, foi disciplinado o instituto da adoção pela primeira vez no Brasil, mas percebe-se nesta legislação que havia diferenças enormes, principalmente no campo dos direitos sucessórios, entre os filhos biológicos e os filhos adotivos. Na época, era muito comum que as pessoas possuíssem filhos de criação, mas estes tinham um tratamento inferior, diferenciado perante os filhos biológicos, pois estavam inseridos naquela família de favor. 30 Nos artigos 368 a 378 da lei, a adoção era autorizada somente aos maiores de cinquenta anos e desde que fossem dezoito anos mais velhos que o adotado e que não possuíssem prole legítima ou legitimada. Com isso as dificuldades eram muito grandes para àqueles que tinham a intenção de adotar. Com esse requisito de o adotante não possuir filhos, pode-se observar que a adoção possuía, à época, a função prioritária de oferecer oportunidade àquele que não pôde ou não quis ter filho, de adotar uma criança.31 Em 8 de maio de 1957, com a promulgação da Lei n. 3.133/5732, o Código Civil de 1916 sofreu algumas alterações, a fim de atualizar o instituto e fazer com que este tivesse maior aplicabilidade,33 como a diminuição da idade de cinquenta para trinta anos, a diferença de idade entre o adotante e o adotado de dezoito para dezesseis anos, e a exigência de que o casal não possuísse filhos, deixou de ser necessária, precisando demonstrar estabilidade conjugal de um período mínimo de cinco anos. Houve, então, uma pequena evolução para o instituto da adoção.34 Ainda conforme a Lei n.3.133/57, o parentesco resultante da adoção, produzia efeitos apenas entre adotante e o adotado, o pátrio poder era transferido, no entanto, os demais direitos e deveres em relação à família natural não se extinguiam, e em relação à sucessão, os direitos do filho adotivo resumiam-se somente à metade do quinhão a que tinham direito os filhos biológicos. 35 Mas esse 30 BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.> 31 ALVIM, Eduardo Freitas. 32 BELTRAME, Martha Silva. Op.cit. 33 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 34 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: <http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf>. Aceso em: 19 de ago.2010 35 Ibidem. 17 artigo (1605) foi revogado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, §6º proíbe qualquer diferença entre filhos adotivos e biológicos.36 Nota-se que a adoção tinha uma finalidade de resolver os problemas daqueles que não podiam ter filhos, ou seja, dar filhos aos que não os tiveram de maneira natural. Contudo, na atualidade, o instituto da adoção volta-se para o interesse da criança e adolescente, onde suas necessidades devem ser respeitadas. Em 2 de junho de 1965, foi promulgada a Lei n.4.655, que instituiu nova feição à adoção, onde os adotados tinham uma integração maior com a família. As regras da legitimação só eram aplicadas para crianças, a não ser que já estivessem na companhia dos adotantes, pois se baseava na ideia de que não houvesse nenhuma relação com a família biológica, pois buscava-se uma aproximação mais eficiente da criança com a família adotiva. A adoção era irrevogável, e uma nova certidão equiparados de nascimento era emitida e os filhos adotivos eram aos naturais que o casal viesse a conceber, salvo o direito sucessório.37 No século XX, a justiça uniu a assistência à infância e a consequência dessa associação foi o desenvolvimento da criação de uma legislação especial para a infância, denominado Código de Menores de 1979, que trouxe grandes avanços no instituto da adoção, que tinha como finalidade da adoção a proteção integral do menor, onde o artigo 50 determinava que “Na aplicação desta lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado”. Previa, também, duas formas de adoção: a simples e a plena. Revogou o Código de Menores de 1926 (Decreto nº 5.083/26) bem como a Consolidação das Leis da Assistência e Proteção a Menores (Decreto nº17943-A/27), a Lei nº 4.655/65 e as outras legislações vigentes à época no que diz respeito à adoção.38 Com o advento do Código de Menores em 10 de outubro de 1979 (Lei nº 6.697/79), a adoção ficou dividida em dois tipos, a simples e a plena. A simples direcionava-se aos menores de dezoito anos, em situação irregular, realizada por 36 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 20 de set.2010. 37 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 38 BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.> 18 meio de escritura pública, utilizando o Código Civil no que fosse pertinente. A plena aplicava-se aos menores de sete anos, mediante procedimento judicial. Esse tipo de adoção atribuía ao adotando situação de filho, quebrando qualquer tipo de relação com a família biológica e seu registro civil original era cancelado.39 Deveria haver o estágio de convivência de no mínimo um ano, salvo se o adotado fosse recémnascido.40 O Código de Menores não aceitava a adoção por estrangeiros, solteiros, viúvos e separados. Nos casos de viúvos e separados, se o estágio de convivência de três anos antes da morte ou separação tivesse sido iniciado, a adoção seria permitida. Os vínculos do adotado com a família natural eram extintos, salvo os impedimentos matrimoniais.41 A adoção simples, de acordo com o Código de Menores, assemelhava-se à adoção prevista no Código Civil, salvo algumas diferenças, como o uso dos apelidos da família substituta, havia a possibilidade de mudança do prenome, igualdade na sucessão hereditária e destituição do pátrio poder.42 Foi no Código de Menores, que pela primeira vez, houve a preocupação em proteger as crianças e os adolescentes antes da proteção dos adotantes, ou seja, a preocupação direcionou-se para os adotados, suas necessidades mostravam-se acima das necessidades dos adotantes. Observa-se no artigo 5º do Código de Menores: “Na aplicação desta Lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado”.43 O instituto da adoção sofreu alterações em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 que entrou em vigor com a principal função de proteger e sobrepor os interesses da criança e do adolescente, tendo em vista, sempre o bem-estar destes e com o objetivo de proporcionar menos empecilhos à adoção, como exemplo, a redução da idade máxima do adotando de sete para dezoito anos de idade, salvo se antes de 39 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.200. 40 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: <http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf>. Aceso em: 19 de ago.2010 41 Ibidem. 42 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. 43 CÓDIGO DE MENORES. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/19701979/L6697.htm.> Acesso em 19 de ago de 2010. 19 completar tal idade o adotando já estivesse em companhia dos adotantes, a idade mínima dos adotantes diminuiu de trinta para vinte e um anos, sendo mantida a diferença entre adotante e adotado em pelo menos dezesseis anos.44 A Lei nº 12.010/09, promulgada em 03 de agosto de 2009, alterou o disposto no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e diminuiu a idade mínima de vinte e um para dezoito anos para quem queira adotar, independente do estado civil.45 Com todo o exposto, pode-se observar diversas modificações sofridas no instituto da adoção no decorrer dos anos. Em um primeiro momento com o Código Civil de 1916, a finalidade da adoção era dar filhos aos casais que não podiam, por vários motivos, ter filhos. Em um segundo momento, percebeu-se a adoção para proteger a criança e o adolescente, com a promulgação da Lei nº 3.133/57, 4.655/65, 6.697/79. E por fim, até os dias atuais, a promulgação da Constituição Federal de 1988, que em seu §6º do artigo 227, extinguiu por vez a diferença entre filhos naturais e adotivos. Com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a adoção deixa de privilegiar somente o adotante para proteger a criança e o adolescente.46 1.5 A Importância da Família A família, entre os romanos, teve uma função religiosa e, com o passar dos anos, uma função política, procriativa e por fim, uma função afetiva. Cícero já definia como “seminarium reipublicae” expressão que tem como significado a semente da república.47 44 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: <http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf.> Acesso em: 20 set. 2010. 45 LEI Nº 12.010/09. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03_Ato20072010/2009/Lei/L12010.htm.> Acesso em 20 set. 2010. 46 ALVIM, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: http://franca.unesp.br/A%20Evolução%20historica%20do%20instituto.pdf. 47 SZNICK, Valdir. Adoção. 3.ed. Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.205 20 A família é o principal agente socializador da pessoa. A ausência de afeto e de amor da família marcará para sempre seu futuro.48 O direito à convivência familiar sadia deve ser entendido como a garantia à coletividade de crianças institucionalizadas de ter proteção materno-familiar, necessárias a sua formação e desenvolvimento, desde o nascimento até a idade adulta.49 A importância da família está inserida na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de outubro de 1948, onde diz no artigo 16, que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade, e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Na Constituição de 1988, no artigo 226, também preceitua esse conceito onde dispõe que a família é a base da sociedade e que terá proteção do Estado.50 Um dos direitos assegurados na Constituição é a convivência familiar para que a criança e o adolescente possuam vínculos de afeto necessários para o desenvolvimento da pessoa humana, físico, mental e social.51 O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que toda criança ou adolescente tenha direito de ser criado no seio familiar e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária.52 Segundo Tavares: “A instituição da família substituta é uma das mais belas passagens da marcha evolutiva do Direito da Infância de da Juventude, [...] que salva frágeis criaturas das agruras do desprezo e da solidão aniquiladora”.53 48 LIBERATI, Wilson Donizei, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 11 ed. revista e ampliada, de acordo com a Lei nº12. 010/09, São Paulo, Malheiros, 2010.p.25. 49 COSTA, Tarcisio Jose Martins. Adoção Transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey,1998.p.34. 50 SZNICK, Valdir. Adoção. 3 ed.Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.207. 51 CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e Guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010.p.10. 52 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.set.2010. 53 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.139. 21 O 6º princípio da Declaração Universal dos Direitos da Criança preceitua que:54 Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais, e em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. A função de extrema importância que a família representa no processo de adaptação das crianças para a vida em sociedade, a participação na educação e no desenvolvimento da criança e do adolescente cria uma base mais sólida e segura para que eles possam enfrentar as dificuldades da vida. A falta de uma família provoca inúmeras consequências na formação desses menores.55 Em uma entrevista feita com crianças que não possuem vínculo familiar há mais de um ano, observou-se que ausência da convivência familiar provoca prejuízos para a formação de sua identidade e desenvolvimento, tais como: dificuldade de planejar e refletir sobre o seu futuro; pessimismo quando se trata de relacionamentos afetivos; visão negativa em relação aos pais biológicos. Afirmam ainda, que preferem morar em orfanatos ao invés da família biológica, e demonstram uma enorme vontade de serem adotadas, e consequentemente, em morar com uma família substituta.56 Em uma palestra realizada na cidade de Warm Springs, Califórnia, EUA, Costa destacou que: A experiência ensina que crianças institucionalizadas são crianças tristes, deprimidas, angustiadas, de futuro incerto, sempre à procura de migalhas de amor e ternura. É induvidoso que a criança, desde os primeiros anos de sua vida precisa do contato físico e do carinho de uma mãe biológica ou 57 substituta, fator decisivo para sua saúde física e mental. Sznick assinala que: “[...] A família é o núcleo inicial e base de toda a sociedade, é a viga mestra na formação do ser humano, não só no seu nascimento, 54 Declaração Universal dos Direitos da Criança apud LIBERATI, Wilson Donizei, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 11 ed. revista e ampliada, de acordo com a Lei nº12. 010/09, São Paulo, Malheiros, 2010.p.25 55 Disponível em:<http://www.metodista.br/cidadania/numero-58/a-importancia-da-familia-para-aformacao-de-cidadaos-conscientes/.> 56 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyi. Da institucionalização à adoção: um caminho possível?. Revista Igualdade. 57 COSTA, Tarcisio Jose Martins. Adoção Transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.p.36. 22 mas, em especial, na sua educação, permitindo que, adulto, venha a integrar plenamente a sociedade”58 Veronese ressalta: Tivéssemos um país no qual todos vivessem bem os seus papéis: famílias responsáveis, amorosas, saudáveis e estruturadas; uma sociedade cuja existência não fosse meramente abstrata, mas identificadora de um conjunto de pessoas engajadas, co-responsáveis, solidárias, e um Estado que não tivesse sido espoliado desde o seu processo de colonização – sempre servil às metrópoles mundiais - certamente teríamos condições de resolver aos poucos, quem sabe raros, casos de crianças em situação de abandono, e muito menos ainda precisaríamos nos valer da adoção internacional, apesar de muitos “senões” que apresenta e devem continuamente ser apresentados, coloca-se como um mecanismo cuja 59 utilidade não podemos levianamente desconsiderar ou mesmo descartar. A Constituição Federal assegura como direito fundamental, uma família para crianças e ao adolescente, e mesmo que não exista a família biológica, abre a oportunidade de que uma família de outro país adote uma criança ou adolescente para que o direito tutelado seja alcançado.60 Com todo o exposto, fica claro que a família é o centro natural da afeição, do cuidado, do conforto e da segurança que a criança necessita para que possa crescer e se desenvolver de forma integral, e formar um vínculo familiar estável e necessário para seu pleno desenvolvimento.61 A defesa de Costa em relação à adoção “Tanto a adoção nacional, quanto à estrangeira, cumprem no papel de família substituta todas as funções que desempenha a família biológica, com exceção da gestação”.62 1.6 A Importância da Adoção A palavra adoção deriva do latim adoptio e quer dizer “Por um nome em ou dar seu próprio nome”, ou seja, também pode significar acolher alguém. Contudo, esse acolhimento não deve, em hipótese alguma, ser realizado observando somente 58 SZNICK, Valdir. Adoção. 3.ed. Revista Atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.211. VERONESE, Josiane Rose Petry, Adoção internacional: um assunto complexo, in CD-ROM Acervo Operacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2003 (disponível em: www.ccl.ufsc.br/~9612212/crianca/adocao.txt, acesso em 25.09.2003) apud LIBERATI, Wilson Donizeti, Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17. 60 LIBERATI, Wilson Donizeti, Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17. 61 COSTA, Tarcisio Jose Martins. Adoção Internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais. Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tarcisio/AdocaoInter.pdf Acesso em 20 de ago.2010, p.37. 62 Ibidem, p.38. 59 23 os interesses de quem quer adotar, mas, sobretudo o interesse, as necessidades das crianças, que por algum motivo foram privadas da convivência segura com a família biológica.63 Freire assinala que: A adoção é a resposta encontrada para aquelas crianças que não tiveram a oportunidade de ter uma família natural; é a solução para que elas possam suprir a falta de um ambiente familiar necessário ao seu desenvolvimento. A adoção não consiste em um fator eminentemente jurídico, vai além, é “um instrumento de profundas modificações éticas e sociais”. Assim, de todas as possibilidades de colocar a criança em uma família substituta, esse intuito é o único que “cumpre com todas as funções que caracterizam uma família”. Além disso, dá lugar à internalização da auto-estima, sentimento necessário para que possa firmar uma personalidade sadia e construtiva, permitindo que cresça e torne-se um adulto com responsabilidades diante da 64 sociedade e da sua família. A fundamentação correta para o ato de adotar é colocar o interesse e o bem estar do adotado como finalidade principal, uma vez que a adoção foi apontada como um ato de amor, para que o instituto obtenha bons resultados, é necessário que seja embasado no amor e também na busca do bem estar do adotado.65 Os indivíduos envolvidos no processo de adoção devem estar preparados para não encarar a adoção como um substituto no processo biológico de gestação, concepção. É necessário ter em mente, que a adoção é uma possibilidade de se proteger integralmente a criança, e que é muito mais que um ato assistencial humanitário.66 Nesse processo, o que se busca é adequar para a criança um ambiente familiar seguro e favorável para o seu desenvolvimento tanto físico quanto psicológico.67 Da mesma maneira que os pais biológicos devem construir uma relação de filiação com seus filhos, os adotantes devem, da mesma forma, construir uma relação de filiação com os filhos adotados, pois filiar significa amar, desejar e conhecer um filho como próprio, aceitá-lo e criá-lo independente de sua origem biológica.68 63 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 17 FREIRE, Fernando apud LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.20. 65 BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.> Acesso em: 12 de ago. 2010. 66 Ibidem. 67 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. 68 BELTRAME, Martha Silva. Op.cit. 64 24 Beltrame considera que “Não se deve falar em pais verdadeiros e pais falsos, pois verdadeiros são os pais que sabem que uma família serve para gerar amor, promover a esperança, conter a tristeza e pensar”.69 A autora supracitada observa ainda que “todos somos adotados (ou não) pelo desejo de nossos pais”.70 Logo, percebe-se que atualmente, o que prevalece no instituto da adoção é o melhor interesse da criança e do adolescente, e que não só o ordenamento jurídico, mas também toda sociedade deve respeitar tal princípio que se tornou base para todo o conceito de adoção. 1.7 Justificativa A questão da adoção internacional ainda é pouco tratada no Brasil, a ausência de doutrinadores dispostos a discutir o tema é sentida com falta de obras específicas sobre o assunto. Por esses aspectos, que será necessário um estudo mais aprofundado sobre o assunto em tela a partir de uma retrospectiva histórica, abordando a evolução do instituto da adoção, dos direitos humanos fundamentais e do melhor interesse da criança e do adolescente. É de se notar a importância que se deve dar à adoção, visto o crescente número de crianças abandonadas e o dever do Estado e da sociedade em proporcionar um ambiente familiar adequado para as crianças e adolescentes abandonados, priorizando sempre, a permanência na família natural, porém, se não houver possibilidade, aí sim, encaminhá-las para famílias substitutas que deverão cumprir um importante papel no desenvolvimento desses menores. O Estado percebeu a necessidade de proteger melhor essas crianças, criouse a noção de que não são meros objetos e sim pessoas com personalidade, que merecem respeito e, que por não serem totalmente capazes, por estarem ainda em fase de desenvolvimento, devem ter uma atenção especial, e isto inclui direitos especiais e específicos, proteção integral e um ambiente familiar adequado. O estudo desse tema iniciar-se-á com um breve esclarecimento sobre a evolução histórica do processo de adoção, quando começou, as mudanças sofridas 69 BELTRAME, Martha Silva. Os caminhos trilhados pelos sujeitos da adoção: o perfil, os problemas enfrentados e sua motivação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id219.htm.> Acesso em: 12 de ago. 2010. 70 BELTRAME, Martha Silva. Op.cit. 25 com a ratificação da Convenção de Haia, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor somente em 1990 e um paralelo com o Código Civil de 2002. Pretende-se com esse estudo, um esclarecimento maior relacionado ao modo com que os menores estão sendo tratados pelo Estado e pela sociedade, mostrar a devida importância que se deve dar ao futuro dessas crianças, que não possuem o privilégio de permanecer com suas famílias naturais, a possibilidade de serem adotadas por estrangeiros e o dever do Estado em proteger integralmente essa criança, visando sempre o melhor interesse dela, pois representa um bem maior para toda a sociedade. Hoje, com o mundo muito mais globalizado, faz com que a adoção internacional se torne um fato cada vez mais comum em nosso país, pois existem milhares de crianças sem família e muitos “pais” nacionais e inclusive estrangeiros interessados em proporcionar um lar a essas crianças. 1.8 Requisitos para Adoção 1.8.1 Requisitos subjetivos para adoção Segundo Rossato, os requisitos subjetivos para adoção são: a) Idoneidade do adotando; b) Motivos legítimos/desejos de filiação; c) Reais vantagens para o adotando.71 A adoção, como medida excepcional, é precedida de preparação gradativa, acompanhada por equipe especializada a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, e acompanhamento posterior (art. 28, § 5º, do ECA), depois de esgotadas as possibilidades de reintegração da criança e do adolescente na família natural ou extensa.72 Os menores em situação de risco devem ter prioridade na inclusão em programas de acolhimento familiar. É necessário que o acolhimento de crianças ou adolescentes seja feito preferencialmente para pessoa ou casal cadastrado e habilitado à adoção.73 71 ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.p.193. 72 CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 18. 73 CARVALHO, Dimas Messias de, Op. cit, p.18. 26 A adoção deve apresentar reais benefícios para o adotando, pois com a verificação dessas vantagens, pose-se aplicar o princípio do melhor interesse. A criança precisa de uma família que a ame, independentemente da situação financeira, não que ela não deva ser avaliada pelo juiz, mas que a questão patrimonial não esteja em plano principal.74 O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, proferido em ação rescisória, traz um exemplo de prevalência do princípio do melhor interesse da criança: AÇÃO RESCISÓRIA. ADOÇÃO. VÍCIOS NO PROCEDIMENTO. GUARDA, SUSTENTO E RESPONSABILIDADE COM ADOTANTE CONSOLIDADA PELO DECURSO DO TEMPO. AFEIÇÃO COMPROVADA. CONVALIDAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NA SEDE RESCIDÓRIA. USO RACIONAL, INSTRUMENTAL E EFETIVO DO DIREITO. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. MAIORIA. 1. Ação de adoção tem natureza especialíssima, pois envolve direito fundamental relacionado às crianças e adolescentes em situação irregular para que possam ter um lar e uma convivência familiar dignos. 2. A adoção é um ato de solidariedade, é uma construção necessária da cultura a respeito do destino dos que nela nascem. 3. O interesse da criança deve sempre prevalecer sobre qualquer outro, quando seu destino estiver em discussão, já que a adoção deve ser deferida quando apresentar reais vantagens ao adotando (art. 43 do ECA) e sua finalidade mais importante é a ampla proteção à criança e ao adolescente. 4. Embora reconhecidamente viciado se encontra o feito primário de adoção, toda matéria atinente à controvérsia em revisão resta debatida nos autos. 5. A guarda, o sustento e a responsabilidade da menor cuja maternidade se disputa, estão consolidados como a adotante legal, pois já perdura o convívio por mais de sete anos. 6. Declaração de amor feita pela criança adotada à mãe legal em juízo e na presença do Ministério Público, quando da instrução da rescisória. 7. Comprovado afeto e plena responsabilidade da mãe adotante na criação e educação satisfatória da criança adotada. 8. Desapego da forma para que o interesse fundamental maior da criança seja tutelado, pois o uso racional do Direito reclama a prevalência do seio afetivo sobre o seio formal. 9. Homenagem, ainda, aos princípios da instrumentalidade e da efetividade plena da prestação jurisdicional. 10. Ação rescisória que se julga improcedente, convalida a adoção questionada. 11. Decisão por maioria (TJPE – Ação rescisória nº 42884-6 – 2ª Câmara Cível – Rel. desg. Des. 75 Ricardo de Oliveira Paes Barreto – j. em 20.05.2003). 1.8.2 Requisitos objetivos para adoção Também, de acordo com Rossato, os requisitos objetivos para adoção são: a) Requisitos de idade; b) Consentimento dos pais e do adolescente; c) Precedência de estágio de convivência; 74 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p. 240-241. 75 MACIEL, Kátia. Op. cit. p.239-240. 27 d) Prévio cadastramento.76 Em relação ao primeiro requisito, no que diz respeito à idade, o Estatuto autoriza a adoção para os maiores de dezoito anos, sendo que a diferença de idade entre adotante e adotado seja de dezesseis anos, no entanto, se for o caso de adoção bilateral, esse requisito pode ser preenchido por apenas um dos adotantes. 77 Para a realização da adoção, deve haver, de acordo com o Estatuto, o consentimento dos pais biológicos ou dos representantes legais, não sendo exigido, portanto, nos casos em que já estiverem destituídos do poder familiar ou os pais forem desconhecidos. No caso de adotando maior de doze anos, é necessária a concordância deste.78 De acordo com Carvalho: Evidentemente que ninguém é melhor que pais conscientes para escolherem aqueles que consideram ideal para tornarem-se os pais afetivos de seus filhos biológicos, pois o consentimento para adoção, na maioria das vezes, é um ato de amor extremo, buscando o melhor para os filhos que 79 não podem cuidar. O estágio de convivência é de suma importância porque tem como objetivo observar se houve adaptação entre adotante e adotando. Deve ser feito estudo psicossocial acompanhado por uma equipe interprofissional, para verificar os requisitos subjetivos para a adoção.80 É o que reza o artigo 46, §4º do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. §4º. O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente como apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão 81 relatório minucioso acerca da convivência do deferimento da medida. 76 ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado/Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.p.194. 77 ROSSATO, Luciano Alves. Op. cit. p.194. 78 ROSSATO, Luciano Alves. Op. cit. p.194-195. 79 CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 23. 80 ROSSATO, Luciano Alves. Op.cit. p. 195. 81 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.de set.de 2010. 28 O art. 50 do Estatuto dispõe que: “A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou em foro regional, um registro de crianças e de adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.”82 Para a adoção ser deferida não é suficiente apenas que as pessoas interessadas estejam cadastradas, mas devem preencher outros requisitos exigidos no processo judicial de adoção, sendo que a ordem de inscrição deve ser observada.83 82 LIBERATI, Wilson Donizei, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 11 ed. revista e ampliada, de acordo com a Lei nº 12.010/09, São Paulo, Malheiros, 2010.p.58. 83 CARVALHO, Dimas Messias de, Adoção e guarda, Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.30. 29 2. PRINCÍPIOS 2.1 Princípio da Proteção Integral O antigo Código de Menores (Lei nº 6.697/79) tinha como parâmetro a antiga e ultrapassada doutrina da situação irregular84 que abrangia menores desprovidos de condições básicas à sua subsistência, saúde e educação, por motivos como ausência, ação ou omissão dos pais ou responsáveis; maus-tratos, os que permaneciam em ambientes contrários aos bons costumes; autores de infrações penais e menores com “desvio de conduta”85 A situação irregular era uma doutrina que abrangia limitadamente o público infanto-juvenil.86 A doutrina da situação irregular foi substituída pela da proteção integral e a partir da revogação dessa Lei e com o advento do ECA, onde a criança e do adolescente foram reconhecidos como sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente destina-se a qualquer criança e adolescente em situação regular ou situação de risco, garantindo a eles, direitos especiais à sua condição de pessoa em desenvolvimento.87 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, diz respeito à doutrina da proteção integral e integra-se com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.88 Foi na Declaração Universal dos Direitos da Criança, que houve o reconhecimento inicial de crianças como sujeito de direitos. Esse documento estabeleceu alguns princípios como, educação gratuita e obrigatória, proteção especial para seu desenvolvimento, prioridade em prestação de socorro, proteção contra negligência, crueldade e exploração, proteção contra discriminação.89 A doutrina da proteção integral, entendida como um meta princípio orientador, é amparada nos dispositivos constitucionais que protegem a infância e a juventude e 84 DUPRET, Cristiane, Curso de Direito da Criança e do Adolescente, Belo Horizonte: Ius, 2010, p.25. MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.13. 86 MACIEL, Kátia.Op.cit. p.13. 87 DUPRET, Cristiane. Op. cit. p.25. 88 MACIEL, Kátia.Op.cit. p.11 89 MACIEL, Kátia.Op.cit. p.11 85 30 se completa nas normas do ECA juntamente com os preceitos internacionais de proteção dos direitos humanos e também prescrições administrativas (por exemplo, as resoluções do Conanda), um grande sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente.90 ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE PARA RECORRER. Adoção. Menor impúbere. Recurso. Defensoria Pública. Legitimação. Lei Complementar 80/94. ECA. Doutrina da proteção integral. Segundo a LC 80/94, art. 4, VII, é função institucional da Defensoria Pública “exerce a defesa da criança e do adolescente”. Logo, sua legitimação recursal se mostra evidente, pois a interpretação ampliativa do rol dos legitimados ao ajuizamento da medidas de proteção à criança e a que melhor se afina com a teoria da proteção integral. Se a adoção consulta aos interesses do menor, que se sobrepõem a qualquer outro interesse juridicamente tutelado, pode e deve ser deferida. Recurso desprovido. (TJRJ – Apelação Cível nº 2003.001.34302 – Décima Terceira Câmara Cível – Rel. Des. Nametala Machado Jorge – j. 18/12/04) 2.2 Princípio da prioridade absoluta A Constituição Federal de 1988 foi a primeira na legislação brasileira a inserir um artigo que aborde a prioridade absoluta. O artigo 227 da Carta Magna determina ser obrigação não só da família, mas como do Estado e também da sociedade, garantir à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à conveniência familiar e comunitária.91 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 92 exploração, violência, crueldade e opressão. Nesse sentido, Pereira afirma: Se a criança e o adolescente são, por determinação da Constituição de 88, “prioridade absoluta”, caberá à sociedade e à família implantar esta primazia 90 ROSSATO, Luciano Alves, LÉPORE, Paulo Eduardo, CUNHA, Rogério Sanches, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Lei 8.069/90, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.80. 91 MARCHESAN, Ana Maria. O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e a discricionariedade administrativa. Disponível em: www .Acesso em 17 de ago.2010. 92 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 20 de set.2010. 31 através de medidas sócio-políticas imediatas e concretas, sobrepondo-a a 93 interesse supérfluo e secundário em nosso atual contexto nacional. O mesmo princípio foi recepcionado no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim diz: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à 94 convivência familiar e comunitária. Nas palavras de Liberati, entende-se por prioridade absoluta: “Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes.”95 A prioridade absoluta presente tanto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente como no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 corresponde ao interesse superior da criança e foi posto primeiramente em evidência na Convenção de Nova York de 1989.96 Essas previsões legais, determinam prioridade em favor das crianças e dos adolescentes em seus interesses. Em qualquer área, judicial, extrajudicial, administrativo, familiar ou social, deve-se priorizar o interesse infanto-juvenil.97 O princípio da proteção integral tem como finalidade facilitar a efetivação dos direitos fundamentais do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 além de levar em consideração a condição de pessoa em desenvolvimento, pois por serem mais frágeis, correm mais riscos que os adultos. Um dos principais aspectos do Estatuto é o reconhecimento de que o Estado, por si só, não é capaz de resolver o problema das crianças abandonadas inserindo como dever, a colaboração tanto da família como da sociedade e com isso, aponta 93 PEREIRA, Tânia da Silva apud DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. 2. Ed. Revista atualizada e ampliada. Belo Horizonte, 2002. p.137. 94 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.set.2010. 95 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p.34 96 CHAVES, Antônio. Comentário ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTR, 1997. p.56. 97 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.20. 32 que os problema referentes à infância devem ser tratados por todos como prioridade absoluta.98 A prioridade deve ser observada por todos: família, comunidade, poder público e sociedade.99 DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo em vista a violação do direito à saúde de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daquele Estado. 2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. (...) 4. Revela notar que em uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vâs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimplilo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hessem, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra de normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 5. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura de ação civil pública. 6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da esfera da Federação da República, não pode relegar o direito à 98 CHAVES, Antônio. Comentário ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTR, 1997. p.56. 99 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.20. 33 saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabiliade do direito consagrado no preceito educacional. 9. (...) 10. (...) 11. (...) 12. O direito no menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através de sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público, prosseguir no processo até o julgamento do mérito. (STJ – RESP 577836/SC – Rel. Min. Luiz Fux – j. 21/10/04) 2.3 Princípio do Melhor Interesse A origem do princípio do melhor interesse da criança é encontrada no instituto inglês do parens patriae, que foi utilizado como prerrogativa do rei para proteger aos que não poderiam fazê-lo por conta própria. No que tange a versão inglesa do princípio, vale ressaltar o caráter qualitativo do interesse da criança – The Best Interest – “o melhor interesse”.100 Devido a sua grande importância, a comunidade internacional incorporou o best interest na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959.101 O BRASIL, AO RATIFICAR A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, ATRAVÉS DO DECRETO 99.710/90, IMPÔS, ENTRE NÓS, O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA, RESPALDADA POR PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. O que faz com que se respeite no caso concreto a guarda de uma criança de 03 anos de idade, que desde o nascimento sempre esteve na companhia do pai e da avó paterna. Não é conveniente, enquanto não definida a guarda na ação principal que haja o deslocamento da criança para a companhia da mãe que, inclusive, é portadora do transtorno bi-polar. Agravo provido. (TJRS – Agravo de Instrumento nº 70000640888 – Rel. Antônio Carlos Stangler Pereira -j.06/04/00) 100 CHAVES, Antônio. Comentário ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTR, 1997. p.56. 101 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.27. 34 A versão brasileira, como se percebe na Declaração Universal dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/90, em seu artigo 3º, §1º, teve um foco quantitativo e não qualitativo.102 Contudo, o Brasil adotou de forma definitiva em seu sistema jurídico, pelo princípio do melhor interesse da criança, preceito que tem servido de norte para diversas modificações nas legislações internas referentes aos direitos da criança e do adolescente.103 Um marco importante na utilização do princípio do melhor interesse da criança foi em 1813, nos Estados Unidos, no julgamento de um caso conhecido como Commonwealth v. Addicks da Corte da Pensilvânia. Neste caso, havia uma disputa pela guarda de uma criança onde a mãe tinha cometido adultério, e mesmo assim, a Corte norte-americana optou pela guarda materna, pois concluíram que seria melhor para a criança que continuasse sob os cuidados da mãe, independente do adultério cometido.104 O princípio do melhor interesse da criança está inserido tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90, artigos 5º e 6º, quanto na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, §2º. Declara o artigo 5º da Lei nº 8.069/90: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos na forma da seus direitos fundamentais”.105 Segundo Maciel: “O princípio do melhor interesse é, pois, o norte que orienta todos aqueles que se defrontam com as exigências naturais da infância e juventude. Materializá-lo é dever de todos.”106 102 BRASIL. Decreto-Lei nº 99.710/90. Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança. Disponível em: <http:www2.camara.gov.br/legislação/legin.html/textos/vizualizarTexto.html?ideNorma=342735&se qTexto=1&PalavrasDestaque=>. Acesso em 14 de ago. 2010. 103 PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do melhor interesse da criança: da teoria à prática. Disponível em: <http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pf>. Acesso em 20 de ago. de 2010. 104 PEREIRA, Tânia da Silva. Op. cit. 105 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm.> Acesso em: 2.set.2010. 106 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.28. 35 2.4 Princípio da co-responsabilidade O princípio da co-responsabilidade vem expresso de forma clara no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao definir que: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à 107 convivência familiar e comunitária. Trata-se de uma cláusula geral de responsabilidade, que estabelece a participação da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado, visando maior vulnerabilidade da criança e do adolescente diante do todas as formas de violência, e da necessidade de garantir seus direitos. Mesmo o Estado tendo a responsabilidade, é também dever da família e da sociedade, cuidar para que as crianças e os adolescentes tenham todos os meios possíveis para se desenvolver de forma saudável, e por isso, não podem e não devem ficar passivas, apenas esperando atitudes, projetos e programas de incentivo do governo.108 2.5 Princípio da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento É expresso na Carta Magna de 1988, em que os direitos das crianças e adolescentes devem ser universalmente reconhecidos, sendo esses, especiais e específicos, pois as crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, sem capacidade absoluta para responder por seus atos.109 A interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como define o artigo 6º, deve levar em conta a condição peculiar da criança e do adolescente. Tal princípio é reconhecido no artigo 227, da Constituição Federal, assim como no artigo 4º também do Estatuto. Falar desse princípio significa dizer que tanto a criança 107 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm.> Acesso em: 2.set.2010. 108 CURY, Munir. Estatuto da Criança e do adolescente comentado. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 12. 109 CURY, Munir. Op. cit. p.13. 36 quanto o adolescente por ainda estarem em fase de desenvolvimento de personalidade merecem atenção especial.110 Por ainda estarem em desenvolvimento não somente físico, como também, mental, deve-se reconhecer que a criança e o adolescente não conhecem de plena forma seus direitos, e muito menos possuem condições de defendê-los.111 Reconhecer que as crianças e os adolescentes são pessoas diferentes dos adultos, e que cabe a estes, a maior responsabilidade pelo crescimento e desenvolvimento desses pequenos até a vida adulta, para assim se tornarem pessoas livres e dignas, é necessário fazer com que a infância e a juventude sejam preservadas.112 Por tudo isso é necessário admitir que as crianças sejam detentoras não só de todos os direitos que os adultos possuem, mas também de direitos especiais, que são frutos, principalmente, de sua condição peculiar de pessoa em 113 desenvolvimento. 2.6 Princípio da dignidade da pessoa humana O valor do homem tem raízes no pensamento clássico, e no ideário cristão. O cristianismo relatava que o homem foi criado a partir da imagem e semelhança de Deus, que tinha um valor próprio, assim, não podendo ser transformado em objeto ou instrumento. Já o pensamento clássico-filosófico, a dignidade humana era medida pela posição social que ocupava, ou seja, havia o conceito de pessoas mais ou menos dignas.114 Note-se que o princípio da dignidade vem sendo construído a um longo período, e começou a ser elaborado com o decorrer da história e chega ao século XXI com uma qualidade intrínseca do ser humano.115 É, portanto, inalienável da 110 ILANUD. Comentário de. Artigo 6/ livro 1: tema criança e adolescente. Disponível em: <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoI d/9c1c82fb-c19c-4819-bfec27732bdf3a93/Default.aspx.>Acesso em 12 de set. 2010. 111 Ibidem. 112 CURY, Munir. Estatuto da Criança e do adolescente comentado. São Paulo: Malheiros, 2002, p.13. 113 ILANUD. Op. cit. 114 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. Ed. Revista atualizada e ampliada, Porto Alegre, 2004, p. 29-30. 115 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p.46. 37 própria condição de ser humano e irrenunciável. Assim como não pode ser vendida, criada, retirada ou concedida, visto que esta é inerente ao ser humano.116 Somente depois da segunda guerra mundial, a dignidade da pessoa humana, após ser consagrada na Declaração Universal da ONU de 1948, é que passou a ser expressamente reconhecida pelas Constituições.117 O princípio da dignidade do homem é o principal direito garantido pela Constituição Federal de 1988, sendo este, que suporta todos os outros direitos e garantias conferidos às pessoas na Carta Magna. O princípio mencionado aparece no artigo 1º da Constituição, como fundamento da República Brasileira.118 Conforme observa: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 119 V – o pluralismo político. [grifou-se] Neste sentido assevera Piovesan: A dignidade da pessoa humana, [...] está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a 120 todo o sistema jurídico brasileiro. Maciel sobre o princípio salienta que; É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e o seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da 116 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. Ed. Revista atualizada e ampliada, Porto Alegre, 2004, p.31. 117 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p.32. 118 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45-46. 119 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 02 de set.2010. 120 PIOVESAN, Flávia apud MACIEL, Álvaro dos Santos. A dignidade da pessoa humana como fonte garantidora do progresso social. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1925. Acesso em 23 de ago. 2010. 38 pessoa humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito 121 Internacional e o Interno. Entretanto, o princípio ora mencionado não se faz presente apenas no artigo 1º da Constituição de 1988, mas também em vários outros capítulos da Carta Magna, assim como nos artigos 170, caput, ao afirmar que a atividade econômica tem como objetivo garantir uma existência digna de todos, e na esfera social, no artigo 226, §6º, quando fundou o planejamento familiar e a paternidade responsável nos princípios da dignidade da pessoa humana, assim como no artigo 227, caput ao assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade.122 O princípio da dignidade da pessoa humana confere a todos os outros princípios e normas constitucionais, assim como os infraconstitucionais uma base, um norte e por isso não pode em hipótese alguma ser desconsiderado em qualquer ato de interpretação, criação e aplicação das normas jurídicas. 123 Os direitos fundamentais das crianças e adolescentes que estão inseridos dispersamente na Carta Magna, assim como as convenções ratificadas pelo Estado brasileiro, representam um limite mínimo a ser respeitado.124 2.7 Direito fundamental à convivência familiar O primeiro agente que socializa o ser humano é a família. A ausência de amor e afeto da família marcará para sempre seu futuro.125 A Constituição Federal de 1988 assumiu um novo paradigma ao identificar a convivência familiar como um direito fundamental da criança e do adolescente, com isso a família passou a assumir um papel importante para a realização dos direitos fundamentais infanto-juvenis.126 Foi a Carta Magna, a primeira a tratar de forma séria e responsável sobre a permanência da criança e do adolescente no seio 121 MACIEL, Álvaro dos Santos. A dignidade da pessoa humana como fonte garantidora do progresso social. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1925. Acesso em 23 de ago. 2010. 122 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 62. 123 Ibiem, p. 65. 124 PEREIRA, Tânia da Silva apud DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. 2 ed. revista atualizada e ampliada. Belo Horizonte, 2002. p. 140. 125 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 11 ed. revista e ampliada, de acordo com a Lei nº 12.010/09. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 25. 126 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Anais do IV Congresso brasileiro de direito de famílias possíveis: novos paradigmas na convivência familiar. Belo Horizonte, 2004, p. 633. 39 familiar, assim como a importância que a família representa para o desenvolvimento daqueles.127 A família é reconhecida pela legislação vigente, como um lugar essencial para o desenvolvimento da criança e do adolescente, sendo fundamental para sua humanização e também socialização.128 O direito da criança de ter uma família está garantido em diversos dispositivos legais, são eles os artigos 203, I, 226, § 6º, 227 e 229, da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 3º, 4º, 5º e 19 a 52.129 O artigo 226, da Constituição Federal, deixa claro que a família é a base da sociedade e que merece especial proteção do Estado, e este sendo obrigado a prestar-lhe total assistência. A preocupação em promover a proteção da família, está presente também nos artigos 227, da Constituição Federal, assim como no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegura à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Integram, criando mecanismos 130 para coibir a violência no âmbito de suas relações. Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de 131 pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Percebe-se que a principal função da família em relação à criança e ao adolescente é reforçada pela Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 19, que é tratado como elemento imprescindível para o processo da proteção integral.132 127 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 56. ENAPA 2008. Adoção novos rumos e ritmos. In: XIII Encontro nacional de apoio à adoção – Cidade de Recife, 29 a 31 de maio, 2008, Brasil. Anais Eletrônicos... Brasil, 2008. Disponivel em CD ROOM. 129 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. Cit. p. 58 130 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 02 de set.2010. 131 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 2.set.2010. 132 ENAPA 2008. Op. cit. 128 40 Em função deste dispositivo, fica evidente a enorme preocupação em manter a criança em uma família, mesmo que esta seja substituta, quando os recursos para manutenção na família de origem configurem-se esgotados.133 Contudo, na esfera internacional, a preocupação referente à importância da família para as crianças é antiga, assim como fica constatado na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, em seu texto princípio que contempla.134 6º Princípio – A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve crescer, sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de afeto e de segurança moral e material para desenvolver a sua personalidade. A sociedade e as autoridades públicas devem propiciar cuidados especiais às crianças sem família e àquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias 135 numerosas. É principalmente no seio da família que a criança desenvolve seus valores, aprende a lidar com as diversas situações diárias, e é neste, que a criança cria o sendo de certo e errado, é lá a origem da primeira educação, assim como é na família que a criança deve se sentir protegida e preparada para enfrentar e se integrar na sociedade, é a família que deve ser seu porto seguro, seu lugar para voltar.136 Considera Cury sobre a importância da convivência familiar: [...] a família continua sendo sempre o espaço privilegiado, único e insubstituível de socialização, prática de tolerância e divisão de responsabilidades, além de celeiro para o exercício da cidadania, do 137 respeito e dos direitos humanos. Assim como reforça Liberati: Ser criado e educado em uma família é direito fundamental de toda criança [...] não se pode perder de vista que a família é a primeira instituição a ser convocada para satisfazer as necessidades básicas da criança, incumbindo aos pais a responsabilidade pela sua formação, orientação e acompanhamento. Como núcleo principal da sociedade, a família deve receber imprescindível tratamento tutelar para proteger sua constituição, 133 Ibidem. LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p.60 135 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em: <http://www.portaldafamilia.org.br/datas/criancas/direitosdacrianca.shtm>l. Acesso em 18 de ago. 2010. 136 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.58. 137 CURY, Munir. Direito à convivência familiar: da reintegração à colocação em família substituta. Disponível em:< www.mp.pr.gov.br.> Acesso em: 20 de ago. 2010 134 41 pois é no lar que a criança irá receber a melhor preparação para a vida 138 adulta. Atualmente, o conceito de família, está baseado na função afetiva, ou seja, é o lugar onde a criança encontra amor, afeto, proteção, onde é aceita com todas as suas peculiaridades139, independente se essa família for biológica ou não, do país de origem ou ainda de um país estrangeiro, o importante, é que esta família seja capaz de oferecer o afeto, amor, proteção e educação para que esta criança tenha uma vida digna. O vínculo entre a família e as crianças ou adolescentes, deve ser protegido tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Caso esse vínculo venha a ser rompido definitivamente, ou seja, mesmo com todos os esforços feitos pelo Estado para proporcionar a proteção da família e que, contudo, não tenha surtido efeito, cabe ao Estado, por meio de programas, estratégias e projetos, levar às crianças a constituição de novos vínculos familiares, mesmo que este não for mais em seu lugar de origem, deve o Estado disponibilizar a opção de se proporcionar uma família substituta estrangeira, mas sempre com o intuito de garantir o direito fundamental à convivência familiar, assim como o melhor interesse da criança.140 Afirma Thomaz Júnior e Minicelli, que: [...] sem uma família, pouco ou nada adianta a criança saber que, como cidadã, tem ela direito à cultura e ao lazer, à instrução obrigatória, ao acesso à assistência e à seguridade sociais, a não ser abusada, violentada ou explorada, a ser profissionalizada. O ente coletivo a que se denomina „família‟ é a base natural em cujo seio asila a pessoa humana desde tenra idade, para ter acesso aos demais direitos reservados aos cidadãos. A 141 família é, enfim, o referencial da pessoa humana no mundo. O direito legal à convivência familiar é constantemente violado, visto que o número de adoções ainda é insuficiente para que se possa proporcionar a todas as crianças o direito de viver em família.142 Por esse motivo que a questão da adoção internacional deve ser considerada como mais uma forma de proporcionar o direito 138 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 59. Ibidem. p. 59. 140 ENAPA 2008. Adoção novos rumos e ritmos. In: XIII Encontro nacional de apoio à adoção – Cidade de Recife, 29 a 31 de maio, 2008, Brasil. Anais Eletrônicos... Brasil, 2008. Disponivel em CD ROOM. 141 THOMAZ JÚNIOR, Dimaz Borelli e MINICELLI, João, apud TARCÍSIO, José Martins Costa. Adoção trasnsnacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 49. 142 TARCÍSIO, José Martins Costa. Adoção trasnsnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 49. 139 42 fundamental da criança e do adolescente crescer em um seio familiar saudável, ou seja, ter pais para que possam usufruir da convivência familiar. Sendo assim, pelas palavras de Tavares, deve-se enxergar a família como todo o agrupamento humano que convive, ou deve conviver com crianças ou adolescentes. Esta família pode ser tanto natural, formada por pai, mãe e descendentes, ou substituta, em situação de guarda, tutela ou adoção. Através disso, é possível concluir que o ambiente ideal para o desenvolvimento equilibrado da criança e do adolescente é o seio familiar, sem preconceitos quanto a ser natural ou substituta, visto que esta última representa uma fórmula legal de grande nobreza e eficaz para a formação da pessoa em desenvolvimento.143 143 TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 61 – 132. 43 3 A ADOÇÃO INTERNACIONAL A possibilidade da adoção internacional encontra-se de forma expressa na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 5º e também no artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 5º- A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de 144 estrangeiros. A adoção internacional nas palavras de Liberati significa: “A adoção internacional de menores como aquela em que os adotantes e o adotado tenham residência habitual em países diferentes”.145 Reitera Silva: A adoção seja nacional ou internacional será sempre conceituada como instituto jurídico por meio do qual alguém (adotante) estabelece com outrem (adotado) laços recíprocos de parentesco em linha reta, por força de uma 146 ficção jurídica advinda da lei. Pilotti diz que as adoções internacionais têm sua origem no ano de 1627, quando cerca de 1500 crianças inglesas foram encaminhadas de navio para se integrarem em famílias de colonos no sul dos Estados Unidos. Sejam órfãos, abandonados, ou com autorização dos genitores, esta inclusão se dava como aprendizes, em famílias de artesões.147 Historicamente, após a segunda guerra mundial, surgem registros de adoção internacional de forma regular, pois até esse momento, as adoções eram realizadas apenas internamente. A guerra fez com que várias crianças tivessem suas famílias 144 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm.>Acesso em 2 de set.2010. 145 LIBERATI, Wilson Donizeti apud GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3ª tiragem. Afiliada, 2003, p. 27. 146 Ibidem. 147 DAVIES, Francisco J. Pilotti. Manual de Procedimentos para Formação de Família Adotiva. Instituto Interamericano Del Niño. Montevidel: 1990 apud FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: a Convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização e procedimentos. 1 ed. (ano 2002), 6 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.31. 44 dizimadas pelos conflitos, e com isso, a adoção transnacional passou a ser amplamente realizada na Europa.148 Casais norte-americanos e europeus, com o fim da segunda guerra mundial, adotaram crianças da Alemanha, Itália, China, dentre outros, que foram prejudicadas pelo conflito armado.149 Com o desenvolvimento das nações, depois da segunda guerra mundial, que a adoção internacional passou a ter maior importância, pois a comunidade internacional passou a se preocupar mais com a situação dos excluídos e com o abandono social que surgiam cada vez mais fortes, e com ele, o desenvolvimento industrial.150 Logo, por ser um tema relativamente novo no direito pátrio, e tendo tomado uma proporção maior há apenas algumas décadas, a adoção transnacional ainda é encarada por muitos de uma maneira equivocada e com muitos preconceitos, que atrapalham a adoção feita por estrangeiros, e consequentemente a possibilidade de um lar saudável para as crianças brasileiras.151 Porém, ao considerar a globalização como um fator importante, onde a informação ultrapassou as fronteiras geográficas, afirma-se que não existe mais espaço para preconceitos referentes à adoção internacional.152 A globalização fez com que as fronteiras geográficas diminuíssem, olhar para a adoção transnacional sem olhar para o mundo hoje como um bloco cada vez mais unificado pelo rápido deslocamento de pessoas, pela união entre casais com nacionalidades diferentes, e com isso a internacionalização da família, ou seja, para se ter real compreensão da dimensão e importância da adoção internacional hoje, é fundamental o entendimento de todas essas características, que são muito comuns em nossa sociedade.153 É comum, nos países em desenvolvimento um número crescente de crianças abandonadas, que vivem jogadas a própria sorte, e que não têm a possibilidade de 148 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção trasnsnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.58. 149 COSTA, Tarcísio José Martins. Op. cit. p.58. 150 GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3 tiragem. Afiliada, 2003, p. 20. 151 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais. Disponível em:< http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tarcisio/AdocaoInter.pdf.> Acesso em: 20 de ago. 2010. 152 GATELLI, João Delciomar. Op.cit.,p. 25. 153 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais. Disponível em:< http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tarcisio/AdocaoInter.pdf.> Acesso em: 20 de ago. 2010. 45 encontrar um lar em sua própria sociedade, em seu próprio país. Por isso, como afirma Alves, nesses casos “O Estado deve em nome do parens patriae, deferir a adoção de uma criança ou de um adolescente brasileiro para um estrangeiro residente em outro país.”154 Para Foyer e Labrusse-Riou: Adoção Internacional é aquela que faz incidir do Direito Internacional Privado, seja em razão do elemento de estraneidade que se apresenta no momento da constituição do vínculo (nacionalidade estrangeira de uma das partes, domicílio ou residência de uma das partes no exterior), seja em 155 razão dos efeitos extraterritoriais a produzir. Complementando, Marques esclarece que: A adoção internacional significa no Brasil, hoje, um “des-enraizamento” cultural e social da criança, que é levada para outra sociedade, outra cultura, outra família e outra língua. É a adoção internacional dos anos 90, que ficou conhecida como “adoção intercultural”, para se opor à adoção dos anos 50-70 do século XX, conhecida como “adoção humanitária”. Atualmente, a preocupação maior do direito internacional privado não é somente “dar uma nova chance” para esta criança ou indicar a melhor lei para regular a formação desta nova família, visualizam-se muito mais os perigos da transferência internacional e do “des-enraizamento” social das crianças, voltando-se o Direito para assegurar respeito, segurança e bemestar desta criança, assim como a realização plena de seus direitos 156 fundamentais.” A efetivação da adoção internacional determina que as pessoas que fazem parte da relação processual sejam domiciliadas em países diferentes. Contudo, a Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 227, § 5º elegeu a nacionalidade do adotante.157 No Brasil há duas correntes no que diz respeito à adoção internacional. Embora ambas se apóiem na proteção do adotando, no que se refere à convivência, são divergentes.158 154 SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/2011/19882/Direito_Internacional_Contemor%C3%A2neo.pdf ?sequence=1 Acesso em: 10 de ago. 2010. 155 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência (de acordo com o novo código civil, Lei nº 10.406/2002), 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.41. 156 MARQUES, Cláudia Lima. A Convenção de Haia, de 1993, e o regime da adoção internacional no Brasil, após a aprovação do novo Código Civil brasileiro em 2002, in CD-ROM Acervo Operacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2003 apud LIBERATI, Wilson Donizeti, Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p.18. 157 LIBERATI, Wilson Donizeti.Op.cit. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência (de acordo com o novo código civil, Lei nº 10.406/2002), 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.41. 158 GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3. tiragem. Afiliada, 2003, p. 23. 46 Um dos autores que representa a corrente contrária é Chaves que afirma: Que as campanhas para adoção não deveriam ser fomentadas por agências especializadas para incentivar estrangeiros não residentes a adotar, mas dever-se-ia procurar investigar e afastar as causas determinantes da carência e do abandono que resultam na exploração de 159 crianças como simples objeto. Já a corrente favorável defende a adoção internacional não como resolutiva, mas apenas como um remédio, visto que amenizaria a situação de milhares de crianças abandonadas, que não terão solução imediata de seu Estado de 160 origem. Alguns autores, tais como Chaves, acreditam que a adoção internacional pode ser comprometedora para a soberania do Estado do adotando, visto que ao aceitar tal “solução” demonstra sua incapacidade para solucionar os problemas sociais que levam à adoção internacional. Porém, para outros autores, o abandono dessas crianças e adolescentes deve ser combatido, independente dos demais interesses, e se para isso for necessário a contribuição de outros países, que então seja feito.161 Falar em diminuição de soberania do Estado em um momento em que crianças passam a vida sem um lar, sem possibilidade de crescimento em todos os aspectos, significa falar em egoísmo, pois para a criança que será adotada, seja por um casal nacional ou estrangeiro, o que realmente importa é a condição de vida que terá, e o amor que vai receber, o respeito como ser humano e a possibilidade de ter uma vida digna e feliz.162 Como a doutrina brasileira adota o fundamento do melhor interesse da criança, admitir a adoção internacional revela que tal fundamento é cumprido, visto que em grande parte, ser adotado por estrangeiro representa um melhor interesse para o infante, pois, provavelmente, se não houvesse tal opção, o destino dessa criança seria passar o resto de sua infância em abrigos, ou até mesmo nas ruas, marginalizado.163 159 CHAVES, Antônio apud Ibidem, p.23. CHAVES, Antônio apud Ibidem, p.23. 161 GATELLI, João Delciomar. Adoção Internacional de acordo com o novo código civil. 3 tiragem. Afiliada, 2003, p. 24. 162 SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/2011/19882/Direito_Internacional_Contemor%C3%A2neo.p df?sequence=1> Acesso em: 10 de ago. 2010. 163 Ibidem. 160 47 A procura por crianças para adoção é muito grande, porém existem alguns pré-requisitos, que também podem ser chamados de pré-conceitos, porque as características mais procuradas nas crianças que serão acolhidas por famílias brasileiras são: pele branca, nenhum problema físico ou mental e, especialmente, recém nascido. Para crianças com essas características há uma fila gigantesca de futuros pais, prontos para adotá-las.164 Contudo, a maior parte de crianças disponíveis para adoção não se enquadram nesse perfil. Em geral, são crianças negras, com problemas de saúde e longe de serem recém nascidas, e justamente por isso, tem como destino passar a vida, nas melhores das hipóteses, em abrigos sem nunca conhecerem o que é o afeto familiar de verdade.165 Os estrangeiros em sua maioria, por sua vez, quando vêm ao Brasil com a intenção de adotar, não fazem questão que a criança seja branca, recém nascida, completamente saudável. Isso não significa que os estrangeiros sejam livres de preconceitos, a verdade e que por não haver, na maioria das vezes, nenhuma criança disponível em seu país as crianças que estão disponíveis de origem, cabe a eles aceitar em abrigos a vontade de adotar é imensa, a idealização recém nascida adotar, e e saudável não configura estrangeiros, pois como de o uma criança branca, objetivo principal, que é por não haver tal rejeição, a adoção transnacional tornou-se um meio de acolher essas crianças que são repelidas por suas famílias em seu próprio país.166 As tabelas dispostas a seguir permitem uma boa concepção da situação da adoção encontrada em Recife, realizadas por brasileiros e por 167 estrangeiros: 164 Ibidem. Ibidem. 166 SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/2011/19882/Direito_Internacional_Contemor%C3%A2neo.pdf ?sequence=1 Acesso em: 10 de ago. 2010. 167 FIGUEIRÊDO, Maria Tereza Vieira de; LOUREIRO, Vânia Campelo e MORAIS, Sônia Maria Amaral. In “Adoção: Famílias adotivas X Famílias Destituídas do Pátio Poder”. UFPE. Inédito. Recife: 1999. apud FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros, p. 149-150 165 48 Quadro 1 – Adoções realizadas por pretendentes brasileiros ANO COR IDADE SEXO 0–2 3a6 7a9 ANOS ANOS ANOS BRANCA PARDA NEGRA 1995 10 05 01 11 03 1996 17 16 01 20 1997 08 12 01 1998 11 15 03 1999 05 21 2000 04 92 2001 14 81 TOTAL FEM. MAS. 02 08 08 16 11 03 18 16 34 12 04 05 12 09 1 16 06 07 15 14 29 04 17 04 09 16 14 30 01 50 17 30* 44 53 97 04 42 28 29 50 49 99 *25 com mais de 9 anos Quadro 2 – Adoções realizadas por pretendentes estrangeiros ANO COR IDADE SEXO 0–2 3a6 7a9 ANOS ANOS ANOS 07 09 04 10 14 07 16 07 21 09 00 07 06 20 10 01 09 _ 04 BRANCA PARDA NEGRA 1995 02 07 1996 03 18 1997 10 1998 04 1999 2000 2001 TOTAL FEM. MAS. 03 04 12 16 10 13 18 31 04 08 15 18 33 00 05 01 12 13 22 04 10 05 31 36 01 01 02 08* 08 03 11 05 02 04 03 _ 09 09 *06 com mais de 9 anos Sznick conclui que “[...] A adoção internacional apresenta dois ângulos diretamente opostos: é de um lado um grande mal, mas que pode, de outro, proporcionar um grande bem.”168 Se a adoção internacional trouxer benefício para a criança ou o adolescente, deve-se priorizar pelo melhor interesse, pois o ingresso em famílias adotivas somente será realizado se houver vantagens efetivas, fundamentando-se no princípio do melhor interesse da criança.169 O que se pretende com a adoção internacional é que ela possa obter a possibilidade de oferecer um lar àqueles que de alguma forma foram preteridos em 168 SZNICK, Valdir. Adoção. 3 ed. Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p. 462. 169 CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional Procedimentos Legais. Curitiba: Juruá, 2009. pg.120. 49 seu país, dando-lhes a oportunidade de serem pessoas respeitadas e fazerem parte de uma família que lhes proporcione amor e carinho.170 3.1 A Convenção Internacional sobre os direitos da criança (1989) Existem várias diferenças nas legislações dos países em relação a adoção, por isso há necessidade de criar uma norma básica, com regras genéricas a todos os Estados, para que seja estabelecido, com isso, um ponto comum nas questões que se referem à adoção. Tendo em vista o número de adoções nos últimos anos, e com isso, a necessidade dos países em proteger de forma mais efetiva suas crianças, a partir desse panorama surgiram as Convenções Internacionais.171 A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é o documento sobre os direitos humanos que tem maior credibilidade pela sociedade internacional, foi ratificada por 193 países. A Organização das Nações Unidas adotou a Convenção em 20 de novembro de 1989.172 Essa Convenção representa um avanço enorme à proteção dos menores, pois há o comprometimento dos Estados que a ratificaram em seguir as normas para que haja uma maior proteção das crianças a fim de não serem tratadas como objetos, mas como detentoras de direitos. A Convenção sobre os Direitos da Criança, como o objetivo de atender aos anseios da comunidade internacional, fez com que os países-membros protegessem as crianças contra a exploração e abuso sexual, como uma das maneiras de evitar o desvio da finalidade da adoção internacional.173 De acordo com o artigo 34 da Convenção, os Estados-partes têm de providenciar medidas necessárias para impedir o incentivo ou a coação para que uma criança se envolva em atividade sexual ilegal; exploração na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; exploração da criança em materiais pornográficos.174 O Brasil ratificou a Convenção em 20 de setembro de 1990 e essa Convenção exige dos países que a ratificaram duas prioridades: cuidado e 170 CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional Procedimentos Legais. Curitiba: Juruá, 2009. p.115. SZNICK, Valdir. Adoção. 3 ed. Revista atualizada. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p.483. 172 CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em: <http://www.unicef.org./brazil/pt/resurces_10120.htm>. Acesso em: 15 de set. 2010. 173 LIBERATI, Wilson Donizeti. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 2009, p.53. 174 Ibdem. 171 50 responsabilidade em relação às crianças, para que os Estados membros possam protegê-las de forma mais eficaz.175 Antes do advento da Convenção, as crianças eram vistas como mero objeto, pois eram apenas devedores de respeito aos seus pais.176 Afirma Tavares que: “A Convenção sobre os Direitos da Criança [...], foi o primeiro diploma que considerou a criança (e o adolescente) sujeito de direitos individuais civis, políticos, sociais e culturais. Sujeito titular de direitos próprios e não mais simples objeto das relações jurídicas”.177 Esse cenário em que a criança não era detentora de direitos, mas somente de deveres, começou a mudar no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988, juntamente com a ratificação da referida Convenção e do advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos em 1990.178 A Convenção considera criança, aquele menor de 18 anos de idade, enquanto que o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança, os que têm até 12 anos incompletos e adolescentes os com mais de 12 até 18 anos incompletos. Convenção Internacional dos Direitos da Criança: Art. 1 – Para os efeitos da presente convenção considera-se criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada 179 antes. Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 2 – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes, aquela entre doze anos e 180 dezoito anos de idade. Costa comenta sobre o assunto: A convenção parte do reconhecimento do valor intrínseco da criança, enquanto pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento, condição que faz da criança credora de atenção e cuidados especiais, devido ao fato de: - as crianças freqüentemente não conhecerem de modo pleno seus direitos; - as crianças não terem condições de fazer valer seus direitos; 175 ENAPA 2008. Adoção novos rumos e ritmos. In: XIII Encontro nacional de apoio à adoção – Cidade de Recife, 29 a 31 de maio, 2008, Brasil. Anais Eletrônicos... Brasil, 2008. Disponivel em CD ROOM. 176 ISQUEIRO, Scalco Renato. A reconstrução: do direito privado. São Paulo: RT, p. 32. 177 TAVARES, José de Farias. Direitos da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 32. 178 Idem, p.525. 179 CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA. Disponível em: <http://www.unicef.org./brazil/pt/resurces_10120.htm>. Acesso em: 15 de set. 2010. 180 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 02.set.2010. 51 - as crianças não deterem condições de suprir, por si mesmas, as suas necessidades básicas; - as crianças seres humanos em pleno desenvolvimento físico, mental, afetivo e espiritual. Além desse valor intrínseco, as crianças têm, ainda, um valor projetivo, ou seja, as crianças são portadoras do futuro, isto é, da continuidade de sua família, da continuidade de seu povo e da continuidade da espécie 181 humana. A convenção representa também um vínculo jurídico entre os países que a ratificam, não é apenas uma carta de intenções, pois os países que aderem devem regulamentar suas normas internas de acordo com as regras estabelecidas pela convenção, apenas dois países não aderiram à convenção, são eles: Estados Unidos da América e Somália.182 A convenção é sustentada por quatro princípios básicos, são eles: a) A não discriminação, que quer dizer que todas as crianças devem exercer seu potencial, independentemente do momento e da circunstância e esse direito deve poder ser exercido em qualquer parte do mundo; b) O interesse superior da criança, que deve ser sempre respeitado em todas as ocasiões, vale lembrar que é esse princípio que norteia todo o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente; c) A sobrevivência e desenvolvimento é fazer garantir o acesso aos serviços básicos, assim como garantir a igualdade de oportunidades, para que possam se desenvolver de forma mais completa; d) A opinião da criança, que significa dizer que em relação aos seus direitos, a voz da criança deve ser sempre ouvida em todas as 183 circunstâncias. É possível dividir os 56 artigos da Convenção em quatro grandes categorias: direitos à sobrevivência; direitos relativos ao desenvolvimento; direitos relativos à proteção e direitos de participação.184 A estrutura da Convenção é formada pelo preâmbulo, parte I, que vai do artigo 1º ao 41 e contém o Direito Subjetivo, menciona os princípios da Carta das Nações Unidas e traz alguns antecedentes importantes; a parte II que vai do artigo 42 ao 49, contém o modo de aplicação daqueles direitos; e por fim, a parte III, que 181 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.187. 182 UNICEF. Direitos da Criança. Disponível em:< <http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2>.Acesso em: 15 de ago.2010. 183 UNICEF. Op. cit. 184 Ibidem. 52 segue do artigo 50 ao 56, além de conter as disposições finais, regula o processo de ratificação, assinatura, denúncia, emendas e reserva.185 O prólogo da Declaração dos Direitos da Criança enuncia: A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, dos direitos e das liberdades aqui enunciados, e apela aos pais, homens e mulheres, em sua qualidade de indivíduos, bem como as organizações voluntárias, às autoridades locais e aos governos nacionais que reconheçam esses direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os 186 seguintes princípios [...]. A Convenção Internacional sobre Direitos da Criança (1989) reconheceu as crianças como principais interessados (sujeito) nos direitos fundamentais, e não mais como objeto, garantindo a elas, todos os direitos que um adulto possa ter, mas sempre com prioridade, respeitando sua condição de pessoa em desenvolvimento, assim como sua incapacidade de conhecer todos os seus direitos e defendê-los. 3.2 A Convenção de Haia (1993) A Convenção de Haia, diz respeito sobre a Cooperação Internacional em matéria de Adoção Internacional de crianças de 1993, foi promulgada pelo Decreto 3.087, de 21 de junho de 1999 e que juntamente com a Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente e com a Lei de Introdução ao Código Civil regulam atualmente a adoção internacional no Brasil.187 Foi na Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, na 16ª reunião, no mês de outubro de 1988, que ficou decidido que a Organização, juntamente com os Estados-membros, deveriam instituir uma Convenção sobre adoção internacional. Foi formada então, uma Comissão Especial, a Commission spéciale sur l’adoption d’enfants originaires de l’etranger, que se reuniu em 1990, 1991 e 1992, apresentando na 17ª Seção da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, em maio de 1993, o texto que se chamou Convenção Relativa à Proteção e à 185 COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.192. 186 ONU. Unicef. Declaração dos direitos da criança. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/decl_dir.htm> Acesso em: 11 set. 2010. 187 MARQUES, Claudia Lima. Revista de direito privado. Coord. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 42. 53 Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional, hoje mundialmente conhecida como Convenção de Haia.188 Portanto foi criada em 1993, e na época com 57 países membros, a Convenção de Haia, que viabilizou diversas convenções sobre temas relevantes, tais como conflitos entre leis de nacionalidade e do domicílio, sobre leis aplicáveis em regime matrimonial de bens, aspectos civis sobre transferência internacional de crianças etc. Os representantes dos Estados-membros, para evitar o problema referente à língua produziram textos idênticos em inglês, francês, russo e espanhol.189 A partir da década de 60, quando houve um aumento considerável de adoções internacionais, vários problemas foram identificados a partir de então, como sociais e jurídicos representados pela obtenção de vantagens pecuniárias, registros de nascimentos falsificados, rapto e sequestro de crianças, sentenças judiciais que não eram reconhecidas, e o não alcance de cidadania plena pelas crianças adotadas.190 A Convenção de Haia foi a primeira convenção que estipulou uma maneira de caráter mundial para tentar regulamentar a adoção internacional.191 Ela representa uma nova visão em relação à adoção transnacional, pois está direcionada nos direitos humanos das crianças, bem como seu bem-estar e superior interesse, e não apenas nos interesses patrimoniais das famílias e continuação da família. 192 Sobre o assunto observa Costa: A Convenção de Haia de Direito Internacional Privado relativa à proteção de Criança e a Colaboração em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993, pode ser considerada a primeira Convenção verdadeiramente internacional a regular a adoção, instituto que de há muito ultrapassou as fronteiras regionais, para tornar-se um fenômeno de efetivo 193 interesse mundial. As prioridades centrais estabelecidas pela Convenção de Haia são quatro: 1) para o desenvolvimento harmonioso da personalidade da criança, ela deve conviver 188 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.48 189 FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: a Convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização e procedimentos. 1 ed. (ano 2002), 6 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.48-49. 190 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.39. 191 Ibdem. 192 MARQUES, Claudia Lima. Op.cit.,p.45. 193 COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.198 54 em uma família e crescer em um lar onde haja felicidade, amor e compreensão; 2) que sejam tomadas providências suficientes para que essa criança seja mantida em sua família de origem; 3) que a adoção internacional apresente vantagem de dar uma família a uma criança que não encontra família adequada em seu país de origem; 4) e que devem ser instituídas medidas para garantir que as ações internacionais devem ser feitas no superior interesse da criança, preservando seus direitos fundamentais, bem como prevenir o seqüestro, a venda e o tráfico de crianças e adolescentes.194 Pode-se observar que a Convenção enfatizou o direito material à adoção e seu processo, pois no preâmbulo assevera que cada país deveria tomar “como caráter prioritário, medidas adequadas para permitir a manutenção de criança em sua família de origem” ou em uma família em seu país de origem. Mas se não houver possibilidade, recorria-se à adoção internacional como meio legal de priorizar o direito fundamental de uma criança ter uma família.195 A Convenção de Haia tem sua aplicação descrita nos dois primeiros artigos que aborda o objeto e a oportunidade para efetivação da adoção, que são:196 ARTIGO I A presente Convenção tem por objetivo: a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe reconhece o direito internacional; b) instaurar um sistema de cooperação entre os Estados contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em conseqüência previna o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças; c) assegurar o reconhecimento nos Estados contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção. ARTIGO 2 1. A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual em um Estado contratante (“o Estado de origem”) tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado contratante (“o Estado de acolhida”), quer após sua adoção no Estado de origem pelos cônjuges ou por uma pessoa residente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoção 197 seja realizada, no Estado de acolhida ou no Estado de origem. A Convenção estabelece regras articuladas, não para impedir a adoção internacional, mas direcionadas para sua eficácia de forma a concretizar um tratamento igualitário entre os países de origem e os de acolhida, sem ganhos 194 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.48 195 LIBERATI, Wilson Donizeti. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros,2009, p.42. 196 Idem, p.49. 197 Ibdem. 55 ilícitos e sim com o seu principal objetivos que é garantir o superior interesse da criança.198 Nesse sentido, Pereira afirma que “A Convenção não tem como intenção unificar as leis internacionais sobre adoção, seu objetivo é fazer com que os direitos das crianças adotadas sejam respeitados ao máximo.”199 O objetivo da Convenção, segundo Costa, é “Organizar um sistema de cooperação entre os Estados como meio de obter adoções internacionais regulares e sadias.”200 A Convenção de Haia determina três diretrizes importantes para adoção transnacional: respeito dos direitos da criança; que haja um sistema de cooperação entre os Estados-partes; garantir o reconhecimento as adoções nos países que aceitarem seguir as orientações da Convenção.201 De acordo com Cláudia Lima Marques são três as palavras-chave da Convenção: centralização, colaboração e controle. Centralização, pois centraliza as adoções internacionais em autoridades centrais e competentes; colaboração, porque é preciso que haja entre as autoridades, no que se refere a decisões difíceis; e controle, pela existência de troca de informações, divisão de competências e preenchimento de requisitos mínimos, tudo isso feito por um sistema de reconhecimento automático de decisões.202 Apesar de toda determinação em criar um sistema de cooperação entre os Estados de origem e os receptores, apenas a Convenção de Haia não é suficientemente capaz de atingir todos os objetivos propostos. É preciso que haja uma atualização nas legislações internas dos países que ratificaram a Convenção, para que trabalhando juntos possam garantir o melhor interesse da criança e coibir práticas ilegais.203 198 FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: a Convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização e procedimentos. 1 ed. (ano 2002), 6 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.53. 199 Ibidem, p. 54. 200 COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.201. 201 LIBERATI, Wilson Donizeti. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros,2009, p.42. 202 MARQUES, Claudia Lima. Revista de direito privado. Coord. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 49. 203 Ibdem, p.54. 56 3.3 Requisitos pessoais dos adotantes estrangeiros Os requisitos exigidos para adoção transnacional são os mesmos exigidos para adoção feita por brasileiros, porém, são previstos requisitos específicos elencados no artigo 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente.204 Para que um estrangeiro que está interessado em adotar e esteja capacitado para tal, é necessário conferir os dispositivos da legislação do país de origem do adotante e do adotado. De acordo com o artigo 7º da Lei de Introdução do Código Civil brasileiro, foi estipulado o critério do domicílio da pessoa para regular os direitos de personalidade, nome, capacidade e direitos de família, adotando a teoria da aplicação distributiva das leis, segundo a qual, se atende às exigências das leis do adotante e do adotado naquilo que são peculiares, devendo ser analisadas as duas leis e cumpridos os requisitos exigidos em ambas.205 A legislação brasileira que regula a adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 -, determina, nos arts. 29, 42 (revogado pelo novo CC) e 51, que o interessado em adoção, estrangeiro, deve preencher os seguintes requisitos pessoais: a) ser maior de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil (cf. novo CC); b) se a adoção for realizada por ambos os cônjuges ou concubinos, pelo menos um deles deverá ter completado vinte e um anos de idade; c) comprovar a estabilidade da relação conjugal; d) ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando; e) estar habilitado à adoção, segundo as de seu país; f) apresentar estudo psicossocial elaborado por agência credenciada em seu país; g) ter compatibilidade com a adoção e oferecer ambiente familiar adequado.206 204 CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional: procedimentos legais. Curitiba: Juruá, 2009, p. 125. Ibdem. 206 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.98-99. 205 57 3.4 - Requisitos pessoais do adotando O artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente ao falar sobre o direito à convivência familiar e comunitária, afirma que “a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder”. Como afirma Liberati “a pobreza não é motivo para retirar uma criança de sua família de origem e colocá-la em outra família através da adoção.”207 No entanto, preocupado com esse problema de dificuldade financeira, o parágrafo único do ECA diz que “não existindo outro motivo, que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio”. Se a família tiver dificuldade financeira e, somente por esse motivo, quiser entregar um filho à adoção, não será autorizado, pois o Estado terá de ajudar essa família.208 No Brasil, os “Adotáveis” por estrangeiros são as pessoas de zero a dezoito anos de idade onde ninguém exerce o poder familiar sobre eles.209 A situação de abandono do adotando, é o primeiro passo para a entrada de famílias que querem adotar. Pois a possibilidade de adoção surge quando há situação de abandono. Associar o abandono à adoção é, um caminho feliz para adotante e adotando.210 O Estatuto da Criança e do Adolescente não conceitua o abandono, mas utiliza outra nomeclatura, situação de risco, e no artigo 98 enumera situações que se enquadram crianças e adolescentes ao abandono ou risco pessoal: “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados: I- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III- em razão de sua conduta”.211 207 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.123. 208 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op cit. p.123-124. 209 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.124. 210 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.127. 211 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.125. 58 Uma criança que se encontra abandonada apresenta algumas características que podem ser identificadas com clareza pelo seu olhar, como tristeza, melancolia, angústia, e pela falta de amor.212 A carência afetiva é um fator negativo que influencia a personalidade da criança, mas se houver grande interesse e disponibilidade de casais o desejarem como filho, esse trauma pode ser retirado e pode permitir à criança um desenvolvimento ausente desse passado, fazendo com que ele não mais faça parte da vida dessa criança.213 O falecimento dos pais biológicos pode inserir uma criança ao estado de abandono, e se os parentes não assumem essa criança, ela fica então, órfã de pai, mãe e de família. Tais crianças são, normalmente, inseridas em entidades de atendimento onde um processo de colocação em família substituta é iniciado, pois com o auxílio de uma nova família adotiva, essa criança poderá construir uma nova história em sua vida.214 Outro motivo que configura o estado de abandono das crianças é o desaparecimento dos pais, ocasionado pela paternidade irresponsável juntamente com gravidez precoce e indesejada, fazendo com que as crianças sejam desprovidas do amor dos pais.215 Quando uma criança é levada para uma instituição, pode-se verificar que algo não está certo em relação à própria criança ou aos seus pais, e isso configura outra hipótese de situação de risco.216 Quando a criança está inserida em uma instituição, significa, então, que há um indício de que essa criança está preparada para ser adotada.217 A instituição deve funcionar somente como um local de emergência social, mantendo a criança apenas por um período, pois quando ela está institucionalizada, ela está desprovida de uma família e a criança necessita de um lar e não de uma instituição.218 212 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003,p.125. 213 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.128. 214 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.132. 215 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.133. 216 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.134 217 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.136. 218 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.137. 59 3.5 Procedimentos da adoção internacional no Brasil Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto a Convenção de Haia, de 1993, devem ser aplicados de forma conjunta. O Estatuto da Criança e do Adolescente recentemente alterado pela Lei nº 12.010/09, em seu artigo 51 e parágrafos seguintes, enumera de forma detalhada o procedimento que deverá ser seguido pelos estrangeiros residentes ou domiciliados fora do país que desejam adotar uma criança ou adolescente nacional. Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no art. 2º da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção da Criança e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional aprovada pelo Decreto Legislativo n. 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto n.3.087, de 21 de junho de 1999. §1º. A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: I- que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; II- que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após a consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei; III- que, em se tratando de adoção de adolescente, este for consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§1º e 2º do art. 28 desta Lei. §2º. Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. §3º. A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades 219 Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional. O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, que está devidamente habilitado à adoção, conforme as leis de seu país. Assim como apresentar estudo psicossocial elaborado por uma agência especializada e credenciada em seu país de origem. 220 Caso a autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público queira, será necessária então, a apresentação de texto pertinente à legislação estrangeira, assim como sua vigência.221 Os documentos de língua estrangeira devem ser juntados aos autos, autenticados pela autoridade consular, traduzidos por tradutor juramentado público e devem ser observados também, os tratados e convenções internacionais.222 219 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 11 ed. revista e ampliada, de acordo com a Lei 12.010/09. São Paulo: Malheiros, 2010 p. 46. 220 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010. 221 Ibidem. 60 O adotando não poderá sair do país antes de consumada a adoção. A adoção internacional poderá se condicionada a estudo prévio por uma comissão estadual judiciária que fornecerá os laudos de habilitação para o prosseguimento do processo competente. O laudo de habilitação à adoção internacional terá validade de no máximo 1 (um) ano.223 A documentação exigida para habilitar a realização de adoção internacional no Brasil é a seguinte: a) Documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, que comprove estar habilitado a adotar mediante as leis de seu país; b) Autorização para promover adoção de brasileiro; c) Estudo biopsicossocial (físico e mental); d) Cópia do passaporte; e) Texto pertinente à legislação sobre adoção do país de residência ou domicílio dos requerentes; f) Prova de vigência da legislação mencionada no item anterior; g) Declaração firmada de próprio punho, de ciência de que a adoção no Brasil é gratuita e irrevogável e irretratável;224 h) Atestado de antecedentes criminais; i) Atestado de residência expedido por órgão oficial; j) Declaração de rendimentos; k) Fotografia dos requerentes, de sua residência e de seus familiares; l) Ficha de inscrição totalmente preenchida.225 Estes são os documentos essenciais para que um estrangeiro domiciliado ou residente fora do Brasil necessita para requerer a adoção de crianças ou adolescentes brasileiros. No artigo 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador estabeleceu que pudesse ser condicionado a um estudo prévio e análise de uma Comissão Estadual Judiciária de Adoção, que fornecerá o laudo de habilitação, 222 Ibidem. Ibidem. 224 MONTEIRO, Sônia Maria. Aspectos novos da adoção: adoção internacional e adoção do nascituro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 59. 225 SANTOS, Ozéias J. Adoção no novo código civil. 2 ed. São Paulo: Vale do Mogi, 2003, p. 73-74. 223 61 assim como deverá ficar responsável por manter o registro centralizado de interessados estrangeiros em adotar.226 3.6 As comissões Para impedir os abusos relativos à adoção, principalmente a internacional, algumas modificações foram feitas na legislação brasileira.227 As comissões mencionadas no artigo 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente são chamadas de CEJAI. A primeira foi instituída no estado do Paraná, pelo Decreto Judiciário 21/89, amparada pelo disposto no artigo 227 da Constituição Federal. Inicialmente, sua função era preservar as crianças, evitar a discriminação, a negligência e a exploração. As CEJAIS procuram manter um intercâmbio entre órgãos e instituições internacionais que dão apoio a adoção, para aumentar o controle, o acompanhamento dos casos de adoção internacional, e também para divulgar suas atividades, o que dificulta a saída irregular das crianças ou adolescentes do país diminuindo o tráfico internacional de crianças, impedindo que estrangeiros adotem e saiam do país irregularmente e descumprindo a lei.228 A partir da edição do Decreto 3.174, de 19.9.1999, a discussão sobre a obrigatoriedade do funcionamento das CEJAIS perdeu sua significância, pois as Autoridades Centrais são responsáveis em cumprir as obrigações impostas pela Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, institui o Programa Nacional de Cooperação em Adoção Internacional e cria o Conselho das Autoridades Centrais Administrativas Brasileiras.229 Dispõe o art. 4º do referido Decreto que: Ficam designados como Autoridades Centrais no âmbito dos Estados federados e do Distrito Federal, as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção, previstas no art. 52 da Lei nº 8.069/90, ou os órgãos análogos com distinta nomeclatura, aos quais compete exercer as atribuições operacionais e procedimentos que não se incluam naquelas de natureza administrativa, a cargo da Autoridade Central Federal, respeitadas as determinações das respectivas leis de organização judiciária e normas locais que a instituíram. 226 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010. 227 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.138. 228 Ibem, 2003, p.138-139. 229 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. Cit. p.139. 62 Parágrafo único. As competências das Autoridades Centrais dos Estados federados e do Distrito Federal serão exercidas pela Autoridade Central Federal, quando no respectivo ente federado inexistir Comissão Estadual 230 Judiciária de Adoção ou órgão com atribuições análogas”. Com isso, a CEJAI é órgão obrigatório com vinculação perante o Poder Judiciário Estadual, porém de caráter não vinculante ao Juiz da Infância e da Juventude.231 São atribuições das Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção Internacional: I- organizar, no âmbito do Estado, cadastros centralizados de: a) pretendentes estrangeiros, domiciliados no Brasil ou no exterior, à adoção de crianças brasileiras; b) crianças declaradas em situação de risco pessoal ou social, passíveis de adoção, que não encontrem colocação em lar substituto em nosso país; II – manter intercâmbio com órgãos e instituições especializadas internacionais, púbicas ou privadas, de reconhecida idoneidade, a fim de ajustar sistemas de controle e acompanhamento de estágio de convivência no exterior; III – trabalhar em conjunto com entidades nacionais, de reconhecida idoneidade e recomendadas pelo Juiz da Infância e da Juventude da Comarca; IV – divulgar trabalhos e projetos de adoção, onde sejam esclarecidas suas finalidades, velando para que o instituto seja usado somente em função dos interesses dos adotandos; V – realizar trabalhos junto aos cadastros cadastrados, visando favorecer a superação de preconceitos existentes em relação às crianças adotáveis; VI – propor às autoridades competentes medidas adequadas destinadas a assegurar o perfeito desenvolvimento e devido processamento das adoções internacionais no Estado, para que todos possam agir em colaboração, visando prevenir abusos e distorções quanto ao uso da instituição da adoção internacional; VII – expedir o Laudo ou Certificado de Habilitação, com validade em todo território estadual, aos pretendentes estrangeiros e nacionais à adoção, que tenham sido acolhidos pela Comissão; VIII – comunicar à Autoridade Central Administrativa Federal a habilitação do estrangeiro interessado na adoção; 230 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.139-140. 231 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op. cit. p.140. 63 IX – colaborar com a Autoridade Central Administrativa Federal ou outras autoridades públicas, para a concretização de medidas apropriadas para prevenir benefícios materiais induzidos por ocasião de uma adoção e para impedir quaisquer práticas contrárias aos objetivos da Convenção de Haia.232 Em 30 de maio de 2007, numa reunião ordinária, o Conselho de Autoridades Centrais Brasileira, definiu diversas recomendações que devem ser seguidas pelas Comissões, e estas são resumidamente: a não aceitação de requerimento de habilitação para adoção internacional por interessados oriundos de países que não ratificaram a Convenção de Haia de 1993; os países que ratificaram a Convenção, e que possuem organismos de adoção internacional credenciado do Brasil devem enviar o pedido de habilitação somente por esses organismos, e não individualmente; os países que ratificaram a Convenção, mas que não possuem organismos de adoção internacional credenciados no Brasil devem encaminhar o pedido de habilitação por autoridade central estrangeira diretamente para a CEJAI, ou para ACAF, e a aceitação ou recusa ficará a critério da CEJAI. Essa autoridade central deve ser comprometer em prestar assistência durante o estágio de convivência, assim como se comprometer e enviar relatórios a CEJAI por um período de dois anos depois de feita a adoção.233 Foi também recomendado que a adoção internacional seja aceita somente para crianças maiores de cinco anos de idade, exceto, para grupos de irmãos ou crianças portadoras de necessidades especiais, e caberá a CEJAI, orientar sobre a convivência da adoção nesta última hipótese.234 3.7 A excepcionalidade da adoção internacional e o melhor interesse da criança A adoção feita por estrangeiros foi colocada e forma excepcional em nossa legislação nos artigos 19 e 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente: 232 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.141-142. 233 SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Autoridade Central Administrativa Federal. Resolução n. 11/2007. Artigos terceiros e quarto. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/ Id_of_Autoridade_Central/Id_AutoridadeCentral_Arq_Resolucoes/res11.pdf>Acesso em: 02 de set. 2010. 234 SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Op. cit. . 64 Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de 235 pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida 236 excepcional, somente admissível na modalidade de adoção. A excepcionalidade é uma das principais regras no que diz respeito à adoção internacional, está prevista de forma expressa no artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente e também na Convenção de Haia, ou seja, falar em excepcionalidade significa de uma forma mais simplória, permitir que a criança brasileira seja adotada por estrangeiro somente em último caso, apenas quando não há nenhuma outra possibilidade desse infante permanecer em uma família brasileira. Porém, levar essa regra a sua forma mais severa, poderá significar o não cumprimento do princípio fundamental do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio este, que serve de base para todas as outras regras.237 Segundo Liberati: “O argumento da excepcionalidade da medida de colocação em família substituta estrangeira é forte, mas não é absoluto”.238 Percebe-se, que qualquer que seja a forma de colocação em família substituta é excepcional, pois a “excepcionalidade” se enquadra na medida de colocação em família substituta, não estando diretamente relacionado com a nacionalidade do interessado, pois estaria aplicando a norma de modo lato, sem levar em consideração a vinculação com as regras básicas de interpretação da norma.239 É o que se observa com o instituto jurídico da colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas ou alternativas como é direcionado a “Todo aquele que revele compatibilidade com a natureza da medida ou ofereça ambiente familiar adequado”, art. 29 do ECA. E em sentido contrário, aqueles que não 235 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 2.set.2010. 236 Ibdem. 237 SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. Disponível em: <http://bdjus.stj.br/xmlui/bitstream/handle/2011/19882/Direito_Internacional_Contempor%C3%A2n eo.pdf?sequence=1 >10 de ago. 2010. 238 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.73. 239 Ibidem. p. 74. 65 oferecerem ambiente familiar adequado à criança ou adolescente, não poderá ser concedida a colocação em família substituta.240 Pelos artigos 31 e 51 da Lei nº 8.069/90, entende-se que somente o instituto da adoção poderá ser utilizado pelos estrangeiros, ou seja, é vedada a guarda e a tutela. Há uma parte da doutrina que afirma que esses artigos são inconstitucionais, pois estabelecem diferença entre nacionais e estrangeiros, o que, na opinião desses doutrinadores, fere o artigo 5º, I, da Constituição Federal.241 Sendo assim, o propósito de vedar a guarda e a tutela a estrangeiros é impossibilitar que a criança ou adolescente brasileiro saia do país de forma provisória.242 Porém, destaca-se, não há discriminação em relação aos estrangeiros, o que há é uma imensa preocupação, um zelo maior, pois as crianças nacionais quando adotadas por estrangeiros são levadas de seu país para outro, e o Estado é o maior responsável pelo destino desses infantes, visto que a adoção tem caráter irrevogável, ou seja, não há possibilidade da criança retornar ao país caso a adoção não logre sucesso. Além do que, o artigo 5º da Constituição Federal mostra claramente que é garantida a igualdade entre brasileiros e estrangeiros residentes no país, e, portanto, não inclui o estrangeiro que não reside no país. 243 Como explica Liberati, os motivos que fizeram com que o legislador vedasse os institutos de guarda e tutela foram, por exemplo: A guarda, por exemplo, não necessita da destituição do pátrio poder para ser concedida [...]. Se um estrangeiro, domiciliado fora do território brasileiro, recebe uma criança em guarda e os genitores dessa criança, que continuam manter os vínculos paternais, desejam visitar seu filho, ou até mesmo, requerer a revogação ou modificação da guarda, o que fazer se a criança já está residindo em país estrangeiro? Essa e outras dificuldades levaram o legislador a impedir que o estrangeiro domiciliado no exterior 244 pudesse fazer uso da guarda de crianças ou adolescentes nacionais. Está claro que a lei aborda de forma diferente o procedimento em relação à adoção feita por nacionais e a feita por estrangeiros, no entanto, essa diferença não poderia ser vista como prejudicial, e sim, como uma maneira de proteger a criança, 240 Ibidem. p. 74. MONTEIRO, Sônia Maria. Aspectos novos da adoção: adoção internacional e adoção do nascituro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 54. 242 COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.236. 243 Ibdem, p. 51-52. 244 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional doutrina e jurisprudência 2 ed. São Paulo: Malheiros,2003, p.75. 241 66 pois o adotado terá de deixar seu país de origem, assim como a língua, a cultura, e as proteções que o Estado lhe confere enquanto residente.245 Assevera Tarcísio José Martins Costa, que a adoção internacional rege dois princípios: o princípio da prioridade da própria família e o princípio da prioridade de uma família nacional, para que se possa priorizar a estada da criança em seu território nacional, assim como preservar sua cultura.246 Para Costa: [...] o direito à identidade nacional e à conservação, do qual fazem parte a manutenção dos vínculos com a família e a própria terra, as tradições, a cultura, a língua materna, é um direito essencial da pessoa humana, que se adquire pelo simples fato de nascer com vida [...]. O rompimento deste processo de interação com aqueles igualmente ligados pelas mesmas raízes, só se justifica em caráter de excepcionalidade. Somente depois de exauridas todas as possibilidades de manutenção dos vínculos com a família natural e buscada infrutiferamente, a colocação em família substituta 247 nacional, é que se considera a possibilidade da adoção internacional. Para Liberai, essa discussão é infrutífera, não acarreta benefício algum para as crianças e adolescentes que necessitam e anseiam por uma nova família, pois estas, não estão preocupadas com a nacionalidade dessa nova família e sim em têla.248 A preferência de adoção por brasileiro em detrimento do estrangeiro, não é uma regra absoluta, pois, deve-se sempre observar o melhor interesse da criança ou do adolescente.249 ADOÇÃO – Disputa com estrangeiros – Prevalência do interesse do menor. Adoção de criança brasileira por estrangeiro – Caráter supletivo – Interesse do menor – Prioridade. O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz discriminação entre brasileiros e estrangeiros. O que a lei quer é que se dê supremacia à criança ou ao adolescente, seu bem-estar, seus direitos, dignidade, convivência familiar etc., e, estando brasileiros e estrangeiros nas mesmas condições, sendo ambos convenientes à criança ou ao adolescente, deve-se preferir o brasileiro ao estrangeiro. Se, porém, as condições oferecidas pelo casal estrangeiro forem melhores e trouxerem vantagens ao menor, a medida excepcional deve ser aplicada. TJMG, 4ªC., Ag. 22.528-4, rel. Des. Alves de Melo, j. 2.4.92, (Minas Gerais II 5.12.92, p.1, ementa oficial). 245 MONTEIRO, Sônia Maria. Op.cit. p. 56-57. COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: um estudo sociojuridico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.237. 247 Ibdem, p.239. 248 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 76. 249 CARVALHO, Dimas Messias. Adoção e Guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 57. 246 67 ADOÇÃO DE MENOR POR CASAL ESTRANGEIRO – Pretendentes brasileiros. Disposições de ordem administrativa da Corregedoria-Geral da Justiça, preterindo casais estrangeiros em favor de brasileiros, na adoção de menores, não é regra de direito para excluir, desde logo, a possibilidade de uma criança brasileira ser adotada por casal estrangeiro, mesmo existindo pretendentes brasileiros, porque o que se visa é o bem-estar do menor, fique ele no Brasil ou no exterior. Apelo provido para determinar que prossiga o processo de adoção. TJRS, 8ªC.,Ap. 592136972- São Leopoldo/RS. Thomaz Junior e Minnicell salientam: Há estrangeiros honestos e desonestos, há nacionais moralmente idôneos e inidôneos. Um dos papéis da Justiça está em resguardar a criança de desonestos e inidôneos, sejam qual pátria provenham [...]. A origem do casal não deve pretender que ao casal estrangeiro seja inacessível a 250 adoção de crianças nacionais. De acordo com Costa, sobre medidas necessárias para garantir uma adequada adoção por estrangeiros, conclui que : Do ponto de vista jurídico, as garantias desejáveis para a adoção internacional podem ser assim resumidas: a) determinação das autoridades competentes para pronunciá-la, a lei que deve por elas ser aplicada e a definição do procedimento a seguir; b) assegurar que a adoção seja reconhecida nos países envolvidos; c) impedir que se concedam autorizações de adoção sem as necessárias precauções; d) estabelecer preferência de organizações confiáveis, devidamente credenciadas, em lugar de indivíduos que atuam como intermediários; e) vedação de adoção por procuração; f) punição dos responsáveis pelas adoções realizadas com fraude às leis nacionais e internacionais; g) melhor controle das autorizações de viagens internacionais e emissão de passaportes para menores; h) respeito aos princípios básicos já mencionados, consagrados pela Convenção das Nações Unidas sobre direitos das crianças e Convenção de Haia relativa à adoção. (...) Finalmente, é dentro do contexto de inescapável mundialização em que vivemos que a adoção internacional deve ser inserida. A revolução dos meios de comunicação, a integração dos países em blocos econômicos, a flexibilização das fronteiras, o aumento das uniões entre homens e mulheres de diferentes nacionalidades e o intenso deslocamento de pessoas além-fronteiras cada vez mais aproximam os povos, permitindolhes que melhor se conheçam e se tratem mais solidariamente. Portanto, nada mais natural no mundo de hoje do que o intercâmbio entre as nações e os povos. Não se pode, entretanto, esquecer os imensos obstáculos a superar, em especial o de compatibilizar não só as legislações, mas, principalmente, costumes e culturas distintas. Não obstante, impõe-se enfrentar a questão 250 THOMAZ JUNIOR, Dimas Borelli e MINNICELLI, João Luiz Portolan Galvão apud SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. p.85. 68 das crianças desamparadas, centro de todas as preocupações e valor fundamental a defender, sem preconceitos ou condicionamentos ideológicos prévios. Como os valores familiares e humanos estão acima dos valores difusos, como pátria, cultura, língua e outros, não se podem transformar o instituto humanístico da adoção internacional em cenário de confrontos, seja pela reafirmação injustificada do nacionalismo, seja pela invocação da 251 soberania como valor politicamente superior. As vantagens para o menor que será adotado por um estrangeiro devem ser gritantes visto que, a criança e/ou o adolescente serão levados de seu país e terão que enfrentar uma cultura diferente, assim como a língua, costumes, enfim, a realidade de um novo país. Porém, todos estes obstáculos devem ser enfrentados, visto a possibilidade de aquela criança conseguir encontrar uma família que a acolha de verdade, com todo amor, carinho e respeito que merecem. Submeter essas crianças à espera de uma melhora na realidade nacional, para que possam ser adotadas apenas por famílias brasileiras, significa deixar gerações e gerações abandonadas à própria sorte.252 251 COSTA, Tarcísio José Martins Costa. Adoção Internacional: Aspectos Jurídicos, Políticos e Socioculturais. Anais do II Congresso Brasileiro do Direito de Família. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: IDFAM: OAB/MG. Del Rey, 2000. p.278-281. Disponível em: <www.ibdfam.org.br/anais_download.php?a=69>. Acesso em 20 de out. 2010. 252 SILVA, Viviane Alves Santos. A adoção internacional sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança. Disponível em: <http://bdjus.stj.br/xmlui/bitstream/handle/2011/19882/Direito_Internacional_Contempor%C3%A2n eo.pdf?sequence=1 >10 de ago. 2010. 69 CONCLUSÃO Em princípio é necessário frisar a evolução histórica no tratamento relativo às crianças e adolescentes, ou seja, a modificação em sua situação jurídica, onde deixaram de ser meros objetos e, que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, passaram à condição de serem sujeitos de direito. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente também foi importante e relevante para essa evolução, onde o princípio da proteção integral veio para amparar todas as crianças de forma indiscriminada. Para garantir essa proteção, outros princípios foram adotados como o princípio da prioridade absoluta, do melhor interesse, da coresponsabilidade, da dignidade da pessoa humana, da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento e da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988, juntamente com estes princípios que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente, identificou a convivência familiar como direito fundamental da criança e do adolescente. Diante disso, a importante função da família, aliada à aplicação dos direitos fundamentais infanto-juvenis, representa um lugar adequado para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Com o objetivo de que estes possam ter condições de se desenvolverem da melhor maneira possível para que com isso seja proporcionado um futuro digno, pois a família é a base da sociedade e ela pode permitir que essas crianças tenham apoio emocional, material, e que seu bem-estar seja garantido. A criança tem como direito fundamental crescer e se desenvolver em um ambiente familiar, seja essa família natural ou substituta, nacional ou internacional, pois o que realmente importa para a criança é um ambiente familiar que proporcione amor, boa educação, compreensão, ou seja, valores indispensáveis para o crescimento e desenvolvimento saudável de uma criança, pois somente aqueles que realmente possuem dom e vocação para serem pais, conseguem dar a devida proteção a essas crianças e isso independe de sua nacionalidade, onde devemos sempre primar pelo melhor interesse da criança, pois a nacionalidade, por si só, não é fator determinante para garantir que esse princípio seja garantido. É nesse contexto que se insere a adoção internacional, não como solução para o problema do abandono no Brasil, mas como forma de amenizar a atual 70 situação das crianças esquecidas em abrigos, que não lograram sucesso em encontrar uma família em seu país de origem dispostas a amá-las e a educá-las. O princípio do superior interesse da criança é o principal fundamento a ser seguido e respeitado. Entretanto, o extremo receio com que é tratada a adoção internacional muitas vezes impede que crianças e adolescentes disponíveis à adoção, e que são rejeitadas por famílias brasileiras, deixem de ter um lar saudável, uma família que o ampare de verdade, ferindo, assim, o melhor interesse, garantia Constitucional, que fica relegado a segundo plano. O caráter subsidiário que a Lei aplica à adoção internacional nem sempre representa a melhor solução para o superior interesse do adotado, pois a colocação em família substituta nacional ou internacional, já caracteriza a excepcionalidade e colocar a adoção por estrangeiros como última possibilidade, pode ferir o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, pois um casal de outra nacionalidade pode, perfeitamente, oferecer melhores condições que um casal nacional. Convém ressaltar que tanto a colocação da criança em família substituta nacional ou transnacional existe o risco da adoção não lograr êxito. A adoção internacional requer requisitos rígidos, o que pode impedir possíveis danos ao adotado, se esta for feita de acordo com todos os preceitos exigidos pela lei. Logo, deve-se sempre observar o princípio do melhor interesse da criança, resguardando que seja garantida a adoção que proporcione melhores condições para a criança, e que ser for por estrangeiros, que ela seja deferida. 71 REFERÊNCIAS CÁPUA, Valdeci Ataíde. Adoção Internacional: procedimentos legais. Curitiba: Juruá, 2009. CARVALHO, Dimas Messias. Adoção e Guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2. ed. São Paulo: LTR, 1997. COSTA, Tarcísio José Martins. 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