PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: DA LEGALIDADE E
LIMITAÇÕES DAS REVISTAS PESSOAIS NOS EMPREGADOS.
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Lívia Garcia Vasconcelos
Advogada do Núcleo Trabalhista do Escritório Cleto Gomes - Advogados Associados.
Graduada pela Unifor. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela
Faculdade Christus
RESUMO
O Poder Diretivo é algo inerente à atividade do empregador, constituindo na
prerrogativa que a lei concede ao mesmo de organizar e de emanar ordens para o
regular e eficiente desempenho das atividades profissionais por parte dos
trabalhadores.O Poder Fiscalizatório ou de Controle se enquadra justamente numa
das vertentes que o poder empregatício possui, revelando-se na possibilidade que a
empresa detém de adotar medidas como revista pessoal, controle da jornada de
trabalho e de emails corporativos, dentre outras, visando a salvaguarda de seu
patrimônio econômico.O entendimento doutrinário e jurisprudencial corroboram a
permissão concedida pela lei do empregador realizar revistas pessoais nos
trabalhadores e em seus pertences, vedando apenas de forma exclusiva a revista em
sua modalidade íntima.Inobstante a referida permissão legal, o poder diretivo e
fiscalizatório do empregador deverá ser usado com moderação, em defesa do direito
de propriedade (CF/88 art. 5º, XXII) e sem exposição do empregado a situação
constrangedora.
Palavras-Chave: Poder diretivo.Poder de fiscalização
pessoal.Legalidade.Limitações para sua aplicação.
do
empregador.Revista
INTRODUÇÃO
A relação de emprego tem como uma de suas características basilares a
necessária e obrigatória subordinação jurídica do empregado em relação ao
empregador, onde este exercerá sobre aquele poder diretivo e fiscalizador. Entretanto,
os mencionados poderes do empregador de definir e ordenar as regras quanto à
prestação dos serviços e de fiscalizá-los não retiram do trabalhador a sua condição de
cidadão, possuidor de direitos, dentre eles o de ser respeitado na sua intimidade e
vida privada.
Nesse sentido, a questão relativa às revistas pessoais coloca em conflito dois
direitos fundamentais: o direito à intimidade e o direito de propriedade, ambos
assegurados pelo artigo 5ª, da Carta Magna, nos incisos X e XXII, respectivamente.
O direito de propriedade confere de modo inafastável a possibilidade do
empregador realizar revistas pessoais naqueles que estão a desempenhar atividades
profissionais em seu estabelecimento.Veremos que tanto a jurisprudência quanto a
doutrina trabalhista pátria reafirmam o disposto no comando celetista, visto que é
próprio da função empregadora dirigir a prestação pessoal de serviços e para alcançar
tal fim igualmente se faz necessária a proteção dos bens materiais que integram o
estabelecimento empresarial e os relacionados à consecução de seu mister.
Contudo, na medida que a revista em pertence dos empregados é admitida, eis
que se revela como um método de proteção ao direito de propriedade do empregador,
se estabelecem limites para a sua efetivação.Tais limites são de ordem constitucional,
e dizem respeito sobretudo ao respeito à dignidade da pessoa humana e direito à
intimidade do obreiro.
Assim, veremos no presente artigo como esses dois aspectos do tema em
comento guardam relação de pertinência entre si, não havendo que se falar, e
sobretudo não podendo se falar em prevalência absoluta de um sobre o outro, mas
sim de aplicação harmônica dos dois princípios constitucionais, quais sejam direito de
propriedade e de intimidade.
1 DO PODER DIRETIVO: DEFINIÇÃO E POSSIBILIDADE DAS REVISTAS NOS
EMPREGADOS.
O Poder Diretivo do empregador encontra seu fundamento legal no art.2º da
CLT, que dispõe: “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviços”. Percebe-se, portanto, que o Poder Diretivo deriva justamente
dessa direção da “prestação pessoal de serviço”, sendo o empregador o responsável
por determinar a forma como o trabalho será executado pelo empregado, devendo em
razão disso, assumir os riscos inerentes à atividade econômica a ser desempenhada
(princípio da alteridade). Por outro lado, o empregado, a partir do momento que firma o
contrato de trabalho com o empregador, assume o dever de acatar as ordens daquele
e realizar a atividade do modo que for determinado. Esse dever de obediência por
parte do trabalhador é decorrente exatamente da subordinação jurídica que nasce com
a celebração do contrato laboral com o empregador.
Destarte, o Poder Diretivo concerne na prerrogativa que o empregador tem de
definir a forma de atuação do trabalho do empregado, sendo lhe concedida tal
prerrogativa em decorrência de preceito legal e da pactuação de um contrato de
trabalho. Os poderes de direção do empregador abrangem desde o modo como
organizará a empresa, podendo para isso editar regulamentos internos, até a
orientação e controle dos serviços a serem executados pelo empregado. O
empregador é a figura que concentra o “modus operandi” da prestação de serviços,
tendo além da atribuição de determinar regras, o dever de zelar pelo bom
cumprimento das mesmas, podendo aplicar punições aos empregados caso estes
deixem de cumprir as diretrizes e regras fixadas por ele.
Os argumentos expostos acima podem ser ratificados pelo que nos ensina o
doutrinador Maurício Godinho Delgado (2009, pág.592):
A concentração do poder de organização faz-se na figura do
empregador. Isso se explica em face do controle jurídico, sob
diversos ângulos, que o empregador tem sobre o conjunto da
estrutura empresarial e em face também do principio de assunção
dos riscos do empreendimento que sobre ele recai.
Podemos afirmar que o Poder Diretivo é gênero, possuindo diversas
ramificações, dentre elas o Poder Fiscalizatório, recebendo a seguinte definição de
Maurício Godinho Delgado (2009, pág.594):
Poder fiscalizatório (ou poder de controle) seria o conjunto de
prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da
prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do
espaço empresarial interno.Medidas como o controle de portaria, as
revistas, o circuito interno de televisão, o controle de horário e
freqüência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e
outras providências correlatas é que seriam manifestação do poder
de controle.
Diante das diretrizes iniciais traçadas acima, é que adentraremos no estudo da
possibilidade que o empregador possui de praticar condutas de revista nos
trabalhadores integrantes de sua empresa, posto ser essa uma das manifestações do
Poder de Controle que lhe é outorgado por lei. A revista do empregado, bem como de
pertences e armários dos mesmos encontra-se autorizada no âmbito legal através do
disposto no art.373-A, inciso VI, da CLT, que prescreve:
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir
as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho
e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é
vedado:
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas
empregadas ou funcionárias.
Percebe-se, assim, que a CLT permite de forma expressa a revista a ser
realizada pelos empregadores (interpretação a contrario sensu da norma), ressalvando
somente a hipótese de revista íntima. Vale destacar que embora a revista esteja
prevista em capítulo que trata sobre o trabalho da mulher, o contido no dispositivo
acima transcrito deverá ter sua incidência observada também em relação aos
empregados homens. Apesar da CLT assegurar a revista pessoal, vedando apenas a
modalidade íntima, o TST editou o Enunciado nº 15 em 23/11/2007 (1ª Jornada de
Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho) tratando sobre o conflito entre
poder de direção versus intimidade e privacidade do empregado, que prescrevem o
seguinte:
I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não,
promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados
e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos
fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.
II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma
do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas
empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade
entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República.
Inobstante o TST através do referido Enunciado procurar estabelecer a
proibição de revista em todas as suas espécies, sob possível violação aos direitos
fundamentais dos empregados, prevalece o entendimento jurisprudencial que permite
aos empregadores em razão do Poder Diretivo que lhes é conferido efetuar a aludida
revista, senão vejamos o que nos diz Alice Monteiro de Barros (2007, pág. 574, 575):
A jurisprudência brasileira inclina-se, há mais de meio século, pela
possibilidade da revista pessoal, mormente quando prevista em
regimento interno da empresa, com o fundamento de que é um direito
do empregador e uma salvaguarda ao seu patrimônio. Entende-se
que a insurgência do empregado contra esse procedimento permite a
suposição de que a revista viria comprovar a suspeita que a
determinou, autorizando o reconhecimento da justa causa.
Assim, uma vez que já vimos que a revista a ser procedida pelos
empregadores tem o devido amparo legal, doutrinário e jurisprudencial, cumpre
analisarmos o seguinte trecho da doutrina acima colacionada, que prega que a
realização de revistas aos objetos dos trabalhadores deve ser feita “com o fundamento
de que é um direito do empregador e uma salvaguarda ao seu patrimônio”.
Quer dizer, o empregador como responsável pela prestação dos serviços a
serem desempenhados pelos seus empregados e por conseguinte responsável pelos
riscos econômicos decorrentes de tal prestação, tem assegurado o direito de proteger
os bens que integram sua propriedade, sendo a referida prerrogativa decorrente do
direito de propriedade outorgado pela CF. A Carta Magna trata especificamente do
direito de propriedade em alguns artigos, lhe conferindo o status de direito
fundamental, conforme se depreende do art.5º, XXII, que diz “é garantido o direito de
propriedade”. Tratam ainda do tema na Constituição Federal o art.5º, caput e o
art.170:
Art.5º, “caput”. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade.
Portanto, o empregador em face do direito de propriedade e em razão do
princípio da livre iniciativa garantidos pela CF tem o respaldo necessário para
exercendo o Poder Diretivo próprio das relações de trabalho promover as devidas
revistas nos empregados e em seus pertences, visto que o intuito primordial da
mencionada conduta é proteger o patrimônio da empresa contra eventuais condutas
de improbidade por parte de seus empregados. Por seu turno, estes, em função da
subordinação jurídica do contrato de trabalho, terão o dever de acatarem as ordens de
revista emitidas, sob pena de cometerem falta grave apta a rescindir o contrato.
Confirmando o ora argumentado, merecem destaque as seguintes decisões, in
verbis:
DANO MORAL. REVISTA EM BOLSAS. A revista realizada com
moderação e razoabilidade em bolsas e sacolas dos empregados,
não caracteriza abuso de direito ou ato ilícito. Constitui, na realidade,
exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder
diretivo e de fiscalização.(TRT da 1ª Região; Processo:
01039008420065010244 RO; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator:
Maria Das Gracas Cabral Viegas Paranhos; Data de Publicação:
12/03/2009)
REVISTA PESSOAL - EXERCÍCIO REGULAR DO PODER
FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. A prática de revista dos
trabalhadores não é, em si, vedada. O que não se admite são
excessos, que possam expor os trabalhadores a situações
humilhantes e vexatórias. A revista pessoal realizada nas bolsas de
todas as empregadas, de forma impessoal, em local discreto e na
frente apenas dos demais empregados, longe da vista dos clientes,
revela que a conduta do empregador não se qualifica como ilícita ou
abusiva, pois atuou dentro dos limites do seu poder diretivo, de modo
a preservar o seu patrimônio, sem violar os direitos à intimidade e à
privacidade da reclamante, razão pela qual não é cabível a
indenização pretendida. Recurso parcialmente provido. (TRT da 3.ª
Região; Processo: 02390-2012-023-03-00-1 RO; Data de Publicação:
22/11/2013; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Convocado
Marcio Jose Zebende; Revisor: Convocado Ricardo Marcelo Silva;
Divulgação: 21/11/2013. DEJT. Página 250)
De tal feita, percebe-se que a possibilidade do empregador efetuar revista
pessoal em seus trabalhadores encontra expresso amparo doutrinário, legal e
jurisprudencial, sob o fundamento do poder diretivo da empresa (em sua modalidade
fiscalizatória ou de controle).
2 DAS LIMITAÇÕES AO PODER DE REVISTA
Entretanto, embora o empregador detenha o poder de organizar, controlar e
conduzir a prestação de serviços por parte do empregado, é importante salientar que o
referido Poder Diretivo não é revestido de natureza ilimitada. O pleno exercício do
Poder Diretivo encontra-se sujeito à observância de certos preceitos constitucionais,
legais, contratuais e de normas coletivas, que são os denominado limites “externos”,
devendo ainda observar a boa-fé e a regularidade, que constituem o limite “interno”.
Desse modo, as revistas pessoais, como vertentes do exercício do Poder de
Controle do empregador, não poderão ser realizadas de forma arbitrária e
incondicionada por aquele, estando sujeitas à observância obrigatória de normas
protetivas aos direitos dos trabalhadores.
O mais importante limite ao Poder Diretivo do empregador e de cumprimento
obrigatório quando da prática da revista é o previsto no art.1º, III, da CF: respeito à
dignidade da pessoa humana. Assim, ainda que em virtude do contrato de trabalho e
da subordinação jurídica decorrente deste, o empregado tenha o dever de cumprir as
ordens emanadas pelo empregador, devendo se submeter à vistoria ou ter seus
pertences objeto de revista, se tais ordens violarem a sua dignidade, seja na esfera
moral ou física, não subsiste mais a obrigação de obediência por parte do trabalhador.
O empregado deve ter sua integridade física e psíquica respeitadas pelo empregador,
inexistindo qualquer obrigação de cumprir diligências que violem os elementos
aludidos e que comprometam sua vida, saúde mental e corporal.
A CF, em seu art.5º, inciso X, prescreve ainda que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Por
conseguinte, será sempre ilegal (e obviamente imoral): submeter o empregado (ambos
os sexos) a revista íntima e vexatória, sob a suspeita de prática de ato que atentaria
contra o patrimônio da empresa, posto a agressão ao direito à intimidade. Vejamos o
posicionamento de Amauri Mascaro Nascimento acerca do tema:
(...) outra manifestação do poder de direção está no poder de
controle. Significa o direito do empregador fiscalizar as atividades
profissionais dos seus empregados. Justifica-se, uma vez que, em
contrapartida ao salário que paga, vem recebendo os serviços dos
empregados. Aqui também inúmeros aspectos podem ser suscitados.
Um deles, de grande importância prática, é o referente às revistas
dos empregados pela empresa, na portaria, ao final do expediente.
Se pode parecer à primeira vista absurda, tal exigência encontra
fundamento no poder de controle do empregador. A revista dos
empregados vem sendo considerada pelos Tribunais como um direito
de fiscalização do empregador. No entanto, se se torna abusiva da
dignidade do trabalhador, não encontrará acolhida nas decisões
judiciais. Terá de ser moderada, respeitosa, suficiente para que os
objetivos sejam atingidos.
Os Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros acompanham os ensinamentos
apresentados no presente trabalho, firmando pela existência de limites ao direito de
revista conferido aos empregadores e vedando expressamente a revista íntima,
condenando os empregadores, inclusive, ao pagamento de indenizações em caso de
violação aos direitos fundamentais dos trabalhadores, senão vejamos as seguintes
jurisprudências:
REVISTA ÍNTIMA. DANOS MORAIS. O poder diretivo do
empregador encontra limites intransponíveis nos direitos
personalíssimos do empregado, como a honra, a intimidade e a
privacidade. Os cuidados patronais pela preservação de seu
patrimônio não podem malferir tais direitos inerentes ao
trabalhador como pessoa humana. A par disso, a revista do
empregado não pode resultar em injustificada invasão desses
valores. A conduta do empregador que impõe revista íntima fora
dos limites da legalidade, assim considerada por exigir que o
empregado tire suas vestes, ficando apenas de cuecas ou de sunga e
até mesmo totalmente desnudo, para provar que não está
furtando, certamente excede o poder diretivo que lhe é peculiar,
de modo a afrontar os limites da dignidade do homem e caracterizar
procedimento vexatório e humilhante que impõe a correspondente
indenização por danos morais (TRT 3º Região - Processo: 013742008-037-03-00-8 RO - Data de Publicação: 13/05/2009 DEJT Órgão Julgador: Turma Recursal de Juiz de Fora - Relator:
Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires).
DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. AFRONTA AOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE E DIGNIDADE HUMANA. É certo que ao
empregador cabe o uso do poder diretivo em prol da organização do
trabalho e na busca do bem estar do meio social e empresarial que o
cerca. Inquestionável, também, que no uso desta faculdade deverá se
precaver da prática de atos que possam constranger aqueles que
lhe
prestam
serviços,
violando
direito
individual
e
personalíssimo alicerçados no art. 5a e incisos da CR/88, os
quais recebem especial proteção do legislador. Neste contexto,
submeter o empregado à revista íntima, de forma agressiva e
discriminatória, em afronta à garantia constitucional de
intimidade da vida privada, honra e imagem, configura prática
vedada em lei e atrai o alcance do art. 186 do CCB, de
subsidiária aplicação à esfera juslaboral (TRT - 3º Região- Processo:
01295-2007-008-03-00-0 RO - Data de Publicação: 05/06/2008
DJMG - Órgão Julgador: Sexta Turma - Relator: Convocado
Fernando Antonio Viegas Peixoto).
Diante dos argumentos já demonstrados, percebe-se que o empregador com o
escopo de proteger sua empresa e os bens que a compõem, poderá adotar o
procedimento de revista nos empregados e nos pertences dos mesmos, contudo tal
conduta somente será revestida de legalidade se alguns valores protegidos na esfera
constitucional forem devidamente respeitados, tais como: dignidade do trabalhador e
não violação da sua intimidade e honra. Diante da inobservância dos aludidos
preceitos, tem-se a ilicitude do ato de revista praticado pelo empregador, conforme se
verifica da leitura do art.187 do Código Civil: "também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Outrossim, são considerados requisitos de validade e legalidade da conduta de
revista pelo empregador: a sua realização de maneira genérica, alcançando todos os
empregados da empresa; caso não seja possível ser feita com todos os empregados,
o empregador deve usar critérios objetivos para selecionar os trabalhadores que
estarão sujeitos à revista; a impessoalidade na sua execução; ajuste prévio com o
sindicato da categoria profissional ou com os próprios empregados; situações de fato
concretas aptas a justificarem sua realização. Além dos requisitos citados, como vimos
é necessário sobretudo o respeito aos direitos fundamentais preconizados na CF,
sendo tais afirmativas ratificadas de forma clara pelo acórdão que segue:
REVISTA PESSOAL. DANO MORAL - Embora os direitos à
intimidade e à honra estejam consagrados na Constituição
Federal (art. 5o., X), a jurisprudência brasileira admite a
possibilidade da revista pessoal, inserida no direito do
empregador de fiscalizar o seu patrimônio, desde que não
importe afronta à dignidade do ser humano. A revista pessoal é
legítima se realizada em caráter geral e impessoal, em
respeito à intimidade do empregado, desde que haja
circunstâncias concretas que a justifiquem. Por conseguinte, a
revista efetuada em todos os empregados no término da jornada,
sem a exigência de que os trabalhadores se desnudem, realizada
em empresa de distribuição de pequenas mercadorias
suscetíveis
de
ocultação
e
subtração,
não
revela
o
abuso do poder diretivo do empregador, nem tampouco a ofensa à
esfera de privacidade dos empregados, afastando o direito à
indenização por danos morais (TRT - 3º Região- Processo: 004972008-031-03-00-3 RO - Data de Publicação: 12/11/2008 DJMG Órgão Julgador: Segunda Turma- Relator: Sebastião Geraldo de
Oliveira).
Como já foi analisado, a revista na sua modalidade íntima é totalmente vedada
pelo sistema jurídico brasileiro por clara violação ao direito de intimidade do
empregado, seja qual for o sexo. No tocante às revistas aos pertences e armários dos
empregados, a doutrina e jurisprudência pátrias mais uma vez se coadunam em seus
entendimentos, considerando válidas as revistas operadas pelos empregadores nos
ditos objetos, como forma de proteção ao patrimônio da empresa, contudo conforme
anteriormente estudado, o Poder de Controle do empregador nesses casos estará
limitado pela observância das normas esculpidas na CF, que resguardam os valores
de natureza subjetiva dos trabalhadores.
Nesse sentido, é de grande relevância transcrevermos os acórdãos proferidos
pelo TST e o TRT da 9ª Região, que de modo conciso asseguram ao empregador o
direito de proceder a revistas nas circunstâncias descritas no parágrafo acima, desde
que tal procedimento não seja exercido de forma excessiva:
RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. REVISTA. BOLSAS E
SACOLAS. A revista realizada com moderação e razoabilidade não
caracteriza abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, na realidade,
exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder
diretivo e de fiscalização. Dessa forma, a revista em bolsas, sacolas
ou mochilas de todos os empregados, sem que se proceda à revista
íntima e sem contato corporal,mas apenas visual do vistoriador, e em
caráter geral relativamente aos empregados de mesmo nível
hierárquico, não denuncia excesso do empregador, inabilitando o
reclamante à percepção da indenização por danos morais. Recurso
de revista provido (TST – Número único Processo: RR 11419/2005003-09-00 - Publicação: DJ - 06/06/2008 – Acórdão - 5ª Turma).
DANO MORAL-REVISTAS EM BOLSAS E MOCHILAS DOS
EMPREGADOS-NÃO CONFIGURADO- É lícito o procedimento da
reclamada de realizar revistas em bolsas e mochilas dos seus
empregados. À reclamada cumpre zelar pelo seu patrimônio podendo
usar, para tanto, do seu direito de fiscalização, neste incluído o direito
de proceder revistas em seus funcionários, desde que estas não
atinjam a intimidade, dignidade e auto-estima dos mesmos. Não se
trata de imputar qualquer pecha aos empregados ou de expô-los a
situação vexatória, mas uma regra interna de procedimento, que visa
justamente resguardar o patrimônio e a "saúde" financeira da
empresa, o que é de interesse inclusive dos empregados que
dependem financeiramente da empregadora. Nunca houve lesão à
intimidade ou à dignidade dos empregados, já que a revista limitavase à averiguação do conteúdo de bolsas e mochilas. O reclamante
nunca foi obrigado a tirar a roupa, sapatos, tampouco, foi tocado por
outro funcionário. Neste escopo, o procedimento de revistar bolsas e
mochilas dos funcionários não se traduz numa prática abusiva ou
discriminatória que tenha atingido o reclamante em seu íntimo. Tanto
é assim, que o procedimento atingia indistintamente todos os
funcionários". (TRT 9ª R. – Proc. 01425-2002-661-09-00-6 – Rel. Juiz
Sergio Murilo Rodrigues Lemos – J. 10.10.2003).
Destarte, o critério a ser observado para determinar se o empregador está
exercendo de forma adequada o direito de revistar de forma pessoal o trabalhador e
seus objetos é se o mesmo está ultrapassando os limites do Poder de Controle que
lhe foi outorgado. A revista apenas será tida por abusiva e decretada ilegal, se as
normas que pregam os direitos dos trabalhadores não forem atendidas no caso
concreto, surgindo, por conseqüência, o dever de reparação por parte do empregador.
Para finalizarmos o presente estudo acerca do direito que é assistido ao
empregador de proceder a revistas nos seus empregados e em seus objetos, cumpre
colacionarmos a jurisprudência abaixo, oriunda do TRT da 3ª Região. A decisão que
segue faz um apanhado histórico da origem do direito de propriedade, assegurando a
competência do empregador de adotar providências que resguardem e que zelem pelo
seu patrimônio, incluindo-se nesse âmbito a possibilidade das revistas, entretanto bem
observa a importância dos princípios constitucionais protetivos da pessoa do
empregado para a correta implementação da prática da revista.
REVISTA PASSADA EM REVISTA - SUPERAÇÃO DO IUS UTENDI
ET ABUTENDI - INVASÃO E PREDOMÍNIO DE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
NO
ORDENAMENTO
JURÍDICOTRABALHISTA – COLISÃO E SOLUÇÃO - IMPORTÂNCIA DA
EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - Com o
passar dos séculos, ruiu o absolutismo do art. 17 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, segundo o qual "a propriedade é
um direito sagrado e inviolável", assim como o art. 514 do Código
Civil de 1804, pelo qual "a propriedade é o direito de gozar e dispor
das coisas da maneira a mais absoluta", uma vez que se condicionou
o exercício dos predicados inerentes à propriedade à
observância da sua função social. A propriedade privada, que
atenderá
a
sua
função
social,
é
garantida
pela
Constituição Federal, conforme art. 5o., incisos XXII e XXIII.
Sem a atividade privada não há empregos; sem os empregos, a
atividade privada não se realiza - direitos e obrigações
double face, impregnados pelos valores sociais supremos. A empresa
tem o direito de preservar o seu patrimônio, donde ser
legítima a revista, que também possui duas finalidades: a)
controle patrimonial; b) punição do ato de desonestidade, que,
por sua vez, pode se desdobrar em: b1) advertência ou
suspensão,
visando
à
recuperação
do
infrator;
b2)
dispensa, visando ao afastamento de empregado cuja prática é
nociva ao bom ambiente de trabalho. Assim, a revista, em si, não
é boa nem ruim, desde que, por se tratar de um desdobramento do
direito de propriedade, se faça revestida de sua função
social. A revista está legitimada pelo sistema e é uma
realidade no contexto empresarial do mundo capitalista
contemporâneo,
dominado
pela
miniaturização
(small
is
beautiful). Constitui-se em instrumento à disposição da
empregadora, que, no entanto, tem que utilizá-lo em
consonância com os demais princípios constitucionais, dentre
os quais se destaca o da dignidade da pessoa humana, que molda e
conforma todo o ordenamento jurídico. Tudo gira em torno da
pessoa humana e não em torno do ordenamento jurídico. Nenhum
direito pode ser exercido, isolada e desmedidamente, como se fosse
o astro-rei, com desvio de finalidade, com abuso pelo seu titular,
colocada, em segundo plano, a pessoa humana. A Carta Magna
caracteriza-se por um verdadeiro dogma ao sistema de pesos e
contra-pesos, próprio do sistema democrático-plural. Havendo a
colisão de princípios, mister se faz o confronto dos valores
em jogo, optando-se por aquele mais valoroso, com maior eficácia
social e que menos sacrifício cause ao outro diante do caso
concreto. O Direito está pautado, sublinhado e negritado pela
ética e pela filosofia, valores supremos da humanidade, sem os
quais nada se alcança com dignidade. Nessas condições, o que
se há de preservar na prática da revista é o respeito ao
trabalhador, que não deve ser humilhado, nem discriminado, nem
desrespeitado, nem diminuído em seus valores e atributos
humanos, dos quais não pode abdicar, porque imprescritíveis.
Havendo um fundamento para a revista do empregado, realizada com
parcimônia, bom senso, equilíbrio, razoabilidade e respeito,
sem afronta aos direitos fundamentais da pessoa humana, nenhum
óbice pode ser anteposto ao exercício legítimo desse
direito. O problema não está no exercício, em si, do
direito, porém na maneira de exercê-lo, com contenção e
razoabilidade. Tratar o trabalhador com igualdade e com respeito
à ética e à sacralidade do próximo, também é uma
maneira de realizar justiça no ambiente de trabalho, que se
constitui em um prolongamento do lar, da sociedade e da boa
convivência, necessárias para a plena realização e para a
felicidade do homem. Em suma, a revista praticada nos moldes acima
apontados, concretiza, sob a ótica privada, a eficácia
horizontal de importante direito fundamental, garantindo-se à
empregadora, sem risco de transgressão a fruição de um
direito constitucional (TRT - 3º Região- Processo: 00576-2008-10203-00-7 RO - Data de Publicação: 16/03/2009 DEJT - Órgão
Julgador: Quarta Turma - Relator: Luiz Otávio Linhares Renault).
Enfim, conclui-se que as revistas só serão passíveis de legitimidade se na
situação concreta apresentada, o direito do empregador de promover àquelas for
exercido em harmonia aos direitos constitucionais dos trabalhadores. Assim, sempre
que houver colisão entre o direito de propriedade garantido ao empregador e os
direitos fundamentais consagrados na CF, a solução que urge é o respeito e a
proteção às normas que zelem pelos direitos dos empregados. São esses preceitos de
natureza constitucional que servirão de limites ao exercício do Poder Diretivo do
empregador no tocante a prática da revista, conforme ressalta o autor Maurício
Godinho Delgado (2009, pág.596):
Todas essas regras e princípios gerais, portanto, criam uma fronteira
inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no
contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que
venham agredir ou cercear a liberdade e dignidade da pessoa que
trabalha empregaticiamente no país.
Desse modo, aprendemos que o Poder de Controle do empregador lhe
autoriza a realizar revistas pessoais e em pertences dos seus trabalhadores, dado a
Carta Magna lhe conferir também o direito de propriedade, contudo o aludido Poder
não é ilimitado, sendo consideradas abusivas e ilegais todas as revistas que
constranjam o empregado e que por conseguinte acarretem em violação dos seus
direitos básicos assegurados pela CF.
CONCLUSÃO
Ante o pequeno estudo realizado, depreende-se que as revistas são
perfeitamente admitidas pelo ordenamento jurídico do Brasil, enquadrando-se dentro
do Poder Diretivo e Fiscalizador conferido ao empregador pela lei e pelo contrato de
trabalho. Outrossim, o direito de proteção à propriedade, que goza do status de
garantia constitucional, ampara o empregador a adotar medidas que salvaguardem
seus bens materiais, podendo para tal fiscalizar os trabalhadores de seu
estabelecimento, assim como os pertences dos mesmos.
Contudo, só serão consideradas lícitas as revistas efetuadas nos próprios
empregados e nos seus respectivos pertences, caso protegidos os preceitos
consagrados pela CF, quais sejam a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade
da intimidade e da honra dos obreiros. Valendo destacar, porém, que em nenhuma
hipótese será permitida a revista íntima visto que o constrangimento físico e moral
pelos quais o trabalhador será submetido não justificam o direito do empregador de
fiscalizar o ambiente de trabalho.
BIBLIOGRAFIA
LIVROS:
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Saraiva, 1999.
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Justiça do Trabalho. Disponível em:
<http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprovados.cfm>. Acesso
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