SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
REVISTA
TRIMESTRAL
DE
JURISPRUDÊNCIA
Volume 109*
(Páginas 1 a 450)
Julho de 1984
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ministro João Baptista CORDEIRO GUERRA (26974),
Presidente
Ministro José Carlos MOREIRA ALVES (20-6-75), Vice-Presidente
Ministro DJACI Alves FALCÃO (22-2-67)
Ministro Pedro SOARES MUNOZ (8-8-77)
Ministro DECIO Meirelles de MIRANDA (27-6-78)
Ministro Luiz RAFAEL MAYER (15-12-78)
Ministro José NERI DA SILVEIRA (1981)
Ministro ALFREDO BUZAID (30-3-82)
Ministro OSCAR Dias CORRÊA (26-4-82)
Ministro ALDIR Guimarães PASSARINHO (2-9-82)
Ministro José FRANCISCO REZEK (24-3-83)
COMISSÃO DE REGIMENTO
Ministro DJACI FALCÃO
Ministro SOARES MUNOZ
Ministro FRANCISCO REZEK
Ministro ALDIR PASSARINHO — Suplente
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Ministro MOREIRA ALVES
Ministro DECIO MIRANDA
Ministro RAFAEL MAYER
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO
Ministro MOREIRA ALVES
Ministro RAFAEL MAYER
Ministro NERI DA SILVEIRA
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
Ministro SOARES MUNOZ
Ministro DECIO MIRANDA
Ministro OSCAR CORRÊA
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Doutor INOCÊNCIO Mártires COELHO
COMPOSIÇÃO DAS TURMAS
Primeira Turma
Ministro Pedro SOARES MUNOZ, Presidente
Ministro Luiz RAFAEL MAYER
Ministro José NERI DA SILVEIRA
Ministro ALFREDO BUZAID
Ministro OSCAR CORRÊA
Segunda Turma
Ministro DJACI Alves FALCÃO, Presidente
Ministro José Carlos MOREIRA ALVES, Vice-Presidente
Ministro DECIO Meirelles de MIRANDA
Ministro ALDIR Guimarães PASSARINHO
Ministro José FRANCISCO REZEK
CONSELHO NACIONAL DA MAGISTRATURA
Ministro João Baptista CORDEIRO GUERRA, Presidente
Ministro José Carlos MOREIRA ALVES, Vice-Presidente
Ministro DJACI Alves FALCÃO
Ministro DECIO Meirelles de MIRANDA
Ministro Luiz RAFAEL MAYER
Ministro José NERI DA SILVEIRA
Ministro ALFREDO BUZAID
REVISTA
TRIMESTRAL
DE
JURISPRUDENCIA
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECLAMAÇÃO N? 127 — PE
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Decio Miranda.
Reclamante: Procurador-Geral da República — Reclamado: Juiz Federal da Vara da Seção Judiciária de Pernambuco — Interessados: Fundação Professor Mário Ramos e Silva e José Paulo da Silva.
Processual Civil. Demarcação. Uma vez proferida e trãnsita em Julgado a sentença homologatória da demarcação (Cód. Proc. Civil de
1939, art. 439), a execução subseqüente que se faz é a desta sentença,
e não a do acórdão que mandara proceder à demarcação (mesmo Código, art. 426).
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão
plenária, na conformidade da ata do
Julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
julgar procedente a Reclamação.
Brasília, 8 de fevereiro de 1984 —
Cordeiro Guerra, Presidente —
Decio Miranda, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Decio Miranda: O
Procurador-Geral da República, nos
termos dos arts. 156 e segs. do Regimento Interno, apresenta reclamação contra o ato do Dr. Juiz Federal
da lt _Vara da Seção Judiciária de
Pernambuco, que, em execução de
acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na Apelação Cível n?
5.978, e deferindo requerimento da
Fundação Professor Mario Ramos e
Silva, sucessora de apelados naquele
recurso, determinou se oficiasse ao
Delegado do Serviço do Patrimônio
da União, no sentido de ser reconhecido à referida Fundação:
«o domínio útil dos terrenos de
marinha, acrescidos e alagados
que constituem a Ilha do Pina e
que ficam ao lado leste da Ilha do
Nogueira, indo até as águas do
Oceano Atlântico e, ainda, até os
terrenos ocupados pela Administração do Porto do Recife e os lotes de terrenos de números 270 e
270-A, com exclusão da área onde
fica situada a càsa de n? 21, antigo
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n? 37, da Av. Comendador Moraes,
esquina da Av. Herculano Bandeira, Bairro do Pina, nesta Capital,
que vem sendo ocupada pelo Sr.
José Paulo da Silva, por constituir
coisa julgada, segundo se observa
de fls. 586/592, dos autos». (Fls. 39)
Neguei a suspensão liminar do ato
reclamado (fls. 62v.) mas vim a
deferi-la posteriormente (flS. 89).
Prestou o Dr. Juiz reclamado informações, verbis:
«Em resposta ao Ofício de n?
559/R, de Vossa Excelência, passo
a informar:
A Santa Casa de Misericórdia do
Recife propôs Ação Demarcatória
contra a União Federal, José Moreira de Araújo Livramento e Da.
Alayde Livramento Ramos e Silva,
também chamada Alayde Moreira
Ramos e Silva, e outros, com a finalidade de demarcar os limites
entre as Ilhas do Nogueira e do Pina, cuja ação, em grau de recurso,
foi julgada procedente por esse Supremo Tribunal Federal, conforme
Acórdão de n? 5.978, de 27 de outubro de 1938.
Com a baixa dos autos, houve
cumprimento do prefalado acórdão, traçando-se a linha limítrofe
da Ilha do Nogueira com a Ilha do
Pina.
O laudo constante dos autos respectivos, fls. 540/550 (cópia anexadoc. n? 1), descreve toda a trajetória da demarcação procedida.
A demarcação efetivada através
do laudo em referência, foi julgada
por sentença que transitou em julgado, após a concordância das partes litigantes, inclusive, a União
Federal, fls. 559 a 559v, 561/561v e
564v (cópias anexas — docs. de n?s
2, 3 e 4).
Conforme se percebe do citado
laudo, «ao leste, o limite da Ilha do
Nogueira é com a Ilha do Pina,
separando-as um canal que existia
há tempos atrás e que atravessava
a Avenida Herculano Bandeira,
nas imediações da Igreja» (Sic).
O Serviço do Patrimônio da
União ficou a obedecer durante
muitos anos, ao estipulado no
Acórdão n? 5.978, citado e que se
faz concretizar através da aludida
demarcação, conforme, aliás, vem
escrito, data vênia, pelo douto
Procurador-Geral da República,
item 9, da reclamação, embora dizendo que pelo cometimento de
«erro hoje felizmente já reconhecido e corrigido» (Sic).
Entendo que a decisão atacada
na Reclamação não feriu, nem de
leve, o Acórdão de n? 5.978, de 27
de outubro de 1938, dessa Suprema
Corte.
Pelo contrário, deu-lhe cumprimento, ao mandar que se respeitasse e reconhecesse o direito dos
que ficaram com as ocupações de
suas terras ao leste daquela linha
demarcatória.
Não quis este Juízo dizer que a
União Federal não fosse detentora
de imóvel ao leste da mesma linha.
Tanto é assim que, no despacho
atacado pela reclamação, fls. 594,
dos autos (cópia anexa, doc. n? 5),
ficou determinado que o domínio
útil, ao leste da Ilha do Nogueira,
em favor da Fundação Professor
Mario Ramos e Silva, ia «até os
terrenos ocupados pela Administração do Porto do Recife e os lotes de n?s 270 e 270A...», sendo que,
a mesma Fundação, em fls.
601/604, item 5, dos autos da Demarcação, (cópia anexa — doc. n?
6), esclarece não ser proprietária
total do domínio útil da área que fica ao leste da Ilha do Nogueira, dizendo da alienação de dois lotes,
bem assim, da ocupação por parte
da Administração do Porto do Recife.
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Assim, o Serviço do Patrimônio
da União é que não mais quer obedecer ao especificado na demarcação em referência, cuja linha
limítrofe encontra suporte no Acórdão de n? 5.978, dessa Colenda Corte e não de parte deste Juizo, consoante acima esclarecido.
Outrossim, entendo que, se prejuízo houve para algum interessado, diante do despacho atacado
pela douta Procuradoria-Geral da
República, o remédio por esta escolhido, data venha, não se adapta
à solução da matéria, posto que recursos outros se fazem rezar na legislação adjetiva civil.
Logo, no cumprimento do dever,
é que fiz continuar na execução do
julgado, cuja base é o Acórdão de
p? 5.978, dessa Suprema Corte, seguido da sentença que homologou a
demarcação determinada pelo
mencionado Acórdão.
Espero, assim, respeitosamente,
seja julgada improcedente a Reclamação.
Estive no gozo de férias regulamentares, reassumindo o exercício
no dia 6 deste mês, sendo que, no
dia 9 próximo passado, é que recebi, por intermédio da Secretaria da
1! Vara, desta Seção Judiciária, o
oficio de V. Exa., ora respondido.»
(Fls. 66/7)
A Fundação Professor Mário Ramos e Silva, interessada no feito, assim reconhecida por meu despacho
de fls, 89, sucessora testamentária,
que é, de Dona Alayde Moreira Ramos e Silva, esta, por sua vez, sucessora de réus na ação demarcatória
que velo a ser dirimida na citada
Apelação Civel n? 5.978, oferece impugnação à reclamação.
Transcrevendo do acórdão naquela
apelação trechos que têm por condizentes, diz a Fundação:
«6. Vê-se, portanto, sem sombra de dúvida razoável, que, por
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força da demarcação parcial procedida em rigorosa obediência ao
determinado pelo Acórdão desse
Supremo Tribunal Federal, que os
limites da Ilha do Nogueira, a Leste, são os terrenos ocupados pela
Administração do Porto do Recife,
os lotes n?s 270 e 270A (que pertenciam ao co-réu José Moreira de
Araújo Livramento e que vieram,
no curso da lide, a ser por ele alienados) e a «Ilha do Pina», sendo
certo, assim, que nenhum outro
imóvel confronta, a Leste, com a
Ilha do Nogueira. (Fls. 97 fine)
6.1. Nessas circunstâncias, força é, então, reconhecer que, a partir de quando terminam os terrenos ocupados pela Administração
do Porto do Recife, a que se seguem os lotes n?s 270 e 270-A, começa a «Ilha do Pina», cuja extensão, na parte que interessa à controvérsia, ou seja a Oeste da «Ilha
do Nogueira», vai até o extremo
sul dessa Ilha». (Fls. 98 princ).
E acrescenta:
«7. A demarcação parcial procedida entre a «Ilha do Nogueira»,
e a «Ilha do Pina», foi homologada
por sentença em 10 de janeiro de
1956, que transitou em julgado, havendo, a requerimento do Dr. Procurador da República no Estado de
Pernambuco, Carlos Waldemar
Rollemberg, dela sido cientificada,
para o devido cumprimento, a Delegacia do Serviço do Patrimônio
da União naquele Estado.» (Fls.
98).
Mais adiante, procurando demonstrar a desvalia dos fundamentos da
reclamação, e, conseqüentemente, a
perfeição do despacho reclamado,
escreve a Fundação:
«17. Assim, no que respeita à
alegação de que o Acórdão não reconhecera a titularidade da Ilha do
Pina ao Sr. José Moreira de Araújo Livramento e demais sucessores
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do Visconde do Livramento, mas
tão-somente a titularidade da Santa Casa de Misericórdia sobre a
Ilha do Nogueira, cabe contrapor o
fato de que foram aqueles antecessores da Impugnante os únicos
demandados juntamente com a
União Federal, esta como proprietária do domínio direto da Ilha do
Pina e aqueles como proprietários
limítrofes da mesma Ilha para responderem como réus, aos termos
da Ação de Demarcação promovida pela Santa Casa de Misericórdia, proprietária da Ilha do Nogueira, com a finalidade de ver
constituídos «ós verdadeiros limites
entre as duas Ilhas, restituindo-se
a quem de direito os terrenos porventura invadidos por qualquer deles», como consta do Acórdão proferido na Apelação Cível n? 5.978.
17.1. Essa condição de proprietária da Ilha do Pina ou, melhor
dizendo, de titulares do domínio
útil da Ilha do Pina, constituiu matéria incontroversa no processo,
porque reconhecida tanto pela Autora, a Santa Casa de Misericórdia
do Recife, como por todos os réus,
inclusive a União Federal, que ainda na audiência de instrução e julgamento da fase executória, ressalvou apenas a sua condição de titular do domínio direto dos imóveis
em causa (Ilha do Pina e Ilha do
Nogueira) (documento n? 8).
17.2. Sendo certo que a Ação de
Demarcação, hoje, como ontem,
(CPC arts. 267, VI, 950; Regulamento n? 720/1890, art. 1?, 66 e 67;
Regulamento n? 737/1850, arts. 74,
§ 2? c/c o art. 672, § 1?), carece, para o seu desenvolvimento válido e
regular, da citação dos confrontantes, se afigura curial que, nãó fossem aqueles antecessores da impugnante os titulares do domínio
útil da Ilha do Pina, tal como então
reconhecido no processo, não só este não poderia ter tido prosseguimento sem a citação dos verdadei-
ros confrontantes, como da lide deveriam ter sido excluídos, por ilegitimidade de parte. Se assim não
ocorreu, é porque foram eles reconhecidos como titulares do domínio
útil da Ilha do Pina e, portanto,
partes legitimas.
17.3. A circunstância de o Acórdão desse Supremo Tribunal Federal não haver, de modo expresso,
analisado a titularidade daqueles
antecessores da Impugnante, ao
contrário do que ocorreu em relação à Autora, Santa Casa de Misericórdia do Recife, se explica em
virtude de haver a sentença de primeiro grau negado àquela demandante a alegada condição de proprietária ou enfiteuta da Ilha do
Nogueira e, em razão disso, julgado até improcedente a Demarcatória intentada. No caso porém daqueles co-réus, reconhecidos no
processo, de forma incontroversa,
como titulares do domínio útil da
Ilha do Pina, era despicienda a
análise, na Superior Instância, da
sua titularidade, o que não significa dizer que não tenha havido pronunciamento judicial a esse respeito.
17.4. E tanto é certo que aqueles antecessores da Impugnante foram reconhecidos na ação demarcatória como titulares do domínio
útil da Ilha do Pina, que foram
eles, ainda nessa qualidade, citados para responder aos termos da
execução do julgado (doc. n? 07),
havendo acompanhado dita execução até final (doc. n? 08).
17.5. Aliás, a própria ilustrada
Procuradorla-Geral da República
assim o reconhece, quando afirma
no item 5, da Reclamação de fls.
2/8, verbis:
«Foi o V. Acórdão n? 5.978 integralmente cumprido, foi feita a
demarcação (docs. anexos), conforme se verifica da planta anexa, onde está demonstrado clara-
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mente o que pertence à Santa Casa de Misericórdia do Recife, o
que pertence ao Sr. José Moreira
de Araújo Livramento, o que pertence, atualmente, ao Serviço Social contra o Mocambo e o que
pertence à União Federal como
próprio nacional — a Ponta do
Pina — cedido a Terceiros sob
regime jurídico de Ocupação,
salvo alguns poucos sob regime
de enfiteuse.
17.6. E doutra forma não poderia ser, ao se considerar a natureza da acuo tini= regundorum, onde a primeira questão a ser dirimida concerne, exatamente, à titularidade do domínio pelas partes litigantes, valendo referir, no tema,
que a jurisprudência desse Colendíssimo Supremo Tribunal Federal tem sido sempre no sentido
de reconhecer que as decisões proferidas em ações que tais, inclusive as ações divisórias, de índole
idêntica, fazem coisa julgada acerca do domínio, consoante se infere
dos acórdãos proferidos nos RE n?
71.099 (RTJ 59, 163/171, 82.933
(RTJ 82, 912/919) e 81.763 (RTJ
84.532/540).» (Fls. 101/103).
Mandei abrir vista à União Federal, reclamante, para se pronunciar
sobre as manifestações do Dr. Juiz
reclamado e da interessada Fundação Professor Mário Ramos e Silva,
o que foi feito em parecer da lavra
do Procurador Moacir António Machado da Silva, aprovado pelo
Procurador-Geral, Prof. Inocêncio
Mártires Coelho, a dizer, na parte
substancial:
«7. Pelo teor do acórdão, não
resta dúvida de que o Supremo Tribunal reconheceu o domínio útil da
Santa Casa de Misericórdia do Recife sobre a Ilha do Nogueira, um
jus in re,portanto, que constitui
pressuposto para a demarcação judicial. Ressalvou-se apenas que a
demarcação não alteraria as rela-
5
ções entre a autora e a Fazenda
Nacional, quanto ao domínio desdobrado em direto e útil.
O mesmo não se pode afirmar quanto à área conhecida como
Pina de Dentro. O acórdão do Supremo Tribunal e a sentença apelada do Juizo Federal no Estado de
Pernambuço não se definiram a
respeito da titularidade do domínio
sobre o imóvel em referência.
Não se nega que, nas ações
demarcatórias, a primeira questão
a ser dirimida é a concernente à titularidade do domínio das partes
litigantes. A faculdade de proceder
à demarcação é um dos atributos da propriedade, decorrente do
principio da exclusividade do domínio. E, por isso mesmo, a pretensão demarcatória deve ser deduzida com a apresentação do título correspondente. A sentença proferida na ação, de caráter contencioso, produz coisa julgada em relação às partes litigantes e aos limites estabelecidos.
Ocorre, porém, que, no caso, a ação foi proposta contra a
União, o Sr. José Moreira de Araújo Livramento e outros, não tendo
havido Individualização da titularidade de nenhum dos réus em relação ao domínio sobre a Ponta do
Pina, que fica ao leste da Ilha do
Nogueira.
Por outro lado, não houve
litígio entre a União e o Sr. José
Moreira de Araújo Livramento ou
outros sucessores do Visconde do
Livramento quanto ao domínio sobre a área em questão. Todos figuraram exclusivamente na condição
de réus na ação demarcatória, de
forma que não houve coisa julgada
a respeito dessa matéria.
A coisa julgada emergente do
acórdão do Supremo Tribunal Federal refere-se à titularidade do
domínio útil da Santa Casa sobre a
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R.T.J. — 109
Ilha do Nogueira, bem como aos limites entre esse imóvel e outros
confinantes.
Em conseqüência, o MM.
Juiz Federal da 1? Vara em Recife,
ao reconhecer o domínio da Fundação sobre a Ponta do Pina, a pretexto de cumprir o acórdão do Supremo Tribunal Federal, na verdade dilatou os limites objetivos e
subjetivos da coisa julgada, dandolhe uma dimensão que ela não contém.
Como ressalta a própria
Fundação, a demarcatória foi proposta pela Santa Casa simultaneamente contra a União Federal e os
sucessores do Visconde do Livramento com a finalidade de constituir os verdadeiros limites entre as
duas ilhas, restituindo-se a quem
de direito os terrenos porventura
invadidos por qualquer deles.
A tanto se reduziu o pedido.
Não houve, por outro lado, pronunciamento judicial sobre os titulares
do domínio de cada imóvel confinante com a Ilha do Nogueira.
Nem isso seria necessário para a
demarcação da Ilha, não obstante
os argumentos teóricos que são alinhados pela Fundação.
Esses aspectos têm inegável
relevo na fixação precisa do alcance da decisão do Supremo Tribunal. Segundo observação de Celso
Neves, a definição do conteúdo da
coisa julgada vincula-se «ao que
foi pedido na ação e constitui objeto de julgamento, de seu lado restrito ao elemento declaratório da
sentença» (Coisa Julgada Civil,
1971, pág. 494). E, ainda, Chiovenda: «o que, portanto, determina os
limites objetivos da coisa julgada é
a demanda de mérito da parte autora. Essa é a principal conseqüência prática de se considerar, no estudo da coisa julgada, ante a eficácia da vontade que encerra o pro-
cesso do que o raciocínio lógico
que o prende (apud Frederico Marques, Inst. de DPC, v. 5, pág. 51).
A ação demarcatória restringiu-se à determinação dos limites
entre a Ilha do Nogueira e os imóveis confinantes. Não houve definição de limites dos Imóveis confinantes entre si e, por isso mesmo,
a União e o Sr. José Moreira de
Araújo Livramento figuraram numa mesma posição na relação
jurídica processual.
A decisão transitada em julgado
obriga os participantes do processo
em que foi proferida. Mas limita-se
à relação jurídica deduzida em
Juizo e objeto do decisum. As conseqüências da declaração judicial
se impõem ás partes ou a seus sucessores.
Nenhum argumento, por outro lado, pode ser extraído da sentença homologatória proferida em
execução, quanto à demarcação da
Ilha do Nogueira, feita com base
no julgado do Supremo Tribunal
Federal.
Em primeiro lugar, a atividade
jurisdicional de execução não poderia, evidentemente, alterar o comando especifico do acórdão exeqüendo. A execução tem por fim
realizar praticamente os atos materiais no sentido de completar a
eficácia da decisão proferida na fase de conhecimento. Nenhuma inovação pode produzir, sem ofensa
coisa julgada emergente da sentença exeqüenda.
18. Por outro lado, a sentença
homologatória de 1956 também não
se definiu a respeito da titularidade do domínio sobre o Pina de Dentro. Na demarcação realizada,
restringiu-se o agrimensor a afirmar que, ao leste, a Ilha do Nogueira limita-se com a «Ilha do Pina», bem assim com os terrenos
ocupados pela atual Administração
do Porto do Recife, e, ainda com
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os lotes 270 e 270-A. Não houve
nem poderia haver, nessa fase, a
descrição dos titulares dos imóveis
em referência.
Na audiência realizada na
fase executória, para apreciar as
plantas e o memorial descritivo, a
União ressalvou a sua condição de
titular do domínio direto da Ilha do
Nogueira e não, como equivocadamente afirma a Fundação, em relação aos outros imóveis limitrofes
(ver fls. 19/19v).
Como acentuou esta Procuradoria Geral da República, na inicial, a questão fundamental da
presente reclamação não é saber
se a Fundação deve ou não ser titular do domínio útil da Ponta do
Pina, demarcada nas plantas como
sendo da União, mas sim reafirmar que essa titularidade sobre o
imóvel em questão não pode ser inferida do acórdão proferido na
Apelação Cível n? 5.978, do Supremo Tribunal Federal.
E logo adiante, prossegue a inicial: «Não se afirma, nem se nega,
possa a Fundação Prof. Mário Ramos e Silva vir a ser a titular do
domínio útil das terras em questão. Poderá vir a ser, não por determinação do Acórdão n? 5.978,
mas por outro título jurídico, desconhecido da União, e que deverá
ser apresentado nos autos da Ação
Discriminatória de Terras Públicas, proposta pela União, já em.
1974, perante a mesma lt Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco...» ( fls. 6).
21. E, por outro lado, o Egrégio
Tribunal Federal de Recursos, no
julgamento da Apelação Cível n?
56.725-PE, decidiu que «a Ilha do
Pina não constitui objeto daquela
demanda, que teve deslinde por
acórdão do Supremo Tribunal Federal a determinar a demarcação
da Ilha do Nogueira na parte que
com ela confronta» ( fls. 35).
7
Como foi igualmente ressaltado na inicial, a manutenção do
ato reclamado implicará em prejulgamento da ação discriminatória de terras públicas, em despojar
a União do domínio útil da área e
em cancelamento de todos os títulos de ocupação concedidos pela
União a terceiros.
Em resumo, o ato reclamado do MM. Juiz Federal da 1! Vara
em Pernambuco extravasa os limites da coisa julgada emergente do
acórdão do Supremo Tribunal, proferido na Apelação Cível n? 5.978,
na equivocada suposição de que
houve nesse julgado a definição do
titular do domínio sobre a Ponta do
Pina. Questões de domínio da Ilha
do Pina ou do Pina de Dentro devem ser tratadas na ação discriminatória de terras públicas proposta
pela União ou em ação autônoma,
se for o caso
24. Em face do exposto, o parecer é pela procedência da reclamação.» (Fls. 142/6).
As fls. 146 e segs. dos autos, José
Paulo da Silva requer sua admissão
nos autos como interessado. Declara-se senhor e possuidor dos direitos
de ocupação do terreno acrescido de
marinha com a casa n? 21 da Av. Comendador Morais, Bairro do Pina,
direitos que lhe teriam sido transferidos com autorização do Serviço do
Patrimônio da União, e que fez valer
em consignação de foros ajuizada
contra a União, ação que suscitou
acórdão hoje objeto de rescisória
proposta pela já referida Fundação,
ora adversada pela União.
Deferi essa admissão nos autos,
ante o interesse processual do requerente em ver mantido o despacho reclamado, na parte em que excluiu de
sua determinação a área onde fica
situada a casa que o requerente diz
possuir.
E o relatório.
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R.T.J. — 109
VOTO
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): O despacho reclamado, declara-se nele próprio, foi prolatado
na execução do acórdão proferido
pela 1! Turma do Supremo Tribunal
Federal na Apelação Cível n? 5.978,
em sessão de 27 de outubro de 1938,
sendo relator o saudoso Ministro
Carvalho Mourão. (Fls. 39).
Consigna o acórdão que, sendo
partes, como apelante, a Santa Casa
de Misericórdia de Recife, e, como
apelados, a União Federal, o Doutor
José Moreira de Araújo Livramento
e outros, decidiram os Ministros
componentes daquela Turma «dar
provimento, em parte, à apelação,
para, reformando a sentença apelada, julgarem, como julgam, procedente a ação (ação demarcatória
proposta pela então apelante) e
mandarem, como mandam, que se
proceda à demarcação parcial da
Ilha do Nogueira na parte em que
confronta com a Ilha do Pina,
reconstituindo-se os antigos limites
daquela, do lado do antigo canal que
a separava da Ilha do Pina, para co
que o agrimensor e os arbitradores
nomeados tomarão para base de informação: a) o que consta da vistoria a folhas cento e setenta e cinco;
b) as plantas duzentos e seis, duzentos e sete e duzentos e vinte e seis,
em confronto; c) os títulos de aforamento dos terrenos de números duzentos e setenta e duzentos e setenta
A (por certidão a folhas duzentos e
dezoito e seguintes); d) a escritura
de arrendamento, por certidão a folhas duzentos e vinte e três verso e
seguintes». (Fls. 10/10v.).
No corpo do voto do relator, Ministro Carvalho Mourão, vem explicita
essa determinação que serviu ao dispositivo do acórdão.
Nesse voto, ao final, se lê:
«... julgar procedente a ação para mandar que se proceda à de-
marcação parcial da Ilha do Nogueira, na parte que confronta com
a Ilha do Fina»,
seguindo-se no voto, a mesma especificação já acima transcrita.
Vê-se, desse trecho, constante do
voto condutor e repetido no acórdão
propriamente dito, que há uma determinação principal — a demarcação parcial da Ilha do Nogueira; e
uma determinação acessória, ao
agrimensor e arbitradores, para, na
consecução daquela finalidade principal tomarem, como «base de informação», certos elementos, vistoria,
plantas e títulos de aforamento.
O elemento principal do dispositivo
do acórdão consiste em que se trata
de «demarcação parcial».
Logo, não se teria determinado demarcação de todo o perímetro da antiga Ilha do Nogueira.
E se não estaria em causa toda a
Ilha do Nogueira, com maior clareza
não se teria demarcado todo o
perímetro da Ilha do Pina.
Dá-se, porém, que qualquer cogitação de pormenores da demarcação,
à vista do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, ficou superada pela sentença que, em execução daquele acórdão, julgou concretamente a demarcação realizada pelos peritos.
Logo, mediante simples invocação
do acórdão do Supremo Tribunal Federal não seria possível, como fez o
despacho reclamado, definir todo o
perímetro da Ilha do Pina, ou seja,
«o domínio útil dos terrenos de marinha, acrescidos e alagados que
constituem a Ilha do Pina», como ficou expresso no despacho reclamado.
O acórdão do Supremo Tribunal
Federal não comportava tal execução especifica. Mandara proceder à
demarcação, indicando, para os trabalhos desta, certos elementos a serem consultados.
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A demarcação velo a ser efetuada,
concretamente, em execução do dito
acórdão do Supremo Tribunal, após
trabalhos técnicos de engenharia e
agrimensura de que resultou uma
planta descritiva, qual se vê, nestes
autos, da cópia do termo de audiência de fls. 19, quando as partes, presentes, inclusive o Procurador da
República, nada objetaram às plantas levantadas, vindo o Juiz, em seguida, a homologar, por sentença, «a
demarcação parcial da Ilha do Nogueira com a Ilha do Pina, promovida a requerimento da Santa Casa de
Misericórdia do Recife, uma vez que
todos os interessados concordaram
com os trabalhos executados pelos
peritos». (Fls. 21v. dos presentes autos de Reclamação).
Esta, a sentença a que se referia o
art. 439 do Cód. Proc. Civil de 1939, a
dizer que, findo o prazo de cinco dias
em que as partes diriam do seu direito, «serão os autos conclusos ao
juiz, que marcará audiência de instrução e julgamento, na qual homologará, ou não, a divisão ou a demarcação».
Tal sentença foi intimada às partes interessadas (fls. 22), tendo aparentemente, transitado em julgado.
Assim efetuada, concretamente, a
demarcação que o acórdão do Supremo Tribunal determinara, qualquer
ato posterior de execução, no que
tange aos lindes estabelecidos, havia
de ser buscado, também concretamente, nas plantas homologadas por
essa sentença, e não mais em meras
deduções de indicações genéricas
contidas no referido acórdão, que
julgara procedente a ação de demarcação.
Se há plantas e laudo de agrimensura homologados por sentença transita em julgado, de 10 de janeiro de
1956, não havia mais que proceder,
como fez o despacho reclamado, a
nova execução daquele acórdão.
9
Tal sentença homologatória da demarcação — transita em julgado,
repete-se — passou a implicitamente
integrar os títulos de propriedade relativos aos imóveis que foram objeto
da demarcação; e é naquela sentença, não mais no acórdão já cumprido, que se deve basear o procedimento ulterior do Juizo de primeiro
grau.
Em resumo, com a prolação da
sentença homologatória da demarcação (fls. 21 v. destes autos de Reclamação), sentença que alude à concordância de todos os interessados
com os trabalhos executados pelos
peritos, ficaram aprovados a planta
e o laudo de agrimensura, não mais
se necessitando recorrer aos termos
do acórdão do Supremo Tribunal Federal.
A execução, que o acórdão do Supremo Tribunal Federal comportava, já foi realizada, através a sentença que homologou planta e laudos
da demarcação.
Exaurida tal execução pelos meios
regulares de seu processamento, não
é possível repeti-la diretamente a cada caso ocorrente, prescindindo da
sentença subseqüente.
Fazê-lo não importa em somente
desrespeitar tal sentença, mas também o próprio acórdão que a ensejou, sujeito ao risco de uma segunda
execução, diferente da primeira.
Tenho que, por essa forma indireta, ocorre, no caso, detrimento à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal (Regimento Interno,
art. 156), pois a tanto equivale o pretender dar duas execuções diversas,
e eventualmente contraditórias, ao
mesmo acórdão do Supremo Tribunal Federal, uma através a produção de plantas e laudos de agrimensura, homologados por sentença, outra, subseqüente, através direta interpretação do magistrado processante da execução, sem o adminiculo
daquelas contribuições técnicas.
10
R.T.J. — 109
de imaginar que o digno Juiz reclamado, no adotar essa segunda
forma de execução, se tenha inspirado justamente no propósito de prestigiar, com a invocação da autoridade
do Supremo Tribunal Federal, a execução da decisão subseqüente, que
homologara os laudos e plantas da
demarcação.
Ao que parece, o Juiz Federal não
tem conseguido a indispensável obediência do Serviço do Patrimônio da
União para essa execução, lendo-se,
em seu ofício àquela repartição, que
«ofícios outros já foram remetidos a
essa Delegacia do Serviço do Patrimônio da União, dentre os quais os
de n?s 7, de 10-1-56 e 229/2? CF, ambos de Juizes de direito da antiga
Vara da Fazenda Nacional, desta
Capital, todos no sentido do cumprimento ao venerando Acórdão mencionado, desde que houve a demarcação da linha parcial ordenada».
(Fls. 40 fine).
Isto posto, Julgo procedente a reclamação, para o fim de declarar insubsistente o despacho reclamado,
que importou em dar nova e possivelmente imprópria execução ao antigo acórdão do Supremo Tribunal
Federal, desligado de seu complemento natural, a sentença posterior,
transita em julgado, que o completara.
Insista o Dr. Juiz, se for o caso, na
execução daquela sentença.
Com referência ao interesse de José Paulo da Silva, a reforma do despacho que suscita seu ingresso nestes autos não modifica sua situação,
que deriva dos efeitos que possa ter,
na execução da sentença homologatória da demarcação, o dispositivo
de acórdão do Tribunal Federal de
Recursos sobre seu direito de pagar
certa taxa ao Serviço do Patrimônio
da União. (Fls. 35).
Repetindo: Julgo procedente a reclamação, nos termos já acima indicados.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
Rel. 127-PE — Rel.: Min. Decio Miranda. Recite.: Procurador-Geral da
República. Reciclo.: Juiz Federal da
1? Vara da Seção Judiciária de Pernambuco. Interessados: Fundação
Professor Mário Ramos e Silva
(Advs.: José Guilherme Villela e outro). José Paulo da Silva (Advs.: Roberto Rosas e outro).
Decisão: Pediu vista o Ministro Oscar Corrêa, depois do voto do Ministro Relator, que julgou procedente a reclamação. Usaram da palavra
pelos interessados os Drs. Roberto
Rosas e José Guilherme Villela.
Presidência do Senhor Ministro
Xavier de Albuquerque. Presentes à
Sessão os Senhores Ministros Djaci
Falcão, Cordeiro Guerra, Moreira
Alves, Soares Mufioz, Decio Miranda, Rafael Mayer, Firmino Paz, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e Oscar Corrêa. Procurador-Geral da República, Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 17 de junho de 1982 —
Alberto Veronesse Aguiar, Secretário.
VOTO (VISTA)
O Sr. Ministro Oscar Corrêa: Pedi
vista dos autos, após o voto do eminente Ministro Decio Miranda, julgando procedente a reclamação, em
face de dúvidas que me ocorreram,
ante os debates que neste Plenário
se feriram.
Esclarecido pela releitura do voto
do Eminente Relator e memoriais
dos interessados, trago o meu voto,
escusando-me do atraso com que o
profiro.
R.T.J. — 109
Reli o voto do Ilustre Ministro
Decio Miranda e reexaminel-o em
vista da documentação dos autos e
dos argumentos suplementares apresentados.
E acompanho-o. Compreendo que
o despacho reclamado poderia e deveria ser atacado, pela União ou interessados, por outros recursos processuais, como sustenta a Fundação
interessada.
Concordo em que a reclamação,
prevista no artigo 156 do RISTF,
«para preservar a competência do
Tribunal ou garantir a autoridade de
suas decisões «não objetiva a simples interpretação do seu julgado,
como, aliás, já decidido pela Corte.
Mas, parece-me que o despacho reclamado, se não importa, diretamente, ofensa ao deliberado, pelo
Tribunal, como acentuou o lúcido vc
to do Eminente Relator, «por forma
indireta» «ocorre, no caso, detrimento à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal (RI, art. 156),
pois a tanto equivale o pretender dar
duas execuções diversas, e eventualmente contraditórias, ao mesmo
acórdão do STF ...»
Ainda que tal não ocorra, como se
depreende do voto do Eminente Relator, a simples possibilidade de que
venha a ocorrer, aconselha se acolha
a reclamação.
Escusando-me de outras considerações, acompanho o Eminente Relator, que, segura e ponderadamente, viu a espécie.
É o voto.
EXTRATO DA ATA
Rel. 127-PE — Rel.: Ministro Decio
Miranda. Recite.: Procurador-Geral
da República. Reciclo.: Juiz Federal
da I? Vara da Seção Judiciária de
Pernambuco. Interessados.: Fundação Professor Mário Ramos e Silva
11
(Adv.: José Guilherme Mela e outro), José Paulo da Silva (Adv.: Roberto Rosas e outro).
Decisão: Pediu vista o Ministro Alfredo Buzaid depois dos votos dos
Ministros Relator e Oscar Corrêa
que julgaram procedente a reclamação.
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes á Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Muiioz, Decio
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República, Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília 14 de setembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
VOTO (VISTA)
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid:
1.Na ação demarcatória movida pela
Santa Casa de Misericórdia do Recife, este Colendo Supremo Tribunal
Federal, em acórdão da Primeira
Turma n? 5.978, de que foi Relator o
eminente e saudoso Ministro Carvalho Mourão, proferiu o seguinte julgamento:
«... dar provimento, em parte,
apelação, para, reformando a sentença apelada, julgarem, como julgam, procedente a ação e mandarem, como mandam, que se proceda
à demarcação parcial da Ilha do
Nogueira na parte que confronta
com a Ilha do Pina, reconstituindose os antigos limites daquela, do
lado do antigo canal que a separava da Ilha do Pina; para o que o
agrimensor e os arbitradores nomeados tomarão para base de informação: a) o que consta da vistoria a folhas cento e setenta e cinco;
b, as plantas de folhas duzentos e
12
R.T.J. — 109
seis, duzentos e sete e duzentos e Moacir Antônio Machado da Silva,
vinte e cinco a duzentos e vinte e aprovado pelo eminente Professor
seis, em confronto; c) os títulos de Inocêncio Mártires Coelho opinou
aforamento dos terrenos de núme- pela procedência da reclamação.
ros duzentos e setenta e duzentos e
Iniciado o julgamento, o eminente
setenta A (por certidão a folhas
duzentos e dezoito e seguintes, ); d) Ministro Decio Miranda, Relator do
a escritura de arrendamento, por feito, deu pela procedência da reclacertidão a folhas duzentos e vinte e mação, assim concluindo o seu douto
três verso e seguintes». (Fls. 10 e voto:
v.).
«Isto posto, julgo procedente a
reclamação, para o fim de declaEste venerando acórdão foi inteirar insubsistente o despacho reclaramente cumprido, tendo-se feito a
mado, que importou em dar nova e
demarcação entre os dois imóveis
possivelmente imprópria execução
homologada por sentença transitada
ao antigo acórdão do Supremo Triem julgado. Depois de vinte anos de
bunal Federal, desligado de seu
trânsito em julgado da sentença, que
complemento natural, a sentença
julgou a fase executória da demarposterior, trânsita em julgado, que
cação parcial, a Fundação Professor
o completara.
Mário Ramos e Silva, na qualidade
Insista o Dr. Juiz, se for o caso,
de sucessora de José Moreira de
na execução daquela sentença.
Araújo Livramento, requereu ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da PrimeiCom referência ao interesse de
ra Vara da Circunscrição Judiciária
José Paulo da Silva, a reforma do
de Pernambuco que, em cumprimendespacho que suscita seu ingresso
to do Acórdão n? 5.978 deste Egrégio
nestes autos não modifica sua siTribunal, fosse oficiado ao Delegado
tuação, que deriva dos efeitos que
do Serviço do Patrimônio da União
possa ter, na execução da sentença
em Pernambuco que pretende o rehomologatória da demarcação, o
conhecimento do domínio útil do Pidispositivo de acórdão do Tribunal
na de Dentro pertencente á União.
Federal de Recursos sobre seu diMalgrado a oposição do Serviço do
reito de pagar certa taxa ao ServiPatrimônio da União, o MM. Juiz
ço do Patrimônio da União» (fls. 22
Federal da Primeira Vara persevedo voto).
rou em determinar que o Delegado
do Patrimônio da União reconhecesO eminente Ministro Oscar Corrêa,
se o domínio útil em favor da Funda- que
vista, acompanhou e emição Professor Mário Ramos e Silva nentepediu
Ministro Relator Dedo Miran(fls. 4/5).
da.
3. A ação demarcatória, movida
2. O eminente Ministro Dedo Miranda mandou ouvir o MM. Juiz Fe- pela Santa Casa de Misericórdia do
deral, que prestou informações (fls. Recife, foi julgada improcedente sob
66/68). A Fundação Professor Mário á alegação de não haver a autora
Ramos e Silva interveio no processo, provado o jus in re. Este Egrégio
alegando a improcedência da recla- Tribunal, dando provimento em parmação (fls. 94/109). Interveio tam- te à apelação, no v. Acórdão n? 5.978,
bém nos autos João Paulo da Silva de 27-10-38, julgou procedente em
como interessado (fls. 149/150). A parte a demarcação, determinando o
douta Procuradoria-Geral da Repú- critério para fixar marcos, definir
blica, em parecer da lavra do Dr. rumos e traçar a linha demarcatória
R.T.J. — 109
entre a ilha do Pina e a Ilha do Nogueira. Só se questionou na fase contenciosa da ação demarcatória se a
Santa Casa de Misericórdia do Recife era parte legítima, isto é, se possuía titulo hábil para exercer o direito. Assim se expressou o eminente
Relator Ministro Carvalho Mourão:
«Na dilação probatória, porém,
juntou a A. apelante novos documentos. Esses documentos provam
o domínio da apelante nos terrenos
da Ilha do Nogueira. «Mesmo que
a A. não fosse senão titular do
domínio útil da Ilha, não se lhe podia deixar de reconhecer o direito
de pedir a demarcação judicial do
imóvel. O domínio útil, decorrente
da enfiteuse ou do aforamento perpétuo, é um jus In re. Veja-se Whitaker (Terras, número vinte e um,
páginas oitenta e quatro, Quinta
edição) com o que concorda seu
erudito critico Penaforte Mendes
(Engastes em Ouro, na mesma
obra, páginas trinta e quatro —
IX). Não é mister que o domínio
seja pleno para que legitime a
ação de demarcação. Se na Ilha há
terrenos de marinha e acrescidos e
se é verdade que a A. está na posse de tais terrenos; tal circunstância não impede que a A. promova
a demarcação do imóvel, pois que
a realização da demarcação não
prejudica nem modifica de qualquer modo os direitos do Estado
sobre aqueles terrenos. A demarcação apenas fixará os limites da
Ilha». (fls. 14 e v.).
Este v. acórdão foi cumprido em
sua integridade na fase da execução,
descidida por sentença que transitou
em julgado em 5-12-55, como se pode
ver dos termos de audiência de fls.
80/81.
13
fase executória da ação de demarcação. A coisa julgada objetiva cingese ao traçado da linha limítrofe entre a ilha do Pina e a Ilha do Nogueira; e a coisa julgada subjetiva
abrange apenas as partes que foram
citadas para a ação.
Parte legitima para propor a ação
demarcatória é o proprietário (Código Civil, art. 569; Código de Processo
Civil de 1939, art. 415; Código de Processo Civil de 1973, art. 946). Entende-se por proprietário quem tem
o domínio pleno, o domínio útil e o titular de Jus in re. Sob o regime
jurídico do Decreto n? 720 dispunha o
art. 66 que
«... na petição inicial o autor demonstrará o seu jus in re».
Sujeito passivo da ação é o confinante. O Código de Processo Civil de
1973 dispõe:
«Art. 946. Cabe:
I — a ação de demarcação, ao
proprietário para obrigar o seu
confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os
já apagados.»
Nos processos em geral, a pretensão do réu não consiste em pedir,
mas em impedir o êxito da ação. Sucede, porém, que a ação de demarcação, como a de divisão e de partilha de bens do autor da herança, é
ação dúplice, como acentuou Juliano:
«D. 1.10.10: IudIcium communi
dividundo, famillae erciscundae,
finium regundorum tale est, ut singulae personae duplo( ius babeant,
agentls ut eius quo cum agitur».
Ora, a característica da ação
dúplice está em que o autor pode assumir a posição de réu e vice-versa
4. A atividade jurisdicional do (cf. Latayette, Direito das Coisas, I
Estado se exauriu com o trânsito em 19 n? 5). Salvo a União Federal, os
julgado da decisão que pós termo à réus na ação de demarcação movida
19
R.T.J. — 109
pela Santa Casa de Misericórdia do
mos e Silva vir a ser a titular do
domínio útil das terras em quesRecife não postularam direito próprio. O V. Acórdão n? 5.978 desta
tão. Poderá vir a ser, não por deEgrégia Corte esclarece que:
terminação do Acórdão n? 5.978,
mas por outro titulo jurídico, des«A Fazenda Nacional (cota de foconhecido da União, e que deverá
lhas duzentos e sessenta e oito verser apresentado nos autos da Ação
so), ofereceu como razões de apeDiscriminatória de Terras Públilação as de primeira instância, de
cas, proposta pela União, já em
folhas duzentos e nove e duzentos e
1974, perante a mesma 1? Vara Fedezessete, às quais já me referi.
deral da Seção Judiciária de PerOs demais réus (razões a folhas
nambuco...» (fls. 145).
duzentos e sessenta e dois e seguintes), confessam, agora, expressaPor todas estas razões e pelo mais
mente (folhas duzentos e sessenta que consta do douto voto do eminene dois) que os documentos juntos te Relator, Ministro Decio Miranda,
pela A. na dilação probatória (fo- acompanhado pelo eminente Minislhas setenta e dois a cento e qua- tro Oscar Corrêa, também julgo prorenta e oito) «provam o domínio da cedente a reclamação, adotando a
apelante aos (sie) terrenos da Ilha conclusão do eminente Relator.
do Nogueira; não, porém, que lhe
E o meu voto.
pertençam os acrescidos, que, no
entender dos réus — apelados, são
da União» (fls. 12).
EXTRATO DA ATA
Se o v. acórdão referido nada dispôs sobre pretensão dos réus que foRel. 127-PE — Rel.: Ministro Decio
ram confinantes na ação de demar- Miranda. Recite.: Procurador-Geral
cação, não lhes é licito, com funda- da República. Reciclo.: Juiz Federal
mento neste v. aresto, pretender em da 1! Vara da Seção Judiciária de
nova execução de processo findo que Pernambuco. Interessados: Fundase reabra o feito, obtendo o reconhe- ção Professor Mário Ramos e Silva
cimento de um título de domínio, que (Adv.: José Guilherme Villela e ouextraem por inferência. Foi o que tro). José Paulo da Silva (Adv.: RoSustentou a douta Procuradoria-Ge- berto Rosas e outro).
ral da República:
Decisão: Julgaram procedente a
«... na inicial, a questão funda- Reclamação, unanimemente.
mental da presente reclamação
não é saber se a Fundação deve ou
Presidência do Senhor Ministro
não ser a titular do domínio útil da Cordeiro Guerra. Presentes a Sessão
Ponta do Pina, demarcada nas os Senhores Ministros Moreira Alplantas como sendo da União, mas ves, Soares Mufloz, Decio Miranda,
sim reafirmar que essa titularida- Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alde sobre o imóvel em questão não fredo Buzaid, Oscar Corrêa, Aldir
pode ser inferida do acórdão profe- Passarinho e Francisco Rezek. Aurido na Apelação Chiei n? 5.978, do sente, justificadamente, o Senhor
Supremo Tribunal Federal». ( fls. Ministro piaci Falcão. Procurador145).
Geral da República, substituto, o Dr.
Francisco de Assis Toledo.
E logo em seguida:
«Não se afirma, nem se nega,
Brasília, 8 de fevereiro de 1984 —
possa a Fundação Prof. Mário Ra- Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
R.T.J. — 109
15
EXTRADIÇÃO N? 404 — REINO DE ESPANHA
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Requerente: Governo da Espanha — Extraditando: Alfredo José Quintas
Galiego.
Extradição.
Pedido formulado pelo Governo da Espanha, com apoio no
principio da reciprocidade. Requisitos atendidos. Deferimento.
Encontrando-se em devida forma o pedido de extradição e até
mesmo declarando o extraditando, no seu interrogatório, que era inocente e desejava defender-se perante a Justiça espanhola, e, ademais,
nada sendo alegado quanto àqueles pontos sobre os quais poderia versar a defesa (art. 85 da Lei 6.815/80), é de deferir-se a solicitação do
Governo Espanhol.
ACORDA°
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão
plenária, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido.
Brasília, 28 de setembro de 1983 —
Cordeiro Guerra, Presidente — Aldir
Passarinho, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro- Aldir Passarinho
(Relator): Trata-se de pedido de extradição de Aaredo José Quintas
Gallego, formulada pelo Governo da
Espanha, encaminhando o Sr. Ministro da Justiça a esta Corte os documentos justificativos da medida, e
determinado ao Departamento de
Polícia Federal que o extraditando
fosse colocado à disposição desta
Corte. Posteriormente, velo a informação de que o extraditando já se
encontrava à disposição deste Tribunal.
Verifica-se dos autos que o extraditando está sendo processado na
Espanha sob acusação de roubo rea-
lizado contra a Caja de Ahrrojos y
Monte de Piedad Municipal de Vigo
— Espanha.
Deleguei ao MM. Juiz da 3! Vara
Federal-I, do Rio de Janeiro, o encargo de proceder ao interrogatório
do extraditando, o que foi feito,
encontrando-se o respectivo termo a
fls. 50/51. Declarou ele que velo para
o Brasil a fim de aqui estabelecerse comercialmente, trazendo economias e empréstimos levantados em
seu país; negava o fato que lhe era
imputado, pois não se apropriara de
qualquer importância da Caia de
Ahrrojos; que só tomara conhecimento de que havia sido decretada
sua prisão preventiva quando veio
ela a realizar-se; e que se estabeleceu com negócio de doces e salgados, em Jacarepaguá, no Estado do
Rio, tendo montado o negócio com
um cidadão de nacionalidade argentina. Declarou, ainda, que, sendo
inocente, desejava defender-se perante a justiça espanhola e que somente tivera noticia de que se encontrava acusado de roubo, na ocasião daquele interrogatório. Sua viagem para o Brasil fora decidida de
última hora e, por isso, não tivera
ocasião de avisar seus parentes, sua
namorada e nem seus pais, posto
que estes se encontravam na aldeia.
16
R.T.J. — 109
Esclareceu, ainda, que era empregado da Caia Municipal de Ahrrojos de
Vigo e lá permanecera até o fim do
expediente de sábado. Combinara
com Angel Luiz Carro Alvarez —
que é o outro acusado do crime —
para que este fosse apanhá-lo após o
expediente, o que não ocorrera, pelo
que se dirigiu ao seu apartamento.
Que não avisara o Banco de que pretendia deixar o emprego e viajar para o Brasil, a fim de não causar um
duro golpe em seus pais com tal
noticia, pois o emprego que ele ocupava era por todos considerado muito bom. Trouxera para o Brasil três
milhões de pesetas e Angel, quatrocentas mil. Sobre o fato de ter sido
acusado, respondeu que pelo menos
cinco pessoas tinham condições de
permanecer no interior da Caixa
sem serem molestadas, e lhe parecia
que seu nome devia ter sido lembrado pela circunstância de ter abandonado o emprego para viajar para o
Brasil, sem avisar. Para o ato foi nomeado advogado dativo, o Dr. Luiz
Rodrigues Feijão.
A defesa do extraditando foi oferecida pelo seu advogado dativo, o
qual ressaltou que ele negava perentoriamente sua participação no crime que lhe era imputado, e que as
peças que instruem o pedido eram
insuficientes para que se formasse
um juízo de culpa em desfavor do
mesmo, pois a respeito havia apenas
indícios e nada mais. Acrescentou,
contudo, que a solicitação da Espanha não pecava por nenhuma imperfeição.
Ouvida, manifestou-se a douta
Procuradoria-Geral da República pela procedência do pedido. Observou
que não cabe discutir-se no pedido
de extradição sobre a culpabilidade
do acusado, mas anota que ele próprio admitira que era ordenança da
Caia de Ahrrojos; que na data do
evento, sábado, dia 22 de agosto de
1981, ficara no Banco; e que, na ver-
dade, inopinadamente, embarcara
para o Brasil com seu companheiro
Angel Alvarez, pagando a passagem
despesas deste, e viajando sem comunicar nada a ninguém, nem mesmo a seus familiares mais chegados.
Observa, ainda, o parecer, que, a rigor, não houve impugnação ao pedido de extradição, sendo mesmo certo
que o extraditando declarara que
era inocente e desejava defender-se
perante a Justiça espanhola.
o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): O pedido é formulado com
apoio no principio da reciprocidade.
O parágrafo único do art. 85 da Lei
n? 6.815/80 relaciona as defesas
possíveis em pedido de extradição,
podendo versar sobre a identidade
do extraditando, defeito de forma
dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição. Ora, no caso, nada a respeito foi alegado e,
quanto à declaração de inocência
formulada pelo acusado e endossada
pela Defesa, não cabe a este Tribunal adentrar o mérito da ação penal,
nem, portanto, perquirir, para avaliação da culpabilidade, no caso, de
Alfredo José Quintas Gallego, das razões da sua inesperada viagem para
Brasil, sem nada avisar a ninguém.
Não há, no caso, que cogitar-se de
prescrição, porquanto o crime foi
praticado no dia 22 de agosto de
1981, não sendo mesmo ela objeto de
alegação por parte da defesa.
Assim, não se observando qualquer impedimento a que se efetive a
extradição solicitada pelo Governo
da Espanha, defiro-a, em concordância com o parecer da douta Procuradoria-Geral da República.
E o meu voto.
R.T.J. — 109
EXTRATO DA ATA
Extr. 404-Espanha — Rel.: Ministro Aldir Passarinho. Reqte.: Governo da Espanha. Extdo.: Alfredo José
Quintas Gallego (Advs.: Luiz Rodrigues Feijão e Roberto Rosas).
Decisão: Deferiu-se o pedido de extradição, unanimemente.
17
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sesão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Muuloz, Decio
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República, Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 28 de setembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
EXTRADIÇÃO N? 411 — REPÚBLICA PORTUGUESA
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Dedo Miranda.
Requerente: Governo da República Portuguesa — Extraditando: Antonio
Canelas ~rega.
Internacional Público. Extradição. Pedido que, em diligência, se
verifica ter sido encaminhado por via diplomática. Satisfeitas as exigências da lei brasileira, defere-se a extradição.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão
plenária, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
deferir o pedido de extradição.
Brasília, 15 de fevereiro de 1984 —
Cordeiro Guerra, Presidente —
Decio Miranda, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Dedo Miranda: Pede o Governo de Portugal a extradição de Antonio Canelas Nóbrega,
acusado da prática de homicídio voluntário, previsto nos termos do art.
349 do Código Penal de 1886 e punível
nos termos do art. 131 do Código Penal em vigor, de acordo com o disposto no art. 2?, n? 4, deste mesmo
diploma, correspondendo-lhe uma
pena, em abstrato, de 8 a 16 anos de
prisão.
Refere achar-se instruído o pedido
com a documentação legal e declara
prestar a garantia formal de que a
pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida, para exercício da ação penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por fatos diversos dos que
fundamentam o pedido e lhe sejam
anteriores ou contemporâneos (fl. 3
tine).
Obriga-se a computar o tempo de
prisão que, no Brasil, tenha sido imposto por força da extradição e a
não entregar o extraditando, .sem
consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame, nem considerar
qualquer motivo político para agravar a pena.
Acrescenta que o Código Penal
Português não prevê a pena de morte nem castigos corporais.
Deleguei o interrogatório do extraditando a Juiz Federal da Seção do
18
R.T.J. — 109
Estado do Rio de Janeiro, tendo sido
ele ouvido, conforme fl. 53, sem nada
dizer que contrarie o pedido.
Não tendo apresentado defesa o
advogado referido pelo extraditando
no interrogatório (fls. 54), nomeeilhe defensor o Dr. Aluisio Xavier de
Albuquerque, que contrapôs ao pedido defeitos de forma, a saber: a) ter
tido inicio o processo por meio de
Aviso do Ministério da Justiça, que a
este Tribunal encaminhara o pedido
que havia recebido do ProcuradorGeral da República de Portugal, o
que revela não ter sido encaminhado
por via diplomática, como de regra;
tal circunstância denota flagrante
desacerto com parte do preceituado
no art. 80 da Lei n? 6.815, de 1980; b)
por outro lado, a falta de documentos juntos ao pedido, especialmente
cópia dos textos legais aplicáveis,
impede verificar-se, entre outros
pontos, se ocorreu a prescrição (
64/5).
Aberta vista ao Ministério Público
Federal, assim se pronunciou, em
parecer devidamente aprovado pelo
Procurador-Geral da República, o
Dr. Claudio Lemos Fonteles:
«1. Solicita o Governo Português a extradição de seu nacional
Antônio Canelas Nóbrega quem,
contra si, tem decreto judicial de
prisão provisória, por prática de
homicídio doloso, consumado aos
26-11-1981 ( vide Participação a fls.
6), lavrado pelo MM. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de
Amarante (vide fls. 33 e V).
Em seu interrogatório Judicial — fls. 53 — Antonio Canelas
admite o fato, afirmando a fuga a
nosso País.
O pronunciamento de sua defesa dativa, subscrita pelo ilustre
advogado Aluisio Xavier de Albuquerque — fls. 64/65 — impugna a
pretensão exclusivamente por defeitos de forma.
Considera-a, então, inadequada por não emanar de ato de Governo a Governo, a propósito abordando o decidido nas Extradições
n?s 313 e 314, da República Argentina, e alude à ausência de texto legal atinente à prescrição.
Dissentimos da argumentação.
Pelo documento de fls. 3/4,
que se constitui na solicitação da
extradição, subscreve-a o Procurador-Geral da República Portuguesa endereçando-a ao nosso Ministro da Justiça.
E bem verdade que o artigo
80 pede o requerimento de extradição, por via diplomática. Mas também contempla a manifestação
direta de Governo a Governo.
O Procurador-Geral da República aqui, como no direito português, representa judicialmente o
Estado.
Portanto, se dele emana o pedido de extradição, não se pode negar que o ato é a manifestação de
vontade estatal.
Note-se, ademais, que expresso está ainda em dito documento que o Procurador-Geral assim age, por delegação do Exmo.
Sr. Ministro da Justiça de Portugal, e releva a reciprocidade (vide
fls. 3).
Os precedentes citados pela
ilustre defesa não guardam sinonímla com o caso em exame
pois, nas situações pretéritas, os
pedidos foram apresentados por
Juiz de 1? grau do município de
Buenos Aires, e sequer se invocou
tratado de extradição ou tratamento de reciprocidade (consulte-se a
publicação deste Supremo Tribunal
e
Extradições
julgamentos
legislação — vol. I — págs.
331/337).
12. Também a menção feita
Extradição n? 347 não traz valida-
R.T.J. —109
de porque nesta o Estado Requerente não foi o Governo Português,
como está na petição de fl. 65, mas
a República de Itália, e cuidou do
famoso caso «Ovidio Lefebvre Ovidio»
(consulte-se
publicação
citada — vol. II — pág. 167/229).
Não há, efetivamente, menção documentada sobre a prescrição. Consta a alusiva ao fato, criminalmente tipificado, e à pena
(vide fls. 37 e v.).
Mas, datando o delito de 26
de novembro de 1981, isto amplamente admitido pelo próprio extraditando, já o dissemos, e presente
a grave sanção que lhe é fixada
quer em nossa legislação, quer na
lusitana, óbvia faz-se a conclusão
que formalizado o pedido extradicional aos 3.6 do ano em curso,
esvazia-se de sentido qualquer argumento alusivo à prescrição, assim objetivamente afastada.
15. Pelo deferimento do pedido»
(fls. 68/71).
E o relatório.
ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): Sr. Presidente, Srs. Ministros, a sustentação oral que acabamos de ouvir comprova o acerto de
meu ato, nomeando defensor dativo
do extraditando o Dr. Aluisio Xavier
de Albuquerque, que, com brilho e
propriedade, esgotou argumentos a
favor de seu constituinte.
Realmente, o defeito principal argüido pelo nobre Advogado ocorreu:
o pedido não veio por via diplomática.
Meu voto é o que passo a ler.
VOTO
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): Declara o art. 80 da Lei n?
6.815, de 19 de agosto de 1980, que «a
19
extradição será requerida por via diplomática, ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer,
diretamente de Governo a Governo.».
Felizmente, não padecem as antigas e sempre amistosas relações entre Brasil e Portugal, da ausência de
agentes diplomáticos.
No caso, por mera inadvertência veio o pedido, formulado pelo
Procurador-Geral da República Portuguesa, endereçado ao nosso Ministério da Justiça, em vez de circular
pela via diplomática especifica.
Tal inadvertência não deve levar à
inanidade do pedido. Dela não decorreu prejuízo ás garantias legais que
cercam o ato da extradição.
No que toca á falta, entre os documentos vindos com o pedido, de cópia «dos textos legais sobre o crime,
a pena e sua prescrição», o que se
visa, com a exigência, é impedir a
inflição de penas que contrariam a
consciência jurídica brasileira.
Notoriamente, tal não ocorre no
caso, em que o pedido diz corresponder ao delito «uma pena, em abstrato, de 8 a 16 anos de reclusão» fls. 3
fine.
Quanto à prescrição, é evidente,
como salienta o parecer, que, datando o homicídio de 26-11-81, não haveria possibilidade de achar-se já a esta altura por ela alcançada a ação
penal.
Reportando-me aos termos do aludido parecer, defiro a extradição.
E o meu voto.
ADITAMENTO AO VOTO
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): Acrescento, Sr. Presidente,
que, outras fossem as circunstâncias
de tempo, teria promovido diligência
no sentido de proporcionar oportunidade a que o pedido fosse ratificado
por via diplomática.
20
R.T.J. — 109
Mas, considerando a interrupção
decorrente das férias do Tribunal,
achei que seria providência até mesmo contrária aos interesses do extraditando.
Defiro a extradição.
VOTO (DILIGÊNCIA)
O Sr. Ministro Francisco Rezek:
Sr. Presidente, a respeito do primeiro tópico abordado pela defesa, é fato que este Tribunal tem alguma jurisprudência no sentido de que o rol
pertinente à composição do dossiê
não é de ser entendido como uma lista de requisitos da extradição, mas
de elementos normalmente necessários à verificação de sua legalidade.
Destarte, se certo requisito se pode dar por induvidoso, o Tribunal releva a insuficiência do dossiê. E o
caso do pedido relativo a crime muito recente, cuja gravidade torna claro que a. prescrição não pode ter
ocorrido.
Há dois ou três casos em que o
Tribunal relevou a ausência, nos autos, dos textos legais do pais de origem a respeito da prescrição dos crimes de que se acusa o extraditando.
Receio, porém, que exista séria dificuldade em relevar-se outro vicio formal deste pedido. Como disse o Advogado dativo, o Procurador-Geral
do Estado português não fala ao exterior. Ele representa o Estado internamente, perante a Justiça de
Portugal. Existe um relacionamento
diplomático normal entre esta República e aquela. Ainda que não existisse, e que se devesse partir para a
fórmula variante a que alude a lei, o
pedido «de Governo a Governo», ainda assim, a voz do Governo Português não seria a do ProcuradorGeral do Estado. Seria, para todos
os fins, a do Chefe de Estado, a do
Chefe do Governo, a do Ministro de
Estado das Relações Exteriores; e,
para comunicação com esta Repúbli-
ca, também a do Embaixador permanentemente acreditado junto a
nós. Nenhuma outra autoridade,
nem o Ministro da Defesa ou o Presidente da Corte Suprema, falaria pelo
Estato português em caso de ausência de relacionamento diplomático.
Não vejo como, então, contornar o
dispositivo legal que reclama essa
comunicação de Governo a Governo,
pelo conduto diplomático ordinário,
ou, quando inexistente este, por pessoa que fale em nome do Governo
português no foro internacional, não
no foro interno.
Assim, e considerando que existe,
também, jurisprudência no sentido
de que o Tribunal, mesmo à falta de
requerimento do Ministéiro Público,
pode promover diligências, e embora
ciente de que isto terá um resultado
mais que óbvio, hesito em contornar
o rigor da norma, e proporia a diligência, para que a representação do
Estado português, neste Pais, abone
ou não este pedido, que por via postal, ou outra qualquer, inteiramente anômala, o Procurador-Geral de
Portugal endereçou ao Ministro da
Justiça do Brasil.
Acompanhando em todos os outros
pontos o voto do eminente relator,
mas estimando que este resultado,
que já preconcebemos, poderia ser
buscado para não se desgastar a
norma, proponho a conversão do julgamento em diligência.
O Sr. Ministro Decio Miranda (Relator): Minha hesitação é a seguinte:
é evidente que, se vier a ser condenado o extraditando, o tempo que vai
ficar preso, aqui, será descontado.
Mas, na hipótese de uma absolvição
em Portugal, ele padeceria inutilmente esta prisão, pelo tempo das
férias do Tribunal. São estas circunstâncias temporais que me levam a abrandar o rigor dos princípios. Em tese, agiria como sugere
o eminente Ministro Francisco Rezek.
R.T.J. — 109
Por isso, mantenho meu voto.
VOTO (DILIGENCIA)
Sr. Ministro Aldir Passarinho:
Sr. Presidente, não obstante as ponderações do eminente Relator e as
dúvidas que tenho sobre a possibilidade de conversão do julgamento em
diligência, a fim de ser suprida a iniciativa do Governo, concordo com o
eminente Ministro Francisco Rezek,
pela diligência.
VOTO (DILIGENCIA)
Sr. Ministro Oscar Corrêa: Senhor Presidente, também acolho a
diligência, tanto mais quanto será
oportunidade de se cumprir a outra
diligência, relativa aos textos legais
sobre prescrição, e se dar autenticidade aos documentos, nos termos do
artigo 80, 1?.
E o voto.
VOTO (DILIGENCIA)
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Sr.
Presidente. Em face do texto legal,
parece que a diligência, efetivamente, é de atender-se, inobstante ter
havido comunicação de Governo a
Governo. O expediente da extradição
veio ao Supremo Tribunal Federal,
por intermédio do Ministro da Justiça, que é, em realidade, a autoridade brasileira que encaminha as notas verbais, os pedidos de extradição, para o seu regular processamento nesta Corte. No caso, o Ministro considerou hábil, teve como idôneo o pedido do Goberno estrangeiro,
proveniente do Procurador-Geral da
República Portuguesa, instruido com
toda a documentação indispensável.
Mas, de fato, diante do texto legal,
acompanho o Sr. Ministro Francisco
Rezek, para que se cumpra a disposição de lei, embora compreenda,
que, substancialmente, nenhuma al-
21
teração se dará, quanto à manifestação de interesse do Governo de Portugal, acerca da extradição.
Sr. Ministro Francisco Rezek:
Sr. Presidente. Essa qualidade que
falece ao Ministro da Justiça do Brasil, para entrar em comunicação direta com Governo estrangeiro, ainda
que passivamente, falece também a
todos nós, assim como ao Ministro
da Fazenda, ao Presidente do Congresso, em virtude de regras de comunicação internacional. Receio que
Tribunal crie jurisprudência um
tanto perigosa, se...
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Senhor Ministro Rezek, todo expediente relativo a extradição vem ao Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Ministério da Justiça. A
competência'é do Ministro da Justiça, para o envio do procedimento a
esta Corte.
Sr. Ministro Francisco Rezek: Do
Ministro da Justiça, que o recebe do
Itamaraty para nos mandar.
Sr. Ministro Néri da Silveira:
Desse modo, se o Poder Executivo
se comunica com o Poder Judiciário,
via Ministério da Justiça, no caso
concreto, o expediente de extradição
foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal pela autoridade brasileira competente.
Sr. Ministro Francisco Rezek:
Sim, mas a autoridade deveria tê-lo
recebido, através do conduto internacional de comunicação competente, porque, isso não ocorrendo este
Tribunal tem a prerrogativa da critica. Recordo o caso Sardon, de 1972
(Extr. n? 314) em que a Corte não
conheceu, à vigésima quinta hora,
de um pedido, ao dar-se conta de que
ele fora enderaçado ao Itamaraty
via correio, pelo Juiz processante, de
Buenos Aires. Sem nenhuma responsabilidade do Governo Argentino, expressa na voz de quem pode falar
por ele na cena internacional. A tolerãncia do Governo Brasileiro sana
22
R.T.J. — 109
esse vicio? Entendeu-se que não,
pois este Tribunal tem o direito de
crítica e deve exercê-lo.
O Sr. Ministro Néri da Silveira: A
vista das considerações acima, voto
pela diligência.
EXTRATO DA ATA
Extr. n? 411 — República Portuguesa — Rel.: Ministro Decio Miranda. Reqte.: Governo da República
Portuguesa. Extdo.: Antônio Canelas
Nóbrega (Adv.: Aluisio Xavier de Albuquerque).
Decisão: Convertido o julgamento
em diligência, vencido o Ministro
Relator. Falou pelo Extdo.: O Dr.
Aluísio Xavier de Albuquerque.
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sesão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Soares Mutioz, Decio Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo
Buzaid, Oscar Corrêa, Aldir Passarinho e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Moreira Alves. Procurador-Geral da
República, Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 14 de dezembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
VOTO (SOBRE DILIGÊNCIA)
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): O Tribunal converteu o julgamento em diligência para que a representação portuguesa no Brasil ratificasse o pedido, de vez que pela lei
brasileira a extradição será solicitada por via diplomática ( Lei n? 6.815,
de 19-8-80, art. 80).
Tal exigência foi satisfeita mediante o esclarecimento do oficio de
fls. 77, acompanhado da cópia do expediente de fls. 78, pelo qual a Embaixada de Portugal trasmitira ao
Ministério das Relações Exteriores
do Brasil o pedido relativo à extradição do cidadão português Antônio
Canelas Nóbrega, acompanhado dos
documentos que hoje se vêem a fls.
5/40 das presentes notas.
Vê-se, pois, que o pedido de extradição fora encaminhado por via diplomática, tendo, porém, deixado de
ser enviada ao Supremo Tribunal
Federal a chamada «nota verbal»
com que a Embaixada de Portugal o
remetera ao Ministério das Relações
Exteriores, nota que hoje se vê juntada a fls. 79 destes autos de extradição com o seguinte teor:
«A Embaixada de Portugal apresenta os seus atenciosos cumprimentos ao Ministério da Relações
Exteriores e, em referência á Nota
DJ/DE-I/44/007, de 4 de maio findo, tem a honra de solicitar o encaminhamento às autoridades brasileiras competentes, com a possível
brevidade, do pedido em anexo, relativo à extradição do cidadão português Antônio Canelas Nóbrega.
2. Conforme poderá ser verificado,
o referido pedido é formulado com
observância das condições e garantias exigidas pela lei brasileira. 3.
A Embaixada de Portugal aproveita a oportunidade para reiterar ao
Ministério das Relações Exteriores
os protestos da sua elevada consideração.
Brasília, 23 de junho de 1983»
(fls. 79).
Isto posto, e reiterando o voto proferido na sessão plenária de 14-12-83,
defiro a extradição.
EXTRATO DA ATA
Extr. 411 — República Portuguesa
— Rel.: Ministro Decio Miranda.
Reqte.: Governo da República Portuguesa. Extdo.: Antônio Canelas Nóbrega (Adv.: Aluisio Xavier de Albuquerque).
Decisão: Deferiu-se o pedido de extradição, unanimemente.
R.T.J. — 109
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufioz, Dedo
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
23
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República,
Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 15 de Fevereiro de 1984 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
REPRESENTAÇÃO N? 1.145 — SP
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Soares Mufioz.
Representante: Procurador-Geral da República — Representado: Governador do Estado de São Paulo.
Representação. Argüição de InconstitizelonaIldade.
— Inconstitucionalidade da expressão «... mediante prévia aprovação da Assembléia Legislativa ...» contida no ii 2? do art. 12 do
Decreto-lei Complementar n? 7, de 6-11-69, editado pelo Governador do
Estado de São Paulo. A exigência de condicionar ã anuência prévia
do Poder Legislativo a nomeação dos membros dos Conselhos Deliberativos das Autarquias estaduais constitui afronta ao principio da separação dos Poderes, que a Lei Fundamental agasalha no art. 6?.
Precedente: Representação n? 1.089-SP.
curador-Geral da República Professor Inocêncio Mártires Coelho, In
Vistos, relatados e discutidos estes verbis:
autos, acordam os Ministros do Su«Em atenção a pedido do Senhor
premo Tribunal Federal, em sessão
Governador José Maria Marin, do
Plenária, na conformidade da ata do
Estado de São Paulo, o Senhor
julgamento e das notas taquigráfiProcurador-Geral da República
cas, por unanimidade de votos, julajuizou ação direta objetivando a
gar procedente a Representação e
declaração de inconstitucionalidadeclarar a inconstitucionalidade da
de da expressão «... mediante préexpressão «... mediante prévia aprovia aprovação da Assembléia Levação da Assembléia Legislativa ...»
gislativa...» contida no parágrafo
contida no 2? do art. 12 do Decreto2? do art. 12 do Decreto-lei Comlei Complementar n? 7, de 6 de noplementar n? 7, de 6 de novembro
vembro de 1969, editado pelo Goverde 1969, editado em 6 de novembro
nador do Estado de São Paulo.
de 1969, no recesso da Assembléia
Legislativa, pelo então GovernaBrasília, 5 de outubro de 1983 —
dor, Senhor Roberto Costa de
Cordeiro Guerra, Presidente —
Abreu Sodré.
Soares Mtuloz, Relator.
Fundamentando o pedido acolhiRELATÓRIO
do, sustentou o Chefe do Poder
Executivo do Estado Bandeirante
O Sr. Ministro Soares Mufloz: Adoque a a exigência de condicionar à
to, como relatório, o parecer do ilusanuência prévia do Poder Legislatre Procurador Dr. João Paulo de
tivo a nomeação dos membros dos
Barros, aprovado pelo eminente ProConselhos Deliberativos das autarACÓRDÃO
24
R.T.J. — 109
guias estaduais constitui flagrante
afronta ao principio da separação
dos Poderes — que a lei fundamental agasalha no artigo 6? - por isso
que configura indevida interferência em atribuições privativas do
Poder Executivo». Assim, o texto
malsinado vulnera diretamente os
artigos 6?, 13, inciso V; 57, inciso V;
81, inciso VIII e 200 da Constituição
da República.
Invocando os parâmetros da
Constituição de 1967 «que continha
preceito legitimando a intervenção
do Legislativo no processo de escolha e nomeação referido, desde que
a lei o determinasse» (pág. 8) e da
alteração que lhe operou a Emenda n? 1, de 1969, cita a jurisprudência da Excelsa Corte antes e depois desse condicionamento.
Provocada, manifestou-se a Presidência da augusta Assembléia
Legislativa, que se arrimando na
jurisprudência superada do Supremo Tribunal Federal, conclui suas
informações pela improcedência
da Representação.
O tema já é conhecido no âmbito
e na solenidade do julgamento
da representação do ProcuradorGeral da República pelo colendo
Supremo Tribunal Federal. A
Emenda Constitucional n? 1, de
1969, modificou o controle do Legislativo sobre a escolha de nomes
para provimento de cargos pelo
Chefe do Poder Executivo: enquanto na Constituição de 1967 esse controle era de amplo espectro (se determinado em lei, a escolha de
qualquer servidor estava sob o crivo do Poder Legislativo), a partir
de 30 de outubro de 1969, somente
para as funções e cargos expressamente definidos no texto constitucional é que esse controle remanesceu.
Desde então, vem a Excelsa Corte declarando a inconstitucionalidade de preceitos ou expressões
que acrescentem, na esfera estadual, outros cargos ou funções que
não os que guardam semelhança
com os da esfera federal e que permaneceram sob controle do Senado
Federal (v. g.: Representações
1.018-GO, acórdão publicado na
RTJ 101/468 e 1.089-SP, RTJ
103/516).
Na espécie em exame, o
Decreto-lei Complementar n? 7, de
6 de novembro de 1969, posterior
portanto, à entrada em vigor da
Emenda Constitucional n? 1, dispôs
sobre a descentralização dos serviços que «por sua natureza ou finalidade, justifiquem autonomia técnica, administrativa ou financeira»
(art. 1?). Na seção III, disciplinou
sobre as autarquias e sua organização. O artigo 10, ao final, condicionava a nomeação do Superintendente de autarquia à «prévia aprovação da Assembléia Legislativa».
Essa e a expressão «dirigentes de
autarquias» que se continha no inciso X do artigo 17 da Constituição
Estadual, foram declaradas inconstitucionais na Representação
ri? 1.089.
Restou por impugnar, então, o
mesmo condicionamento imposto,
no § 2? do artigo 11, à composição
do Conselho Deliberativo dessas
mesmas autarquias, o que é feito
nestes autos.
Para evitar-se repetição de tudo
o que já se considerou em ambos
os precedentes citados, pede-se vênia para a remissão aos fundamentos daqueles pareceres, concluindose pela procedência da Representação, a fim de que — declarada a
sua inconstitucionalidade — seja
excluída a expressão « mediante
prévia aprovação da Assembléia
Legislativa...» do § 2? do artigo 12
do Decreto-Lei Complementar n? 7,
de 6 de novembro de 1969, por violar o princípio da independência e
harmonia dos Poderes (art. 13, I,
R.T.J. — 109
c/c os artigos 10, VII, c, e 57, V, da
Emenda Constitucional n? 1/1969),
«porquanto não havendo norma
correspondente dessa Carta Magna, defeso é aos Estados determinar, em suas Constituições ou leis
ordinárias, a indicada limitação
competência exclusiva do Governador do Estado no que concerne
ao provimento dos cargos de dirigentes de autarquias» (sic, Exmo.
Sr. Ministro Soares Mutioz, ementa do v. acórdão na Rp. n? 1.089SP, RTJ 103/513, notas taquigráficas anexas)» (fls. 44/47).
Deste relatório devem ser remetidas cópias aos senhores Ministros.
Brasília, 28 de novembro de 1983 —
Ministro Soares Mutioz, Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Soares Muiloz (E...,lator): De conformidade com o parecer, cujos fundamentos adoto, declaro a inconstitucionalidade da expressão: «... mediante prévia aprovação
da Assembléia Legislativa...» contida no § 2? do art. 12 do Decreto-lei
Complementar n? 7, de 6 de novembro de 1969, editado no recesso da
Assembléia Legislativa, pelo então
Governador do Estado de São Paulo,
Senhor Roberto Costa Abreu Sodré.
Na Representação n? 1.089-SP, relatada também por mim, foi declarada a inconstitucionalidade do art.
10 do mencionado Decreto-lei Complementar n? 7, de 6 de novembro de
1969, na parte em que condicionava
a nomeação pelo Governador do Estado dos dirigentes das autarquias à
«prévia aprovação da Assembléia
Legislativa».
Os fundamentos do voto que proferi no aludido precedente tem inteira
adequação à presente representação,
de modo que a eles me reporto,
adotando-os, In verbis:
«Com efeito, a Emenda Constitucional n? 1, de 1969, art. 42, inciso
25
III, suprimiu a hipótese de prévia
aprovação do Senado Federal para
a escolha do Procurador-Geral da
República e «de outros servidores,
quando determinado em lei,» estabelecida no art. 45, I, da Constituição de 1967, de sorte que, a partir
daquela Emenda, a jurisprudência
anterior tornou-se superada. E isso
o reconheceu o Supremo Tribunal
Federal nas Representações n? 950,
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Moreira Alves (RTJ 92/1.000):
857, de Minas Gerais, relator Ministro Barros Monteiro (RTJ
67/310) e 1.018, do Estado de Minas
Gerais, relator Ministro Cunha Peixoto (DJ de 25-4-1980, pág. 2803).
O controle do Poder Legislativo
na nomeação de dirigentes de autarquias viola o principio da independência e harmonia dos Poderes
(art. 13, I, c/c o art. 10, VII, c, da
Emenda Constitucional n? 1, de
1969), porquanto não havendo
norma correspondente na Carta
Maior, defeso é aos Estados determinar, em suas Constituições ou
leis ordinárias, aquela limitação à
competência exclusiva do Governador do Estado no atinente ao
provimento dos cargos de dirigentes das autarquias (art. 57, V,
CF).» (RTJ 103/520/521).
E o voto.
EXTRATO DA ATA
Rp. 1.145-SP — Rel.: Ministro Soares Mufloz. Repte.: ProcuradorGeral da República. Repdo.: Governador do Estado de São Paulo.
Decisão: Julgou-se procedente a
Representação e declarou-se a inconstitucionalidade da expressão
«...mediante prévia aprovação da
Assembléia Legislativa...» contida
no § 2? do art. 12, do Decreto-lei
Complementar n? 7, de 6 de novembro de 1969, editado pelo Governador
do Estado de São Paulo. Decisão
unânime. Votou o Presidente.
26
R.T.J. — 109
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufloz, Decio
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República, Substituto, o Dr. Mauro Leite Soares.
Brasília, 5 de outubro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
REPRESENTAÇÃO N? 1.170 — RJ
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Representante: Procurador-Geral da República — Representados: Governador e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Representação de inconstitucionalidade da Lei n? 672, de 8-9-83, do
Estado do Rio de Janeiro. Liminar deferida pelo relator e referendada pelo Plenário da Corte (§ 1? do art. 170 c/c o art. 21, incs. IV e V,
do Regimento Interno).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão
Plenária, na conformidade da ata de
julgamento e das notas taquigráficas, á unanimidade de votos, em referendar o pedido de liminar concedido pelo Ministro Relator.
Brasília, 7 de outubro de 1983 —
Cordeiro Guerra, Presidente —
Djaci Falcão, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Na
Representação n? 1.170-4, do Estado
do Rio de Janeiro, de que sou relator, foi formulado o seguinte pedido
pelo Exmo. Sr. Dr. ProcuradorGeral da República:
«O diploma legal impugnado estabeleceu, no seu artigo 8?, que as
primeiras eleições para elaboração
da lista tríplice de candidatos a
reitor e vice-reitor realizar-se-iam,
no máximo, dentro de trinta dias
após a respectiva promulgação
(doc. 1).
Publicada a lei em 9 de setembro
passado, avizinha-se a data para
realização das eleições, previstas,
segundo o noticiário mais autorizado da imprensa falada e escrita,
para a data de amanhã (6 de outubro).
Com a expectativa criada pela
realização das eleições, estabeleceu-se no campus universitário
enorme movimentação, «com faixas dependuradas nas janelas, cartazes colados nos corredores e nas
salas de aula, debates diários e
discussões nas cantinas e nos pátios», segundo informes colhidos do
prestigioso Jornal do Brasil do dia
4 do corrente, que em seguida
acrescenta: «este é o clima vivido
nos últimos dias pelos quase 18 mil
alunos, professores e funcionários
da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), que, no próximo dia 6, escolherão seus candidatos à Reitoria e à Vice-Reitoria»
(doc. 2).
Essa situação, de certa forma,
confirma a advertência do eminente ex-Senador da República Jarbas
Passarinho, quando, em autorizado
R.T.J. — 109 artigo publicado recentemente na
imprensa da Capital, prenunciava
que se intenta fazer aqui o que ainda há poucos anos se passou no
Chile, no âmbito estritamente universitário, ou seja, diz o articulista:
Os partidos políticos fariam a
campanha por seus candidatos,
levando para o cerne da universidade a cizânia das lutas eleitorais, além de obrigar os candidatos a assumir compromissos que,
certamente, conspirarão contra a
eficiência da administração. Pode-se imaginar o que será o resultado de uma sistemática dessa, com os partidos políticos, legais e clandestinos, envolvidos
na luta pela conquista da reitoria (doc. 3).
Ora, eminente Relator, a Representação n? 1.170, a Vossa Excelência distribuída, tem em vista a ueclaração de inconstitucionalidade
de todo o teor da Lei Estadual n?
672, de 8-9-83, inclusive o malsinado artigo 8?, que faculta a realização de eleições diretas para a reitoria até, no máximo, trinta dias
após a publicação daquela. Admitida a realização do pleito, estará
em parte frustrado o objetivo final
que se persegue com a ação constitucional direta intentada perante
esta Suprema Corte.
Ocorrem, sem dúvida, os pressupostos a que se refere a norma regimental pertinente, tanto em relação ao fumus bonl juris, quanto ao
perimam In mora. Dai por que
aguarda o Representante a concessão da cautelar, em ordem a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa e evitando-se grave
dano à ordem pública, decorrente
da exacerbação dos ânimos» (fls.
12/14).
Com a inicial é argüida a inconstitucionalidade da Lei n? 672, de 8 de
setembro de 1983, do Estado do Rio
de Janeiro, pela maneira seguinte:
27
«Pela lei em questão, sancionada
sem vetos pelo Chefe do Executivo
estadual e regularmente publicada
no competente órgão oficial, os nomes para a escolha daqueles dirigentes universitários serão encaminhados ao Governador em listas
tríplices elaboradas «com base no
resultado de eleições diretas» (art.
1?), estabelecendo, logo á frente, o
art. 4?, que são eleitores do novo
processo todos os professores, alunos e servidores não docentes; enfim , toda a comunidade universitária.
Depois de estipular que «a eleição será feita em urnas distintas»,
compreensivas de votos de professores, alunos e servidores não docentes (art. 5?), atribui a cada
classe de votantes pesos distintos,
de tal modo que o total de votos
apurados entre os professores tenha peso igual à soma dos votos
dos alunos e dos empregados não
docentes da universidade (art. 6?).
O sétimo, por sua vez, contém
mandamento imperativo, no sentido de que «o voto será pessoal, secreto e obrigatório».
Reza, contudo, a Constituição
Federal, em seu art. 8?, inciso
XVII, letra q, que compete à União
legislar sobre «diretrizes e bases
da educação nacional», acrescentando seu parágrafo único que, sobre esta matéria, assim como sobre outras ali relacionadas, a
competência assegurada à União
não exclui a dos Estados para legislarem em caráter supletivo.
Com fundamento nesse texto
constitucional, a União votou a Lei
n? 5.540, de 28 de novembro de
1968, fixando normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, lei cujo art. 16 foi posteriormente alterado por outra, de
n? 6.420, editada em 3 de junho de
22
R.T.J. — 109
1977, que lhe deu, na parte que inOs reitores e vice-reitores das
teressa ao caso, a seguinte redauniversidades estaduais ou municipais serão nomeados pelo Chefe
ção:
do Poder Executivo competente
Art. 16. A nomeação de reitoescolhidos em listas sêxtuplas
res é vice-reitores de universidapreparadas
por um colégio eleitodes, e de diretores e vice-direral
especial
na forma do item I
tores de unidades universitárias
do
artigo
16
da
Lei n? 5.540, com
e de estabelecimentos isolados de
a
redação
dada
pela
Lei n? 6.420,
ensino superior, obedecerá ao sede
3
de
junho
de
1977.
guinte:
Do confronto entre a legislação
I — O reitor e o vice-reitor de
federal e a estadual transcritas,
universidade oficial serão noemerge, nítida, a antinomia entre
meados pelo Chefe do Poder Exeambas: enquanto a lei federal discutivo, escolhidos em listas prepõe que os dirigentes das universiparadas por um colégio eleitoral
dades estaduais serão escolhidos
especial, constituído da reunião
em listas sêxtuplas, preparadas
do Conselho universitário e dos
pelo Conselho Universitário e pelos
órgãos colegiados máximos de
órgãos máximos de ensino, pesquiensino e pesquisa e de adminissa e administração, a legislação lotração ou equivalente;
cal estabelece, para a mesma escolha, sejam organizadas listas
II — Os dirigentes de universitríplices, elaboradas com base no
dades ou estabelecimentos isolaresultado de eleições diretas de
dos particulares serão escolhidos
que participe toda a comunidade
na forma dos respectivos estatuuniversitária.
tos e regimentos;
Esse conflito de normas somente
III — O diretor e o vice-diretor
pode ser dirimido à luz da Constide estabelecimento isolado de entuição Federal, onde se acham dissino superior mantido pela União
criminadas as competências de caquando constituído em autarquia
da qual das pessoas jurídicas de
serão nomeados pelo Presidente
direito público interno (União, Esda República, e no caso de diretados e Municípios).
tor e vice-diretor de unidade universitária, pelo Ministro da EduOra, tendo a União votado, valicação e Cultura, escolhidos em
damente, lei, inserida em sua comlista preparada pelo respectivo
petência constitucional, quanto à
colegiado máximo;
forma pela qual devem ser elaboradas
as listas sêxtuplas para a esIV — Nos demais casos, o dicolha dos dirigentes universitários,
retor será escolhido conforme esfederais ou estaduais, parece eivatabelecido pelo respectivo sisteda de inconstitucionalidade a lei,
ma de ensino.
de origem local, que estabeleça
§1? Ressalvado o caso do inciprocesso diverso daquele traçado
so II deste artigo, as listas a que
pelo legislador federal» ( fls. 2/6).
se refere este artigo serão sêxtuDiante da urgência da medida replas.
querida proferi o seguinte despacho:
Posteriormente, o Decreto Fede«Vistos, etc.
ral n? 80.536, de 11 de outubro de
1977, regulamentando a mencionaCom base no art. 21, incs. IV e V,
da Lei n? 6.420, do mesmo ano, esdo Regimento Interno do Supremo
tabeleceu no seu art. 10, caput:
Tribunal Federal, e à vista das
29
R.T.J. — 109
considerações aduzidas pelo Exmo.
Sr. Dr. Procurador-Geral da República (fls. 12/14), defiro a medida
liminar de suspensão da Lei n? 672,
de 8-9-83, do Estado do Rio de Janeiro, até o julgamento desta Representação — Brasília, 5-10-83».
Tenho para mim que se impõe a
medida cautelar prevista no § 1? do
art. 170 c/c o art. 21, incs. IV e V, do
nosso Regimento Interno, bem assim, no art. 119, Inc. I, letra p, da
Constituição Federal.
Há, nesta representação, fundamentos jurídicos relevantes. Ao lado
disso, a execução da Lei n? 672, de 89-&3, do Estado do Rio de Janeiro,
argüida de inconstitucional, poderá
causar prejuízos de difícil e incerta
reparação no plano da administração universitária.
A suspensão provisória, da execução da lei em causa, propiciará a
eficácia plena da decisão qualquer
que seja a diretriz que seja tomada,
oportunamente, por esta Corte.
Daí por que acolhi o pedido formulado pelo Professor Inocêncio Mártires Coelho, digno Procurador da Re-
vessem lugar no Rio de Janeiro os
atos de execução do atacado art. 8?
da Lei Estadual n? 672, com conseqüências danosas á administração
universitária na hipótese de a representação vir a ser julgada procedente. Sendo igualmente certo, e é o
mínimo que se pode dizer neste momento, sem transbordar dos limites
que a oportunidade nos impõe, que a
representação é, à evidência, verossímil nos seus fundamentos, vista
a regra constitucional que incumbe à
União a edição das diretrizes e bases
da educação nacional, e em vista da
circunstãncia de que uma lei ordinária de índole federal dispõe, de modo.
absolutamente claro e detalhado, sobre esse mesmo assunto.
Meu voto é no sentido de compartilhar da decisão do Ministro Relator.
EXTRATO DA ATA
Rp 1.170-RJ — Rel.: Ministro Djaci
Falcão. Repte.: Procurador-Geral da
República. Repdos.: Governador e
Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro.
pública.
Decisão: Referendado, unanimemente, o despacho proferido pelo SeCom estas considerações submeto nhor
Ministro Djaci Falcão, suspena matéria à apreciação do Plenário
da Corte, nos termos do art. 5?, inc. dendo a execução da Lel n? 672, de 8X, c/c o art. 21, Inc. V, do Regimen- 9-83, do Estado do Rio de Janeiro,
até o julgamento final da Represento Interno.
tação.
VOTO
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
O Sr. Ministro Francisco Rezek: os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Sr. Presidente, não cabe ao Tribu- Soares Mui%oz, Dedo Miranda, Ranal, neste momento, tomar uma de- fael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo
cisão que antecipe o juízo de mérito Buzaid, Oscar Corrêa, Aldir Passarida representação que um dia virá a nho e Francisco Rezek. Ausente, jusjulgamento. Cuida-se apenas de abo- tificadamente, o Senhor Ministro
nar o despacho do eminente Minis- Moreira Alves — Procurador-Geral
tro Relator que concedeu a medida da República, Substituto, o Dr. Mauro Leite Soares.
liminar.
S. Exa. considerou, ao proferir esBrasília, 7 de outubro de 1983 —
se despacho, a iminência de que ti- Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
30
R.T.J. — 109
SENTENÇA ESTRANGEIRA N? 2.912 — REINO DA BÉLGICA
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Requerente: Walter Matter S.A. — Requerida: Fenelon Machado S.A. —
Exportação e Importação.
Sentença estrangeira. Homologação. Sentença estrangeira, que
teve por exeqüível decisão arbitrai. Sua homologabilidade, em
princípio, no Brasil. Precedente na Sentença Estrangeira n? 2178
(RTJ 92/515 e 91/48). Regimento Interno do STF, art. 217. Requisitos
à homologação de sentença estrangeira. Sentença que se há de ter por
suficientemente motivada. Requerido domiciliado no Brasil. Lei de
Introdução ao Código Civil, art. 12. Competência relativa. Se as partes acordaram solver, por meio de arbitragem, em praça estrangeira,
as questões que se apresentassem na execução do contrato, não
cabe alegar o requerido incompetência do Tribunal estrangeiro competente, que homologou a decisão arbitrai. E, entretanto, princípio de
ordem pública, no Brasil, seja o réu, conhecida sua residência, diretamente, citado no País, para responder à ação, perante a Justiça estrangeira, constituindo a citação válida, dessa sorte, requisito indispensável à homologação da sentença alienígena. Lei de Introdução ao
Código Civil, art. 12, § 2?. A citação deve ser feita, mediante carta rogatória, após obtido o exequatur do Presidente do Supremo Tribunal
Federal. No caso, não houve citação da requerida, mediante carta rogatória, nem compareceu ela, voluntariamente, ao Juizo estrangeiro.
Não afastaria o vicio da falta de citação, sequer, o fato alegado, pela
requerente, segundo o qual a requerida não ignorava a existência
da decisão arbitrai. Trânsito em julgado da decisão estrangeira homologanda, não regularmente comprovado. Sentença estrangeira, cujo
pedido de homologação se indefere, por falta de citação regular da requerida, mediante carta rogatória, e porque não comprovado, suficientemente, seu trânsito em julgado (RISTF, art. 217, II e III).
ACORDA()
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão
Plenária, à unanimidade, indeferir a
homologação.
Brasília, 2 de fevereiro de 1983 —
Xavier de Albuquerque, Presidente
— Néri da Silveira, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Trata-se de sentença estrangeira em que Walter Matter
S.A., sociedade comercial sediada
em Genebra, na Suíça, pleiteia ho-
mologação de decisão proferida pela
Primeira Câmara Cível da Corte de
Apelação de Antuérpia, Bélgica, pela
qual se proclamou exeqüível sentença arbitrai, da Câmara Arbitrai para os Cafés, em Antuérpia, prolatada
a 8-4-1974, contra a empresa brasileira Fenelon Machado S.A. — Exportação e Importação, que restou condenada a pagar determinadas importâncias, relativas a perdas sofridas na consignação de uma partida
de 5.092 sacas de café.
A condenação da empresa, segundo a sentença, cuja homologação ora
se pleiteia, consiste no pagamento
das seguintes parcelas: US$ 65.947,77
(sessenta e cinco mil, novecentos e
R.T.J. — 109
quarenta e sete dólares americanos
e setenta e sete centavos) a titulo de
principal; US$ 65.825,00 (sessenta e
cinco mil, oitocentos e vinte e cinco
dólares americanos) relativos a juros; US$ 3.418,02 (três mil, quatrocentos e dezoito dólares americanos
e dois centavos) correspondente a
comissão; FrB 2.500,00 (dois mil e
quinhentos francos belgas) referentes a custas, destinados e reembolso
à Câmara Arbitrai indicada no item
anterior.
Segundo a inicial, a requerida,
ciente do julgamento da Corte Arbitrai, procurava eximir-se de cumprila, tendo sido, posteriormente, notificada do julgamento, de que se trata,
donde se infere o trânsito em julgado
da sentença homologanda.
Citada, a empresa nacional apresentou a contestação de fls. 68/75,
onde ressalta os seguintes tópicos:
Incompetência da Justiça estrangeira para dirimir a controvérsia, porquanto, possuindo sede e foro
na cidade do Rio de Janeiro, segundo é do conhecimento da requerente,
sustenta que competente seria, necessariamente, o foro brasileiro, a
teor do art. 12, da Lei de Introdução
ao Código Civil, tendo em vista que
não acordaram as partes em eleger
o foro da praça de Antuérpia para
dirimir eventuais pendências, renunciando seu foro privativo, o que evidencia não estar a sentença revestida de formalidade essencial;
Falta da citação da requerida
para acompanhar a arbitragem proclamada pela Câmara Arbitrai de
Antuérpia, com infringência, assim,
segundo alega, do art. 15, letra b, da
Lei de Introdução ao Código Civil, e
do art. 217, item II, do Regimento Interno desta Corte, alegando que a requerida deveria ter sido citada por
carta rogatória, o que não aconteceu;
31
Falta de inteligência da sentença homologanda, por não preencher,
segundo anota a requerida, os requisitos exigidos pela legislação brasileira, especialmente, o disposto no
item II, do art. 458, do Código de
Processo Civil, acrescentando que a
sentença prolatada pela Câmara Arbitrai «não declara em que documento teria se baseado para proceder a arbitragem; não indica os dispositivos das convenções internacionais aplicáveis ao caso que embasariam sua conclusão, não informam
quais os elementos da ação» e «não
relata os fatos, que originariam a
obrigação a ser cumprida» (fls. 73);
Não há prova de trânsito em
julgado da sentença, com infringência, assinalada pela requerida, do
art. 217, item III, do Regimento Interno desta Corte, e em desarmonia
com o enunciado da Súmula n? 420
(fls. 76).
Concluindo sua contestação pleiteia a firma Fenelon Machado S.A.
— Exportação e Importação a improcedência do pedido, com a conseqüente negativa da pretendida homologação, bem assim que condenada
seja a requerente ao pagamento de
custas processuais e honorários advocaticios.
Em sua réplica, manifestada às
fls. 80/81, Walter Matter S.A. afirma
que são improcedentes as objeções
indicadas pela requerida, tendo em
vista que «estão pres ntes, em rigorosa obediência aos receitos legais
e regimentais, os re uisitos básicos
à homologação da se tença», destacando, verbis (fls. 80/81):
«2. Para a prin eira alegação,
deixou a requerida e considerar a
eleição expressa do oro de Antuérpia, constatada pel Câmara Arbitrai de Cafés daqu a cidade (fls.
6, original; fls. 15, radução), que
se deu por competi te para apreciar a matéria, em virtude, justamente, do que as partes no contra-
32
R.T.J. — 109
to de consignação haviam estatuído entre si; ao confirmar a decisão arbitrai, em segunda instância,
a Primeira Câmara eive! da Corte
de Apelação de Antuérpia lhe reconheceu validade por ter sido observado, também, o requisito da competência da Câmara Arbitrai, submetida, por seu turno, à jurisdição
da Justiça belga.
A requerida não ignorava a
existência de uma decisão arbitrai
que a condenava, tanto que se negou expressamente, em carta endereçada à Comissão das Associações Européias de Café, a cumprila, opondo-lhe a alegação de problemas cambiais e da inexistência
de autorização legal, no Brasil, para executá-la (fls. 22/24); esta manifestação expressa da Ré representa, no entender da peticionária,
a antecipação de uma revelia voluntária dentro do processo judicial que se seguiu; por outro lado,
o Tribunal Belga, ao se pronunciar, respeitou integralmente os
preceitos processuais aplicáveis
aos litígios em que a parte requerida não tenha comparecido (Código
de Processo Civil belga, artigo 804:
«Si à l'audience à laquelle la cause
a été remise ou a été nouvellement
fixée, l'une des parties ne comparait pas, jugement par défaut peut
etre requis contre elle» — fls. 26,
original; fls. 31, tradução).
A sentença arbitrai tornada
exeqüível pelo Tribunal belga está
fundamentada até os mínimos detalhes; a eventual presença de expressões em inglês dentro da tradução não lhe compromete a inteligência, eis que se trata de termos
consagrados no uso comercial internacional.
5. O trânsito em julgado da sentença homologanda se infere não
só da expedição, pelo Escrivão da
Corte Distrital de Antuérpia, da
notificação do julgamento à Fene-
íon Machado S.A., em 24-1979, como também do teor da ordem contida no fecho da certidão de fls.
25/28, traduzido a fls. 33, onde já se
determina o cumprimento da decisão judicial.»
Submetidos os autos à douta
Procuradoria-Geral da República,
manifestou-se, às fls. 84/85, no sentido de que fossem esclarecidos, pelà
empresa requerente, as questões
constantes dos itens a seguir especificados:
«a) se a prova da competência
da Justiça do Reino da Bélgica para o processo contra a empresa
brasileira, ora ré, resume-se efetivamente ao texto de fls. 5 (parcialmente traduzido às fls. 12/13), que
alude a um convênio firmado pelas
partes, mas que não foi trazido aos
autos;
b) se existe texto, omitido nestes
autos, mas originalmente incorporado, quer à decisão arbitrai, quer
à decisão judiciária, que lhe sobreveio, motivando, de algum modo, a
declaração da procedência do primitivo pedido, e a conseqüente condenação da empresa ré a Indenizar
a empresa autora;
C) como se operou a citação da
empresa ré para se ver processar
ante o foro belga.»
Visando atender à promoção da
ProCuradoria-Geral da República,
vieram aos autos, instruídas com a
documentação respectiva, as petições de fls. 92/93 e 111/112.
De sua vez, a firma Fenelon Machado S.A. — Exportação e Importação, em face da juntada de novos documentos ao feito, manifestou-se às
fls. 119/121, reiterando os termos da
contestação, oportunidade em que
anotou não terem sido atendidas as
indagações formuladas pelo Órgão
do Ministério Público.
Retornando o feito à douta Procuradoria-Geral da República, o ilus-
R.T.J. — 109
tre titular do referido Orgão, Dr.
Inocêncio Mártires Coelho, no parecer de fls. 124, 130, pelo indeferimento do pedido de homologação, a teor
dos arts. 216 e 217, itens II e III, do
Regimento Interno deste Tribunal, e
em face do disposto nos arts. 458,
item II, e 1.095, item II, do Código de
Processo Civil.
E o relatório.
33
vers, os Árbitros se declaram competentes para receber o presente
litígio e para estatuir;
2. quanto ao teor: Declaram\ a
ação recebível e bem fundamentada. Rejeitam as exigências do Autor quanto ás despesas com advogado.
Rejeitam as exigências do Autor
quanto ao prejuízo com o câmbio
sobre dólares americanos.
VOTO
Declaram encerrar as contas em
31 de dezembro de 1973.
O Sr. Ministro Néri da Silveira
Condenam o Réu a pagar ao Au(Relator): Trata-se de homologação
tor: O montante referente ao prinde sentença estrangeira, que teve
cipal de US$ 65.947,77 ou sejam:
por exeqüível decisão arbitrai. Em
princípio, é dita sentença homologáMontante desemvel no Brasil, como decidiu este
bolsado pelo Autor US$ 321.672,46
Tribunal na Sentença Estrangeira n?
Deduzida uma car2.178, In RTJ 92/515 e 91/48, destata de crédito em
cando, no particular, a Procurafavor do Autor, dadoria-Geral da República (fls. 126):
tada de 25-10-71 ...
5.119,00
«5. E fato notório que as decisões ar316.553,37
bitrais são em tese suscetíveis de hoDeduzida do produmologação por essa Alta Corte, desto
da venda 250.605;60
de que previamente chanceladas,
65.947,77
através de processo próprio, no país
a quantia de US$ 65.825 de acordo
de origem, pelo órgão judiciário
com a escala em anexo represencompetente.»
tando os juros combinados de 10%
De outra parte, como se vê de fls.
ao ano até 31 de dezembro de 1973
102, as partes acordaram submetermais os juros corridos a partir de
se a arbitramento, «se for o caso,
1? de janeiro de 1974, a quantia de
possivelmente, por acordo amigável,
US$
3.418,02 de acordo com a discaso contrário, por arbitramento em
criminação
em anexo representanAntuérpia».
do a comissão sobre o mais elevado débito trimestral até 31 de deA sentença arbitrai, da Câmara
zembro de 1973 e o reembolsar à
Arbitrai para os Cafés em AntuérChambre Arbitrale pour les Cafés
pia, na ação da requerente contra a
à Anvers, a quantia de 2.500 Franrequerida, tem esta conclusão (fls.
cos Belgas representando as taxas
15/16):
de Câmara.»
«O Colégio de Árbitros, levando
Essa sentença arbitrai foi proclaem conta os elementos da documentação, estatui por unanimida- mada exeqüível pela Corte de Apelação de Antuérpia, Bélgica, em decide:
1. quanto á competência: já que são com o seguinte teor (fls. 30/32).
«Ouvi os motivos e as conclusões
as partes previram expressamente
do
Apelante;
que todo litígio entre elas seria resolvido por arbitragem da Cham— Tendo em vista a decisão do
bre Arbitrale pour les Cafés á AnPresidente da Corte da Primeira
34
R.T.J. — 109
Instância de Antuérpia datada de
29 (vinte e nove) de junho de 1978
(mil novecentos e setenta e oito),
uma cópia da qual foi submetida;
Levando-se em consideração
que um apelo superior poderá ser
admitido;
Levando-se em consideração
que a administração de justiça
conforme provido pelo artigo 804
do Código referente a apelados foi
observada; que na sessão da Corte,
o Apelante alegou não comparecimento.
Levando-se em consideração
que baseado nos documentos atualmente disponíveis, ou seja: o acordo realizado pelas partes no dia 21
(vinte e um) de agosto de 1968 (mil
novecentos e sessenta e oito) com
relação ao Contrato de Café Europeu (EEC), e o art. 42 deste contrato, as petições originais submetidas pela Apelante parecem ser
corretas e adequadamente comprovadas.
Por estes motivos, a Corte, dando seu julgamento após discussão
com o Apelante e na ausência do
Apelado: (Carimbo do Consulado
Geral da República Federativa do
Brasil, devidamente rubricado).
Tendo em vista o artigo 24 da Lei
de junho de 1935;
Aceita o apelo superior.
Anula a decisão em disputa e
faz novo julgamento.
Proclama exeqüível contra o
Apelado, a sentença arbitrai da
Câmara de Arbitragem para Café
em Antuérpia, datada de 8 (oito)
de abril de 1974 (mil novecentos e
setenta e quatro), proferida no
litígio entre o Apelante e o Apelado.
Ao passar o presente julgamento, condena o Apelado em custas do processo nas duas Instâncias, que deixaram de ser calculados por falta de dados.»
De acordo com o art. 217, do Regimento Interno, constituem requisitos
indispensáveis à homologação da
sentença estrangeira:
«I — haver sido proferida por
juiz competente;
II — terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;
III — ter passado em julgado e
estar revestida das formalidades
necessárias à execução no lugar
em que foi proferida;
IV — estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de
tradução oficial.»
Na contestação, a requerida alegou incompetência da Justiça estrangeira para dirimir a controvérsia, eis que, domiciliada no Brasil
não se comprovou houvessem as
partes eleito a praça comercial de
Antuérpia, no Reino da Bélgica, para resolver qualquer controvérsia
entre elas oriunda do negócio jurídico.
A teor do art. 12, da Lei de Introdução ao Código Civil, é competente
a autoridade judiciária brasileira,
quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a
obrigação.
Não assiste, neste particular, entretanto, razão à requerida. Com
efeito, vê-se da sentença arbitrai, na
tradução de fls. 15, verbis: «quanto à
competência: já que as partes previram expressamente que todo litígio
entre elas seria resolvido por arbitragem da Chambre Arbitrale pour
les Cafés à Anvers, os Árbitros se
declaram competentes para receber
o presente litígio e para estatuir.»
Ora, se as partes assim dispuseram,
força é reconhecer a legitimidade da
requerente para pedir a homologação da sentença arbitrai pelo órgão
judiciário competente da praça de
Antuérpia, tal como sucedeu.
R.T.J. — 109
Neste passo, com inteira propriedade, anotou o parecer do Dr.
Procurador-Geral da República, às
fls. 126: «6. Igualmente certo é que
a circunstância de ser a requerida
uma empresa sediada em território
brasileiro não exclui a competência
dos tribunais estrangeiros, sempre
que se trate de matéria estranha ao
domínio do artigo 89 do Código de
Processo Civil, caracterizando-se assim como prorrogável a competência da Justiça local. 7. No caso vertente, lê-se às fls. 102 que as partes
acordaram em solver por meio de
arbitragem, na praça de Antuérpia,
as questões que se apresentassem na
execução do contrato mercantil que
as vinculara. 8. Eleito, pois, o foro
belga para dirimir as controvérsias
porventura existentes, àquele não se
poderia evadir a empresa requerida
desde que regularmente citada.
Não há, portanto, acolher a alegação de incompetência da Corte de
Apelação de Antuérpia, que proferiu
a decisão homologanda. Comprovou,
ademais, nesse sentido, a requerente
que, indeferida pelo Presidente do
Tribunal de Primeira Instância, a
força executória à sentença arbitrai,
de acordo com o art. 1.710 da Lei
processual civil belga, dessa decisão
cabia o recurso que interpôs; perante a Corte de Apelação, nos termos
dos arts. 1.711 e 1.712, da referida
Lei belga, que rezam (fls. 96/97):
«Art. 1.711. 1. Se o pedido for
indeferido, o requerente poderá interpor recurso, em um mês a contar da notificação, perante o Tribunal de Recursos. Esse recurso é
formado por intimação através de
Oficial de Justiça feita à parte contra a qual a execução foi expedida
e contendo citação para comparecer perante o tribunal.
2. Se esta parte pretender obter
a anulação da sentença, sem ter
anteriormente apresentado uma
petição para esse efeito, ela deverá
35
formular seu pedido perante o Tribunal de Primeira Instância, sob
pena de perda de seu direito, num
prazo de um mês a contar da notificação do ato do recurso. O Tribunal de Recursos sobrestará seu
pronunciamento até que uma decisão definitiva tenha sido proferida
sobre o pedido de anulação «Art. 1.712. 1. A decisão pela
qual a sentença tiver recebido força executória deve ser notificada
pela parte que a requereu à outra
parte. Ela poderá ser impugnada
perante o Tribunal de Primeira
Instância no prazo de um mês a
partir da notificação. 2. A parte que impugnar a sentença e pretender obter a sua anulação, sem ter previamente dado
entrada num pedido para esse efeito, deve formular seu pedido de
anulação, sob pena de perda de seu
direito, seguindo o mesmo procedimento e no prazo previsto na
alínea 1. A parte que, sem impugnar conforme a alínea 1, pretender
obter a anulação da sentença, deve, sob pena de perda de seu direito, formular seu pedido de anulação no prazo previsto na alínea 1.»
Sucede, porém, que se confere a
condição de princípio de ordem pública, entre nós, seja o réu, conhecido seu domicilio, diretamente citado,
no Brasil, para responder à ação, perante a Justiça estrangeira, constituindo a citação, dessa sorte, requisito essencial da homologabilidade,
em qualquer caso, da sentença
alienígena. Cumpre, ademais, verificar se a citação se fez, na conformidade da lei brasileira, eis que concerne à forma do ato de procedimento, ut art. 12, § 2?, da Lel de Introdução ao Código Civil Brasileiro, verbis.
«§2?. A autoridade judiciária
brasileira cumprirá, concedido o
36
R.T.J. — 109
exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade
estrangeira competente observando a lei desta, quanto ao objeto das
diligências.»
Tem-se como assente na jurisprudência desta Corte que a citação de
pessoa domiciliada no Brasil se faz
mediante carta rogatória, que depende do prévio exequatur do Presidente do Supremo Tribunal Federal,
para ser cumprida. No caso, não
houve citação da requerida, mediante carta rogatória, nem esta compareceu, voluntariamente, ao Juizo estrangeiro, o que, aliás, se verifica da
expressa referência à sua nãopresença, na sentença homologanda
(fls. 32). Ora, a relevância da regra
da citação, no direito brasileiro, é de
tal ordem que, se for esta nula ou
omitida e o processo correr à revelia, a decisão nele proferida também
é nula, cabendo declarar tal nulidade, até mesmo o processo de execução (CPC, art. 741, I), sem necessidade de ação rescisória, como reminiscência, em nosso direito, da adio
nullitatis insanabilis. Não afasta o
vicio da falta de citação da requerida, o fato alegado, pela requerente,
na réplica, às fls. 81, segundo o qual
a requerida não ignorava a existência da decisão arbitrai, que a condenara, «tanto que se negou expressamente, em carta enderaçada à Comissão das Associações Européias
de Café, a cumpri-la, opondo-se a
alegação de problemas cambiais e
da inexistência de autorização legal,
no Brasil, para executá-la» (fls.
22/24). Entende a requerente que essa manifestação «represente a antecipação de uma revelia voluntária
dentro do processo judicial que se
seguiu».
Em realidade, da correspondência
referida pela requerente não é
possível extrair o efeito alegado pela
peticionária. Nesse documento assim
se expressa a requerida, a propósito
da decisão arbitrai, dirigindo-se à
Comissão das Associações Européias
de Café:
«Sem formular qualquer comentário à decisão da Associação do
Café em Antuérpia, devemos salientar que, se fosse caso de cumprimento, por nossa parte, dessa
sentença enfrentaríamos proibição
legal para fazer a remessa correspondente de US$ O fato é que, no Brasil, não há
nenhuma autorização legal para
executar mesmo aquelas arbitragens judiciais Ora, é bem de ver que não se trata
do processo judicial de declaração
de exeqüibllidade da sentença arbitrai. Quanto a este, nenhuma prova
há, por parte da requerente, de citação da requerida, que não compareceu à Corte de Primeira Instância,
nem perante a Corte de Apelação,
onde, provido o recurso da requerente, se declarou exeqüível a decisão
arbitrai.
Nem se poderia acolher a alegação
de que a citação seria bastante, na
conformidade da lei belga, mediante
simples carta, cuja cópia, de resto,
não existe nos autos, consoante bem
o anotou a requerida, às fls. 121.
Logra, dessa maneira, inteira procedência, também no ponto, o parecer do ilustre Dr. Procurador-Geral
da República, às fls. 126/127, verbis:
«9. Sem desrespeito ao Colendo
Tribunal de Antuérpia, demonstrada não está nos autos a regular citação da requerida para o processo
homologatório do laudo arbitrai,
visto que em tais casos se exige o
trânsito formal de carta rogatória,
que não é suprida pela recusa expressa, «por carta enderaçada ao
órgão arbitrai, a cumprir a decisão, antecipando, desta forma
uma revelia, qualquer que fosse,
posteriormente, o modo de chamá-
R.T.J. — 109
la a se manifestar nas instâncias
judiciais percorridas», conforme
assevera a requerente (fls. 93, penúltimo parágrafo).
A citação reclamada pelo
artigo 217, II, do Regimento Interno desse Tribunal, é a que emana
do órgão judiciário instado a chancelar o laudo arbitrai. Nenhuma
valia se empresta a propósito, ao
chamamento provido pelo próprio
árbitro, dado que o processo arbitrai não se subordina necessariamente à disciplina das leis adjetivas ditadas pelo Estado.
Só a indiferença a uma citação consubstanciada no trânsito regular de carta rogatória pode ocasionar a legitima decretação da revelia de uma pessoa jurídica sediada no Brasil, e obrigada, por contrato, a aceitar a jurisdição estrangeira. Nesse sentido decidiu no
passado, em circunstâncias semelhantes, essa Alta Corte (SS EE n?
1.529 e 1.578, inter alia).
12. O simples fato da requerida
não ter sido regularmente citada
para o feito de que resultou a sentença de cuja homologação se cuida, obsta a chancela que se pretende, conforme sólida jurisprudência
desse Tribunal».
Não considero, entretanto, data
venta, acolhível a contestação, na
parte em que entende sem motivação a sentença estrangeira homologanda, o que importaria em desrespeito ao direito brasileiro, que não
empresta eficácia a esse tipo de decisório (fls. 74).
E que, na espécie, a decisão da
Corte de Apelação de Antuérpia não
se pode ter como desmotivada.
Refere-se, por primeiro, à decisão do
Presidente da Corte de Primeira Instância, em face de cópia que lhe foi
submetida. Após afirmar as razões
para tomar ,conhecimento do apelo
invóca os, documentos atualmente
disponíveis (sic), ou seja: «o acordo
37
realizado pelas partes no dia 21 (vinte e um) de agosto de 1968, com relação ao Contrato de Café Europeu
(EEC) e o Artigo 42 deste contrato»,
para concluir que ((as petições originais submetidas pelo Apelante parecem ser corretas e adequadamente
comprovadas». A seguir, a decisão
homologanda passa a examinar o pedido, nestes termos: «A Corte, dando
seu julgamento após discussão com
o Apelante e na ausência do Apelado: Tendo em vista o Artigo 24 da
Lei de 15 de junho de 1935; Aceita o
apelo superior; Anula a decisão em
disputa e faz novo julgamento; Proclama exeqüível contra o Apelado, a
sentença arbitrai da Câmara de Arbitragem para Café em Antuérpia,
datada de 8 (oito de abril) de 1974,
proferida no litígio entre o Apelante
e o Apelado. Ao passar o presente
julgamento, condena o Apelado em
custas do processo nas duas Instâncias, que deixaram de ser calculadas
por falta de dados».
Ora, essa decisão no nítido caráter
homologatório da sentença arbitrai
teve em conta, à evidência, o que
nesta se continha.
Pois bem, está na tradução, de fls.
11/21, o inteiro teor da decisão arbitrai, com ampla discussão da controvérsia e as razões dos árbitros para
sentenciar, como lhes aprouve. Todos os elementos que poderiam ensejar a defesa da requerida, na causa,
assim como apresentados pela requerente, foram examinados pelo
Colégio de Arbitros.
De outra parte, não está, nos autos, comprovado o trânsito em julgado da decisão homologanda, exigência que se contém, outrossim, no art.
217, III, primeira parte, do Regimento Interno. Sustenta, no particular, a
requerente que cumpre concluir pelo
trânsito em julgado da decisão homologanda, tendo em conta a lei belga. A sentença da Corte de Apelação
de Antuérpia, tine declarou exe-
38
R.T.J. — 109
EXTRATO DA ATA
qüivel a decisão arbitrai em causa,
foi comunicada regularmente à reSE 2.912 — Reino da Bélgica —
querida, por ato de oficial de justiça Rel.r
Néri da Silveira. Reqte.:
datado de 2 de abril de 1979, dando- WalterMin.
Matter
(Adv.: Gustav Lise o prazo de três meses, a contar da vio Toniatti). S.A.
Reqdo.:
Fenelon Macomunicação, para o recurso, prazo chado S.A. — Exportação
e Importaesse aumentado em oitenta dias, em ção (Adv.: José Luiz Clerot).
razão da distância, eis que domiciDecisão: Indeferiu-se a homologaliada no Brasil a requerida. E o que
está no documento de fls. 113/116, ção, unanimemente. Falaram: pelo
cuja tradução não o acompanha. Tal Reqte.: O Dr. Gustav Livio Toniatti,
documento firmado por um advoga- e pelo Reqdo. o Dr. José Luiz Clerot.
do de Antuérpia (fls. 113/116), J. Van
Presidência do Senhor Ministro
Den Heuvel, não pode, á evidência, Xavier de Albuquerque. Presentes à
substituir a prova oficial do trãnsito Sessão os Senhores Ministros Dl aci
em julgado da decisão homologanda. Falcão, Cordeiro Guerra, Moreira
Do exposto, por falta de citação re- Alves, Soares Mturioz, Decio Mirangular da requerida mediante carta da, Rafael Mayer, Néri da Silveira,
rogatória, da Justiça belga à do Bra- Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa e Aldir
sil, e ainda porque não se comprovou Passarinho. Procurador-Geral da
o trânsito em julgado da decisão República Inocêncio Mártires Coe(RI, art. 217, II e III), nego homolo- lho.
gação à sentença estrangeira em
Brasília, 2 de fevereiro de 1983 —
exame.
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
SENTENÇA ESTRANGEIRA N? 3.228 — ESTADOS UNIDOS DA AMERICA
Sr. Ministro Cordeiro Guerra, Presidente.
Requerente: Valdeci Fostignone Casalinuovo, em solteira Valdeci Fostignone (Advs.: Clovis Ribeiro e Antonio Carlos Barbosa da Silva); Requerido: Francesco Casalinuovo.
Relator: O
Sentença estrangeira de divórcio. Homologação concedida, com
restrição quanto a bens imóveis situados no Brasil.
Vistos
Valdeci Fostignoni Casalinuovo,
brasileira, naturalizada norte-americana, residente e domiciliada em
São Paulo, requereu homologação da
sentença de 13 de julho de 1982, pela
qual o Tribunal Superior de New
Jersey, U.S.A., dissolveu por divórcio absoluto o casamento que em São
Caetano do Sul, São Paulo e a 28 de
setembro de 1963, contraíra com
Francesco Casalinuovo, de nacionalidade italiana.
A requerente juntou certidão da
sentença homologada, autenticada
pelo representante consular do Bra-
sil em New York, (fls. 10 v.), bem
assim a respectiva tradução feita
por tradutor oficial em São Paulo.
Comprovou, ainda, o trânsito em julgado da decisão.
Infrutífera a citação por Rogatória
nos Estados Unidos da América a requerente juntou declaração expressa
de seu ex-marido concordando com o
pedido de homologação.
Ouvido, o Dr. Procurador-Geral da
República, no seu parecer de fls.
91/92, assim se pronunciou:
R.T.J. — 109
39
«Valdeci Fostignone CasalinuoInobstante a peça homologanda
vo, natural de Campinas, Estado
cuidar de imóvel situado no Brasil,
de São Paulo, naturalizada norteóbice não há à chancela por parte
americana, fls. 22 verso, traz à hodessa Augusta Presidência, devenmologação a sentença com que o
do a requerente, finda a ação hoTribunal Superior de New Jersey,
mologatória, submetê-la a juízo
em 1982, dissolveu por divórcio abbrasileiro competente, a fim de
soluto o matrimônio que, dezenove
que produza os efeitos legais peranos antes, em São Caetano do Sul,
tinentes (SE n? 2.883, DJ de 14-5-82,
São Paulo, vinculara-a ao ora repág. 4.572 e SE n? 3.290, DJ de 27-9querido, nascido na Itália e natura83, pág. 14.701 ).
lizado norte-americano.
Pela homologação requerida.»
A competência do juízo processante encontra fundamento na nacionalidade das partes quanto ao
Isto posto, homologo a sentença de
seu domicílio fls. 11, perante ao que se trata com a restrição de não
qual estiveram representadas. O guardar eficácia relativamente aos
varão ora expressa sua aquiescên- bens situados no Brasil, até decisão
cia ao pedido de homologação.
do juiz competente.
A decisão homologanda é irrecorrIvel, fls. 11, traz a chancela
Brasília, 30 de março de 1984 —
consular brasileira, fls. 10 verso, e Ministro Cordeiro Guerra, Presidenfoi objeto de tradução autêntica.
te.
SENTENÇA ESTRANGEIRA N? 9.280 — REPUBLICA ARABE DA SIRIA
Relator: O Sr. Ministro Cordeiro Guerra, Presidente.
Requerente: Elham Safatli Taha, em solteira Elham Safatli (Adv.: Ramar Oliveira Alencar) — Requerido: Ali Youssef Taha.
Sentença estrangeira de divórcio. Presença de cônjuge brasileiro.
Adoção do nome de solteira.
Vistos.
13/15). Comprovou, ainda, o trânsito
Elham Safatli Taha, brasileira re- em julgado da decisão. Finalmente,
sidente e domiciliada no Rio de Ja- solicitou a requerente que a decisão
neiro, requereu a homologação de homologatória a autorize a voltar a
sentença de 23 de agosto de 1972, pe- usar o nome de solteira.
la qual, o Tribunal Religioso de Tarpor edital, o requerido não
tous, República Arabe da Síria, dis- seCitado
manifestou. Por isso, foi-lhe nosolveu por divócio absoluto o casa- meado
especial o Dr. Hélio
mento que no Rio de Janeiro, a 3 de ProençaCurador
Doyle,
o qual opinou pelo
agosto de 1966, contraíra com Ali deferimento do pedido
(fls. 30 /32).
Youssef Taha, de nacionalidade Quanto à solicitação para
usar o nosíria.
me de solteira, assim se manifestou
A requerente juntou original da o Dr. Curador:
sentença homologada, autenticada
pelo representante consular do Bra«Não nos parece cabível, entretanto, nesse processo, seja deferido
sil em Damasco (fls. 17), bem assim
a respectiva tradução feita por trao que se pede no penúltimo item da
dutor oficial no Rio de Janeiro (fls.
petição inicial...»
40
R.T.J. — 109
«A mudança de nome não está
autorizada na sentença que este
Colendo Tribunal ora examina.»
Ouvida, a douta Procuradoria-Geral, opinou também pela homologação requerida, assim concluindo seu
pronunciamento (fls. 35/36):
«Quanto ao pedido da requerente
para o uso de seu nome de solteira,
esta Procuradoria-Geral da Repú-
blica nada tem a opor, tendo em
vista o art. 17, « 2?, da Lei n?
6.615/77.»
Isto posto, nos termos dos pareceres, homologo a sentença de que se
trata. Indefiro, porém, o pedido relativo ao uso do nome de solteira, que
deve ser formulado no juizo competente, ratione materiae.
Brasília, 30 de março de 1984 —
Ministro Cordeiro Guerra, Presidente.
REVISÃO CRIMINAL N? 4.702 — SP
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Requerente: José Nilton Francisco da Silva, ou José Nilton da Silva ou
José Milton da Silva.
Questão de ordem. Competência do Supremo Tribunal Federal
para processar e julgar revisão criminal.
È competente o Supremo Tribunal Federal para processar e
Julgar revisão criminal, quando a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária, no recurso
criminal ordinário (Regimento Interno, art. 263, caput), ou no recurso
extraordinário, com conhecimento do seu mérito.
A circunstância de apreciar pedido de habeas-corpus não torna competente o Supremo Tribunal Federal, quando o habeas corpus
é de cognição incompleta.
Incompetência do Supremo Tribunal Federal.
ACÓRDÃO
quereu, através da assistência judiVistos, relatados e discutidos estes ciária, revisão criminal, objetivando
autos, acordam os Ministros do Su- anular a decisão da Egrégia Terceipremo Tribunal Federal, em sessão ra Câmara do Tribunal de Alçada
plenária, na conformidade da ata do Criminal de São Paulo, que o condejulgamento e das notas taquigráfi- nou a cumprir a pena de cinco anos
cas, por unanimidade de votos, em e quatro meses de reclusão. Sustenta
dar pela incompetência do Supremo que, à época dos fatos, era inimputáTribunal Federal e declarar compe- vel, porque, conforme laudo do Institente o Egrégio Tribunal de Alçada tuto Médico Legal, tinha apenas dezessete anos.
Criminal de São Paulo.
Brasília, 8 de setembro de 1983 —
O Egrégio Terceiro Grupo do TriCordeiro Guerra, Presidente —
bunal de Alçada não conheceu do peAlfredo Buzaid, Relator.
dido, por entender que é incompetenRELATÓRIO
te, pelo que remeteu os autos a esta
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: 1. Corte. O v. acórdão está assim rediJosé Nilton Francisco da Silva re- gido:
R.T.J. — 109
«1. No Processo n? 664/76, da
douta 3? Vara da Comarca de Santo André, José Nilton Francisco da
Silva veio a ser condenado à pena
de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses
de reclusão, mais multa de Cri
10,00 (fls. 470/72 dos autos apensos). Apelou, vindo a C. 3? Câmara
deste Tribunal a reduzir-lhe as penas para 5 anos e 4 meses e Cri
4,00 (Apelação n? 265.487 — fls.
614/617). Impetrou habeas corpus
que foi apreciado pelo C. Supremo
Tribunal Federal (cf. fls. 661/662
dos autos principais e fls. 19/25
destes). Ali se afirmou textualmente que «o laudo de verificação de
idade de fls. 4 não pode prevalecer
sobre a certidão de idade».
Ingressa ele em Juizo com pedido revisional, onde volta a sustentar que era menor de 18 anos ao
tempo do fato pelo qual condenado,
reportando-se ao laudo pericial
acolhido em decisões desta Casa
(fls. 4/7). A douta Procuradoria de
Justiça, custos legis, entende que a
R. decisão da Colenda Suprema
Corte não implica na incompetência deste Tribunal de Alçada, já
que «o indeferimento daquele remédio heróico não estabelece coisa
julgada material nem obsta que,
sob um regime cognitivo mais amplo, como é o regime dessa via rescisória, o pedido até encontre eventual acolhimento»( fls. 30/31).
E a síntese.
2. Não se conhece da revisão.
E que a questão a ser revista foi
decidida, contra o réu, pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, que
deu pela prevalência do registro de
nascimento diante do exame de verificação de idade.
Se, embora em sede de habeas
corpus, o Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou a imputabilidade do réu, possível não é ao Tribunal de Alçada apreciar, em revisão criminal, essa mesma alegação.
41
Não se desconhece que o remédio heróico, fazendo coisa julgada
meramente formal, não veda a
reapreciação do mesmo tema.
Est modus in rebus.
O julgamento da revisão criminal por esta Casa seria, em última
análise, a submissão de afirmação
especifica, para o caso concreto,
feita pela Suprema Corte a reapreciação por Juizo, de grau inferior.
Inaceitável, data venta, tal inversão hierárquica de Juízos.
Assim, não se conhece do pedido
e determina-se a remessa dos autos à Colenda Suprema Corte, para
que o pedido seja apreciado, se de
tal for o caso, nos precisos termos
do contido no art. 119, I, m, da
Constituição Federal, ou determinado o que for de direito» (fls.
35/37).
2. Ouvida a douta ProcuradoriaGeral da República, em parecer da
Dra. Haydevalda Aparecida Sampaio, aprovado pelo eminente Professor Inocêncio Mártires Coelho, assim se manifestou:
«1. Trata-se de pedido de revisão criminal do qual não conheceu,
por considerar-se incompetente, o
Terceiro Grupo de Câmaras do
Tribunal de Alçada Criminal do
Estado de São Paulo, declinando
para o Supremo Tribunal Federal.
Condenado, por roubo, a cinco (5) anos e cinco (5) meses de
reclusão, mais multa de Cr; 10,00
José Nilton Francisco da Silva apelou. O recurso foi parcialmente
provido pela 3! Camara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado
de São Paulo, tendo a pena sido reduzida para cinco (5) anos e quatro (4) meses de reclusão e multa
de Cr$ 4,00.
Inconformado, impetrou habeas corpus que foi apreciado pelo Pretório Excelso, tendo este fir-
42
R.T.J. — 109
mado que o laudo de verificação de
certidão de nascimento (v. HC n?
idade não pode prevalecer sobre a
48.860-SP, Rel.: Ministro Antonio
certidão de idade.
Neder, RTJ 58/795; RHC n? 55.715SP, Rel.: Ministro Djaci Falcão,
4. Preceitua o artigo 263 do ReRTJ 84/840).
gimento Interno da Suprema Corte, verbis:
7. Além disso, deve-se atentar
para o fato de que o próprio reque«Art. 263. Será admitida a rerente foi o declarante no questionavisão, pelo Tribunal, dos procesdo registro de nascimento.
sos criminais findos, em que a
condenação tiver sido por ele
Opinamos, em face do exposto,
proferida ou mantida no julgapelo não conhecimento, remetendomento de ação penal originária
se os autos ao Tribunal de Alçada
ou recurso criminal ordinário;
Criminal de São Paulo, competente
para o julgamento; caso assim não
I — quando a decisão condenase entenda, pelo indeferimento do
tória for contrária ao texto expedido» (fls. 42/45).
presso da lei penal ou à evidência dos autos;
E o relatório. Peço dia para subII — quando a decisão conde- meter ao Pleno a preliminar de comnatória se fundar em depoimen- petência do Supremo Tribunal Fedetos, exames ou documentos com- ral.
provadamente falsos;
VOTO
III — quando, após a decisão
condenatória, se descobrirem noO Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Revas provas de inocência do conlator):
1. Antes de mandar processar
denado ou de circunstância que
determine ou autorize diminuição a presente ação de revisão, entendi
que deveria submeter à Corte a
especial da pena.
questão de sua competência. O EgréParágrafo único. No caso do gio Terceiro Grupo de Câmaras do
inciso I, primeira parte, caberá a Tribunal de Alçada Criminal não corevisão, pelo Tribunal, de proces- nheceu da revisão e ordenou a remesso em que a condenação tiver si- sa dos autos ao Supremo Tribunal
do por ele proferida ou mantida Federal As razões em que se fundou
no julgamento do recurso ex- o v. aresto, para declinar de sua
traordinário, se seu fundamento competência, foram as seguintes:
coincidir com a questão federal
«1. No Processo n? 664/76, da
apreciada.»
douta 3? Vara da Comarca de San5. Dessa forma, falece competo André, José Nilton Francisco da
tência ao Supremo Tribunal FedeSilva veio a ser condenado à pena
ralpara apreciar a presente revide 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses
são, visto não se tratar de condede reclusão, mais multa de Cl
nação por ele proferida ou mantida
10,00 (fls. 470/472 dos autos apenno julgamento de ação penal origisos). Apelou, vindo a C. 3 1 Câmara
nária ou recurso criminal ordinádeste Tribunal a reduzir-lhe as perio, bem como por não ter sido
nas para 5 anos e 4 meses e Cr$
apreciada em recurso extraordiná4,00 (Apelação n? 265.487 — fls.
rio.
614/617). Impetrou habeas corpus
que foi apreciado pelo C. Supremo
6. Quanto ao mérito, não assiste
razão ao requerente uma vez que
Tribunal Federal (cf. fls. 661/662
a prova de menoridade, em nosso
dos autos principais e fls. 19/25
processo penal, é feita mediante
destes). Ali se afirmou textualmen-
R.T.J. — 109
te que «o laudo de verificação de
idade de fls. 4 não pode prevalecer
sobre a certidão de idade».
Ingressa ele em Juízo com pedido revisional, onde volta a sustentar que era menor de 18 anos ao
tempo do fato pelo qual condenado,
reportando-se ao laudo pericial
acolhido em decisões desta Casa
(fls. 4/7). A douta Procuradoria de
Justiça, custos legis, entende que a
R. decisão da Colenda Suprema
Corte não implica na incompetência deste Tribunal de Alçada, já
que «o indeferimento daquele remédio heróico não estabelece coisa
julgada material nem obsta que,
sob um regime cognitivo mais amplo, como é o regime dessa via rescisória, o pedido até encontre eventual acolhimento» (fls. 30/31).
a síntese.
2. Não se conhece da revisão.
que a questão a ser revista foi
decidida, contra o réu, pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal que
deu pela prevalência do registro de
nascimento diante do exame de verificação de idade.
Se, embora em sede de habeas
corpus, o Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou a imputabilidade do réu, possível não é ao Tribunal de Alçada apreciar, em revisão criminal, essa mesma alegação.
Não se desconhece que o remédio heróico, fazendo coisa julgada
meramente formal, não veda a
reapreciação do mesmo tema.
Est modos In rebus.
julgamento da revisão criminal por esta Casa seria, em última
análise, a submissão de afirmação
específica, para o caso concreto,
feita pela Suprema Corte a reapreciação por Juízo, de grau inferior,
Inaceitável, data venta, tal inversão hierárquica de Juízos.
43
Assim, não se conhece do pedido
e determina-se a remessa dos autos à Colenda Suprema Corte, para
que o pedido seja apreciado, se de
tal for o caso, nos precisos termos
do contido no art. 119, I, m, da
Constituição Federal, ou determinado o que for de direito» (fls.
35/37).
José Nilton da Silva ou Nilton
Francisco da Silva impetrou ordem
de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal onde recebeu o n? 59.447
e foi julgado em sessão de 18-12-81. O
eminente Relator, Ministro Soares
Mufioz, proferiu o seguinte voto, acolhido por unanimidade:
«De conformidade com o parecer, indefiro a ordem de habeas
corpus. Realmente, não há prova
de que o paciente fosse inimputável ao tempo do crime. Pelo contrário, o acórdão impugnado, arrimado em certidão, assevera que
ele nasceu a 5-2-56, de sorte que à
data do crime, 5-2-76, já era maior.
O laudo de verificação de idade de
fls. 4 não pode prevalecer sobre a
certidão de idade.
Ante o exposto, indefiro o pedido
de habeas corpus» (fls. 24).
Segundo dispõe o art. 263 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
«Será admitida a revisão, pelo
Tribunal, dos processos criminais
findos, em que a condenação tiver
sido por ele proferida ou mantida
no julgamento de ação penal originária ou recurso criminal ordinário:
I — quando a decisão condenatória for contrária ao texto expresso
da lei penal ou à evidência dos autos;
II — quando a decisão condenatória se fundar em depoimentos,
exames ou documentos comprovadamente falsos;
44
R.T.J. — 109
III — quando, após a decisão
condenatória, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Parágrafo único. No caso do inciso I, primeira parte, caberá a revisão, pelo Tribunal, de processo
em que a condenação tiver sido
por ele proferida ou mantida no
julgamento de recurso extraordinário, se seu fundamento coincidir
com a questão federal apreciada.»
4. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o habeas
corpus, não decidiu o mérito, proferindo sentença condenatória. Declarou, apenas, como consta da ementa
do v. acórdão, que a inimputabilidade do acusado não está comprovada
(fls. 19). Entre duas provas, a do
laudo de verificação da idade e a da
certidão de nascimento, esta devia
prevalecer sobre aquela (fls. 24).
O problema das relações entre o
habeas corpus julgado nesta Corte e
o processo criminal a que respondeu
o acusado perante a Justiça do Estado de São Paulo é eminentemente
técnico. Trata-se de saber qual a eficácia jurídica da decisão denegatória de habeas corpus. Ora, segundo o
ensinamento de Pontes de Miranda:
«O sistema jurídico tem toda decisão denegatória de habeas corpus como de incompleta cognição;
apesar da sua declaratividade,
não produz coisa julgada material»
(Pontes de Miranda, História e
prática do habeas corpus, 8? ed.,
Saraiva, 1979, vol. II, pág. 242).
Este entendimento é pacífico nesta
Corte. Para não cansar os eminentes
Ministros com longas citações de
arestos, lembrarei como precedentes
análogos o v. acórdão da Egrégia
Primeira Turma, proferido no Recurso Extraodinário n? 91.196, em 183-80, Relator o eminente Ministro
Thompson Flores (RTJ 96/322) e a
Revisão Criminal n? 4.580, em 19-5-82,
Relator: Ministro Alfredo Buzaid
(RTJ 102/490), por onde se vê que, o
Supremo Tribunal, tendo indeferido
o pedido de habeas corpus ou resolvido o incidente processual, sem enfrentar a questão de mérito, não se
torna competente para conhecer de
revisão criminal.
5. Aliás, a Constituição da República, no artigo 119, I, m, dispõe que
ao Supremo Tribunal Federal compete originariamente processar e julgar as revisões criminais e as ações
rescisórias dos seus julgados; o Código de Processo Penal estabelece, por
igual, que:
«Art. 624. As revisões criminais
serão processadas e julgadas:
I — pelo Supremo Tribunal quanto às condenações por ele proferidas».
Também o Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal considera
admissivel a revisão criminal dos
processos findos, em que a condenação tiver sido por ele proferida ou
mantida no julgamento de ação penal originária ou recurso criminal
ordinário (art. 263), ou no julgamento de recurso extraordinário, se o
seu fundamento coincidir com a
questão federal apreciada (art. 263,
§ 1?). Para os efeitos de revisão, vale lembrar a lição de José Frederico
Marques, segundo o qual
«Consideram-se decisões criminais do Supremo Tribunal Federal
não só aquelas proferidas em processo de sua competência originária, como ainda os acórdãos de recursos extraordinários ou ordinários. Necessário é, porém, que tenha sido proferida decisão definitiva pelo Supremo, isto é, que tenha
Julgado o meritum causae e imposto condenação» (José Frederico
Marques, Elementos de direito
processual penal, Forense, 1975,
vol. IV, pág 339).
R.T.J. — 109
Tendo o Supremo Tribunal Federal,Habeas Corpus n? 59.447, declarado que a inimputabilidade não fora
comprovada, dai se segue que não
proferiu sentença condenatória, porque não apreciou o mérito, senão
apenas um incidente.
Ante o exposto, dou pela incompetência do Supremo Tribunal Federal,
devolvendo-se os autos para o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de
São Paulo.
E o meu voto.
45
Decisão: Deu-se pela incompetência do Supremo Tribunal Federal e
declarou-se competente o Egrégio
Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, unanimemente.
EXTRATO DA ATA
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufioz, Decio
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República, Professor Inocêncio Mártires Coelho.
RvCr. 4.702-SP — Rel.: Ministro
Alfredo Buzaid. Reqte.: José Nilton
Francisco da Silva, ou José Nilton
da Silva, ou José Milton da Silva.
Brasília, 8 de setembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO N? 6.416 — DF
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Suscitante: 2! Junta de Conciliação e Julgamento de Brasília — Suscitado: Tribunal Federal de Recursos — Interessados: Domingos Serafim dos
Santos e União Federal.
Conflito de Jurisdição. Há decisão do Tribunal Federal de Recursos, com trânsito em Julgado, definindo a competência do foro especilizado para o Julgamento da reclamação. Em conseqüência, não há
conflito entre a 2! Junta de Conciliação e Julgamento de Brasília e o
Tribunal Federal de Recursos. Conflito não conhecido.
ACORDA()
RELATORIO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão
plena, à unanimidade de votos e na
conformidade da ata do julgamento
e das notas taquigráficas, em não
conhecer do conflito.
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Ofereço como relatório o parecer emitido pela douta Procuradoria-Geral da
República, que diz:
«Domingos Serafim dos Santos
propôs, contra a União Federal, no
foro privativo desta, reclamação
trabalhista em que alega haver sido admitido pela empresa Clean
Master — Limpeza e Conservação
Ltda., para prestação de serviços
Brasília, 29 de setembro de 1983 —
Cordeiro Guerra, Presidente —
Djaci Falcão, Relator.
46
R.T.J. — 109
em blocos de apartamentos administrados pelo DASP em Brasília,
Capital da República. Demitido da
empresa em 28 de janeiro de 1981,
reclama o pagamento de parcelas
relativas a horas extras, FGTS,
adicional noturno e os efeitos patrimoniais das horas extraordinárias
sobre férias, 13? salário, aviso prévio e repouso remunerado.
Dá notícia o reclamante, ainda,
de que ajuizara, anteriormente, a
mesma demanda perante a Justiça
do Trabalho, tendo o MM. Juiz indeferido o pedido inicial ao fundamento de que a reclamada Clean
Master Ltda., era parte manifestamente ilegítima para a causa.
O ilustre Juiz Federal, entendendo que a questão de legitimidade
mascarava questão subjacente, a
relativa à competência do foro,
com a qual se confundia, houve por
bem suscitar conflito de jurisdição
perante o Tribunal Federal de Recursos ( fls. 12).
Este, no julgamento do incidente, entendeu competente a MMa. 2?
Junta de Conciliação e Julgamento
do Distrito Federal (fls. 15), a
quem foram os autos remetidos.
Ali, o MM. Juiz-Presidente teceu
oportunas considerações a respeito
dos fatos que antecederam a causa, concluindo por suscitar o presente conflito ( fls. 16).
Lembrou S. Exa. que, em decisão com trânsito em julgado, prolatada anteriormente por aquela
MMa. Junta, fora extinto o processo por ilegitimidade de parte da reclamada, Clean Master — Limpeza
e Conservação Ltda.
Ajuizada pelo mesmo interessado nova reclamação, agora contra
a União Federal, unicamente em
relação a esta deveria ser a lide
decidida.
Suscitado o conflito, fora ele decidido pelo Tribunal Federal de
Recursos, inocorrente entretanto
qualquer das hipóteses previstas
no art. 115 do CPC, porquanto não
declinou o Juiz Federal de sua
competência, nem a Junta Trabalhista se dera por incompetente.
Resumiu a situação na seguinte
alternativa, de um lado, uma ação
cuja única ré é a União, sendo portanto a Justiça do Trabalho incompetente para julgá-la; de outro,
uma decisão proferida pelo TFR
que, dirimindo conflito, reconheceulhe a competência para decidi-la.
Como não seria lícito à Justiça
do Trabalho julgar causa em que
seja parte a União (CF, art. 125,
I), restava-lhe considerar a decisão do Tribunal Federal de Recursos como declinatória da sua competência para o foro trabalhista.
Daí a presente suscitação que, a
nosso ver, não merece conhecida.
E que, bem ou mal, houve decisão do Tribunal Federal de Recursos, transitada em julgado, definindo a competência do foro especializado para julgamento da causa.
Não seria possível convolar esse
julgado, cujos termos são claros e
enfáticos (fls. 15), em mera decisão declinatória do foro, desvirtuando-lhe o comando por via de
provimento a conflito que não é sucedâneo do recurso cabível
Em verdade, a situação caótica
a que chegaram estes autos decorreu de equívocos acumulados desde a primitiva reclamação movida
contra a Clean Master Ltda., julgada extinta por ilegitimidade de
causa, quando, na verdade, ela é a
verdadeira empregadora. Isso ficou demonstrado, à saciedade, na
sentença do MM. Juiz Federal, ao
aludir à existência de Lei Federal,
a de n? 5.645, de 10 de dezembro de
1970, cujo artigo 3?, parágrafo único, reza expressamente:
R.T.J. — 109
'As atividades relacionadas
com transporte, conservação,
custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto
de execução indireta, mediante
contrato, de acordo com o art. 10,
7? do Decreto-lei n? 200, de 25
de fevereiro de 1967'.
Por conseguinte, não se poderia,
a nosso ver, trancar a ação ao fundamento desabalizado de que a delegação de tarefas vinculadas à
Administração caracteriza a prática de atos objetivando desvirtuar
os preceitos da legislação trabalhista» (fls. 13).
Cometido esse equívoco inicial,
outro maior ocorreu, agora de parte do reclamante, que não interpôs
o recurso cabível, deixando a sentença de extinção do processo transitar em julgado.
Remetidos os autos à Justiça Federal, lembrou-se a conveniência
da suscitação do conflito, sem que,
como anotou a decisão de fl. 17, se
configurassem os pressupostos do
art. 115 do CPC, isto é, sem que a
Justiça Federal declinasse de sua
competência e tivesse a Justiça
Especializada se declarado competente.
Por último, o eg. Tribunal Federal de Recursos julgou a suscitação, ausente qualquer formalização expressa do incidente pelos
Juizos tidos em conflito.
Não há, ao ver do Ministério Público, como emendar por melo de
julgamento do conflito essa sucessão de equívocos, só reparáveis pelos meios processuais adequados.
Nestas condições, ausente o conflito, o parecer é pelo seu não conhecimento.
Brasília, 16 de setembro de 1983
— Walter José de Medeiros, Procurador da República. Aprovo: Ino-
47
cêncio Mártires Coelho, Procurador-Geral da República» (fls.
22/26).
VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator): Domingos Serafim dos Santos,
vigia, propôs reclamação trabalhista
contra a União, embora firmando
não ter contrato de trabalho com esta, mas com a Clean Master — Limpeza e Conservação Ltda. Esclareceu que anteriormente ajuizara reclamação contra a empresa privada
— Clean Master Ltda., perante a 2!
Junta de Conciliação e Julgamento
de Brasília, sendo indeferida a inicial por manifesta ilegitimidade da
reclamada, declarando-se extinto o
processo (art. 295, Inc. II e 267, I e
VI do CPC).
O Juiz Federal da 2? Vara do Distrito Federal suscitou, perante o Tribunal Federal de Recursos, conflito
negativo de jurisdição (fls. 12/14),
sustentando a competência da 2!
Junta de Conciliação e Julgamento
do Distrito Federal (fls. 12/13). O
egrégio Tribunal Federal de Recursos apreciando o conflito, deu pela
competência do juizo suscitado, ou
seja, a 29 Junta de Conciliação e Julgamento do Distrito Federal (fls.
15).
Encaminhados os autos à mencionada Junta, esta suscitou o presente
condito, sustentanto que sendo ré a
União, incompetente era a Justiça
do Trabalho para julgar a reclamação (art. 125, I, da CF). Devendo a
decisão do TFR ser considerada como declinatória da sua competência
para o foro trabalhista.
Não há dúvida de que há uma decisão do TFR, definindo a competência do foro especializado para o julgamento da reclamação, que transitou em julgado. Certa ou errada está
de pé esta decisão.
48
R.T.J. - 109
Decisão: Não conhecido, unanimemente.
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufloz, Dedo
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Oscar Corrêa, Aldir Passarinho e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Alfredo Buzaid. Procurador-Geral da
República, Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 29 de setembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
Conforme bem acentuou o parecer
não há conflito a ser dirimido pelo
Supremo Tribunal Federal.
Não conheço do conflito.
EXTRATO DA ATA
CJ 6.416-DF — Rel.: Ministro Djaci
Falcão. Suste.: 2? Junta de Conciliação e Julgamento de Brasília. Susdo.: Tribunal Federal de Recursos.
Interessados.: Domingos Serafim dos
Santos (Adv.: Josué José Nogueira)
e União Federal
MANDADO DE SEGURANÇA N? 20.395 — RJ
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves.
Impetrante: Carlos David Santos Aarão Reis — Autoridades Coatoras:
Presidente da República — Tribunal Federal de Recursos.
Mandado de Segurança. Disponibilidade de Magistrado. Artigos
113, I} 2?, e 27, respectivamente, da Constituição Federal e da Lei
Complementar rt? 35/79.
Sendo a colocação em disponibilidade ato complexo que se perfaz com a declaração, por decreto, do Presidente da República (artigo
27, 4 8?, da Lei Complementar n? 35/79), conhece-se do mandado de
segurança contra essa autoridade.
Para estar fundamentada a decisão que coloca magistrado em
disponibilidade por interesse público, basta que se funde — e a ele,
portanto, se refira — em inquérito que apurou os fatos, e do qual a
conclusão é submetida a julgamento, em escrutínio secreto
O mesmo ocorre quanto à decisão preliminar de instauração
do inquérito, tendo em vista sua natureza e o procedimento estabelecido na parte final do 2? do artigo 27 da Lel Complementar n? 35/79,
dispensada, até, a publicação de sua conclusão.
Mandado de segurança conhecido no que diz respeito ao ato do Sr.
Presidente da República, mas indeferido.
ACORDA()
Brasília, 28 de setembro de 1983
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Su- premo Tribunal Federal, em sessão
plenária, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráfi- cas, por maioria de votos, indeferir
a segurança.
Cordeiro Guerra, Presidente —
Moreira Alves, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Carlos David Santos Aarão Reis impetra
mandado de segurança contra o Sr.
R.T.J. — 109
Presidente da República e o Tribunal Federal de Recursos, alegando
que foi colocado em disponibilidade
por ato do Chefe do Poder Executivo
em decorrência de decisão daquele
Tribunal, decisão essa que é nula
por falta de fundamentação. A propósito, acentua na inicial:
«Consoante se pode verificar do
processo instaurado, cuja requisição se irá postular a final, o impetrante ofereceu, no momento oportuno, defesa prévia, onde refutou,
uma a uma, com veemência, todas
as imputações que lhe foram feitas. O Tribunal Federal de Recursos, porém, decidiu pela instauração do processo, sem apresentar,
para tanto, qualquer motivação.
Mais grave, ainda, o impetrante
ofereceu, no curso da instrução,
elementos de convicção de enorme
consistência, que demonstraram a
veracidade dos fatos argüidos em
sua defesa e a absoluta improcedência das acusações contra si dirigidas.
A decisão que concluiu pelo seu
afastamento, igualmente, não contém qualquer fundamento, o que
faz com que se possa presumir que
todos os elementos apresentados
pelo impetrante, em sua defesa, foram ignorados e desprezados» ( fls.
4/5).
Em seguida, salienta que toda decisão necessita de ser fundamentada; que, no caso presente, não há
motivação, nem da instauração do
processo, muito menos do julgamento; que, em face de certidão fornecida pelo Tribunal Federal de Recursos, a fundamentação consistiria nos
relatórios, o que é errôneo; que o primeiro relatório não é qualquer relatório, mas apenas a peça de acusação elaborada pelo Conselho de Justiça Federal, e, se ele serviu de fundamento para a instauração do processo, isso implica dizer que a defesa prévia não foi levada em conside-
49
ração; e que o fato de ser secreta a
sessão, como secreto é o escrutínio,
não desobriga o Tribunal de fundamentar tais decisões.
Por fim, pede o impetrante que
«seja julgado procedente o pedido,
para que, declarada a nulidade do
processo instaurado, volte o impetrante ao exercício de suas funções
judicantes na 3? Vara-II da Seção
Judiciária da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro» (fls. 10).
O presente mandado de segurança
foi distribuído ao Sr. Ministro Néri
da Silveira, que afirmou seu impedimento, razão por que foi ele redistribuído a mim.
Requisitados os autos do processo
de disponibilidade e solicitadas informações, foram elas apresentadas pelos Srs. Presidente da República e
Presidente do Tribunal Federal de
Recursos.
As do Sr. Presidente da República,
depois de historiarem os fatos, salientam:
«Insurge o impetrante contra o
processo administrativo argüindo a
sua nulidade pelo desconhecimento
das decisões dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos e por
não haver motivação para a instauração do processo, assim como
para o julgamento.
Ora, todas as peças instrutórias
que originaram a sindicância, assim como as formalidades preliminares à formação do processo, foram devidamente observadas.
A Lei Orgânica da Magistratura
Nacional disciplina no Título III,
Capítulo I, arts. 35 e 36 os deveres
e as proibições do magistrado.
Ao encaminhar o Projeto de Lei
Complementar n? 183/78, que sancionado veio a constituir-se na Lei
Complementar n? 35/79, que dispõe
sobre a Lei Orgânica da Magistratura, o Exm? Sr.'Ministro da Justi-
50
R.T.J. — 109
ça na Exposição de Motivos n?
185/78, ao referir-se sobre a disciplina judiciária realça nos parágrafos 6, 9 e 10 o seguinte:
6. «Estamos
convencidos,
também, que a criação de instrumentos eficazes, à disposição do
próprio Poder Judiciário, para a
necessária pronta correição de
irregularidades perpetradas por
membros do Poder Judiciário,
bem como para a exigência das
responsabilidades funcionais, do
cumprimento dos deveres do cargo, como correspondência aos direitos e prerrogativas, constitui,
de sua parte, sinal inequívoco de
prestígio à nobre classe dos magistrados, notadamente, àqueles
integrantes dos Tribunais, responsáveis, portanto, pelo bom
funcionamento dos graus inferiores da Jurisdição.
9. Ao Conselho Nacional da
Magistratura cabe conhecer de
reclamações contra membros de
Tribunais, podendo avocar processos disciplinares contra juizes
de primeira instância e, em qualquer caso, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria de
uns e outros, com vencimentos
proporcionais ao tempo de serviço. Salvo tal faculdade de avocar, o Conselho não interfere na
competência disciplinar dos Tribunais. O Projeto dispõe, ainda,
sobre o procedimento da reclamação formulada perante o Conselho, bem como o da avocação
de processo disciplinar contra
juiz do grau inferior da jurisdição. Estabelece, também, que o
processo e o julgamento das representações e reclamações serão sigilosos, para resguardar a
dignidade do magistrado, sem
prejuizo de poder o relator delegar a instrução a juiz de posição
funcional igual ou superior à do
indiciado, assegurando-lhe o direito de defesa na reclamação ou
na representação. As decisões serão 'recorríveis. O diploma legal proposto determina os casos
de aposentadoria compulsória e
de disponibilidade, a serem aplicados pelo Conselho Nacional,
bem como estabelece norma para a hipótese da existência de
crime de ação pública, a fim de
que, sem demora, se proceda ao
oferecimento da denúncia ou à
instauração de inquérito policial,
conforme o caso.
10. Outro ponto a realçar no
Projeto consiste no sistema de
penas disciplinares, suscetíveis
de aplicação aos magistrados,
pelos órgãos superiores da Magistratura, salientando-se a disciplina do procedimento para a decretação da perda de cargo. Na
esteira da Constituição, o texto
projetado arrola os casos em que
o magistrado perderá o cargo, o
que somente pode ocorrer através de sentença judiciária». Assim sendo, o Projeto estabelece
que o Magistrado perderá o cargo por força de sentença, proferida em ação penal por crime comum ou de responsabilidade ou
de sentença, proferida em ação
penal por crime comum ou de
responsabilidade, ou de sentença,
em processo para a decretação
de perda ao cargo, nos casos que
arrola, entre os quais, de par
com os previstos no art. 114 da
Lei, se inscrevem o da desídia
grave no desempenho dos deveres funcionais e o de comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções judicantes. Na verdade, para estes casos, o Projeto prevê a
pena disciplinar da demissão, a
qual pode impor-se pelo Tribunal
a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, observadas
as normas procedimentais para a
R.T.J. — 109
decretação da perda do cargo
prescritas no Projeto. De outra
parte, desenvolve o Projeto de
Mandamentos constitucionais que
autorizam a aposentadoria e a
disponibilidade do magistrado,
sanções, estas, aplicáveis, não só
pelos Tribunais, nos termos da
Constituição, mas também pelo
Conselho Nacional da Magistratura».
Para o presente processo administrativo pela lisura e imparcialidade demonstrados pelos membros
do Conselho da Justiça Federal
que propiciaram ao acusado, em
todas as fases do inquérito, o
exercício do direito de defesa, na
forma assegurada pela Constituição.
No que tange á apuração da falta
para a necessária punição, e até
mesmo para a possível absolvição
do indiciado, os únicos procedimentos admitidos em lei são a sindicai-leia e o processo administrativo disciplinar.
A ordem jurídica se afirma pelo
cumprimento das leis. A sua inobservância acarreta a injustiça, a
arbitrariedade, a truculência e faz
surgir o caos social e a corrupção
que constituem o marco inicial para a subversão dos costumes. Firmado na lei o Poder Público pune
os cidadãos que cometem delitos
ou adotam comportamentos antijuridicos. E é na forma da lei que
a administração instaura o processo administrativo que, em geral
decorre:
de irregularidade constatada por funcionário e levada ao
conhecimento de autoridade superior (art. 194 da Lei n?
1.711/52),
de resultado de sindicância:
3. de ciência de irregularidade por qualquer autoridade (art.
217 da Lei n? 1.711/52);
51
4. de denúncia.
Aplica-se aos juizes federais a
Lei n? 1.711/52, por remessa ao
art. 52 da Lei n? 5.010/66.
Para a abertura do inquérito
administrativo em tela, houve o
preenchimento de todos os pressupostos exigidos em lei. A denúncia de irregularidades ocorridas formalizou-se através do Telex n? 406, de 31 de agosto de
1982, enviado ao Presidente do
Conselho da Justiça Federal pelo
Juiz Diretor do Foro da 3! Seção
Judiciária do Estado do Rio de
Janeiro, comunicando que o Doutor Carlos David Santos Aarão
Reis, daquela Vara II, mandara
afixar, na porta da Secretaria,
cópia de sentença azarada no
Processo n? 2.615.010, decidindo
suspender todas audiências e demais atos processuais de seu
oficio, encerrando suas atividades judicantes.
Informou o MM Juiz:
«Tal fato de desagradável repercussão foi documentado pela
TV Globo que transmitiu ontem,
dia 30, no Jornal Nacional, com
grande destaque a noticia com
nuances alarmistas e que não
correspondem à verdade dos fatos. Os jornais de hoje que remeterei pelo malote dão as mesmas
noticias que Conforme se depreende das peças
constantes dos autos e, tendo em
vista o Relatório de fls. 51/57, o
art. 27 e parágrafos da Lei Complementar n? 35/79, foram fielmente cumpridos:
a instauração do processo administrativo foi precedida de defesa prévia durante a sindicância —
1?;
o Tribunal, pelo seu Plenário,
determinou o afastamento do Magistrado do exercício de suas fun-
52
R.T.J. — 109
ções, sem prejuízo dos vencimentos e vantagens, até decisão final
— § 3?;
foram produzidas provas nos
prazos consignados, cientificado o
Ministério Público e o magistrado
acusado, sendo que seu procurador
requereu provas na petição incial,
voltando a peticionar a fim de solicitar a substituição de testemunhas — § 4?;
finda a instrução do processo
administrativo foi aberta vista dos
autos ao Ministério Público e ao
acusado — § 5?;
e) terminados os trabalhos relativos ao processo administrativo, o
assunto foi submetido ao julgamento do Plenário, que, em sessão secreta de 29 de novembro de 1982,
nos termos do art. 320, § 6? do Regimento Interno, proferiu decisão
referente à disponibilidade do acusado no seguinte teor:
«O Tribunal, por unanimidade,
rejeitou as preliminares de impedimento dos membros do Conselho da Justiça Federal, a de falta
de fundamentação na instauração do Processo, a de cerceamento de defesa (vista dos autos
exclusivamente no Foro Federal), a de certidão requerida estar incompleta (processos conclusos aos membros do Tribunal)
e a de irrelevancia dos fatos não
constantes da acusação e, relativamente, a da posição indevida
do Ministério Público no processo, esta rejeitada por maioria,
contra 1 (um)) voto; finalmente,
com a abstenção do Sr. Ministro
Américo Luz, foi rejeitada, unanimemente, a preliminar de impedimento de sua Excelência. No
mérito, o Tribunal, por 20 (vinte)
votos contra 3 (três) e 1 (um) em
branco, decidiu determinar seja
posto em disponibilidade, com
vencimentos proporcionais, o
Juiz Federal Doutor Carlos Da-
vid Santos Aarão Reis, em
exercício na 3? Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros
Jarbas Nobre, Presidente, Armando Rolemberg, Moacir Catunda, José Dantas, Lauro Leitão, Carlos Madeira Gueiros Leite, Washington Bolívar, Torreão
Braz, Carlos Mário Velloso, Otto
Rocha, Wilson Gonçalves, William Patterson, Bueno de Souza,
Pereira de Paiva, Sebastião
Reis, Miguel Jerônymo Ferrante,
José Cândido, Pedro Acioli, Américo Luz, Antônio de Pádua Ribeiro, Flaquer Scartezzini e Leitão Krieger. Não participou do
julgamento, por motivo justificado, o Sr. Ministro Adhemar Raymundo. Tribunal Federal de Recursos, 25 de novembro de 1982».
IV — Impropriedade do Mandado de Segurança contra ato disciplinar — Competência da autoridade punitiva e observância das formalidades legais.
A Lei n? 1.533, de 21 de dezembro
de 1951, dispõe, verbis:
«Art. 1? Conceder-se-á mandado de segurança para proteger
direito liquido e certo não amparado por habeas corpus, sempre
que, ilegalmente ou com abuso
de poder, alguém sofrer violação
ou houver justo receio de sofrê-la
por parte de autoridade, seja de
que categoria for ou sejam quais
forem as funções que exerça.
Art. 5? Não se dará mandado
de segurança quando se tratar:
III — de ato disciplinar quando praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade essencial».
Exclui-se expressamente do âmbito do mandado de segurança o ato
R.T.J. — 109
disciplinar, isto é, aquele que deflui do poder hierárquico da Administração para a punição das faltas
ilicitudes de seus servidores desde que praticado nos limites da
competência corretiva do superior
em observância das formalidades
exigidas para a imposição da penalidade.
Ensejaria a segurança, a disponibilidade em causa, se a autoridade julgadora fosse incompetente
para a punição, ou agisse com preterição das exigências formais necessárias ao processo disciplinar,
ou negasse defesa ao indiciado.
Ressalta-se que é inquestionável
a impossibilidade da impetração
do mandamus com a alegação da
incompetência da autoridade punitiva e da inobservância das formalidades essenciais que envolveram
processo administrativo, visando
à anulação da medida imposta, de
vez que:
a) a disponiblidade com vencimentos proporcionais é uma pena disciplinar, ex vi, dos arts. 28,
42, IV, e 45, II, da Lei Complementar n? 35/79, in verbis:
«Art. 28. O magistrado vitalício poderá ser compulsoriamente aposentado ou posto em
disponibilidade, nos termos da
Constituição e da presente Lei
Art 42 São penas disciplinares:
IV — disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo
de serviço.
Art. 45. O Tribunal ou seu órgão especial poderá determinar,
por motivo de interesse público,
em escrutínio secreto e pelo voto
de dois terços de seus membros
efetivos:
53
II — a disponibilidade de
membro do próprio Tribunal ou
de Juiz de Instância inferior,
com vencimentos proporcionais
ao tempo de serviço.
o Plenário do Tribunal Federal de Recursos, obedecidas as
normas de procedimento insitas.
nos arts. 328 e 330, do Regimento
Interno, decidiu, em sessão secreta, de 23 de setembro de 1982,
por unanimidade de votos, instaurar processo administrativo,
com fins de colocar em disponibilidade juiz federal. E, em sessão
secreta realizada no dia 25 de novembro de 1982, decidiu colocar
em disponibilidade, com vencimentos proporcionais o indiciado;
a exigência do sigilo aplicar-se tanto ao julgamento que
deverá se realizar em sessão secreta e que decidirá pela penalização, quanto á votação efetuada
pelos membros do colegiado, em
escrutínio também secreto, filexistindo dispositivo legal que autorize a dispensa do sigilo para
as razões do voto, em julgamento
de processo administrativo disciplinar. Mesmo por que, ao serem
conhecidas as razões do voto,
poder-se-á distinguir o estilo do
votante, cessando, ai, o segredo
do voto e ocorrendo a quebra do
sigilo.
Dispõe § 6? do art. 328 do Regimento Interno do TFR:
«O julgamento será realizado
em sessão secreta do Tribunal
e a decisão no sentido da penalização do magistrado só será
tomada pelo voto de dois terços
dos membros do colegiado em
escrutínio secreto» (o grifo não
é do original).
Assim, tendo sido o ato disciplinar — disponibilidade com vencimentos proporcionais — determi-
54
R.T.J. — 109
nado pelo Plenário do Tribunal Federal de Recursos ( autoridade
competente), em escrutínio secreto
e pelo voto de dois terços de seus
membros efetivos, tendo sido assegurada ao impetrante a garantia
constitucional de ampla defesa,
com arrimo no apurado pelo processo administrativo, efetuado nos
termos da lei, não comporta, no
caso em exame, mandado de segurança visando a anular o processo
e, conseqüentemente, a pena imposta.
Como afirma o próprio impetrante, foi instaurado processo administrativo para averiguar a denúncia contra sua pessoa. Portanto, a
Administração cumpriu sua obrigação, como bem afirma Egberto
Maia Luz:
«Não pode, absolutamente, o
Estado se omitir na apuração de
qualquer falta funcional, pois isto, se ocorresse, seria seriamente
comprometedor a tal ponto que
poderia ser considerada a conivência delituosa, ou então a responsabilidade, genérica ou especifica de quem assim procedesse.
O Estado não somente pode,
como, principalmente, deve apurar qualquer irregularidade decorrente do mau exercício das
funções que, obediente à ordem
jurídica, fundamentalmente estabelecida para o exercício do seu
direito e reconhecimento e garantia de outros, adotar normas
e princípios que não discrepem
dos universalmente adotados no
sentido da apuração de um ilícito, da fixação de uma responsabilidade e, finalmente, da cominação da pena, indo, até, a execução desta, rigidamente contida
no âmbito da sua competência »
(In Direito Administrativo Disci-
plinar — Teoria e Prática — José
Bushatsky, Editor — 1977 — pág.
63).
O ato punitivo foi precedido de
todas as formalidades legais — sindicância regular, processo administrativo por autoridade competente, defesa ampla, enquadrandose, perfeitamente, na definição do
mestre José Cretella Júnior.
«Ato administrativo perfeito é
aquele que, tendo completado o
ciclo de sua formação, contém
todos os elementos de procedimento e forma exigidas por lei.»
(In Curso de Direito Administrativo. 5? Edição — 1976. Editora Forense — pág. 316).
«V — Conclusão
Nestas condições, tendo sido demonstrada a inexistência de irregularidade no processo administrativo, ou o cerceamento de defesa
do acusado, ensejadores da sua nulidade e incorrendo, na espécie,
qualquer vicio a macular a votação proferida pelos insignes Ministros do Tribunal Federal de Recursos, decidindo pela aplicação da
pena disciplinar de disponibilidade
com vencimentos proporcionais ao
Juiz Federal Carlos David Santos
Aarão Reis, consubstanciada através de decreto presidencial, acredita-se, e assim se espera, que o
Egrégio Supremo Tribunal Federal
negue provimento à impetração».
A fls. 81/85, encontram-se as informações do Sr. Presidente do Tribunal Federal de Recursos, nas quais
se lê:
«I—O Pedido
Carlos David Santos Aarão Reis,
Juiz Federal em disponibilidade,
impetra mandado de segurança
contra ato complexo praticado pelo
Excelentíssimo Senhor Presidente
da República e pelo Tribunal Fede-
R.T.J. — 109
ral de Recursos que colocou em
disponibilidade o mencionado magistrado, conforme decreto de 2112-1982, publicado no DOU de 22-1282, baixado com base no procedimento próprio (Constituição art.
113, 3?, Lei Complementar n? 35,
de 1979, artigos 28, 45, II, parágrafo único, e 46; RITFR, artigos 329,
330 e 328).
O impetrante, que era Julz Federal Substituto, por força do disposto na EC n? 7, de 1977, teve o seu
cargo transformado no de Juiz Federal. Diz ele que, «em 23 de setembro de 1982, por iniciativa do
Conselho da Justiça Federal, resolveu o Tribunal Federal de Recursos, sem o menor fundamento, instaurar processo para fins de disponibilidade», após o que o Tribunal,
em sessão de 25 de novembro de
1982, decidiu pela disponibilidade
do impetrante.
Sustenta o requerente que é nulo
o processo, por ausência de fundamentação das decisões proferidas.
Afirmando que «toda e qualquer
decisão humana precisa ser fundamentada, motivada, pois o inverso
seria arbitrário, no sentido mais
absoluto da palavra», sustenta o
impetrante que, «se o Tribunal Federal de Recursos adotou como
fundamento de instauração do processo aquela peça (a representação do Conselho da Justiça Federal), sequer considerou as razões
da defesa prévia do impetrante.»
Argumenta que o sigilo não inibe o
dever de motivar a decisão e, «carecendo a instauração do processo
e o julgamento, pelo qual o impetrante foi colocado em disponibilidade, de qualquer motivação, são
totalmente inválidos, produzindo a
invalidade de todo o processo, ab
intuo. Por isso, «pede seja julgado
procedente o pedido, para que, declarada a nulidade do processo instaurado, volte o impetrante ao
55
exercido de suas funções judicantes na 3? Vara — II da Seção Judiciária da Justiça Federal, no Estado do Rio de Janeiro.»
II — Os Fatos
O Conselho da Justiça Federal,
diante de exposição apresentada
pelo Sr. Ministro Corregedor-Geral
da Justiça Federal em correição
geral extraordinária levada a efeito no juizo do Dr. Carlos David
Santos Aarão Reis, decidiu, «com
apoio no art. 4?, itens III e XX, do
seu Regimento Interno,. expedir os
atos necessários á normalização
dos serviços forenses na referida
Vara.» «Deliberou, ainda, instaurar sindicância junto a essa Vara,
com o objetivo de apurar a razão
do retardamento dos julgamentos
dos processos enumerados na exposição do Exmo. Sr. Ministro Corregedor-Geral.»
Diante não só do apurado na sindica/leia, como, também, na correição geral extraordinária instaurada na 3? Vara do Rio de Janeiro,
tendo para lá se deslocado, para realizá-la, o Sr. Ministro Corregedor-Geral, decidiu o Conselho da Justiça Federal — órgão do
Tribunal incumbido de presidir a
administração da Justiça Federal
da 1? Instância (Lei n? 5.010/66, artigos 4? e segs.; RITFR, artigo 45)
— que fatos e circunstâncias desaconselhavam a permanência, em
exercido, do impetrante. Por isso
resolveu encaminhá-los à apreciação do Plenário do TFR, «para que
seja posto em disponibilidade, nos
termos do art. 113, * 3?, da Constituição, combinado com os artigos
28, 42, IV, e 45, II, da Lei Complementar ri? 35, de 14 de março de
1979, obedecidas as normas de procedimento previstas no art. 328,
c/c o art. 330, do Regimento Interno do Tribunal».
O volume I do PA n? 001/82 contém cópia integral da deliberação
56
R.T.J. — 109
do Conselho da Justiça Federal,
em que são analisados os fatos e
circunstâncias mencionados, com
vasta documentação, além do relatório do Sr. Ministro CorregedorGeral (PA n? 001, fls. 2/31 e 52/85).
O Tribunal, reunido em sessão
secreta (RITFR, artigo 328, § 1?),
resolveu submeter a representação, com todos os documentos ao
Juiz Aarão Reis, para que este
apresentasse a defesa prévia mencionada no § 1? do art. 328 do
RITFR.
Após, decidiu o Tribunal pela
instauração do processo (RITFR,
art. 328, § 2?), acolhendo, assim, a
exposição que lhe dirigiu o Conselho da Justiça Federal. Na mesma
Sessão, foi designado o Sr. Ministro William Patterson para funcionar como relator do procedimento
administrativo, tendo S. Exa. dado
início aos trabalhos deste (PA n?
001, fls. 400 e segs.).
No procedimento administrativo,
ensejou-se ao magistrado a mais
ampla defesa (PA n? 001, 3? vol.,
fls. 438 e segs.).
Ao cabo, o Sr. Ministro William
Patterson, Relator, apresentou circunstanciado relatório (PA n? 001,
3? vol., fls. 679/685) á consideração
do Plenário, que, em sessão secreta (Lei Complementar n? 35/79, artigo 27, § 6?, RITFR, art. 328, § 6? ),
decidiu determinar a disponibilidade do impetrante, com vencimentos proporcionais, publicando-se,
apenas, a conclusão do julgamento
(Lei Complementar n? 35/79, art.
27, § 7?; RITFR, art. 328, § 7?), tudo conforme se pode ver do PA n?
001, 3? vol., fls. 686).
Assim os fatos.
De sua apreciação, força é concluir que o Conselho da Justiça Federal deu os motivos por que entendeu que o impetrante deveria
ser posto em disponibilidade. O
Tribunal, pelo voto de mais de dois
terços de seus membros, em escrutínio secreto, como manda a
Constituição (CF art. 113, § 3? ),
acolheu os motivos apresentados
pelo Conselho. Acolhendo ditos motivos, está evidente que o ato está
motivado. E mais não poderia o
Tribunal fazer, porque a Constituição — manda que a votação se faça em escrutínio secreto (art. 113,
§ 3?). Ora, votando o Ministro em
escrutínio secreto, poderá, apenas,
acolher ou recusar a representação
que contém os motivos, nada mais.
Se o Ministro desse voto fundamentado, no julgamento mencionado
no § 3? do art. 113, da Constituição,
estaria o dito julgamento nulo, porque, repete-se, a Constituição exige
votação em escrutínio secreto, tal
como acontece no julgamento pelo
Júri.
III — O Direito
Da análise dos autos da sindicãncia, PA n? 002 da Corregedoria-Geral da Justiça Federal ( algumas
peças seguem por cópia, como
amostragem), e dos autos PA n?
001, do TFR ( anexos), verifica-se a
situação caótica reinante na Vara
de que era titular o impetrante; este, ao que sé concluíra naqueles
procedimentos, manifestara-se desvocacionado para a Magistratura, tal a instabilidade emocional,
desorganização administrativa, escassa produtividade e indisciplina
judiciária, reveladas a teor dos fatos ali apurados, culminados na
abusiva determinação de fechamento da Vara, com grande estardalhaço na imprensa, ao argumento de inexistir servidores a sua disposição, quando a realidade era
bem outra.
Tenha-se em conta, de outro lado, que o julgamento do art. 113, §
3?, da Constituição, apoia-se na
conveniência administrativa, com
vistas ao interesse público. E, não
R.T.J. —109
custa repetir, porque o julgamento
se dá em escrutínio secreto mais
não pode o membro do Tribunal fazer senão acolher ou recusar a representação motivada, então recusando ou acolhendo a defesa do
magistrado. E foi assim rigorosamente na forma da disposição
constitucional, que procedeu o
TFR, quando determinou a disponibilidade do impetrante.
IV — Conclusão
Em suma, considerados os fatos
— como foram fartamente comprovados em procedimentos atentos à
mais ampla defesa do Indiciado —
vê-se que o Tribunal agiu em completa harmonia com o comando assecuratório do interesse público,
valor em nome do qual se Impunha
o dever de coibir a irregular conduta do magistrado ora Impetrante.
Dai não existir, no caso, direito
líquido e certo a ser protegido, pelo
que deve a impetração ser denegada.
Aproveito a oportunidade para
reiterar a Vossa Excelência, Senhor Ministro Relator, os meus
protestos de elevada estima e consideração.
Aberta vista à Procuradoria-Geral
da República, manifestou-se, por
ela, o Dr. Mauro Leite Soares, em
parecer cujos termos são estes (fls.
88/103):
«1. Inicialmente é de anotar
que o mandado de segurança não é
de ser conhecido com relação ao
Tribunal Federal de Recursos, por
não estarem os atos do mesmo sujeitos ao controle do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art.
119, I, letra i, da Constituição.
2. Tal fato, no entanto, não implica no não conhecimento de toda
a matéria versada na impetração,
bem como no processo administrativo que redundou no ato praticado
57
pelo Senhor Presidente da República, pois que, ato complexo ou vinculado, o seu controle judicial se
dá de cima para baixo, obrigando
todas as autoridades participantes
à observância da sua legalidade,
isto é, dos requisitos legais para a
sua prática.
Alega o Impetrante, fls. 4,
verbis, «nulidade absoluta do processo por ausência de fundamentação das decisões proferidas», e, assim, se nos é permitido inferir,
cerceamento de defesa.
Declara-se no art. 113, III,
3? da Constituição:
«O Tribunal competente, ou o
órgão especial previsto no art.
144, V, poderá determinar, por
motivo de interesse público, em
escrutínio secreto e pelo voto de
dois terços de seus membros efetivos, a remoção ou a disponibilidade do juiz de categoria inferior, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço,
assegurando-lhe defesa, e proceder da mesma forma, em relação
a seus próprios juizes».
5. Por seu turno, declara-se na
Lei Orgânica da Magistratura Nacional:
27.
O julgamento será realizado em sessão secreta do Tribunal ou de seu Orgão Especial, depois de relatório oral, e a decisão
no sentido da penalização do magistrado só será tomada pelo voto de dois terços dos membros do
colegiado, em escrutínio secreto.
Da decisão publicar-se-á
somente a conclusão.
§ 8? Se a decisão concluir pela perda do cargo, será comunicada, imediatamente, ao Poder
Executivo, para a formalização
do ato.
«Art. 28. O magistrado vitalício poderá ser compulsoria«Art.
58
R.T.J. — 109
mente aposentado ou posto em
disponibilidade, nos termos da
Constituição e da presente lei».
Portanto, a sessão de julgamento é secreta, bem como a decisão é tomada em escrutínio secreto.
No entender do Impetrante,
porém, tais fatos não ensejam ou
propiciam o desconhecimento da
fundamentação da decisão ou da
motiviação do ato impugnado de
sua penalização.
8. Parece-nos aplicável ao caso
em exame, por analogia, a denominada «teoria dos motivos determinados», segundo o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 9? edição,
pág. 151:
«A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração
de que os atos administrativos,
quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que
determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo,
deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade.
Mesmo os atos discricionários, se
forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa
determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da
existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato
é inválido».
No caso concreto os motivos estão expostos no relatório dos autos
anexados e que se encontra por cópia às fls. 19/55 destes autos.
Permitimo-nos pequeno excerto do
mesmo, fls. 21:
«Efetivamente, o Dr. Carlos
David Santos Aarão Reis vem demonstrando inadaptação para a
Magistratura desde seu ingresso
na Justiça Federal, manifestando
instabilidade emocional, desorganização administrativa, escassa
produtividade e indisciplina judiciária
A escassa produtividade alia o
excesso injustificado dos prazos
para sentenciar ou despachar,
que os inúmeros pedidos de correição parcial têm evidenciado,
através dos anos, prejudicando,
sensivelmente, o regular funcionamento da 3? Vara-H, da Seção
Judiciária do Estado do Rio de
Janeiro, causando às partes incontáveis prejuízos e desprestígios para a Justiça Federal
A indisciplina judiciária do
mencionado juiz se patenteia na
infringência a deveres do Magistrado, no descumprimento ostensivo de determinações legais, na
recusa em acatar os pedidos de
informações do Conselho da Justiça Federal ou do órgão corregedor e na linguagem imprópria ou
claramente desrespeitosa com
que se dirige ao Tribunal e seus
Ministros, bem como aos seus colegas Magistrados e às autoridades constituídas do Pais.
A Lei Complementar n? 35, de
1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), ao tratar da Disciplina Judiciária, estabeleceu os
deveres do Magistrado (Tít. III,
Cap. I), como os previstos no art.
35, incisos II, III e IV e no art.
39, aos quais o Dr. Carlos David
Santos Aarão Reis não tem guardado obediência, o mesmo ocorrendo quanto ao preceituado nos
itens III, IV e VIII, do art. 13, da
Lei n? 5.010, de 1966».
Tais motivos são complementados à fls. 23:
«Tendo em vista a sistemática
impontualidade do referido Ma-
R.T.J. — 109
gistrado, não é de estranhar que
os processos não tenham regular
andamento, acumulando-se. Com
efeito, não obstante as determinações legais (Lei Complementar
ri? 35/79, art. 35, VI e Lei n?
5.010/66, art. 32), costuma comparecer ao Forum por volta das
dezesseis e trinta horas, à exceção das sextas-feiras, em que
nem comparece.
As audiências, realizadas às
terças e quintas-feiras, também
se iniciam naquele horário, com
prejuízo sensível para as partes,
testemunhas, membros do Ministério Público, advogados e funcionários».
Diz o Impetrante que o relatório
não é fundamentação, motivação.
Ora sendo secreto o julgamento,
tanto quanto o escrutínio, a votação, não poderia mesmo o Tribunal
Federal de Recursos personalizar
e individualizar a decisão, senão
que, somente e numericamente,
declarar o acolhimento do processo
instaurado para fins de disponibilidade do Impetrante, nos termos
das peças que o informaram.
Trata-se, no caso, de ato vinculado, isto é, a decisão em questão
subordinou-se aos fundamentos
constantes do referido Relatório,
no dizer do qual, fl. 48, verbis,
«Tendo em vista a gravidade de todos esses fatos e circunstâncias
que estão a desaconselhar a permanência, em exercício, do Dr.
Carlos David Santos Aarão Reis, o
Conselho da Justiça Federal resolveu encaminhá-los à apreciação do
Plenário do Tribunal Federal de
Recursos, para que o referido Juiz
Federal seja posto em disponibilidade,...»
12. Inexistiu cerceamento de
defesa. Do relatório do processo
administrativo instaurado para
fins de sua disponibilidade temos:
«A defesa prévia do Dr.
Carlos David Santos Aarão Reis
consta de fls. 143/161, acompanhada dos documentos de fls.
162/217.»
Encerrada a sindicância, o
Egrégio Conselho de Justiça Federal elaborou a representação
que deu origem ao Processo Administrativo n? 001, onde as suas
razões estão desenvolvidas, de
forma ampla (lê fls. 02/31) e instruídas com a documentação de
fls. 32/174 — 1? volume.
«O MM. Juiz apresentou sua
defesa, em petitório de fls.
189/228 (lê) com os documentos
de fls. 229/359.».
c) «Finalmente, aos autos foram juntadas razões finais oferecidas pelo Dr. Carlos David Santos Aarão Reis, instruídas com
inúmeros documentos, compondo
as fls. 590/678.
Passo à leitura integral dessa
peça, onde se destacam as seguintes preliminares, a serem dirimidas, previamente, por este
Colendo Plenário:
Impedimento dos Membros
do Conselho da Justiça Federal.
Impedimento do Ministro
Américo Luz;
Falta de fundamentação na
instrução do processo;
Cerceamento de defesa, tconsubstanciada na «vista» dos autos no recinto do foro federal;
e) Incorreção das certidões
fornecidas pela Secretaria do
TFR;
I ) Irrelevância de fatos não
constantes da acusação; e
g) Posição indevida eleita pelo
Ministério Público.
Com esse relatório, entendo cumprida minha missão como relator,
60
R.T.J. — 109
cabendo, agora, decidir sobre a
matéria, nos termos previstos no §
6?, do art. 328, do Regimento Interno verbis:
«Art. 328.
§ 6? O julgamento será realizado em sessão secreta do Tribunal e a decisão no sentido da penalização do magistrado só será
tomada pelo voto de dois terços
dos membros do coleglado, em
escrutínio secreto».
Ante o exposto, submeto o assunto à elevada consideração
deste Colegiado».
Aliás, quando da apresentação
de razões, fls. 594, anexos, o Impetrante alegara que o cerceamento
de defesa se devia ao fato de a vista do processo administrativo terse dado em gabinete de Juiz Federal daquela Seção Judiciária. A lei
não confere ao Magistrado, no caso, tratamento diverso ou especial.
Tratando-se de matéria de ordem constitucional e declarando-se
na lei regulamentar, § 7? do art. 27
da LOMAN, que «Da decisão
publicar-se-á somente a conclusão», não possui o Impetrante direito liquido e certo à ciência dos
votos proferidos no julgamento,
sem individualização, pois que, caso contrário, estaria quebrando o
sigilo imposto pela lei. Mesmo a
especificação das faltas imputadas
e acolhidas, o que para se argumentar poder-se-ia admitir, não
acarreta irregularidade do procedimento ora impugnado, pois à ausência em questão tem-se o dispositivo legal retro referido a lhe oferecer cobertura ao lado de, no silêncio, estar implicitamente deduzido o acolhimento integral, em
uma aplicação da lei que enseja a
prática de certa discricionariedade
por parte do julgador, em tal caso.
Mas o Impetrante, de qualquer
sorte, não impugna tal matéria,
pretendendo, sim, a própria fundamentação de decisão, a qual, sabidamente, não existe ou não pode
ser dada à publicidade, sob pena
de nulificação do ato, de procedimento sigiloso em si mesmo, conforme lei.
De outro ângulo e incidindo possivelmente sobre a espécie versada
nos autos, temos que o Egrégio Supremo Tribunal tratou da matéria
referente à fundamentação e motivação da decisão de julgamento de
magistrado nos RECR n? 85.703,
Relator Ministro Thompson Flôres,
RTJ 86/619 e RE n? 77.912, Relator
para o acórdão o Sr. Ministro Moreira Alves, RTJ 89/846.
O primeiro, da Egrégia Segunda
Turma, encontra-se assim ementado:
«Magistrado. Condenação em
processo originário perante o Tribunal de Justiça — Decisão inteiramente desfundamentada, contrariando o art. 153, §§ 15 e 13, da
Constituição.
II — a circunstância de ter sido o julgamento proferido em
sessão secreta não desobriga o
Tribunal de motivar seu veredito, pois que, ainda que a lei o determinasse, padeceria do vício de
inconstitucionalidade.
Sucede que ela mesma o exige,
como decorre do art. 561, VI e
VII do Código de Processo Penal,
incorporado ao Regimento Interno, art. 160, f e g.
III — Recurso extraordinário
provido».
O Eminente Ministro Thompson
Flõres assinalou em seu voto:
«A transcrição integral do
acórdão bem evidencia que está
ausente de fundamentação.
Tal proceder importa em contrariedade a duas garantias fundamentais insculpidas na Consti-
R.T.J. — 109
tuição, art. 153
13 e 15, primeira parte, amplitude de defesa
e individualização da pena. Esta,
ademais, é a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (H.
Fragoso, Jurisprudência Criminal, II, 1973, n? 438, págs. 437/46).
4. Pouco importa que trate de
processo originário da competência do Tribunal de Justiça, Código de Processo Penal, arts. 556 e
seguintes, para o qual o julgamento é proferido em sessão secreta, art. 561, VI, verbis:
«Art. 561. Finda a instrução, o Tribunal procederá, em
sessão plenária, ao julgamento do processo, observando-se o
seguinte:
VI — encerrados os debates,
o Tribunal passará a funcionar
em sessão secreta, para proferir o julgamento, que será
anunciado em sessão pública»;
Ainda que, ausentes as próprias
partes, e por óbvias razões, os votos são proferidos a descoberto,
motivando cada juiz o seu convencimento.
Do julgado não constava o nome dos julgadores cujos votos se
tornaram vencedores ou vencidos, pois, se assim não se procedesse, quebrado estaria o sigilo,
e não teria sentido a determinação legal de ser o julgamento
proferido em sessão secreta
5. Todavia o veredito há que
ser fundamentado, como ademais, dispõe o citado art. 561,
VII, com a referência que faz, o
qual compreende, precisamente,
o titulo referente a sentença,
arts. 382 e seguintes.
Tudo está repetido no Regimento Interno do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, art. 160,
f e g.
61
6. Assim, não precisando os
fatos objeto da acusação, nem as
provas em as quais se baseou para dar por sua procedência, parcial ou total, não importa, nem
justificando porque impunha a
sanção que especificou, atentar
contra os citados parágrafos do
art. 153 da Carta Maior.
Cerceada ficou a defesa do
acusado a qual a Constituição
qualifica de ampla e com os recursos a ela inerentes, pois, como poderá combater fundamentos inexistentes e reclamos contra pena não individuada, também por ela erigida em garantia.»
Do segundo acórdão, proferido
em sessão plenária, temos a seguinte ementa:
«Magistrado. Disponibilidade
por interesse público ($ 2? do artigo 113 da Constituição Federal
na redação anterior á Emenda
Constitucional n? 7/77).
— Para estar fundamentada a
decisão que coloca magistrado
em disponibilidade por interesse
público, basta que se funde — e a
ele portanto, faça referência —
em inquérito que apurou os fatos,
e do qual a conclusão é submetida a julgamento. Essa, aliás, é a
única motivação admissivel em
escrutinio secreto, em que todos
os participantes se limitam a votar sim ou não. Não há sequer
necessidade — e não é conveniente — que a decisão, ao invés de
se reportar expressamente ao inquérito, reproduza os fatos que
nele foram objeto de apuração».
O Eminente Ministro Soares Muõoz, Relator originário, vencido em
parte, declarou:
«Como controlar judicialmente
a adequação do fato, a sanção
imposta na via administrativa,
se aquele não é relevado com as
62
R.T.J. — 109
suas circunstâncias na decisão
do órgão disciplinar? Para a prática de alguns atos, ensina Seabra Fagundes, a competência da
Administração é estritamente determinada na lei, quanto aos motivos e modo de agir E essa a
competência vinco lata dos italianos ou liée dos franceses. «A Administração Pública não é livre
em resolver sobre a conveniência
do ato, nem sobre o seu conteúdo. Só lhe cabe constatar a ocorrência dos motivos e, com base
neles, praticar o ato» (O Controle
dos Atos Administrativos, pág.
93, n? 37, 2? ed.).
De outra natureza não é a competência administrativa que o
art. 113, § 3?, da Constituição da
República, atribuiu aos Tribunais
vinculada a existência de motivo
de Interesse público, que recomende a remoção ou a disponibilidade do magistrado, para preservar a independência, a Imparcialidade ou o decoro dos órgãos jurisdiclonais. O motivo, ao qual se
vincula indissoluvelmente o ato
de remoção ou da disponibilidade, deve estar expresso na decisão, embora esta, quanto à fundamentação, possa ser mantida
em sigilo, salvo em relação à defesa. Sem essa explicitação, repito, subtrai-se, do magistrado removido ou posto em disponibilidade, compulsoriamente, o direito de recorrer ao Poder Judiciário, pleiteando a anulação daqueles atos, sob o fundamento de que
os fatos em razão dos quais foi
punido não configuram o motivo
de interesse público a que alude
o art. 113, § 3?, da Constituição
da República. E a decisão administrativa que, por omissa, não
permitir esse exame e esse controle jurisdicional será, por isso
mesmo, nula».
O Eminente Ministro Moreira Alves, após considerar que o recurso
extraordinário ressentia de prequestionamento da matéria, acentuou:
«A meu ver, a expressão «por
motivo de interesse público» implica, apenas, a necessidade de
que a decisão administrativa do
Tribunal se funde — e, portanto,
a ele faça referência — os fatos
objeto de apuração em inquérito,
cuja conclusão é submetida a julgamento. Essa aliás, é a única
motivação admissivel em escrutínio secreto, em que todos os
participantes se limitam a votar
sim ou não. Não há sequer necessidade - e não é conveniente —
que a decisão, ao invés de se reportar expressamente ao inquérito, reproduza os fatos que nele
foram objeto de apuração. Para
que o magistrado colocado em
disponibilidade possa atacar por
via judicial, decisão administrativa dessa natureza, basta a comissão ao inquérito, pois sua defesa judicial poderá, com base
nos fatos objeto deste, demonstrar, até a inexistência de interesse público capaz de permitir a
colocação em disponibilidade».
Os Eminentes Ministros Cordeiro
Guerra, Leitão de Abreu e Xavier
de Albuquerque, pela ordem, declararam seus votos, dos quais
permitimo-nos transcrever os seguintes trechos, respectivamente:
«A publicidade dos motivos,
das razões de convencimento, do
veredictum tomado, como no júri, pelas respostas Sim ou Não
determinaria danosos efeitos a
dignidade do Poder Judiciário.
Motivos de interesse público
podem ocorrer, que, apurados,
não devem ser divulgados. Sem
dúvida, no inquérito, terá conhecimento deles, o acusado, que
aduzirá defesa. Desprezada esta
pelo Tribunal, está este dispensado de fundamentar as razões de
R.T.J. — 109
seu convencimento, pelo interesse de dignidade da Magistratura.»
«Nenhum foi o prejuizo acarretado ao recorrente pela forma
em que se acha concebido o ato
de disponibilidade, uma vez que,
dizendo conhecer o motivo da
disponibilidade, plenamente se
defendeu, argüindo não haver
prova nos autos dos fatos que lhe
eram imputados. Não é omissa a
decisão impugnada, por outro lado, acerca dos fatos em que a
disponibilidade se baseou. Está
dito, pelo contrário , claramente
dito no acórdão serem tais fatos
os apurados no inquérito administrativo, com base no resultado
do qual a decisão se proferiu. Indicados, pois, os fatos, indicado
ficou o motivo da disponibilidade,
consistente no interesse público.»
«Sr. Presidente, quando o Juiz
houver de perder o cargo, apesar
de sua vitaliciedade, exigirei que
a decisão seja amplamente fundamentada, cabalmente motivada. Mas parece-me que a disposição constitucional de que se cuida, teria sua eficiência posta em
grave risco, se se exigisse, para
a decretação da disponibilidade,
motivação cabal e pormenorizada. A prudente discrição dos Tribunais é que me parece haver sido entregue, pela Constituição, a
deliberação sobre a conveniência
de afastar, por disponibilidade
compulsória, magistrado cuja
atuação não se mostre adequada
ao desempenho da judicatura».
Finalmente, e apenas para fins
de argumentação, possuisse o ato
impugnado a mácula pretendida,
seu desfazimento não levaria á
conclusão do pedido, fls. 10, isto
é, o retorno do Impetrante ao exercício de suas funções judicantes,
pois a inexistência de publicidade da fundamentação do ato Lm-
63
pugnado, suprida que fosse ou
possível que pudesse ser, acarretaria tão-somente o preenchimento
de tal requisito para o ato e, não, o
seu integral desfazimento, tendo
em vista que o Tribunal Federal de
Recursos limitou-se à aplicação do
§ 7? do art. 27 da Lel Orgânica da
Magistratura e, anteriormente, o
Impetrante fora afastado do exercício do cargo, fls. 16.
Em face do exposto, somos pelo
indeferimento do mandado de segurança.»
VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. Sendo a colocação em disponibilidade ato complexo que se
perfaz com a declaração, por decreto, do Presidente da República (artigo 27, § 8?, da Lei Complementar n?
35/79), conheço do presente mandado de segurança contra essa autoridade, e passo a examiná-lo em seu
mérito.
2. Alega o impetrante que o ato
de sua colocação em disponibilidade
é nulo porque, seja quando decidiu
pela instauração do processo, seja
quando determinou a disponibilidade, deixou o Tribunal Federal de Recursos de motivar ambas as decisões.
Não tem razão, porém, o impetrante.
Com efeito, esta Corte, por seu
Plenário, ao julgar o RE n? 77.912
(RTJ 89/846 e segs.), que dizia respeito a caso análogo ao presente, e
de que fui relator para o acórdão,
assim decidiu:
«Para estar fundamentada a decisão que coloca magistrado em
disponibilidade por interesse público, basta que se funde — e a ele,
portanto, faça referência — em inquérito que apurou os fatos, e do
qual a conclusão é submetida a Ra-
64
R.T.J. — 109
gamento. Essa, aliás é a única motivação admissível em escrutínio
secreto, em que todos os participantes se limitam a votar sim ou
não. Não há sequer necessidade —
e não é conveniente — de que a decisão, ao invés de se reportar expressamente ao inquérito, reproduza os fatos que nele foram objeto
de apuração».
Ora, no caso presente, como se vê
da própria documentação juntada
pelo impetrante, o Tribunal Federal
de Recursos decidiu á vista da ampla exposição — inclusive com a leitura das peças principais — feita pelo relator do processo administrativo, o Sr. Ministro William Patterson
(fls. 49/55). E sua decisão, indicado
expressamente o processo administrativo a que se referia (o que, também, ocorreu em sua publicação),
foi do teor seguinte, conforme certidão a fls. 686 do processo administrativo apensado, vol. III, e que havia sido fornecida ao impetrante, como se vê a fls. 17 dos autos:
«O Dr. Ronaldo Rios Albo, por
delegação do Sr. Diretor-Geral da
Secretaria do Tribunal Federal de
Recursos, usando das atribuições
que lhe são conferidas por lei,
Certifica, examinando os autos
do Processo Administrativo n?
001/82-TER (Reservado), em que
figura como parte interessada o
Exmo Sr Dr Carlos David Santos
Aarão Reis, MM Juiz Federal em
disponibilidade, que, em seu requerimento protocolado sob n? 262453,
o Exmo. Sr. Ministro Presidente do
Tribunal proferiu despacho do teor
seguinte: «Certifique-se, com as
cautelas dos §§ 6? e 7?, artigo 27,
da LOMAN, e §§ 6? e 7?, artigo
328, do Regimento Interno TFR.
Bsb, 3-3-83 (a) Ministro Jarbas
Nobre, Presidente.» Assim, deferido o pedido do interessado e em
cumprimento ao r. despacho Certifica o seguinte: Que a decisão re-
lativa á instauração do processo
de disponibilidade foi nestes termos: «O Tribunal, reunido em sessão secreta resolveu, por unanimidade de votos, determinar a instauração de processo, com o objetivo de colocar em disponibilidade o
Doutor Carlos David Santos Aarão
Reis, Juiz Federal da 3? Vara II,
da Seção Judiciária do Estado do
Rio de Janeiro (§ 2?, do art. 328 do
Regimento Interno) e o afastamento do mesmo do exercício de suas
funções, sem prejuízo dos vencimentos e vantagens até decisão final (§ 3? do mesmo dispositivo regimental). Participaram da votação os Exmos. Srs. Ministros Jarbas Nobre, Presidente, Armando
Rolemberg, Moacir Catunda, José
Dantas, Lauro Leitão, Carlos Medeira, Gueiros Leite, Washington
Bolívar, Torreão Braz, Carlos Mário Veloso, Justino Ribeiro, Otto
Rocha, Wilson Gonçalves, William
Patterson, Adhemar Raymundo,
Bueno de Souza, Sebastião Reis,
Miguel Jerônymo Ferrante, José
Cândido, Pedro Acioli, Américo
Luz, ' Antônio de Pádua Ribeiro,
Flaquer Scartezzini, Costa Lima e
Leitão Krieger. Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Ministro Pereira de Paiva. Sala das Sessões do
Plenário, 23 Set. 1982 (a) Ronaldo
Rios Albo, Diretor da Secretaria
Judiciária, Secretário da Sessão,
em substituição ao Secretário do
Plenário.», Que a decisão referente
à disponibilidade do requerente é
do seguinte teor:
«O Tribunal, por unànimidade,
rejeitou as preliminares de impedimento dos membros do Conselho da Justiça Federal, a de falta
de fundamentação na instauração do processo, a de cerceamento de defesa (vista dos autos exclusivamente no Foro Federal),
a de certidão requerida estar incompleta (processos conclusos
aos membros do Tribunal) e a de
R.T.J. — 109
irrelevância dos fatos não constantes da acusação e, relativamente, a da posição indevida do
Ministério Público no processo,
esta rejeitada por maioria, contra 1 (um) voto; finalmente, com
a abstenção do Sr. Ministro Américo Luz, foi rejeitada, unanimemente, a preliminar de Impedimento de Sua Excelência. No
mérito, o Tribunal, por 20 (vinte)
votos contra 3 ( três) e 1 (um) em
branco, decidiu determinar seja
posto em disponibilidade, com
vencimentos proporcionais, o
Juiz Federal Doutor Carlos David Santos Aarão Reis, em
exercício na 3? Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros
Jarbas Nobre, Presidente, Armando Rolemberg, Moacir Catunda, José Dantas, Lauro Leitão, Carlos Medeira, Gueiros Leite, Washington Bolívar, Torreão
Braz, Carlos Mário Velloso, Otto
Rocha, Wilson Gonçalves, William Patterson, Bueno de Souza,
Pereira de Paiva, Sebastião
Reis, Miguel Jerónymo Ferrante,
José Cândido, Pedro Acioli, Américo Luz, António de Pádua Ribeiro, Flaquer Scartezzini e Leitão Kriger. Não participou do julgamento, por motivo justificado
o Sr. Ministro Adhemar Raymundo. Tribunal Federal de Recursos, 25 de novembro de 1982 —
José Alves ~Uno, Secretário do
Plenário».
Que os Exmos. Srs. Ministros
Jarbas Nobre, José Dantas, Torreão Braz, Washington Bolívar e
Carlos Mário Velloso, Membros do
Conselho da Justiça Federal participaram com voto, em ambas as
Sessões, mencionadas. Que os fundamentos pelos quais o Tribunal
decidiu instaurar o processo (Relatório 1) e determinar a disponibilidade (Relatório 2) do requerente
65
estão contidos nos Relatórios anexos por cópia, que passam a fazer
parte integrante desta certidão;
Certifica, ainda, que nas Sessões
referidas, de instauração do processo e deliberação da disponibilidade, não houve declaração de suspeição ou impedimento por parte
dos Membros do Plenário. g O Que
Foi Pedido Para Certificar. O referido é verdade e dá fé. Dada e passada nesta cidade de Brasília, Capital da República Federativa do
Brasil, aos sete dias do mês de
março do ano de mil novecentos e
oitenta e três (7-3-1983).
E o quanto basta para que, conforme entendimento desta Corte, se tenha por fundamentada decisão dessa
natureza.
E, com maior razão, é a quanto é
suficiente também, para a decisão
que determina a instauração do inquérito, à vista do teor da acusação
e do da defesa prévia apresentada,
se o for. Essa decisão, pela sistemática estabelecido no artigo 27, ff 1?
a 3?, da Lel Complementar n? 35/79,
diz respeito tão-somente á instauração, ou não, do inquérito — instauração que só não se dará se evidenciada, de plano, a total improcedência
das acusações — e não determina os
limites deste, que, se instaurado, serão os do teor da acusação. E tanto
assim é que, como estabelece o 2?
do mencionado artigo 27 caso seja a
instauração determinada, o feito será no mesmo dia distribuído e entregue ao relator, para que se inicie sua
instrução. Não se exige sequer — ao
contrário do que ocorre com a decisão final — a publicação de sua conclusão.
3. Em face do exposto, e em resumo, conheço do presente mandado
de segurança no que diz respeito ao
ato do Sr. Presidente da República,
mas o indefiro.
R.T.J. - 109
66
VOTO
VOTO
Sr. Ministro Soares Mufioz: Sr.
Presidente, o relatório demonstrou
que tenho pronunciamento contrário
ao do eminente Relator.
O Sr. Ministro Cordeiro Guerra
(Presidente): O eminente Relator,
em seu voto, referiu a precedente
em que me manifestei no sentido de
que a decisão secreta era não fundamentada e soberana do Tribunal.
Nada tenho a acrescentar ao que disse naquele precedente.
Queria, apenas, observar que a
Constituição deu aos Tribunais a autodisciplina e a disciplina da Magistratura em caráter amplo e absoluto. Assim, acho que a decisão do Tribunal Pleno, ou do órgão especial,
atinente ao magistrado não precisa
ser revista pelo Poder Judiciário, pela razão muito simples de que foi
praticada pelo próprio Poder Judiciário.
Não estamos decidindo tão-só
quanto à disciplina de um funcionário, mas exercendo um poder do Estado de autopreservação moral do
Poder Judiciário. Por isso é que digo: não se trata de saber agora se
procedeu mal ou não. O Tribunal é
soberano em julgar se esse homem
está à altura do cargo em face dos
atos que praticou e de que o impetrante teve conhecimento prévio.
Houve até uma pronúncia, de acordo
com a lei, em que ele se defendeu.
Aceita a acusação, pergunta-se se
esta é, ou não, procedente. Não é necessário especificar eventuais torpezas que ele tenha praticado, ainda
mais num caso em que se põe simplesmente em disponibilidade. Se
amanhã o Tribunal considerar (direito de graça, que ele pode ter) recuperado o juiz e o chamar à atividade, nesse caso, ficaria um homem
publicamente desmoralizado revertendo ao serviço do Poder Judiciário. Seria uma incongruência. Tenho
— honra seja feita — em alto conceito os Tribunais da República.
Como tive oportunidade de dizer
recentemente os casos, como o dos
acórdão que colocou o magistrado em disponibilidade devia ter sido
fundamentado, indicando o fato ou
os fatos em razão dos quais foi aplicada a sanção. Se assim não for feito, o apenado não poderá recorrer,
porque ingnora por que foi apenado.
A afirmação de que o julgamento é
sigiloso e, por isso, não deverá ser
fundamentado não procede. As decisões do Tribunal do Júri também são
sigilosas; entretanto, são fundamentadas, uma vez que se reportam ao
libelo, e, do libelo, emergem os quesitos nos quais se descreve o fato
com suas circunstâncias; além do
mais, o juiz fundamenta a fixação da
pena.
A garantia da vitaliciedade ficará
reduzida ao arbítrio dos Tribunais,
que poderão, a qualquer momento
sem dizer o motivo, colocar um juiz
em disponibilidade ou aposentá-lo.
Não se trata de desconfiar dos Tribunais, mas de revestir a garantia
da vitaliciedade do juiz de real e efetiva operância.
Defiro o mandado de segurança.
VOTO
Sr. Ministro Djacl Falcão: Sr.
Presidente, trata-se de processo especialissimo, em escrutínio secreto,
como previsto na Constituição, no
resguardo do próprio Poder Judiciário.
Acompanho o eminente Relator,
data venia do voto do eminente Ministro Soares Muiloz, indeferindo a
segurança.
R.T.J. — 109
autos, são hipóteses cirúrgicas que
raramente ocorrem, e sabemos que
isso é feito para preservar a austeridade do Tribunal, e não para privar
alguém das suas garantias constitucionais. A magistratura brasileira
tem um alto nível ético e esses instrumentos de autogoverno que a
Constituição deferiu têm sido usados
com moderação e critério. Confio na
magistratura, quando ela diz: não
pode continuar no nosso meio.
Acho, assim, que essas decisões
devem ser prestigiadas, para que nós
mesmos façamos a disciplina. Não é
possível — como disse — que alguns
Juízes se considerem senhores de
baraço e cutelo e busquem a publicidade, a fama e o lucro, e amanhã tenhamos que declarar isso. O Julgamento soberano dos Jurados, por
exemplo, dá a sua íntima convicção:
sim ou não; não é fundamentado. Se
isso se defere aos simples cidadãos
da República, por que não se pode,
outorgar o mesmo poder aos Tribunais mais altos da República?
Entendo válida a reforma da Constituição, que deve ser usada com serenidade, energia e discrição. Dai o
67
Julgamento secreto, a fundamentação secreta, que é da tradição até
dos povos mais cultos.
Por esses motivos, acompanho o
eminente Relator, indeferindo a segurança.
EXTRATO DA ATA
MS 20.395-RJ — Rel.: Min. Moreira
Alves. Impete.: Carlos David Santos
Aarão Reis (Adv.: Sergio Bermudes). Autoridades coatoras: Presidente da República e Tribunal Federal de Recursos.
Decisão: Indeferiu-se a segurança
contra o voto do Ministro Soares Mufoz. Votou o Presidente. Impedidos
os Ministros Aldir Passarinho e Néri
da Silveira.
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Id aci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufioz, Decio
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República, Professor Inocênclo Mártires Coelho.
Brasília, 28 de setembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
RECURSO DE RABIEM CORPUS N? 60.560 — GO
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves.
Recorrentes: Reginaldo Almeida Andrade e outro — Recorrido: Tribunal
de Justiça do Estado de Goiás.
Habeas carpes.
A falta de curador no interrogatório do réu menor não acarreta nulidade, se este teve a assitêncla de defensor por ele constituído.
Improcedência, no caso, da alegação de nulidade na fixação da
pena.
Recurso ordinário a que se nega provimento.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
Julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de
habeas corpus.
68
R.T.J. — 109
Brasília, 1? de março de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Moreira
Alves, Relatar.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Moreira Alves: De
acórdão denegatório de habeas corpus foi interposto recurso ordinário
que assim é apreciado pela Procuradoria-Geral da República em parecer do Dr. Alvaro Augusto Ribeiro
Costa (fls. 78/83):
«1. Cuida-se de impetração em
favor de pacientes que se acham
condenados a quatro anos de pena
reclusiva, como incursos no art.
213 do C. Penal.
Sustenta-se que nulo é o processo, em virtude de falta de nomeação de curadores aos réus, menores. Além disso, nula seria a
sentença condenatória, porque erroneamente fixadas as penas.
O arestro de fls. 60/63, todavia, denegando wrlt, fê-lo com base nas considerações que a respectiva ementa assim abreviou:
«1. Processo Criminal. Falta
de curador nos interrogatórios
dos réus menores, a que, no entanto, estiveram presentes advogados constituídos. Oferecimento
de defesa prévia e assistência durante a instrução, por seus advogados. Ausência de prejuízo. Nulidade rejeitada.» Precedente do
Supremo Tribunal Federal: Recurso Extraordinário criminal n?
94.952-6, de Goiás (ac. de 30-4-82,
da r Turma, Relator MM. Djaci
Falcão — DJ de 28 de maio de
1982).
2. Não é nula a sentença que,
na individualização da pena, adota o critério que manda apreciar
conjuntamente as circunstâncias
judiciais (art. 42) e as agravantes e atenuantes (arts. 44, 45 e
48).»
A nosso ver, merece confirmação o aludido julgado.
Quanto à falta de nomeação
de curadores para os réus, o acórdão esclareceu, in verbis:
«Examinando-se os autos da
ação penal, em que é vitima de
estupro a menor Maria Aparecida Martins Alves, de 14 anos, verifica-se que o acusado Reginaldo
Almeida Andrade declarou; no
interrogatório, ter a idade de 19
anos, e teve a assistência de seu
defensor e advogado Dr. Pedro
Gomes Netto (fls. 39/41). Por seu
turno, o réu Dorázio Ulisses de
Andrade, ao ser interrogado, declarou a idade de 20 anos, e indicou para defensor o Dr. Pedro
Ferreira de Azevedo, que presenciou o ato (fls. 42/44). Ambos os
defensores apresentaram defesa
prévia, com rol de testemunhas.
Durante a inquirição das testemunhas arroladas na denúncia,
fizeram reperguntas. Conseguiram ouvir 10 testemunhas de defesa. Nas alegações finais, o Dr.
Pedro Gomes Netto escreveu 17
laudas datilografadas, e o Dr.
Pedro Ferreira de Azevedo, 5
laudas. Ora, anular-se um processo, após o julgamento, sem que
nele tenha sido arguido qualquer
prejuízo e — o que é mais importante — em que os réus tiveram
ampla defesa, parece-nos um
exagerado formalismo, que não
se coaduna com o princípio assente no art. 563 do CPP.
Esta Câmara, na esteira do
Excelso Supremo Tribunal Federal, não tem guardado coerência
ao enfrentar essa questão. Há decisões nos dois sentidos, acolhendo ou não a nulidade, quando o
acusado, embora sem curador
nomeado, é assistido por defensor.
No julgamento do Recurso Extraordinário n? 94.952-6, deste Estado, de que foi relator o eminen-
R.T.J. — 109
te Ministro Djaci Falcão, a Suprema Corte manteve acórdão
desta Câmara, datado de 7-4-81,
proferido no Recurso Criminal n?
2.850, de Rio Verde, e a ementa
publicada no «Diário da Justiça»
de 28-5-82 com o seguinte teor«Processo criminal. Falta de
curador no interrogatório de
réu menor, a que, no entanto,
esteve presente advogado constituído. Oferecimento de defesa
prévia e assistência durante a
instrução por seus advogados.
Ausência de prejuízo. Nulidade
rejeitada.
«Segundo a Súmula n? 352 —
«Não é nulo o processo penal
por falta de nomeação de curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo». E
com maior razão, deverá
supri-la o defensor constituído.
O verbete da Súmula n? 352 é
abrangente da assistência de
defensor, dativo ou constituído.
Aliás, no acórdão que serviu de
base à mencionada Súmula o
paciente teve defensor constituído (RHC n? 39.640, relatado
pelo Sr. Ministro Pedro Chaves).
Recurso extraordinário a que
se nega provimento.» ( ac. de
30-4-82, da 2? Turma do STF).
Várias vezes, este Tribunal
tem decidido que, se o réu menor
contou a assistência de defensor,
não se anula o processo por falta
de nomeação de curador. (ap. cr .
n?s 5.337, 5.043, 5.350, ac. de 16-971, 10-11-70, 23-9-71, rec. cr . n?
2.850 e ac. de 7-4-81). Agora, com
maior razão, pois o Exmo. Sr.
Ministro Djaci Falcão, como relator do Recurso Extraordinário
criminal n? 94-952-6, supra-referido, tornou patente que a Súmula n? 352 resultou de um caso
em que o defensor era constituído e não dativo. Dai a conclu-
69
são lógica de que o verbete da
Súmula n? 352 é abrangente da
assistência de defensor dativo ou
constituído.»
No que tange á fixação das
penas, igualmente desmerece acolhida o pleito sob exame.
A sentença de fls. 38/44, no
particular, assim foi colocada:
«Nos autos comprovou-se que
os réus são primários e de bons
antecedentes. Consta também
que são trabalhadores. Segundo o
testemunho de diversas pessoas,
anteriormente ao crime tinham
comportamentos
exemplares.
Também, a circunstância de serem menores de vinte e um anos,
lhes são favoráveis.
Diante das ponderações acima,
entendemos, data vênia, que a
pena base, deve ser a mínima
prevista no Artigo 213 do Código
Penal. Ocorre, entretanto, que os
réus premeditaram o crime. E as
suas circunstâncias indicam que
foi cometido com intensidade de
dolo. Por outro lado, as suas conseqüências são funestas para a
vitima, a sua família e até para
a vitima, a sua família e até para a sociedade local que, por
muito tempo, sentir-se-á revoltada com tamanha monstruosidade. Assim, essa pena há de ser
aumentada para quatro anos de
reclusão que fica sendo a pena
definitiva a ser cumprida pelos
acusados, na Penitenciária do
Estado (CEPAIGO).
A vista do exposto, condenamos os réus Reitinaldo Almeida
Andrade e Dorázio Ulisses de
Andrade, cada um, ao cumprimento de pena de reclusão de
quatro (4) anos, a ser cumprida na Penitenciária Estadual
(CEPAIGO), depois de transitada esta em julgado.»
70
R.T.J. — 109
8. Acertado, dessarte, revela-se
VOTO
o aresto impugnado, quando pondeO Sr. Ministro Moreira Alves (Rera, In verbis:
«Realmente, o prolator da sen- lator): 1. No tocante à falta de curatença analisou conjuntamente as dor no interrogatório de réus menocircunstâncias judiciais e legais res, que, no entanto, tiveram a assispara fixação da pena-base. Esse tência, no ato, de seus defensores
porém, é o critério defendido por constituídos, esta Segunda Turma —
vários penalistas, entre eles Ro- e o acórdão recorrido cita o aresto
berto Lyra. Aliás, José Frede- prolatado no RE n? 94.952, relator o
rico Marques, a propósito, dá a Sr. Ministro Djaci Falcão — tem ensua opinião: «Não nos parece que tendido que, embora a súmula 352,
haja necessidade de separar as só aluda a assistência de defensor
circunstâncias judiciais das cir- dativo, não há qualquer razão para
cunstâncias legais, no juízo que o não estendê-la ao defensor constimagistrado formula ao apreciar tuído, hipótese, aliás, que ocorria no
os elementos apontados no artigo acórdão que lhe serviu de base
42.» (Curso de Direito Penal, (RHC n? 39.640). Com apoio nessa
1956, vol. III, § 143, pág. 259). Por orientação, que me afigura correta,
conseguinte, não é nula a senten- inexiste a alegada nulidade.
ça que, na individualização de
Por outro lado, no que diz respena, adota o critério que manda peito à fixação da pena, acolho as
apreciar conjuntamente as cir- ponderações do acórdão recorrido no
cunstâncias judiciais (art. 42) e sentido de que a análise conjunta
as agravantes e atenuantes (arts. das circunstâncias judiciais e legais,
44, 45 e 48).
para a fixação da pena-base, não é
E verdade que o magistrado di- causa de nulidade, sendo o certo,
vidiu o seu raciocínio em duas fa- ainda, que, no caso, «o critério do
ses: primeiro analisou os elemen- juiz, embora divorciado da técnica,
tos favoráveis, inclusive a meno- não oferece dificuldade ao entendiridade, fixando a pena no míni- mento, o seu raciocínio ficou perfeimo previsto no art. 213. Em se- tamente delineado, e a atenuante da
guida, considerando a premedita- menoridade (obrigatória) não deição (intensidade do dolo) e sérias xou de influir na penalidade imposconseqüências do crime, aumen- ta» (fls. 63). Inexiste, assim, na estou a sanção até quatro anos, que pécie, prejuízo para os réus, certo,
se tornou definitiva. Ora, o crité- como é, inclusive — Q que, aliás, o'
rio do juiz, embora divorciado da próprio acórdão recorrido acentua
técnica, não oferece dificuldade —, que «o Código não estabelece
ao entendimento, o seu raciocínio modificação quantitativa precisa paficou perfeitamente delineado, e ra as atenuantes e agravantes» (fls.
a atenuante da menoridade (obri- 63).
gatória) não deixou de influir na
Em face do exposto, nego propenalidade imposta. Convém fi- vimento
ao presente recurso.
que ressaltado que o Código não
estabelece «modificação quantiEXTRATO DA ATA
tativa precisa» para atenuante e
agravantes.»
RHC 60.560-GO — Rel.: Min. MoO parecer, em face do exposto, reira Alves. Rectes.: Reginaldo Alsugere o improvimento do recur- meida Andrade e outro (Adv.: Geralso.»
do Rodrigues Furtado). Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
E o relatório.
R.T.J. — 109
Decisão: Negado provimento. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
71
Decio Miranda e Aldir Passarinho.
Subprocurador-Geral da República,
Dr. Mauro Leite Soares.
Brasília, 1? de março de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
HABEAS CORPUS N? 60.581 — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira:
Paciente: Francisco José Martins Santos — Impetrante: o mesmo —
Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Habeas corpus. Condenado que cumpre pena de reclusão de quatorze anos, por crime de homicídio. Pretensão a freqüentar curso superior. Mandado de segurança indeferido por falta de liquidez e certeza do direito. Habeas corpus de que se conhece. Código Penal, art.
30, 6?, incisos V e VII. Freqüência a cursos, fora de prisão, compativel com os regimes semi-aberto e aberto (C. P., art. 30, 4?). Requisitos a serem satisfeitos por condenado à pena superior a oito
anos. Hipótese não comprovada. Pedido indeferido.
ACORDA°
mara Ove! do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, que lhe
Vistos, relatados e discutidos estes negou o direito de freqüentar a Faautos, acordam os Ministros da Pri- culdade de Direito da Universidade
meira Turma do Supremo Tribunal Santa Ursula — fls. 19/24 —, turno
Federal, na conformidade da ata de matinal, em acórdão assim ementajulgamentos e notas taquigráficas, à do — fls. 53:
unanimidade, indeferir o pedido de
«Ementa: Mandado de seguranhabeas corpus.
ça. Pretendido direito de preso em
Brasília, 11 de março de 1983 —
cumprimento de pena de reclusão
Soares Milhos, Presidente— Néri da
a freqüentar curso superior para o
Silveira, Relator.
qual se habilitou. Denegação da ordem. O condenado que cumpre peRELATORIO
na de reclusão não tem direito
liquido e certo à freqüência de auO Sr. Ministro Néri da Silveira
las fora da prisão se não se encon( Relator ): Trata-se de habeas
tra beneficiado pelo regime de pricorpus, impetrado, em causa prósão semi-aberta, ou aberta.»
pria, por Francisco José Martins
O paciente, em longo arrazoado,
Santos, preso e recolhido ao Instituto explica,
os
Penitenciário Vieira Ferreira Netto, motivos pormenorizadamente,
que o levaram a eleger a
Niterói-RJ, pela prática do crime de via do presente habeas corpus, ao
homicídio (art. 121, 2?, IV, do Códi- afastar a interposição do recurso exgo Penal) em que foi condenado a 14 traordinário, que ele mesmo reconheanos de reclusão (fls. 02, 20, 20 ver- ce ser cabível contra aquela decisão.
so).
É que — explica o paciente — se
Insurge-se o paciente-impetrante contados todos às prazos previstos
contra decisão proferida pela 3? a na legislação processual para inter-
72
R.T.J. — 109
posição do recurso ou recursos, somente teria chance de freqüentar a
mencionada Faculdade no 1? semestre de 1984 — fls. 4/5.
Requisitadas as informações ao
Tribunal apontado como coator,
prestou-as seu ilustre Presidente,
Desembargador Francisco Rangel
de Abreu, pelo ofício de fls. 41/42, ao
qual anexa, dentre outras peças, cópia da inicial do mandado de segurança e do acórdao nele proferido.
Esclarece o documento ( fls. 41/42):
«Em atenção ao Ofício n? 770/R, e
a fim de instruir o julgamento do
Habeas Corpus n? 60.581-8, tenho a
honra de prestar a V. Excelência
as seguintes informações:
Francisco José Martins Santos
impetra, em causa própria, habeas
corpus para esse egrégio Supremo
Tribunal Federal, para que lhe seja garantido o direito de freqüentar a Faculdade de Direito da Universidade Santa Ursula, onde está
matriculado.
O ora paciente, condenado a 14
anos de reclusão, com medida de
segurança de internação em Colônia Agrícola, Instituto de Trabalho,
de Reeducação ou Ensino Profissional por um ano, como incurso
IV, do Código
no art. 121 2?,
Penal, impetrou Mandado de Segurança, nos termos da petição que
anexo por cópia.
Requereu lhe fosse concedida,
preliminarmente, autorização para
freqüentar as aulas na referida Faculdade, o que lhe foi negado fls.
27.
Pelo acórdão de fls. 56, publicado
no Diário Oficial de 21-12-82, os
Juizes componentes da Terceira
Camara Cível deste Tribunal, por
unanimidade de votos, denegaram
a segurança. Parecer da d.
Procuradoria-Geral da Justiça de
fls. 45/46 e Relatório a fls. 50.»
Oficiando nos autos, manifesta-se
a douta Procuradoria-Geral da República, às fls. 58/59, pelo indeferimento do pedido.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Conheço do pedido, porque concerne à liberdade de ir e vir
do paciente. Este, preso desde 3-91977, pretende freqüentar o Curso de
Direito, na Universidade Santa Ursula, onde está matriculado, com inicio
das aulas a 10-8-1981. O paciente foi
condenado, a 15-5-1980, a 14 (quatorze) anos de reclusão, como incurso
no art. 121, § 2?, IV, do CP, e um ano
de medida de segurança.
Dispõe o art. 30, § 6?, V e VII, do
Código Penal, verbis:
«Art. 30. O período inicial, do
cumprimento de pena privativa da
liberdade, consiste na observação
do recluso, sujeito ou não a isolamento celular, por tempo não superior a 3 ( três) meses, com atividades que permitam completar o conhecimento de sua personalidade.
§ 6? — Deverão ser regulamentadas por lei local ou, à sua falta,
por provimento do Conselho Superior da Magistratura ou órgão
equivalente, as seguintes concessões a serem outorgadas pelo Juiz,
a requerimento do interessado, seu
cônjuge ou ascendente, ou na falta
desses, de descendente ou irmão,
ou por iniciativa de órgão para isso
competente, ou, ainda, quanto às
três primeiras, também de ofício:
V — freqüência a curso profisstonalizante, bem como de segundo
grau ou superior, fora do estabelecimento:
VII — licenças periódicas, combinadas ou não com as concessões
dos incisos IV e V deste parágrafo,
para visitar à família e ir à sua
R.T.J. igreja, bem como licença para participar de atividades que concorram para a emenda e reintegração
no convívio social, aos condenados
que estão em regime aberto e, com
menos amplitude, aos que estão
em regime semi-aberto.»
Sustenta o paciente que não lhe é
aplicável o disposto no art. 30, 5?,
verbis:
«* 5? — O condenado não perigoso, cuja pena não ultrapasse oito
anos, poderá ser recolhido a estabelecimento de regime semiaberto, desde o início, ou, se ultrapassar, após ter cumprido um terço dela em regime fechado.»
Para assim entender, o impetrante
alega que está internado em estabelecimento sujeito a regime semiaberto, instituto Penitenciário Vieira
Ferreira Netto, para o qual foi transferido. E acrescenta que se aplica,
espécie, o disposto no art. 30, 4?, do
mesmo estatuto penal, estes termos:
«. 4? — A freqüência a cursos
profissionalizantes, bem como de
instrução de segundo grau ou superior, fora da prisão, só é compatível com os regimes semiaberto e aberto.»
Sucede, porém, que essa alegação
do paciente não se comprovou nos
autos, nem foi admitida no acórdão
no mandado de segurança, onde se
assentou (fls. 53):
«O impetrante cumpre pena de
reclusão por crime de homicídio e,
nessa condição de preso, encontrase sujeito às restrições que são impostas pela legislação penal substantiva.
A sua pretensão de freqüentar
aulas e curso superior para o qual
se habilitou depende da implementação das exigências da lei penal
para que possa desfrutar de benefício somente concedido àqueles
que cumprem pena em regime de
prisão semi-aberta, ou aberta, afo-
109
73
ra as disposições regulamentares
do estabelecimento prisional onde
se encontra internado, nos termos
do artigo 32 do Código Penal Brasileiro.
A toda a evidência, como bem
sublinhado no douto Parecer da
Procuradoria-Geral da Justiça do
alegado direito líquido e certo dado
como violado pelo requerente não
pode ser avaliado pela via mandamental.»
Acolho, assim, o parecer da douta
Procuradoria-Geral da República, às
fls. 59, nestes termos:
«12. Consoante afirmação do
próprio impetrante, sua prisão
efetivou-se em 3-9-1979 ( fls. 5), não
havendo, pois, cumprido, ainda,
um terço da pena.
Há, também, nos autos, notícia
de que, a par da pena privativa de
liberdade, foi imposta ao paciente
medida de segurança detentiva
(fls. 41/42).
Mesmo que não subsistisse tal
medida, nenhuma ilegalidade decorreria da r. decisão do colendo
Tribunal de Justiça fluminenses
porque, de acordo com o artigo 30,
ff 4? e 5?, do Código Penal, a freqüência a curso superior, fora da
prisão, por condenado à pena de
reclusão superior a oito anos só é
legalmente permitida, depois de
cumprido um terço da pena, em
estabelecimento de regime fechado,
comprovada a ausência de periculosidade.»
Do exposto, indefiro o habeas em-
pes.
EXTRATO DA ATA
HC 60.581-RJ — Rel.: Min. Néri da
Silveira. Pacte.: Francisco José
Martins Santos. Impte.: O mesmo.
Coator.: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
74
R.T.J. — 109
Decisão: Indeferiu-se o pedido de
habeas corpus. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mutioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 11 de março de 1983 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 60.589 — MG
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Geraldo Alves de Almeida Filho — Recorrido: Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais.
Habeas empes. Recurso Interposto pelo Ministério Público da decisão do Júri. Tempestividade. Código de Processo Penal, art. 798. P a
b. Embora o prazo flua da sessão em que profe--rágafos1?e5lt
rida a decisão, se presente a parte (CPP, art. 798, I 5?, letra b), não
se computa no prazo o dia do começo (CPP, art. 798, I 1?). Os parágrafos 1? e 5?, do art. 798, do CPP, não se excluem, mas se completam. Realizando-se sessão do Júri a 20 de agosto de 1982, com absolvição do réu, foi tempestivo o recurso do MP a 25 do mesmo mês. Recurso desprovido.
ACORDA()
ciente pretendia fosse reconhecida a
intempestividade do recurso maniVistos, relatados e discutidos estes festado pelo Ministério Público local.
autos, acordam os Ministros da PriNo referido Tribunal, o voto condumeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de tor do acórdão expôs a espécie dos
julgamentos e notas taquigráficas, á autos e a decidiu, nestes termos ( fls.
unanimidade, negar provimento ao 28/29):
recurso de habeas corpus.
«Os advogados Ceryx Mendonça
Brasília, 3 de fevereiro de 1983 —
Brasil Atheniense e Jesus Maria de
Soares Mufloz, Presidente — Néri da
Andrade Drumond impetraram orSilveira, Relator.
dem de habeas corpus em favor de
Geraldo Alves de Almeida Filho,
RELATÓRIO
ao fundamento, em resumo, de que
o mesmo foi submetido a julgaO Sr. Ministro Néri da Silveira
mento perante o Júri em 20 de
(Relator): Reeditando os argumenagosto deste ano, e absolvido, sentos que serviram de base à impetrado que o Repr. do Ministério públição inicial, Geraldo Alves de Almeico, em data de 25 do mesmo mês,
da Filho, soldado da Polícia Militar,
interpôs à decisão absolutória o reresidente e domiciliado em Juiz de
curso de apelação, que foi recebido
Fora-MG, recorre ordinariamente a
pelo MM. Juiz, titular da 3? Vara
este Tribunal ( fls. 32/39), contra
Criminal autoridade dada como
acórdão do colendo Tribunal de Juscoatora. E que, segundo interpretiça do Estado de Minas Gerais, que,
tação e exposição procedida na
por unanimidade, negou ordem de
petição de fls. 2/8, aplicando
habeas corpus ( fls. 26), em que o paprincípios de hermenêutica, ao ca-
R.T.J. — 109
so, resulta que a Promotoria de
Justiça recorreu já depois do prazo
vencido, o que se teria dado em 24
de agosto. Assim o recebimento do
recurso importou em constrangimento ilegal feito ao paciente. Pretendem os impetrantes que, segundo o § 5?, do art. 798, do Código
de Processo Penal, o prazo recursal corre da audiência ou sessão
em que se proferir a decisão, se a
ela estiver presente a parte; logo,
proferido o veredito do Júri em 20
de agosto, o prazo venceu em 24 de
agosto.
Confirma o MM. Juiz que o paciente foi submetido a julgamento
perante o Júri, pela terceira vez,
no dia 20 de agosto deste ano e que
de sua decisão apelou o representante do MP em 25 desse mês, às
15,45h.
Em brevíssimo parecer, a Procuradoria-Geral da Justiça entende o recurso oferecido em tempo,
pelo que a matéria não merece
maiores estudos.
Realmente, por mais que mereçam admiração os ilustres patronos do paciente, e por mais brilhantes seus argumentos, certo é
que o art. 798 do C. P. Penal, já no
parágrafo primeiro, impôs como
norma inafastável que «não se
computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento».
Assim, nem há que se apegar ao
parágrafo quinto do mesmo artigo
de lei.
Acontece que o ilustre e culto advogado que fez uso da tribuna
acentuou a questão dos recursos,
quando a matéria de mérito já servira de fundamento a recurso anterior — contudo essa matéria não
foi objeto de documentação plena
nos autos.
Em seguida, contudo, o douto advogado reiterou as alegações sobre
a tempestividade do recurso.
75
Com vênia, não entendo que o
parágrafo quinto do art. 798, do
C.P. Penal, corresponda a exceção
à regra estatuída no caput do dispositivo e no seu parágrafo primeiro. NãO discuto o aspecto da peremptoriedade dos prazos. Mas tenho que o prazo se rege nos termos
do § 1?, citado, e o prazo venceu no
dia 25 de agosto — dia da interposição do recurso do M. Público.
Com esse entendimento denego a
ordem».
As fls. 60/63, opinou a douta Procuradoria-Geral da República no
sentido do não provimento do recurso.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator ): Realizou-se a sessão do
Júri a 20 de agosto de 1982. Absolvido o réu, o MP recorreu a 25 do mesmo mês.
Correto o acórdão, ao desacolher a
alegação do paciente de intempestividade do apelo ministerial. Não há,
assim, qualquer constrangimento ilegal, em face do recebimento do recurso pelo magistrado de primeiro
grau, único fundamento da impetração.
Bem anotou, em torno da controvérsia, o parecer da Ilustrada Procuradora da República, Dra. Haydevalda Aparecida Sampaio, com a
aprovação do Subprocurador-Geral
Francisco de Assis Toledo (fls. 62),
verbis:
«3. Sem dúvida, o artigo 798,
5?, letra b, do Código de Processo
Penal, estabelece que, salvo os casos expressos, os prazos correrão
da audiência ou sessão em que for
proferida a decisão, se a ela estiver presente a parte.
4. Todavia, nos termos do § 1?,
do mesmo artigo, não se computa-
R.T.J. — 109
76
rá no prazo o dia do começo,
incluindo-se, porém, o do vencimento.
Data venia, ao contrário do
que afirmou o recorrente, tais regras não se excluem, mas se completam.
Assim, embora o prazo comece a correr da audiência ou sessão
em que foi proferida a decisão, não
se computa o dia do começo.
7. Tendo a decisão sido prolatada no dia 20 de agosto deste ano
quando o paciente foi submetido a
julgamento perante o Tribunal do
Júri, tempestivo é o recurso interposto pelo Ministério Público no último dia do quinqüidio legal — 25
de agosto — visto não se computar
o dia do início».
Do exposto, nego provimento ao
recurso.
EXTRATO DA ATA
RI-1C 60.589-MG — Rel.: Min. Néri
da Silveira. Recte:: Geraldo Alves de
Almeida Filho. ( Advs.: Ceryx Mendonça Brasil Atheniense e Jesus Maria de Andrade Drumond ). Recdo.:
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Decisão: Negou-se provimento ao recurso de Habeas corpos.
Decisão unanime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes á Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 3 de fevereiro de 1983 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
HABEAS CORPUS N? 60.622 — RS
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Paciente: Oscar Cândido da Silva — Impetrante: Wilson Ogata — Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Habeas empes. Alegação de excesso de prazo da prisão provisória. Paciente processado, como incurso no art. 121, 2?, item I, do Código Penal, preso em flagrante, condenado pelo Tribunal do Júri, sendo o julgamento anulado por deficiência na formulação dos quesitos.
Anulado o julgamento, opera a decisão de pronúncia, que, na conformidade do art. 408, 1?, do CPP, legitima a permanência do réu, na
prisão, até ser, de novo, julgado. No caso concreto, as informações esclarecem que o novo julgamento pelo júri ocorreria no mesmo mês
em que prestadas. Pedido denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de
julgamentos e notas taquigráficas, à
unanimidade, indeferir o pedido de
Habeas Corpus.
Brasília, 15 de março de 1983 —
Soares Mufloz, Presidente — Néri da
Silveira, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Trata-se de ordem de
habeas corpus impetrada pelo advo-
R.T.J. — 109
gado Wilson Ogata, mediante o telex
de fls. 02, em que indicando como
coator o colendo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul,
pleiteia que o paciente Oscar Cândido da Silva, preso a 18-4-1981, como
incurso nas sanções do art. 121, § 2?,
item I, do Código Penal, aguarde o
julgamento em liberdade, sustentando excesso de prazo na prisão do
acusado.
Prestando as informações solicitadas, o ilustre Vice-Presidente do Tribunal de Justiça gaúcho, Desembargador Bonorino Buttelli, expôs a situação do processo-crime a que responde o réu, nestes termos (fls.
9/11):
«1. Trata-se de processo oriundo de Sapucaia do Sul, em que são
réus o ora paciente e seu irmão
Lauro Pedroso da Silva, por infração dos arts. 121, § 2?, I (motivo
torpe, vingança), em co-autoria,
contra João Paes Maciel e tentativa idêntica contra Valter Paes
Macia irmão deste.
O fato ocorreu em 18 de abril
de 1981, mais ou menos às 19h
30min, na rua 1? de Maio, próximo
ao prédio n? 938, em Vila Nova Sapucaia. Nessa oportunidade, os irmãos réus encontraram-se com as
vitimas e se tramaram em luta.
O paciente açhava-se armado
com uma pistola (garrucha), calibre 32 e uma faca de 29 cm de lâmina. Seu companheiro e irmão,
Lauro Pedroso, manejava um facão de 34 cm.
4. Consta que o motivo foi vingança, eis que João, que acabou
assassinado, fora empregado de
Oscar e por ele teria sido esbofeteado, numa parada de ônibus, pelo fato de lhe reclamar o pagamento de pequenos serviços realizados.
Mais tarde, teria a vitima concordado em servir de testemunha numa ação trabalhista contra o mesmo.
77
Houve flagrante, que foi homologado, e expressamente mantida a prisão dos réus.
A denúncia, classificando o
delito como homicídio qualificado,
consumado e tentado, foi aceita pela pronúncia que, por sua vez, foi
mantida por acórdão da egrégia 3?
Câmara Criminal deste Tribunal.
Submetidos a julgamento, entenderam os jurados de os condenar como requerido pelo Ministério
Público — homicídio qualificado. E
o magistrado, atendendo às variáveis do art. 42, lhes graduou as penas em 14 anos e 2 meses de reclusão, para o paciente, e 14 anos para Lauro.
Inconformados, apelaram. E,
ainda, a mesma 3? Câmara Criminal entendeu de anular o julgamento por extrema deficiência de quesitos (quesitos complexos, construídos na forma negativa, quesitos de autoria singular, quando se
trata de co-autoria, etc.).
Em várias ocasiões têm os
réus solicitado revogação de prisão, liberdade provisória, etc.. E
sempre lhes tem sido negado. Em
8 de maio de 1981; na pronúncia;
em 8 de julho de 1981; no acórdão
da 3? Câmara Criminal, que manteve a pronúncia. E agora, anulado
o julgamento, permaneceu a pronúncia, que garantiu a prisão.
O paciente, efetivamente,
acha-se preso desde a noite do fato, isto é, 18-4-81, quando foi encontrado na «boate do Elo». Deverá
ser novamente julgado na primeira
reunião do Tribunal do Júri do corrente ano, aprazada para março
vindouro.
11. Em complementação, informo-lhe a respeito das datas:
7-5-81 — recebimento da denúncia;
8-6-81 — pronúncia;
78
R.T.J. — 109
1-10-81 — manutenção da julgamento desfavorável anterior,
pronúncia pela 3? Câmara Crimi- não menos exato é que, até a sentennal;
ça de pronúncia, a 8-6-1981, inocorexcesso de prazo na prisão pro30-3-82 — julgamento pelo reu
visória
do acusado. O espaço de temTribunal do Júri;
po, a seguir, até o julgamento, de2-9-82 — entrada da apela- correu do apelo que a defesa Interção na Câmara;
pôs, sem sucesso, contra a pronúncia. Condenado, a apelação haveria
27-9-82 — parecer do Minis- de
processar-se, mantida a prisão, já
tério Público e
agora em face do veredito do Tribug) 2-12-82 — julgamento da nal do Júri. Anulado o julgamento,
apelação, anulando o Júri.
opera a decisão de pronúncia, que,
No momento, a última decisão na conformidade do art. 408, § I?, do
aguarda a confecção datilográfica CPP, legitima a permanência do réu
do acórdão já lavrado, para ser pu- na prisão, até ser julgado.
blicada.»
Vê-se, dessa maneira, que não há
ilegalidade na custódia do paciente,
Oficiando nos autos, opinou a dou- embora
o lapso de tempo já decorrita Procuradoria-Geral da República, do, a contar
de 18-4-1981. Releva noàs fls. 13/16, pelo não conhecimento tar, outrossim,
que as informações
do pedido ou, se conhecido, pelo seu esclarecem
terem sido, invariaveldesprovimento.
mente, denegadas, em ambas as insE o relatório.
tâncias, as súplicas de liberdade provisória e revogação da prisão dos
VOTO
acusados.
Não há, portanto, a esta altura,
O Sr. Ministro Néri da Silveira
se anuncia o novo julgamen(Relator): Preso a 18-4-1981, recebi- quando
to
do
paciente
co-réu, pelo Trida a denúncia a 7 do mês seguinte, bunal do Júri, enoseu
mês em curso, rafoi pronunciado o paciente a 8-6-1981. zão de direito suficiente
a justificar
Recorreu da sentença de pronúncia, a concessão da ordem, a fim
de ser o
sem êxito, consoante julgamento da
posto em liberdade e, nessa
Corte estadual a 1-10-1981. Mantida, paciente
aguardar o veredito popuAssim, a decisão de pronúncia e sub- situação,
lar.
metido o paciente a julgamento,
Indefiro, dessarte, o habeas corcondenou-o o Tribunal do Júri, a 30- pus.
3-1982, sendo a pena fixada em 14
anos e 2 meses de reclusão, por hoEXTRATO DA ATA
micídio qualificado, e o co-réu, seu
HC 60.622-RS — Rel.: MM. Néri da
irmão, a 14 anos de reclusão. Apelaram, sendo anulado o julgamento, Silveira. Pacte.: Oscar Candido da
por deficiência de quesitos, a 2-12- Silva. Impte.: Wilson Ogata. Coator.:
1982, pelo Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça do Estado do Rio
informando-se que o novo julgamen- Grande do Sul.
to deverá ocorrer na primeira reuDecisão: Indeferiu-se o pedido de
nião do Tribunal do Júri da Comarca habeas corpus. Decisão unânime.
de Sapucaia do Sul, no mês em curPresidência do Senhor Ministro
so.
Soares Mutioz. Presentes à Sessão os
Se é certo que longa é a duração Senhores Ministros, Néri da Silveira,
da custódia do paciente, sem estar Alfredo Buzaid e Oscar Corrêa. Aucondenado, em face da anulação do sente, justificadamente, o Senhor
R.T.J. — 109
Ministro Rafael Mayer. Subprocura-
dor-Geral da República, Dr. Francis- co de Assis Toledo.
79
Brasília, 15 de março de 1983 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
RECURSO DE HABEAS CORPUS R? 60.952 — MG
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Recorrente: Rudson Lopes — Recorrido: Tribunal de Alçada do Estado
de Minas Gerais.
Direito penal. Espancamento de preso por policial militar.
Processo e Julgamento do delito de abuso de autoridade pela Justiça
comum, ainda que praticado por policial militar no exercício da função administrativa civil.
Processo penal. Se o quantum da pena comporta, em
principio, o favor legal da suspensão condicional, deve o Juiz
pronunciar-se sobre a sua concessão, observados os pressupostos legais.
3. Provimento em parte do recurso de habeas corpus.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
Julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
dar provimento parcial do recurso
de habeas corpus.
Brasília, 10 de junho de 1983 —
Soares Mutioz, Presidente — Alfredo
Buzaid, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid:
Rudson Lopes, por seus advogados
Dilson Leite de Carvalho e outros,
impetrou ordem de habeas corpos,
perante o Eg. Tribunal de Alçada do
Estado de Minas Gerais, contra decisão do MM. Juiz de Direito da comarca de Carlos Chagas, que o condenou por crime de abuso de autoridade, previsto na Lei n? 4.898, de 9
de dezembro de 1965. Alegou a inépcia da denúncia e da representação,
a autoria não positivada, a incompe-
ténia da Justiça comum para o
processo e Julgamento e, por fim,
ausência de fundamentação da sentença, inclusive quanto à suspensão
condicional da pena.
O Tribunal a quo, por sua Primeira Câmara Criminal, denegou a ordem: irresignado, recorreu, com fundamento no artigo 119, II, c, da
Constituição da República.
Ouvida a douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do ilustre Procurador Alvaro Augusto Ribeiro da Costa, aprovado pe-
lo eminente Professor Francisco de
Assis Toledo, assim se manifestou,
verbis:
Cuida-se de pedido de anulação do processo em que o paciente
foi condenado pela prática de abuso de autoridade.
Como fundamentos da impetração, alegou-se: a) inépcia da denúncia e da representação; b ) autoria não comprovada; c) incom petência da Justiça comum: d) ausência de fundamentação da Sentença, inclusive quanto ao sumis.
84)
R.T.J. — 109
Denegado o pedido, veio a
ser tempestivamente oposto recurso denominado de extraordinário
( v. fls. 75).
Merece conhecimento o recurso, como ordinário, porque tempestivo e amparado pelo art. 119,
II, c, da vigente Lei Maior, c/c o
art. 579 do Código de Processo Penal.
No mérito, não assiste razão
ao recorrente, quanto à argüida incompetência da Justiça comum.
O acórdão recorrido, no particular, louvou-se na jurisprudência da Suprema Corte, segundo a
qual
«O processo e julgamento de
delito de abuso de autoridade,
previsto apenas na lei penal comum, compete à Justiça comum,
ainda que praticado por policial
militar no exercício da função
administrativa civil» (Conflito de
Jurisdição n? 6.351, in DJ 14-5-82,
pág. 4.566).
7. Por outro lado, não se mostra
inepta a denúncia de fls. 9/10, que
satisfaz as exigências do art. 41 do
CPP, assim descrevendo os fatos
geradores da ação penal:
«Na madrugada de 12 de dezembro do ano em curso, por volta das 2:00 horas, no bar de propriedade do Sr. João Gomes dos
Santos, localizado à rua São Paulo n? 580, nesta cidade, encontrava-se a vitima Eduardo Pego
dos Santos que tomava conta do
referido estabelecimento.
A vítima fechou o bar e dirigiuse para a residência de um colega, próxima ao dito estabelecimento, onde costumava dormir.
Quando, porém, tentava abrir a
porta de casa, a vítima fora surpreendida pelo denunciado que,
saltando de um veiculo marca
Fiat, cor azul-claro, se investiu
contra a mesma, agarrando-o pe-
lo braço, ameaçando-a: «não corre não; se você correr, te corto
na bala». Ato continuo, empurrou-a para o interior do veículo e
seguiu em direção à cadela, onde, sem nenhum motivo justo
trancafiou a vítima, e como se
não bastasse tamanho abuso, foi
mais além, isto é, espancou-a,
ocasionando-lhe as lesões descritas no a.c.d. incluso».
Outrossim, igualmente válida
é a representação de fls. 11, sendo
de notar-se que até mesmo sua ausência, se verificada, não comprometeria a atuação do Ministério
Público, diante dos termos do art.
1? da Lei n? 5.249, de 9-2-67, que expressamente dispôs não ser a falta
de representação do ofendido, nos
casos de abuso de autoridade (Lei
n? 4.898/65), óbice à iniciativa da
ação pública.
Quanto à negativa de autoria,
argüida na impetração, cuida-se de
tema que, por envolver o reexame,
em profundidade, de todos os fatos
e circunstancias levadas em conta
pela sentença de fls. 30/31, não se
comporta no âmbito do habeas
corpus.
No que concerne à alegada
ausência de fundamentação da
sentença, o impetrante somente
tem razão quanto ao sursis, pois
não se cumpriu o disposto no art.
697 do C. Pr. Penal.
Por esse motivo — e considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal sobre a matéria ( v.,
para exemplos, as RTJ's n?s
50/848, 61/669 e 94/149) — somos
pelo parcial provimento do recurso, a fim de que seja suprida, no
juízo de primeiro grau, a omissão
concernente ao benefício do sumis»
( fls. 88/90).
E o relatório.
R.T.J. — 109
81
decidido aqui, sendo Relator o eminente Ministro Rafael Mayer, assim
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Re- ementado:
lator): O recorrente foi condenado
«Crime de abuso de autoridade.
pela prática do crime do art. 3?, da
Policial
militar no exercício de poLei n? 4.898/65, por haver espancado
liciamento civil. Competência. Lei
um preso, procedendo, assim, com
n? 4.898/65, art. 4?, a e b. O procesabuso de autoridade. Na r. sentença
so e julgamento de delito de abuso
de 1? grau foi fixada pena de detende autoridade, previsto apenas na
ção de 3 meses, além de pena aceslei penal comum, compete à Justisória de inabilitação temporária paça comum, ainda que praticado
ra ocupar funções públicas. Não foi
por policial militar no exercício da
feita referência sobre a suspensão
função administrativa civil. Conflicondicional da pena.
to de jurisdição conhecido para declarar competente a Justiça CoDo primeiro fundamento da impemum» (RTJ 102/20).
tração e reafirmado nas razões deste
recurso, pode dizer-se que a denúnPor derradeiro, assiste razão ao
cia atende aos ditames do art. 41 do recorrente quanto à parte da r. senCódigo de Processo Penal, pois ali tença, que não se referiu à concesestão presentes todos os requisitos são do sursis, por não ter cumprido o
que informam a referida peça. Por disposto no art. 697 do Código de
outro lado, consoante foi assinalado Processo Penal. A jurisprudência
no parecer supra, a falta ou a Inép- deste Supremo Tribunal Federal, cocia da representação, exigida pelo mo faz certo o seguinte aresto, de
art. 1?, da Lei n? 4.898/65, não com- que foi Relator o eminente Ministro
prometeria a atuação do Ministério Xavier de Albuquerque, assentou,
Público, como dominus Mis, porque como se vê da seguinte ementa:
a Lei n? 5.249, de 9 de fevereiro de
«Suspensão condicional da pena.
1967, em seu art. 1?, dispõe não ser
Se
o quantum da reprimenda comóbice à instauração da ação penal a
porta, em principio, o favor legal,
falta de representação do ofendido
deve o juiz pronunciar-se sobre sua
ou da vítima de abuso de autoridade.
concessão à luz dos pressupostos
do art. 57 do Código Penal. RecurPor outro lado, a verificação da
so
de habeas corpus parcialmente
autoria, que o recorrente diz não esprovido»
(RTJ 94/149).
tar comprovada, importa em reexaAnte o exposto, conheço em parte
me da prova dos fatos, que é vedada
no estreito âmbito do habeas corpus, e nesta parte dou provimento ao reconsoante reiterada jurisprudência curso, a fim de que o MM. Juiz de
desta Eg. Corte (RHC n? 59.709-2-RJ Direito supra a omissão com relação
— DJ de 26 de março de 1982, pág. ao benefício da suspensão condicional da pena.
2.563).
R o meu voto.
Ainda, com relação à incompetência da justiça comum para julgar o
EXTRATO DA ATA
recorrente, por ser policial militar,
vale ressaltar que a jurisprudência
RHC 60.952-MG — Rel.: Min. Alfredesta Colenda Corte se orienta no do Buzaid. Recte.: Rudson Lopes.
mesmo sentido do v. acórdão recor- (Advs.: Dilson Leite de Carvalho e
rido, como se pode ver através do outros). Recdo • Tribunal de Alçada
Conflito de Jurisdição n? 6.351-MG., do Estado de Mings Gerais.
VOTO
82
R.T.J. — 109
Decisão: Deu-se provimento em
parte ao recurso de habeas corpus.
Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. João Boabaid de
Oliveira Itapary.
Brasília, 10 de junho de 1983 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
HABEAS CORPUS N? 61.004 — DF
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves.
Paciente: Wilson Sichieri — Coator: Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Habeas corpus. Prisão civil. Depositário tido como Infiel no Juizo
cível.
— E ao Juizo civel que Cabe, em face das provas constantes dos
autos da ação própria, decidir se houve, ou não, depósito, e se o depositário foi, ou não, infiel. Tais decisões, evidentemente, não podem ser
reexaminadas em habeas corpus.
— Ora, no caso, admitida, no juízo competente, a qualidade de
depositário infiel, não há Ilegalidade na decretação da prisão civil,
que a qualquer instante, pode ser ilidida pela devolução da coisa depositada ou do equivalente em dinheiro.
Habeas corpus indeferido.
ACORDA()
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 30 de agosto de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Moreira
Alves, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Em
favor do ora paciente foi impetrado
habeas corpus, sob o fundamento de
que, não sendo ele depositário de 28
vacas arrestadas, por falta de sua
assinatura e compromisso no auto do
arresto, é ilegal o decreto de prisão
civil que contra ele foi expedido em
virtude de decisão do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal.
Prestadas informações a fls. 49 e
seguintes, assim se manifestou a
Procuradoria-Geral da República,
em parecer do Dr. Francisco de Assis Toledo (fls. 175/176):
«1. Cuida-se de impetração que
sustenta ser ilegal o constrangimento infligido ao paciente através
de decreto de prisão civil, considerado que foi depositário infiel.
2. Alega o impetrante não ser o
paciente depositário, de vez que
não firmou o auto de arresto via do
qual se lhe atribuiu essa condição.
Além disso, afirma-se ainda o descabimento da coação em face da
impossibilidade — já reconhecida
judicialmente — da restituição dos
animais depositados.
R.T.J. — 109
Não se afigura procedente,
todavia, a negativa da condição de
depositário.
No particular, o acórdão de
fls. 168/173 observou, com acerto,
que a simples falta de assinatura e
de compromisso no auto de arresto
( v. fls. 35) não poderia elidir a responsabilidade do paciente, que foi
nomeado depositário (v. fls. 18/20),
teve o gado recebido por preposto
seu em sua fazenda e dela o transferiu para outra, não tendo negado,
em nenhum momento, a posse dos
animais recebidos.
Por outro lado, admitida pelo
acórdão a condição de depositário
infiel, cabível era a decretação da
prisão, «em face de oferta de pagamento do gado muito aquém do seu
real valor» ( fls. 172). Ora, o que se
tem admitido como capaz de elidir
a prisão é a devolução da coisa ou
do equivalente em dinheiro. Não se
dispondo o paciente a fazer qualquer dessas hipóteses, submete-se
ao ato de constrição que lhe foi imposto.
O mais constitui matéria de mérito decidida na ação civel, irrevisível no âmbito do habeas corpus.
Pela denegação da ordem, é o
parecer.»
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. E ao juizo civel que cabe,
em face das provas constantes dos
autos da ação própria, decidir se
houve, ou não, depósito, e se o depositário foi, ou não, infiel. Tais decisões, evidentemente, não podem ser
reexaminadas em habeas corpos.
2. Ora, no caso, admitida, no
juizo competente, a qualidade de depositário infiel, não há ilegalidade na
decretação da prisão civil, que, a
83
qualquer instante, pode ser elidida
pela devolução da coisa depositada
ou do equivalente em dinheiro.
3. Em face do exposto, e não havendo ilegalidade da decretação da
prisão em causa, acolho o parecer
da Procuradoria-Geral da República, e indefiro o presente habeas
corpus.
VOTO (PRELIMINAR)
O Sr. Ministro Aldir Passarinho:
Sr. Presidente, acompanho o voto do
eminente Relator, por falta de prequestionamento de vários dos artigos
mencionados como malferidos ou cuja vigência teria sido negada, exceto
com relação ao art. 330 do Código de
Processo Civil, em parte, posto que,
neste ponto, o eminente Relator mostra que não haveria por que a exigência da perícia, não podendo o recorrente, no caso, exigi-la.
Na inicial, pleiteia-se por todas as
provas permitidas, indicando, especificamente, a perícia. O MM. Juiz,
segundo a forma habitual, pediria a
especificação de provas, ou, então,
deveria indicar aquelas que achasse
necessárias para o esclarecimento
da questão. O que se verifica, entretanto, na hipótese, ante a análise feita pelo ilustre Ministro Moreira Alves, Relator, quanto ao art. 330 do
Código de Processo Civil, é que o
MM. Juiz naturalmente entendeu
que ela era desnecessária, interpretação essa julgada aceitável por S.
Exa.
EXTRATO DA ATA
HC 61.004-DF — Rel.: Min. Moreira Alves. Pacte.: Wilson Sichieri
(Advs.: Flamarion Daia, Jesse Alexandre Burns). Coator: Tribunal de
Justiça do Distrito Federal.
84
R.T.J. — 109
Decisão: Indeferido o pedido, à
unanimidade de votos. Falou pelo
Pacte.: o Dr. Jesse Alexandre Burns.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 30 de agosto de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.099 — RS
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Recorrente: Juarez Nunes Ubatuba — Recorrido: Tribunal de Alçada do
Estado do Rio Grande do Sul.
Habeas corpus. Primeira denúncia declarada inválida. Nova
denúncia do Ministério Público sem qualquer circunstância nova.
Narrativa de fato que não configura crime de estelionato.
3. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal.
ACORDA°
«Trata-se de Habeas Corpus preventivo visando o trancamento da
ação penal, em última análise ou
Vistos, relatados e discutidos estes
porque o fato narrado evidenteautos, acordam os Ministros da Primente não constitui crime ou pormeira Turma do Supremo Tribunal
que o próprio fato apurado tamFederal, na conformidade da ata do
bém indubitavelmente não configuJulgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
ra infração penal.
dar provimento ao recurso de haSem razão o nobre impetrante,
beas corpus.
pois, a narrativa da nova denúncia
Brasília, 9 de agosto de 1983 —
oferecida contra o paciente, em
Soares Mutioz, Presidente — Alfredo
virtude de anulação da anterior,
Buzaid, Relator.
por esta Câmara, se ajusta à descrição típica do estelionato (ver
RELATORIO
fls. 7), não havendo de outro lado,
nas peças de informação, elementos suficientemente claros de que o
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: O
que houve foi um mero ilícito civil.
bacharel Marco Antônio Miranda
Guimarães impetra, perante o Eg.
Nestas condições, não incidindo o
Tribunal de Alçada do Estado do Rio
art. 43, inc. I, do CPP, satisfeitos
Grande do Sul, ordem de habeas
os pressupostos processuais e as
corpus, em favor de Juarez Nunes
condições da ação, inadmissível o
Ubatuba, alegando que a denúncia
( fls.
pretendido trancamento» do Ministério Público expõe fatos
59/60).
inexistentes ou que os mesmos são
atípicos.
Inconformado, recorreu o impeA Eg. Segunda Cãmara Criminal trante para este Colendo Tribunal,
do Tribunal de Alçada denegou a or- consoante art. 310 do Regimento Indem, nestes termos:
terno.
R.T.J. — 109
Ouvida a douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da
lavra do ilustre procurador Cláudio
Lemos Fontelles, aprovado pelo eminente Professor Francisco de Assis
Toledo, DD. Subprocurador-Geral,
assim se manifestou, verbis:
«1. O Dr. Marco Antônio Miranda Guimarães considera que a nova denúncia, ajuizada contra Juarez Nunes Ubatuba, em nada discrepou da primeira acusação formulada, e rejeitada em pronunciamento recursal da 2? instância, ao
entendimento de que «o fato narrado não constitui crime» (vide:
acórdão a fls. 39).
Indeferida a postulação, fazse o recurso.
Aderimos às razões de Juarez Ubatuba.
Ora, a primeira denúncia
invalidada assim narrou o evento,
verbis:
«Em dois de julho de 1980, em
horário comercial, na Rua Dr.
Timóteo, n? 777, nesta cidade, o
denunciado, proprietário da firma Kopi Empreendimentos Imobiliários Ltda., contratou com
Gilceu Fragoso Majeswki a construção de uma casa, conforme
documentos anexos, pela importância de Cr$ 90.000,00 (noventa
mil cruzeiros), recebendo para
tanto, em oito de julho do mesmo
ano, conforme recibo apenso, a
importância de Cr$ 45.000,00
(quarenta e cinco mil cruzeiros)
em adiantamento. Findo o prazo
contratual o denunciado nada
cumpriu daquilo que se havia
obrigado nem devolveu o dinheiro recebido, apesar de muitas vezes solicitado a assim fazer».
Com vista dos autos à ciência
do julgado que desconstituira a peça acusatória, o Dr. Promotor Público «para não pedir diretamente
85
o arquivamento deste feito» — fls.
40 — sugeriu o envio dos autos à
Chefia do parquet, pois, verbis:
«Juarez Nunes Ubatuba, na
conformidade dos elementos contidos no inquérito que embalaram a denúncia, praticou um fato tal e qual o descrito na peça
vestibular anulada, nada mais
havendo a acrescentar ou diminuir.» (Vide fls. 40, grifamos).
Como a Procuradoria-Geral
da Justiça se decidisse pelo retorno dos autos à Promotoria local a
pronunciamento conclusivo (fls.
44), surge então nova denúncia,
com o seguinte acréscimo, verbis:
«O denunciado recebeu, ainda,
uma promissória firmada pela
vitima que deveria ser cobrada
quanto da entrega do imóvel, devidamente construído nas condições contratuais.
O denunciado logrou induzir a
vítima em erro usando o artificio
de solicitar preço muito reduzido,
bem como prazo exíguo, para a
construção do imóvel a qual, pelas suas dimensões e características, sabia não ser possível
executar, bem como não ter ele
(denunciado) suporte material
para tanto». (Vide fls. 7).
Mas este adendo traz circunstância nova?
Cremos que não.
O recebimento da promissória está na razão do pactuado e, de
per se, não configura o artificio delituoso, obviamente.
10. Quanto a dizer-se do preço
muito reduzido; do prazo exígto; e
da impossibilidade de execução do
oferecido pelas dimensões e características da obra, tais situações,
também amplamente avaliadas pelo proprietário, dito lesado, não se
poderia constituir em artificio
criminoso. Não cumprido o aven-
86
R.T.J. — 109
çado, resta a pura inadimplência
contratual, com efeitos restritos ao
âmbito da jurisdição cível.
Por outra perspectiva, o objeto do contrato não autoriza a conclusão, firmada na opinlo delicti,
do distanciamento entre o preço e
a extensão do que construído deveria ser, pois em julho de 1980, por
Cr$ 90.000,00 fez-se a proposta de
construção de uma pequeníssima
casa pré-fabricada de 33,48 m2
(vide contrato a fls. 13).
Por não se ter alterado o
quadro da postulação primeira, como nela descrito, com a nova denúncia ajuizada, e uma vez eliminada aquela pelo reconhecimento
judicial da atipicidade criminal do
narrado, perduram os efeitos dessa
decisão à realidade que se repetiu.
13. Somos pelo provimento do
recurso» (fls. 78/81).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Relator): A denúncia imputa ao paciente a prática de um crime de estelionato, consubstanciado no art. 171 do
Código Penal. Diz que tratou com
terceiro a construção de uma casa
de madeira, tendo recebido metade
do pagamento avençado, mas que
sequer iniciou os trabalhos. A acusação imputa como dolosa a conduta
do recorrente por haver estipulado
preço mínimo para o serviço contratado, sendo que esse artifico levou a
vitima a aceitar a proposta, caindo,
assim, em erro, do que obteve aquele a vantagem indevida.
Conquanto seja corrente na jurisprudência desta Eg. Corte que no
habeas corpus é defeso o exame
aprofundado da prova (HC n? 59.9346-RS — DJ de 13-8-82, pág. 7.586), na
espécie não se pode deixar de fazer
pelo menos um exame perfunctório
dos elementos vindos para os autos,
embora isso não importe diretamente no exame da prova.
recorrente foi denunciado duas
vezes pelo mesmo fato, em ocasiões
diferentes pois a primeira denúncia
foi julgada inepta em grau de recurso, depois de condenado em primeiro
grau. Com a volta dos autos à comarca de origem, não ofereceu o órgão do Ministério Público outra denúncia, quiçá por já antever a inexistência de crime ou porque os elementos indiciários não mostravam
uma figura típica, capaz de ensejar
a persecutio criminis por estelionato.
Pediu, em conseqüência, a remessa
dos autos ao Procurador-Geral da
Justiça, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal. Os autos foram devolvidos, com cota daquela
autoridade, «para que o Dr. Promotor se manifeste fundamentadamente sobre o arquivamento do inquérito
de acordo com o referido no art. 28
do Código de Processo Penal, ou ofereça denúncia, se entender que novos elementos surgiram além do
apurado no IP» (fls. 44).
Sem esses «novos elementos», o
Dr. Promotor local ofereceu a segunda denúncia, estando o recorrente,
por isso, sendo processado.
Dessarte vê-se, de antemão, que
os elementos dos autos não fornecem
um quadro nítido de existência de
pressupostos válidos à persecutio
criminis, constituindo esta, já instaurada, coação ilegal.
Ante o exposto, dou provimento ao
recurso, a fim de trancar a ação penal intentada contra Juarez Nunes
Ubatuba.
o meu voto.
VOTO
Sr. Ministro Rafael Mayer: Sr.
Presidente, estou de acordo com o
eminente Relator, por outro fundamento.
R.T.J. — 109
Estabelecer-se se há ilícito civil ou
Ilícito criminal, se há, ou não, dolo, é
uma indagação, em profundidade,
que dificilmente se poderia resolver
no âmbito do habeas corpus. Repetida a denúncia que foi tida por inepta, ela continua inepta.
Assim, dou provimento ao recurso.
EXTRATO DA ATA
RHC 61.099-RS — Rel.: Min. Alfredo Buzaid. Recte.: Juarez Nunes
Ubatuba. (Adv.: Marco Antonio Miranda Guimarães). Recdo.: Tribunal
de Alçada do Estado do Rio Grande
do Sul.
87
Decisão: Deu-se provimento ao recurso de habeas corpus. Decisão
unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 9 de agosto de 1983 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
RECURSO DE RAMAS CORPUS N? 61.109 — MG
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves.
Recorrente: Mathias Enéas Mescolin — Recorrido: Tribunal de Alçada
do Estado de Minas Gerais.
nal.
Habeas corpus. Interpretação do artigo 171, ii C, II, do Código Pe-
O citado dispositivo não contempla a hipótese de promitente
comprador que não registra sua promessa, e, por isso, não pode opti-la
ao que, posteriormente, recebeu de promitente vendedor o mesmo
imóvel alienationis causa ou em garantia e registrou o instrumento
em que se consubstanciou esse segundo negócio Jurídico.
Possibilidade, porém, de o fato, em face de circunstâncias
ocorrentes no caso, mas não descritas na denúncia em causa, vir a
constituir crime previsto em outro dispositivo penal.
Recurso ordinário provido em parte, para declarar inepta a denúncia.
ACORDA()
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, prover o recurso nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 2 de setembro de 1983 —
Optei Falcão, Presidente — Moreira
Alves, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Moreira Alves: E
este o teor do acórdão recorrido (fls.
71/79):
«O Sr. Juiz-Presidente: «Encontrase inscrito para falar pelo paciente
Dr. Sidney F. Safe Silveira, a
quem tenho a honra de dar a palavra neste instante.» (O advogado
proferiu a sustentação oral).
O Sr. Juiz Guimarães Mendonça:
«Ouvi, atentamente, a sustentação
88
R.T.J. — 109
oral feita da tribuna, pelo ilustre
Dr. Sidney Safe Silveira, e, tenho
voto escrito, onde analiso todos os
aspectos por ele abordados da tribuna. Passo a proferi-lo, neste instante:
Os Drs. Nilo Batista e Sidney F.
Safe Silveira, brasileiros, casados,
advogados, devidamente qualificados na inicial, com fundamento no
art. 153, § 20 da Constituição Federal e art. 648, I, do CPP, solicitam
a concessão de ordem de habeas
corpus em favor de Mathias Enéas
Mescolin, brasileiro, casado, empresário e advogado, residente na
Av. Rio Branco, 2.900/1.601, em
Juiz de Fora. Em síntese, argúem
os impetrantes que o paciente está
sofrendo constrangimento ilegal face à ação penal contra o mesmo
ajuizada na 19 Vara Criminal da
Comarca de Juiz de Fora, para a
qual falta a justa causa. Argúem
que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções cominadas
pelo art. 171, § 29, inciso I do Código Penal, e nessa modalidade,
pressupõe a lei penal, que a coisa
dada em garantia seja alheia. Argúem que — «ao paciente, e a seus
sócios, se imputa o crime de «dar
em garantia coisa alheia», porque,
no licito exercício de atividade comercial, sua empresa gravou de
hipoteca apartamento que prometera vender por contrato particular
não inscrito. Falar-se de coisa
alheia com respeito a esse apartamento, apenas compromissado à
venda, é um disparate inaceitável.
Os fatos são atípicos, e sendo assim não há justa causa para a
ação penal» (fl. 9). Ante tais motivos, solicitam a concessão da ordem de habeas corpus com o fito
de verem trancada a ação penal
contra o paciente. A inicial foi instruída com os documentos constantes de fls. 13/29.
Solicitadas informações à digna
autoridade apontada como coatora,
prestou-se às fls. 41/44 e, acompanhando-as, vieram os documentos
de fls. 45/65. Indo os autos à Procuradoria da Justiça, opinou no feito
o digno Procurador de Justiça Dr.
Reynaldo Lopes, o qual manifestou-se pela denegação da ordem.
Conforme se vê da denúncia
ofertada pelo digno Promotor de
Justiça, narra ela, que a Imobiliária Roma Ltda., que teve sua razão social posteriormente alterada,
«vendeu a Marcus de Lima Moreira, através de contrato promissório, o apartamento n? 616 e respectiva fração ideal de terreno, no Ed.
Fagundes Netto (então em construção), situado à Rua São Mateus,
nesta cidade, pelo preço certo e
ajustado de Cr$ 250.000,00»... Prosseguindo, afirma que o preço foi
pago — «em duas prestações, sendo
a primeira delas, no ato da assinatura do Contrato Particular de
Promessa de Compra e Venda e
Construção, do valor de Cr$
240.000,00 (duzentos e quarenta mil
cruzeiros) e a segunda e última no
dia 30-12-78 e do valor de Cr$
10.000,00 (dez mil cruzeiros), tudo
na conformidade do instrumento
de contrato e promissória, quitados, em anexo». Transcreve a denúncia a cláusula terceira do contrato promissório, onde se vê que a
promitente vendedora se obriga a
outorgar a escritura definitiva ao
promissário comprador ou quem
por ele for indicado, estipulando a
cláusula 10? ser o contrato celebrado em caráter irrevogável, irretratável e inarrependivel. Mais adiante, narra a denúncia, — que a empresa vendedora, por seus sócios
epigrafados, depois de haver recebido, pontualmente e na sua integralidade, todo o dinheiro proveniente do negócio realizado, dirigiu-se à Agência da Caixa Econômica Federal e ali, sempre alentados pela voracidade do ludíbrio,
R.T.J. — 109
deu mesmo imóvel em garantia hipotecária de um empréstimo obtido junto àquela Instituição Financeira. Locupletaram-se, assim, a
empresa e conseqüentemente os
seus referidos sócios à custa do patrimônio alheio, pois, receberam
todo o dinheiro da venda do comprador e, em seguida, receberam,
também, do Agente Financeiro
Emprestador». Afirma, mais a peça inaugural, que o ora Paciente e
seus sócios agiram em conjunto,
discutindo preço e condições do negócio, receberam o dinheiro na sua
totalidade em nome da empresa,
mantiveram contactos por telefone
e pessoais com a vitima e, posteriormente, o. Paciente e Amauri
Messias dos Reis Benet, compareceram no contrato de mútuo celebrado com a Caixa Econômica Federal.
Tormentosa é a distinção entre
fraude civil e penal, sendo, realmente, delicada a matéria. E certo
que face ao contrato promissório
que instrui o presente pedido, quitado inclusive antes do prazo nele avençado, teria o promitentecomprador o direito à chamada adjudicação compulsória, que é no dizer do eminente Prof. Darcy Bessone — «simples forma coativa e
especifica de uma obrigação de fazer» (Da Compra e Venda, n? 60,
pág. 170). As promessas de compra
e venda de imóveis ainda que não
registradas, contêm obrigação
de outorga de escritura definitiva
por parte do promitente vendedor,
uma vez cumpridas as obrigações
do promitente comprador. Por não
se encontrar inscrito no Reg. Imobiliário da comarca o contrato promissório de compra e venda, à vitima, restou um direito pessoal, de
cunho obrigacional. Se inscrito o
contrato, com sua inscrição nasceria o direito real e com ele o de seqüela, e como sabido, tornaria Me-
89
ficaz os atos jurídicos praticados
pela empresa em relação ao apartamento prometido à venda.
Evidentemente, o contrato promissório de compra e venda, ainda
que quitado e inarrependível, não
transfere o domínio. Entretanto, a
meu sentir, narra a denúncia um
fato delituoso, imputando aos denunciados o fato de que, deram em
garantia à Caixa Econômica Federal, em contrato de mútuo, um
apartamento já prometido à venda, com o preço totalmente pago,
sendo o contrato inarrependivel.
Evidentemente, no âmbito do habeas corpus, somente se pode reconhecer falta de justa causa para
a ação penal, quando há «divórcio
entre a imputação tática contida
na denúncia e os elementos de convicção em que ela se apóia, quando
a desconformidade entre a imputação feita ao acusado e os elementos que lhe servem de supedâneo
por incontroversa, transiúcida e
evidente, revelando que a acusação resulta de pura criação mental
de seu autor. Em face da natureza
do babeas corpus, não é possível
em seu âmbito o confronto e a valoração de provas (TACrim/SP RT
527/355, in Código de Processo Penal Anotado, Damásio E. de Jesus,
pág. 376).
Realmente, entre o fato narrado
na denúncia e a capitulação efetivada pelo Dr. Promotor de Justiça,
existe ligeiro divórcio, vez que narra o fato de que, a empresa, por
seus diretores, deram em hipoteca
um apartamento já prometido à
venda, sendo que o adquirente já
havia pago todo o preço avençado,
sendo inarrependivel o contrato.
Por não ter transferido o domínio,
mencionado apartamento ainda
pertence ao proprietário, ou seja, à
empresa. Entretanto, veda a lel penal, no art. 171, § 2?, inciso II, a dação em garantia de coisa própria,
já prometida a venda a terceiro.
90
R.T.J. — 109
Evidentemente, não eStá o Juiz sujeito á capitulação feita pela denúncia, podendo dar outra definição jurídica aos fatos narrados na
denúncia. Ante o exposto, denego a
ordem.»
Sr. Juiz Rubem Miranda: «Sr.
Presidente, pela relevância da matéria e porque, na condição de 1?
Vogal, não tive qualquer contato
com os autos, peço vista.»
Sr. Juiz-Presidente: «O relator
denegava a ordem. O primeiro Vogal solicitou adiamento a fim de
melhor examinar o pedido.»
Sr. Juiz-Presidente: «O julgamento deste feito foi adiado na sessão anterior, a pedido do Juiz Primeiro Vogal, após o voto do eminente Juiz relator, que denegava a
ordem.»
Sr. Juiz Rubem Miranda: «Sr.
Presidente: Trata-se de habeas
corpus impetrado a favor de Mathias Enéas Mescolin visando o
trancamento da ação penal que a
Justiça Pública lhe move como incurso no art. 171, 2?, I, do Código
Penal, por ter dado em garantia
coisa alheia como própria.
A iniciativa da ação penal coube
à própria vítima que representou
diretamente ao Juiz da 1? Vara
Criminal de Juiz de Fora, como
dispensa do inquérito policial, por
julgar suficiente a documentação
que junto à representação.
Aberta vista, o Ministério Público ofereceu denúncia que foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal.
Em conseqüência veio a nova denúncia, fundada no fato de que a
vítima, Dr. Marcos de Lima Moreira, é promitente comprador do
apartamento 616, edifício Fernando
Fagundes Neto, situado em Juiz de
Fora e que, depois desse contrato
de compra e venda, a empresa
promitente vendedora, representada pelo denunciado, ora paciente,
deu o edifício em hipoteca à Caixa
Econômica Federal, inclusive o
apartamento prometido à venda.
Pelos fatos narrados existe, realmente, o crime em tese, suficiente
para instauração da ação penal. E
certo que a promessa de compra e
venda não transfere o domínio,
mas ninguém nega que, por ela, o
promitente comprador se imite na
posse do imóvel. Desta forma existe, em sentido amplo, a «coisa
alheia» exigida para caracterização da modalidade capitulada na
denúncia.
«Cumpre advertir — ensina Nelson Hungria — que outras fraudes,
além das especialmente previstas,
a propósito de venda, promessa de
venda ou oneração de imóveis, nos
incisos I e II do 2? do art. 171, podem não escapar de incidência na
forma genérica do estelionato ( art.
171, caput). (Comentários ao Código Penal, Forense, ed. 1955, vol.
VII, pág. 232).
Assim é recomendável o prosseguimento do processo, devendo os
motivos articulados pela defesa serem apreciados pela sentença ou
em grau de recurso na hipótese de
condenação.
Para o trancamento da ação penal exige-se que a ausência de justa causa seja palpável, reconhecível à primeira vista, independentemente de prova ou maiores
indagações. No caso dos autos a
falta de tipicidade não resulta com
clareza que seria de se exigir para
o trancamento da ação.
Já decidiu o Excelso Supremo
Tribunal Federal que, «se o fato
constitui, em tese infração penal,
há justa causa para o procedimento penal» (HC n? 30.007, Relator
Ministro Lafaiete Andrade, Rev.
For. Vol. 115/571).
Pela mesma forma voltou a decidir a Suprema Corte no habeas
R.T.J. — 109
91
corpus n? 31.078, Relator Ministro
considerada aquela a quem se deu
Orozimbo Nonato, com a seguinte
o imóvel em garantia, sem que a
ementa:
\
falta de representação dessa, por
desnecessária, nulifique o proces«Só na pótese de que o fato
so.
denunciado não constitua crime
sível obter por via
em tese, é
Inadmissível, concessa venta, é o
de habeas rpus, o trancamento
trancamento da ação penal a que
do p
(Rev. citada, vol.
responde o paciente, pelo que
134, pág. 23 ).
acompanho os votos proferidos pelos Eminentes Juizes Relator e 1?
Não é o caso dos autos, onde
Vogal, e, também, denego a ordem
em tese, o ilícito penal existe.
impetrada.
Por estas razões, embora reconhecendo a excelência da tese
Custas, na forma da lei.»
brilhantemente sustentada pelos
O Sr. Juiz- Presidente: «Denegailustres advogados impetrantes,
ram
a ordem.»
denego a ordem.
Interposto recurso ordinário, sobre
Custas ex lege.
ele assim se manifesta a ProcuraO Sr. Juiz Edelberto Santiago: doria-Geral da República (lis.
«Sr. Presidente,
95/97):
LI e ouvi, com a devida atenção,
«1. Em favor de Mathias Enéas
o excelente memorial e a brilhante
Mescolin, o Dr. Nilo Batista ajuisustentação oral que, respectivazou pedido de habeas corpus, susmente produziram os Ilustres
tentando a atipicidade criminal do
causidicos, conspícuos Juristas e
evento, qualificado na denúncia coprofessores eméritos, Nilo Batista
mo «dar em garantia coisa alheia,
e Sidney Safe da Silveira, tendo
como
própria»: artigo 171, I 2?, I,
acompanhado com bastante intedo Código Penal (Vide: lis. 26).
resse a leitura dos votos que me
antecederam neste julgamento.
Indeferida a pretensão, há o
recurso agora subscrito pelo Dr.
E, do que li e ouvi, observei que,
Safe Silveira.
ainda que não se admita, na espécie, estelionato na modalidade que
O fato está em que adquirinlhe empresta a peça exordial do
do
determinado
imóvel da «Roma
processo, em tese, não estando o
Construções e Empreendimentos»,
Juiz adstrito à classificação dada
empresa de Mathias Mescolin, o ciao delito pelo dominus lltis, há intdadão Marcos de Lima Moreira
ludivelmente, a possibilidade de se
quitou o preço do imóvel dentro em
admitir, a final, configurado o cri15 (quinze) dias da feitura do pacto
me no seu tipo fundamental, vez
promissório
de compra e venda
que, se há estelionato na dação em
(denúncia a fls. 22/213), e deu-o em
garantia de imóvel cuja venda a
locação a terceiros, quando é surprestações se acha prometida a
preendido, 1 (um) ano após com a
terceiro, com muito mais razão esretenção dos frutos da locação,
tará o delito caracterizado, quando
pois que, por essa época Mathias
o promitente-vendedor já tenha reMescolin dera o mesmo imóvel em
cebido, integralmente, o preço da
garantia de empréstimo hipotecáres.
rio à Caixa Federal, silenciando
Frise-se, ainda, que se trata de
sobre a venda e, como não honrasação penal incondicional, pelo que,
se o pagamento com a credora, o
sujeito passivo pode até mesmo ser
imóvel foi excutido.
92
R.T.J. - 109
Comentando o dispositivo em
apreço, com razão diz o emérito
Prof. Heleno Cláudio Fragoso,
verbis:
«Trata-se de disposição supérflua, mantida na lei pela impressionante força de inércia do direito. A hipótese se ajusta perfeitamente ao estelionato em seu tipo fundamental» ( In — Lições de
Direito Penal — parte especial 2
— pág. 77).
Adiante, no exame específico
do pacto promissório, mantém-se
coerente, verbis:
«Tem-se afirmado que não há
estelionato na simples promessa
de compra e venda que é obrigação de fazer e não se confunde
com a venda não se figurando
pois, a hipótese prevista no art.
171, § 2?, I (RT 414/247; 417/377;
432/342; 440/336). Não temos a
menor dúvida que tal caso se enquadra na cabeça do art. 171. Se
o agente, induzindo alguém em
erro, promete-lhe vender bem
que não possui, obtendo, em conseqüência, vantagem ilícita, pratica o crime de estelionato» (obra citada — pág. 78).
A transcrição do pensamento
do douto Nelson Hungria — fl. 6 —,
data venta não aproveita o recorrente.
Deixa, de pronto, bem assente o ilustre doutrinador que a norma comentada contempla a venda,
ou permuta, ou garantia, feita pelo
dominus, do mesmo imóvel a mais
de uma pessoa.
Todavia, é desconsiderado o
ilícito se negligente o primeiro
comprador, outro adquirente se antecipa e promove o antecipado registro.
Mas no caso, a obrigação de
passar a escritura definitiva, por
cláusula contratual expressa — 3?,
era do compromissário vendedor
— vide . fl 29 — de sorte que não se
pode cogitar de negligência, ou incúria do comprador.
10. Por derradeiro, mencionou
bem em suas informações o ilustre
magistrado a quo a fl.44 , recente
decisão da lavra do douto MM. Decio Miranda corroborando a realidade da conduta estelionatária,
justo como no caso em exame,
quando há a venda, ou a promessa
sem menção a gravame hipotecário instituído sobre o bem (RHC n?
59.730 DJ 23-4-82, pág. 3.668).
11.Pelo improvimento do recurso.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves: (Relator): 1. Tem razão o acórdão recorrido quando sustenta, em última
análise, que o réu se defende dos fatos que lhe são imputados, sendo
certo que, estes, em tese, constituem
crime, pouco importa a má classificação que o delito tenha dado á denúncia.
2. A questão que surge, no caso, é
a de saber se o comportamento descrito na denúncia configura crime
em tese.
O aresto recorrido entende que,
embora a promessa de compra e
venda irretratável e Irrevogável, mas
não registrada, não dê margem a direito real em favor do promitentecomprador, pois ela tem eficácia
meramente obrigatória, se o promitente vendedor hipotecar o imóvel
objeto da promessa poderá ser enquadrado no crime descrito no artigo
171, § 2?, II, do Código Penal, onde
se lê:
R.T.J. — 109
93
2? parte, págs. 184/185), depois de
acentuar, como referência ao dispositivo em causa, que- ele «tem por
objetivo acautelar os interesses da
gente pobre e humilde que emprega
suas economias na aquisição de imóveis a prestações, ao mesmo tempo
que cuida não permitir se desvirtui
esse gênero de negócios que dia a
Esse entendimento encontra apoio dia se tornam mais numerosos», terna lição de Nelson Hungria (Comen- mina por concluir que, se «o comprotários ao Código Penal, vol. VII, sit missário não averbou o seu contrato,
ed., págs. 234/235), o qual, ao comen- o dispositivo em apreço não o tutetar o dispositivo em causa (artigo la». A conclusão destrói a afirmação
171, 41 2?, II, do Código Penal), escre- inicial, pois também na hipótese conve:
trária — a do registro do compromisso — o dispositivo penal não pro«Finalmente, refere-se o disposi- tege o promitente-comprador, uma
tivo legal à preexistente promessa vez que este não pode ser vitima de
de venda, quando o imóvel, a coisa dano patrimonial por venda, permue a promessa tenha sido avençada ta ou dação em pagamento ou em
mediante pagamento a prestações. garantia do imóvel posteriormente
Já aqui, nada importa que a realizada, já que o registro prévio é
promissio não tenha sido transcrita oponível contra todos, e impede o reno Registro Imobiliário; mas, note- gistro eficaz de qualquer desses nese: se foi transcrita, constituindo, gócios jurídicos feitos posteriormenassim, direito real, será sujeito te.
passivo do crime em questão quem
recebe o imóvel alienationis causa
3. Reexaminando, agora, mais
ou em garantia; caso contrário, suessa matéria —
jeito passivo será o promissário- aprofundadamente
já perfilhe'. a interpretação de Nelcomprador.»
son Hungria, verifico que a exegeadotada por esse eminente mesEssa lição, por vezes, vem repeti- se
de nosso direito penal não é susda na doutrina, como se vê, por tre
tentável
em face dos termos do disexemplo, em Celso Delmanto, Códi- positivo legal
em causa.
go Penal Anotado, 4? ed., pág. 227,
ao aludir ao sujeito passivo do crime
Com efeito, o crime descrito no indescrito nesse artigo 171, II 2?, II:
ciso II do 2? do artigo 171 do Código
«Sujeito passivo: E quem sofre a Penal, no tocante à promessa de
lesão patrimonial, ou seja, aquele venda a terceiro é o de vender, perque recebe a coisa inalienável, mutar, dar em pagamento ou em gagravada ou litigiosa; ou ainda, na rantia, imóvel que se prometeu venÚltima hipótese do inciso, depen- der a terceiro, mediante pagamento
dendo de produzir ou não efeitos em prestações, silenciando sobre esreais o compromisso, poderá ser a sa circunstância. Portanto, o fato depessoa que recebe a propriedade lituoso ai descrito pressupõe uma
anteriormente prometida a tercei- promessa de compra e venda
preexistente (como o próprio Nelson
ro, ou este próprio.»
Hungria reconhece) e um ato posteJá Magalhães Noronha (Código rior de venda, permuta ou dação em
Penal Brasileiro Comentado, vol. V, pagamento ou em garantia do imó«II — vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus
ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias.»
94
R.T.J. — 109
vel prometido vender, sem que desse muta ou em pagamento ou em gaato posterior conste a circunstância rantia imóvel objeto de anterior prode preexistir, em favor de terceiro, messa de compra e venda a terceiro,
aquela promessa. Ora, como o este- delito este que só ocorrerá se a prolionato, em qualquer de suas modali- messa tiver sido registrada antes do
dades, tem como objeto jurídico o registro dos instrumentos desses nepatrimônio, e como, no caso, o meio gócios jurídicos, visto como só então
fraudulento é o silêncio sobre a cir- haverá dano patrimonial pela oponicunstância de haver preexistente bilidade erga omnes da promessa repromessa de compra e venda do gistrada. Tal distinção — ao contrámesmo imóvel, o crime descrito no rio do que afirma Nelson Hungria —
dispositivo em causa só ocorrerá não tem qualquer influência no sujeiquando alguém vender, permutar ou to passivo, para colocar nessa posider em pagamento ou em garantia, ção, conforme a promessa esteja, ou
imóvel que prometeu vender a ter- não, registrada, o que recebeu o
ceiro, silenciando sobre esta circuns- imóvel alienationis causa ou em gatância, desde que a promessa pree- rantia, na primeira hipótese, ou o
xistente venha a ser registrada no promitente comprador, na segunda.
Registro de Imóveis antes de ir a registro, para a constituição do direito
O inciso II do 2? do artigo 171 do
real correspondente, o instrumento Código Penal não contempla a hipóda venda, da permuta ou da dação tese de promitente •êomprador que
em pagamento ou em garantia. O não registra sua promessa e, por isque implica dizer que só pode ser su- so, não pode opb-la ao que, posteriorjeito passivo desse delito o que com- mente, recebeu do promitente
pra, permuta ou recebe em dação vendedor o mesmoimóvel alienaem pagamento ou em garantia o tionis causa ou em g rantia e regisimóvel precedentemente prometido trou o instrumento em que se convender a terceiro, sem que essa cir- substanciou esse segundo negócio
cunstância conste do instrumento da jurídico.
compra e venda, da permuta ou da
dação, e desde que esse instrumento
E não há, em nossa legislação penão seja registrado antes do registro nal,
nenhuma lei que descreva a hidaquela promessa. Este último re- pótese
acima como crime, nem mesquisito é exigível, porque, sem a sua mo o caput
do artigo 171 do Código
verificação, não ocorre qualquer da- Penal, que exige
a vítima tenha
no patrimonial para o que comprou, sido induzida ouque
mantida
erro
permutou ou recebeu o imóvel em por meio fraudulento, o queem
não popagamento ou em garantia, certo co- de ocorrer com o promitente•commo é que a promessa de compra e orador de promessa de imóvel antevenda, mesmo preexistente não é rior ao negócio jurídico que, por falta
oponível a terceiros, a não ser depois de registro daquela (registro que cade registrada no Registro de Imóbe ao promitente comprador fazer),
veis.
pode impedir o cumprimento da promessa pelo promitente vendedor,
Por conseguinte, a distinção entre causando, por isso, dano patrimoter sido, ou não, registrada a pro- nial ao promitente comprador. A indumessa de compra e venda só influi ção ou manutenção em erro por
para a configuração, ou não, do cri- meio fraudulento — um dos elemenme contra o único sujeito passivo do tos do estelionato do caput do artigo
delito descrito no dispositivo em cau- 171 do Código Civil — é, nesse caso,
sa — quem compra, recebe em per- cronologicamente impossível com
R.T.J. — 109
relação ao promitente comprador,
que, ao afirmar a promessa de compra e venda, nãp foi induzido ou
mantido em erro, uma vez que o
imóvel era do promitente vendedor e
não estava onerado.
No caso sob julgamento, a hipótese descrita na denúncia é justamente esta, que, como se viu, não
constitui, sequer em tese, crime,
mas se restringe, apenas, em nosso
sistema jurídico, ao âmbito das conseqüências, estabelecidas no direito
civil para o inadimplemento contratual.
Em face do exposto, dou provimento ao presente recurso ordinário,
para trancar a ação penal em causa.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Rezek:
Sr. Presidente, na noite de ontem, de
posse do memorial do recorrente,
dei-me á consulta da obra de Nelson
Hungria, e me defrontei com o texto
a que fez referência o eminente Relator. Pareceu-me dificilmente compatível com os princípios gerais que
orientam o direito penal, admitir-se
estelionato com sujeito passivo diverso daquele a que a leitura do inciso II, g 2?, do artigo 171, parece conduzir com multa naturalidade.
De modo que acompanho o eminente Relator, só não compartilhando, talvez, o seu lamento de índole
político-judiciária. Tenho ficado impressionado com a freqüência com
que no mundo dos negócios e, sobretudo, no mundo dos negócios imobiliários, hoje em dia, pessoas que norteiam sua conduta por parâmetros
não os mais escrupulosos, e que tangenciam, continuadamente, a incursão na lei penal, procedendo à luz de
regras de conduta idênticas, podemse ver, de súbito, transformadas
uma em réu, outra em vítima, pelo
95
fato de a última, quase que casualmente, ter sentido a iminência de
um dano e ter-se lembrado primeiro
de pedir socorro à autoridade. Mas
isso é um comentário incidental, e
sem maior importância.
Acompanho o eminente Relator,
dando provimento ao recurso.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho:
Sr. Presidente, li o memorial que me
foi trazido pelo nobre Advogado do
paciente, e ouvi com bastante atenção sua defesa, bem como o erudito
voto do Sr. Ministro Moreira Alves.
Realmente, não encontrei, na exata
tipicidade do art. 171 e seu 2?, incisos I e II, o enquadramento do caso
em exame.
O Código Penal, como 'é de sua natureza, discrimina os fatos para o enquadramento penal, com minúcias.
E, no caso concreto, vê-se do If 2? a
exigência de que a compra seja feita
a prestação. Mas, não encontrando
eu tipicidade do caso no art. 171,
caput, e seu 2?, do Código Penal,
surpreendi-me contudo com as ca!
racterísticas que o ilícito apresenta.
No caso, o que me houve foi o seguinte: o acusado comprometeu-se a
vender um apartamento para determinado cidadão, mediante contrato
de promessa de compra e venda. O
promitente comprador quita o preço,
mas o promitente•comprador dá o
imóvel em garantia hipotecária à
Caixa Econômica, e não liquida o débito. Em face disso, o imóvel é vendido com execução da hipoteca, pela Caixa. Assim, o promitente vendedor, proprietário do imóvel, recebeu integralmente o preço do
promitente comprador e o valor da
hipoteca. Tal comportamento, porém, não encontra sua tipicidade no
estelionato. Ocorre, porém, o seguin-
96
R.T.J. — 109
te: no contrato hipotecário, feito com
a Caixa Econômica, foi omitida pelo
devedor hipotecário, e que é o ora
Paciente, declaração importantíssima que era, exatamente, aquela de
que o imóvel fora objeto de anterior
promessa de compra e venda. Esse
fato não foi mencionado à Caixa
Econômica.
A existência de tal contrato de promessa de compra e venda era fato
juridicamente relevante. Não posso
compreender que a Caixa Econômica fizesse um empréstimo hipotecário se viesse a declaração de que o
imóvel estava comprometido, embora sob a forma de promessa de compra e venda e, ainda mais, com pagamento integral do preço. Seria
uma conivência, uma pactuação da
Caixa Econômica com uma fraude.
Então, se assim, ocorreu, como tudo
indica, havendo omissão de fato juridicamente relevante em relação à
Caixa Econômica, poderá configurar-se, a meu ver, no caso, o crime
de falsidade ideológica.
Realmente. O art. 299 do Código
Penal, diz:
«Omitir, em documento público
ou particular, declaração que dele
devia constar, ou nele inserir ou
fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita,
com o fim de prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.»
Assim, acho que devo conceder o
habeas corpus por inépcia da denúncia, sem prejuízo, porém, da possibilidade de ser oferecida outra, no caso de se configurar o crime do artigo
299, caput, do Código Penal.
E o meu voto.
ADITAMENTO AO VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): Sr. Presidente, concordo com
as considerações feitas pelo eminente Ministro Aldir Passarinho, e, em
vez de concluir meu voto pelo trancamento puro e simples da ação penal, concluo dando provimento, em
parte, ao recurso, para o efeito de
declarar inepta a denúncia, sem
afastar, entretanto, a possibilidade
de o Ministério Público apresentar
nova denúncia, se entender que há
outro crime, como o aventado pelo
eminente Ministro Aldir Passarinho.
EXTRATO DA ATA
RHC 61.109-MG — Rel.: Min. Moreira Alves. Recte.: Mathias Enéas
Mescolin (Advs.: Lúcia Mendes de
Almeida e José Paulo Sepúlveda
Pertence). Recdo.: Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais.
Decisão: Provido o recurso nos termos do voto do Relator. Unãnime.
Falou pelo Recte.: O Dr. José Paulo
Sepúlveda Pertence.
Presidência do Senhor Ministro
A Caixa Econômica não faria, não Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
concederia uma hipoteca se tivesse Senhores Ministros Moreira Alves,
constado haver o compromisso aludi- Decio Miranda, Aldir Passarinho e
do a pesar sobre o imóvel. E nem Francisco Rezek. Subprocuradorpoderia ser declarado que o imóvel Geral da República, Dr. Mauro Leite
não possuía gravames. A Caixa po- Soares.
deria ser submetida ao ônus de uma
ação judicial, promovida pelo proBrasília, 2 de setembro de 1983 —
mitente comprador, que pagara o Hélio Francisco Marques, Secretápreço e que se vira espoliado.
rio.
R.T.J. — 109
97
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.261 — MS
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Paciente: Raul Guilherme Ramos de Carvalho — Impetrantes: S.
L. Monteiro Salles e Angelo Moretto Neto — Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo.
Habeas corpos. Nulidade inocorrente. Prescrição não verificada.
Art. 514 do CPP. Súmula n? 196. — A resposta escrita à denúncia, reclamada pelo art. 514 do CPP, somente cabe em crimes funciona is em
que a condição de funcionário é inerente à prática do ilícito. Não se
decreta a prescrição retroativa, com apoio na Súmula 146, quando da
sentença condenatórla há recurso da acusação visando à exasperação
da pena.
— Habeas corpus indeferido.
ACORDA()
proferido por Juiz suspeito; b) inobservância do disposto no art. 514 do
Vistos, relatados e discutidos estes
CPP.
autos, acordam os Ministros da PriNão merece prosperar, todavia,
meira Turma do Supremo Tribunal
a impetração.
Federal, em conformidade com a
As informações, de fls. 91/92, noata de Julgamentos e notas taquigráticiam, In verbis:
ficas, à unanimidade, em indeferir o
pedido.
«Por incurso nos arts. 150 ff 1?
e 2?, e 129, caput (duas vezes) do
Brasília, 3 de fevereiro de 1984 —
Código Penal e no art. 21 da Lei
Soares Mufioz, Presidente — Rafael
das Contravenções Penais (três
Mayer, Relator.
vezes), todos dispositivos combinados com o art. 44, n? II, letras
RELATÓRIO
a e c, e 51, caput, do mesmo estatuto repressivo, foi o paciente deO Sr. Ministro Rafael Mayer: Adonunciado perante o Juizo da Co-to, como relatório, o parecer do ilusmarca de Bananal (fls. 2/3, doc.
tre Procurador, Alvaro Augusto Rin? 1).
beiro da Costa, aprovado pelo eminente Subprocurador-Geral, Prof.
Recebida a denúncia (fls.
Assis Toledo, que expõe e opina nes88/v., doc. n? 2), em 17-8-77, pelo
ses termos:
Sr. Juiz de Direito da Comarca,
Dr. Nivaldo Balzano, realizou-se
«Cuida-se de pedido de anulação
o interrogatório do acusado (fls.
do processo em que o paciente foi
100/102, doc. n? 3), apresentandocondenado — como incurso nos
se, a seguir, a defesa prévia (fls.
arts. 150, §:à 1? e 2?, e 129, caput
103, doc. n? 4).
(duas vezes), todos do C. Penal —
ou o reconhecimento da extinção
Argüida a suspeição do MM.
Juiz da Comarca, deu-se S.Exa.
da «pretensão persecutória» (Mc),
por impedido - (fls. 123/124, doc.
com base na Súmula n? 146.
n? 5), ordenando a remessa dos
Como fundamentos da argüida
autos ao seu substituto.
nulidade, alega-se: a) ausência de
despacho de recebimento da deEm audiência designada para
núncia, sendo inválido o que fora
oitiva de vitimas e testemunhas,
98
R.T.J. — 109
a defesa levantou preliminares,
que, acolhidas, resultaram na redesignação de data para interrogatório do réu e na ratificação do
recebimento da denúncia (fls.
153/154, doc. n? 6).
Após nova qualificação e interrogatório do acusado em Juízo
(fls. 216/217 v., doc. n? 7), seu advogado formulou defesa prévia
(fls. 219/220, doc. n? 8).
No correr da instrução, foram
ouvidas as vítimas e as testemunhas (fls. 279/285v., 291/294,
307/310v. e 322/323, doc. n? 9),
tendo o defensor interposto correição parcial (fls. 2/6, doc. n?
10), que foi indeferida pela E.
Terceira Câmara desta Corte
(fls. 60/61, doc. n? 11).
Formularam-se as alegações
finais (fls. 330/332, 357/362 e
363/364, doc. n? 12), sobrevindo
sentença condenatória, que apenou o paciente, por infringência
aos arts. 150, §§ 1?, 2?, 129, caput
(duas vezes), do Código Penal, e
ao art. 21 da Lei das Contravenções Penais (três vezes), a 11
meses de detenção e 15 dias de
prisão simples (fls. 397/410, doc.
n? 13).
Desta decisão recorreu a defesa
(fls. 421 e 423/432, doc. n? 14) e o
Ministério Público (fls. 440/444,
doc. n? 15), tendo a E. Segunda
Câmara deste Tribunal rejeitado
a preliminar de prescrição sumular quanto aos crimes, julgado
prescrita a contravenção penal e
provido a ambos os recursos para, a final, reformular a pena detentiva em 12 meses ( fls. 503/524
e 537/542, doc. n? 16).
Opostos Embargos Infringentes, o E. Primeiro Grupo de Câmaras rejeitou-os - (fls. 544/546,
doc. n? 17).
Como se vê das informações, não
procede a alegativa de ausência de
despacho de recebimento da denúncia, pois o despacho de fls. 95
foi expressamente ratificado às fls.
108.
No que concerne à pretendida
inobservância do disposto no art.
514 do CPP também não assiste razão ao impetrante. Em primeiro
lugar, porque a providência prevista no aludido dispositivo somente é
cabível tratando-se de crime funcional típico, descrito nos arts. 312
a 326 do C. Penal (v. RTJ-66/365);
em segundo lugar porque mesmo
que se admitisse o cabimento de
tal providência no caso sob exame,
dela não se poderia cogitar, depois
de proferido o acórdão que excluiu
da condenação o acréscimo de pena relativo à circunstância prevista no § 2? do art. 150 do C. Penal,
ficando decidido que o paciente
não agiu na qualidade de funcionário público (v. RTJ-103/1196).
Por fim, não ocorreu a alegada
prescrição.
Tendo o Ministério Público recorrido contra a sentença — visando o aumento das penas - inaplicável é a Súmula 146, sendo a prescrição, em conseqüência, definida
com base na pena em abstrato.
Por isso mesmo, incensurável se
mostra o Acórdão de fls. 220/222 —
exarado no julgamento dos embargos infringentes — ponderando:
«Os fatos delituosos ocorreram
em 22 de maio de 1977. A denúncia foi recebida em 17 de agosto
de 1977. A publicação da sentença ocorreu em 19 de setembro de
1979, mais de dois anos depois do
recebimento da denúncia.
Não tivesse havido recurso do
Ministério Público poder-se-ia declarar prescrita a ação penal,
nos termos da Súmula 146, por se
tratar de fato anterior à Lei n?
6.416/77.
R.T.J. — 109
99
Entretanto, a interposição de se destaca no douto parecer essa
recurso ministerial constitui fato mesma circunstância veio a ser desimpeditivo da aplicação da Sú- considerada, para efeito de agravamula n? 146».
ção da pena, no Acórdão condenatóSomos, em face do exposto, pelo rio transitado em julgado.
indeferimento do pedido.»
Finalmente, o reconhecimento da
prescrição retroativa, com base na
E o relatório.
Súmula 146, carece de apoio em razão de ter sido interposto recurso da
VOTO
acusação, contra a sentença de priO Sr. Ministro Rafael Mayer (Re- meiro grau, visando à exasperação
lator): Estão bem apreciados pelo da pena, com o que aliás logrou êxidouto parecer os fundamentos da im- to.
petração, merecendo inteira acolhiAssim, nos termos exatos do douto
da.
parecer, indefiro o pedido.
Com efeito, fica elidido o argumenEXTRATO DA ATA
to referente à ausência de despacho
de recebimento da denúncia, face à
HC
61.261-SP
— Rel.: Min. Rafael
expressa ratificação pelo juiz com- Mayer. Pacte.: Raul
Guilherme Rapetente do anterior provimento que a mos de Carvalho. Imptes.:
S. L.
impetração aponta como inválido.
Monteiro Salles e Angelo Moretto
Por outro lado, a observância do Neto. Coator: Tribunal de Alçada
rito estabelecido no art. 514 do CPP, Criminal do Estado de São Paulo.
exigente de notificação prévia do
Decisão: Indeferiu-se o pedido de
acusado para oferecer resposta es- habeas
corpus. Decisão unânime.
crita à denúncia, anteriormente ao
Presidência do Senhor Ministro
seu recebimento, não se impõe, na
espécie, pois não se trata de crime Soares Mutioz. Presentes à Sessão os
de responsabilidade do funcionário Senhores Ministres, Rafael Mayer,
público, somente configurável quan- Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
do a condição funcional é inerente à Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
sua prática. Trata-se, aqui, de cir- da República, Dr. Francisco de Ascunstâncias em que essa condição sis Toledo.
funcional é tão-somente considerada
Brasília, 3 de fevereiro de. 1984 —
como qualificadora do crime de vio- António Carlos de Azevedo Braga,
lação do domicilio. Além disso, como Secretário
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.283 — MS
(Segunda Turma)
Relator: O Sr.Ministro Moreira Alves.
Recorrente: NomItor Ferreira de Moraes — Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.
Habeas expus. Beneficio do artigo 594 do CPP.
— O simples fato da existência de anterior perdão após condenação por crime contra os costumes demonstra que o recorrente não
tem bons antecedentes, requisito, também, para a concessão do be-
neficio pleiteado.
Recurso ordinário que se nega provimento.
100
R.T.J. — 109
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de habeas
corpus.
Brasília, 27 de setembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Moreira
Alves, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Moreira Alves: E
este o teor do acórdão recorrido (fls.
47/49):
«Relatório
O Sr. Des. Sérgio Martins Sobrinho: Os advogados Antonino
Moura Borges e Rubens José Cozza — o primeiro, de Campo Grande; o segundo, de Nova Andradina
— impetram a presente ordem de
habeas corpus em favor de Nomitor Ferreira de Moraes, apontando
coação do juiz de direito da 2? vara
da comarca de Nova Andradina, e
pleiteiam alvará de soltura para o
paciente, pelos seguintes motivos:
que foi o paciente denunciado
no artigo 213, c/c os artigos 224, letra a, e 225, g 1?, I, do CP;
que a vitima tinha vida desregrada, péssimo comportamento
e era acostumada à prática de atos
sexuais (parente e conhecidos afirmaram isso na instrução);
que não houve testemunhas
do fato e que não foi concludente a
prova da autoria e da culpa. A decisão condenatória é fruto de ilações e interpretações divorciadas
da lei;
que na sentença o juiz afirmou que não importa não seja
mais virgem a vitima para
caracterizar-se o estupro, o que se
constitui num absurdo, assegurando o magistrado, por outro lado,
que era obrigação do acusado saber a idade da suposta vitima, para, a final, condená-lo em delito
qualificado;
5. que admitiu ainda o decisum
a reincidência do réu e manteve a
condenação, mesmo tendo havido
perdão no outro processo. Finalmente, o acusado foi preso com desatenção ao artigo 594 do CPP.
ato foi arbitrário e abusivo, sanável pela via escolhida;
6. que o acusado defendia-se
solto porque não havia flagrante
nem prisão decretada. E primário.
A prefalada reincidência não existe, conforme prova certidão junto
ao pedido, pois ocorreu extinção da
punibilidade, mesmo porque houve
perdão. Não tendo sido julgado o
mérito naquele caso anterior Enexiste reincidência, como quer a lei
brasileira;
7. que o paciente tem bons antecedentes, é membro da Polícia Militar do Paraná, inclusive com direito a prisão especial. Não havia
necessidade de recolhê-lo à prisão
para apelar.
Com a inicial de fls. 2/8-TJ vieram os documentos de fls. 9/19-TJ.
Distribuído o feito inicialmente
ao Des. Pereira Rosa, solicitou ele
as informações de fls. 28/29-TJ, seguidas dos documentos de fls.
30/35-TJ.
parecer da Procuradoria (fls.
37/40-TJ) é pela denegação da ordem
E o relatório.
Inclua-se em pauta.
Voto
Sr. Des. Sérgio Martins
Sobrinho (Relator): Egrégia Turma Julgadora,
R.T.J. — 109
O habeas corpus, em realidade,
discute a mesma matéria da sentença contra a qual o paciente apelou, recurso que Já está também
neste Colegiado. Mas, fundamentalmente, o que pretendem os impetrantes é que o paciente aguarde
em liberdade o Julgamento da apelação, alegando que o caráter de
reincidência que foi dado na sentença não existe, porque em processo, por idêntico delito, que o paciente cometeu no Paraná, foi ele
perdoado e o processo extinguiu-se,
isto é, foi decretada a extinção do
processo.
Na verdade, ao apreciar pedido
para o paciente aguardar em liberdade, formulado pelo Dr. Ivandir
Valesi (cópia de fls. 30/31-TJ), e
após a manifestação do Dr. Promotor de Justiça ( fl. 33-TJ), o juiz,
fundamentada mente ( fls. 34/35TJ), decidiu pela negativa do pedido para que Nomitor aguarde em
liberdade o Julgamento da apelação, esteado precisamente em -que,
no caso, a reincidência existe. O
réu não tem, portanto, condições
para aguardar em liberdade, por
essa circunstância, porque, embora realmente tenha havido perdão
no processo do Paraná, o fato delituoso existiu e comprova não ter
Nomitor bons antecedentes.
Mas ainda não considero propriamente esse aspecto. Considero
que a matéria foi devidamente
analisada e decidida pelo magistrado da instância singela, negando, por todas as razões que expôs
no seu decisório, o direito de o paciente aguardar o Julgamento da
apelação em liberdade.
Tendo em vista que o Juiz não se
omitiu na apreciação do tema, els
que o paciente Já apelou, também
expondo no recurso essas circunstânclas que alega no habeas corpus, não tenho dúvida em denegar
a ordem.
E como voto.
101
O Sr. Des. Milton Malulei (1? Revisor): De acordo.
O Sr. Des. Leão Neto do Carmo
(2? Revisor): Estou de acordo com
V. Exa.
Pelo menos não há prova nos autos de que o paciente tenha bons
antecedentes. Ainda há fato revelador que não os tem.»
Interposto recurso ordinário, sobre
ele assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. Getúlio Rivera Velasco
Catanhede:
allomitor Ferreira de
Moraes foi
denunciado e condenado pela Justiça Criminal de Nova AndradinaMS como incurso no art. 213 c/c o
art. 224, letra a, -e 225, f 1?, I, do
Código Penal, pela prática do crime de estupro com violência presumida.
Na sentença condenatória, o
magistrado considerou-o reincidente, porque este obtivera perdão Judicial em processo penal anterior.
Na decisão denegatória do
pedido de liberdade provisória, o
Juiz da causa, invocando doutrina e
Julgado dessa Colenda Corte, no
sentido de que o perdão Judicial
tem natureza condenatória, sem o
efeito de excluir a primariedade,
volta a sustentar que o réu é reincidente, sem direito a apelar em liberdade, eis que este fora perdoado pelo cometimento do crime previsto no art. 227, 4 3?, do Código
Penal.
4. Inconformado, impetrou o
réu habeas corpus para o Egrégio
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que reconheceu não só a
falta de primarledade, mas também a ausência de bons antecedentes, desse modo denegando o writ,
dal o presente recurso para essa
Colenda Corte, objetivando o recorrente o beneficio do art. 594 do Código de Processio Penal.
102
R.T.J. — 109
Esses os fatos, em resumo.
VOTO
O
Sr.
Ministro
Moreira Alves ( ReVerifica-se, portanto, que o lator): Para o beneficio
é
magistrado só alude, na sentença necessário que, além depleiteado
primário,
condenatória, a reincidência como tenha
o réu bons antecedentes.
Óbice para a concessão da liberdaNo
caso,
o simples fato da existênde provisória, deixando de mencio- cia de anterior
após condenanar a existência de bons antece- ção por crimeperdão
contra
os costumes
dentes (fls. 14/15).
está a demonstrar que não tem o reDessa situação resulta que, corrente bons antecedentes, o que
admitindo-se como primário o re- basta para afastar sua pretensão.
Em face do exposto, nego provicorrente, em decorrência da certidão de fl. 16, que atesta a conces- mento ao presente recurso.
EXTRATO DA ATA
são de perdão pelo querelante, cuRHC 61.263-MS — Rel.: Min. Moja sentença é extrativa da punibilidade, por expressa previsão legal reira Alves. Rect.: Nomitor Ferreira
(art. 108, V, C. Penal), o que afas- de Moraes (Advs.: António Moura
ta a reincidência, na conformidade Borges e outros). Recdo.: Tribunal
do art. 107, 3?, c/c art. 46 do esta- de Justiça do Estado de Mato Grosso
tuto penal, ainda assim faltaria o do Sul.
Decisão: Negado provimento. Unârequisisto de bons antecedentes,
não declarado na sentença, como é nime.
Presidência do Senhor Ministro
necessário, nos termos do art. 594
do CPP e iterativa jurisprudência Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
dessa Colenda Corte, para assegu- Senhores Ministros Moreira Alves,
rar o direito de recorrer em liber- Dedo Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek — Subprocuradordade.
Geral da República, Dr. Mauro Leite
Pelo improvimento do recur- Soares.
Brasília, 27 de setembro de 1983 —
so.» ( fls. 70/72)
Hélio Francisco Marques, SecretáE o relatório.
rio.
BABEM CORPUS 61.349 — BA
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek.
Paciente: Carlos Uns de Albuquerque — Coator: Tribunal Federal de
Recursos,.
Habeas comais. Competência da Justiça Federal. Peculato. Empregado dos. Correios. Prescrição retroativa não configurada. Agravamento da pena-base, sem fundamentação.
competente a Justiça Federal para julgar peculato cometido
por empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Se da sentença condenatória a acusação recorre, postulando nova
classificação do delito, e agravamento necessário da pena imposta pelo juiz de primeiro grau, frustra-se a prescrição retroativa.
Não fundamentado o acréscimo del um quinto sobre a pena-base,
não deve subsistir.
Pedido de babeas emala
que se acolhe, em parte.
R.T.J. — 109
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, de conformidade com a ata
de julgamentos e as notas taquigráficas, à unanimidade de votos, deferir
em parte o pedido, nos termos do voto do Ministro Relator.
Brasília, 18 de novembro de 1983 —
E:0cl Falcão, Presidente — Francisco Rezek, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Rezek:
Este habeas corpus volta-se contra
Acórdão do Tribunal Federal de Recursos, resumido nesta ementa:
«Penal. Peculato e Apropriação
Indébita. 1. O Réu funcionário público no exercido das respectivas
funções, apropriou-se de quantia
de que tinha a posse. 2. O fato ficou comprovado pela prova-técnica e testemunhal. 3. O dano a
considerar-se não é só ao patrimônio público, porém o que é suficiente para caracterizar a violação do
dever de fidelidade para com a Administração.» (fl. 46).
0, acórdão impugnado faz saber
que o réu foi processado porque, na
qualidade de chefe de turma da secção de exportação do correio geral
de Salvador — BA, abriu correspondência alheia, retirando cheque nominal, que transformou em cheque
ao portador, apagando o nome do beneficiário, e que descontou mais tarde.
Foi afinal condenado pelo juiz federal a um ano e oito meses de reclusão, além de multa, por crime de
apropriação indébita (art. 168 1?
III do Código Penal).
O Ministério Público apelou, vendo
na espécie o crime de peculato. Ob-
103
teve êxito, com o aumento da pena
para dois anos e cinco meses, sendo
a multa agravada.
Na impetração, alega-se a incompetência da Justiça federal. Postulase, ainda, o reconhecimento da prescrição retroativa, visto que a denúncia foi recebida em 2-10-75 e a sentença só se viu publicar em 6-3-81,
sendo a pena aplicada inferior a dois
anos. Impugna-se, por último, a elevação em um quinto da pena-base,
sem qualquer justificativa.
A Procuradora Haydevalda Sam-,
paio falou nos autos pelo Ministério
Público (fls. 63/65):
«Inquestionável, portanto, é a
competência da Justiça Federal,
nos termos do artigo 125, inciso IV,
da Constituição Federal, por se
tratar de crime cometido por funcionário público, no exercido de
suas funções em detrimento de serviços e interesse de empresa pública federal.
Quanto à alagada extinção da punibllidade, não assiste razão ao impetrante, visto que tendo sido majorada a pena imposta em primeira instância, a prescrição regulase pela pena concretizada no acórdão.
Como a condenação imposta foi
de dois anos e cinco meses, a sua
prescrição ocorre em oito anos,
consoante o estabelecido no artigo
109, IV, do Código Penal. E tal lapso de tempo não transcorreu entre
recebimento da denúncia, em 210-75 (v. fl. 7), e a sentença condenatória de primeiro grau, prolatada em 5-3-81 ( v. fl. 14).
No tocante à argüida ausência de
fundamentação, quanto à majoração da pena-base, parece-nos, data
venta, que assiste razão ao impetrante.
O acórdão impugnado, ao dar
provimento ao recurso da acusação, através de voto do Relator,
consignou, Verbis:
104
R.T.J. — 109
«De conseguinte, julgo procedente a denúncia e condeno o
acusado como incurso nas sanções do art. 312, do CP. O réu,
consoante anotara a sentença:
«... embora tenha bons antecedentes sociais, sua personalidade
é reveladora de periculosidade,
não indicando que abandone a
delinqüência; agiu, no caso em
exame, com forte intensidade dolosa, revelada na série de atos
que praticou com o objetivo de se
locupletar indevidamente; os motivos do delito se situam na formação moral do réu, que não disciplina a sua volúpia de ganhos;
as conseqüências do delito foram
minimizadas pela reparação do
dano» (fl. 415), motivo pelo qual
fixo a pena-base em 25 (vinte e
cinco) meses de reclusão, aumentada de 1/5 (um quinto)
tornando-a definitiva em 2 (dois)
anos e 5 (cinco) meses, e multa
de Cri 5.000,00, e sem direito a
surtas.» (fls. 55/56).
Não há dúvida portanto, que o
aresto condenatório padece de fundamentação, no concernente à majoração da pena-base, visto que
não foram indicadas as razões pelas quais a sanção foi aumentada
de um quinto.
Opinamos, em face do exposto,
pelo deferimento parcial do recurso, apenas para que seja excluído
da condenação o acréscimo de um
quinto, mantendo-se a pena-base
de vinte e cinco meses de reclusão.»
E o relatório.
vamente ameaçam a credibilidade,
perante o público, dos Correios, sabida tradicionalmente afetos à responsabilidade do governo da União. De
outra parte, o fato mesmo de o delito
ter sido classificado como peculato
proclama a competência do foro federal.
Está correta a classificação do delito pelo Tribunal Federal de Recursos.
A circunstância de encontrar-se o
cheque em carta simples, sem valor
declarado, não tem relevo jurídico
no quadro das questões penais aqui
versadas, se não se controverte que
o paciente detinha, em razão do cargo, a posse da carta.
Considerar o empregado da empresa pública funcionário para efeitos penais é estar em sintonia com a
jurisprudência deste Tribunal, pois
no mesmo sentido já se decidiu nos
RREE n?s 96.358-8-RJ (Rel.: Min. Alfredo Buzaid — DJ de 20-8-82) e
96.803-PE (Rel.: Min. Soares Munõz
— RTJ 103/869). Em ambos os casos
entendeu-se que empresa pública é
entidade paraestatal, e que, por isso,
aplica-se aos seus empregados o disposto no atual § 1? — antigo parágrafo único — do art. 327 do Código Penal Essa inteligência se harmoniza
com a autorizada doutrina de Hely
Lopes Meirelles, que considera as
empresas públicas as mais modernas instituições paraestatais (Direito
Administrativo Brasileiro, São Paulo, RT, 1979, pág. 334), razão por que
afirma que «empregados e dirigentes de empresa pública são considerados funcionários públicos, por expressa equiparação do Código Penal
(art. 327, parágrafo único)» (ob. cit.,
VOTO
págs. 339/340).
O Sr. Ministro Francisco Rezek
A prescrição retroativa invocada
(Relator): A Justiça federai é com- na impetração não deve ser reconhepetente para julgar o feito, visto que cida, pois o recurso do Ministério
o delito afeta serviço e interesse de Público a impediu. O intento do
empresa pública da União (art. 125 agravamento da pena na l apelação
— IV da Constituição). Atos como o foi evidente, já que o réu fura condeque vem descrito na denúncia efeti- nado em primeiro grau a um ano e
R.T.J. —
oito meses de reclusão, e, por força
do recurso do Ministério Público —
que visava a desclassificar o delito
para peculato —, sujeitou-se à pena
mínima de dois anos, prevista no
art. 312 do Código Penal. Além disso,
como anota a Procuradoria da República, a pena afinal imposta no aresto não autoriza a falar em prescrição.
Alega-se que no TFR a pena-base
foi fixada acima do mínimo legal e
majorada em um quinto, sem que
houvesse justificativa para tanto. A
irresignação, aqui, encontra patrocínio da Procuradoria-Geral, no
que tange ao acréscimo.
Efetivamente, não se procurou justificar a exasperação da pena-base,
que, por isso, não deve subsistir.
A própria fixação da pena-base,
em um mês acima do mínimo legal,
encontra justificativa no voto do revisor do acórdão impugnado.
las
109
Concedo a ordem, tão-só para excluir da condenação o acréscimo injustificado de um quinto sobre a
pena-base.
EXTRATO DA ATA
HC 61.349-BA — Rel.: Min. Francisco Rezek. Poete.: Carlos Uns de
Albuquerque. !rapte.: Aristides de
Souza Oliveira. Coator.: Tribunal Federal de Recursos.
Decisão: Deferido em parte nos
termos do voto do Relator. Unanime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Dedo Miranda. Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 18 de novembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.367 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Recorrentes: José Carlos Bernardino e outros — Recorrido: Tribunal de
Alçada Criminal do Estado de São Paulo.
Policial-militar. Crime militar. Policiamento exclusivo. Policiamento civil regular. Art. 9?. II do CEM.
— Quer no exercido do policiamento que é exclusivo da policia militar, quer no do policiamento civil que em decorrência de sua função
lhe seja regularmente atribuído, o policial-militar responde por crime
militar, verificados os requisitos do art. 9?, H do Código Penal Militar.
— Recurso de Hebetas corna improvido.
ACORDA°
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, em conformidade com a
ata de julgamento e notas taquigráficas, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Soares Muiloz, Presidente — Rafael
Mayer, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Rafael Mayer: Adoto, como relatório, o parecer emitido
pelo ilustre Procurador, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, devidamente
aprovado pelo eminente Subprocurador-Geral, Prof. Assis Toledo, nesses
termos:
«O caso foi relatado, às fls.
56/57, in verbis:
106
R.T.J. — 109
O bel. José Aranha impetra ordem de habeas corpus em
favor de José Carlos Bernardino
e Djalma Oliveira da Silva, alegando estarem eles sendo processados perante o douto Juízo da 4?
Vara Distrital da Casa Verde, como incursos nas sanções do art.
129 do Código Penal. Sendo os pacientes policiais militares, a
competência para o conhecimento do feito seria da Justiça Militar e não da comum, conforme
reiteradas decisões do Colendo
Pretório Excelso. Colhidas informações, o douto Juízo reporta-se
ao Acórdão proferido no pedido
de habeas corpus n? 114.032, decidido por esta mesma Casa, onde
se assentou a competência da
Justiça Comum no caso, pois se
tratava de fato onde não posta
em cheque a estrutura militar
(fls. 27/28). A douta Procuradoria-Geral da Justiça, custos legis, pela palavra do eminente Dr.
José Ferreira Nunes Júnior, reporta-se a parecer proferido no
habeas corpos anterior, pugnado
pela denegação do writ (fls.
43/47).»
Denegado o writ, veio a se? tempestivamente interposto o cabível
recurso, insistindo na pretensão
inicialmente deduzida.
Não merece prosperar, todavia,
a irresignação em causa.
Os fundamentos do acórdão recorrido foram assim externados:
Tratando-se de mera renovação da tese já decidida quando
do habeas corpos n? 114.032, como reconhece a própria peça
vestibular, menos não cabe do
que reportar-se esta Câmara ao
ali contido, pois é o entendimento
diuturno em seus julgamentos.
A pretensão de atribtik-se à
Justiça Militar a competência
para julgar os membros da
Polícia Militar, criando-Se uma
competência ratione personnae,
tem trazido dupla inconveniência: por um lado, é da experiência universal que o julgamento
do réu por seus próprios pares
pode levar a apreciação de fatos
a um perigoso subjetivismo, pelo
inafastável sprit de corps presente em qualquer corporação.
Cuidando dos vícios da percepção, em razão de seita, partido
ou grupo, assim discorria François Gorphe: gl'impartialité en
Lebon dans
politique, écrit
La Psychologie Politique, est impossible parce que l'homme linpartial aurait immédiatement
contre lui toas les partis, y cumpris celui auquel 11 appartient. Le
sectaire ou le partisan, ayant la
raison enfermée dans les formules dogmatique étroites, le coeur
asservi á des desirs cellectifs rigoureux, ne peut ni percevoir
convenablement les divers aspects d'un événement qui intéresse son groupement, ni en témoigner librement» («La Critique du
Témoignage», pág. 1%).
Qual o proveito para a sociedade da impunidade de fatos típicos, tratados, por vezes, como
mera infração administrativa?
Qual o proveito para a própria
corporação em ficar sob suspeita
de parcialidade, criando-se uma
fissura na sociedade, em razão
de circunstância tão secundária
como é a natureza da corporação
a que pertence o suspeito?
Julgando a Apelação n? 243.751,
de Olímpia, esta mesma Câmara, dando pela competência da
Justiça Comum para julgar miliciano a quem se atribui fato penalmente típico, reportou-se ao
julgamento do habeas corpus n?
106.866, de Rio Claro, sendo relator o insigne Silva Franco, onde
ficou dito que «não se criou, ao
nível constitucional, a Justiça Militar pela simples circunstância
a
R.T.J. — 109
de, enquanto militar, ser autor de um fato criminoso, mas,
sim, para julgar o militar que,
por seu procedimento, fere direta
e imediatamente a atividade militar. Entendimento contrário poderia conduzir ao absurdo, denunciado por Zaffaronl e Cavallero (Derecho Penal Militar,
pág. 4, 1980), de admitir-se
uma ordem jurídico-militar autônoma em relação à ordem jurídica global quando dentro
desta. Se se pode aceitar partilhas, não se pode conceber que
nenhuma dessas partes funcione
de forma enquistado ou independente, posto que isto seria totalmente contraditório com a expressão ordem, que demanda
uma unidade de compreensão».
Pontes de Miranda interpreta o
contido no 15 do artigo 153 da
Constituição Federal em cotejo
com o contido no 1?, do mesmo
dispositivo, que trata do principio
da isonomia. Reportando-se a
Gerhard Leibnolz, assevera o festejado constitucionalista pátrio
que «a justiça especial torna-se
exceção quando é instituída de
tal modo que viole o art. 153, §.1?:
todos são iguais perante a lei». E
mais adiante: «o if 15, 2? parte,
lê-se como se dissesse: não haverá outros foros privilegiados que
os instituídos pela própria Constituição, e.g., o do Presidente da
República, o dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, V. ref.
ao art. 150 da Constituição de
1967).
Nada justifica, pois que, puramente ratione personnae, o militar, que vive e atua em uma sociedade pluralista, goze de privilégios pessoais, em face da ordem Instituída paratodos, subtraindo-se da Justiça COnum a
apreciação de fato penalmente
tipico a ele atribuído tão-somente
107
em face de membro de uma corporação que zela pelos aspectos
disciplinares de sua conduta.
«O policial militar, no exercício
de função policial civil, isto é, na
realização de tarefas de prevenção ou até mesmo de repressão
de infrações penais não-militares, não pode ser havido se pratica ato criminoso, como autor
de crime militar, visto que a
atuação, por ele empreendida,
não se traduz em ofensa à estrutura militar» (Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, vol. 67, pág. 144).
O Colendo Supremo Tribunal
Federal ao ensejo do julgamento
do Recurso interposto em razão
do indeferimento daquele writ,
acenou com a impossibilidade de
«aprofundado exame da prova co-lhida no inquérito, incompatível com a via sumarissima do
habeas corpus» (textual — ementa de fl. 785).
Não tendo, como se vê da denúncia, cometido os pacientes
crime algum de natureza militar,
nada há que modificar, data
venta, no entendimento anterior
desta mesma Câmara.»
E certo que o recorrente indica
jurisprudência da Suprema Corte
que, a seu ver, favoreceria à tese
da impetração.
Contudo, esses precedentes não
se aplicam ao caso sob exame.
Assim entendemos porque, em
nenhum momento, cuidou o recorrente de demonstrar a ocorrência,
no caso, de qualquer das situações
que o art. 9? do Código Penal Militar define como suficientes à configuração do crime militar.
A jurisprudência da Corte Maior,
porém, já se firmou no sentido de
que
«A competência especial para
os crimes praticados por policial
ne
R.T.J. — 109
militar no exercício do policia- justiça de exceção privilegiando
mento civil somente se dá quan- uma classe, pois aquela conotação
do o agente se encontre em servi- supõe, objetivamente, situações e
ço no exercício regular da fun- atividades ligadas ao serviço que lhe
ção» (v. RHC n? 59.351-SP., E é próprio.
Turma, Rel.: Min. Rafael Mayer,
Tanto assim, que esta Turma já
decidiu que o crime praticado por
ln RTJ 102/1,077).
A denúncia de fls. 9/11, por sua policial-militar, no exercício da funvez, noticia que os fatos delituosos ção civil de delegado de polícia, não
ocorreram quando os pacientes se é crime militar (RECr n? 92.273,
adiavam à paisana, não tendo uti- Rel.: O MM Cunha Peixoto, RTJ
lizado armas pertencentes à corpo- 105/161), ou na execução de diligênração policial-militar, nem partici- cia não afeta a seu setor de trabalho,
a titulo de colaboração com outra
pado de policiamento ostensivo.
autoridade policial (HC n? 59.862,
De nenhum modo, pois, é possí- Rel.: o MM Néri da Silveira).
vel ajustar-se tais fatos à previOra, o policiamento que incumbe à
são do art. 9? do C. P. Militar, Polícia
Militar não se restringe ao
sem o que não se configura o cri- denominado
ostensivo, para assegume militar definido em lei, cogita- rar a manutenção
da ordem pública,
do pelo art. 144, § 1?, d da vigente atuando de maneira
preventiva ou
Lei Maior.
repressiva à suas perturbações (art.
Somos, em face do exposto, pelo 3? do Decreto-lei n? 667/69), com os
não provimento do recurso.»
seus vários desdobramentos (ostensivo normal, urbano e rural, de trânE o relatório.
sito, florestal e de mananciais, ferroviário, rodoviário, de rádio patrulha,
VOTO
de segurança externa dos estabeleciO Sr. Ministro Rafael Mayer (Re- mentos penais), como também aquelator): Conquanto correta a conclu- le que lhe seja fixado na legislação
são do venerável acórdão recorrido, estadual (Decreto n? 66.862/70).
em face das circunstâncias dos auAssim, quer no exercício do politos, falsa é a premissa maior de que ciamento que é exclusivo da policia
parte, ao ter que, em qualquer caso, militar, quanto no exercício do polinão comete o policial-militar crime ciamento civil que por decorrência
militar, quando no exercício do poli- de sua função lhe seja regularmente
ciamento civil, por não traduzir atribuído, o militar pode ser responofensa à estrutura militar.
sabilizado por crime militar, se veriOutro é o entendimento desta Cor- ficados os requisitos do art. 9?, II do
te, ao considerar que o policial mili- Código Penal Militar.
Por isso, o julgado pioneiro desta
tar comete crime militar, quando no
serviço do policiamento civil que se- Corte, em aplicando a Emenda Consja inerente ou conseqüente à sua titucional n? 7, no particular, e reforcondição funcional, desde que ocor- mulando a Súmula n? 297, tinha corentes os pressupostos do art. 9?, II, mo premissa crime praticado por
do Código Penal Militar, definidores militar no policiamento de trânsito,
decerto policiamento civil (RHC n?
do crime militar impróprio.
Rel.: o MM Rodrigues AlckClaro que não é somente a condi- 56.049,
min;
Cfr.
RHC n? 55.946, Rel.: o Min.
ção subjetiva de policial militar que
dá a conotação de militar ao crime Moreira Alves, RTJ 89/430).
Ora, o suposto da existência de cripor ele cometido; pois ai se incorreria certamente na mácula de uma me militar, praticado por policial
R.T.J. 109
109
militar, é a ocorrência dos mencionados requisitos do art. 9?, II, do
CPM, e em se tratando de crime
praticado no exercício do policiamento civil, a efetividade e regularidade desse exercício.
Não basta, portanto, para configurar o crime militar e suscitar a competência especial, a condição militar
dos impetrantes, se ao praticarem o
evento criminoso não se encontravam em serviço, quer propriamente
de policia militar, quer, por extensão, de polícia civil.
Ora, como bem destaca o douto
parecer, não há qualquer demonstração nos autos de que os impetrantes,
na condição de policiais militares, se
encontrassem em algumas das situações descritas na lei penal militar
como caracterizadoras do crime militar, pois, ao contrário, o que deflui
dos autos é que, em sua atuação delitiva, não se encontravam no exercício regular da função de policiamento que lhes é própria, sendo por-
tanto atos desvinculados do contexto
do serviço e da atividade própria do
policial-militar.
Nesses fundamentos, e de acordo
com o douto parecer, nego provimento ao recurso.
EXTRATO DA ATA
RHC 61.367-SP — Rel.: Min. Rafael
Mayer. Rectes.: José Carlos Bernardino e outro (Adv.: José Aranha).
Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal
do Estado de São Paulo.
Decisão: Negou-se provimento ao
recurso de habeas corpus. Decisão
unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Muttoz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Alfredo Bitzaid, Néri da Silveira e
Oscar Cpra. Subprocurador-Geral
da Rep lica. Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
HABEAS CORPUS N? 61.377 — PB
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Paciente: Francisco Estrela de Oliveira, vulgo «Tobias»' — Impetrante:
Romeu Gonçalves de Abrantes — Coator: Tribunal de Justiça do Estado da
Paraíba.
Decisão que cassou sentença absolutória e determinou a submissão do réu a novo júri. Observância do art. 593, Inc. III, letra d, do Código de Processo Penal.
Habeas corpus indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros co mpo
-netsdaSguTrmopemo Tribunal Federal, à unanimidade
de votos e na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, em indeferir o pedido.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente e Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Matei Falcão:
Trata-se de pedido de habeas corpus
em favor de Francisco Estrela de
Oliveira, vulgo «Tobias», contra decisão do egrégio Tribunal de Justiça
da Paraíba que, provendo recurso do
Ministério Público, fundado no art.
593, inc. III, letra d, do CP Penal,
cassou a sentença absolutória e determinou que o paciente fosse submetido a novo júri.
R.T.J. — 109
110
Sustenta o impetrante que o acórdão impugnado se valeu apenas de
indícios, para concluir pela autoria
intelectual do crime, atribuída ao
paciente, não havendo no caso uma
decisão contrária à prova dos autos.
Leio as considerações aduzidas na
petição de fls. 2/12.
Prestadas as informações de fls.
86/87, manifestou-se o Ministério Público pelo indeferimento do pedido
(fls. 89/92).
VOTO
O Sr. Ministro Djacl Falcão (Relator): A meu ver não procede o pedido. Conforme diz, com propriedade,
o parecer da douta Procuradoria da
República:
«Embora seja certo que o acórdão impugnado fundou-se em
indícios, verifica-se que o exame
dos mesmos foi feito de modo a gerar convencimento de manifesta
autoria intelectual do crime, por
parte do paciente.
5. Com efeito, lê-se no julgado,
In verbis:
A decisão do Tribunal do Júri
de Souza está realmente a merecer reforma. Efetivamente, os autos oferecem seguros elementos
que apontam o apelado como
mandante do homicídio de que
foi vítima sua amante.
Os indícios exsurgem de forma
clara dos autos e apontam o apelado como mandante do delito e
Severino Calixto como executor
do mesmo.
Os motivos que determinaram
o homicídio, os tinha o apelado; a
arma usada na prática do crime
lhe pertencia; os contatos insólitos entre ele e Severino Calixto
nas horas que antecederam o
bárbaro crime; a fuga de Severino Calixto logo após a prática do
fato; tudo enfim, leva a inconces-
sa certeza quanto a autoria material e intelectual da radie de
Margarida.
Por outro lado, se a lógica é
coerência do raciocínio, temos
que admitir que sendo Margarida
uma mulher jovem e atraente,
vivendo apenas como uma mulher privilegiada do apelado que
já tinha ultrapassado os 61 anos
de idade, a incompreensão e a
desinteligência tinham que surgir.
Há nos autos informações sobre profunda desinteligência do
casal, inclusive, tentativa de
morte por parte do apelado. Por
igual patenteado, ficou, que a
vítima fugira do apelado mais de
uma vez, e ultimamente, inconformada com sua sorte entregara-se à bebida.
Se o apelado tivesse mandado
um pistoleiro estranho à região,
eliminar a vítima, sem se preocupar em esquematizar o álibi,
evidentissimo que esquematizou,
o caso descambaria para dúvida.
Agir, porém, como agiu, contratando um desqualificado local para realizar a empreitada, ultrapassou os limites da infantilidade
ou da indignação.
Qualquer pessoa possuidora de
sagacidade ordinária, sem qualquer conhecimento especializado
chega à conclusão a que chegaram o Juiz e o Promotor. Não
obstante os Srs. Jurados absolveram o apelado pela negativa da
autoria.
A força probante dos indícios
equivale a qualquer melo de prova. Será naturalmente, maior ou
menor segundo o nexo lógico experimental entre o fato indiciante
e o fato a ser provado. Ou melhor,
quanto maior for a correlação
entre os dois, mais evidentes estará a existência do segundo.
111
R.T.J. — 109
No caso ocorrente, basta juntar
alguns dos indícios apurados para que a autoria intelectual surgir como um imperativo ditado
pelo próprio bom senso.
Daí a necessidade da hipótese
ser novamente submetida á apreciação do Júri.
Vê-se, pois, que o acórdão em
questão fundou-se na assertiva de
que a prova dos autos, embora indiciária, apontara a autoria intelectual do crime pelo paciente, «como um imperativo ditado pelo próprio bom senso.» (v. fls. 53).
7. Se, portanto, o aresto acolheu
recurso fundado no art. 593, Hl, d,
do Cl'!', mostrou-se coerente, pois
quem afirma que os jurados negaram autoria que — em face dos
indícios examinados — surge «como imperativo ditado pelo próprio
bom senso», está afirmando, é óbvio, que os jurados decidiram contra a prova manifesta dos autos»
( fls. 90/92).
Na verdade, a motivação que serviu de base á anulação do julgamen-
to pelo Tribunal do Júri, situa-se nos
termos do citado artigo do Código de
Processo Penal.
Ante o exposto indefiro o pedido.
EXTRATO DA ATA
HC 61.377-PB — Rel.: Min. Djaci
Falcão. Pacte.: Francisco Estrela de
Oliveira, vulgo Tobias. Impte.: Romeu Gonçalves de Abrantes. Coator.: Tribunal de Justiça do Estado
da Paraíba.
Decisão: Indeferido o pedido, à
unanimidade de votos.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Decio Miranda,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Moreira Alves. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mauro
Leite Soares.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
BARRAS CORPUS Nt 61.390 — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Paciente: Helito Faustino Silva — Impetrante: Zeila Mary Costa Souza —
Coator: 2? Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro.
Habeas Corpus. Competência. Apelação deserta. Revisão. Autoridade coatora.
1. O principio de que Julgada a apelação o Tribunal se torna autoridade coatora mesmo quando se invoquem, no habeas corpus, nulidades do processo-crime por ele não apreciadas, não tem aplicação
quando, tida por deserta a apelação, não se instaurou o Juizo recursal,
&Malta a sentença em primeiro grau.
O principio igualmente não se aplica quando instaurado o
juizo revisional, de âmbito restrito, nele não se apreciaram as questões suscitadas, em primeira mão, no pedido de habeas corpus.
Em qualquer desses casos, não sendo o Tribunal autoridade
coatora, incompetente é o STF para o writ. Habeas corpus não conhecido.
R.T.J. — 109
112
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, em conformidade com a
ata de julgamentos e notas taquigráficas, à unanimidade, em não conhecer do habeas corpus, devolvendo o
processo ao 2? Tribunal de Alçada do
&Stade Saio de Janeiro.
BitMlbt, 10 de fevereiro de 1984 —
Soares Maga, Presidente — Rafael
Mayer, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Rafael Mayer: Adoto, como relatório, o parecer do ilustre Procurador, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, devidamente aprovado
pelo eminente Subprocurador, Prof.
Assis Toledo, in verbis:
«1. O paciente foi denunciado e
condenado — como incurso no art.
157, § 2?, I, do Código Penal — a
cinco anos e quatro meses de reclusão, além de multa (Proc. n?
30.162/69, da 5! V. Cr. do Rio de Janeiro).
Houve apelação da defesa mas
o colegiado julgador considerou-a
deserta.
Pediu-se revisão criminal,
que não foi acolhida.
Agora, mediante impetração
sob exame, alega-se: a) afronta ao
art. 41 do CPP, b) inobservância
do disposto no art. 226 desse diploma; c) inocorrência do trânsito em
julgado da sentença condenatória.
Não nos parece procedente,
porém, a primeira das alegações
acima referidas.
6. Com efeito, inepta não é a denúncia de fls. 1-A, dos autos em
apenso, que narrou, com todas as
circunstâncias essenciais, o roubo
atribuído ao paciente.
Quanto à segunda alegação
do impetrante afirma-se que o auto de reconhecimento do paciente,
na policia, não foi subscrito por delegado e que dele não consta a qualificação das testemunhas nem a
assinatura do reconhecido.
O auto de fls. 9 (dos autos em
apenso), todavia, embora não registre a observância das cautelas
previstas no art. 226, II, do CPP,
atende às exigências do inciso IV
desse artigo.
Por outro lado, tratando-se
de peça extrajudicial, suas eventuais falhas não teriam o condão
de invalidar o processo subseqüente ao inquérito, pois delas não cuida o art. 564 do CPP.
Quanto ao trânsito em julgado em sentença condenatória,
igualmente não merece prosperar
a impetração.
No particular, as informações (de fls. 24/25) esclarecem que
a apelação do paciente foi julgada
deserta, «por força do disposto no
art. 595 do CPP.»
Por outro lado, certo é que o
paciente já pediu revisão criminal,
que não foi acolhida (v. fls. 212 a
215 dos autos em apenso), e cujo
pressuposto é o trânsito em julgado da decisão revista.
Somos, em face do enunciado,
pelo indeferimento do pedido.»
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Rafael Mayer (Relator): Há uma questão preliminar.
A única intervenção do Tribunal
de Justiça local no processo-crime
cujas nulidades fazem objeto da impetração consistiu em declarar deserta a apelação nos termos do art.
595 do Código de Processo Penal. Es-
R.T.J. 109
se ponto não é alvo do ataque que todo se dirige contra os eventos do
processo em primeiro grau.
Deserta a apelação, perempta a
devolução que lhe é inerente, o trânsito em julgado da sentença se opera
automaticamente, sem possibilidade
de manifestação do Tribunal.
A jurisprudência desta Corte tem
como assente que o julgamento da
apelação investe o Tribunal na condição de autoridade coatora nos procedimentos do habeas corpus vinculados ao respectivo processo-crime,
ainda quando nestes se suscitem nulidades a cujo respeito não se tenha
pronunciado o juízo de apelação,
atraída portanto a espécie à competência do Supremo Tribunal Federal
(RHC n? 59.731 — lt Turma, Rel.: O
Min. Néri da Silveira; RHC n? 59.759,
2t Turma, Rel.: O Min. Firmino
Paz).
A contrário senso, não instaurado
o juízo de apelação não se verifica
decisão do Tribunal de que decorra
constrangimento ao réu, pois esta
emana necessariamente do trânsito
em julgado da sentença de primeiro
grau, convalidante das nulidades
apontadas.
Logo não se há de apontar o Tribunal Federal local como autoridade
coatora, não se firmando, de conseguinte, a competência do Supremo
Tribunal Federal para o julgamento
do presente habeas corpus.
Certo é que houve pedido revistonal do paciente, indeferido pelo
Egrégio Tribunal a quo, embora a
ele não se reporte a impetração.
Todavia, como se vê de informações constantes dos autos do processo-crime em apenso, o processo
revisional não tem a mesma temática que a presente impetração,
cingindo-se à alegação de que a sentença condenatória contrariava texto
expresso de lei e a evidência dos au-
113
tos, havendo novas provas de inocência do acusado, com a invocação do
art. 621, I e III do CPP.
Baseando-se a revisão em fundamentos estritos, e admitida a sua renovação por fundamento que não tenha sido apreciado, o seu julgamento
não põe o Tribunal como autoridade
coatora no tocante às matérias suscitadas em babem corpus que não
tenham sido perante ele deduzidas.
Diferente do da apelação é o tratamento que lhe dá esta Corte, como
se vê de caso análogo, julgado pela
Egrégia Segunda Turma (HC n?
58.898, Rel.: O Min. Moreira Alves),
não conhecida a impetração contra o
Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, com fundamento em nulidades da instrução criminal, posto que
«o acórdão prolatado em revisão criminal se adstringiu ao exame da
alegação de que as provas não autorizaram a condenação do ora paciente, o que nada tem que ver com as
alegações constantes nesse habeas
corpus (in RTJ 102/552 ).
Assim, também sob_ esse prisma,
não é o Tribunal a quo autoridade
coatora, nem, portanto, competente
esta Corte.
Pelo exposto, preliminarmente,
não conheço do pedido e remeto os
autos ao Egrégio Segundo Tribunal
de Alçada do Rio de Janeiro.
EXTRATO DA ATA
HC 61.390-RJ— Rel.: Min. Rafael
Mayer. Pte.: Helito Faustino Silva.
Impte.: Zelia Mary Costa Souza.
Coator: 2? Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: Não se conheceu do
habeas corpus e se devolveu o processo ao 2? Tribunal de Alçada do
Estado do Rio de Janeiro. Decisão
Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Munõz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Alfredo Buzaid, Néri da Silveira e
114
R.T.J. — 109
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
da República, Dr. Francisco de As- Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
sis Toledo.
BARBAS CORPUS N? 61.402 — RJ
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Paciente: Jorge Luiz da Silva — Impetrante: Antonio Jorge de Souza —
Coator: 2? Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro.
Defesa. Cerceamento. Falta de intimação de defensor do réu, para a audiência em que foi ouvida a única testemunha do sumário.
Igual omissão, quanto aos prazos dos arts. 499 e 500 do CPP. Deferimento do pedido.
ACÓRDÃO
nha da acusação que compareceu
a Juizo (8? Vara Criminal da CapiVistos, relatados e discutidos estes
tal-RJ).
autos, acordam os Ministros compoEm segundo lugar ressalta o imnentes da Segunda Turma do Suprepetrante que esse patrono partimo Tribunal Federal, á unanimidade
cular (nomeado às fls. 84) também
de votos e na conformidade da ata
não foi notificado para se pronundo julgamento e das notas taquigráciar no prazo do artigo 499, do C.
ficas, em conceder a ordem, nos terde Pr. Penal.
mos do voto do Relator.
Por último vale frisar que tamBrasília, 14 de fevereiro de 1984 —
bém não se intimou o advogado da
Djaci Falcão, Presidente e Relator.
preferência do paciente para apresentar Alegações Finais (art. 500,
RELATORIO
CPP) em favor de seu constituinte.
Assim sendo, Eminente Ministro,
O Sr. Ministro Djaci Falcão: O adinegável o cerceamento de defesa
vogado Antonio Jorge de Souza imimposto ao ora paciente, face ao
petra habeas corpus em favor de
disposto no artigo 153, § 15, da
Jorge Luiz da Silva, expondo na parConstituição Federal» (fls. 2).
te essencial do pedido:
COnclui pedindo a nulidade do pro«O paciente está condenado pela cesso,
com expedição de alvará de
Justiça Pública do Rio de Janeiro soltura.
(II Tribunal de Alçada, 4? CC,
O pedido vem instruido com os doApel. n? 16.485).
cumentos de fls. 4 /19. Prestadas as
Sucede, entretanto, Excelência, informações de fls. 27/28, e requisique o mesmo acha-se submetido a tados os autos da ação penal (apenflagrante coação ilegal por cercea- sados), opinou o Ministério Público:
mento de defesa.
«1. Cuida-se de pedido de anulação do processo em que o paciente
Primeiro porque apesar de ter
foi condenado, na 8? Vara Criminal
advogado exclusivo este não foi
do Rio de Janeiro, como incurso no
intimado para participar do ato
art. 157, § 2?, II, do C. Penal (Proc.
processual de fls. 149 (originais),
onde se inquiriu a única testemun? 41.755).
R.T.J. — 109
Alega-se, como causas de nulidade: a) que o advogado do paciente não foi intimado para a audiência em que foi ouvida a única
testemunha do rol da acusação a
comparecer a juizo; b) que o mesmo patrono não foi intimado para
os fins do art. 499 do CPP; c) que o
defensor também não foi intimado
para apresentar alegações finais.
As informações de fls. 27/28,
noticiam, In verbis:
— O paciente, na Ação Penal
n? 41.755, foi denunciado como
infrator do art. 157, § 2? I e II do
Código Penal.
No interrogatório, o advogado
constituído, em alegações preliminares, negou a autoria dó crime imputado a seu cliente, arrolando testemunhas.
Consta dos autos o termo de inquirição da testemunha indicada
na denúncia, registrando a respectiva assentada a presença de
defensor nomeado para aquele
ato (xerocópia).
Pela defesa foram inquiridas
três testemunhas e, em virtude
da ausência do patrono do ora
paciente, não obstante a sua regular intimação, a Dra. Juíza nomeou o Dr. Defensor Público em
exercício, naquele Juízo para
assisti-lo (fls. 164 e verso).
Na fase das alegações finais,
abriu-se vista dos autos ao advogado exclusivo do réu (fls. 175v.)
sem que o mesmo apresentasse
as razões no prazo legal (art. 500
do CPP), o que motivou o despacho determinando vista à Defensoria Pública para que se suprisse a ausência daquele (xerocópia).
A sentença do Juízo de primeiro grau censurou a inércia do advogado constituído e condenou o
115
paciente como incurso no art.
157, § 2?, II do CP, fixando a pena
em 6 anos, 8 meses de reclusão e
multa de Cr$ 12.000,00 e medida
de segurança por 2 anos (reincidência em crime doloso), sendo a
decisão integralmente confirmada em grau de Apelação (fls.
179/183 — fls. 204/205 e 104/106).
4. Com a apensação dos autos
principais, verificamos o seguinte:
o paciente, ao ser interrogado em Juizo , indicou como seu
defensor o Bel. Antonio Jorge de
Souza (v. fls. 84);
esse advogado apresentou
defesa prévia e arrolou testemunhas (v. fls. 86);
foi designado o dia 22-12-81
para o inicio do sumário (v. fls.
116), que se realizou naquela data, sem que tivesse sido intimado
o defensor do paciente (v. fls.
116/149);
a essa audiência, esteve ausente o Bel. Antonio Jorge de
Souza, ficando a defesa do paciente a cargo do Dr. Guilherme
Piquei (v. fls. 149);
e) na mesma audiência foi ouvida uma única testemunha (v.
fls. 149), cujo depoimento velo a
ser levado em conta — decisivamente — pela sentença condenatória (v. fls. 179/182);
O tendo o Ministério Público
desistido dos depoimentos das demais testemunhas arroladas com
a denúncia (v. fls. 155 v.), foi designado o dia 17-3-82 para a audiência de oitiva das testemunhas da defesa (v. fls. 156v.);
g) o Bel. Antonio Jorge de Souza foi intimado para a audiência
(v. fls. 164v.), mas a ela não
compareceu; por isso, foi nomeado, ad hoc, o Dr. Roberto Vitagliano (v. fls. 166/166r.);
116
R.T.J. — 109
h) o defensor do paciente também não foi intimado com respeito aos prazos dos arts. 499 e 500
do CPP, ficando as alegações finais a cargo da Defensoria Pública (v. fls. 167/177v.).
De todo o exposto, verifica-se
a procedência das alegações do impetrante, de vez que a defesa do
paciente resultou cerceada, não
tendo sido sanados os vícios processuais ocorridos.
Com efeito, é magistério da
Suprema Corte que «o defensor deve ser intimado para ciência de
quando se procederá a instrução
criminal, e a ausência de tal ato
configura nulidade» (v. RTJ
66/400).
E certo que essa omissão
tem natureza relativa, não acarretando a anulação do processo
quando suprida por falta de argüição oportuna (art. 572, I, cc o art.
571, II, do CPP), ou quando não tenha influído na decisão da causa
(art. 566, do CPP).
No caso, porém, viu-se que o
defensor constituído pelo paciente
não teve oportunidade de argüir a
falta ao ensejo das alegações finais
— pois não lhe foi dada intimação
e que o depoimento colhido na audiência questionada serviu de fundamento à sentença.
9. Somos, então, pelo deferimento do wrlt, para que seja anulado o processo em causa, a partir
da audiência de fls. 149 (inclusive),
delegando-se ao juiz da causa expedir o pretendido alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso. Justificamos essa cautela, em face dos
antecedentes noticiados às fls.
104/108 dos autos em apenso.
Brasília, 7 de fevereiro de 1984 —
Alvaro Augusto Ribeiro Costa, Procurador da República — Aprovo:
Francisco de Assis Toledo, Subprocurador-Geral, da República» ( fls.
55/58).
VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator): No caso sob apreciação verifica-se que o defensor constituído pelo acusado não foi intimado para a audiência de instrução, em que foi ouvida uma única testemunha de acusação, cujo depoimento serviu de suporte decisivo à sentença condenatória. Além disso, o seu defensor
também não foi intimado com respeito aos prazos para requerimento
de diligências e alegações finais
(arts. 499 e 500 do Código de Processo Penal), ficando estas a cargo da
Defensoria Pública.
Observo que, na espécie, o defensor constituído não teve oportunidade de argüir a falta de intimação para o sumário, pois não foi intimado
para o oferecimento das alegações
finais.
Ante o exposto e de acordo com o
parecer, concedo a ordem de habeas
corpus para apular o processo a partir da audiência de instrução, inclusive, devendo ser regularmente renovado. Outrossim, determino a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por ai não se
achar preso.
EXTRATO DA ATA
HC 61.402-RJ — Rel.: Ministro Diaci Falcão. Pte.: Jorge Luiz da Silva.
Impete.: Antonio Jorge de Souza.
Coator: 2? Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: Concedida a ordem nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
R.T.J. — 109
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
117
Brasília, 14 de fevereiro de 1984 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
HABEAS CORPUS N? 61.416 — MG
(Segunda Turma)
•
Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek.
Paciente: Mauricio Barbosa da Cruz — Coator: Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais.
Não importa constrangimento ilegal o desarquivamento de inquérito policial militar, com base em representação do Juiz corregedor,
nos termos de previsão legal expressa. Inaplicabilidade da Súmula
524. Precedente do STF.
«Verifica-se dos autos que, em
ACORDA()
data de 19 de maio de 1980, nesta
Capital, cerca das 00:40 horas,
Vistos, relatados e discutidos estes
nas imediações da Avenida Bias
autos, acordam os Ministros da SeFortes, ocorreu a morte do civil
gunda Turma do Supremo Tribunal
Ismail Cândido Rosa, atingido
Federal, de conformidade com a ata
por disparo de revólver, fugindo
de Julgamentos e as notas taquigráfiautor do local. Na ocasião, o
cas, à unanimidade de votos, indefeevento teria sido presenciado por
rir o pedido.
João Batista Campos, que chaBrasília, 16 de dezembro de 1983 —
mou imediatamente uma Rádio
Decio Miranda, Presidente — FranPatrulha,
expondo aos patrulheicisco Rezek, Relator.
ros como o fato ocorrera. Saíram
todos, então, ao encalço da pesRELATÓRIO
soa que fizera os disparos. PouSr. Ministro Francisco Rezek:
cos quarteirões à frente, a dita
Neste habeas corpus profliga-se o
testemunha indicou o Sd. PM
desarquivamento de inquérito poliMaurício Barbosa da Cruz como
cial militar, por força de representaautor do homicídio, dizendo, In
ção do Juiz corregedor ao Tribunal
verbis, que «o depoente afirma
de Justiça Militar de Minas Gerais.
categoricamente que é a mesma
O fato importaria desrespeito à Jupessoa que disparou os tiros no
risprudência estampada na Súmula
indivíduo na rua Curitiba com
ti? 524.
Rias Fortes». Encaminhados os
autos à Justiça Militar, o repreProcurador Alvaro Ribeiro Cossentante do Ministério Público
ta, intervindo nos autos pelo Ministépediu
o arquivamento por entenrio Público Federal, assim opina:
der
não
provada a autoria do
«Não sofre o paciente, a nosso
evento,
com
o que concordou o
ver, constrangimento ilegal ou abuJuiz Auditor. O despacho de arsivo.
quivamento, nessas condições,
O Acórdão de fls. 27, ao acolher
não pode prevalecer. O art. 30 do
a representação do Corregedor da
Código de Processo Penal Militar
Justiça Militar Estadual, fundou-se
dispõe que a denúncia deve ser
nas considerações assim enunciaoferecida quando existe um fato
das:
que, em tese, constitua crime e
R.T.J. — 109
118
indícios de sua autoria. In caso,
mais que indícios, temos afirmação de prova testemunhal ocular,
impondo-se um processo crime
regular para que se apure o que
de fato deve ter acontecido. Nessas condições, o arquivamento
está infundado, procedendo a Representação do Juiz Corregedor,
devendo ser remetidos os autos
ao Procurador-Geral da Justiça,
que decidirá como devido».
A colenda P Turma da Suprema
Corte, outrossim, apreciando impetração semelhante à de que ora se
cuida, assinalou a inaplicabilidade
da Súmula n? 524 à hipótese de inquérito da Justiça Militar, desarquivado por via da correição parcial prevista no art. 498, b, do
CPPM (v. HC n? 61 212-1-MG, Rel.:
Min. Oscar Corrêa, cfe. notas taquigráficas anexas).
Somos, em face do exposto, pelo
indeferimento do pedido» ( fls.
36/38).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Rezek
(Relator): O precedente citado pelo
Ministério Público tem esta ementa:
«Desarquivamento de inquérito
policial militar pelo Tribunal de
Justiça Militar, acolhendo pedido
do Corregedor. Legalidade, em
face do artigo 311, II, da Resolução n? 61, de 8-12-1975, do Colendo
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, expressamente, o prevê.
Distinção entre a lei processual
penal comum e a militar federal.
Inaplicabilidade, ao caso, da Súmula n? 524.
Habeas Corpus indeferido» ( fls.
39).
No corpo do precedente ficou
acertado que
«... Na justiça militar federal ou
estadual mineira, a Súmula n? 524
só terá aplicação, se o inquérito
arquivado, de que não discordou o
Corregedor, for posteriormente desarquivado, sem novas provas,
mas não para o caso concreto em
que o desarquivamento se deu em
decorrência da atuação do Corregedor da Justiça Militar do Estado
de Minas Gerais».
Acolhendo o parecer transcrito, e
na trilha do precedente, indefiro o
pedido.
EXTRATO DA ATA
HC 61.416-MG — Rel.: Min Francisco Rezek. Pacte.: Mauricio Barbosa da Cruz. Impte.: Helena Vieira.
Coator.: Tribunal de Justiça Militar
do Estado de Minas Gerais.
Decisão: Indeferido o pedido, à
unanimidade de votos. Ausente, ocasionalmente, o Senhor Ministro Djaci
Falcão.
Presidência do Senhor Ministro
Decio Miranda. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Aldir Passarinho e Francisco Reza. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Moreira Alves. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Djaci Falcão.
Subprocurador-Geral da República,
Dr. Mauro Leite Soares.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
R.T.J. — 109
119
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.422 — RS
(Segunda Turma)
Relator: O Sr.Ministro Decio Miranda.
Recorrente: Edivar Moacir Pereira Pedroso — Recorrido: Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Penal. Prescrição da ação penal. Quesito respondido pelo Júri,
em julgamento antecedente, no sentido de reconhecer a atenuante de
violenta emoção, provocada por ato injusto da vitima. Anulado o julgamento, o novo Conselho de Sentença não estará adstrito a admitir a
atenuante. Conseqüentemente, impossível reconhecer-se prescrição
com base nessa imaginada perspectiva.
sido questionados sobre a moderaACÓRDÃO
ção e o elemento subjetivo determinador do excesso.
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do SuSubmetido a novo julgamento
premo Tribunal Federal, em segunpelo Tribunal do Júri, foi o pacienda turma, na conformidade da ata
te absolvido. Todavia, provendo
do julgamento e das notas taquigráapelo do Ministério Público, a 2?
ficas, por unanimidade de votos, em
Câmara Criminal do Tribunal de
negar provimento ao recurso.
Justiça determinou que fosse novamente julgado, por ter sido a deciBrasília, 25 de novembro de 1983 —
são absolutória manifestamente
Djaci Falcão, Presidente — Decio
contrária à prova dos autos.
Miranda, Relator.
Na impetração, ora em grau
RELATÓRIO
de recurso, o advogado Ney Fayet
pleiteia que seja declarada extinta
O Sr. Ministro Decio Miranda: Rea punibilidade do paciente, pela
za o parecer da Procuradoria-Geral
prescrição da ação penal.
da República, de lavra da ProcuraSustenta o impetrante que a
dora Haydevalda Aparecida Sampena de quatro anos fixada na senpaio e aprovação do Subprocuradortença do Presidente do Tribunal do
Geral Prof. Francisco de Assis ToleJúri, pelo homicídio privilegiado,
do:
passou a ser definitiva para a acusação, uma vez que o Tribunal a
«1. Julgado pelo Tribunal do Júri de Alegrete, Edivar Moacir Pequo negou provimento à apelação
reira Pedroso foi condenado, por
do Ministério Público, não podendo
homicídio privilegiado, a quatro
ser imposta ao paciente, em outro
anos de reclusão.
julgamento, pena maior.
2. A 2? Câmara Criminal do TriE certo, consoante iterativa
bunal de Justiça do Estado do Rio
jurisprudência do Pretório ExcelGrande do Sul conheceu, apenas
so, que anulada sentença condenaem parte, a apelação interposta
tória, em recurso apenas do réu,
pela defesa. Inconformado, o panão é possível, em novo julgamenciente recorreu extraordinariato, agravar a pena ( v. HC n?
mente, tendo a Suprema Corte
59.634-GO, Rel.: Ministro Alfredo
anulado o julgamento, por não teBuzaid, RTJ 101/1010; RHC n?
rem os jurados, após negado a ne53.441-RJ, Rel.: Ministro Bilac Pincessidade dos meios empregados,
to, RTJ 74/654 ).
120
R.T.J. — 109
7. Todavia, esta tese não se
aplica quando se trata de decisão
proferida pelo Tribunal do Júri, como bem acentuou o acórdão recorrido, «verbis»:
Com efeito, a pena de quatro
anos, imposta ao paciente no julgamento anulado, decorreu de o
Conselho de Sentença ter reconhecido a atenuante do artigo 48,
inciso IV, letra c,última parte, ou
seja, a circunstância de haver
praticado o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vitima.
Quando proferiu a sentença, o
Dr. Juiz Presidente tomou essa
circunstância como se fora a privilegiadora do § 1? do artigo 121 e
fez a redução da pena prevista
para o homicídio emocional. Frisou a Câmara, na oportunidade
de julgar a apelação do réu, que
houvera erro na graduação da
pena, e agregou que o erro não
podia ser corrigido naquela ocasião, diante dos termos das razões do órgão do Ministério Público.
lho aceite ou rejeite circunstâncias de agravação ou de atenuação da penabilidade.
Ora, se existe a possibilidade
legal de o novo Conselho negar a
dita atenuante, a pena, sendo isto
possível, deverá ser necessária e
forçosamente, maior que a anterior. Porém, não se podendo prever qual será esse aumento, eis
que a lei não preestabelece o
quantum de redução das atenuantes, qualquer discussão em
torno da pena final e conseqüente
prescrição é discussão a partir
de conjeturas e suposições, que
não se adequa à índole do liabeas corpos. Mas fica, de tudo, a
dúvida sobre se ocorrerá, ou não,
a antevista extinção da punibilldade. (fls. 54).
Opinamos, em face do exposto,
pelo não provimento do recurso.»
(fls. 105/9).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Decio Miranda (Relator): Acolho a fundamentação e a
conclusão do douto parecer.
Realmente, como bem salienta o
Desde logo é evidente, no enrecorrido, o novo Conselho
tanto, que o novo Conselho de acórdão
Sentença, se proposto outra vez
Sentença, se proposto outra vez o de
quesito, não estará obrigado a determinado quesito, respondido de
admitir aquela referida atenuan- certa forma no julgamento anulado,
te, pois irá rejulgar desfrutando não está adstrito a renovar a resposda plena soberania decisória, não ta anterior, «pois irá rejulgar desfrusó quanto a ser culpado ou ino- tando da plena soberania decisória,
cente o réu, como ainda em rela- não só quanto a ser'culpado ou inoção aos ingredientes formadores cente o réu, como ainda em relação
da pena. Assim como o Conselho aos ingredientes formadores da peanterior dispôs de liberdade para na».
Isto posto, nego provimento ao rereconhecê-la, o seguinte gozará
de mesma liberdade tanto para curso.
admiti-la novamente, quanto paE o meu voto.
ra rejeitá-la. Isto porque aquela
regra de jurisprudência não tem
EXTRATO DA ATA
força para cercear o poder julgaRHC 61.422-RS — Rel.: Min. Decio
dor do Tribunal do Júri, até o
ponto de impedir que seu conse- Miranda. Recte.: Edivar Moacir Pe-
R.T.J. — 109
relva Pedroso (Adv.: Ney Fayet).
Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Decisão: Negado provimento. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes á Sessão os
Senhores Ministros Decio Miranda e
121
Aldir Passarinho. Ausentes, jutificademente, os Senhores Ministros Moreira Alves e Francisco Reza.
Subprocurador-Geral da República,
Dr. Mauro Leite Soares.
Brasília, 25 de novembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
HABEAS CORPUS N? 61.426 — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Soares Mufioz.
Paciente: Antônio José da Silva — Coator: Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro.
Tribunal cio Júri. Embriaguez. Questionário utilizando as expressões da lei, suprimida apenas a forma negativa, aliás com vantagem,
pois as perguntas sob a forma negativa podem gerar confusão.
Habeas corpus Indeferido.
ACORDA()
Funda-se o verti na alegação de
que o questionário formulado aos juVistos, relatados e discutidos estes rados foi redigido de forma imperfeiautos, acordam os Ministros do Su- ta e capaz de gerar dúvida e perplepremo Tribunal Federal, em Primei- xidade no Conselho de Sentença. Ca
ra Turma, na conformidade da ata mo se vê por cópia xerox autêntica
do julgamento e das notas taquigrá- anexada à petição inicial, indaga o
ficas, por unanimidade de votos, in- aludido quesito impugnado:
deferir o pedido de «habeas corpus».
O réu, por embriaguez, proBrasília, 10 de fevereiro de 1984 —
veniente de caso fortuito ou torça
Soares Muhoz, Presidente e Relator.
maior, possuía ao tempo da ação a
plena capacidade de entender o caRELATÓRIO
ráter criminoso do fato?»
O réu, por embriaguez, proO Sr. Ministro Soares Mtuloz: O
veniente de caso fortuito ou força
advogado Odarico Carvalho impetra
maior, possuía ao tempo da ação a
ordem de habeas corpus pleiteando a
plena capacidade de determinar-se
decretação da nulidade da decisão
de acordo com o entendimento do
do 4? Tribunal do Júri do Rio de Jacaráter' criminoso do fato?» (fls.
neiro, mantida, em grau de apela2/3).
ção, pela 3? Câmara Criminal do TriData venta, aduz a impetração,
bunal de Justiça que condenou
Antonio José da Silva, como incurso
«Foi multo infeliz a redação desno art 121, • 2?, I e IV, do Código
se quesito. Pela sualiteralidade, a
Penal, a quinze (15) anos de recluplena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou
são e lhe impôs a medida de segurança detentiva consistente em indeterminar-se de acordo com esse
ternação em colônia agrícola pelo
entendimento, seria conseqüência
período mínimo de um (1) ano.
da embriaguez, proveniente de ca-
122
R.T.J. so fortuito ou força maior... Foram
os jurados colocados numa situação de perplexidade.
Obviamente, a redação desse
quesito deveria ser outra. Por
exemplo:
O réu, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força
maior, estava privado, ao tempo
da ação, da plena capacidade de
entender o caráter criminoso do fato?»
O réu, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força
maior, estava privado, ao tempo
da ação, da plena capacidade de
determinar-se de acordo com o entendimento do caráter criminoso
do fato?»
Então, nenhuma dúvida haveria
no espirito dos jurados. Analogamente ao que lhes coube decidir no
quesito anterior, eles responderiam afirmativamente se entendessem que o réu fazia jus à redução
da pena prevista no § 2? do artigo
24 do CP, e negativamente em caso
contrário.
Entretanto, nos termos em que
lhes foi proposto o quesito, é impossível saber-se o que realmente
queriam dizer os jurados com as
respostas afirmativas, proferidas
por maioria (doc. n? 4)» (fl. 3).
Sobre a invocada nulidade não se
pronunciou o Tribunal de Justiça,
visto que não argüida na apelação.
O parecer da SubprocuradoriaGeral da República é pelo indeferimento do pedido, in verbis:
«Complexidade em determinado
quesito é o fundamento único da
impetração que, assim, almeja
desconstituir a decisão do Conselho
de Sentença, referendada a nível
recursal.
Não deve prosperar.
Impugna-se a indagação, n? 4,
desdobrada em dois (2) itens, pre-
109
ferindo-se a formulação pela negativa, do que a forma utilizada em
quesitação positiva, negada pelos
jurados (vide: fl. 3).
Ora, nada há de irregular na
pergunta, como feita.
Registre-se, aliás, que já no «3?
quesito» também se apresentou a
formulação pela via direta e, então, o subseqüente quesito não poderia destoar da linha adotada (vide: Termo à fl. 9).
Curioso, e assim a incoerência
da postulação, é que a impetração
não cuidou de impugnar a redação
da 3? pergunta, igualmente subdividida em dois (2) itens.
Como se vê, não há a demonstração clara de complexidade na indagação, dai porque concluímos
pelo indeferimento do pedido» (fls.
35/36).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Soares Mufioz (Relator): Na redação dos quesitos impugnados foram mantidas as expressões utilizadas no parágrafo 2? do
art. 24 do Código Penal e, dessa forma, não há imperfeição a reconhecer, e, muito menos, admitir que as
perguntas possam ter suscitado dúvida ou perplexidade, capaz de impedir ou dificultar a resposta dos jurados. A forma afirmativa do questionário tornou mais fácil a indagação, sabido, como é, que as perguntas negativas, elas sim, podem gerar
confusão.
A substituição proposta pela petição inicial das expressões usadas no
questionário — «possuía a plena capacidade...» por «estava privado de
plena capacidade», que não são as
do § 2? do art. 24 do Código Penal, é
passível de identificar ou gerar confusão da dirimente prevista no § 1?
R.T.J. — 109
do mencionado art. 24 com a minorante do 2? do mesmo artigo e que
foi objeto do quesito em questão.
Ante o exposto, indefiro o pedido
de habeas corpus.
EXTRATO DA ATA
HC 61.426-RJ — Rel.: Min. Soares
Mufloz. Pte.: António José da Silva.
Impte.: Odarico Carvalho. Coator:
Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro.
123
Decisão: Indeferiu-se o pedido de
habeas corpus. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Alfredo Buzaid, Néri da Silveira e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário
HABEAS CORPUS N? 61.445 — PB
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Soares Mufioz.
Paciente: Geraldo Quevedo Barbosa ou Geraldo José de Almeida Junior
— Coator: Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.
Citação por editai. Ausência de prova de que o acusado estivesse
preso quando não foi encontrado para ser citado pessoalmente. A citação mediante edital de réu preso noutra Unidade da Federação não
constitui, de regra, causa de nulidade. Súmula 351. A falta de razões
finais constituí nulidade relativa, que é de considerar-se sanada se o
sentenciado interpôs apelação em extensas razões, sem alegar a mencionada omissão. Habeas corpus indeferido.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, for unanimidade de votos, indeferir o pedido de «habeas corpus».
Brasília, 13 de dezembro de 1983 —
Soares Mufloz, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Soares Mufloz: A
Procuradoria-GeraidaRepúblicaemltiu parecer, através do ilustre Procurador Dr. Alvaro Augusto Ribeiro
Costa, que expõe a espécie e sobre
ela opina, verbis:
«Cuida-se de pedido de anulação
do processo em que o paciente foi
condenado — na 9? Vara Criminal
da Comarca de João Pessoa (PB)
— a cinco anos de reclusão, além
de multa, como incurso no art. 155,
4?, IV, c/c o art. 25, bem assim
no art. 180, c/c o art. 25, todos do
C. Penal.
A nulidade resultaria: a) de não
ter sido o paciente requisitado para o interrogatório e os demais
atos da instrução, embora estivesse preso; b) de não terem sido
apresentadas alegações finais em
seu pra, pelo defensor dativo; c)
de não ter sido feita a intimação
regular da sentença ao paciente.
Não cremos como se possa acolher a primeira das alegações acima indicadas, pois a impetrante
124
R.T.J. — 109
realmente, preso em São Paulo
quando não foi encontrado, no Estado da Paraíba, para ser citado por,
mandado e, por isso, a citação se
realizou mediante edital. O atestado
de fls. 12, datado de 11-8-80, diz que o
paciente deu entrada no Presídio do
Hipódromo em 30-4-79, em São Paulo, ali permaneceu até o dia 10-5-79,
data em que foi removido para a Divisão de Capturas, em trânsito para
a comarca de Natal, Estado do Rio
Grande do Norte.
No entanto, a prisão preventiva do
paciente foi decretada dias antes de
sua entrada no Presídio do Hipódromo, como se vê do mandado de ti.
125, expedido a 25-4-79. Quando da citação por edital, o paciente não mais
se encontrava naquele presídio e nenhum atestado existe, no processo,
do estabelecimento penitenciário para o qual foi transferido.
Ademais, preso que se achasse o
paciente, não seria na mesma Unidade da Federação em que estava
sendo processado. O Supremo Tribunal Federal decidiu, no HC n? 58.718,
que «se o réu se encontra preso em
outro Estado que não o em que o juiz
exerce jurisdição, não há nulidade
na citação por edital (apud. Código
de Processo Penal, Anotado, por Damásio E. de Jesus, pág. 197, 3? ed.).
Da mesma orientação participa a
Súmula N? 351.
A falta de razões finais constitui
nulidade relativa que se considera
sanada quando não alegada oportunamente ou na hipótese em que da
omissão não resulta prejuízo para a
defesa (arts. 563, 564, III, e, e 572 do
CPP). O paciente apelou da sentença
condenatória em petição por ele assinada e produziu pela Assistência
Judiciária, e as respectivas razões
VOTO
não argüiram a nulidade decorrente
da falta de razões finais, nem alegaO Sr. Ministro Soares Mufioz (Re- ram que não lhe tivesse sido dado o
lator): Não encontro comprovado prazo para oferecê-las, sendo que esnos autos que o paciente estivesse, ta omissão é que constituiria causa
não fez prova, em nenhum momento, de que a prisão do paciente, em São Paulo, fosse conhecida
do juiz do processo que teve curso
em João Pessoa.
No que concerne à alegada falta
de intimação da sentença ao paciente, nas informações prestadas
no presente habeas corpus não esclarecem o ponto. Em face delas,
não nos é possível afirmar se o paciente foi intimado (ou não) da
sentença.
Não vemos necessidade, porém,
de sugerir que sejam requisitadas
informações complementares, quanto à mencionada intimação, porque entendemos caracterizada a
nulidade do processo, no que concerne ao paciente, a partir da fase
do art. 500 do CPP.
Com efeito, o acórdão de fls.
189/195 reconheceu que a sentença
foi prolatada sem que tivessem sido apresentadas alegações finais
em favor do paciente, cuja defesa
esteve a cargo de defensor dativo.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, todavia, já se firmou, considerando essencial à defesa a apresentação das razões finais sendo motivo de nulidade a
falta das mesmas (v. HC n? 60.899PR, 1! Turma. Rel.: Min. Alfredo
Buzaid, In DJ 1-7-83, pág. 9.994; HC
n? 56.373-PR, 2? T. Rel.: Min.
Leitão de Abreu, in RTJ 90/808).
Em face do exposto, somos pelo
deferimento do pedido, em parte, a
fim de que seja anulado o processo
em causa, quanto ao paciente, a
partir das razões finais, inclusive»
(fls. 197/199).
E o relatório.
R.T.J. — 109
125
de nulidade, se tivesse morrido (art.
564, III, c). Na apelação, em prol do
paciente, não só foram oferecidas
extensas razões como ainda memorial (fls. 34/39).
A falta de intimação da sentença
não se acha comprovada nos presentes autos. De resto, a apelação do
paciente demonstrou sua inteira
ciência da sentença, pois a petição
recursal, como já disse, foi assinada
por ele (fl. 46), assim como, também, as razões produzidas pelo serviço de Assistência Judiciária da Casa de Detenção de São Paulo (fls.
34/46).
Ante o exposto, indefiro o pedido
de habeas corpus.
EXTRATO DA ATA
HC 61.445-PB — Rel.: Min. Soares
Mufloz. Pacte.: Geraldo Quevedo
Barbosa ou Geraldo José de Almeida
Junior. Impte.: Tania Mara Molina
Belo. Coator.: Tribunal de Justiça
do Estado da Paraíba.
Decisão: Indeferiu-se o pedido de
habeas corpus. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Miuloz Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 13 de dezembro de 1983 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
HABEAS CORPUS 1Ç? 61.448 — ES
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Paciente: Altamiro Custódia ou Custódio da Silva — Impetrante: Hernani Giurizatto — Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Espirito Santo.
Crime militar. Desclassificação em favor do artigo 437, letra a, do
Código de Processo Penal Militar. A exigência do aditamento da de-
núncia e de resposta pela defesa limita-se Ét hipótese em que a inovação da classificação do crime vem agravar a situação do réu. Na espécie, isso não ocorre.
Habeas corpus indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal à unanimidade
de votos e na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, em indeferir o pedido.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Djaci Falcão, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Djaci Falcão:
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Altamiro Custódio da
Silva, sob alegação de que:
«O paciente, juntamente com outro, nas iras do art. 327 do Cód. Penal Militar, se viu denunciado pelo
Dr. Procurador da Justiça Militar
Estadual e, em alegações finais escritas como também, em ale gações orais, em julgamento perante
o Conselho Permanente de Justiça,
S. Exa. pugnou pela condenação do
mesmo nas sanções do art. 339 do
mencionado diploma legal, recebendo o paciente, por veredito, a
pena de 1 (hum) ano de detenção;
Inconformado, por inocorrência
do delito que lhe foi imputado, recorreu para o Tribunal de Justiça
do Espírito Santo, vindo de ser
condenado à pena de 06 (seis) me-
126
R.T.J. — 109
ses de detenção pela Egrégia SeFace ao exposto, por se tratar de
nulidade Insanável e Já passado
gunda Câmara Criminal, à unanimidade, por infringência ao art.
em Julgado o V. Acórdão, espera o
impetrante que o Excelso Pretório,
328 do Cód. Penal Militar;
por uma de suas Colendas Turmas,
Data venia, da Colenda Segunda
anule o V. Acórdão porque trata-se
Câmara Criminal, o Julgamento e
de
decisão ultra petita e evidente
condenação do paciente, o foi ultra
cerceamento de defesa» (fls. 2/3).
petita porque o Recurso de ApelaO pedido vem instruído com os doção da Defesa pleiteou, tão-somente, a reforma da Sentença por ino- cumentos de fls. 4/23.
corrência do delito;
Prestadas as informações de fl. 32,
Se, pela Súmula do STF de n? manifestou-se a Procuradoria da Re160, «E nula a decisão do Tribunal pública nos seguintes termos:
que acolhe, contra o réu, nulidade
«1. Altamiro Custódio da Silva,
não argüida no recurso da acusacabo da Policia Militar do Estado
ção, ressalvados os casos de recurdo Espirito Santo, foi condenado
so de oficio», evidentemente, não
pela Justiça Militar, pelo crime do
poderá o Tribunal, em recurso da
art. 339 do CPM ( impedimento,
defesa, alterar substancialmente, o
perturbação ou fraude de concordelito imputado ao réu, aplicandorência), a um ano de detenção,
lhe as sanções de outro delito que
mínimo legal. Note-se que a sennão consta da denúncia, alegações
tença, para assim proceder, desfinais escritas e orais do Dr. Proclassificou a acusação do tipo do
curador da Justiça Militar.
art. 327 para o do art. 339 do estatuto penal militar (fls. 9/10).
Indubitável a nulidade do V.
Acórdão porque a decisão foi ultra
Apelando somente a defesa, o
petita e porque evidente o cerceaTribunal de Justiça do Estado promento de defesa uma vez que esta
veu em parte o recurso para, de
foi toda ela trabalhada na inocornovo,
rência dos crimes capitulados nos
...desclassificar o crime para o
arts. 327 e 339 do Cód Penal Miliart. 328, combinado com o artigo
tar, sendo, no entanto, surpreendi53, ambos do CPM, e, em consedo com a condenação do art. 328 do
qüência, condenar o apelante
mesmo diploma substantivo, sem
pena de seis meses de detenção.
que tivesse o paciente oportunida(fl.. 19).
de de carrear provas também da
inocorrência do delito previsto no
Dai o presente pedido de
habeas corpus no qual se alega a
art. 328.
nulidade do acórdão em apreço,
Pela Legislação Processual Pepor ter operado uma desclassificanal Militar é vedado ao Conselho
ção não pedida nem argüida no rePermanente de Justiça aplicar
curso da defesa. Invoca-se a Súmucondenação em delito diverso dala 160, bem como as peculiaridades
quele que consta da denúncia ou,
do Código de Processo Penal Milidas alegações finais do Dr. Procutar.
rador da Justiça Militar. Ipso fato,
tanto por imposição legal como por
4. Diga-se, Inicialmente, que a
interpretação, também deverá ser
classificação do fato no tipo do art.
proibido, na instância recursal, a
328 do CPM surgiu apenas no acóraplicação de outro delito sem que a
dão do Tribunal, não tendo sido codefesa tivesse tido oportunidade de
gitada em outras fases do procesproduzir provas em tal sentido.
so. Não obstante, não houve sur-
R.T.J. — 109
presa para a defesa, visto como,
na modalidade de fraude («fraudar
a realização de... tomada de preços, de interesse da administração
militar»), está esse fato típico explicitamente contido na denúncia
que, com todas as letras, atribuiu
ao paciente haver violado e alterado para mais os valores de propostas apresentadas por empresas
concorrentes de certa fornecedora
de peças, com o propósito evidente
de fazer com que esta última, da
preferência do acusado, vencesse a
tomada de preços que então se realizava.
Não houve, pois, surpresa para a
defesa, nem é caso de invocar-se a
Súmula n? 160 que cuida do acolhimento de nulidade, não de matéria
referente à desclassificação do crime. Por outro lado, não cabe falarse em julgamento além do pedido,
pois a defesa pediu o mais, ou seja,
a absolvição, e o Tribunal lhe deu
menos, isto é, uma redução na
condenação, por via da desclassificação do crime.
Diga-se, ainda inicialmente que
a condenação empreendida pelo
acórdão atacado beneficiou o réu,
pois a pena do crime do art. 328 é
de 6 meses a dois anos de detenção, ao passo que a do art. 339, de
acordo com a edição da Imprensa
Nacional (Coleção das Leis, 1970),
de 1 a 3 anos de detenção. (A 3?
edição da Forense, 1980, contém
erro de impressão ao consignar a
pena de «um a três meses», pág.
112).
5. Sendo assim, a questão que
se põe nestes autos é, a nosso ver,
a de saber se o Tribunal de Apelação pode dar, de oficio nova definição jurídica ao fato criminoso,
empreendendo a mutatio llbelli, e,
em caso positivo, se, no âmbito da
Justiça Militar, será isso possível,
127
como se fez, independentemente de
prévia abertura de vista à acusação e à defesa.
6. Nos processos de competência da Justiça comum parece não
haver dúvida, diante de dois precedentes desta Corte: o primeiro no
RHC n? 48.328, relatado pelo Ministro Djaci Falcão (RTJ 56/71); o segundo no HC n? 50.716, relatado pelo Ministro Barros Monteiro (RTJ
65/85). Já quanto aos processos de
competência da Justiça Militar, localizamos dois acórdãos dissidentes, cujas ementas bem espelham
as respectivas orientações, In
verbis:
Ementa: Os pressupostos estabelecidos no Código de Processo
Penal Militar não são os mesmos
dos previstos no Código de Processo Penal Comum, relativamente à mutatio Men'. De conformidade com aqueles o órgão
julgador não pode dar definição
jurídica diversa da que constar
da denúncia, sem que a desclassificação haja sido formulada pelo Ministério Público em alegações escritas, e que a outra parte
tinha tido oportunidade de defender-se. Cotejo entre o art. 437, letra a do CPPM e os arts. 383 e
384 do CPP. Habeas corpus concedido.» (RHC n? 55.993-RJ, Rel.:
Ministro Soares Munoz, RTJ
86/793).
—Ementa: Desclassificação a
favor do réu. Interpretação do
artigo 437, a, do Código de Processo Penal Militar.
Ainda quando se pretenda que
art. 437, a do Cód. de Proc. Penal Militar, interpretado sistematicamente, em face de sua letra
b, não tenha mantido, com outras
palavras, das regras tradicionais
dos arts. 383 e 384 do Cód. de
Proc. Penal, não se poderá levar
cerceamento do princípio lura
novit curia a ponto de impedir
128
R.T.J. — 109
VOTO
que, sem manifestação anterior
do Ministério Público e oportunaO Sr. Ministro Djaci Falcão (Relamente da defesa para responder
a ela, o Conselho de Justiça dê ao tor): Acolho o parecer do eminente
fato definição jurídica mais favo- prof. Francisco de Assis Toledo. Na
verdade, parece-me que a exigência
rável ao réu.
de aditamento pela acusação e de
— Inexistência de nulidade.
resposta pela defesa, limita-se a hiHabeas corpus indeferido. ( HC pótese em que a inovação da classin? 55.744 — Rel.: Min. Moreira ficação do crime vem agravar a siEives, RTJ 88/421).
tuação do réu, como é de boa lógica.
7. Como no RHC n? 55.993 sus- Se não há agravação, como se dá no
tentamos no parecer, que, na oca- caso, inexiste razão para se declarar
sião, desmereceu acolhida, a tese nula a sentença condenatória.
que ficou vencedora no HC n?
Ante o exposto indefiro o pedido.
55.744, pedimos vênia para, nesta
oportunidade, reiterar aquele enEXTRATO DA ATA
tendimento. Parece-nos, com efeito, que a exigência de aditamento
HC 61.448-ES — Rel.: Ministro Djapelo Ministério Público e de resci
Falcão. Pte.: Altamiro Custódia
posta da defesa, referidas no art.
437, a do CPPM, se restringe à hi- ou Custódio da Silva. Impte.: Hernapótese em que a nova classificação ni Giurizatto. Coator: Tribunal de
«agrava a situação do réu». (Voto Justiça do Estado do Espirito Santo.
vencido do Ministro Cunha PeixoDecisão: Indeferido o pedido, à
to, no RHC n? 55.993. Não havendo unanimidade
de votos.
essa possibilidade de agravação,
inexiste razão plausível para
Presidência do Senhor Ministro
abolir-se do sistema o principio Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
lura novit curta, como bem salien- Senhores Ministros Moreira Alves,
tou o voto do Ministro Moreira Al- Decio Miranda, Aldir Passarinho e
ves, no HC n? 55.744.
Francisco Rezek. SubprocuradorAnte o exposto, o parecer é pela Geral da Reública, Dr. Mauro Leite
denegação da ordem.
Soares.
Brasília, 6 de fevereiro de 1984 —
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Francisco de Assis Toledo, Subprocurador-Geral da República» (fls. Hélio Francisco Marques, Secretário.
34/39).
HABEAS CORPUS N? 61.469 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Paciente: Jacques Roberto Gaivão Bresciani — Impetrante: Eubis do
Amaral — Coator: Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Prevenção. Habeas coros. Apelação.
O conhecimento do habeas corpus torna preventa a competência
para todos os recursos posteriores (art. 103 do Regimento Interno do
Tribunal de Justiça de São Paulo; art. 69 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Habeas corpos indeferido.
R.T.J. —109
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de
julgamentos e notas taquigráficas, à
unanimidade, indeferir a ordem.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Soares Mulloz, Presidente — Rafael
Mayer, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Rafael Mayer: Adoto, como relatório, o parecer proferido pelo ilustre Doutor Cláudio Lemos
Fonteles, devidamente aprovado pelo eminente Subprocurador-Geral,
Prof. Assis Toledo, in verbis:
«Torna a peticionar o Dr. Eubis
do Amaral em favor de Jacques
Roberto Gaivão Bresciani e suscita
agora argumento único que dá pela
incompetência da 1? Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de
São Paulo, buscando invalidar, assim, a decisão da 4? Câmara Criminal, do mesmo colegiado, que
àquela declinara da competência
ao exame do apelo, porque prevenia ante anterior decisão em pedido
de Habeas corpus (vide: fls. 9).
Sustenta a impetração que a decisão em pedido de habeas corpus
não gera a prevenção e que o mesmo, por ter a natureza jurídica de
ação, não se compreende no magistério do artigo 103, regimental.
A questão nos parece prejudicada, porque abordada, e decidida, em anterior postulação do.
mesmo paciente, ainda que incidentalmente, quando por outro fundamento buscava-se profligar o acórdão da mesma lf Cãmara Criminal, pois então dizíamos em parecer, transcrito no Relatório do
douto Min. Rafael Mayer, verbis:
«A pretensão liberatória, requerida pelo Dr. Eubis do Amaral, em
129
favor do advogado Jacques Roberto Gaivão Bresciani, quer eliminar
o julgado assumido pela 1? Câmara
do Tribunal de Justiça de S. Paulo,
que condenou o paciente a 5 anos
de reclusão, além da pena acessória de interdição do exercício profissional da advocacia por 3 (três)
anos — vide fls. 49 —, ao fundamento de que, anulado por este Supremo Tribunal anterior julgado
de apelação, lavrado pela mesma
Câmara em desfavor do réu, esse
segmento judicante não poderia
reexaminar a matéria.
O argumento carece de qualquer
respaldo jurídico, por isso não deve prosperar.
Realmente, o Supremo Tribunal,
pelo voto do douto Min. Rafael Mayer, anulara a decisão em recurso
de apelação promovido por Jacques Roberto, dado que não acontecera a necessária e prévia publicação de alteração no horário dos
julgamentos, o que desrespeitou o
magistério da Súmula n? 431 (vide:
fls. 13/19).
Assim feito, no novo exame da
questão haveria mesmo a 1! Câmara de a si chamá-lo, até porque
prevento já estava o conhecimento
da questão, por ter decidido pedido
de habeas corpus (vide: informa-
ções a fls. 31).
E justo como no exame da questão, neste Supremo Tribunal Federal. Informado que o douto Min.
Rafael Mayer já apreciara anterior postulação do réu, em torno do
mesmo fato
«— fls. 23 — este processo a S.
Exa. foi distribuído». ( Vide: fls.
17/18).
E, no voto do ilustrado Relator,
define-se o ponto, verbis:
«Com efeito, o problema de
competência não fora aflorado,
no primeiro procedimento, e o
Julgamento dg primeira apelação
já se fizera sob o. crivo da compe-
130
R.T.J. — 109
tenda prevenia da Câmara Criminal que conhecera, anteriormente de pedido de «habeas
corpus» referente ao mesmo processo criminal. Firmada e reiterada a competência da Câmara;
insubsistente é a alegação de que
estivessem impedidos ou suspeitos os seus componentes pelo só
fato de haverem participado do
julgamento anterior, pois a hipótese não se alinha dentre as previsões dos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal. (Vide: fls.
20, grifamos).
«Por mais, o artigo 103, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, lido a fls. 4, da
impetração, muito a contrário do
que sustenta o ilustre causídico,
permite a ilação tranqüila de que o
habeas corpus previne a jurisdição
pois por ele, sem dúvida «a câmara conhece da causa», ou mesmo
decide «um dos seus incidentes» e,
por isso, aos «recursos posteriores
terá a jurisdição preventa».
Pelo indeferimento do solicitado,
acaso não se o tenha por prejudicado.»
o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Rafael Mayer (Relator): A competência dos Tribunais
em dispor sobre os seus regimentos
internos deflui da sua própria autonomia, e o tradicional reconhecimento desse poder se alça a preceito
constitucional.
A Constituição em vigor torna
aliás explicito, o que já implícito se
tinha, que é matéria da norma regimental a definição da competência
dos órgãos internos do Tribunal, turmas, grupos, seções, etc.
Não bastasse, a própria lei ordinária remete aos regimentos internos a
disciplina dos processos que têm
curso na superior instância, como de
modo especifico dispõe o Código de
Processo Penal, relativamente ao
processamento dos recursos e apelações, revisões e habeas corpus, de
competência dos tribunais (arts. 560,
618, 628, 638 e 666 do CPP).
assim porque as questões denominadas de interna corporis, que são
tais, refogem da ordem processual
comum, para se incluir na disciplina
regimental, em obséquio à autonomia do Poder Judiciário e ao resguardo da vida interna dos tribunais
diante da intervenção dos legisladores (Cfr. Frederico Marques,
Instituições, 1/61).
Ora, em sendo assim, não se pode
negar a autenticidade da interpretação que o Tribunal dá ao próprio Regimento que adotou, cabendo obsequiar a dominância dessa interpretação.
Ademais, a interpretação conferida pelo Tribunal de Justiça ao art.
103 do seu Regimento Interno, que
está em causa, é de todo consentânea e congruente com o conceito da
competência preventa e com a natureza processual do habeas corpus.
As doutas informações da autoridade coatora, subscritas pelo ilustre
Desembargador Heráclides Batalha
de Camargo, reportam-se a precedente desta Corte, tomado no HC n?s
49.459/49.852, que é de todo pertinente. Ai se reconheceu nulo o julgamento de habeas corpus por urna
das Turmas do Tribunal Federal de
Recursos, pois o anterior fora distribuírki e apreciado por outra, quando
«preventa estava para ela a apreciação de todos os que se referissem à
mesma ação penal, como sucede»
(RTJ 64/49).
desconhecimento da competência preventa na espécie redundaria,
inegavelmente, em grave desacerto
da ordem dos processos e julgamentos no tribunal, fomentando contradições e conflitos na prestação jurisdicional.
A natureza de ação de que se reveste o habeas corpus, decerto juri-
R.T.J. — 109
131
dicamente correta, não é de molde a art. 10 c/c o art. 69 do Regimento Inafastar a aplicação da competência terno do STF, de indiscutida e vetusprevenia, dada a sua especificidade ta aplicação.
ou singularidade, pela prioridade de
Inocorrente defeito de competênseu conhecimento com relação ao cia,
e sem que o reconhecimento da
Juizo de apelação da ação penal a prevenção contenha laivo de ilegalique ele se vincula necessariamente, dade ou abuso de poder, ponho-me
no caso.
de acordo com o douto parecer, e inCom efeito, objeto do habeas defiro a ordem.
corpos, á mais das vezes, e no presente caso, é o de resolver questões
EXTRATO DA ATA
incidentes no curso da ação penal,
antecipando-se no conhecimento dos
HC 61.469-SP — Rel.: Min. Rafael
seus trâmites. Na consideração dessa realidade processual, é que se fez Mayer. Pacte.: Jacques Roberto Gaio dispositivo do regimento paulista e vão Bresciani. Impetrante: Eubis do
se lhe deu interpretação conseqüen- Amaral. Coator: Primeira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do
te.
Aliás, por argumentar, se se admi- Estado de São Paulo.
Decisão: Indeferiu-se a ordem de
tisse como verdadeira a premissa do
impetrante, de se tratar de uma habeas corpos. Decisão unânime.
ação autônoma insuscetível de pre- Falou como impetrante: Dr. Eubis
venir, recair-se-ia na prorrogação de do Amaral.
competência, pela indiscutível ocorPresidência do Senhor Ministro
rência de conexão.
Soares Mui-1oz. Presentes à Sessão os
O artigo 103 do Regimento Interno Senhores Ministros, Rafael Mayer,
do Tribunal de Justiça de São Paulo Néri da Silveira e Oscar Corrêa. Aunão sugere, no seu texto, outra inter- sente, justificadamente, o Senhor
pretação que a que lhe foi conferida Ministro Alfredo Buzald. Subprocurapela venerável instância a quo, refle- dor-Geral da República, Dr. João
tindo correta e indeclinável aplica- Boabald de Oliveira Itapary.
ção do principio da prevenção.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Anoto que a norma regimental em António Carlos de Azevedo Braga,
causa encontra correspondência no Secretário.
HABEAS CORPUS Nt 61.490 — DF
, (Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek.
Paciente: Rúbia Maria Oliveira Souza — Coator: Tribunal de Justiça do
Distrito Federal.
Habeas corpus. Júri. Nulidade. Quesitos.
Não há incompatibilidade lógica entre a violenta emoção, que é
a qualidade do estado de animo do autor, e as possíveis circunstâncias
agravantes que se revelem no modo de executar o crime, qual a traição ou o aproveitamento das facilidades do convívio doméstico.
Há incompatibilidade no reconhecimento simultâneo do motivo fútil e do estado de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vitima — dois elementos estritamente subjetivos, e de coexistência
inadmissível.
R.T.J. — 109
132
ACORDA°
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, de conformidade com a ata
de julgamentos e as notas taquigráficas, à unanimidade de votos, conceder a ordem, nos termos do voto do
Ministro Relator.
Brasília, 9 de dezembro de 1983 —
Mac( Falcão, Presidente — Francisco Rezek, Relator.
RELATORIO
Sr. Ministro Francisco Reza:
Em favor de Rúbia Oliveira Souza
foi impetrado este habeas corpus,
alegando-se a nulidade do julgamento do tribunal do júri de Brasília,
que a condenou a quatorze anos de
reclusão por homicídio qualificado,
decisão mais tarde abonada em segunda instância.
impetrante entende que houve
complexidade na formulação deste
quesito:
«No dia 21 de agosto de 1981, por
volta das 22:00 horas, no interior do
apartamento 507 do bloco «E», da
SQS 211, a ré Rúbia Maria de Oliveira Souza, após jogar álcool no
corpo da vitima José Fernandes
Lapa, ateou-lhe fogo, ocasionandolhe as lesões descritas no laudo de
fls. 18?» (fls. 16)
Argúi, outrossim, contradição na
resposta do júri, visto que os jurados
afirmaram ter a ré cometido o crime por motivo fútil e à traição —
art. 121, 2?, II e IV do CP — e, logo depois, reconheceram a circunstância atenuante de ter sido cometido o delito sob influência de violenta
emoção, provocada por ato injusto
da vítima — art. 48, IV, c do Código
Penal.
Dr. Cláudio Fonteles opina, pela
Procuradoria-Geral da República,
neste sentido ( fls. 341/345):
«A amparar
mento, o ilustre
o primeiro arguadvogado arrimase em julgado desta Suprema Corte — fls. 17/28 —, mencionando parecer de nossa lavra, acolhido no
caso referido (fls. 29/31).
Cremos, todavia, que há dessemelhança nas situações.
No caso mencionado, dizíamos,
verbis:
«Deflui do voto o ilustre Des.
Lima Carneiro, quando apreciou
o recurso de apelação do réu, que
o primeiro quesito efetivamente
englobou indagação sobre o fato
principal, e a circunstância qualificada: morte por asfixia (vide:
fls. 16).
Ora, isto não está normativamente autorizado. Na conformidade do artigo 484, e incisos, do
Código de Processo Penal, «o primeiro quesito versará sobre o
fato principal, de conformidade
com o libelo». Vale dizer: indagase da existência do evento, e da
autoria; quem o perpetrou.
Após isto, o Conselho de Sentença é ouvido sobre a tese, ou
teses da defesa (inciso III, do
artigo 484).
Se repelida a postulação da defesa, firmando-se então a certeza
jurídica do homicídio, é que, por
coerência, indagar-se-á se ele
consumado é, por forma qualificada, ou privilegiada ( inciso IV,
do artigo 484).
No caso implicando o quesito
inicial na resposta sobre o evento, e sua modalidade qualificada,
a formulação, sem dúvida cerceia
a defesa por pressupor real o fato imputado ao acusado, eliminando então antecipadamente, o
exame do que sustentara.» (vide:
fls. 30).
E, no que fixávamos, então, a razão processual ao estabelecimento
de ordem de precedência na for-
R.T.J. —109
mulação dos quesitos, marcávamos o cerceamento da defesa porque esta sustentara o homicídio
simples (vide: Relatório a fls. 19),
Situação de desclassificação, portanto, de logo subtraída ao Conselho de Sentença com a formulação
englobada do primeiro (1?) quesito
quando, pelo disposto no inciso III,
do artigo 484, do CPP, exige-se a
formulação própria, e destacada, a
propósito.
Mas na situação ora em exame,
a defesa, por tese sua, abordou
exclusivamente a negativa da autoria (registro em Ata a fls. 33).
Ora, a negativa da autoria é dado que se reconhece, ou se esvai,
na formulação mesma do primeiro
(1?) quesito, como estabelecemos
no trecho transcrito no item 5,. deste.
Assim sendo, inexistindo teses
outras da defesa a se encaixarem
no contido no inciso III, do artigo
484, o já indagar-se no primeiro
(1?) quesito sobre uma realidade
objetivada — atear fogo ao corpo
da vitima — não traz Maiores
transtornos porque não induz, ou
dificulta, a compreensão sobre a
autoria.
Na especificidade do caso a indagação sob o nt 4, repetindo o já reconhecido na primeira (lt ) formulação mostra-se despicienda (vide:
Termo de Quesitos a fls. 16).
Todavia, concedemos razão à
impetração quando precisa a contradição nas respostas aos quesitos
3? (reconhecimento do motivo fútil) e 11? (reconhecimento da conduta da ré sob influência de violenta emoção, provocada por ato
injusto da vitima).
Sem dúvida, ambas as respostas
pressupõem constatação no plano
subjetivo do autor do evento, vale
dizer: no que o conduz á ação.
133
Então, disseram os jurados que
a ré ao evento fora motivada por
uma futilidade; uma tolice; uma
bobagem; um nada importante.
Mas simultaneamente afirmouse que no matar, assim se comportara, porque em instante imediatamente anterior fora a ré tomada
de violenta emoção, por ato injusto
da própria vitima.
A contradição é manifesta.
São momentos que hurlente de se
trouver ensamble.
Aliás, admitida a discussão imediatamente anterior ao evento homicídio, na qual a ré, verbalmente
humilhada e agredida, chegara à
violenta emoção por injusto comportamento da vitima (vide: r. decisão a fls. 15), fica certo, outrossim, que o reconhecimento da qualificadora surpresa, em circunstâncias que tais, também não se mostra adequado, como também não o
é o assentar-se a agravante alusiva
ao «prevalecer-se de relações de
coabitação» (quesitos 5 e 6, respectivamente).
Com o quadro assim constituído
pelos jurados, haveria o magistrado de cuidar da observância do disposto no artigo 489, do CPP. Não 0
fazendo causou prejuízo à ré, evidentemente.
Pelo deferimento do pedido, por
esta perspectiva, para que, anulada a decisão do Conselho de Sentença seja a acusada submetida a
novo julgamento.»
o relatório.
ADITAMENTO AO RELATORIO
O Sr. Ministro Francisco Rezek
(Relator): Acrescento que, nesta
manhã, recebi memorial do Ministério Público de Brasília. Esse memoHal não discute o parecer da Procuradoria-Geral de República e suas
teses; apenas lembra que e habeas
134
R.T.J. — 109
modo de executar o crime, qual a
traição, ou o aproveitamento das facilidades do convívio doméstico. Não
me parece ter razão, neste passo, a
Procuradoria-Geral.
Tem-na, porém, no que se refere à
contradição jacente no reconhecimento simultâneo do motivo fútil e
ANTECIPAÇÃO AO VOTO
do estado de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, dois
Sr. Ministro Francisco Rezek elementos estritamente subjetivos e,
(Relator): Sr. Presidente, quero fa- pelo que representam, inconciliázer um comentário, quanto á preli- veis. Com efeito, afirmar que houve,
minar.
por parte da vítima, um ato injusto,
habeas corpus, se a um tempo é capaz de produzir no autor a emoção
via processual que não comporta violenta, é negar, rotundamente, que
exame aprofundado de prova, e que o motivo determinante da reação
se ressente de todas aquelas limita- criminosa tenha sido fútil. E possível
ções que são diariamente proclama- que, em jurisprudência ou em doudas nesta Casa e noutras, a outro trina, já se tenha pretendido o contempo — esta é a face inversa de trário, à base do curioso argumento
sua originalidade — não é um remé- de que futilidade da ratio criminis
dio recurso" que deva aguardar mo- estaria na degíroporção entre o ato
mento processual próprio. Consti- injusto da vitima, e a limitada (emtuem raridade as hipóteses de não- bora violenta?! ) carga emocional asconhecimento do pedido de habeas sim produzida no autor, e a gravidacorpus; e o caso, positivamente, não de do ato criminoso. Parece-me,
data venta, que tomar esse caminho
retrata uma delas.
com as palavras. E não quevoto que trago escrito é o se- érerjogar
entender
o significado curial de
guinte: (lê).
expressões singelas como motivo fútil, emoção violenta, ato injusto da
VOTO
vitima. Se o Poder Judiciário se põe
a tolerar acrobacias hermenêuticas
Sr. Ministro Francisco Rezek desse gênero, a segurança da ordem
(Relator): O primeiro fundamento jurídica entra em faixa de risco.
da impetração foi neutralizado, com
E oportuno lembrar que, no RECr.
propriedade, pelo parecer do Ministério Público. Resulta claro que a n? 88.843 (RTJ 87/677), o relator, Miresposta afirmativa ao primeiro que- nistro Soares Mulioz, destacou exsito, deduzido de modo próprio e ob- pressamente a contradição que af10jetivo pela presidência do tribunal ra «no reconhecimento simultâneo
do júri, significou a rejeição da tese da agravante do motivo fútil e da
da negativa da autoria, a que apenas violenta emoção provocada por ato
injusto da vitima.» Naquele caso podois dos jurados foram sensíveis.
rém,
qualificado o homicídio por
Quanto à pretendida contradição duas agravantes,
réu se impuseno pronunciamento do júri, cabe ra, não obstante, aao
pena mínima, raponderar que não há incompatibili- zão por que prevaleceu
o veredito
dade lógica entre a violenta emoção, condenatório.
que é qualidade do estado de ânimo
Aqui, o prejuízo causado á paciendo autor, e as possíveis circunstâncias agravantes que se revelem no te pela contradição do júri, não sacorpus se volta contra uma decisão
do Tribunal de Justiça cuja ementa
não foi, ainda, publicada; embora a
decisão seja de 15 de outubro mais
ou menos. Decisão, portanto, recorrível.
o relatório.
R.T.J. — 109
nada — conforme observa a Procuradoria-Geral — pela aplicação do
art. 489 do CPP, está evidente no fato de que a pena fixou-se acima do
mínimo legal de doze anos de reclusão.
Como proposto pelo Ministério Público, concedo a ordem de habeas
corpus, para que, anulada a decisão
do conselho de sentença, seja a paciente submetida a novo julgamento.
EXTRATO DA ATA
HC 61.490-DF — Rel.: Min. Francisco Rezek. Pacte.: Rúbia Maria
135
Oliveira Souza. Impete.: Jason Barbosa de Faria. Coator : Tribunal de
Justiça do Distrito Federal.
Decisão: Concedida a ordem nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Decio Miranda,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Moreira Alves. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mauro
Leite Soares.
Brasília, 9 de dezembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.516 — MG
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek.
Recorrente: João Carvalho de Rezende — Recorrido: Tribunal de Alçada
do Estado de Minas Gerais.
Receptação culposa. Habeas corpos.
Inepta é a denúncia que, acusando o paciente de receptação culposa, descreve singela operação de compra e venda, sem dizer qual,
dentre as três circunstâncias alternativas do art. 180 4 1? do Código
Penal, escora a tese da tipicidade delituosa.
Recurso provido para a concessão da ordem.
núncia por receptação culposa, deduACÓRDÃO
zida nestes termos:
Vistos, relatados e discutidos estes
«O 2? Promotor de Justiça desta
autos, acordam os Ministros da SeComarca, no exercício de suas
gunda Turma do Supremo Tribunal
atribuições, e na forma da Lei,
Federal, de conformidade com a ata
vem perante V. Exa. oferecer dede julgamento e as notas taquigráfinúncia, baseada no Inquérito Policas, à unanimidade de votos, dar
cial que instrui a presente, contra
provimento ao Recurso de habeas
Lourival Soares de Siqueira Filho;
corpus, para conceder a ordem, nos
contra Darei Leão; contra João
termos do voto do Ministro Relator.
Carvalho Rezende, qualificado(s)
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
às fls. 22, 86/85, respet. pela prátiDedo Miranda, Presidente
ca do(s) seguinte(s) fato(s) deliFrancisco Rezek, Relator.
tuoso(s):
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Rezek: O
paciente Vê pesar sobre si unia de-
1. Quando de um levantamento
feito para comprovação de acervo
de firma «Guardiã-Vigilância Bancária Ltda.», com sede na Rua
136
R.T.J. — 109
Quintino Bocaiúva, 414, nesta cidade, firma esta que se dedicava ao
ramo de segurança de empresas,
neste estado, ficou comprovado o
desaparecimento de 16 armas, pertencentes à referida firma.
Tal levantamento foi feito
por determinação de Comando dat
4! RM/Juiz de Fora em 6 de junho
de 1980, constatando o desaparecimento das armas e indiciando o
primeiro denunciado e Manoel Berto de Almeida. Administrativamente tal empresa se achava, em virtude destes fatos, em completa desorganização.
Por um evento acidental,
uma das armas foi apreendida em
Barretos, estado de São Paulo, em
poder de João Carvalho Rezende.
A partir de tal fato chegou-se, então, à autoria do desaparecimento
de tais armas, fato este previsto
como crime no Código Penal Brasileiro; foram apontados, no IP, como autores do delito, Manoel Berto
de Almeida e Lourival Soares de
Siqueira Filho; Manoel Berto de
Almeida exerceu na referida firma
as funções de chefe do setor operacional da mesma, à época do levantamento, conforme consta dos
autos, às folhas 32. A arma pertencente à firma foi adquirida por
João Carvalho Rezende, de Darci
Leão que, por sua vez a recebera
de Lourival Soares de Siqueira Filho. O denunciado Lourival Soares
de Siqueira Filho não era empregado da «Guardiã-Vigilância Bancária Ltda.» mas tinha estreitas ligações com Manoel Berto de Almeida, conseguindo, desta forma,
apoderar-se da arma apreendida
em São Paulo, tendo esta sido entregue, por ele a Darci Leão para
com a mesma comercial.
Assim tendo o(s) denunciado( s)
incorrido nas sanções do(s) artigo
155, o 1? deles' o segundo denunciado nas sanções do artigo 180; e o
terceiro denunciado nas sanções do
artigo 180, § 1?, todos do CP» (fls.
18/18v.).
Recebida a pena acusatória, foi
impetrado habeas corpus ante o Tribunal de Alçada de Minas Gerais,
sob o duplo argumento de falta de
justa causa e inépcia da denúncia.
Indeferido o pedido, sobe a esta Corte o recurso ordinário, que repisa as
razões da inicial.
Pela Procuradoria-Geral da República, a Dra. Haydevalda Sampaio
opina:
«Não há dúvida, portanto, que se
imputa ao paciente a prática de receptação culposa, por haver adquirido um revólver que havia sido
objeto de furto.
Ora, presente o fumus bonis
isso é suficiente para que o processo tenha inicio e prosseguimento,
pois, segundo iterativa jurisprudência do Pretório excelso, o habeas corpus não enseja o exame
aprofundado da prova para se saber se o acusado é, ou não, inocente (v. RHC n? 58.919-SP, Rel.: Ministro Antônio Neder, RTJ 60/636;
HC n? 59.456-SP, Rel.: Ministro
Cordeiro Guerra, DJ de 12-4-82,
pág. 3210; RHC n? 59.497-2-RJ, Rel.:
Ministro Rafael Mayer, DJ de 19-282, Pá g . 1134; RHC n? 59.511-1-PR;
Rel.: Ministro Firmino Paz, DJ de
12-2-82, pág. 789).
O trancamento da ação penal,
por falta de justa causa, só é
possível em casos especiais, quando os fatos não são controversos e
inexiste crime, em tese.
Por outro lado, também não procede a alegação da inépcia da denúncia, uma vez que descreve os
fatos suficientemente, de modo a
permitir o regular exercício da defesa.
E a Suprema Corte já decidiu
que «não é inepta a denúncia, que,
dando cumprimento aos requisitos
R.T.J. — 109
constantes do art. 41 do CPP, descreve um crime em tese, com a demonstração, embora sucinta, da
participação individual de cada codenunciado» (RHC n? 57.825-0-RJ,
Rel.: Ministro Cunha Peixoto, DJ
de 25-4-80, pág. 2805).
Além disso, as eventuais omissões da denúncia, podem ser supridas a qualquer tempo, antes da
sentença, conforme estabelece o
artigo 569 do Código de Processo
Penal e de acordo com precedentes
do Supremo Tribunal Federal (v.
RHC n? 50.592-PR, Rel.: Ministro
Barros Monteiro, DJ de 16-3-73,
pág. 1463; RHC n? 56.396-1-SP, Rel.:
Ministro Decio Miranda, DJ de 258-78, pág. 6180); RHC n? 59.581-GO,
Rel.: Ministro Cordeiro Guerra, DJ
de 12-4-82, pág. 3211).
Opinamos em face do exposto,
pelo não provimento do recure.o»
(fls. 101/103).
2 o relatório.
137
Segundo a denúncia, comprou-a o
paciente de Darei Leão. Sobre este
nada se afirma senão que recebera a
arma de terceiro, que sequer trabalhava na empresa furtada, e que,
valendo-se da amizade com funcionário daquela, apropriara-se da arma. Não se pretende que o paciente
fosse cônscio dessa cadeia de eventos — mesmo porque, neste caso, teria ele incidido em receptação dolosa.
O que a denúncia descreve, quanto
ao paciente, é uma operação de compra e venda de bem móvel, regida
pelas leis civis da República, e estranha à sua legislação penal.
Provejo o recurso e concedo a ordem de habeas corpus em razão da
inépcia da denúncia; ressalvada ao
Ministério Público a possibilidade
de outra iniciativa, atenta aos requisitos legais. Assim, deixo de apreciar o argumento da falta de justa
causa, que na espécie, conforme notou a Procuradoria-Geral, demandaVOTO
ria maior exame de prova o que não
O Sr. Ministro Francisco Reza se compreende em autos de habeas
(Relator): Tal como definida no § 1? corpus.
do art. 180 do Código Penal, a receptação culposa consiste na aquisição
EXTRATO DA ATA
de coisa que se deveria presumir obtida por meio criminoso em razão de
RHC 61.516-MG — Rel.: Min. Franpelo menos uma dentre as circunstâncias conducentes a essa presun- cisco Rezek. Recte.: João Carvalho
ção legal: a natureza da própria coi- de Rezende (Adv.: Clóvis José Vilesa, a desproporção entre o preço la). Recdo.: Tribunal de Alçada do
pedido e o valor real, ou a peculiar Estado de Minas Gerais.
condição daquele que oferece.
Decisão: Provido o recurso para
No caso a denúncia sequer dá conceder a ordem nos termos do vonotícia da espécie de arma adquirida to do Relator. Unânime. Ausente,
pelo paciente, não dando a saber ocasionalmente, o Senhor Ministro
qual a característica que a tornaria
Djaci Falcão.
impassível de obter-se por meios legais. Não há notícia, tampouco, de
Presidência do Senhor Ministro
desproporção entre o valor e o pre- Decio Miranda Presentes à Sessão
ço; nem de qual a condição presente os Senhores Ministros Aldir Passarino vendedor e hábil para fazer duvi- nho e Francisco Rezek. Ausente, jusdar da legitimidade da posse da ar- tificadamente, o Senhor Ministro Moma.
reira Alves. Ausente, ocasionalmente,
R.T.J. — 109
138
o Senhor Ministro Djaci Falcão.
Subprocurador-Geral da República,
Dr. Mauro Leite Soares.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretario.
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.517 — PB
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Recorrente: Marco Tovar Colaço Agra — Recorrido: Tribunal de Justiça
do Estado da Paraíba.
Excesso de prazo relativo à instrução do processo por homicídio.
Argüição não formulada oportunamente, podendo ser objeto de novo
pedido de habeas carpes. Outrossim, não é caso de concessão ex offielo, à míngua de elementos que esclareçam a matéria.
Decreto de custódia preventiva exaustivamente fundamentado.
Pedido denegado.
ACOFtDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, à unanimidade
de votos e na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, em negar provimento ao recurso.
Brasília, 13 de dezembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Djaci Falcão: O
acórdão objeto do presente recurso
guarda o seguinte teor:
«Habeas Corpus. — Alegada
descaracterização da Flagrância.
— Falta de Curador ao menor
em processo regido pela Lei n?
6.368/76, — Imprestabilidade dos
dois (02) decretos de prisão preventiva, — Prazos legais não observados durante a instrução: excesso. — Permanência na prisão
por um dos fundamentos.
Não perduram os efeitos da
prisão preventiva quando se reconhece, em processo especial, o
excesso de prazo para a forma-
ção da culpa, muito embora tenha o Paciente de permanecer
preso, face à decretação de uma
outra custódia preventiva, por
crime de homicídio, devidamente
formalizada.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Petição de Habeas
Carpas n?s 83.209.662 e 83.209.722,
em que é impetrante o Bel. Vital
do Rego e paciente, Marco Tovar
Colaço Agra.
Acorda a Egrégia Câmara Criminal do Colendo Tribunal de Justiça da Paraíba, nos termos do Parecer da douta Procuradoria de
Justiça, denegar a Ordem contra o
voto do Des. Manuel Taigy de
Queiroz Mello Filho, quanto ao processo por crime de Homicídio e, à
unanimidade, conceder quanto ao
processo especial de Tóxicos.
Com efeito, o Bel. Vital do Rego
impetrou uma Ordem de habeas
corpus em favor de Marco Tovar
Colaço Agra, atacando o Auto de
Prisão em flagrante lavrado pela
Polícia Federal, que o reputa forjado; falta de Curador na fase policial, em se tratando de um menor
e, imprestabilidade dos decretos de
prisão preventiva, porque proferi-
R.T.J. — 109
dos com embasamento numa Flagrância nula, viciada, por afrontar
diversos dispositivos legais, notadamente, o art. 302 e seguintes do
Código de Processo Penal.
Prestadas as Informações de estilo quase que simultaneamente,
chegaram autos de um outro pedido de habeas corpus que fora impetrado perante o Exmo. Dr. Juiz
de Direito da e Vara Criminal de
Campina Grande, e remetido ao 2?
Grau de Jurisdição, face à alegação de Incompetência, como se verifica do despacho de fls. 29/30
(Autos n? 8.320.722), exarado pelo
referido Magistrado.
Os fundamentos nos dois (02) pedidos são idênticos, dai porque se
determinou a tramitação do Habeas Corpus n? 83.209.662, e que dera
entrada originariamente no Tribunal.
A douta Pocuradoria de Justiça
ofereceu o Parecer de fls. 97/99,
opinando pela denegação E nessa
oportunidade, o Impetrante, ilustre
causídico, Bel Vital do Rego, peticiona às fls. 101/104, juntando documentos, para solicitar por medida de economia processual, que
fosse apreciado, no mesmo pedido,
um outro fundamento, qual fosse o
do excesso de prazo para a conclusão do feito, a que se refere a Lei
n? 6.368/76 (Tóxicos), sem que o
Paciente desse causa.
Os processos foram levados a
julgamento numa só assentada, decidindo, de logo, a Câmara julgar
prejudicada a 1! Impetração perante o Dr. Juiz de Campina Grande
(HC n? 83.209.722), qualquer que
fosse o resultado conhecido no julgamento do outro habeas corpus,
de competência originária do Tribunal. E, assim após os votos do
Relator (denegando) e do Vogal seguinte (concedendo), o Des. Anísio
Mala Neto suscitou uma Questão
de Ordem no sentido de que o Ex-
139
mo. Dr. Procurador de Justiça fosse ouvido sobre aquela já mencionada petição de fls. 101/104, o que
não fora feito anteriormente (ver
fls. 101/122v.).
Adiado o julgamento, veio ao
processo o Parecer de fls. 124/127,
opinando pela concessão da Ordem
quanto ao procedimento especial
(Tóxicos), por entender S. Exa.
que, realmente, era extravagante o
retardamento que vinha sofrendo
o feito.
Ora, no início do julgamento, em
se tratando de duas custódias preventivas, como Relator, da matéria, não tive dúvida em denegar a
Ordem, e assim precedi pelo entendimento de que o Auto de prisão de
flagrante, lavrado contra o paciente, Marco Tovar Colaço Agra, não
poderia ser acoimado de nulo,
(forjado), porque a sua comprovação estaria a depender de elementos de provas, o que somente seria
possível durante a instrução do feito, nos próprios autos da Ação, e
nunca no âmbito estreito e limitado do habeas corpus. Demais disso, a alegada falta de Curador ao
Réu menor, não invalidaria o processo, vez que essa providência poderia ser adotada em juízo, como
foi posteriormente, permitindo-se,
assim, a repetição de toda a prova,
e, por fim, entendia que o decreto
de prisão preventiva, no processo especial, estava por demais fundamentado. Por isso, denegava a
Ordem, embora o Des. Manuel
Taigy, a concedesse, levando em
conta o que faculta a Lei Fleury.
Com a retomada dos trabalhos e,
agora, na apreciação do argumento trazido à baila, e que diz respeito ao excesso de prazo para a conclusão do feito, a Câmara entendeu
por bem, à unanimidade, cessar o
decreto de prisão preventiva,
invalidando-o nos termos do Parecer.
140
R.T.J. — 109
Na verdade, o inquérito foi encaminhado a Juizo em data de 16-8-83
e o Paciente somente foi interrogado a 1-9-83, embora os autos tivessem sido distribuídos desde 21-7-83.
Dessa forma, está provado exuberantemente o excesso, quando se
sabe que o art. 22, .§ 3?, da Lei n?
6.368/77, foi desatendido.
Caracterizado esse retardamento, tem-se como certo o constrangimento ilegal que está a sofrer o
Paciente, sanável por habeas corpus, pois, o prazo para a conclusão
do feito é de trinta e oito (38) dias,
por ser rito especial.
Assim, sob esse fundamento, a
Câmara concedeu a Ordem, como
se disse, embora subsistindo a prisão do Paciente Marco Tovar Colaço Agra, face a um outro decreto
de custódia preventiva exarado no
rumoroso processo por crime de
homicídio, a que mesmo responde
como um dos participantes da
morte de Alcides Pereira da Silva,
vulgo «Vaquerinho».
De fato, S. Exa. o Dr. Amauri
Ribeiro de Barros, juiz da 1? Vara
Criminal da Comarca de Campina
Grande, ao decretar a prisão preventiva do Paciente, fê-lo de maneira a não deixar margem para
contestação. Narrou todo o fato e
fundamentou a sua decisão, mostrando os antecedentes do acusado,
seu grau de periculosidade e a sua
própria confissão, como participe.
Não há dúvida de que foram
atendidos integralmente os elementos constitutivos do art. 312, do
Código de Processo Penal, quando
se sabe, extra-autos, que uma terceira (3?) prisão preventiva já foi
decretada contra o mesmo. Em liberdade, irá trazer sérios transtornos para a apuração da verdade,
pois, a prática de tais crimes enluta e macula a honra da sociedade
campinense. É necessário que se
ponha um freio nessa onda de crimes e, mais que isso• no terror que
se implantara naquela Comarca!
Com esses fundamentos, a Câmara, a sua maioria, entendeu por
bem denegar a Ordem impetrado,
vencido o Exmo. Des. Manuel
Taigy de Queiroz Mello Filho, para
manter o Paciente sob a custódia
preventiva no processo a que responde por crime de homicídio.
Participaram do julgamento os
Exmos. Des. Taigy de Queiroz Mello
Filho, que presidiu c/voto; Anisio
Mala Neto e o Relator.
João Pessoa, 4 de outubro de 1983
— (a) Ilegível — Presidente c/ voto
(a) Ilegível — Relator (a) Ilegível —
Fui Presidente — Procurador.» (fls.
130/133).
Em tempo hábil foi interposto recurso ordinário, no qual o ilustre advogado do impetrante insiste na sua
pretensão, objetivando a cassação
da prisão preventiva decretada contra o recorrente (fls. 137/149).
Manifestou-se o Ministério Público
local pela confirmação do aresto recorrido, consoante se vê ás fls.
155/157.
Perante esta Corte a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não provimento do recurso (fls.
165/172).
VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator): O Acórdão recorrido concedeu,
em parte, a ordem de habeas corpus, reconhecendo o excesso de prazo ocorrido no processo em que o paciente foi denunciado como incurso
no art. 12 da Lei n? 6.368/76. Desse modo, manteve a prisão preventiva decretada na ação penal em que
figura como co-autor de homicídio
doloso.
Alega o recorrente que a decisão
omitiu o exame do excesso de pra-
R.T.J. — 109
zo relativo ao processo por homicídio. Acontece que esta argüição
não foi formulada, oportunamente.
Assim, sendo, poderá ser levantada
mediante nova impetração perante o
Tribunal competente. Ademais, não
é caso de concessão ex officio, porque não consta dos autos as necessárias informações acerca do andamento do processo referente ao homicídio. Aliás, não consta destes autos, sequer, a denúncia pelo crime
de homicídio. Portanto, não tem
aplicação à espécie o disposto no art.
193, inc. II, do Regimento Interno do
STF.
Com relação à custódia preventiva
bem pondera o parecer da douta
Procuradoria-Geral da República:
«14. Quanto à prisão preventiva, o despacho questionado assim
a Justificou:
— O Dr. Delegado de Polícia
José Guedes Sobrinho pede a decretação da prisão preventiva
dos acusados, Antônio Arnaldo
Fernandes Filho, Aluísio Lucena
Sobrinho, Raimundo Waldimir
Silvério, Ataliba de Oliveira Arruda e Marco Tovar Colaço Agra, todos devidamente qualificados às fls....e fls.
Justifica a sua representação
dizendo que a cidade passa por
momentos de intranqüilidade, com
a prática de crimes bárbaros,
praticados por elementos perigosos, tais como os acusados, Já
autores de outros delitos, viciados e traficantes de maconha,
dai, conclui o Delegadq, se fazer
necessária a decretação da custódia preventiva dos acusados,
como garantia da ordem pública
e para que não fujam da aplicação da lei penal.
Os presentes autos dão-nos conhecimento que entre os dias 11
para 12 de abril, os acusados acima referidos conduziram a vítima Alcides Pereira da Silva co-
141
nhecido por «Vaquerinho» para
uma propriedade localizada no
distrito de Boa Vista e ali, com
tiros de revólveres e metralhadora a abateram, queimaram o cadáver e foram enterrar na propriedade de marinho, pertencente ao pai de Ataliba de Oliveira
Arruda.
O crime passou em mistério
por alguns dias, durante os quais
os familiares da vitima a procuravam pela cidade e pelas vizinhanças, até que, com a prisão
de Ataliba de Oliveira Arruda,
pela Polícia Federal, este confessou que praticou vários crimes,
inclusive da vitima «Vaquerinho».
— Posteriormente, foi preso e
autuado em flagrante o indivíduo
Marco Tovar Colaço Agra, pela
Polícia Federal, acusado de viciado em maconha, tendo este
confessado que juntamente com
os acusados assassinou a vítima
Alcides Pereira da Silva, conhecido como «Vaquerinho» e que o
crime teve início quando o veículo de Alcides Pereira chocou-se
com o de Aluísio Lucena Sobrinho, ocorrendo na ocasião uma
discussão entre ambos, quando
Alcides deu um murro na cara de
Aluisio e este prometeu que se
vingaria.
Ataliba tendo conhecimento do
fato, tomou as «dores» por Aluísio e passou juntamente com este
seguir a vitima, ainda em companhia dos outros acusados. Encontrando-a foram até a superintendência e ali ainda discutiram, porém fizeram um acordo
no qual «Vaquerinho» pagaria as
despesas com os reparos do
veículo de Aluísio. Após saírem
da Superintendência de Policia,
os dois entraram numa Brasília
e foram até uma oficina mecânica, localizada na avenida Assis
142
R.T.J. — 109
Chateaubrland, nesta cidade,
sendo seguidos por Marco Antônio Arnaldo e «Raimundinho».
Aí, quando chegaram na oficina,
Aluísio deixou Vaquerinho e saiu
Para lugar desconhecido.
Então, Marco, Antonio e «Raimundinho», pegaram a vitima,
puseram num Fiat e seguiram à
Fazenda Marinho de propriedade
do Dr. José de Souza Arruda,
deste Município onde já se encontrava Ataliba, retornando para
esta Cidade, porém desviaram a
rota, entrando por uma estrada
carroçava' e ali, Ataliba atirou
contra a vítima, com uma metralhadora e depois com um revólver, acertando na vitima que
procurava fugir. Já ferida a vítima recebeu um tiro na cabeça,
desferido por Toinho.
Ataliba mandou Marco Tovar
encontrar-se com Aluisio, teúdo,
encontrado em sua residência,
onde deu o recado, isto é que fosse até o local do crime. Após contactar com Aluisio, seguiu Tovar
para a Universidade, enquanto,
Toinho ficava com Aluisio.
Praticado o crime, conduziram
a vitima para uma fazenda, onde
queimaram o cadáver.
Pelo que se vê dos presentes
autos a materialidade do crime
está bem provada; a autoria está
também sobejamente provada,
pelos menos até agora; o crime
foi dos mais bárbaros já praticados neste município e pela maneira e nas circunstâncias como
foi praticado demonstrou que os
acusados são pessoas possuidoras de elevado grau de periculosidade e que, soltos dificultam a
instrução criminal, atemorizando
testemunhas ameaçando as outras, conluindo-se com eles
etc...
Veja-se que já há termos de algumas testemunhas, (fls. 9), veri-
fique-se que os acusados Marco Tovar e Ataliba estão sendo processados pelo uso e tráfico de maconha, pela Polícia Federal, enquanto os demais, com exceção
de Aluísio, também são viciados
em drogas.
Também em liberdade os acusados procurarão fugir da aplicação da lei penal, tendo em vista
que Ataliba já procurou fazer
noutras ocasiões e, segundo a voz
geral é autor de vários outros crimes, por ele mesmo confessados.
A ordem pública necessita de
tranqüilidade, nossa cidade passa por momentos graves, pela
onda de crimes, assaltos ultimamente praticados contra indefesos e com a prisão dos acusados
poder-se-á viver mais descontraído sem o temor de ser assassinado ou assaltado na primeira
esquina.
Pelo exposto, defiro o pedido
da autoridade policial, para decretar como decretadas as prisões preventivas dos acusados
acima referidos, de acordo com
os arts. 311 e 312, do Código de
Processo Penal, estando os réus
incursos nas penas do art. 121 do
Código Penal.
Como se vê, não há como se
falar em ausência de fundamentação do despacho.
Por outro lado, se — como
afirma o impetrante — as confissões dos co-réus foram obtidas por
meio de torturas, isso é matéria a
depender de exame de provas, inviável no âmbito do writ.
É possível, aliás, que o paciente
haja sido torturado. As alegações
do impetante, no particular, são
verossímeis e acompanhadas de
um começo de prova (v. fls.
129/129v.).
R.T.J. — 109
143
18. No entanto, não foi apenas clusive para a custódia preventiva.
com base na confissão do paciente E, no caso, ela foi devidamente justique se formou o convencimento do ficada.
magistrado coator, a respeito da
ponto que é crucial é o do alegaparticipação daquele no evento de doOexcesso
de prazo. Entretanto, no
que se cuida. Ataliba de Oliveira particular, assinalou
Exa., muito
Arrruda (co-réu) apontou o pacien- bem, não ter sido ele V.
no
tangente ao
te como co-autor do ilícito, mas ne- crime de homicídio, objeto
de decinhuma prova existe, nestes autos, são do tribunal a quo, e acrescenta
de que esse co-réu haja sido tortu- mesmo V. Exa. ser possível, que sorado.» (fls. 168/172).
bre esse ponto, volte a ser impetrada
Na verdade, o decreto de prisão a ordem perante aquela Corte. No
preventiva proferido a 8-8-83 (fls. que diz respeito às sevicias, embora
77/78) está exaustivamente funda- possam elas ter sido praticadas, não
mentado, não merecendo qualquer importa isso em que não tenha havireparo.
do a participação do paciente, no criDiante do exposto nego provimento me, até porque, no caso, há declarações de um co-autor que o desfavoreao recurso
cem. O que caberia, na verdade, era
a apuração da responsabilidade da
VOTO
autoridade policial, e não considerar
O Sr. Ministro Aldir Passarinho: de logo, isento de culpa o paciente,
Sr. Presidente, acompanho V. Exa. excluindo-o de participação no criA justificação da custódia preventi- me, apenas pela possibilidade de ter
va está largamente exposta, inclusi- ele sido seviciado quando da confisve apontando o paciente como mem- são.
bro de um grupo de malfeitores. Não
Sr. Presidente, acompanho
se pode saber, de pronto, qual o exa- V.Assim,
Exa.
integralmente,
to grau de sua participação na práti- vimento ao recurso. negando proca dos ilícitos que foram cometidos,
mas a verdade é que é afirmado, peEXTRATO DA ATA
lo que consta dos autos, integrar ele
um bando que assassinou, de maneiRHC 61.517-PE — Rel.: Min. Djaci
ra cruel, um cidadão, e se entrega
ao uso de tóxicos. Ao cuidar da veri- Falcão. Recte.: Marco Tovar Colaço
ficação de periculosidade para fins Agra (Advs.: Vital do Rego e outro).
de decretação de medida de segu- Recdo.: Tribunal de Justiça do Estarança, diz o Código Penal, no seu do da Paraíba.
art. 77:
Decisão: Negado provimento.
«Quando a periculosidade não é Unânime. Falou pelo Recte.: O Dr.
presumida por lei, deve ser reco- Vital do Rêgo.
nhecido perigoso o indivíduo, se a
Presidência do Senhor Ministro
sua personalidade e antecedentes, Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
bem como os motivos e circunstân- Senhores Ministros Decio Miranda,
cias do crime autorizam a suposi- Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
ção de que venha ou torne a delin- Ausente, justificadamente, o Senhor
qüir.»
Ministro Moreira Alves. SubprocuraNo caso, essa conceituação legal é dor-Geral da República, Dr. Mauro
para a aplicação das medidas de se- Leite Soares.
gurança, mas, evidentemente, o conBrasília, 13 de dezembro de 1983 -.ceito legal pode ser tomado para a Hélio Francisco Marques, Secretáverificação dessa periculosidade, in- rio.
144
R.T.J. — 109
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.536 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Recorrente: José Carlos Leite dos Santos — Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo.
Habeas corpus. Apelação pendente. Cabimento do writ. Não se há
de remeter ao juizo de apelação, ainda que idêntica, a matéria do
habeas comas evidenciadora do ilegal constrangimento. Recurso de
habeas corpos provido.
para mandar processar a apelação
ACÓRDÃO
interposta pelo paciente, e, em conseqüência, considerou prejudicado
Vistos, relatados e discutidos estes
o pedido de fls. 2/5.
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Daí o presente recurso, objetiFederal, na conformidade da ata de
vando o conhecimento da impetrajulgamentos e notas taquigráficas, à
ção.
unanimidade, dar provimento ao reE certo, de acordo com a atual
curso para declarar-se extinta a prejurisprudência da Suprema Corte,
tensão executiva da pena e da medique o fato de estar pendente recurda de segurança.
so de apelação em principio, não
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
torna inadmissível o habeas corSoares Mufloz, Presidente — Rafael
pus:
Mayer, Relator.
«Habeas corpus - Em princípio,
é
cabível
na pendência de recurRELATORIO
so de apelação.
Se, entretanto, os fundamentos
O Sr. Ministro Rafael Mayer: Adode
ambos são idênticos, as pecuto, como relatório, o parecer proferiliaridades
do caso, exigindo medo pela ilustre Procuradora Haydelhor exame da prova, podem auvalda Aparecida Sampaio, devidatorizar, dentro de um prudente
mente aprovado pelo eminente
arbítrio, se remeta o exame da
Subprocurador-Geral, Prof. Assis
matéria para a via do recurso de
Toledo, nesses termos:
alcance e de aspecto mais am«O advogado Norberto Agostinho
plos.
impetrou habeas corpus em favor
Recurso não provido (RHC n?
de José Carlos Leite dos Santos,
56.316-MG, Rel.: Ministro Rodricondenado a 8 meses de reclusão e
gues Mclunin, RTJ 87/84).
Cr$667,00 de multa, além de um
No presente caso, parece-nos
ano de medida de segurança, como
cabível a pretensão, visto não haincurso nas sanções do artigo 155,
ver dúvida de que ocorreu a prescaput, do Código Penal, sob alegacrição alegada, como assinalou a
ção de extinção da punibilidade,
Procuradoria-Geral da Justiça,
pela prescrição da pretensão exeverbis:
cutória.
A Segunda Câmara do Tribunal
«O fato ocorreu em 6-9-1979,
de Alçada Criminal do Estado de
posteriormente à Lei n? 6.416/77.
São Paulo, por votação unânime,
Cogita-se, é certo, de prescrição
de ofício, concedeu habeas corpus
em termos de pretensão executa-
R.T.J. — 109
ria da pena principal, mas o fundamento legal é o artigo 110, ff
1? e 2?, do Código Penal (redação dada pela Lei n? 6.416/77).
145
tauração, o exame da matéria proposta em pedido de habeas corpus,
quando sendo o mesmo fundamento
se exija melhor exame, todavia sem
detrimento do princípio inconcusso
de que aquele pedido é cabível e eficaz ainda que já pendente o recurso
de apelação.
Ocorreu, inquestionavelmente,
a prescrição da pretensão executória. A denúncia foi recebida em
28-4-80 e a decisão condenatória é
de 23-4-83, sem recurso da acusaOra, como cabalmente demonstra-.
ção. Sendo a pena concretizada do no douto parecer, consumou-se a
inferior a um ano, o prazo de prescrição para os efeitos do art.
prescrição é de dois anos, que já 110, ff 1? e 2?, do Código Penal, de
modo que a concessão da ordem sese escoou» (fls. 36/37).
ria cabível mesmo de ofício.
«E, nos termos do art. 86 do CP,
Entretanto, como este é o fundanão derrogado pela Lei n? 6.416/77,
extinta a punibilidade pela prescri- mento do pedido e do recurso ordináção, cessa a medida de segurança rio, nos exatos termos do douto pareque tenha sido imposta, e deixa de cer, que tenho por incorporado neste
existir a condição para que venha voto, conheço e dou provimento para
a ser imposta, nesse fundamento.» declarar extinta a punibilidade, pela
(HC n? 57.558-SP, Rel.: Min. Rafael prescrição da pretensão executória,
extensivamente à medida de seguMayer, RTJ 102/121).
rança.
Opinamos, em face do exposto,
pelo provimento do recurso, para
EXTRATO DA ATA
que o Tribunal a quo conheça e julgue o wrlt, ou para que se declare
extinta a punibilidade, pela presRHC 61.536-SP — Rel.: Min. Rafael
crição da pretensão executória, Mayer.
Recte.: José Carlos Leite dos
estendendo-se à medida de segu- Santos (Adv.:
Norberto Agostinho).
rança.»
Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal
E o relatório.
do Estado de São Paulo.
VOTO
O Sr. Ministro Rafael Mayer (Relator): A concessão do habeas corpus
de ofício, pela venerável decisão recorrida, para que se processe a apelação interposta pelo paciente, respondendo ele em liberdade, não
exaure o objeto da impetração que é
o de obter a decretação da prescrição da pretensão executória.
Por outro lado, a jurisprudência
desta Corte admite que excepcionalmente se remeta ao juízo de apelação, já instaurado ou em via de ins-
Decisão: Deu-se provimento ao recurso para declarar-se extinta a pretensão executiva da pena e da medida de segurança. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Néri da Silveira e Oscar Corrêa. Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Alfredo Buzaid. Subprocurador-Geral da República Dr. João
Boabaid de Oliveira Itapary.
Brasília, 16 de dezembro de 1984 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
R.T.J. — 109
146
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.568 — SP
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek.
Recorrente: Lourival ou Lorival Jorge de Souza — Recorrido: Tribunal
de Alçada Criminal do Estado de São Paulo.
Livramento condicional. Suspensão (CPP, art. 732).
E indispensável que o Juiz ouça o Conselho Penitenciário, embora
licito que mande desde logo recolher o condenado à prisão, quando o
imponham as circunstâncias.
Recurso provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, de conformidade com a ata
de julgamentos e as nostas taquigráficas, à unanimidade de votos, dar
provimento em parte ao Recurso de
liabeas Corpus, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 17 de fevereiro de 1984 —
Miei Falcão, Presidente — Francisco Rezek, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Francisco Reza:
Tomo por relatório o parecer com
que o Procurador Cláudio Fontelles,
pelo Ministério Público Federal, resumiu a espécie, e sobre ela opinou,
nestes termos (fls. 45/47):
«O Dr. Sérgio Eid, por Lorival
Jorge de Souza, ajuizou pedido de
habeas corpus, objetivando restaurada fosse a liberdade sob condição que usufruía o paciente, argumentando com a delonga na conclusão do inquérito policial pelo
evento ulterior perpetrado, e também porque não se cumpriu com a
audiência do Conselho Penitenciário quando se decidiu pela suspensão do cogitado beneficio.
Indeferida a ordem, ao recurso.
Não cremos deva vicejar.
Diz o artigo 732, do CPP, verbis:
Art. 732: «Praticada pelo liberado nova infração, o juiz ou Tribunal poderá ordenar a sua prisão, ouvido o Conselho Penitenciário suspendendo o curso do livramento condicional cuja revogação ficará, entretanto, dependendo da decisão final no novo
processo..
Ora, a documentação trazida
com as informações judiciais a fls.
14/20, deixa claro que o Ministério
Público pediu a sustação do beneficio, amparado na certeza de
evento delituoso — assalto — em
que o réu se envolvera, tanto que
reconhecido pela própria vitima
(fls. 14/20).
A não audiência do Conselho Penitenciário não transtorna o decidido, pelo caráter provisório que
possui, então a significar suspensão cautelar de beneficio concedido, e não sua revogação, esta sim traduzindo-se em situação
definitiva, desfavorável ao réu, daí
porque o artigo 730, do CPP, cuida
de, então, obrigar a prévia audiência do liberado e enseja contraditório, ainda que sumário.
Suspenso o gozo do beneficio, a
demora, nos autos não demonstrada pelo recorrente, no consolidarse a ação penal pelo fato posterior
não ocasiona qualquer constrangi-
R.T.J. — 109
mento, pois o tempo de reclusão,
de novo experimentada, conta à
detração da pena já estabelecida.
Pelo improvhnento do recurso.»
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Rezek
(Relator): A jurisprudência desta
Casa a respeito da matéria em debate é escassa. Em setembro de 1974 a
Primeira Turma, sob a relação do
Ministro Rodrigues Mckmin, concedeu habeas corpus para anular a
suspensão do livramento condicional, porque não escorado o respectivo despacho em audiência do Conselho Penitenciário. Este acórdão não
é extenso, e fundou-se na literalidade
do artigo 732 do Código de Processo
Penal (HC n? 52.754-SP).
Treze anos antes, em abril de 1961,
o Plenário, sendo relator o Ministro
Victor Nunes, abordara aquele dispositivo de lei nos termos seguintes:
«Pergunta-se: em face desse texto, é indispensável a prévia audiência do Conselho Penitenciário para
que possa o juiz suspender (suspender, e não revogar) o livramento condicional? A redação da lei, à
primeira vista, faz supor que sim.
Entretanto, pelo art. 727, verificase que «o livramento condicional
poderá ser também revogado (isto
é, além dos casos previstos no art.
726), se o liberado deixar de cumprir quaisquer das obrigações costantes da sentença, ou for irrecorrivelmente condenado», etc. Acrescenta o art. 730 que «a revogação
será decretada a requerimento do
Ministério Público, mediante representação do Conselho Penitenciário ou dos patronatos oficiais,
ou da autoridade policial a quem
incumbir a vigilância ou, de oficio,
pelo Juiz...». Ora, se o juiz, no caso
de descumprimento, pelo liberado,
de qualquer das obrigações cons-
147
•
tantes da sentença, pode revogar,
officio, e não simplesmente suspender, olivramento condicional, parece-me que, no caso do art. 732, pode suspender o beneficio antes do
parecer do Conselho Penitenciário.
Manda a lei ouvir este órgão da
administração da Justiça Penal,
assim foi feito no caso dos autos, estando o Juiz á espera do
parecer. Não manda, porém, a lei,
que tal audiência seja prévia. Nem
se compreenderia, que, praticando
liberado uma infração penal grave, devesse o juiz da execução
aguardar o parecer do Conselho
Penitenciário, por vezes demorado,
para somente depois recolher o
condenado à prisão; mesmo porque
essa medida é de natureza provisória, pois definitiva é a revogação do
livramento, e esta, em caso de comissão de novo crime, só terá lugar
depois do julgamento, e se resultar
a condenação do acusado.» (HC n?
38.331-PR).
Não encontro razão para dissentir
desse ponto de vista. E certo que o
juiz pode decretar, de oficio, a revogação do livramento quando descumpridas as obrigações impostas
ao réu ( arts. 727 e 730 do CPP), condicionada sua decisão pela oitiva
prévia do próprio réu, e por nada
mais. Se nesse caso, mais gravoso
para o condenado, prescinde a lei da
audiência do Conselho Penitenciário,
não se há de desautorizar a suspensão do livramento condicional porque não precedida de parecer do
Conselho. Esse entendimento se reforça na consideração de que a medida em exame é provisória; e, no
caso concreto, foi requerida pelo Ministério Público.
Sucede que, mesmo à luz do precedente mencionado, aquilo de que
se pode abrir mão, em nome de uma
interpretação sistemática de quanto
circunda o art. 732 do CPP, é a
antecedência do pronunciamento do
ex
148
R.T.J. — 109
Conselho. Deixar, simplesmente, de
ouvi-lo, é desprezar de modo ostensivo e intolerável o comando da lei.
Na espécie, o juízo informante não
dá noticia de que, mesmo após a decisão impugnada, tenha encaminhado o caso à consideração do Conselho Penitenciário.
Para o estrito fim de que se promova a audiência prescrita pelo art.
732 do Código de Processo, e sem
prejuízo da continuidade da custódia
do paciente, concedo a ordem de
habeas corpus, provendo assim, em
parte, o recurso ordinário.
EXTRATO DA ATA
RHC 61.568-SP — Rel.: Ministro
Francisco Rezek. Rect.: Lourival
ou Lorival Jorge de Souza (Adv.:
Sérgio Eid). Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São
Paulo.
Decisão: Provido em parte, nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 17 de fevereiro de 1984 —
Hélio Francisco marques, Secretário.
RECURSO DE HABEAS CORPUS N? 61.571— SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Recorrente: Horácio de Oliveira Netto — Recorrido: Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
Recurso de habeas corpus. Crime falimentar. A prescrição de
crime [alimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar (Súmula n? 147).
Todavia, o recebimento da denúncia interrompe o prazo prescriclonal (Súmula n? 592), consoante o artigo 117, I do Código Penal.
3. Nega-se provimento ao recurso.
ACORDA°
RELATORIO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas por unanimidade de votos, em
negar provimento ao recurso de
habeas corpus.
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: O
advogado Dilmar Derito impetrou
ordem de habeas corpus em favor de
Horácio de Oliveira Netto, denunciado por crime falimentar previsto no
art. 188, incisos III e VIII da Lei de
Falências, objetivando o trancamento da ação penal, em curso no Juízo
da 8! Vara Criminal da Capital, sob
o fundamento de que ocorrera a
prescrição da ação penal, porque entre a data da decretação da falência
Brasília, 24 de fevereiro de 1984 —
Soares MIlik)Z, Presidente — Alfredo
Buzaid, Relator.
R.T.J. — 109
(274-79) e o recebimento da denúncia havia transcorrido mais de quatro anos, tudo nos termos dos artigos
199 e 132, § 1?, do Decreto-lei n?
7.661, de 21 de Junho de 1945.
A ordem foi denegada, em acórdão
assim fundamentado:
«A prescrição, cuidando-se de
delito falimentar, opera-se em dois
anos, contados do dia em que deveria estar encerrada a falência, ou
em quatro anos de sua declaração»
(RT 529/299), verifica-se que o prazo de prescrição dos delitos pelos
quais responde o paciente não se
completou» (fl. 27).
Ouvida a douta ProcuradoriaGeral da República, em parecer da
lavra do doutor Alvaro Augusto Ribeiro da Costa, aprovado pelo eminente Professor Francisco de Assis
Toledo, DD. Subprocurador-Geral,
assim se manifestou, verbis:
«1. Cuida-se de impetração em
favor de paciente que responde a
processo-crime como incurso no
art. 188, incisos III e VIII, da Lei
de Falências (Decreto-lei n? 7.661,
de 21-6-45).
Alega-se que ocorreu a prescrição, porque decorridos mais de
quatro anos entre o termo legal da
quebra (27-4-79) e o recebimento
da denúncia (17-5-83).
Incensurável, todavia, afigura-se-nos a denegação do writ, pelo
acórdão de fls. 26/27.
As alegações do recorrente
fundam-se em manifesto equivoco.
Com efeito, está na Súmtila
n? 147 que
«A prescrição de crime falimentar começa a correr da data
em que deveria estar encerrada
a falência, ou do trânsito em Julgado da sentença que a encerrar
ou que Julgar cumprida a concordata».
149
O § 1? do art. 132 da Lei de
Falências (Decreto-lei n? 7.661/45),
por sua vez, dispõe que
«Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo
da falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração».
Ora, no caso, a falência foi
decretada a 27-6-79 (v. fl. 7).
Sendo assim, e considerandose que os crimes falimentares
prescrevem no prazo de dois anos
(v. art. 199, caput, da Lei de Falências), a prescrição ocorreria a 276-83.
No entanto, o recebimento da
denúncia — interrompendo o prazo
prescricional (v. Súmula 592 e art.
117, I, do C. Penal) — ocorreu a 175-83 (v. fl. 16).
10. Não se configurou, portanto,
a pretendida extinção da punibilldade.
Pelo improvlmento do recurso,
em face do exposto, é o parecer»
(fls. 46/47).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Relator): Adoto o parecer da douta
Procuradoria-Geral da República como razão de decidir. Perfilho ainda
os fundamentos do voto proferido pelo eminente Ministro Rafael Mayer,
no RHC n? 58.110-MT (RTJ 96/1062).
Dessarte, nego provimento ao recurso.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RHC 61.577 — Rel.: Ministro Alfredo Buzaid. Recte.: Horácio de Oliveira Netto (Adv.: Dilmar Derito). Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.
150
R.T.J. — 109
Decisão: Negou-se provimento ao
recurso de habeas corpus. Decisão
unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Muiloz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 24 de fevereiro de 1984 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 75.729 — PR
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Ernesto Demétrio Calliari — Recorrido: José Eduardo Henning.
Responsabilidade civil. Dano moral.
Não resultando da prova dos autos que o recorrente se encontrava
ao amparo dos preceitos legais que prevêem a indenização por danos
causados a outrem, não se tem como amparado na letra a do permissivo constitucional (art. 119, III) o apelo derradeiro.
Incabível, outrossim, conhecer-se do extraordinário sob o pálio da
letra d do mesmo artigo 119, III, da Constituição, se os acórdãos trazidos para demonstração do dissídio pretoriano não se revelam discordantes do aresto impugnado. Naqueles foi admitida a possibilidade de
ressarcimento por dano moral, o que não foi negado neste. Apenas as
circunstâncias da espécie é que não permitiram ás instâncias ordinárias a concessão do pretendido ressarcimento, a tal titulo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal por sua Segunda Turma, na conformidade da
ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
não conhecer do recurso.
Brasília, 9 de setembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Aldir
Passarinho, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Trata-se de ação ordinária de reparação de danos aforada
por Ernesto Demétrio Calliari contra
José Eduardo Henning, a fim de ser
indenizado pelos prejuízos que sofreu
resultante de protesto judicial, e
duas ações que lhe foram propostas
pelo réu na Comarca de Mafra.
Diz o autor, em resumido, que fora
alvo de protesto judicial e de ações
cominatória e ordinária de indenização, propostas pelo réu, medidas estas que abalaram o seu crédito, visto
que seus bens ficaram implicitamente vinculados a inexistente obrigação
levantada em Juizo e fora dele. Afirma que grande foi o abalo que sofreu, causado por aquelas medidas,
as quais foram repelidas à unanimidade pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tendo chegado
a ficar impedido de exercitar sua
profissão de empreiteiro de construção de estradas, por longo tempo.
Destaca que os efeitos do dano moral se refletiram profundamente no
seu patrimônio, eis que se viu priva-
R.T.J. — 109
do de alienar seus bens e de receber
créditos, por culpa exclusiva do procedimento do réu que, por mero capricho levantou a existência de uma
falsa sociedade, da qual resultara
uma indevida prestação de contas e
indenização de danos fantasticamente por ele criados.
A ação foi julgada improcedente, à
consideração de que não restaram
caracterizados os requisitos do artigo
159 do Código Civil, ensejadores de
reparação de danos.
No Tribunal de Justiça do Paraná,
a sentença foi confirmada em acórdão retratado nesta ementa:
«Ação ordinária para reparação
de danos, com fundamento no art.
159 do Código de Processo Civil,
julgada improcedente. Apelação
não provida. Agravo no auto do
processo prejudicado». ( fls. 201).
Irresignado, interpôs o vencido recurso extraordinário com suporte
nas letras a e d da permissão constitucional, alegando que o v. acórdão
Impugnado negara vigência ao art.
76, do Código Civil, 2? e 3? do Código
de Processo de 1939, além de ter discrepado de julgados de outros Tribunais, que trouxe a cotejo.
Alega o recorrente que o seu pleito
não é a reparação de danos em decorrência de ter o recorrido perdido
a demanda, mas sim pelo uso indevido do protesto judicial nos termos
em que foi redigido, no sentido de
impedir que o recorrente alienasse
seus bens e recebesse créditos oriundos de sua profissão, como se vêas fls. 19v. Observa que esse procedimento veio a contrariar o seu interesse econômico e moral e encontravase consignado no edital inserto no
Diário de Justiça de Santa Catarina
— fls. 21, e no Jornal «O noticiário»,
editados nas cidades de Mafra e Rio
Negro — fls. 69.
Foi o recurso admitido pela letra
d.
151
este o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Este recurso extraordinário se prende a questão iniciada em
abril de 1969 e decorrente de protesto judicial formulado em 1960, e de
duas ações, procedimentos esses
ajuizados contra o autor, ora recorrente As ações foram julgadas improcedentes. A seu turno, o autor,
ora recorrente, ajuizou protesto, em
junho de 1960, tendo feito notificar o
réu, e ora recorrido, para que se
abstivesse de alienar bens, porque
contra este seria promovida, oportunamente, ação de reparação de danos causados ao patrimônio econômico e moral dele, autor.
Como se viu do relatório, a demanda foi julgada improcedente nas instâncias ordinárias, e dai o presente
recurso extraordinário, no qual o
autor-recorrente alega ter sido negada vigência ao art. 76 do Código Civil, sendo aplicável a norma prevista
no art. 3? do Código de Processo Civil de 1939, então vigorante, além do
que divergira o v. acórdão impugnado de arestos de outros Tribunais.
extraordinário não é de ser conhecido.
Ninguém nega — e as decisões nas
instâncias ordinárias não o fizeram a possibilidade de indenização por
dano causado a terceiro, ainda quando não tenha ele sido de natureza
econômica. Os acórdãos trazidos à
balha, como prova do dissídio, são
pela aludida possibilidade, conforme
se vê dos excertos colacionados pelo
recorrente, mas a tese posta em tais
arestos não foi negada quer na 18
instância, quer no C. Tribunal de
Justiça do Paraná.
Na verdade, justificando o improvimento da ação, declarou o MM.
Juiz, após algumas considerações sobre a indenização decorrente do art.
152
R.T.J. — 109
3? do Código de Processo Civil (1939)
e do ato ilícito a que se refere o artigo 160, 1, do Código Civil:
«Sobre o assunto preleciona Pedro Batista Martins (Código de
Processo Civil, vol. I, pág. 47):
«Para que o exercício da ação gere
para o seu autor a obrigação de indenizar os prejuízos causados ao
réu, não basta, é claro, a circunstância de decair da ação. E preciso
ainda que se demonstre o concurso
de certas circunstâncias de fato,
das quais transpareça o dolo (intenção de prejudicar) o erro grosseiro, equivalente ao dolo, ou, pelo
menos, o espirito de aventura ou
temeridade do autor».
Ora, no caso em julgamento o
Réu viu atendidas em primeira
instância as suas reivindicações
(certidões a fls. 58/61), consubstanciadas nas respectivas ações de indenização e cominatória, reformadas, posteriormente, em grau superior (certidões de fls. 7/12). Entendo, que não se possa falar em lide temerária, isto é, a que se intenta sem razão e com abuso de direito, ou como alegou o autor por
capricho, quando o proponente chega a ter vitoriosa a sua demanda
no juízo a quo, máxime quando não
seja imputado ao juiz haja incorrido em dolo ou fraude, no exercício
de suas funções.
Quanto ao protesto judicial que,
segundo o Autor, teria na época
abalado o seu crédito, também ali
havia o legitimo interesse econômico, porquanto o Réu socorreu-se
daquela medida para acautelar seu
interesse, que chegou a ser reconhecido em sentença de primeira
mão.
Outrossim, não conseguiu, igualmente, provar o Autor os outros
pressupostos necessários para que
emergisse a responsabilidade do
Réu, e que são: a relação de causalidade e a existência concreta dos
danos. As testemunhas ouvidas,
unânimes, alegam desconhecer tenha o Autor sofrido qualquer prejuízo com a demanda intentada pelo Réu» (fls. 175).
E o C. Tribunal de Justiça do Paraná, chamado o manifestar-se por
via da apelação interposta pelo autor, ora recorrente, deixou expresso
no seu v. acórdão, em harmonia com
o entendimento da r. sentença, que:
«Não existe nos autos prova alguma de que o apelado «agiu sem
motivo legítimo, imoderado e inconsideradamente, não visando como justa, à proteção de um interesse jurídico, mas agindo por erro
tão ostensivo e leviandade tão manifesta que somente seriam admissíveis por um espírito de aventura ou por temeridade». Pelo contrário, resultou provado, que o recorrido foi vencedor nas duas
ações, em primeira instância, e os
arestos do Tribunal de Santa Catarina não fazem a menor referência, à atuação abusiva do mesmo,
intentando as demandas.» ( fls.
202).
E acrescenta, a seguir: «O preceito do artigo 159 do Código Civil não
socorre o apelante, ante o apurado
na execução».
Ora, como se verifica, não há de
se admitir tenha sido negada vigência aos artigos indicados pelo recorrente, nem dissídio com os arestos
invocados, até porque, com relação
a estes/não chegou a ser efetuada a
prova analítica da divergência, como exige o enunciado da Súmula n?
291, pois, como se disse, neles apenas se encontra mencionada a possibilidade de ressarcimento por dano
moral, e isso não negou o v. acórdão
impugnado. Apenas, não considerou
ser ele cabível na espécie, em face
do exame das circunstâncias que a
cercaram, tendo considerado, inclusive, ter o réu sido vencedor em primeira instância naquelas ações por
R.T.J. — 109
ele intentadas contra o autor, ora recorrente. E por isso tudo é que as
instâncias ordinárias negaram provimento à demanda, não havendo cheque com os acórdãos trazidos a confronto.
Pelo exposto, não conheço do recurso.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 75.729-PR — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Recte.: Ernesto Demétrio Canta/1 (Advs.: Antonio Maria
153
Rodrigues e outro). Recdo.: José
Eduardo Henning. (Adv.: Onélio Bacóvis).
Decisão: Não conhecido. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 9 de setembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 80.575 — RJ
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Carteira Hipotecária e Imobiliária do Clube Militar — Recorrido: Raul Luna.
Cláusula «rebus sic stantibus».
Reajustamento de preço de apartamento, á base da cláusula referida. Carteira Hipotecária e Imobiliária do Clube Militar.
Descabe o reajustamento do preço do apartamento vendido pela
Carteira Hipotecária e Imobiliária do Clube Militar, à base da Cláusula «rebus sic stantibus» se á época da operação imobiliária (1962), o
fenómeno inflacionário já era uma infeliz realidade, não podendo
dizer-se, portanto, ter ele surpreendido o vendedor.
ria e Imobliária do Clube Militar
ACÓRDÃO
contra Raul Luna, com o objetivo de
Vistos, relatados e discutidos estes reajustar o preço do apartamento
autos, acordam os Ministros do Su- 1003 da rua Guimarães Natal n? 16,
premo Tribunal Federal, por sua Se- para Cri 28.452,00, invocando a cláugunda Turma, na conformidade da sula rebus sic stantibus.
ata do julgamento e das notas taquiNo Juízo de 1? grau, a ação foi julgráficas, por unanimidade de votos,
gada improcedente, e mantida por
não conhecer do recurso.
maioria de votos pela 7? Câmara
Brasília, 20 de setembro de 1983 — Civel do Tribunal de Justiça do exDjaci Falcão, Presidente — Aldir tinto Estado da Guanabara, em
Passarinho, Relator.
acórdão que porta esta ementa:
RELATÓRIO
«Não há como prevalecer na espécie a cláusula rebus sic stantlbus
sobre a avençada pelos contraenO Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Trata-se de ação ordinátes acerca da irreajustabilidade do
ria proposta pela Carteira Hipotecápreço. Inocorrência de alteração
154
R.T.J. — 109
questão entre a Carteira Hipotecária
e Imobiliária do Clube Militar e
compradores de apartamentos do
mesmo edifício, o extraordinário foi
admitido. Após longas e bem lançadas considerações sobre o problema
Interpostos embargos infringentes inflacionário e a necessidade da corcom fulcro no voto dissidente, os reção monetária, inclusive quanto
Juizes do 1? Grupo de Câmaras ao aspecto moral, invocou, para proCíveis Reunidas do Tribunal de Jus- va do dissídio, os arestos deste Tritiça rejeitaram-nos unanimemente.
bunal no RE n? 64.122, in RTJ 47,
pág. 500/501; RE n? 62.218, In RTJ,
acórdão ficou sintetizado nesta 46, pág. 564; outro — sem indicação
ementa:
do número e natureza do processo —
publicado na RTJ, vol. 36, pág. 680,
«Para que se aplique a cláusula e, por fim, Rec. Rev. n? 94.361, In
rebus slc stantibus, é necessário Rev. dos Tribunais, vol. 419, pág.
que as novas circunstâncias que te- 240.
nham subvertido a economia do
contrato tenham sido imprevisíveis
Entretanto, em nenhuma das hipóno momento do contrato bem como
não tenha ocorrido culpa por parte teses trazidas a confronto há identidade do tema jurídico com o versado
do interessado nessa mudança»
nos presentes autos.
Contra essa decisão, recorreu extraordinariamente a vencida com
Aqui, discute-se a possibilidade do
supedâneo tão-somente na letra d da
permissão constitucional, sustentan- reajustamento do preço de venda de
do que o v. acórdão impugnado dis- imóvel pela regra rebus sie stantisentiu dos julgados dessa Corte, en- bus, quando o contrato estipulava
contrados nas RTJ( s) n?s 47/500, expressamente que o preço era cer46/564 e 36/680 e do Rec. de Rev. n? to e ajustado, tendo considerado o v.
94.311, in Rev. dos Tribs. vol. acórdão ora impugnado que o fenômeno inflacionário já existia, não
419/240.
podendo, por isso mesmo, ser alegaInadmitido o recurso, subiram os do como fator inesperado para inautos a esta Corte, em virtude de ter fluir no preço fixado, mas nos outros
sido provido o agravo interposto pela arestos as questões giraram sobre
outros pontos, como se verá.
recorrente.
E este o relatório.
No RE n? 64.122 (RTJ 47, págs.
500/501,
a própria ementa do acórVOTO
dão, transcrita a fls. 208 proclama,
demonstrando a desidentidade das
Sr. Ministro Aldir Passarinho hipóteses.
(Relator): O extraordinário foi interposto apenas com apoio na letra d do
«Rescisão de contrato de compra
permissivo constitucional.
e venda. A correção monetaria
constitui forma de ressarcimento
recorrente diz, inicialmente, que
em caso idêntico, na Ap. Cível n?
das perdas e danos postulados na
62.860, também do Estado do Rio de
inicial, consectário jurídico da resJaneiro, e que se referia, inclusive a
cisão por culpa do vendedor.»
radical do ambiente objetivo existente à época do contrato. O fenômeno inflacionário então (1962) já
se apresentava, entre nós, vertiginoso, desenfreado, incontrolável»
R.T.J. — 109
155
E do voto do relator é transcrito
trecho que mais acentua a dessemelhança, bastando dar-se este passo,
pelo qual se vê que ali
Por último, é mencionado o Rec.
Rev. n? 94.361 (RT n? 419) que diz
respeito, porém, a ação de repetição
de indébito.
«consideraram as decisões recorridas que a restituição pura e simples do preço da coisa vendida, decorridos mais de dois anos da
transcrição, seria insuficiente para
compor os prejuízos do comprador.»
Não é demais esclarecer — quanto
à indicação que faz o recorrente sobre ter sido dado seguimento, pelo
ilustre Presidente do C. Tribunal de
Justiça, a extraordinário que versava questão idêntica, envolvendo também a Carteira Hipotecária do Clube
Militar e compradores do mesmo
edifício de apartamento que o ilustre
Relator, neste Tribunal, Ministro Antonio Neder, com base no art. 22, §
1?, do anterior Regimento Interno,
negou seguimento ao recurso (RE n?
71.656-4-RJ), conforme despacho de 5
de maio de 1978, publicado no DJ de
17-5-78.
Ora, na espécie dos autos não houve negativa de que pudesse haver
correção monetária na indenização
por perdas e danos, no caso de rescisão contratual, de molde a compor
os prejuízos do comprador, pois aqui
se discute a aplicação da cláusula
rebus sie stantibus.
No RE n? 62.218, Relator o Sr. Idinistro Hermes Lima — outro aresto
trazido à balha — foi assinalado no
seu voto, conforme tópico transcrito,
que «são muitas as decisões judiciais
em que a desvalorização da moeda
deu lugar à necessidade de medidas
para que o valor das perdas e danos
não frustrasse o direito do credor.
Assim se tem decidido».
Assinala o recorrente que então se
tratava de caso de responsabilidade
contratual: cobrança do pagamento
de uma prestação em dinheiro, estipulada em um contrato de permuta.
Basta isso para que se veja serem
desiguais os casos confrontados.
Menciona, ainda, o recorrente voto do Ministro Aliomar Baleeiro, em
acordão publicado na RTJ 36/680,
em que justifica a correção monetária, sem nenhuma indicação ao caso
a que se refere. Mas, consultando-se
a RTJ indicada, vê-se tratar-se de
indenização decorrente de acidente.
Pelo exposto, não tendo sido comprovado o dissídio pretoriano, não
conheço do recurso.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 80.575-RJ — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Recte.: Carteira Hipotecária e Imobiliária do Clube Militar
(Adv.: Carlos Eduardo P. Cardoso).
Recdo.: Raul Luna (Adv.: Paulo
Fontenelle).
Decisão: Não conhecido. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 20 de setembro de 1983 —
Secretário.
Hélio Francisco Marques,
R.T.J. — 109
156
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 81.088 — RS
(Segunda Turma)
res.
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Sylvio José Rangel Pires — Recorrida: Julieta Almeida Pi1 — Processual. Reexame dos fatos na oportunidade dos embargos infringentes. Divergência jurisprudencial comprovada.
II — Guarda dos filhos. Desatualizacão dos fatos.
Comprovada a divergência pretoriana, quanto a poderem os fatos
ser reexaminados na oportunidade dos embargos infringentes,
justifica-se o conhecimento do extraordinário sob o fundamento da letra d do artigo 119, III, da Constituição Federal. Incabível, porém,
dar-se provimento ao extraordinário para possibilitar-se novo julgamento de tais embargos, quando as circunstâncias, através de longos
anos, já se alteraram profundamente, encontrando-se inclusive o menor,
sobre cuja guarda se discute — já agora com mais de treze anos —,
quando na época da divergência entre seus pais contava com pouco
mais de um ano de vida.
Recurso extraordinário conhecido, mas não provido.
ACÓRDÃO
ção social, e mencionou posicionamentos reveladores de desvio de
Vistos, relatados e discutidos estes conduta, tudo a caracterizar a injúautos, acordam os Ministros do Su- ria grave, bastante para autorizar o
premo Tribunal Federal, por sua Se- desquite proposto, perdendo, em congunda Turma, na conformidade da seqüência, a requerida o direito ao
ata do julgamento e das notas taqui- uso do nome do marido, a guarda do
gráficas, por unanimidade de votos, filho menor (nascido em 6-6-70) e a
conhecer do recurso, mas negar-lhe receber prestação alimentícia.
provimento.
Contestou e reconveio a demandaBrasília, 25 de outubro de 1983 — da. Na sua defesa negou as acusaDjaci Falcão, Presidente — Aldir ções e insinuações que foram assacadas contra a sua pessoa, revelanPassarinho, Relator.
do certo aspecto da vida intima do
RELATÓRIO
casal, referindo que as insinuações
constantes da inicial significaram
O Sr. Ministro Aldir Passarinho gravíssima injúria. Aduziu ser o es(Relator): Trata-se de ação de des- poso adúltero, e, em reconvenção,
quite litigioso proposta por Sylvio Jo- pleiteou a dissolução da sociedade
sé Rangel Pires contra a sua mulher conjugal.
Julieta Almeida Pires, com fundaA sentença proferida reconheceu
mento no artigo 317, inciso III, do culpados ambos os cônjuges, e deu
Código Civil.
pela procedência da ação e reconSalientou o autor, na inicial, diver- venção. Entendeu haver Julieta cosos aspectos do relacionamento pú- metido injúria grave, e Sylvio haver
blico da esposa e do convívio íntimo praticado adultério. Atribuiu aos
do casal, além de referir atitudes in- avós paternos a posse e guarda do ficompatíveis da ré com a sua situa- lho menor, nos quais reconheceu as
R.T.J. — 109
melhores qualidades para sua criação e educação. Cada um dos cônjuges contribuirá com um salário
mínimo para as aludidas despesas
perdendo a mulher o direito de usar
o nome do marido.
Em grau de apelação, a Egrégia
2? Câmara Especial, à unanimidade, entendeu comprovada a culpa de
ambos os cônjuges, e, no aspecto
fundamental, desacolheu, sem discrepância, as inconformidades. Todavia, no que diz com a guarda do filho menor do casal, a sentença de 1?
grau foi mantida apenas por maioria, pois o ilustre Juiz relator da matéria, nesse aspecto, acolhia o recurso da ré e reconvinte, e a ela atribuía a referida guarda.
Inconformado, Sylvio José Rangel
Pires interpôs recurso extraordinário, com fundamento nas letras a e d
da permissão constitucional, alegando que o v. aresto recorrido teria negado vigência ao parágrafo único do
art. 319 do Código Civil, e discrepado
de julgados de outros Tribunais que
aponta.
Julieta Almeida Pires, igualmente
irresignada, arrimada no voto vencido, opôs embargos infringentes. O 2?
Grupo de Câmara Cíveis, em decisão
unânime, acolheu-os para assegurar
a embargante a guarda do filho do
casal. O acórdão está assim ementado:
«Embargos Infringentes.
O voto vencido, ensejador do recurso, é que define o tema a ser investigado. Fora dos lindes da divergência não é tolerável qualquer
exame.
Cônjuges culpados. Guarda de filho menor.
Em principio, segundo a vontade
da lei (CC, art. 326, § 1?), quando
ambos os cônjuges são culpados, a
mãe fica com o direito de ter sob a
sua guarda os filhos menores; essa
preferência só deixará de ser ob-
157
servada se o juiz verifiçar que de
tal solução possa advirprejuízo de
ordem moral para os filhos, em face de razões graves. Motivos graves
(CC, art. 327), na doutrina e na jurisprudência, são apenas aqueles
que podem comprometer a saúde,
a segurança ou a moralidade dos
filhos, caracterizados pela comprovada negligência, incapacidade,
abuso de poder, maus exemplos,
perversidade ou crime dos pais.
O motivo grave —, apontado pela
maioria, como justificativo da outorga da guarda do menor a terceir a pessoa, — foi o da mãe exercer
a profissão de médica e, nessa atividade, permanecer fora do lar a
maior parte do dia. Na análise
doutrinária e na interpretação jurisprudencial, jamais se observou
qualquer alusão á perda do direito
que a lei outorga à mãe (CC, art.
326, § 1?) pelo fato desta exercer
profissão ou emprego, e, no caso
concreto, o seu afastamento do lar
é mínimo, conforme esclarece a
prova documental coligida.
Embargos acolhidos».
Inconformado com a decisão proferida nos embargos infringentes,
Sylvio José Rangel Pires interpôs.
embargos de declaração. O 2? Grupo
de Câmaras Cíveis, por maioria de
votos, não conheceu dos embargos.
Ainda inconformado, Sylvio José
Rangel Pires interpôs recurso extraordinário, agora, da decisão proferida nos embargos infringentes e
do acórdão prolatado nos embargos
declaratórios.
Quanto ao primeiro, fundamentase nas letras a e d da permissão
constitucional, pois o aresto impugnado teria negado vigência ao art. 530,
combinado com o art. 465, I e II, do
CPC, os quais teriam sido interpretados em discrepância do entendimento que lhes tem dado outros Tribunais do pais; quanto ao segundo,
158
R.T.J. — 109
embargos infringentes, da matéria
de fato, pois inclinam-se a jurisprudência e a doutrina no sentido de
que, embora os limites sejam os do
voto vencido, poderá ser adotado outro fundamento no acórdão dos embargos Nesse sentido, e como exemplo, o aresto no AgRg no Ag. n?
72.339 (2? Turma, Relator o Sr. Ministro Moreira Alves), e cuja ementa
assim ficou enunciada:
«Embargos infringentes. Ambito
de apreciação da divergência.
A decisão em embargos infringentes está adstrita aos limites da
divergência, mas pode julgá-la
com base em fundamentação diversa da em que se estribou o voto
vencido.
Agravo regimental a que se nega
provimento» (RTJ 87/476).
VOTO
Nos embargos declaratórios, preO Sr. Ministro Aldir Passarinho tendeu o embargante — e que é ora
(Relator): Examinemos, por primei- recorrente — que o Grupo de Câmaro, o recurso extraordinário oposto ras esclarecesse sobre a extensão da
pelo ex-marido ao v. acórdão que matéria objeto do julgamento dos
julgou a apelação, e no qual procura embargos infringentes, bem como no
sustentar considerar-se perdoado o tocante ao suprimento da eventual
cônjuge adúltero pelo perdão da mu- omissão, mediante o julgamento inlher Dele não conheço, pelas mes- tegral da prova.
mas razões que fundamentaram o r.
De certa forma, portanto, os emdespacho do ilustre então Presidente bargos
de declaração visaram aplaido C. Tribunal de Justiça do Rio nar aquela
dúvida do embargante e
Grande do Sul, atualmente eminente que ensejara
o seu recurso extraormembro desta Corte, o Sr. Ministro dinário ao acórdão
nos embargos inSoares Mufloz, ao mostrar que não fringentes.
pode ter-se como havendo perdão se
A respeito, decidiu o Grupo, conapós a manifestação de tolerância do
outro cônjuge fatos posteriores vie- forme consta do acórdão, ( as.
ram a ocorrer, não tendo havido, em 514/516):
relação a esses outros, manifestação
«1. Traz Sylvio José Rangel Pide o cônjuge culpado ser perdoado.
res embargos de declaração ao
E, no referente aos acórdãos traziacórdão de fl. 473, alegando que os
dos como divergentes, bem assinalou
votos dos Desembargadores Emílio
o mesmo r. despacho que as hipóteA. M. Gischkow, Antônio V. A.
ses em confronto não eram iguais e,
Braga, Peri Rodrigues Condessa e
em conseqüência, não poderia caracLadislau F. Rühnelt, constituindo a
terizar-se a divergência.
maioria do Grupo julgador, «não
esclareceram se o juizo que profeNo referente aos embargos infrinriam abrangia, ou não, a totalidagentes, opostos pelo ora recorrente,
de da prova ».
por certo que caberia o exame, nos
fundamenta-se no permissivo da letra a, pois o acórdão recorrido teria
negado vigência ao art. 535, II do
CPC.
O então Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, Des. Soares Mufloz, hoje Presidente da 1! Turma desta Corte: a)
não admitiu o recurso extraordinário
interposto do julgamento da apelação; b) admitiu o recurso interposto
do julgamento dos embargos infringentes; c) admitiu o recurso extraordinário interposto dos embargos de
declaração.
Ouvida, manifestou-se a Procuradoria-Geral da República pelo não conhecimento dos recursos.
E este o relatório.
R.T.J. — 109
Daí pretender «a definição do
Grupo, especialmente da maioria
constituída pelos quatro Desembargadores mencionados, que votaram em último lugar, quanto à
aceitação, ou não, da tese do eminente Relator, a respeito do exame
restrito dos embargos infringentes».
Deferido esse pronunciamento,
no sentido do voto do Relator, tem
o embargante «que houve omissão
no acórdão, quanto ao julgamento
de matéria de fato relevante, para
solução do problema da guarda
menor, qual seja o exame da totalidade da prova, a respeito da idoneidade da Ré».
Nos termos dos embargos oferecidos, busca o embargante «dupla
declaração»: «a primeira, quanto à
extensão da matéria objeto do julgamento dos embargos infringentes, e a segunda, quanto ao suprimento da eventual omissão, mediante o julgamento integral da
prova».
2. Impende do exposto, verificar, prefacialmente, do cabimento,
ou não, destes embargos, no seu
primeiro aspecto, suporte pretendido para o «suprimento de eventual
omissão, mediante o julgamento
Integral da prova».
Ao sentir da maioria, não é caso
de embargos de declaração o propósito de obter explicitações de votos que realmente não interessam
ao julgado, observado que todos
convergiram para uma única conclusão, qual seja de atribuir a
guarda do menor à sua genitora.
A execução do acórdão é possível, sem margem para qualquer
perplexidade ou hesitação, suscetível de possuir eficácia e autoridade de coisa julgada.
Nem demonstra o embargante
destoar o acórdão dos termos da
159
ata e dos votos. E se isso não se
verifica dos embargos de declaração não cabe conhecer.
Certo que argumenta com o exame restrito, feito pelo Relator, e
um exame de toda a prova colhida,
sugerido pelo eminente Desembargador Emílio A M Gischkow, como a apontar que os votos que ao
deste se seguiram, não esclarecem
«se o juizo que proferiram abrangia, ou não, a totalidade da prova,
isto é, se aceitavam a tese restritiva do Relator».
Mesmo assim descabem embargos de declaração, ainda que não
se tenha por harmônicas as motivações dos votos que integram o
acórdão e definido um pronunciamento majoritário em sentido contrário ao do Relator, quando sintonizam, na conclusão de atribuir a
guarda do menor à sua genitora.
Sabido é que os embargos de declaração cabem em caso de obscuridade, dúvida ou contradição, ou
no caso de ser omitido ponto sobre
que deveria pronunciar-se o órgão
julgador. Todos os votos, no caso,
convergiram, por uma ou outra
motivação, para o acolhimento dos
embargos infringentes. Incablvel
declaração particular de votos,
que chegaram às mesmas conclusões, coincidentes, pois, com o fecho e a ementa do acórdão, o qual
nenhuma dificuldade pode proporcionar à execução do veredicto,
que não destoa do julgamento, nem
se contradiz com ele.
Foram votos vencidos os eminentes Desembargadores Relator, Revisor e Emílio Alberto Maya
Gischkow, sob o fundamento de
que existindo contradição entre os
fundamentos ou os argumentos nos
votos integrantes do acórdão,
inobstante a conclusão seja objetiva e precisa, cabe conhecer dos
160
R.T.J. — 109
embargos de declaração, para expungir assertiva que não se coaduna com a conclusão.»
Na verdade, penso que se o objetivo precipuo dos embargos infringentes era o relativo à guarda do filho
do casal desavindo, e se os fatos podem ser reexaminados nos embargos
infringentes e eles seriam de inegável valia para a conclusão do julgamento, caberia o pronunciamento sobre tais fatos.
Entretanto, no caso em espécie, e
apesar das considerações que formulo, embora conheça do recurso — e o
faço pela letra d — porquanto pela
letra a a doutrina é vacilante, pelo
que se há de considerar ter sido a interpretação pelo menos razoável
(Súmula n? 400), o que não enseja o
extraordinário, não lhe dou provimento, pelas razões que se seguem.
Na época dos fatos, o menor apenas contava com pouco mais de um
ano de idade. Agora, tem mais de
treze anos, e não tem sentido que
ele, nesta altura, em idade em que
até já poderia manifestar sua vontade sobre com quem gostada de ficar, viesse a ser obrigado a mudar
de residência, para viver na companhia de seus avós, provavelmente
bastante idosos agora, à base de circunstâncias ocorridas há tanto temPo.
Como se sabe, decisão sobre guarda dos filhos pode ser alterada a
qualquer tempo, desde que se modifiquem as condições existentes à
época em que foi ela proferida.
Assim, não se torna possível tantos
anos depois, quando o filho, cuja
guarda se discute, já se encontra
crescido, e sem que se tenha qualquer conhecimento atualizado dos fatos, inclusive quanto à possibilidade
de os avós ainda poderem atualmente suportar o encargo, e sem que se
possa saber quais os traumas que a
mudança poderia implicar na sua
personalidade ou na sua educação.
Nem mesmo a mim convenceram
não é demais acrescentar, as imputações formuladas contra a recorrida, embora, observo, não seja este
tema que pudesse ser examinado e
discutido na oportunidade do extraordinário.
Assim, parece-me sem qualquer
sentido, sem propósito, que se anulasse a decisão do v. acórdão nos
embargos infringentes para que o C.
Tribunal a quo viesse a rejulgar a
demanda à base daqueles mesmos
elementos, antigos, ultrapassados,
tanto mais que, como disse, a guarda dos filhos é tema que pode ser revisto a qualquer tempo, desde que se
verifiquem serem prejudicais ao menor as condições em que ele se encontre.
Pelo exposto, conheço do recurso
mas lhe nego provimento.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 81.088-RS — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Recte.: Sylvio José Rangel Pires (Advs.: Hugo Mósca e outros). Recda.: Julieta Almeida Pires
( Advs.: Pedro Gomes Nunes, Lauro
Newton Zak e outro).
Decisão: Conheceram do recurso,
mas lhe negaram provimento. Unânime. Falou pelo Recte.: O Dr. Hugo
Mósca.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 25 de outubro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
R.T.J. — 109
161
RECURSO EXTRAORDINARIO N? 81.510 — PR
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Estado do Paraná — Recorrido: Madeireira Santana Colonizadora Ltda.
Tributário. ICM.
Defesa do Estado recorrente com fundamentação diversa daquela
que alicerçou as notificações fiscais.
Matéria de fato.
Tendo as notificações fiscais dirigidas á firma recorrida se baseado em que as toras de madeira haviam sido por ela adquiridas «com
efeito á produção e vendagem apresentadas» — conforme delas consta — e vindo o Estado a sustentar, na ação, que o imposto é devido
pela simples transferência do estabelecimento produtor a um outro
estabelecimento da mesma empresa, embora no próprio Estado, de
logo se tem que as notificações não podem subsistir. E que tal fundamento não pode prevalecer, mas sim se as toras foram ou não adquiridas de terceiros, conforme afirmativa dos fiscais.
Além disso, tendo as instâncias ordinárias, face á prova dos autos, entendido inocorrer o fato gerador — o que dependeria para decisão sobre tal ponto de reexame de matéria de fato — incabível o extraordinário para tal fim. •
da, que o que acontece é bem diferenACÓRDÃO
te. Ela sempre foi produtora de maVistos, relatados e discutidos estes deira, em vários Estados da Federaautos, acordam os Ministros do Su- ção Possui estabelecimentos induspremo Tribunal Federal por sua Se- triais próprios e era também progunda Turma, na conformidade da prietária de todos os pinheiros que
ata de julgamento e das notas taqui- industrializava. Jamais adquirira tográficas, por unanimidade de votos, ras de terceiros.
não conhecer do recurso.
O MM. Juiz sentenciante julgou
Brasília, 19 de agosto de 1983 — procedente a ação para declarar nuMac' Falcão, Presidente — Aldir las as notificações fiscais e determiPassarinho, Relator.
nou o cancelamento de todos os efeitos delas decorrentes.
RELATORIO
No Tribunal de Justiça local, a deO Sr. Ministro Aldir Passarinho cisão monocrática foi mantida, em
(Relator): Trata-se de ação ordiná- acórdão sintetizado nesta ementa:
ria proposta por Madeireira Santana
«Comprovada a inexistência de
Colonizadora Limitada contra o Esfato gerador, falece direito à cotado do Paraná, a fim de declarar
brança do ICM.
nulas as notificações feitas a ela, por
Recurso improvido.» (fls. 249)
falta de pagamento do ICM, referente à aquisição de terceiros, de toras
Recorreu extraordinariamente o
de pinho, transportando-as em ma- Estado do Paraná, com supedâneo
deira serrada e feito sua comerciali- tão-somente na letra a da permissão
zação. Alegou a autora, ora recorri- constitucional, 'alegando que o v.
162
R.T.J. — 109
belecido o conceito de contribuinte
daquele mesmo imposto no qual se
inclui o produtor (art. 6?), e que
«Os Estados poderão considerar
como contribuinte autônomo cada
estabelecimento comercial, industrial ou produtor, permanente ou
temporário, do contribuinte, inclusive veículos utilizados por este no
comércio ambulante.»
Traz á balha, ainda, os arts. 1? e
16 da Lei Estadual n? 5.463, de 31-1266, segundo os quais: o imposto sobre
circulação de mercadoria tem como
fato gerador a salda desta do estabelecimento comercial, industrial ou
produtor (art. 1?) e que se considera
«contribuinte autônomo cada estabelecimento permanente ou temporário, de comerciante, industrial
ou produtor, inclusive os veículos
utilizados no comércio de ambulantes.»
Assim, acrescenta o Estado recorrente, o v. acórdão entendendo inexistir fato gerador, «quando da remessa de madeiras, de imóveis de
propriedade do contribuinte, situados inclusive em outros municípios
para a serraria autuada (esta situada em Marmeleiro), deixou de dar
vigência à lei federal, inclusive violada a norma constitucional invocada, pelas decisões recorridas, que
expressamente dispõe a respeito da
lel considerar como contribuinte autônomo, cada estabelecimento comercial, industrial ou produtor, permanente ou temporário, do contribuinte». Observa que não se trata de
saídas de materiais destinados a uso
ou consumo de outros estabelecimenVOTO
tos da mesma empresa, nos quais
não incidiria o ICM, e também não
O Sr. Ministro Aldir Passarinho era o caso de incidência sobre maté(Relator): No seu apelo último, invo- ria prima, quando se trata de indúsca o Paraná, os arts. 23, inc. II, e o tria integrada, instalada em área
Decreto-lei n? 406/68, art. 6? e § 2? continua, embora em mais de um
deste, aquele referente á fixação da município, e, assim, não era possível
competência dos Estados para insti- a anulação dos débitos. No caso,
tuir o ICM e o último, em que é esta- tratava-se de quaestlo iuris e não de
acórdão impugnado contrariou os
arts. 13 e 23 da Constituição da República, e negou vigência ao art. 6? e
seu parágrafo 2? do Decreto-lei n?
906/68.
Diz o Estado que o acórdão recorrido entendendo não se caracterizar
o fato gerador pelo fato de não ter
havido aquisição de madeira, contrariou os dispositivos legais indicados
que expressamente fixam o conceito
de estabelecimentos autônomos, inclusive o de produtor para fins de incidência do ICM, caracterizando-se
assim a saída da madeira como operação sujeita a tal tributo, o que foi
negado pela decisão recorrida. Dizia
a autora que ao extrair as madeiras
de suas reservas, não havia a circulação, a saída do produto, porque
não havia transação e esta madeira,
assim, não circulava. Entretanto, ficara «demonstrado que a recorrida,
tendo propriedade com reservas florestais em Francisco Beltrão, dava
saída de madeira para a sua serraria em Marmeleiro, considerado assim, ex-vi-legis estabelecimento
produtor autônomo, e ,assim, sujeito
a recolher o tributo objeto do lançamento fiscal que se pretende anular.»
Inadmitido o recurso, subiram os
autos a esta Corte, em razão de ter
sido provido o agravo interposto pelo
Estado recorrente.
A douta Procuradoria-Geral da
República manifestando-se, foi de
parecer que não fosse conhecido o
recurso.
E este o relatório.
R.T.J. — 109
quaestio facti, a ser dirimida, baseando-se no princípio da valorização
da prova, como vinha entendendo
o STF. No caso, ficara caracterizado que a recorrida, tendo propriedade com reservas florestais em
Francisco Beltrão, era produtora de
madeira em diversos Estados da Federação, dava saída de madeira para sua serraria situada no Município
de Marmeleiro, pelo que considerando-se o estabelecimento produtor autônomo, estava ele sujeito ao ICM.
Entretanto, como bem acentuou o
ilustre Presidente do C. Tribunal de
Justiça do Paraná, ao indeferir o recurso extraordinário:
«Tanto a decisão de primeira instância, como a de segundo grau
que a confirmou por seus próprios
fundamentos, ao darem pela procedência da ação proposta o fizeram
por entender, face à prova carreada para os autos, inocorrer, na espécie, fato gerador que autorizasse
o lançamento das notas com as
quais pretendia o fisco estadual cobrar o ICM, e o reexame desta
mesma prova, outro não é o principal fundamento do recurso, despropiciando, destarte, o apelo extremo
frente ao compendiado no n? 279,
da Súmula.»
Na verdade, não merece prosperar
a irresignação derradeira e, para isso, mais não precisaria ver-se que,
como muito bem assinalou a recorrida na sua impugnação ao recurso, a
demanda anulatória fora proposta
sob o fundamento da inexistência de
fato gerador, uma vez que ela, autora, nunca adquirira toras de terceiros e, por conseguinte, eram nulas
as notificações emitidas, e o réu
orientara sua defesa por outro caminho, alegando que a firma era produtora de madeira e como tal sujeita
ao pagamento do imposto. E, realmente, vê-se das notificações fiscais
que as autuações se referem à aqui-
163
lição de toras de madeira «com efeito à produção e vendagem apresentadas». E é certo que passa a
sustentar o Estado que o imposto é
devido pela simples transferência do
estabelecimento produtor para um
outro estabelecimento seu, em outro
município, embora no próprio Estado.
Salienta a recorrida que embora
seja um absurdo o raciocínio do Estado, o que se está dintindo aqui
não é esse aspecto, mas sim se a recorrida adquiriu ou não as toras de
terceiros, conforme afirmativas dos
fiscais, constantes das notificações.
Acresce que o v. acórdão recorrido
adotou os fundamentos da r. sentença de 1? grau, conforme está expresso no seu texto, e nesta última não
foram discutidas as normas legais
Invocadas pelo recorrente, na conceituação ampla que procura dar ao
termo contribuinte.
E com propriedade, manifestandose a respeito, anota a douta Procuradoria-Geral da República:
«3. O Recorrente discute questão de direito não ventilada na decisão impugnada. Por outro lado, o
Eg. Tribunal de origem baseou-se
exclusivamente em matéria de fato; a apreciação do apelo implicaria em revisão vedada no grau excepcional.
4. De acordo com a Súmula n?s
279 e 282, opinamos não seja conhecido o recurso.» (fls. 344)
Pelo exposto, não conheço do recurso.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 81.510-PR — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Recte.: Estado do Paraná (Adv.: José Manoel de Macedo
Caron ). Recda.: Madeireira Santana
Colonizadora Ltda. (Adv.: Hugo Mósca).
169
R.T.J. — 109
Decisão: Não conhecido. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 19 de agosto de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 83.474 — BA
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Companhia Atiantic de Petróleo — Recorrida: Prefeitura
Municipal de Salvador.
Tributário.
Taxa de localização e funcionamento. Município de Salvador. Inconstituclonalidade.
O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, no RE n? 77.473
(In RTJ n? 71, pág. 515) já decidiu caso idêntico, em acórdão cuja
ementa assim ficou redigida:
«Taxa de localização e funcionamento, Instituída pelo Código Tributário do Município de Salvador (arts. 200, 201 e 206, da Lei n?
1.934/66). Sua ilegitimidade ante o disposto no art. 19, 1i 2? da Constituição Federal de 1967 (hoje art. 18, 2?, após a EC n. 1/69), ao lado
da vulneração da regra do parágrafo único do art. 77, do Código Tributário Nacional.
Recurso extraordinário provido, a fim de se conceder o mandado
de segurança impetrado.»
No caso, a solução há de ser a mesma.
Recursto conhecido e provido para conceder-se a segurança.
Petróleo impetrou mandado de seguACÓRDÃO
rança contra ato do Sr. Prefeito MuVistos, relatados e discutidos estes nicipal de Salvador e do Sr. Chefe do
autos, acordam os Ministros do Su- Departamento de Tributos Diversos,
premo Tribunal Federal, por sua Se- visando eximir-se da cobrança da tagunda Turma, na conformidade da xa de localização e funcionamento,
ata de julgamento e das notas taqui- calculada sobre o seu movimento
gráficas, por unanimidade de votos, econômico e sobre o valor locativo
conhecer do recurso para lhe dar anual. Sustenta a impetrante, em
síntese, a inconstitucionalidade da
provimento.
Brasília, 30 de setembro de 1983 — referida taxa instituída pela Lei n?
Djaci Falcão, Presidente — Aldir 1.934/66, do Município de Salvador
Passarinho, Relator.
As instâncias ordinárias negaram
RELATORIO
a segurança postulada, sob o fundamento de que a mencionada taxa
O Sr. Ministro Aldir Passarinho municipal de licença, para localiza(Relator): Companhia Atlantic de ção e funcionamento «assenta em
R.T.J. — 109
bases não vedadas pelas normas legais que regem a matéria» (fls.
69/75 e 105/verso).
Irresignada, recorreu, extraordinariamente, a Companhia Atlantic
de Petróleo, com fulcro nas alíneas a
e c do permissivo constitucional, invocando, preliminarmente, contrariedade ao disposto no art. 116 da
Constituição Federal, porque a decisão recorrida não fora proferida pelo
Plenário; e, no mérito, alega, também, contrariedade ao previsto no §,
2?, II, do art. 18, da Carta Magna.
Quanto ao fundamento da letra c,
sustenta que o aresto recorrido importou em contestar o parágrafo único do art. 77 do Código Tributário
Nacional, ao julgar válidos e constitucionais os incisos I e II do art. 206
da Lei Municipal n? 1.934/66 (Código
Tributário e de Rendas de Salvador).
165
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Matéria idêntica já foi
examinada pelo Plenário desta Corte, sendo inclusive as partes as mesmas, no julgamento do RE n? 77.473BA — (In RTJ n? 71, pág. 515, tendo
a ementa do respectivo acórdão assim ficado redigida:
«Taxa de localização e funcionamento instituída pelo Código Tributário do Município de Salvador
(arts. 200, 201 e 206 da Lei n?
1.934/66). Sua ilegitimidade ante o
disposto no art. 19, 2?, da Constituição Federal de 1967 (hoje art.
18, 2?, após a EC n? 1/69), ao lado
da vulneração da regra do parágrafo único do art. 77 do Código
Tributário Nacional.
Recurso extraordinário provido,
a fim de se conceder o mandado de
segurança impetrado.»
Impugnando, na oportunidade, o
recurso, pede afinal a Municipalidade de Salvador que o Supremo TribuNo seu, como sempre, cuidadoso
nal Federal «reexamine a questão de
maneira a reformular o seu entendi- voto, bem analisou o então Relator,
mento a respeito, modificando a Sr. Ministro Djaci Falcão todos os
orientação que adotou ao julgar o aspectos legais e constitucionais que
envolviam a hipótese, tendo acentuaRE n? 77.473» (fls. 136/139).
do, na oportunidade:
Admitido o recurso pelo despacho
presidencial de fl. 140/verso, processou-se regularmente, recebendo razões de ambas as partes (fls. 150/156
e 158/163).
Nesta
instância,
a
douta
Procuradoria-Geral da República
pronunciou-se pelo conhecimento e
provimento do recurso, tendo em
vista que, em matéria idêntica á
presente (RE n? 77.473), o Supremo
Tribunal declarou a ilegitimidade da
taxa em questão (fl. 167).
o relatório.
«Ao que se vê, a base do cálculo
da taxa em causa é representada
pela sofra de duas parcelas, uma a
compreender o valor locativo
anual, e outra tendo em vista o salário mínimo, em função do movimento econômico do estabelecimento. Assim sendo, é fora de dúvida que toma em consideração os
valores do movimento econômico
do contribuinte, a indicar a sua capacidade contributiva. Acontece
que em se tratando de taxa não há
que se perquirir da capacidade
econômica do contribuinte. A base
de cálculo na taxa deve guardar
166
R.T.J. — 109
relação de proporcionalidade com
o serviço que a justifica. Ora, o
movimento econômico constitui
critério para a incidência do IPI e
do ICM (art. 47, II, a, do CTN, e
art. 2?, I, do Decreto-lei n? 406/68).
E, como é sabido, para a cobrança
de taxa não é permitido se tomar
como base de cálculo a que tenha
servido para a incidência de imposto (art. 19, § 2?, da Constituição
de 1967, hoje art. 18, § 2? e parágrafo único do art. 77 do CTN).»
E finalizou, após citação de ensinamento de José Washington Coelho,
em que foi ressaltado que o exercício
do poder de policia, em si e por si,
não constituía fato gerador da taxa:
«Na espécie não se indica o
exercício regular do poder de
polícia, nem tampouco serviço público específico e divisível, prestado ou posto à disposição do contribuinte».
Em casos símiles, já tem igualmente decidido esta Corte pela impossibilidade da cobrança da discutida taxa, valendo a respeito citar o
RE n? 69.957-ES (Plenário), Relator
também o Sr. Ministro Djaci Falcão
(In RTJ n? 59, pág. 799), e o RE n?
91.535-SP (Plenário), Relator o Sr.
Ministro Dedo Miranda, mandado
de segurança em que era recorrida a
Prefeitura Municipal de Igarapava,
e cujo acórdão assim ficou ementado:
«Tributário. Taxa de localização
e funcionamento. Instituída pelo
Município de Igarapava à base de
fatores que servem de base de cálculo a outros tributos, e sem correspondência com efetivo exercício
de poder de polícia ou serviço pres-
tado, é inconstitucional a taxa.
Contrariedade aos artigos 18, § 2?,
da Constituição e aos artigos 77,
seu parágrafo único, e 78 do Código
Tributário Nacional (Lei n? 5.172,
de 25-10-66). Divergência com o
acórdão no RE n? 69.957 (RTJ n?
59/799), relativo a idêntico tributo
do Município de Vitória» (RTJ n?
96/349).
Pelo exposto, é de concluir — tal
como o fez o Plenário desta Corte ao
ensejo do julgamento do antes aludido RE n? 77.473 — que a taxa em
questão, prevista nos arts. 200, 201 e
206, da Lei n? 1.934/66, do Município
de Salvador, é inconstitucional. Em
conseqüência, conheço do recurso
com base na letra c do art. 119, III,
da Constituição, e lhe dou provimento, para conceder a segurança.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 83.474-BA — Rel.: MM. Aldir
Passarinho. Recte.: Companhia
Atlantic de Petróleo (Advs.: Gustavo
Cesar de Barros Barreto e outro).
Recda.: Prefeitura Municipal de Salvador (Adv.: Gilberto Pedreira).
Decisão: Conhecido e provido nos
termos do voto do Ministro Relator.
Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 30 de setembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
R.T.J. — 109
167
AGRAVO DE INSTRUMENTO N? 87.401 (AgRg) — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Agravante: Casa Mar e Terra Comestíveis S.A. — Agravado: Luiz Carlos
Cardoso.
Agravo regimental. Argüição de relevância da questão federal. Tendo o Egrégio Conselho rejeitado tal alegação, não cabe à Turma o reexame da matéria.
Incidindo o óbice do art. 325, VIII do Regimento Interno, concernente ao valor da causa, só poderia ser ele afastado por ofensa à
Constituição ou manifesta divergência com a Súmula, já que o Egrégio Conselho, órgão competente do Supremo Tribunal Federal, rejeitou a alegação de relevância da questão federal.
3. Nega-se provimento ao agravo regimental.
ACORDA0
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
negar provimento ao agravo regimental.
Brasília, 30 de junho de 1983 —
Soares Mufioz, Presidente — Alfredo
Buzaid, Relator.
RELATÓRIO
No entanto, a argüição de relevância em apenso foi rejeitada pelo Eg. Conselho, e a quaestlo constitucional foi bem afastada pelo r.
despacho agravado nos seguintes
termos:
«Procurando contornar o aludido óbice, a recorrente, em ambos
os recursos, alegou ofensa ao artigo 107 da Constituição e argüiu
a relevância da questão federal,
esta a ser apreciada, privativamente, pelo Pretório Excelso.
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: R o
seguinte o teor do despacho, com o
qual neguei seguimento ao presente
agravo de instrumento:
Sucede que o Colendo Primeiro
Grupo não ventilou a matéria
suscitada, faltando, assim, o requisito do prequestionamento (Súmula, verbetes 282 e 356), quanto
ao recurso de fls. 178/90).
«Incidindo, na espécie, o óbice
previsto no art. 325, VIII (valor da
causa não atinge a alçada recursal), do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, somente
por ofensa á Constituição Federal,
manifesta divergência com a Súmula, ou relevância da questão federal poderia prosperar o presente
recurso.
Por outro lado, a Egrégia Sexta Câmara Cível, ao rejeitar o
agravo contra decisão que indeferira o pedido de denunciação à
lide, deu ao invocado artigo 107
da Constituição interpretação ao
menos razoável, como se verifica
da primeira ementa transcrita
(Súmula, verbete n? 400) (fls.
113/114)
R.T.J. — 109
168
Isto posto, nego seguimento ao
agravo.
Publique-se». ( fls. 130)
Inconformada, Casa Mar e Terra
Comestíveis S.A. Interpõe agravo regimental, alegando que:
«Data venta, a matéria versada
no bojo do Agravo, como se constata
até em exame perfuntório da questão, tem requisitos jurídicos que não
foram considerados relevantes porque o Conspícuo Jurista e Eminente
Senhor Ministro, que proferiu o respeitável Despacho recorrido encarou o elenco do artigo 325, inciso
VIII, do Regimento Interno e admitiu tratar-se de caso trivial, recurso
idêntico a quantos não comportam
solução outra que o indeferimento do
extraordinário». (fl. 132)
«Concessa maxima venta, o valor da causa como lhe atribui o Insigne Ministro que proferiu o respeitável Despacho recorrido, para indeferir o recurso de agravo de instrumento, não pode apresentar relevo
porque a questão de direito exuberantemente trazida no contexto do
recurso extraordinário e no agravo
de instrumento é de tal ordem que
enseja a permissão da subida do recurso extraordinário para melhor
apreciação da matéria de direito,
consoante os proficientes votos dos
conspícuos e saudosos Ministros que
compunham a Cúpula do Egrégio Supremo Tribunal Federal». ( fl. 133)
Ilustrando tais afirmativas cita
acórdãos proferidos em julgados
desta Corte, dos quais foram Relatores os eminentes e saudosos Ministros Orozimbo Nonato, Castro Nunes
e Luiz Gallotti.
Finalmente, alega que «para prequestionar a matéria jurídica que
havia sido aflorada na douta Sentença do Juiz de Direito da 12? Vara
Cível e nas suas razões de Apelada,
impetrou embargos de declaração
perante o 1? Grupo de Câmaras Reunidas do Estado do Rio de Janeiro,
para não ver postergados os seus direitos que iria demonstrar, à saciedade, como realmente demonstrou,
no recurso extraordinário». (fl. 135)
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Relator): 1. Matenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
Alega a agravante, em primeiro lugar, que a matéria submetida ao Supremo Tribunal Federal é relevante,
pelo que devia ser considerada no
despacho que negou seguimento ao
recurso. Mas a relevância da questão federal foi argüida tempestivamente, tendo-a rejeitada o Egrégio
Conselho, que é o órgão competente
para apreciá-la. Por isso, sem desapreço ás considerações expendidas a
fl. 133, invocando votos de eminentes e saudosos Ministros da Corte, o
certo é que o óbice regimental do
art. 325, VIII do Regimento Interno,
concernente ao valor da causa, só
poderia ser afastado por ofensa
Constituição ou manifesta divergência com a Súmula, já que foi rejeitada a argüição de relevância da questão federal
2. Sustenta, em segundo lugar,
que, para prequestionar a matéria, a
cujo respeito pretendia interpor recurso, ofereceu embargos de declaração ( fls. 60/63). A verdade que,
nesta oportunidade, citou, de passagem, o art. 107 da Constituição mas
R.T.J. — 109
sem qualquer pertinência com a decisão proferida em grau de embargos infringentes, cuja ementa diz:
«A responsabilidade civil é independente da criminal, mas há coisa julgada, ou, segundo outros,
preclusão, a impedir se questione,
no cível, a decisão criminal proferida sobre a existência do fato e
sua autoria (C. Civil, art. 1.525).
Indenização por perdas e danos.
Responsabilidade da empresa por
atos de seus prepostos».( fls. 57)
3. Vou transcrever o seguinte
passo do v. acórdão, no que diz respeito ao invocado artigo 107 da Constituição:
«Dai, concluir pela inexistência
do fato anunciado como delituoso,
fl. 32.
169
Sucede que o Colendo Primeiro
Grupo não ventilou a matéria suscitada, faltando, assim, o requisito
do prequestionamento (Súmula,
verbetes 282 e 356), quanto ao recurso de fls. 178/90.
Por outro lado, a Egrégia Sexta
Câmara Civel, ao rejeitar o agravo
contra decisão que indeferira o pedido de denunciação à lide, deu ao
invocado artigo 107 da Constituição
interpretação ao menos razoável,
como se verifica da primeira ementa transcrita (Súmula, verbete n?
400 )». (fls. 113/114).
Ante o exposto, nego provimento
ao agravo regimental.
o meu voto.
Nesta ação ordinária de indeniEXTRATO DA ATA
zação, a ré requereu sua exclusão
da lide, entendendo que, se houve
erro, por ele deveria responder o
Ag. 87.401 (AgRg)-RJ — Rel.: Min.
Estado do Rio de Janeiro, fl. 41.
Alfredo Buzaid. Agte • Casa Mar e
Terra Comestíveis S.A. (Advs.: Davi
Indeferido o pedido de denuncia- Moreira Ferreira e Outro). Agdo.:
ção, fl. 90, a ré agravou, mas reti- Luiz Carlos Cardoso (Adv.: Alvaro
do o recurso, dele não se conheceu G. Leite).
na oportunidade da apelação (fls.
58/59)
Decisão: Negou-se provimento ao
agravo regimental. Decisão unâniAo agravo retido, negou provimen- me.
to, por unanimidade, a Egrégia Sexta Câmara do Tribunal de Justiça,
sobre a única matéria constitucional,
Presidência do Senhor Ministro
assim se manifestou o ilustre De- Soares
Mufloz. Presentes à Sessão os
sembargador Roque Batista, Vice- Senhores
Ministros, Rafael Mayer,
Presidente do Tribunal:
Neli da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
«Procurando contornar o aludido da República, Dr. Francisco de Asóbice, a recorrente, em ambos os sis Toledo.
recursos, alegou ofensa ao artigo
107 da Constituição e argüiu a relevância da questão federal, esta a
Brasília, 30 de junho de 1983 —
ser apreciada, privativamente, pe- Antônio Carlos de Azevedo Braga,
lo Pretório Excelso.
Secretário.
170
R.T.J. — 109
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL N! 91.547 — MA
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Francisco Laércio Balneio Borges — Recorrido: Ministério
Público Estadual.
Criminal.
Flagrante: nulidade não configurada.
Depoimentos dos policiais: validade.
Cerceamento de defesa: falta de intimação do réu para o depoimento de testemunhas e omissão de providência para inquirição de
outras.
Anulação parcial do processo.
Não é de ter-se como nulo o flagrante por ter sido a prisão do réu
efetuada apenas por policiais que, após revistarem seu carro nele encontraram significativa quantidade de maconha. Nem sempre as circunstâncias locais possibilitam que o crime seja presenciado por terceiros e nem é de ter-se como imprestáveis depoimentos dos policiais
que efetuaram a prisão.
Caracteriza-se, porém, cerceamento de defesa se foram omitidas
as formalidades previstas no lf 2? do art. 23 da Lei n? 6.368/76 e não foram ouvidas testemunhas arroladas pela Defesa, evidenciando-se, no
caso, prejuízo para esta, ante as alegações por ela formuladas.
Recurso extraordinário a que se dá provimento para anulação do
processo, parcialmente a partir de quando foram descumpridas as
formalidades previstas no * 2? do art. 23 da Lei n? 6.368/76.
Maranhão, como incurso nas sanACÓRDÃO
ções do art. 12 da Lei n? 6.368, de 21
Vistos, relatados e discutidos estes de outubro de 1976, a três anos de reautos, acordam os Ministros do Su- clusão e multa, por terem sido enpremo Tribunal Federal, por sua Se- contrados em seu poder cerca de
gunda Turma, na conformidade da dois quilos de maconha, do que reata de julgamento e das notas taqui- sultava não se destinar ela a uso
gráficas, por unanimidade de votos, próprio.
conhecer do recurso para lhe dar
Inconformado, apelou o réu, pleiprovimento.
teando a nulidade do processo, por
Brasília, 6 de setembro de 1983 — não terem sido ouvidas todas as tesDjaci Falcão, Presidente — Aldir temunhas arroladas pela defesa e,
Passarinho, Relator.
ainda, por não haver sido intimado
para todos os atos processuais; ou,
então, seja ele absolvido ou, enfim,
RELATORIO
desclassificado o crime do art. 12 pao art. 16 da Lei n? 6.368/76,
O Sr. Ministro Aldir Passarinho ra
concedendo-se-lhe
o beneficio do
(Relator): Francisco Laércio Benício
Borges foi denunciado e condenado sursis.
perante o Juízo de Direito da 2? Vara
O v. acórdão recorrido, do Colendo
da Comarca de Caxias, Estado do Tribunal de Justiça do Estado do
R.T.J. — 109
Maranhão, em apelação, a confirmar a sentença singular, por votação unânime, rejeitou as preliminares suscitadas pelo apelante de nulidade do processo, e negou provimento ao recurso, pelo que foi mantida,
em conseqüência, a pena mínima do
art. 12 da Lei n? 6.368, cominada ao
acusado (três anos). Os termos do
decisório estão resumidos em sua
ementa, verbis:
«Não se pronunciará nulidade, se
dela não resulta prejuízo para a
Acusação ou para a Defesa ou que
não haja influído na apuração da
verdade substancial, ou na decisão
da causa (arts. 563 e 566 do CPP).
Ouvida de testemunhas sem a presença do réu e de seu advogado ou
a omissão no ouvir duas testemunhas arroladas pela Defesa, constituíram, na espécie, mera irregularidade, que só se converteria em
nulidade, se provado o prejuízo
real sofrido por uma das partes, o
que não foi feito. Preliminares rejeitadas à unanimidade. No mérito, confirmação da sentença por
resultar dos autos certeza de que o
réu trazia consigo substância entorpecente de sua propriedade,
sem ser para uso próprio.»
Decisão também unânime.»
No recurso extraordinário interposto com base nas alíneas a e d do
permissivo constitucional, alega o
recorrente que, em assim decidindo,
o aresto recorrido contrariou o disposto no art. 153, §§ 4?, 15 e 16 da
Constituição Federal, e negou vigência ao previsto nos arts. 353, 366, 401,
cc os arts. 396 e 564, IV, e 6?, III, todos do Código de Processo Penal,
bem como invoca divergência com
vários julgados, que indica, inclusive
desta Corte, e dos quais transcreve
trechos, e com a Súmula n? 456.
Admitido o recurso por ambos os
fundamentos, processou-se ele regularmente, recebendo razões das partes.
171
A douta Procuradoria-Geral da
República, em parecer exarado pelo
Dr. Alvaro Augusto Ribeiro Costa,
propugnou pelo não conhecimento do
recurso, ou seu improvimento, por
não ocorrer a argüida contrariedade
aos dispositivos legais e constitucionais (fls. 363/366).
o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Para trazer maiores elementos ao exame do recurso, leio o
r. despacho do ilustre então Presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão, Dr. Kleber Moreira de Souza, que admitiu o processamento da
irresignação excepcional, e o parecer da douta Procuradoria-Geral da
República contrário ao conhecimento do extraordinário.
do seguinte teor aludido despacho:
«Francisco Laércio Benício Borges não se conformando com a decisão proferida na Ap. Criminal n?
244/79 Caxias (MA), constante do
texto dO Acórdão n? 4.084/79 (fls.
279/285), da 2? Câmara Criminal
do TJ/MA, decisório unânime que
confirmou decisão de primeiro
grau, que condenou o ora recorrente á pena mínima do art. 12 da Lei
n? 6.368/68, por seu procurador,
vem recorrer, para o Supremo Tribunal Federal, baseando o seu recurso nos artigos 632, I, II, IV e seguintes da Lei Penal Adjetiva e
art. 119, III, letras a e d, da Constituição Federal vigente, da referida
decisão (Acórdão n? 4.084/79), proferida no dia 25-5-1979.
Resumindo, alega o recorrente
que o acórdão ora atacado pelo
presente RE divergiu do entendimento do STF e de outros Tribunais, ferindo, inclusive a Magna
Carta, em seu art. 153, 4?, 15 e 16
e negando vigência à Súmula n?
172
R.T.J. — 109
456, do já mencionado Tribunal Federal e, contrariando, também, a
Lei Penal Adjetiva, em seus artigos 353, 366, 901 combinado com o
art. 564, n? IV e, finalmente, que
não apreciou o que fora decidido
pela Suprema Corte e por outros
aeropagos pátrios do que resultou
não ter sido feita a devida Justiça,
ao ora recorrente.
Entre julgados citados para respaldar o seu recurso, o patrono do
recorrente, cita os seguintes:
«Notificação apenas do defensor, inadmissível. Nulidade. No
HC n? 48.474, sendo relator o eminente Ministro Amaral Santos,
assentou com precisão, a 1? Turma do STF que a notificação apenas do defensor Mio supre a exigência constitucional do contraditório, especialmente quando para
ato ocorrido após o encerramento
da instrução e quando o Juiz ordenou a notificação pessoal do
acusado» (in RTJ vol. 58, pág.
169).
«O direito de estar presente à
instrução criminal conferido ao
réu e ao seu defensor, assenta no
principio do contraditório. Ao lado da defesa técnica, confiada a
profissional habilitado, existe a
denominada autodefesa, através
da presença do acusado aos atos
processuais» (In RTJ vol. 46,
pág. 653).»
Transcreve o recorrente ainda
outros julgados, não só do STF, como também de Tribunais Estaduais, entre eles o de Minas, São
Paulo e Rio de Janeiro.
Intimada, a recorrida impugnou
o recurso com as razões de fls.
311/317, baseando o mesmo, simplesmente na argumentação de que
o recorrente não atendera; no seu
apelo, ao disposto no art. 305 do RI
do STF e, ao final, pede que seja
negado seguimento ao RECr. n?
02/79.
Examinando-se os autos, como
enfatizou o recorrente, constata-se
que apesar de constar do mesmo o
endereço do réu, ora recorrente,
não foi ele intimado, uma só vez,
para as audiências realizadas, nas
quais foram ouvidas testemunhas
de defesa e de acusação e, também, que não tendo sido intimadas
duas de suas testemunhas não foi o
seu defensor cientificado de que as
mesmas não haviam sido intimadas, por não se encontrarem mais
nos endereços citados, o que no
nosso entender era necessário pois
poderia o mesmo, alegando serem
as mesmas testemunhas-chave para a defesa de seu constituinte, insistir para que fossem intimadas,
dando a conhecer os seus novos endereços ou, então, substituindo-as
por outras que tivessem a mesma
importância. Com isso houve desatendimento a dispositivos legais citados pelo recorrente.
No que concerne ao desrepeito,
ou melhor, ao dissídio jurisprudencial, o recorrente cita as decisões
das quais diverge o julgado atacado, com relativa precisão, não havendo o desrespeito ao art. 305 do
RI do STF, como assegura a recorrida, a não ser que se queira ser
mui rigoroso no entendimento como tal norma deve ser cumprida e,
na Justiça, o rigorismo excessivo é
prejudicial à própria Justiça.
A vista do exposto, pela ocorrência das hipèteses previstas nas letras a e d do item III, do art. 119
da Constituição Federal vigente,
admito o presente recurso dandolhe seguimento.» (fls. 320/321)
E é este o parecer da douta Procuradoria-Geral da República:
«1. Com argüido apoio nas
alíneas a e d do permissivo constitucional (art. 119, III, da CF), o recorrente impugna o aresto de fls.
279/286, ao fundamento de que o
mesmo teria violado os arts. 6?, III
R.T.J. — 109
353, 366, 564, IV, 401 e 396 do CPP,
e os ff 4?, 15 e 16 do art. 153, da vigente Lei Maior, bem como incidido em divergência pretoriana,
frente aos arestos colacionados às
fls. 290/292 e 296/297, tendo, além
disso, negado «vigência à Súmula
n? 456 do STF» (sie v. fls. 299).
Preliminarmente, verifica-se
que, no tocante ao argüido dissídio
jurisprudencial, o recorrente não
cuidou de atender às exigências do
art. 305, In fine, do Regimento Interno da Suprema Corte (vigente
ao ser interposto o recurso), pois
não demonstrou, como ali previsto,
identidade ou semelhança entre as
hipóteses em cotejo.
No que concerne às alegativas de afronta aos dispositivos do
CPP e da Constituição Federal invocados pelo recorrente, a argumentação por ele desenvolvida se
prende aos seguintes pontos: a) falta de intimação do recorrente e de
seu advogado, relativamente à expedição de precatória para ouvida
de testemunhas, arroladas na denúncia, bem como para os atos
processuais posteriores ao interrogatório; b) falta de oportunidade à
defesa para desistir ou insistir no
depoimento das testemunhas que não
foram localizadas em Belém do
Pará; c) omissão das autoridades
policiais no tocante à convocação
de elementos estranhos à Policia,
para servirem de testemunhas da
apreensão da maconha cuja posse
foi atribuída ao recorrente.
Quanto às argüições concernentes ao primeiro dos pontos acima identificados, o recorrente indica como violados, pelo aresto recorrido, os arts. 353, 366 e 564, IV,
do CPP, e os § 4?, 15 e 16 da Lel
Fundamental.
Impertinente se mostra, porém, a invocação dos arts. 353 e
173
366 do CPP, de vez que o primeiro
deles cuida de citação do réu, enquanto o segundo trata de revelia,
temas que não foram discutidos no
acórdão em foco.
Com respeito ao art. 564, IV,
do CPP, trata-se de norma que o
aludido aresto não contrariou, pois
não afirmou ser desnecessária a
intimação do réu e de seu advogado para os atos do processo e ciência da expedição de carta precatória; nem considerou prescindível a
intimação da defesa relativamente
à expedição de carta precatória. O
que fez o Acórdão, no particular,
foi negar a existência de prejuízo
defesa em virtude da falta cuja
ocorrência reconheceu, aplicando,
em conseqüência, os arts. 563 e 566
do CPP e não incidindo em qualquer ofensa aos
4?, 15 e 16 da
Lei Maior, nem aos dispositivos do
estatuto processual tidos pelo recorrente como violados.
No que diz respeito ao segundo ponto do recurso — concernente
à argüida falta de oportunidade à
defesa para insistir (ou não) no depoimento das testemunhas não localizadas em Belém do Pará — o
recorrente invocou o art. 401, c/c o
art. 396 do CPP. Tais dispositivos,
contudo, não concernem à questão
suscitada pelo recorrente, pois não
cogitam da hipótese de não serem
encontradas as testemunhas. Não
poderiam, em conseqüência, ter sido vulnerados pelo decisório em
apreço.
8. Por fim, no que se refere ao
derradeiro ponto do apelo extraordinário, o recorrente diz afrontado
o art. 6?, III, do CPP. Trata-se de
dispositivo que impõe à autoridade
policial, logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, «colher todas as provas que
servirem para o esclarecimento do
fato e suas circunstâncias».
174
R.T.J. — 109
No Acórdão recorrido, entretanto, consta a seguinte passagem:
«Laércio e Jef ferson foram
presos no Posto de Policia Rodoviária, fora dos limites da cidade
e onde só se encontram normalmente policiais. A sua prisão não
se efetivou, como repetidamente
o afirma, em vários passos do
processo, a Defesa, na Estação
Rodoviária, razão porque não há
como exigir-se que populares e
circunstantes depuzessem como
testemunhas do evento, o que é
mais um motivo para que se
aceitem como autênticos os testemunhos dos dois policiais que
prenderam o apelante.»
Assim, a questão de se saber se a autoridade policial atendeu (ou não) ao disposto no aludido
preceito legal somente poderia ter
deslinde mediante o reexame da
prova, incabível no recurso extraordinário (Súmula n? 279).
11. Não se verifica, então, em
face do exposto, a argüida contrariedade aos dispositivos legais e
constitucionais apontados pelo recorrente.
O parecer, em conseqüência, sugere o não conhecimento do apelo;
ou o improvimento do mesmo.»
(fls. 363/366)
Examinando os autos, não posso
deixar de assinalar que fiquei surpreso, chocado mesmo, com as expressões não apenas deselegantes,
mas até grosseiras, usadas pelo advogado da Defesa em relação ao nobre Juiz de 1? grau. A competência
demonstrada pelo diligente advogado não poderia — por isso mesmo —
conduzi-lo aos excessos de linguagem que repetidamente cometeu,
correndo, inclusive, o risco de indisp or os Juizes contra o seu constituinte, não fosse a serenidade e
equilíbrio dos nobres Desembargadores do Tribunal do Maranhão.
realmente lamentável.
Feito esse reparo — que a mim
tanto desagrada fazer — e que chega
a entenebrar o brilho da sustentação
da Defesa, passemos á análise dos
autos, no quanto é permitido fazê-lo
nos lindes do recurso extraordinário.
Procurando demonstrar o dissídio
jurisprudencial quanto às irregularidades formais que dariam margem
à nulidade do processo, invoca a Defesa os acórdãos, mencionando: 1?)
relativamente a Acórdão publicado
na RTJ 46, pág. 326, o seguinte tópico: «Ao lado da técnica, existe a denominada autodefesa através da
presença do acusado aos autos processuais» (RTJ n? 46, pág. 326). Não
esclarece, porém, o recorrente se tal
tópico, que se encontra a fls. 290 e
repetido a fls. 327 dos autos, parte do
voto do Relator ou de algum dos integrantes da assentada, se é trecho
da ementa do Acórdão, enfim nada
que possibilite a comprovação do
dissídio; 2) Outro tópico transcrito,
este também às fls. 290/327 dos autos: «Notificação apenas do defensor,
inadmissível. Nulidade. No HC n?
48.474, relator o eminente Ministro
Amaral Santos, assentou, com precisão, a 1? Turma do STF que a notificação apenas do defensor não supre
a exigência constitucional do contraditório, especialmente quando para o
ato ocorrido após o encerramento da
instrução e quando o Juiz ordenou a
notificação pessoal do acusado».
Menciona como repositório a RTJ
vol. 58, pág. 169. Entretanto, na RTJ
aludida o que se encontra publicado
é o próprio Acórdão do HC n? 48.474,
não havendo qualquer indicação,
portanto, do órgão oficial ou do repo-
R.T.J. — 109
sitório autorizado que publicou o excerto acima transcrito nem se é ela
parte da ementa de alguma sentença
ou de Acórdão, de onde é esse aresto e nem o número do processo a que
ele se refere; 3?) Ainda com menção
à RTJ 46, pág. 653, é transcrito o se• guinte (fls. 291/327 dos autos): «O direito de estar presente à instrução
criminal conferido ao réu e seu defensor, assenta no principio do contraditório. Ao lado da defesa técnica,
confiada a profissional habilitado,
existe a denominada autodefesa,
através da presença do acusado aos
atos processuais». Entretanto, ainda
ai não há referência ao número do
Acórdão, se o tópico transcrito é da
ementa ou de algum voto e mesmo
se, naquele caso, houve ou não nulidade.
Ainda nas razões do recurso há referência a outro acórdão, mas ai o
repositório é o Boletim de Jurisprudência ADCOAS n? 52.716, pág. 667 —
ano de 1977, Boletim esse que, porém, não é repositório autorizado.
Assim, não se encontrando atendidos
os requisitos previstos no art. 322 do
RI desta Corte, os Acórdãos trazidos
como paradigmas não se prestam á
comprovação do dissídio, impossibilitando o conhecimento do extraordinário pela letra d do permissivo
constitucional, no que diz respeito á
ausência do réu ou do seu advogado
a atos processuais.
175
Aliás, este Tribunal não tem como
inválida prova porque apenas decorrente de depoimentos dos próprios
policiais.
No referente á letra a do permissivo constitucional, alega o recorrente
violação aos arts. 353, 366 e 564, IV,
ambos do CPC; negativa de vigência
ao art. 153, §§ 4?, 15 e 16 todos da
Constituição, contrariedade aos arts.
401 c/c o art. 396 do CPP, e mais negativa de vigência ao art. 6?, III do
CPP e discordância com a Súmula
n? 456-STF.
O acusado — ora recorrente —
veio a ser citado para o interrogatório e a ele compareceu, acompanhado de seu advogado, tendo sido a citação efetuada por precatória expedida para a cidade de Belém. Na sua
defesa prévia, foram arroladas seis
testemunhas, com indicação de endereços, residentes todos em Belém
do Pará, sendo a última em substituição a alguma das cinco, que faltasse.
O processo é de ser anulado.
Verifica-se que tendo sido expedida carta precatória para a Comarca
de São Luís a fim de que ali fossem
interrogadas as testemunhas arroladas pela Defesa, não foi intimado o
advogado de tal expedição, e no
Juízo deprecado, embora tivesse haNo referente á imprestabilidade do vido determinação para que fosse inflagrante e à própria validade das timado o acusado, tal não se deu, á
provas de acusação, eis que formula- base da informação do Oficial de
das elas apenas pelos policiais que Justiça de que ele não residia em
efetuaram a prisão, após revista no São Luis, mas sim em Belém, não
carro em que se encontrava o acusa- tendo, outrossim, sido intimado o addo, ocasião em que encontraram a vogado da defesa. E certo que o
maconha, os trechos transcritos pos- MM. Juiz nomeou, para o ato, advosivelmente de votos em Julgamentos gado dativo, mas se o acusado posde Tribunais não atenderam àqueles sui advogado por ele constituído, não
mesmos requisitos de análise neces- poderia outro ser nomeado, em sua
sários à prova da dissidência.
substituição.
176
R.T.J. — 109
Na conformidade do disposto no analisada no v. acórdão que, entreart. 23 da Lei n? 6.368, de 12-10-76, o tanto, invocou as Súmulas 563 e 566
réu deverá ser intimado para a au- para tirar importância à alegação.
diência da instrução e julgamento,
Outrossim, sem dúvida procedenquando serão ouvidas as testemunhas, bem como o defensor e o Mi- tes as alegações da Defesa quanto à
nistério Público, daí resultando que falta de inquirição de duas testemudevendo as testemunhas ser arrola- nhas, pois das cinco arrroladas e
das em outra comarca — no caso a ainda uma sexta para substituir qualde São Luis — pelo menos, com apli- quer das cinco que faltasse, só três
cação da regra do art. 222 do CPP, foram ouvidas, sendo que das duas
deveria haver a intimação da expe- restantes daquelas cinco uma foi indição da precatória, sob pena de nu- timada e a outra não foi localizada,
cabendo, então, assim, ter sido pedilidade.
da a manifestação do acusado ou do
Ora, no caso, inaceitável será di- seu defensor.
zer-se que não houve prejuízo para
Pelo exposto, tenho que o processo
a defesa em tal omissão, porquanto é de
ser anulado a partir de quando
um dos pontos básicos da Defesa foram, em São Luis, ouvidas as tessempre foi — e agora mesmo reite- temunhas, sem as formalidades
rado no extraordinário — o de procu- previstas no § 2? do art. 23 da Lei n?
rar não só invalidar o processo por 6.368/76, devendo ser também inquiserem as testemunhas da acusação ridas as testemunhas arroladas pela
apenas os policiais que prenderam o Defesa, residentes em Belém do Paacusado, como insistir em que a de- rá, salvo havendo desistência, ou
claração deste último de que fazia não sendo localizadas.
uso de tóxicos, embora a acusação
fosse de tráfico, ainda assim aquela
E o meu voto.
fora obtida à base de sevícias. E é
de notar que nenhuma pergunta foi
EXTRATO DA ATA
formulada pelo advogado dativo nomeado para o ato à testemunha de
91.547-MA — Rel.: Min. Alacusação Nélio Santiago de Araújo e dirRECr.
Passarinho.
Recte.: Francisco
as poucas que foram formuladas à Laércio Benicio Borges (Adv.: José
testemunha Francisco Flávio Brito
Jesus Jansen Pereira). Recdo.:
Furtado nenhuma delas se referiu às de
Ministério
Público Estadual.
sevícias.
Decisão: Conhecido e provido nos
Impende assinalar que nas suas termos do voto do Ministro Relator.
razões, na conformidade do § 2? do Unânime.
art. 23 da Lei de Tóxicos, a Defesa
Presidência do Senhor Ministro
do ora recorrente já insistia em que Djaci
Falcão. Presentes à Sessão os
se fazia presente a nulidade prevista Senhores
Ministros Moreira Alves,
no inciso IV do art. 564 do CPP pela Decio Miranda,
Aldir Passarinho e
falta de notificação para os atos pro- Francisco Rezek.
cessuais, e bem justificou o prejuízo Geral da República,SubprocuradorDr. Mauro Leite
dai decorrente, não sendo de esque- Soares.
cer que o acusado não era revel.
Brasília, 6 de setembro de 1983 —
A invocação do art. 564, IV, do Hélio Francisco Marques, SecretáCPP, sempre prequestionada foi rio.
R.T.J. — 109
177
AGRAVO DE INSTRUMENTO N? 91.691 (AgRg) — SP
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Agravante: Rede Ferroviária Federal S.A. (Superintendência Regional
de São Paulo — SR-4) — Agravado: Oswaldo de Oliveira.
Trabalhista.
Ferroviário. Enquadramento errôneo.
Se a questão foi posta ao enfoque de errôneo enquadramento no
quadro de pessoal da Rede, com base no Plano de Classificação daquela ferrovia, ao fundamento de desatendimento às regras pertinentes, e sob tal ângulo foi decidida favoravelmente ao reclamante, não é
de acolher-se ao argumento da RFFSA de que a reclamação foi julgada ã base do principio da insonomia, o qual era incablvel de aplicarse na hipótese. Na verdade, a referência a outros colegas do reclamante — diferentemente do que tem ocorrido em multas outras demandas — objetivou mostrar o erro na sua classificação, e não que
lhe fosse dada melhor classificação apenas por a terem obtida os
companheiros indicados.
Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Segunda Turma, na conformidade da
ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental.
Brasília, 13 de setembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Aldir
Passarinho, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): A Rede Ferroviária Federal S.A., agrava regimentalmente
para esta Turma, mostrando-se inconformada com o despacho que
exarel nos autos do agravo de instrumento por ela interposto e pelo qual
mantive a decisão do ilustre Presidente do C. Tribunal Superior do
Trabalho denegatória do seguimento
de recurso extraordinário em que a
Rede Ferroviária figura como recorrente e Oswaldo de Oliveira como recorrido.
O despacho ora impugnado é do
seguinte teor
«O ilustre Presidente do C. Tribunal Superior do Trabalho não
deu seguimento ao extraordinário,
por entender não se encontrarem
configurados os pressupostos que o
justificariam. Salientou ele que a
matéria prescricional só fora argüida no recurso de revista, não o
sendo nas instâncias ordinárias, o
que destoava da Súmula n? 27 daquela Corte, que proclama:
«Não se conhece de prescrição
não argüida na instância ordinária.»
Ademais, segundo o despacho
aludido, aplicava-se á hipótese o
Prejulgado n? 48, hoje transformado em Súmula, por se tratar de hipótese de prestações de trato sucessivo. Ademais, a prescrição não
rendia ensejo ao' extraorinário, por
não se tratar de matéria constitu-
178
R.T.J. — 109
dona!, a respeito do que menciona
acórdão no RE n? 95.153-9, Relator
o Sr. Ministro Djaci Falcão.
Quanto ao enquadramento pleiteado, menciona o despacho indeferitório que a Rede sempre procurava desviar o tema para o instituto
da equiparação salarial, mas tal alegação não fora feita na contestação, nem no recurso ordinário por
ela interposto, constituindo-se, portanto, em inovação não permitida.
Não havia, deste modo, violação a
preceito constitucional.
Embora considere que, no caso,
o lapso prescricional se deva
iniciar-se, em regra, a partir da divulgação do enquadramento do
servidor, pois se constitui ele em
ato expresso e inequívoco do empregador, e contra o qual o empregado se insurge — não sendo, assim, o caso de renovação do prazo
a cada novo pagamento dos salários —, por certo que a matéria
não é de índole constitucional, mas,
sim, decorre do disposto em preceito de lei ordinária, qual seja, o
art. 11 da CLT. Deste modo, o fundamento não enseja o extraordinário, à vista do art. 143 da Constituição.
Quanto à questão nuclear, é necessário que se distingam as duas
hipóteses, isto é, se a decisão se
deu considerando o instituto da isonomia, ou se a ação foi julgada
procedente, admitindo terem sido
desatendidas as regras prefixadas
para o enquadramento.
Ora, no caso, embora tivesse sido observada a classificação de colegas do reclamante, o que foi admitido é que seu posicionamento
no quadro se dera erroneamente,
não tendo sido decidida a demanda, com base no art. 461, § 2? da
CLT, embora seja certo que a Rede procura dar como tendo sido
violado aquele dispositivo da lei
trabalhista. Como se vê do acórdão
do TRT da 2? Região, foi ali declarado que como o Recorrente, «na
realidade, vinha exercendo outra
função, ou seja, Agente Especial
de Estação, nivel 65, e por força da
Resolução n? 364/76 tinha direito
ao enquadramento de nível 69, isto
é, Agente Especial de Estação III,
face ao tempo em que vinha atuando como Agente de Estação».
E no E. Tribunal Superior do
Trabalho, ao ensejo da revista, é
do respectivo acórdão contrário ao
conhecimento do recurso:
«Quanto ao enquadramento,
também não conheço do recurso.
As razões discrepam do decidido
pelo Colegiado da Segunda Região. No Acórdão prolatado e especialmente no voto — fls.
128/129 — vê-se que a controvérsia foi dirimida com base em fatos consignando-se preterição.»
Deste modo, se apenas se tratou
de enquadramento — e não apenas
disfarçando pretensão de igualdade salarial, segundo o art. 461, § 2?
da CLT — não há base para a invocação, no caso, da regra do art. 85,
I, da Constituição. Nem tampouco
do seu art. 153, § 2?, este último
trazido à balha para dar suporte
ao tema prescricional que, entretanto, se situa no âmbito da legislação ordinária.
Pelo exposto, nego provimento
ao agravo» (fls. 135).
No seu agravo regimental, a Ferrovia insiste em que houve violação
ao art. 143 da Constituição Federal,
o que justificava o extraordinário,
eis que se encontrava configurada
violação ao art. 461, § 2? e 85, I, combinado com o art. 153, § 2? da Lei
Maior, a par de divergência com
inúmeros acórdãos deste Tribunal.
Alega que o art. 153, § 2?, foi apontado no Recurso Extraordinário e no
Agravo de Instrumento interpostos,
à vista de ofensa ao princípio da le-
R.T.J. — 109
galidade, eis que foi admitido o enquadramento do postulante com base apenas no principio da isonomia.
Observa que o V. acórdão do C. Tribunal Regional do Trabalho levou
em consideração apenas a situação
dos paradigmas ao corrigir o enquadramento pleiteado, dai havendo autêntica equiparação, pois não foi
apontada violação de lei pela Ferrovia, sendo do aresto regional:
«Pondere-se, ainda, que seus colegas mencionados na peça inicial
foram promovidos anteriormente
ao Reclamante, apesar de mais novos na função.»
Ora, continua a agravante, ainda
que a Ferrovia houvesse errado ao
enquadrar os colegas do autor, um
erro não justificaria outro.
Invoca, outrossim, a Rede Acórdãos deste Tribunal no sentido do
descabimento do enquadramento, com
base da eqüidade ou da isonomia.
Adianta que o acórdão não considerou haver quadro de carreira ao
conceder a equiparação salarial e
dai a violação dos preceitos trazidos
à balha em respaldo do extraordinário.
E o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Não encontrando razões
para reconsiderar-me, trago o agravo regimental para submetê-lo ao
julgamento da Turma.
inicialmente de ver-se que o exame do extraordinário há de fazer-se
ao enfoque das questões debatidas
nas vias ordinárias.
Recorrente, ora agravado, na
sua petição inicial, na reclamatória,
pleiteou revisão na sua reclassificação por defeito no seu enquadramento, tendo apenas mencionado a situação de outros companheiros para .demonstrar a erronia no que lhe dizia
respeito. De fato, assinalou:
179
«Embora desviado das funções
de Telegrafista para as de Agente
de Estação, assim se manteve em
razão de ordens e conveniência da
empresa. Se ela, nos planos anteriores, por negligência ou ainda.
por conveniência, não lhe deu tratamento adequado em seu enquadramento, jamais poderá lhe impor
prejuízos por suas omissões, ou imperfeições administrativas.
Se já se situava em nível mais
elevado que o de Agente de Estação nos quadros da União, seu
nível era o 16 e a carreira de Agente variava de 9A a 14, e no Plano
Simplificado esteve em referência
mais elevada, como já dito, é evidente que, no atual Plano, só lhe
poderiam, e ainda com alguns prejuízos, classificá-lo na melhor referência da classe de Agente de Estação, ou seja nível 74 e não 65 como acabaram por fazer.» ( fls. 28).
A r. sentença julgando, parcialmente procedente a reclamatória,
o fez por considerar errôneo o seu enquadramento tal como ocorrera, ao
dizer:
«O novo Plano de Classificação
levou em conta o que constava do
antigo Plano Simplificado, mas
neste, erroneamente, o reclamante
continuava figurando como telegrafista, e não como Agente de Estação, função que de fato exercia
desde 1944. Não se tratava, portanto, de simples desvio de função, como procurou justificar a reclamada. o enquadramento do reclamante, na carreira de Agente de Estação, no nivel inicial. Não se afigura justo nem legal que, por falha
administrativa da reclamada, que
não corrigiu oportunamente nos assentamentos do reclamante sua
função real, o reclamante, no novo
Plano, viesse a ser posicionado no
nivel inicial do cargo que já vinha
exercendo desde 1944» ( fls. 31).
180
R.T.J. — 109
A menção, quer na inicial, quer na
sentença, a outros colegas do Recorrente sempre se deu não para demonstrar que ele deveria ser enquadrado por se encontrarem outros desempenhando trabalho igual, ganhando maior remuneração, mas,
sim, para mostrar o erro na classificação funcional do Reclamante. O
mesmo ocorreu na fundamentação
do v. acórdão do Tribunal Regional
do Trabalho, como se vê dos seguintes passos do voto do Relator:
«Contra esta decisão insurge-se a
Recda., voltando a alegar que o
Recdo., antigo funcionário público
federal, quando cedido à Rede Ferroviária, ocupava o cargo de Telegrafista, passando automaticamente a ser classificado como rádiotelegrafista, situação em que permaneceu até a aplicação do Plano de
Classificação de Cargos (PCC)»
(fls. 33).
Apenas como reforço de argumentação, e em um exame comparativo,
é que acrescentou o voto:
«Pondere-se, ainda, que seus colegas mencionados na peça inicial,
foram promovidos anteriormente
ao Recte., apesar de mais novos na
função». (fls. 33).
A situação posta nos autos difere,
assim, fundamentalmente, daquelas
outras referentes à alteração na
classificação à base no principio da
isonomia. E, por isso e com razão,
sem dúvida se encontra o ilustre
Ministro-Presidente do C. Tribunal
Superior do Trabalho a acentuar no
seu despacho indeferitório do seguimento do extraordinário, como antes
referido:
«Quanto ao enquadramento requerido, a Empresa, como sempre,
busca desviá-lo para o instituto da
equiparação salarial, esquecendose que tal alegação não foi feita na
contestação, nem no recurso ordinário por ela interposto, constituindo-se, assim, em inovação não
permitida.»
Pelo exposto, nego provimento ao
agravo.
É o meu voto.
EXTRATO DA ATA
Ag. 91.691 (AgRg)-SP — Rel.: MM.
Aldir Passarinho. Agte.: Rede Ferroviária Federal S.A. (Superintendência Regional São Paulo — SR-4).
Adva.: Valéria Medeiros de Albuquerque). Agdo.: Oswaldo de Oliveira
(Adv.: José Alberto Couto Maciel).
Decisão: Negado provimento ao
agravo regimental. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 13 de setembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
EMBARGOS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 92.816 — SC
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Embargante: Indústrias Reunidas Castelli S.A. — Embargados: José Alberto Costa, sua mulher e outros.
Ação rescisório. Decadência. Prazo. Coisa Julgada formal. O prazo para propor ação rescisória conta-se da data do trãnsito em julgado da decisão no último recurso interposto do acórdão rescindendo.
Embargos de divergência conhecidos e rejeitados.
R.T.J. — 109
ACORDA°
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão
Plenária, na conformidade da ata de
julgamentos e notas taquigráficas, à
unanimidade, conhecer e rejeitar os
embargos.
Brasília, 13 de abril de 1983 —
Cordeiro Guerra, Presidente — Néri
da Silveira, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): José Alberto Costa, s/m,
e outros, moveram, a 17-12-76, contra
Indústrias Reunidas Castelli S.A.,
com sede em Caçador, SC, ação rescisória de sentença do MM. Juiz de
Direito da comarca de Caçador,
«que, em processo de concordata
preventiva, anulou escritura de compra e venda de imóvel procedida pela suplicada aos suplicantes», e do
acórdão da Primeira Câmara Civil
do Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina, ao não conhecer de
agravo de instrumento interposto da
referida decisão de primeiro grau.
A Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça catarinense julgou os
autores carecedores da ação rescisória, estando o acórdão assim ementado (fls. 273):
«Ação rescisória de sentença de
1? grau. Decadência por ter sido
interposta fora do prazo de dois
anos. O recurso contra a decisão
de 1? grau interposto em lugar do
previsto, isto é, agravo em lugar
de apelação e por isso rejeitado,
não impede a passagem em julgado da decisão que não foi apelada.
Prazo novo de decadência quando
é aplicado à decisão ocorrida anteriormente».
No aresto, explicita-se (fls.
275/276):
181
«A ré ao contestar o pedido, no
que se refere à: rescisão da sentença do 1? grau, argüiu a decadência
da ação, tendo em vista o decurso
do prazo de dois anos a partir da
passagem em julgado da sentença
em questão.
E irrecusável que o prazo começou a fluir após o qüinqüídio da data em que o recurso de apelação
era viável, ou seja, 19 de janeiro
de 1974. É que o agravo de instrumento, recurso inviável como foi
declarado pelo acórdão que o apreciou, não impediu o trânsito em
julgado, pois o recurso era de apelação e este não foi interposto.
Fluindo a partir da data da juntada do AR e da notícia da sentença aos autores, o prazo do recurso
terminou em 12 de fevereiro e, desta data até o ingresso da rescisória
— 17 de dezembro de 1976 — decorreram mais de dois anos.
Tendo o prazo de decadência terminado em fevereiro de 1976, de
conseqüência a presente rescisória
ingressou em juizo a destempo,
donde seu não conhecimento.
Não obstante a decisão ter sido
proferida ao tempo do Código de
Processo Civil anterior, o novo
prazo de decadência deve ser aplicado, por mais favorável a quem
argüiu».
Interposto recurso extraordinário
(fls. 285/292), inadmitiu-o o despacho
presidencial, de fls. 336/340. Subiu o
recurso, para melhor exame, em face do provimento do Agravo de Instrumento n? 78.839-5-SC.
A Primeira Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu
provimento, em aresto, com a seguinte ementa (fls. 419):
«Ação rescisória. Prazo. Coisa
julgada formal. O prazo para propor a ação rescisória começa a
correr da data do trânsito em julgado da decisão rhscindencla, quan-
182
R.T.J. — 109
do não mais exercitável ou não
exercitado recurso ordinário ou extraordinário, de que seja ela
passível. Recurso extraordinário
conhecido e provido».
Em seu douto voto, o Relator, ilustre Ministro Rafael Mayer, anotou
(fls. 411/413):
«Cuido que os Recorrentes lograram demonstrar o dissídio jurisprudencial do acórdão recorrido
com o julgado paradigma desta
Corte, constante do RE n? 87.420,
ambos versando e dissentindo no
ponto essencial, a saber, o momento da formação da coisa julgada
formal quando não conhecido o recurso interposto da decisão que
substancialmente vai transitar em
Julgado.
Com efeito, constam de acórdão
paradigma, desta Corte, as seguintes proposições destacadas no recurso:
«SÓ depois de passada em julgado a decisão é ela irrecorrivel,
e portanto, daí deve começar a
correr o prazo para a rescisória.
A rescisória é de decisão definitiva, e, portanto, pressupõe esgotados todos os prazos para que
seja irrecorrivel a decisão rescindenda.
Assim entendeu o eminente Ministro Theinístocles Cavalcante
com apoio da Turma, no RE n?
60.042, de Minas Gerais, em 24-468 — 2? Turma».
E ainda:
«De fato, não transitou em julgado o acórdão rescindendo, senão quando transcorrido o prazo
do agravo regimental do despacho do relator, fls. 27, que indeferiu o agravo de instrumento interposto tempestivamente».
Finalmente:
«De qualquer modo, a meu ver,
a interposição de recursos cabi-
veis, extraordinário e agravo de
instrumento, embora indeferidos,
afastaram o trânsito em julgado
do acórdão rescindendo.
Tenho, por isso, como inocorrente a decadência da ação proposta».
Há outros precedentes desta Casa, no mesmo sentido, como se vê
da referência do acórdão paradigma e do Pleno, a AR n? 963, de cuja ementa se lê:
«Ementa: Ação rescisória. Argüição de decadência rejeitada,
pois, o prazo para propor ação
rescisória conta-se da passagem
em julgado do último recurso interposto do acórdão rescindendo
(RE n? 87.420-PR — RTJ
84/684)».
Anote-se, aliás, que seria de extremo rigorismo aplicar a doutrina
de que, no caso, o recurso interposto da sentença de primeiro grau,
objeto de rescisão, seja evidentemente inadmissível, ainda que o
Tribunal de Justiça dele não tenha
conhecimento. Certo é que ela foi
prolatada ainda na vigência da lei
processual anterior e em processo
falencial, cuidando a instância a
quo que o recurso devera ser de
apelação ao invés do agravo de
instrumento, aliás tempestivo. Se
prevalecem as normas recursais
pertinentes ao tempo da decisão
atacada, deve ser considerado que
o CPC/1939 adotava explicitamente
o principio da fungibllidade de recurso (art. 810) e a Lei de Falências só excepcionalmente contemplava a hipótese de apelação, em
casos que não o da espécie, que,
pelas indicações dos autos, estaria
razoavelmente sujeita a recurso de
agravo de petição (art. 77, 4?),
quando não mesmo o de instrumento por não dever subir nos próprios autos da causa (art. 207).
Sujeita a recurso, tempestivamente exercitado, embora dele não
R.T.J. — 109
se tenha conhecido, a decisão de
primeiro grau constituiu-se em coisa Julgada mas somente quando
não mais exercitado, pelo decurso
do prazo, o recurso extraordinário
que ainda era cabível.»
Pelo exposto, conheço do recurso
e lhe dou provimento a fim de que,
afastada a preliminar de decadência, o Egrégio Tribunal a quo prossiga no Julgamento da ação, como
de direito».
A ré, Indústrias Reunidas Castelli
S.A., interpôs embargos de divergência (fls. 421/430).
Depois de referir os arestos da
mesma Turma, nos Recursos Extraordinários n?s 92.391-8/GO, Relator o Senhor Ministro Soares Muiloz,
In DJ de 19-12-1980, e 90.986-AM, Relator o Senhor Ministro Rafael Mayer (RTJ 95/852), aponta, ainda, o
aresto na Ação Rescisório n? 1.061-2SP, Relator o ilustre Ministro Dedo
Miranda, em decisão plenária, com
esta ementa (fls. 426), como paradigma:
«Processual civil. Ação rescisória. Prazo de decadência. Não
aproveita ao prazo o lapso de tempo decorrido entre o teórico trânsito em Julgado do acórdão rescindendo e o despacho que inadmitiu
embargos de divergência, por incabíveis».
O voto do ilustre Relator do Julgado paradigma, ao acolher a argüição
de decadência, em 29-4-81, sustentou
(fls. 426/ 427):
«O acórdão rescindendo foi publicado 18-6-76 (sexta-feira).
O único recurso cabível seria o
de embargos de declaração, a serem opostos no prazo de cinco
dias, que fluiria a partir de 21-6-76,
segunda-feira. (Regimento Interno,
arts. 314, § 1?, e 100, 3?).
O teórico trânsito em Julgado se
realizaria, pois, ao findar-se o expediente de 25-6-76.
183
E o prazo decadencial da ação
rescisória, iniciado a 26-6-76 (sábado), se completaria a 25-6-78.
No entanto, a petição da rescisória somente deu entrada no protocolo do Supremo Tribunal Federal
a 9-8-78.
O autor contou o prazo a partir
de 10-9-76, sob o seguinte raciocínio:
o acórdão rescindendo foi publicado a 18-6-76;
mas houve embargos do autor, repelidos por despacho do Relator, publicado no DJ de 3-9-76
(sábado);
C) daí, concluiu que o trânsito
em Julgado somente teria ocorrido
a 10-9-76, certamente computando
o prazo para embargos de declaração nesse momento (fls. 5).
Dá-se, porém, que, inadmissíveis
os embargos opostos ao acórdão
rescindendo, como ficou visto no
despacho que os repeliu (fls. 40),
não poderiam alongar o inicio do
prazo decadencial do art. 495 do
Cód. Proc. Civil.
A petição inicial viu a falha, tanto que procurou amparo no que decidira o STF na AR n? 920 (RTJ
75/29), o que, entretanto, somente
lhe poderia aproveitar se estivesse
procurando rescindir o despacho
que repeliu os embargos, o que não
é o caso».
Aduz a embargante que o acórdão
embargado, «para entender que a
ação rescisória proposta estaria dentro do prazo a que se refere o art.
495, do Cód. de Proc. Civil, admitiu
como suspensivo do trânsito em
Julgado, o tempo que decorreu do recurso inadequado interposto, até o
seu Julgamento» (fls. 427), enquanto
o aresto divergente, seguindo a lição
de Pontes Miranda, que cita, deixa
explícito que, se o recurso foi «declarado não cabível, a decisão transitou
em Julgado ao ser proferida, ou ao
184
R.T.J. — 109
se expirar o prazo para outro recur- decisão embargada que o prazo para
so, que pudesse ser interposto eficaz- propor a ação rescisória começa a
mente interponivel, de prazo maior» correr do trânsito em julgado da decisão rescindenda, quando não mais
(fls. 428).
O eminente Ministro Leitão de exercitável ou não exercitado recurAbreu, para discussão, admitiu os so ordinário ou, extraordinário, de
que seja ela passível (ementa ). Aqui
embargos (fls. 440).
o recurso era cabível e não foi exerContra-razões dos embargados, ás citado; no pretendido paradigma, o
fls. 442/443.
recurso que foi exercitado não era
A douta Procuradoria-Geral da cabível».
República ( fls. 455/457) opinou no
Também é de ponderar que, na essentido do não conhecimento dos em- pécie
dos autos, o acórdão embargabargos, ou de sua rejeição, se conhe- do teve
em conta, ainda, para recucidos.
sar a argüição de decadência, espeE o relatório.
cial consideração atinente ao caso
concreto, assim deduzida no voto dele condutor (fls. 412):
VOTO
«Anote-se, aliás, que seria de exO Sr. Ministro Néri da Silveira
tremo rigorismo aplicar a doutrina
(Relator): Não servem a fundamende que, no caso, o recurso interpostar a divergência os acórdãos nos
to da sentença de primeiro grau,
Recursos Extraordinários n?s 92.391
objeto de rescisão, seja evidentee 90.986, porque, ambos, da Primeira
mente inadmissível, ainda que o
Turma.
Tribunal de Justiça dele não tenha
conhecido. Certo é que ela foi proQuanto ao aresto, na Ação Rescilatada ainda na vigência da lei
sória n? 1.061-SP, o Plenário deste
processual anterior, e em processo
Tribunal, a 29-4-1981, acolheu a prelifalencial, cuidando a instância a
minar de decadência, a partir da
quo que o recurso devera ser de
consideração de serem os embargos
apelação ao invés do agravo de
de declaração o único recurso então
instrumento, aliás tempestivo. Se
cabível, sendo inadmissíveis os emprevalecem as normas recursais
bargos de divergência opostos ao
pertinentes ao tempo da decisão
acórdão rescindendo e a interposição
atacada, deve ser considerado que
destes não poderia, assim, dilatar o
o CPC/1939 adotava explicitamente
início do prazo decadencial do art.
o princípio da fungibilidade de re495, do CPC, que ocorreria ao térmicurso (art. 810) e a Lei de Falênno do qüinqüídio para os embargos
cias só excepcionalmente contemde declaração. Tratou-se, pois, de replava a hipótese de apelação, em
curso em processo da competência
casos que não o da espécie, que,
originária do Supremo Tribunal Fepelas indicações dos autos, estaria
deral.
razoavelmente sujeita a recurso de
Observou, em face disso, o parecer
agravo de petição (art. 77, § 4?),
da ilustrada Procuradoria-Geral da
quando não mesmo o de instruRepública que «a hipótese dos autos
mento por não dever subir nos próé outra: primeiro, porque não se exaprios autos da causa ( art. 207).
mina rescisória de competência do
Supremo Tribunal Federal», acresSujeita a recurso, tempestivacentando (fls. 457): «A matéria asmente exercitado, embora dele não
cendeu por via de recurso extraordise tenha conhecido, a decisão de
nário e, neste, concluiu a veneranda
primeiro grau constituiu-se em coi-
R.T.J. — 109
sa julgada mas somente quando
não mais exercitado, pelo decurso
do prazo, o recurso extraordinário
que ainda era cabível».
Inobstante esses aspectos destacados no parecer da ProcuradoriaGeral da República, penso que, na
espécie, não é de se examinarem as
hipóteses, com o rigor acima pretendido. No essencial, quanto à definição do termo a quo do prazo de decadência da ação rescisório, os acórdãos em confronto divergem.
Assim sendo, conheço dos embargos.
VOTO (MERITO)
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Observou, no voto-vista,
proferido, no julgamento do recurso
extraordinário, o eminente Ministro
Soares Mufioz (fls. 415):
«Militam, porém, a favor do
acórdão paradigma, razões de ordem prática resultantes da aplicação do principio da utilidade que
informa a teoria dos prazos processuais. Os prazos são estabelecidos
na lei para serem utilizados por
aqueles no interesse dos quais são
instituídos. Atendendo a esse escopo é que se diz que os prazos devem ser hábeis.
A prevalecer a orientação do
acórdão recorrido, o prazo decadencial de dois anos ficará encurtado, quando não consumido, pela
eventual demora do Tribunal ad
quem em julgar incabivel o recurso».
No RE n? 87.420, anotou-se:
«Só depois de passada em julgado a decisão é ela irrecorrivel, e
portanto, daí deve começar a correr o prazo para a rescisório.
A rescisório é de decisão definitiva, e, portanto pressupõe esgotados todos os prazos para que seja
irrecorrivel a decisão rescindenda».
185
Assim também entendeu a Segunda Turma, no RE n? 60.042-MG, já a
24-4-1968, Relator o saudoso Ministro
Themistocles Cavalcanti.
Consolida-se a orientação esposada
no acórdão embargado, a partir do
fundamento bem destacado pelo ilustre Ministro Cordeiro Guerra, no RE
n? 86.982-PR, verbis:
«Rejeito, outrossim, a argüição
de decadência formulada pelos recorridos, por entender que o termo
Inicial da contagem do prazo decadencial é o trânsito em julgado do
despacho que indeferir o recurso
extraordinário neste Tribunal, tal
como se decidiu no RE n? 87.420PR, de que fui relator, e que está
assim ementado: «Ação Rescisório. Decadência. O prazo para
propor ação rescisório conta-se da
passagem em julgado do último recurso interposto do acórdão rescindendo». (RTJ 84/684-687). (In RTJ
90/100).
No voto proferido no recurso extraordinário, condutor do acórdão
embargado, o eminente Ministro Rafael Mayer sinalou (fls. 412/413):
«Há outros precedentes desta Casa, no mesmo sentido, como se vê
da referência do acórdão paradigma e do Pleno, a AR n? 963, de cuja ementa se lê:
«Ementa: Ação rescisório. Argüição de decadência rejeitada,
pois o prazo para propor ação
rescisório conta-se da passagem
em julgado do último recurso interposto do acórdão rescindendo
(RE n? 87.420-PR — RTJ
84/684 )».
Anote-se aliás, que seria de extremo rigorismo aplicar a doutrina
de que, no caso, o recurso interposto da sentença de primeiro grau,
objeto de rescisão, seja evidentemente inadmissível, ainda que o
Tribunal de Justiça dele não tenha
conhecido. Certo é que ela foi pro-
Ias
R.T.J. — 109
latada ainda na vigência da lei
processual anterior, e em processo
falencial, cuidando a instância a
quo que o recurso devera ser de
apelação ao invés do agravo de
instrumento, aliás tempestivo. Se
prevalecem as normas recursais
pertinentes ao tempo da decisão
atacada, deve ser considerado que
o CPC/1939 adotava explicitamente
o principio da fungibilidade de recurso (art. 810) e a Lei de Falências só excepcionalmente contemplava a hipótese de apelação, em
casos que não o da espécie, que,
pelas indicações dos autos, estaria
razoavelmente sujeita a recurso de
agravo de petição (art. 77, 4?),
quando não mesmo o de instrumento por não dever subir nos próprios autos da causa (art. 207).
Sujeita a recurso, tempestivamente exercitado, embora dele não
Se tenha conhecido, a decisão de
primeiro grau constituiu-se em coisa julgada mas somente quando
não mais exercitado, pelo decurso
do prazo, o recurso extraordinário
que ainda era cabível)).
Do exposto, acolhendo a tese do
acórdão recorrido, rejeito os embargos.
EXTRATO DA ATA
ERE 92.816-SC — Relator.: Ministro Néri da Silveira. Embte.: Indústrias Reunidas Castelli S.A. (Advs.:
José Cid Campêlo e Hugo Mósca).
Embdos.: José Alberto Costa, sua
mulher e outros (Advs.: Gabriel
Mendes Carazzai e outros. (Dec.:
embda. 1? Turma, em 12-5-81).
Decisão: Conheceram e rejeitaram
os embargos, unanimemente. Falou
pelos Embtes. o Dr. José Cid Campêlo.
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufioz Decio
Miranda, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Alfredo Buzaid, Oscar Corrêa,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Procurador-Geral da República,
Professor Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 13 de abril de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nt 93.187 (AgRg) — MG
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Agravante: Viação Agida Branca S.A. — Agravado: Estado de Minas
Gerais.
Processual penal. Agravo regimental. Inexistindo no quadro
da policia funcionário perito criminal, pode o juiz nomear pessoas que
lhe são estranhas, na forma do art. 159 do Código de Processo Penal.
Nega-se provimento ao agravo regimental.
ACORDÃO
Brasília, 23 de agosto de 1983 —
Multoz, Presidente — Alfredo
Vistos, relatados e discutidos estes Soares
autos, acordam os Ministros da Pri- Buzaid, Relator.
meira Turma do Supremo Tribunal
RELATÓRIO
Federal, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: Nenegar provimento ao agravo regi- guei seguimento ao presente agravo
por entender, como a V. decisão remental.
R.T.J. — 109
corrida que a «alegação da autora
não tem eco na lei, pois que o art.
159, em seu 1?, do CPP, autoriza a
autoridade policial, desde que não
haja perito oficial, no local, nomear
outras pessoas, para o desempenho
do menus, desde que sejam idôneas
e escolhidas, de preferência, junto a
pessoas que possuam habilitação
técnica.
E é exatamente isto que foi feito
pela autoridade policial que presidia
a ação penal iniciada na própria
policia por força do que dispunha a
Lel n? 4.611/65, que vigia na época
do envento e, cumprindo a lel, o Delegado nomeou para serem peritos
ad hoc, na infração em que se envolveram um veiculo e motorista ligados à empresa autora, com outro
veiculo particular, as pessoas, suas
conhecidas e de sua confiança, para
desempenharem as funções próprias
de perito» (fls. 18/19).
Inconformada, Viação Aguia Branca S.A. interpõe agravo regimental,
alegando que:
sempre foi prequestionado,
neste litígio, ato administrativo que
se atritou com o artigos 82, 130, 145,
III e IV do Código Civil»;
r. despacho de exame de recurso extrarordinário aceitou o decisório do Tribunal de Minas Gerais,
dando como aplicável a Súmula n?
400, o que, data venha, nada tem que
ver com a tese do litígio, pois o tema
é um só, a designação de dois cidadãos, sem preparo técnico nenhum
para fazer uma perícia, quando há,
no município, perito oficial, com a
devida aparelhagem para realizar
um trabalho de tanta responsabilidade, como o da espécie dos autos»;
c) «não nos parece justo afirmar
que não houve prequestionamento
por parte do agravante protestando
contra a nomeação dos dois peritos
ad doc, quando sempre foi esse o fato alegado nestes autos» (fls. 95).
E o relatório.
187
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzald (Relator): 1. A controvérsia gira em torno da aplicação do art. 159 do Código
de Processo Penal, segundo o qual
os exames de corpo de delito e outras perícias serão, em regra, feitos
por peritos oficiais. Não havendo peritos oficiais, o exame será feito por
duas pessoas idôneas, escolhidas de
preferência as que tiverem habilitação técnica. «Como no Município de
João Monlevade», diz o v. acórdão,
«palco do ato tido como delituoso,
não havia nos quadros da polícia o
funcionário público perito criminal,
nada impedira, cumprindo-se a lei
processual penal, fossem nomeadas
pessoas estranhas ao quadro do funcionalismo público, não havendo nenhuma ilegalidade na nomeação dos
que serviram o menus (fls. 19/20).
No meu despacho de fls. 88, neguei
seguimento ao agravo, por ser imensurável a decisão que indeferiu o recurso extraordinário (fis.8), interposto com base no art. 119, III, c da
Constituição da República.
2. O agravante não impugnou o
fundamento do despacho. Limitou-se
a dizer que foi prequestionado «ato
administrativo que atritou com os
arts. 82, 130 e 145, III e IV do Código
Civil» (fls. 95). Ora, esta matéria
não foi objeto do despacho agravado,
que na verdade não foi impugnado
em seu fundamento.
Pelo exposto, nego provimento ao
agravo regimental.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
Ag. 93.187 (AgRg)-MG — Rel.:
Min. Alfredo Buzald. Agte.: Viação
Aguia Branca S.A. (Advs. José
Francisco Lenis Horta e Hugo Mósca). Agdo.: Estado de Minas Gerais.
(Advs.: Marcos Gomes e outro).
188
R.T.J. — 109
Decisão: Negou-se provimento ao Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
agravo regimental. Decisão unâni- da República, Dr. Francisco de Asme.
sis Toledo.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
Brasília, 23 de agosto de 1983 —
Senhores Ministros, Rafael Mayer, António Carlos de Azevedo Braga,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 93.679 — RJ
(Tribunal Pleno)
Relator Ad Hoc: O Sr. Ministro Moreira Alves.
Recorrente: Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INPI — Recorrida: Pfizer Inc.
Invenção de processo para fabricação de medicamento.
Constitucionalidade do art. 9? da Lei n? 5.772/72.
Sua aplicação aos pedidos em andamento, tendo em vista o
disposto no artigo 117 da mesma Lei, não viola o § 3? do artigo 153 da
Constituição Federal.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
«Invenção de processo para faACOFtDA0
bricação de medicamento. DeposiVistos, relatados e discutidos estes
tado ao tempo da Lel que permitia
autos, acordam os Ministros do Suo seu deferimento, lei posterior não
premo Tribunal Federal, em Sessão
podia interferir para determinar o
Plenária, na conformidade da ata do
indeferimento.»
julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, conhecer
Irresignado, o Instituto Nacional
do recurso e dar-lhe provimento.
da Propriedade Industrial — INPI —
Brasilia, 1? de fevereiro de 1982 — interpôs recurso extraordinário com
Xavier de Albuquerque, Presidente fundamento na letra a do permissivo
— Moreira Alves, Relator Ad Hoc.
constitucional, alegando violação dos
arts. 9? e 117 da Lei n? 5.772, de 1971.
RELATORIO
A Procuradoria-Geral da RepúbliSr. Ministro Cunha Peixoto:
opina no sentido de ser conhecido
Trata-se de mandado de segurança ca
e
provido
o recurso.
impetrado por Pfizer Inc. contra o
o relatório.
ato do Secretário de Patentes do Instituto Nacional da Propriedade InVOTO
dustrial que indeferiu seu pedido de
Sr.
Ministro
Cunha Peixoto (Reprivilégio de invenção, depositado
em 12-2-68, para «Processo para pro- lator ):
duzir o 6-de-oxi-Tetraciclinas», sob
1. O recurso extraordinário ataca
fundamento de que esse produto o acórdão do Tribunal Federal de
Recursos sob o fundamento de que,
não é privilegiável.
Juiz de primeiro grau Indeferiu tendo concedido mandado de segumandado, mas o Tribunal Federal rança para determinar o deferimende Recursos reformou essa decisão to do pedido de privilégio de invenpara dar provimento à apelação da ção do 6-DE-OXI-TETRACICLINAS,
impetrante, em acórdão assim violou os arts. 9? e 117 da Lei n?
5.772, de 1972.
ementado:
— 109
O primeiro estabelece não ser o
produto em questão privilegiável:
«Não são privilegiáveis:
c) as substâncias, matérias,
misturas ou produtos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem
como os respectivos processos de
obtenção ou modificação.»
E o segundo estatui:
«O disposto neste Código se aplica a todos os pedidos em andamento, inclusive os de prorrogação e
recurso.»
2. Não se pode dizer ser o artigo
9? inconstitucional. Na verdade, a
Constituição de 1967, em seu art. 153,
§ 24, estabeleceu que garantia aos
autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização,
regra que a Emenda Constitucional
n? 1, de 1969, reproduziu, substituindo apenas a palavra «garantia» por
«assegurará».
Portanto, o Constituinte não assegurou, de logo, em qualquer hipótese, ao autor do invento industrial, o
privilégio temporário para utilização
deste, e, assim, cometeu ao legislador ordinário o disciplinamento da
matéria, de sorte que a garantia que
previu fosse concedida quando atendidas determinadas condições, dentre as quais a de não contrariar a invenção o interesse público.
As leis anteriores, sem que tenham sido acoimadas de inconstitucionalidade, estabeleceram a não
privilegiabilidade das substâncias,
matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e
medicamentos. A atual apenas estendeu esta exceção aos respectivos
processos de obtenção ou fabricação.
Na verdade, em relação a estes
produtos, o interesse de todos deve
prevalecer sobre o interesse individual. As invenções, nesses casos, são
res comuns omnium.
189
A legislação brasileira, nesta parte, seguiu o exemplo da Itália (Lei
de 1936), da Alemanha (Lei de 1936)
e da França (Lei de 1944), para citarmos apenas estes países, por terem eles contribuído bastante nesse
campo de atividade científica.
Paulo Grego, Justificando a recusa
de privilégio de medicamentos, escreve: ai fine di evitare che produttl
cosi necessari alia salute pubblica
come quelli destinati a guarire malattle e a lenire sofrenze umane, potessero essero monopolizzati con ia
consequenzla di ilmitare ia loro
quantia Se elevari ll prezzo». (I Diritto Sul Beni Immateriali, pág. 402,
n? 195).
2 o interesse da comunidade, pois,
que comanda a concessão dos privilégios e, assim, inexiste nenhuma inconstitucionalidade na restrição estabelecida pelo art. 9? do atual Código de Propriedade Industrial.
3. O direito do inventor, realmente, nasce com a própria invenção,
podendo ele, a partir dessa data, dispor dela como bem entender. Assim,
seu direito existe antes de qualquer
exploração, mas o direito à exclusividade desta, o direito de propriedade industrial, só aparece com o deferimento da patente.
Há três períodos na vida da invenção• o que vai do ato de invenção ao
pedido de registro e o competente
depósito; o que vai do pedido e respectivo depósito à patenteação; o
que começa na data do deferimento
do registro.
No primeiro, há apenas uma faculdade que pode ou não ser usada. Se
ele não a utiliza, mesmo sendo sua
invenção muito anterior á de outro, o
direito é de quem primeiro requereu
e fez o depósito. Este tem por efeito
primada! fixar a data do invento, de
modo a marcar no tempo o direito
de prioridade do seu autor. E conhecido o exemplo histórico do azar de
Grey, que teve seu pedido de invento
R.T.J. — 109
190
do telefone recusado porque o apresentou poucas horas depois do de
Bell.
O terceiro é que confere ao autor
do invento o direito comercial. A patente é que contém o privilégio, que
a Constituição prometeu e assegurou. Mas isto dependendo, como diz
o dispositivo constitucional, de lei
que o assegure. A lei é que define os
requisitos para a concessão do privilégio, o tempo de sua duração, as
condições de sua transferência e da
concessão do seu uso e da sua extinção, inclusive por caducidade ou nulidade. Pode, pois, estabelecer a privilegiabilidade ou não do produto e a
duração da concessão, e, sendo lei
de ordem pública, pode alargar ou
diminuir, até a concessão do privilégio, as listas de produtos suscetíveis
de patenteação. A matéria é de interesse público.
Assim, não se pode considerar inconstitucional o art. 9? da Lei n?
5.772/71 e, como é jurisprudência
pacífica do Supremo Tribunal Federal que a modificação com relação
aos inventos pode ser feita até o momento de sua concessão, não houve,
na hipótese, também, contrariedade
ao 3?, do art. 153 da Constituição
Federal.
Nestes temos, conheço do recurso
e lhe dou provimento para restabelecer a sentença de primeiro grau.
EXTRATO DA ATA
RE 93.679-B4 — Rel.: Min. Cunha
Peixoto. Recte.: Instituto Nacional
da Propriedade Industrial — INPI.
(Advs.: Luiz Carlos Pujol e outros).
Decisão: Pediu vista o Ministro
Firmino Paz, após o voto do Relator
conhecendo do recurso e dando-lhe
provimento.
Presidência do Senhor Ministro
Xavier de Albuquerque. Presentes à
Sessão os Senhores Ministros Djaci
Falcão, Cordeiro Guerra, Moreira
Alves, Cunha Peixoto, Soares Mufioz,
Décio Miranda, Rafael Mayer, Firmino Paz, Clóvis Ramalhete e Néri
da Silveira. Procurador-Geral da República, Dr. Inocêncio Mártires Coelho.
Brasília, 19 de novembro de 1981 —
Jonas Cello Monteiro Coelho, Secretário.
VOTO (VISTA)
O Sr. Ministro Firmino Paz:
Decidiu-se, no venerando acórdão recorrido extraordinariamente, do
Egrégio Tribunal Federal de
Recursos, em abreviado, que consta
da respectiva ementa, o seguinte,
verbis:
«Invenção de processo para fabricação de medicamento. Depositado ao tempo da lei que permitia o seu deferimento, lei posterior
não podia interferir para determinar o indeferimento» (Ementa, fl.
137. Grifei).
Ai, precisamente, a tese objeto do
recurso extraordinário.
2.0 facto de inventar, sendo facto
jurídico, gera, para o inventor, o
poder jurídico de requerer a respectiva patente de invenção.
Requerida a patenteação, vale dizer, exercido o poder jurídico de requerer, exercício que é facto
jurídico, nasce, então, ao requerente, inventor, o direito subjetivo a que
o Estado, devedor, presta ao inventor, requerente, acto, positivo ou negativo, de exame prévio. Verificará
se o invento é novo e útil.
Esse direito subjectivo ao acto
de prévio exame, nascido com o
requerimento de patenteação, não
pode, realmente, ser, na expressão
constitucional, prejudicado por lel
nova. 2 direito adquirido, protegivel
por ação de mandado de segurança.
Na espécie sob julgamento,
a autoridade administrativa, sem
mais, não prestou o acto devido de
R.T.J. — 109
exame prévio. Nada disse sobre
novidade e utilidade do invento.
Declarou-o imprivllegiável, sem
prestar o acto devido, tem de
prestá-lo, antes do mais. A ele tem
direito a recorrida,
A respeito da aplicação da lei
nova ao caso (Lei n? 5.772, de 21 de
dezembro de 1971), por força do seu
artigo 117, convém que, previamente, se estude a natureza jurídica da
decisão administrativa final, no processo de patenteação de invento industrial. Se desfavorável ou f avorãvel.
Sobre o assunto, expediu Pontes de
Miranda, o magistério seguinte,
verbis:
«A decisão desfavorável é sempre declaratória. quanto à decisão
favorável, é declarativa do direito
formativo gerador e constitutiva
da realidade do direito de propriedade industrial (Tratado de Direito
Privado, XVI, 326, 1.933, n? 1, ed.
1956. Grifei ).
Vê-se, portanto, de fácil, que a
aquisição do direito de propriedade
do invento, quanto do direito ao acto
declarativo de privilégio de
utilização exsurge da decisão final,
positiva, da autoridade administrativa. Não basta a previsão legal da
possível prática do acto administrativo final, que pretende a empresa
recorrida.
No caso, essa decisão final não
ocorreu. Negou-se, arbitrariamente,
até, à recorrida o acto de exame
prévio do invento.
Ante o exposto, fácil é concluir
ser aplicável á espécie a lel nova,
sem ofensa qualquer a direito
adquirido á patenteação do invento.
Esse direio adquirido não nasceu,
á mingua da decisão final, facto
jurídico, que lhe é causal.
Não há falar-se, outrossim, em
expectativa de direito, existente e
191
decorrente do depósito do pedido de
patente (Parecer, fls. 119; Voto, fls.
130).
Expectativa de direito é facto psicológico. esperança de adquirir direito subjectivo. Não tem sentido
colocar-se a chamada expectativa de
direito no rol de efeitos jurídicos.
erro, e crasso. Não é ela efeito
jurídico de coisíssima nenhuma.
facto do mundo fáctico. Facto psicológico. Nada mais.
Argüiu-se, realmente, na petição inicial, a inconstitucionalidade
do artigo 9?, c, da Lei n? 5.772, de 21
de dezembro de 1971. O venerando
acórdão, todavia, a respeito, fora
omisso. E não houve embargo de
declaração, para se prequestionar a
matéria.
Não me é possivel, portanto, julgar o que, no acórdão, não está posto.
Estou em que, declarando inaplicável á hipótese o que se dispõe
na Lei n? 5.772, de 1971, o venerando
acórdão recorrido negou vigência ao
previsto no artigo 117 desse diploma
legal, em que se diz, verbis:
«O disposto neste Código se aplica a todos os pedidos em andamento, inclusive os de prorrogação e
recurso.»
Negou-se, no acórdão recorrido, incidência dessa disposição legal.
9. Diante do exposto, conheço do
recurso e lhe dou provimento, para
declarar aplicável ao caso o previsto
na Lei n? 5.772, de 21 de dezembro de
1971.
Assim, voto.
VOTO (PRELIMINAR)
O Sr. Ministro Clovis RaMalhete
— Quando na Turma teve início o
julgamento deste processo, tive
oportunidade, com homenagens ao
eminente Ministro Cunha Peixoto, de
dele dissentir, a propósito da parcial
inconstitucionalidade do art. 9?, letra
192
R.T.J. - 109
do código de Propriedade Industrial, que declara não serem privilegiáveis «as substâncias, matérias,
misturas ou produtos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie». Até
ai, sim, o texto é constitucional, pois
que não são passíveis de privilégio
substâncias e matérias encontrados
na natureza
Ninguém pode obter privilégio, outorgado pelo Estado, sobre hidrogênio ou cobalto, matérias da natureza.
Mas a parte final da norma retira
privilégio do que é «invento,», criação do espírito, quando diz: «bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação». Ora, o processo de obtenção de matéria
parece-me puramente criação do homem. E a atividade industrial,
passível de privilégio, nos termos da
Constituição, que assegura ao inventor e remete ao legislador fixar o
prazo do privilégio da invenção.
Mas, já que esta matéria, conforme adverte o eminente Ministro Firmino Paz, não foi prequéstionada no
acórdão, indago-me se agora, — no
Plenário, de repetir as fundamentações que omiti naquela ocasião, na
V Turma, quando ali entendi inconstitucional esta parte do item c
do art. 9?, isto é, na parte em que declara não serem privilegiáveis também «os respectivos processos de obtenção». Esta parte me parece inconstitucional e inclusive, contrária
a interesses nacionais. Não havendo
privilégio à invenção, não há estimulo à indústria farmacêutica brasileira, para pesquisas. Além de ser
frontalmente inconstitucional, vejo
que a norma tem efeitos anti-sociais,
na economia brasileira. Quanto ao
fato de assim também não privilegiar, os inventos estrangeiros, a circunstância não conta porque o nosso
atual desenvolvimento tecnológico
não instrumenta as indústrias brasileiras para devassar esses segredos
c,
medicamentosos não privilegiados
no Brasil. A norma somente deixa de
produzir o estimulo à pesquisa, pelos
laboratórios brasileiros.
O Sr. Ministro Xavier de Albuquerque (Presidente): Talvez o
voto de V.Exa. suscite uma ponderação. O recurso é do Instituto, que
saiu vencido no Tribunal Federal de
Recursos. A segurança foi concedida
ao requerente da patente. O fundamento da concessão foi o de que o indeferimento do pedido, feito oportunamente, antes da lei que estabeleceu a imprivilegiabilidade, agrediu o
direito adquirido do requerente. Recorreu o Instituto, dizendo que, ao
julgar pela concessão do mandado
de segurança, o Tribunal Federal de
Recursos teria negado vigência aos
arts. 9? e 117 do código da Propriedade Industrial vigente,, o primeiro,
que torna imprivilegiável o processo
que V.Exa. acaba de mencionar, e o
segundo, que torna aplicáveis aos
processos pendentes as suas disposições. Este é o fundamento do recurso extraordinário.
O eminente Relator considerou que
não havia direito adquirido e que a
norma do art. 9? não era inconstitucional. O Senhor Ministro Firmino
Paz abstrai a questão da inconstitucionalidade e, examinando apenas o
fundamento básico do acórdão recorrido, — reconhece que não houve direito adquirido maltratado. Portanto, conhece e dá provimento ao recurso para cassar a segurança.
Mas, se V.Exa. considera que o
art. 9? da lei é inconstitucional, pode,
a meu ver, apreciar a inconstitucionalidade, porque ela está inserida na
fundamentação do seu voto. V.Exa.
pode deixar de aplicar a lei invocada
pela parte, porque a considera inconstitucional.
Ai, é irrelevante a falta de prequestionamento. De outro modo,
V.Exa. ficará jungido a aplicar uma
lei que tem como inconstitucional,
R.T.J. — 109
apenas porque o acórdão recorrido
entendeu desnecessário apreciar a
inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade do preceito, invocada pela parte, pode ser suscitada por
qualquer Ministro do Supremo Tribunal, no curso da votação.
art. 9? é a base do indeferimento, e o art. 117 é o que torna aplicável o art. 9?.
Sr. Ministro Clovis Ramalhete:
artigo 117 do Código da Propriedade Industrial estabelece a eficácia
imediata da lei, alcança os pedidos
de privilégio ainda em processamento.
Sr. Ministro Xavier de Albuquerque (Presidente): Faço esta
ponderação, porque me parece que a
falta de prequestionamento não impede V.Exa. de apreciar a questão
constitucional.
Sr. Ministro Clovis Ramalhete:
Senhor Presidente, passo a fundamentar o meu entendimento, quanto
inconstitucionalidade, para não conhecer do recurso.
Sr. Ministro Moreira Alves -V.Exa. me permite só uma ponderação? Temos que examinar isso,
quando do conhecimento do recurso
pela letra a do inciso III do art. 119
da Constituição Federal, pois pela
técnica seguida pelo Tribunal, 1-.) co-.
nhecimento pela referida letra a implica, ipso facto, o provimento do recurso.
Sr. Ministro Xavier de Albuquerque (Presidente): A meu ver,
o voto do Ministro Clovis Ramalhete, que reconhece a inconstitucionalidade, conclui pelo não conhecimento, porque S.Exa. acaba por entender que a não aplicação do art. 9?
foi correta.
Sr. Ministro Clovis Ramalhete:
ato de a autoridade não ter deferido o privilégio, fundado no artigo 9?,
letra c, não pode ter eficácia, à vis-
193
ta, a meu entender, da inconstitucionalidade parcial deste item c do art.
9?.
Há até mesmo uma contradição no
Código da Propriedade Industrial,
que me parece caprichosa. Enquanto
não melhor explicado, pouco entendo
a diferença do Código entre o disposto no item b e o item c, do mesmo
artigo.
Pelo item b, não são privilegiáveis
as substâncias, matérias, produtos
por meio de processo químicos. Mas
ai a norma ressalva a privilegiabilidade dos processos de obtenção.
As matérias e substâncis obtidas
por processos químicos, não são privilegiáveis, nem são elas de serem
privilegiadas. Mas o processo de sua
obtenção , o item b, o declara privilegiável. Nesse passo entendo que o
item b, do árt. 9? está ajustado ã
Constituição, que garante, no 24, a
privilegiabilidade dos inventos por
prazo certo. E assim entendo porque
há invenção no processo de obtenção
da matéria.
Ainda quanto ao item b, — onde está o invento? O invento não está na
substância, nem na matéria, que
pertencem à natureza. No item b, o
invento está no processo de obtenção, e a norma reconhece sua privileglabilidade, a dos processos de oblenção,ou modificação; que &criação
da mente humana.
item b, que é integralmente
constitucional, entretanto não é repetido pelo item c, quando este trata
de produtos alimentícios e químicofarmacêuticos.
produto químico, puramente
produto químico, pode ter o seu processo de obtenção privilegiado, diz o
item b do art. 9?
Entretanto, dispõe o item c que
não são privilegiáveis,
— «substâncias, matérias, misturas ou pratos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medica-
194
R.T.J. — 109
mentos, de qualquer espécie, bem
como os respectivos processos de
obtenção ou modificação.»
Nos processos de obtenção ou modificação destas matérias ou substâncias há uma criação do espirito
humano, encontra-se um invento. O
invento não está na substãncia, nem
na matéria, que é produto da natureza, não é passível, portanto, de privilegiamento.
A invenção está no modo de obter
a matéria, é criação intelectual do
cientista.
Ora, este processo de obtenção,
que não é priviliegiável pelo item c,
no entanto é privilegiável pelo item
b, mas deveria estar na lei, como
sendo também privilegiável, pois
que processo é invento.
Toda a leitura do art. 9? em seus
itens apoia o esboço de doutrina, que
desenvolvo no meu voto. Veja-se.
Não é possível constituir-se em marca de comércio ou de indústria,
aquele vocábulo que, no idioma, defina a substância produzida ou comerciada. Não é registrável a marca de
aguardente que consista na palavra
«cachaça». Se está no léxico, é propriedade comum do povo; e não é
criação da mente do industrial ou do
comerciante para distinguir, de outros, o seu produto. Mas uma expressão de fantasia pode denominá-la.
Tudo o que se encontra em estado
natural, que não provém de criação
do espirito humano, a todos pertence, não é passível de privilegiamento. Mas tal não é o processo de obtenção, seja da substãncia química
(alínea b), seja de um medicamento
(alínea c). O processo é criação intelectual do cientista, é uma contribuição do cientista, não existe em
estado natural antes que o cientista
tenha concebido.
Por esse motivo, parece-me que
processo de obtenção contém uma
invenção. Trata-se de uma invenção,
se é uma criação artificiosa da men-
te humana. A lei já a encontra protegida pela Constituição. E a Constituição atribui ao legislador o poder
apenas de fixar prazo de privilegiamento. Não pode ele discriminar a
invenção que protege e outra que
deixa exposta ao uso comum.
Não é preciso alongar-me nesse
sentido. A Constituição, no art. 153,
24, assegura o direito dos inventores,
o privilégio da sua exploração. A lei,
a Constituição deixou só o poder de
fixar o prazo do privilegiamento.
Entendo que, por conseqüência,
que estritamente na parte do art.
9?, item c, nega privilégio ao processo de obtenção, esta norma é inconstitucional.
Onde está, juridicamente, a diferença entre o b e o c, senão num propósito do legislador, de discriminar,
onde não o podia fazer?
Como dizia, é possível que tenha
ocorrido ao legislador, após o desembarque neste Pais, das grandes empresas multinacionais de produtos
farmacêuticos, o propósito de retirar
a privilegiabilidade dos seus medicamentos para abertura de oportunidade aos laboratórios nacionais. Entretanto, errou. Primeiro, contrariou a
Constituição. Segundo, não estimulou
os laboratórios nacionais à pesquisa de produtos próprios. Terceiro,
não alcançou o seu fim, pois os laboratórios nacionais não estão fabricando aqueles inacessíveis segredos
da indústria farmacêutica internacional, sofisticados e avançados.
Pelo contrário, abriu-se o flanco
dos laboratórios nacionais para esses outros, mais poderosos. E, de
certa forma até anti-social, e nociva
à economia brasileira, a manutenção
do item c do art. 9?.
Dilatei um pouco o meu voto, na
apreciação dos efeitos sociais da
norma. Mas a partir da confrontação,
da norma da lei com a Constituição,
concluo pela inconstitucionalidade
parcial do item c, quando não deixa
R.T.J. —
privilegiar processo de obtenção de
produto farmacêutico, que é um invento.
Entendo, por estas razões, a inconstitucionalidade parcial do item
e, do art. 9?. Concluir o meu voto, no
sentido de que não é de se aplicar o
art. 117, ao processo em curso, porque esse art. 117 foi aplicado ao processo em curso, para declarar, liminarmente, a não privilegiabilidade
do produto farmacêutico requerido.
Ora, esse produto farmacêutico requerido estava privilegiado anteriormente. O requerimento, se não me engano, é de prorrogação de prazo. O
art. 117 autoriza, seja a prorrogação
do prazo do privilégio, seja a concessão inicial de privilégio.
O processo, já começado foi alcançado pela lei nova. O art. 117 é fundamento exclusivo, de eficácia imediata, da lel nova. O fundamento de
mérito, no entanto, está no art. 9?,
alínea c, quando entendeu não privilegiável o processo de fabricação de
produto farmacêutico.
Como, no entanto, entendo eu que
processo é invento, o processo é portanto para ser privilegiado, porque é
invento.
Concluo pelo não conhecimento do
recurso, dada a inconstitucionalidade parcial dessa provisão da lei.
E o voto.
109
195
A fundamentação de S. Exa. me
satisfaz inteiramente. O § 24 do art.
153 da Constituição não contém reserva alguma: assegura aos autores
dos inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização.
Argumento de ordem prática
quanto à conveniência de se permitir
exceção quanto a produtos farmacêuticos , além de não contemplado
na norma constitucional, ofereceria
dificuldade de aplicação precisa,
desde que o inventor sempre poderá
defender-se alegando que inventou
um processo novo de obtenção de produto químico, que só por acaso tem
utilidade farmacêutica.
Há exemplos numerosos de produto que é, ao mesmo tempo, para uso
generalizado industrial e para uso
especializado, farmacêutico. E o
exemplo histórico mais evidente é a
nitroglicerina, produto básico de fabricação da dinamite, mas também
utilizado pela medicina, na cardiologia.
Como distinguir, em relação ao
processo que o inventor diz haver
descoberto para produção de nitroglicerina destinada à produção de dinamite, o aproveitamento desse
mesmo processo para obter um produto químico-farmacêutico? Na prática, o preceito, se levado a rigor,
encontrará perplexidades na sua
aplicação. Além de tudo, e como salientou
o eminente Ministro Clovis
VOTO SOBRE QUESTÃO
Ramalhete,
longe de ser um detriCONSTITUCIONAL
mento aos consumidores, aos necessitados dos produtos farmacêuticos,
O Sr. Ministro Dedo Miranda: Sr. a privilegiabilidade é estimulo às
Presidente, peço vênia aos eminen- descobertas, favorecendo progressos
tes colegas, que se acham em dis- no tratamento das doenças. Esse resenção, antecipada ou a posteriori, verso da medalha não pode deixar
com o voto do eminente Ministro de ser ponderado, se não bastasse a
Clovis Ramalhete, para acompanhar explicitude do texto constitucional,
a este, que reconhece a inconstitu- que, sem estabelecer exceções, decionalidade do art. 9?, que exclui da termina que a lei ordinária assegure
privilegiabilidade os processos para aos autores de inventos industriais
a obtenção de produtos qui mico- privilégio temporário para sua utilifarmacêuticos.
zação.
196
Acompanho o voto do eminente Ministro Clovis Ramalhete.
Não conheço do recurso.
VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr.
Presidente, em relação à questão referente ao direito adquirido, a 2?
Turma, em acórdão de que fui Relator, ao julgar o RE 94.386, em 11-981, examinou caso análogo a este.
A ementa do acórdão a que acabei
de referir-me declara o seguinte:
«Termo inicial dos prazos previstos no art. 24 do Código da Propriedade Industrial, Lei n? 5.772, de 2112-71. Falta de prequestionamento.
Súmulas 282 e 356, questão de inconstitucionalidade, com base no
art. 153, § 24, da Constituição Fede. ral não viola o. principio constitucional do princípio do direito adquirido, decisão que manda contar
esses prazos a partir da data em
que entrou em vigor a referida Lei
n? 5.772.
Dissídio de jurisprudência não
demonstrado.»
Não há direito adquirido, no meu
entender, neste caso. A lei nova
aplica-se de imediato, e, conseqüentemente, com base nela pode ser indeferido requerimento que tenha dado inginsso antes dela..
O eminente Ministro Clóvis Ramalhete, no entanto, ao examinar a
aplicação dos artigos 9? e 117 da Lei
n? 5.772/71, trata da questão da inconstitucionalidade, não do art. 117,
mas do art. 9?, com base na circunstância de que o § 24 do art. 153 da
Constituição Federal declara que a
lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégios temporários para sua utilização, bem como a
propriedade das marcas de indústria
e comércio e exclusividade do nome
comercial.
S. Exa., acompanhado ,nesse particular, pelo eminente Ministro De-
— 109
cio Miranda dá a esse texto valor
absoluto. Considera que, ao dizer a
Constituição que a lei assegurará
privilégio temporário para sua utilização, com isso estaria impedindo
que a lei ordinária considerasse, em
certos casos, que o invento não seria
susceptível de privilégio.
Pelo entendimento do eminente
Ministro Clóvis Ramalhete, esse dispositivo seria de natureza absoluta ,
não podendo a lei ordinária deixar
de assegurar a nenhum invento privilégio temporário.
Data venta, não interpreto o dispositivo constitucional desse modo. Entendo que a Constituição, ao declarar que a «lei assegurará», estabeleceu norma geral, que não é, porém,
insusceptível de exceções, quando interesses relevantes as imponham,
como os relativos á saúde.
Sr. Ministro Decio Miranda:
Nesse caso, pode haver a desapropriação, por preço justo.
Sr. Ministro Moreira Alves: se
desapropriasse, passaria o privilégio
para o Estado, e não para o domínio
público.
Em face do exposto, e com a devida vênia dos eminentes Ministros
Clovis Ramalhete e Decio Miranda,
acompanho o eminente Relator.
• VOTO SOBRE QUESTÃO
CONSTITUCIONAL
Sr. Ministro Flrmino Paz: Sr.
Presidente, recusei-me a votar sobre
a inconstitucionalidade à base de
que não constava do acórdão prequestionamento nenhum. Como, porém, os meus Colegas a estão focalizando, peço licença a V.Exa. para
proferir meu voto em relação a essa
parte.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Sr.
Presidente. Mantenho o voto ante-
R.T.J. — 109
rior, no sentido de conhecer do recurso e lhe dar provimento, tendo
em conta, como destaca o Ilustre Ministro Pirmino Paz, que a questão
constitucional não foi discutida no
acórdão recorrido. E certo que o
eminente Ministro Clovis Ramalhete
não conhece do recurso, por entender que procede o fundamento invocado pelo recorrente, qual seja, a inconstitucionalidade da alínea c, do
art. 9?, da Lei n? 5.772, na sua parte
final. Em não aplicando esse dispositivo, defere S. Exa. a segurança, para reconhecer o direito à patenteabllidade dos processos de obtenção e
modificação de produtos químicofarmacêuticos e medicamentos. Foi
o que entendi do voto de S. Exa.
Parece-me que S. Exa., em assim
votando, não propõe ao Tribunal
uma questão de constitucionalidade,
constituindo tal, apenas fundamento
do voto com base no qual não conhece do recurso do INPI. A matéria ao
que compreendi está equacionada,
nesses limites.
2. Devendo entretanto, pronunciar-me a propósito da constitucionalidade do art. 9?, letra c, parte
final, da Lei n? 5.772, recuso sua
inconstitucionalidade. Faço-o, acolhendo os fundamentos do voto do
eminente Ministro Moreira Alves.
Em realidade, a norma do § 24, do
art. 153, da Constituição, ao estabelecer que a lei assegurará, aos autores
de inventos industriais, privilégios
temporários para sua utilização, não
garante; evidentemente, a patenteabilidade, a privllegiabllidade de
qualquer invento. A Constituição deferiu ao legislador ordinário disciplinar a matéria. Certo está que os limites da legislação ordinária hão de
ser verificados em face da Constituição, tendo em conta o espírito da
norma constitucional assecuratória
aos autores do privilégio temporário,
quanto a seu invento. O legislador, a
propósito da propriedade industrial,
nos Códigos diversos, tem adotado
197
sempre a mesma técnica de definir o
que não é privilegiável. O que tem
variado, ao longo do tempo, nos Códigos que já estiveram em vigor no
País sobre a propriedade industrial,
é apenas o rol do que não é patenteável. No caso da Lei n? 5.772, de 1971,
no seu art. 9?, o legislador definiu o
que não é objeto de privilégio, segundo técnica que se pode depreender
da leitura da lei. O art. 9? estabelece, em sua alínea a, norma de índole
geral: não são privilegiáveis as invenções de finalidade contrária às
leis, á moral, à saúde, à segurança
pública, aos cultos religiosos, aos
sentimentos dignos de respeito e veneração. E regra de caráter amplo,
que o legislador adotou. Ninguém
haveria de lembrar o § 24, do art.
153, da Constituição, para afirmar
que se deveria garantir privilégio
temporário ao inventor de qualquer
método ou processo que pudesse
comprometer, por exemplo, a saúde.
Reveste-se, à sua vez, de índole marcadamente subjetiva o juizo, ad
exemplum, quanto á vedação de privilégio a invento que atente contra a
moral. Não estão definidos, é certo,
quais os valores morais a serem preservados, nem a legislação ordinária, no caso, deles cuida. Então, indago, por que não pode o legislador
definir, também, como tem feito em
Códigos anteriores, o que não é patenteável, seguindo critérios técnicos?
O legislador de 1971 estabeleceu,
na alínea b, do art. 9?, predito,
verbis:
«Art. 9? Não são privilegiáveis:
a) As substâncias, matérias ou
produtos obtidos por meios ou processos químicos, ressalvando-se,
porém, a privilegiabilidade dos
respectivos processos de obtenção
ou modificação.»
A sua vez, o art. 9?, na alínea c,
veda a privilegiabilidade de
198
R.T.J. — 109
Substâncias, matérias, misturas ou
produtos alimentícios, químicofarmacêuticos e medicamentos, de
qualquer espécie, bem como os
respectivos processos de obtenção
ou modificação. »
igual, dos processos e técnicas de
sua obtenção, consoante, de explicito,
ai, se prevê.
Na alínea b, no que diz com substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos quinacos, a lei ressalvou a privilegiabiliNa hipótese da alínea c referida, dade dos processos de obtenção e
por igual, o legislador, na conformi- modificação. Respeitantemente, podade da faculdade que lhe assegurou rém, à letra c, o legislador interditou
a privilegiabilidade também dos proa norma constitucional, definiu outro
campo interditado à privilegiabilida- cessos de obtenção ou modificação,
de. Tudo aquilo que concerne a subs- seguindo critérios objetivos que potâncias, matérias, misturas e produ- dia utilizar, na disciplina da matétos alimentícios, produtos químico- ria, conforme a previsão constituciofarmacêuticos e medicamentos. Este nal.
item c concerne, imediatamente, à
Dessa sorte, havendo a Constituipreocupação do legislador com a ção reservado à legislação ordinária
preservação da saúde.
dispor sobre a espécie, não andou o
legislador com afronta ao espírito da
O eminente Ministro Clovis Rama- Constituição, em estabelecendo,
lhete entende que é constitucional a quanto a alimentos, produtos
primeira parte do dispositivo. Sus- químico-farmacêuticos e medicatenta, todavia, a inconstitucionalida- mentos, a vedação à privilegiabilidade da parte final. Mas, ai, penso que de, como acima aludida.
S. Exa., com a devida vênia, não
3. Assim sendo, rejeito a inconstitem razão, porque se se entende que tucionalidade
do dispositivo, mantena primeira parte é constitucional, do o voto proferido,
sentido de coacolhe-se o intuito do legislador de nhecer do recurso no
e
lhe
dar proviexcluir do campo do privilégio tem- mento.
porário todas aquelas substâncias,
matérias, misturas referentes a proVOTO SOBRE QUESTÃO
dutos alimentícios, químico-farCONSTITUCIONAL
macêuticos e medicamentos. No caso concreto, trata-se de produtos
Sr. Ministro Rafael Mayer: Sr.
quimico-f armacêuticos e medicamentos. A impetrante defende o seu Presidente, ao votar de acordo com
direito à patenteabilidade da modifi- o eminente Relator que, se bem me
cação do processo respectivo de ob- recordo, se manifestou sobre este
tenção. Se o legislador definiu, como ponto, entendendo, igualmente, que
fez, com apoio na Constituição, que as matérias versadas são conexas,
as substâncias, matérias, misturas e dou pela constitucionalidade do disprodutos alimentícios, químico- positivo.
farmacêuticos e medicamentos, de
VOTO SOBRE QUESTÃO
qualquer espécie, estão excluídos da
CONSTITUCIONAL
privilegiabilidade, não cabe destacar
esta segunda parte do dispositivo e
examiná-la, independentemente. Se
Sr. Ministro Cordeiro Guerra:
legislador, efetivamente, quis Sr. Presidente, a Constituição da Reexclui-los do campo da patenteabili- pública, a Lei Magna, é sempre, por
dade, essa norma há de sua própria natureza, altamente
compreender-se abrangente, por complexa. Tem normas que afir-
R.T.J. — 109
mam até uma concepção política e
ideológica de vida. Por exemplo: nos
preâmbulos em que o Congresso Nacional invoca a proteção de Deus e
promulga a Constituição. Outras normas afirmam que todo poder emana
do povo e em seu nome é exercido.
Evidente que são normas que inspiram o sistema, mas não têm a eficácia prática. E há outras normas que
São categóricas, positivas, cogentes
de imediato. Umas são normas de
eficácia plena ou fixas de eficácia
contida. São normas de eficácia imediata ou que exigem a complementação de uma lei para tomá-las atuantes.
Quando o constituinte quer estabelecer um direito fundamental, inalienável e incontornável, ele dá um comando Imperativo, absoluto, não dependente de lel.
Ele diz assim, no art. 153, 22 da
Constituição:
«E assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social,
mediante prévia e justa indenização em dinheiro...»
Sempre que se pretende violar o
direito de propriedade, salvo os casos em que a Constituição prevê,
nem as leis podem alterar isso. Há
outros casos, porém, como, por
exemplo, o do
23: «E livre o
exercício de qualquer trabalho,
oficio ou profissão, observadas as
condições de capacidade que a lel estabelecer». Ora, se se fosse interpretar textualmente, qualquer trabalho,
ofício ou profissão seria assegurado
pela Constituição. Claro que não. Está implícito: «qualquer trabalho,
ofício ou profissão» lícitos. Assim, no
g 24, quando a Constituição diz que
«A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como
a propriedade das marcas de indústria e comércio e a exclusividade do
199
nome comercial», pressupõe uma regulamentação, uma disciplina. Não
diz que é assegurado o direito de privilégio temporário para sua utilização, como se diz na propriedade.
Deu-se liberdade ao legislador de regulamentar o direito à utilização dos
privilégios temporários. Isto é feito
em todo o mundo. A legislação, inclusive, acompanha a evolução industrial, as invenções técnicas e,
conforme os interesses da evolução
científica, ela privilegia, ou não, os
processos. No caso, por exemplo, o
legislador entendeu de assegurar aos
autores de inventos industriais privilégios temporários para sua utilização, mas entendeu também que determinados privilégios não podiam
ser concedidos, a saber, os privilégios imorais, ilícitos. Está na própria lei. A Constituição não diz que
são assegurados para todos os inventos. Ela diz que «A lei assegurará
aos autores de inventos «na forma
em que o legislador, que é o representante da soberania popular, entender conveniente ao bem comum.
De modo que, não sendo uma lei de
eficácia imediata, mas de eficácia
contida, o poder regulamentar do legislador (aquele que os americanos
chamam the power or the Congress
e Nelson Hungria dizia, com muita
graça, «o poder diabólico da lei») diz
que isso não pode. Então,
argumenta-se muito se isso é conveniente, ou não, aos interesses nacionais.
Nossos laboratórios, antigamente,
faziam lisados, elixires, xaropes antigripais ... Tinham grande sucesso,
mas, com a descoberta dos antibióticos, toda a indústria farmacêutica
desapareceu. Quando eu era menino,
tomava Agua Inglesa Granado ou
Silva Araújo, que era vinho-do-porto
com ferro e outros elementos. Hoje,
com a descoberta das vitaminas,
ninguém mais toma Agua Inglesa e
o laboratório passou a operar com
uma tecnologia superior.
200
R.T.J. — 109
De modo que não é com privilégio
que se desenvolve um pais. E com o
aprimoramento da ciência, da cultura, da educação. Parece-me que,
num pais em desenvolvimento, que
importa cultura, know-how, só excepcionalmente, privilégio para processo de fabricação industrial ou de
medicamentos pode favorecer o interesse nacional. Acho bom deixar isso
claro, embora não tenha nada a ver
com a norma de eficácia contida,
que é o fundamento do meu voto. A
União Soviética, por exemplo, salvo
caso excepcional, não reconhece patente. E, quando assim, tergiversa
... Não estou elogiando a interpretação do § 24, do art. 153, da Constituição Federal, mas, na realidade, não
vejo por que sair em defesa de privilégio de tecnologia para cuja criação
ainda não atingimos suficiente estágio cultural.
Assim, dou pela constitucionalidade da lei.
texto constitucional. Não vejo a manifesta afronta à lei maior e, em
conseqüência, dou pela constitucionalidade do preceito impugnado.
VOTO
O Sr. Ministro Xavier de
Albuquerque (Presidente). Peço licença aos eminentes Ministros Clóvis Ramalhete, Decio Miranda e Firmino Paz para aderir aos votos, cujos fundamentos acolho, dos Colegas
que rejeitam a argüição de inconstitucionalidade do dispositivo legal em
causa.
Quanto ao direito adquirido, estamos todos de acordo que não se configura na espécie.
Tal como a maioria, conheço do
recurso e lhe dou provimento.
EXTRATO DA ATA
RE 93.679 —RJ — Rel.: Min. Cunha Peixoto. Recte.: Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INO Sr. Ministro Djaci Falcão: Sr. PI. (Advs.: Luiz Carlos Pujol e ouPresidente, acompanho o eminente tros). Recda.: Pfizer INC. ( Advs.:
Relator e os votos que o seguiram.
João Rodrigues Leal e outro).
No caso, não há direito adquirido.
Decisão: Conheceu-se do recurso e
A lei nova tem aplicação imediata, deu-se-lhe provimento, vencidos os
consoante decidiu a 2? Turma, no Ministros Clovis Ramalhete, Decio
RE n? 94.386.
Miranda e Firmino Paz. Votou o
Presidente.
Quanto ao art. 9?, letra c, da Lei n?
5.772/71, não me parece ocorrer a arPresidência do Senhor Ministro
güida inconstitucionalidade. O pará- Xavier de Albuquerque. Presentes à
grafo 24, do art. 153 não apresenta Sessão os Senhores Ministros Djaci
caráter absoluto, a abranger toda e Falcão, Cordeiro Guerra, Moreira
qualquer invenção de processo de fa- Alves, Soares Minioz, Decio Miranbricação de medicamento. Não se da, Rafael Mayer, Firmino Paz, CIOpode perder de vista os interesses vis Ramalhete e Néri da Silveira.
maiores, como o interesse da saúde, Procurador-Geral da República, Dr.
etc.
Inocêncio Mártires Coelho.
O preceito da lei ordinária, a meu
Brasília, 1? de fevereiro de 1982 —
ver, pelo seu alcance, demonstra a Jonas Célio Monteiro Coelho, Secreinexistência da alegada afronta ao tário.
VOTO
•
R.T.J. — 109
201
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 93.745 — RJ
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social — IAPAS, representante do Instituto Nacional de Previdência Social — INPS — Recorridos: Nair Garcia Parada e outros.
Imóveis de Brasília.
Corra monetária. Decreto-lei n? 19/66 e Lel n? 5.049/66.
Não há o que reformar no acórdão recorrido, se decidiu ele na
conformidade da acertada jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos, consubstanciada no enunciado da sua Súmula nt 68, verbis: «A
correção monetária não incide nas aquisições de unidades residenciais do INPS, quando a opção de compra tiver sido anterior á vigência do Decreto-lei n? 19, de 1966, sendo &relevantes, em face da Lei n?
5.049, de 1966, o valor ou a área do imóvel,.
Recurso extraordinário não conhecido.
ACÓRDÃO
correção monetária sobre as parcelas mensais de amortização e
Vistos, relatados e discutidos estes
saldo devedor respectivo dos imóautos, acordam os Ministros do Su-
veis de que são promitentes compremo Tribunal Federal, por sua Se-
pradores, por contratos de promesgunda Turma, na conformidade da sa de compra e venda celebrados
ata do julgamento e das notas taqui-
com a autarquia.
gráficas, por unanimidade de votos, Na hipótese trata-se de apartanão conhecer do recurso.
mentos com área inferior a 100
Brasília, 4 de outubro de 1983 —
m2 e valor abaixo de 200 salários
Djaci Falcão, Presidente — Aldir
mínimos da época, sustentando o
Passarinho, Relator.
INPS ser legítima a estipulação da
correção monetária, ex vi do art.
RELATÓRIO
6?, letras a e b, da Lei n? 4.380, de
1964.
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
A Sentença que concedeu a Segu(Relator): O despacho do então Prerança
e anulou os contratos de pros idente do Tribunal Federal de Remessa de compra e venda, ordecursos, o ilustre Ministro Jarbas No-
nando que outros fossem assinados
bre, que admitiu o apelo derradeiro,
aos preços da reavallação e sem
eu o leio, como relatório, por bem
cláusula da correção monetária,
espelhar a controvérsia ora submetifoi reformada parcialmente por
da ao crivo deste Tribunal (fls.
Turma
julgadora deste Tribunal,
210/212).
para declarar, tão-somente, a null«Nair Garcia Parada e outros
dade da cláusula de inserção da
impetraram Mandado de Seguran-
correção monetária nos contratos
ça visando garantir a aplicação do de que se trata, em acórdão emenart. 30, § 3?, da Lei n? 4.864, de 29-
tado nestes termos:
11-65, ás operações imobiliárias
«Imóveis Residenciais.
realizadas entre os impetrantes e o
Instituto Nacional de Previdência Promessa de compra e venda.
Social, isto é, sem a incidência da
Correção monetária incabivel,
202
R.T.J. — 109
nas opções manifestadas no prazo da Lei n? 5.049/66, e antes da
vigência do Decreto-lei n? 19/66».
Inconformado, recorre extraordinariamente o Instituto de Administração Financeira da Previdência
e Assistência Social, sucessor legal
do INPS, com apoio nas letras a e
d da norma constitucional autorizadora, assinalando que o aresto
recorrido negou vigência ao art. 6?,
alíneas a e b, da Lei n? 4.380, de
1964, bem como dissentiu do Julgado do Colendo Supremo Tribunal
Federal no RE n? 75.018-DF, cuja
ementa transcreveu, indicando o
repositório em que foi publicado
(DJ de 15-3-74, pág. 1385).
O aresto impugnado afirmou que
a isenção da correção monetária
beneficia a todos os ocupantes
legítimos de unidades residenciais
alienáveis, com preço de custo reavaliado, independente de área e
valor, que fizeram opção ou promessa no prazo legal.
No RE n? 75.018-DF invocado na
Sentença e agora indicado, o Alto
Pretório efetivamente admitiu que
os contratos de alienação de imóveis dos antigos IAPs cujos ocupantes optaram pela aquisição até
a publicação da Lei n? 5.049, de 206-66, podiam consignar cláusula de
correção monetária, se atendidas
as exigências do art. 6?, alíneas a e
b, da Lei n? 4.380, de 1964.
Com efeito na ementa do acórdão a matéria está bem elucidada:
«INPS — correção monetária
na alienação de imóveis pelo Instituto. Leis n?s 4.380, 4.864 e 5.049
e Decreto-lei n? 19.
Os Institutos de Aposentadoria
e pensões não eram órgãos componentes do Sistema Financeiro
de Habitação. Os contratos de
alienação de Imóveis cujos ocupantes optaram pela aquisição
até a publicação da Lel n? 5.049,
de 29-6-66, somente podiam consignar cláusula de correção monetária se atendidas as exigências do art. 6?, a e b, da Lei n?
4.380, de 2 de agosto de 1964. Os
contratos referentes a imóveis
cujos ocupantes optaram pela
aquisição a partir da vigência da
Lei n? 5.049 até a vigência do
Decreto-lei n? 19, de 3018-66, estão
isentos de correção monetária,
nos termos do parágrafo 3?, art.
30, da referida lei.»
Do exposto, tenho como configurada a divergência entre o que decidiu o acórdão recorrido e a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne á admissibilidade da estipulação da
correção monetária do preço nos
contratos de promessa de compra
e venda de imóveis com área inferior a 100 m' e valor abaixo de 200
salários mínimos, tal como na hipótese sucede.
Dou seguimento ao recurso pelo
invocado apoio na letra d, o que
oferece ensejo ao seu processamento. também, pelo fundamento
da letra a (Súmula n? 292).»
Subindo os autos, após oferecimento das razões do recorrente e contrarazões dos recorridos, velo a
manifestar-se a douta ProcuradoriaGeral da República pelo conhecimento e provimento do recurso.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aidir Passarinho
(Relator): Dois fatos devem inicialmente ser destacados no pórtico deste voto: o primeiro, o de terem sido
as opções manifestadas pelos impetrantes e ora recorridos anteriormente à Lei n? 5.049, de 29 de junho
de 1966, como declara a autarquia
recorrente na sua apelação, no item
5.8 de fls. 162; o segundo, que os imóveis adquiridos pelos mesmos impe-
R.T.J. — 109
trantes possuíam área construída inferior a 100 metros quadrados e seu
valor era inferior a 200 salários
mínimos.
No C. Tribunal Federal de Recursos a questão foi por muitas vezes
debatida, vindo a ali predominar o
entendimento que veio a ser fixado
no enunciado de sua Súmula n? 68, a
saber:
«A correção não incide nas aquisições de unidades residenciais do
INPS, quando a opção de compra
tiver sido anterior à vigência do
Decreto-lei n? 19, de 1966, sendo irrelevantes, em face da Lei n? 5.049,
de 1966, o valor ou a área do imóvel.»
A jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos, sobre assentar-se
na melhor exegese dos textos legais
pertinentes, foi, sem dúvida, do
maior alcance social, pois extinguiu
o incabível critério adotado na Administração, inclusive com apoio em
parecer da Consultoria Geral da República, e segundo o qual, mesmo
após a vigência do Decreto-lei n?
19/66, continuariam aqueles que houvessem adquirido seus imóveis antes
da Lei n? 5.049/66, sendo eles os de
menor valor (área de construção a
100 metros quadrados e valor inferior a 200 salários mínimos) a sofrer
a incidência da correção monetária,
enquanto aqueles que houvessem adquirido os melhores imóveis, ou seja,
área construída e valor superior ao
acima referido, continuariam livres
de tal correção, vindo, em conseqüência, os de menor poder aquisitivo a pagar, por imóveis de pequeno
valor, muitas vezes mais que os
compradores das melhores unidades
residencias.
A justificativa, na época da promulgação da Lei n? 4.380, de 21-8-64,
de cujo art. 6?, letras a e b, de que
resultava tão estranha discriminação, era a da necessidade de estimulo á construção de imóveis residen-
203
ciais para as classes menos favorecidas economicamente, o que, entretanto, a meu ver, fora a injustiça social que dai advinha, perdia sentido
e finalidade em se tratando de imóveis já construídos, pertencentes a
órgãos da administração pública e
que seriam vendidos aos próprios
moradores.
Tal aspecto já o focalizei quando
ainda Ministro do Eg. Tribunal Federal de Recursos, em mais de uma
oportunidade, como por exemplo, ao
ensejo do julgamento da AMS n?
82.547, de 4-10-78.
Na hipótese em exame, a dilucidação da controvérsia não oferece dificuldade maior, eis que, em caso que
tenho como idêntico, já se manifestou esta C. Turma, ao julgar o RE n?
91.287-DF, Relator o ilustre Ministro
Djaci Falcão, em assentada de que
participaram os Srs. Ministros Cordeiro Guerra e Moreira Alves, e em
que demonstrou S. Exa. que o acórdão desta Corte (RE n? 75.018—RTJ
68/468) trazido à colação como divergente — e que é exatamente o mesmo que também agora embasa este
recurso extraordinário — não entrava ás testilhas como o aresto recorrido.
O Sr. Ministro Djaci Falcão, no
aludido RE n? 91.287-DF, no seu voto, transcreveu — adotando a fundamentação do excelente voto do Sr.
Ministro Paulo Távora, então no Tribunal Federal de Recursos, e que
ora leio, para inclusive, mostrar a
identidade com a espécie ora sub
judies: (lê, RTJ 94, págs. 1278/1280).
Pelo exposto, não conheço do recurso.
o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 93745-RJ — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Recte.: Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social — IAPAS,
204
R.T.J. — 109
representante do Instituto Nacional
de Previdência Social — INPS
(Advs.: Elizabeth R. L. Manzur e outros). Recdos.: Nair Graça Parada e
outros (Advs.: Waldir Morgado e outros).
Decisão: Não conhecido. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Dedo Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 4 de outubro de 1983 —
Francisco Marques, Secretário.
Hélio
AGRAVO DE INSTRUMENTO PI? 94.031 (AgRg) — MG
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Decio Miranda.
Agravantes: José de Oliveira Andrade, sua mulher e outros — Agravados: Dalmo de Andrade Cunha e outros.
Processual regimental. Recurso extraordinário. Falta de preqüesUonamento. Indemonstração do pressuposto recursal quanto a um dos
preceitos invocados. Dissidência jurisprudencial argüida sem a devida demonstração dos pontos de atrito.
quais devesse considerar-se vulneACÓRDÃO
rado, limitando-se a indicá-lo como
ferido.
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do SuNo que respeita à dissidência
premo Tribunal Federal, em Segunjurisprudencial, não se obedeceda Turma, na conformidade da ata
ram aos ditames do art. 322 do
do julgamento e das notas taquigráRISTF e da Súmula n? 291» (fls.
ficas, por unanimidade de votos, em
109).
negar provimento ao agravo regiVem a parte com agravo regimenmental.
tal, em que sustenta:
a) no conceito de preqftestionaBrasília, 6 de dezembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Decio mento, dado pelo Verbete n? 282 da
Súmula da Corte, não se inclui a
Miranda, Relator.
exigência de alusão expressa, pelo
acórdão recorrido, aos números das
RELATORIO
disposições legais invocadas como
vulneradas; b) por outro lado, a
O Sr. Ministro Dedo Miranda: Nequestão levantada pelo acórdão reguei seguimento ao agravo, median- corrido, relativa ao não-desembolso,
te despacho em que se lê:
pelos agravantes, de importância em
para pagamento da torna,
«Dos vários artigos de lei tidos dinheiro
envolve
violação
dos arts. 128 e 460
por negados em sua vigência so- do Cód. Proc. Civil;
c) indevida,
mente o 1.164 do Código Civil foi também, a consideração
despareferido no acórdão, aplicando-se, cho agravado de que nãodofeita,
na
quanto aos demais, as Súmulas n?s petição do extraordinário, a demons282 e 356.
tração analítica da divergência jurisprudencial
(fls. 111-117).
Quanto àquele, não foi explícito o
recorrente quanto motivos pelos
E o relatório.
205
R.T.J. — 109
VOTO
O Sr. Ministro Decio Miranda (Relator): Não têm razão os agravantes.
O prequestionamento da questão
federal, como tantas vezes se tem
decidido, exige discussão sobre o tema legal ou constitucional proposto,
e deste o mais evidente contorno é
dado pelo próprio dispositivo, identificado pelo artigo, parágrafo, alínea,
que o contenha.
No segundo ponto, a petição de recurso extraordinário reclama que a
petição inicial da ação deveria ter
preqüestionado a matéria (fls. 78
médio).
Contraditória, pois, a insistência
em dispensar-se o preqüestionamento justamente no acórdão de que se
veio a recorrer.
No terceiro item, a própria transcrição, que faz a peça do agravo regimental, dos termos em que foi posta a alegação de divergência na interposição do recurso extraordinário, fls. 115/116, é prova eloqüente
da ausência de contraste analítico
da referida divergência, o que ain-
da mais acentuadamente se apura
quando se lê a petição recursal extraordinária, fls. 80 fine U ísque 83
princ., Inteiramente vazia de tal contraste.
Isto posto, nego provimento ao
agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
Ag. 94.031 (AgRg)-MG — Rel.:
Ministro Dedo Miranda. Agtes.: José de Oliveira Andrade, sua mulher
e outros (Advs.: Luiz Fernando Melo
de Lemos, José de Magalhães Barroso e outros). Agdos.: Dalmo de Andrade Cunha e outros (Advs.: Oswaldo de Freitas e outro).
Decisão: Negado provimento ao
agravo regimental. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda e Aldir Passarinho.
Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mauro Leite Soares.
Brasília, 16 de dezembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 94.256 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Senhor Ministro Soares Mufioz.
Recorrente: Chu Ming Silveira — Recorrida: Telecomunicações do Rio
de janeiro S.A.— TELERJ, denominação atual da ex-Companhia Telefônica
Brasileira — CTB.
Reclamação trabalhista. Empregada pleiteia vantagens decorrentes de invenção.
— Reclamação julgada Improcedente por ter a Invenção resultado da participação coletiva de vários empregados, inclusive da reclamante, no desempenho de suas funções contratuais. Fundamento esse
suficiente em si e que, por não conter questão constitucional, não abre
ensejo à instauração da instância extraordinária nas hipóteses previstas no art. 143 da Carta Magna. Recurso extraordinário não conhecido.
206
R.T.J. — 109
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não
conhecer do recurso.
Brasília, 20 de setembro de 1983 —
Soares Mura Presidente e Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Soares Munõz: A
titulo de relatório, vou reproduzir o
parecer da ilustre Procuradora Dra.
Anadyr de Mendonça Rodrigues,
aprovado pelo eminente Subprocurador-Geral da República Dr. Mauro
Leite Soares, in verbis:
«Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em processo trabalhista, com alegação de ofensa
aos artigos 153, §§ 2?, 3? e 24, da
Constituição, 2?, 21, § 2?, 40 e 42 da
Lei n? 5.772, de 1971 (Código de
Propriedade Industrial), 136 do Código Civil e 836 da Consolidação
das Leis do Trabalho.
Resuma-se a controvérsia dizendo que a Recorrente, Arquiteta
vinculada empregaticiamente à
Recorrida, postulou, com fundamento no art. 454 da CLT, as vantagens econômicas decorrentes da
invenção dos protetores de telefone
vulgarmente chamados «orelhinha» e «orelhão», explorados industrialmente pela empregadora.
A Junta de Conciliação e Julgamento, para rejeitar a pretensão,
houve por bem reconhecer a inconstitucionalidade dos artigos 40,
caput, e 92, da Lei n? 5.772, de 1971,
«por não assegurar a Constituição
Federal de 17 de outubro de 1969,
nos termos do art. 153, § 2?, direito
de propriedade ao inventor» (fls.
466).
Submetida tal decisão às superiores instâncias trabalhistas, por
haver a Recorrente alegado a vulneração do art. 454 da CLT e do §
24 do art. 153 da Constituição, afirmou o E. Tribunal Regional, por
voto majoritário, que o art. 454 da
CLT -- no qual se fundara a postulação houvera sido revogado pela
Lei n? 5.772, de 1971, além do que,
face ao depoimento de uma testemunha, entendeu que a invenção
resultara de participação coletiva,
no desempenho das funções contratuais da empregada (fls. 590/597).
Inconformada, a Recorrente interpôs Revista, para o E. Tribunal
Superior do Trabalho, na qual renovou a argüição de ofensa constitucional e já então também alegando contrariedade dos artigos 136 do
Código Civil e 153, § 2?, da Carta
Magna, por haver sido admitida a
superposição da prova testemunhal
sobre a documental própria, constituída pelo depósito de patente feito perante o Instituto Nacional
da Propriedade Industrial (fls.
283/327). Argüiu, ainda, a Recorrente, violação de coisa julgada,
em afronta ao § 3? do art. 153 da
Lei Fundamental e ao art. 836 da
CLT, porque, ao deliberar anteriormente, a fls. 555/557, sobre a questão da competência da Justiça do
Trabalho, teria o E. Tribunal Superior do Trabalho, apreciando a prova documental de fls. 282/327, reconhecido definitivamente, como da
Recorrente, a autoria do invento.
A E. Corte Superior Trabalhista
negou conhecimento à Revista e,
majoritariamente, aos Embargos
posteriormente opostos, prestigiando as decisões anteriores (fls.
637/639 e 674/677).
Tem-se, pois, que está satisfeito
o requisito de prequestionamento
das questões suscitadas.
Examinadas, uma a uma, as
apontadas vulnerações constitucio-
R.T.J. — 109
nais, conclui-se, primeiramente,
que o § 24 do Art. 153 da Lei Maior
efetivamente parece contrariado,
ao negar-se vigência ao art. 454 da
CLT e ao darem-se por inconstitucionais os artigos 40, caput, e 42 da
Lei n? 5.772, de 1971.
Com efeito, dispõe a Carta Magna, em seu art. 153:
§ 24. A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a propriedade
das marcas de indústria e comércio e a exclusividade do nome comercial.»
Diante de tal garantia constitucional, resulta evidente que não
tem consistência a negação do «direito de propriedade ao inventor»,
assim como da sobrevivência dos
dispositivos a seguir transcritos:
«Art. 454. Na vigência do contrato de trabalho, as invenções
do empregado, quando decorrentes de sua contribuição pessoal e
da instalação ou equipamento
fornecidos pelo empregador serão de propriedade comum, em
partes iguais, salvo se o contrato
de trabalho tiver por objeto,
implícita ou explicitamente, pesquisa cientifica.» (Consolidação
das Leis do Trabalho).
«Art. 40. Pertencerão exclusivamente ao empregador os inventos, bem como os aperfeiçoamentos, realizados durante a vigência de contrato expressamente destinado a pesquisa no Brasil,
em que a atividade inventiva do
assalariado ou do prestador de
serviços seja prevista, ou ainda
que decorra da própria natureza
da atividade contratada.»
«Art. 42. Salvo expressa estipulação em contrário, o invento
ou aperfeiçoamento realizado pelo empregado ou pelo prestador
de serviços não compreendido no
207
disposto no art. 40, quando decorrer de sua contribuição pessoal
e também de recursos, dados,
meios, materiais, instalações ou
equipamentos do empregador,
será de propriedade comum, em
partes iguais, garantido ao empregador o direito exclusivo da
licença de exploração, assegurada ao empregado ou prestador de
serviços a remuneração que for
fixada. (Código de Propriedade
Industrial, Lei n? 5.772, de 1971).
Em verdade, afiguram-se perfeitamente compatíveis, não só o art.
454 da CLT e os artigos 40 e 42 da
Lei n? 5.772, de 1971, entre si, como
também os três em relação à garantia expressa no § 24 do art. 153
da Constituição.
A longa R. sentença de fls.
391/466 alicerça seu entendimento,
de que a Constituição de 1969
não mais garante o direito de
Propriedade da invenção, na circunstãncia de que, enquanto os anteriores textos constitucionais o asseguravam expressamente a par
de conferir aos inventores o
privilégio temporário, já a vigente
só se referiu ao mesmo privilégio
temporário, abstraindo-se da alusão expressa ao direito de
propriedade, o qual, por essa razão, não mais existiria, conduzindo
ao reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos apontados.
Veja-se, no entanto, que o
privilégio é um dos atributos da
Propriedade da Invenção, e, por isso mesmo, é-lhe inerente: só o proprietário da invenção pode deter
seu privilégio, sendo verdadeira a
reciproca de que não há privilégio,
sem propriedade.
Assim sendo, ao invés de reconhecer-se ou declarar-se a inconstitucionalidade dos dispositivos em exame, só porque falam
203
R.T.J. — 109
em propriedade da invenção ao
passo que a Constituição expurgou
tal termo de seu texto, mais jurídico será entender que a Carta Magna de 1969 o fez para eliminar uma
redundância constante dos textos
anteriores, já que, se garantiam o
privilégio ao inventor, estava também, implícita e concomitantemente, reconhecendo seu direito à propriedade do invento.
Em abono do que foi dito, tragase a palavra insuperável de Pontes
de Miranda in Comentários ti Constituição de 1967, com a Emenda n?
1, de 1969,
2? ed., Tomo V, pág. 547:
«O g 24 somente cogita do
momento em que se inventa: é
regra jurídica constitucional de
aquisição da propriedade, que a
define pelo privilégio temporário.
Adquirida, como todas as outras,
passa a ser expropriável segundo
as leis. Dal dizer João Barbalho
(Comentários, 331) que o direito
do inventor não é rigorosamente
propriedade, ou é propriedade
sul generis. Mas sem razão. A
propriedade industrial, como a
propriedade intelectual, é propriedade como outra qualquer. A
doutrina brasileira e, o que é expressivo, a legislação superaram, de muito, as discussões em
torno de ser ou não ser de propriedade o direito dos inventores,
como o dos escritores e artistas.»
(grifos do original)
Assim posta a questão, parece
que o V. Acórdão recorrido realmente vulnerou o g 24 do art. 153
do texto constitucional, ao dar
abrigo às decisões antecedentes
que tiveram por inconstitucionais
ou artigos 40, caput, e 42 da Lei n?
5.772, de 1971, e negaram a vigência do art. 454 da CLT, pelo que,
nesta parte, merece conhecimento
e provimento o Recurso Extraordinário.
Põe-se a exame, a seguir, a
questão relativa à imputada violação do 2? do art. 153 da Carta
Magna, em razão de ofensa ao art.
136 do Código Civil, dada a prevalência outorgada a um testemunho
sobre a prova documental própria,
o depósito de patente feito perante
o INPI.
Neste passo, importa consignar
que, como está posta a questão,
não se trata de exame de prova vedado na instância extraordinária, a
teor da Súmula n? 279 — mas, sim,
de tema exclusivamente referente
à valoração da prova, o qual é suscetível de apreciação por essa Excelsa Corte:
«Se se trata de examinar o critério legal de valorização da prova, o caso não é de simples apreciação desta, de acordo com a
Súmula n? 279.» (RTJ 56/65 e
RTJ 72/472).
Vale, ainda, ressaltar que tal
questão é autônoma e demanda
apreciação independente, porquanto constitui um dos fundamentos
suficientes em que assentou o V.
aresto recorrido.
principio constitucional da legalidade, dado como ofendido, em
verdade pode ser maculado pela
desobediência à letra da lei.
Código de Processo Civil, em
seu art. 332, com felicidade explicitou a regra que deve nortear a
apreciação da prova:
«Todos os meios legais, bem
como os moralmente legítimos,
ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que
se funda a ação ou a defesa.»
é o art. 136 do Código Civil que
especifica os meios legais de prova:
«Os atos jurídicos, a que não se
impõem forma especial, poderão
provar-se mediante:
R.T.J. — 109
I — Confissão.
II — Atos processados em
juizo.
III — Documentos públicos ou
particulares.
IV — Testemunhas.
V — Presunção.
VI — Exames e vistorias.
VII — Arbitramento.»
A enumeração do art. 136 do Código Civil não importa em ordem
de prevalência, assim como a prova por um dos meios indicados não
exclui a apreciação daquela produzida através de outro meio legal.
Assentado isto, tem-se que é
possível a violação do principio da
legalidade se o Juiz, ao desincumbir-se de seu encargo de apreciar o
conjunto probatório, dá valor a um
determinado tipo de prova e deixa
de considerar — ainda que para
refutar-lhe a eficácia — outro tipo
da prova produzida, porque, então,
estará negando a vigência do art.
136 do Código Civil, que deu, tanto
á primeira como à segunda, a condição de meio legal de prova.
Transportadas estas considerações para a espécie e analisados o
V. Acórdão recorrido e as anteriores decisões pelo mesmo albergadas, verifica-se que o E. Tribunal
Regional — soberano na apreciação da prova, no processo trabalhista — efetivamente utilizou como esteio de sua convicção, para
concluir que o invento resultara de
participação coletiva, no desempenho das funções contratuais da
obreira, apenas o depoimento de
uma única testemunha, embora reconhecendo, aliás, que outro testemunho contraditava tal depoimento (fls. 590/593).
Nem uma palavra, todavia, dedicou o V. Acórdão regional á prova
documental exibida pela Recorrente e, em especial, ao depósito de
209
patente feito junto ao INPI (fls.
283/327), ainda que fosse para
recusar-lhe o valor probatório.
A sonegação da prova, na consideração do E. Tribunal Regional,
equivaleu a conferir-lhe valoração
nula, em procedimento que não se
compadece com o disposto no art.
136 do Código Civil e, via de conseqüência, nega-lhe a vigência; o
que, por sua vez, constituiu afronta
ao principio da legalidade estatuído no 2? do art. 153 da Carta
Magna.
Eis por que, no tocante á questão
ora considerada, o parecer é de
que o Recurso Extraordinário
igualmente comporta conhecimento e provimento.
Resta o estudo da derradeira imprecação: a de que se reconheça a
mácula ao 3? do art. 153 da Lei
Maior, em face da desobediência
ao disposto no art. 836 da CLT, visto como haveria o E. Tribunal a
quo ofendido a coisa julgada, formada quando, ao decidir em grau
de recurso sobre a competência da
Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito, enfrentou a
questão da autoria do invento, para reconhecê-la como sendo da Recorrente.
Verifica-se, ao exame do V.
Acórdão de fls. 555/557 — no qual
se teria formado a coisa julgada
argüida — que é do seguinte teor,
no que respeita à autoria da invenção:
«Por outro lado, os documentos
de fls. 282 usque 327, oferecidos
pelo empregador do Departamento Nacional da Propriedade
Industrial, não deixam margem
a dúvidas quanto à vinculação do
invento ao contrato de trabalho,
na espécie, não importando o fato de que ao mesmo tenha se dedicado a reclamante fora das horas de serviço.
210
R.T.J. — 109
Havendo destarte a pendência
te, o julgamento do feito, porque
com fulcro na relação jurídica de
haveria, então, supressão da insemprego, competente é a Justiça
tância própria.
do Trabalho para fornecer a preO parecer é, por conseguinte, de
tendida prestação jurisdicional.»
que o Recurso Extraordinário seja
(fls. 556).
provido para que voltem os autos à
instância regional, própria para
A transcrição que se fez afiguraapreciação da prova, a fim de que,
se suficiente para demonstrar que,
removidos os obstáculos ao recona realidade, não houve como não
nhecimento do direito de propriepoderia haver, em se tratando de
dade da invenção e considerandodecisão restrita à questão de comse todo o conjunto probatório e, em
petência — res judicata no que tanespecial, a prova documental oferge à autoria do invento.
tada, julgue a causa como de direiA passageira abordagem do teto» (fls. 736/746).
ma da autoria não se fez na parte
E o relatório.
dispositiva do V. aresto sob exame
a única, aliás, suscetível de criar a
VOTO
coisa julgada — mas, ao invés, entre os fundamentos de decidir, os
O Sr. Ministro Soares Munõz (Requais não levam à res judicata, co- lator):
parecer bem examinou a
mo está expresso no art. 469 do questãoOrelativa
à ofensa à coisa julCPC:
gada. Realmente, o acórdão que rejeitou a exceção de incompetência
«Não fazem coisa julgada:
do Trabalho não fez coisa
I — os motivos, ainda que im- da Justiça
no tocante ao mérito da reportantes para determinar o al- julgada
cance da parte dispositiva da clamação.
sentença;
Os trechos daquele aresto em que
se apóia o recurso extraordinário
II — a verdade dos fatos, esta- não integram a sua parte dispositibelecida como fundamento da va, mas a sua fundamentação. Ora,
sentença:»
consoante dispõe o art. 469, I, do Códe Processo Civil, não fazem
Forçoso é concluir, em conse- digo
julgada os motivos, ainda que
qüência, que não houve violação do coisa
para determinar o alart. 836 da CLT nem, como decor- importantes
da parte dispositiva da svntenrência, do 3? do art. 153 da Lei cance
Fundamental, razão por que, nesta ça.
parte, é de negar-se conhecimento
Na espécie sub judice, o alcance
ao Recurso Extraordinário.
da parte dispositiva do acórdão prona exceção é inequívoco no
Examinados os três temas susci- ferido
sentido
que não compreendeu o
tados pela Recorrente, deve levar- mérito dadereclamação,
verbis:
se em conta que os dois primeiros
alusivos às negativas de aplicação,
Acordam os Ministros da Primeiao caso sub judice, da legislação
ra Turma do Tribunal Superior do
protetora da propriedade da invenTrabalho, sem divergência, conheção e de apreciação da prova docucer do recurso e dar-lhe provimento para que baixem os autos á insmental produzida —, embora ensejem conhecimento e provimento do
tância de origem e julgue o mérito
apelo extremo, no que lhes pertine,
como entender de direito» (fls.
não permitem, a essa Excelsa Cor557).
R.T.J. — 109
A sentença de primeiro grau, encontrando incompatibilidade entre o
art. 153, § 24, da Constituição Federal e os arts. 454 da CLT e 40 e 42 da
Lei n? 5.772 (Código de Propriedade
Industrial), considerou revogado o
primeiro dispositivo em referência e
inconstitucionais os outros.
Os acórdãos, tanto do Tribunal Regional quanto do Tribunal Superior
do Trabalho, embora tenham mantido a sentença, não incorporaram ás
respectivas motivações aqueles fundamentos de natureza constitucional.
Eis o acórdão regional:
«Na inicial a reclamante esclarece que foi admitida como «auxiliar
técnica» lotado no departamento
de obras, em 25 de abril de 1966,
fazendo contrato por tempo indeterminado, e, em seguida, que em
princípios de 1972, sem qualquer
vinculação ao contrato de trabalho,
inventou •dois novos modelos de
protetor de telefone, sendo um para uso interno e outro externo, conhecido como «orelhão,» postulando, em conseqüência, 50% das vantagens econômicas da exploração
dos inventos, ao mesmo tempo em
que fundamenta o seu pedido no
art. 454 da CLT — fls. 3.
Esse dispositivo, base legal da
pretensão, foi revogado pela Lei n?
5.772, de 21 de dezembro de 1971.
Ainda que assim não fosse,
verifica-se pelo depoimento pessoal
da reclamante que esta ocupava a
chefia da seção de projetos da
Companhia Telefônica Brasileira
os quais coordenava — fls. 160.
Pelo depoimento da testemunha
Edwaldo Ferreira Rebello, engenheiro, verifica-se que o desenho do
protetor foi UM resultante de diversos trabalhos, idéias, colaborações
de outros funcionários e que até
mesmo a «concha» surgiu no Rio
211
de Janeiro, conforme bem salientou a r. decisão recorrida — fls.
427/429.
Houve, assim, participação cole
tiva, na qual se incluiu a reclamante, para tanto remunerada como arquiteta, em cuja função se
inclui a apresentação de novas
idéias.
Ainda que uma testemunha tenha informado que o desenho foi
executado fora das horas de trabalho — fls. 265 — verdade é que foi
feito de encomenda com a colaboração de outros, constando até
mesmo ter vindo de outra cidade»
(fls. 592/593).
E o teor do acórdão proferido pela
Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho que não conheceu
do recurso de revista é o seguinte:
«A sentença originária, com base
na doutrina, na lei e nos fatos, conclui pela improcedência da reclamação. Voltando a apreciar a demanda, já em cumprimento ao
acórdão desta Turma, a 2? instância partiu não só do exame de fatos e provas, mas também de diversos fundamentos, não abrangidos pela jurisprudência trazida a
confronto. Em face dos próprios
termos do acórdão recorrido, não
se configura a violação de norma
constitucional ou legal, em que
pretende apoio a recorrente.
Não conheço.
Isto posto.
Acordam os Ministros da Primei-
ra Turma do Tribunal Superior do
Trabalho, sem divergência, não co-nhecer da revista» (fls. 639).
Do mesmo modo, a essa fundamentação se arrimaram as decisões
posteriores que desproveram o agravo de instrumento e os embargos infringentes, nos quais foi questionada
a ofensa ao art. 153, §§ 2?, 3?, 4? e 24,
da Constituição Federal.
212
R.T.J. — 109
Despiciendo, portanto, é o exame
da alegada má aplicação do 24 do
art. 153 da Constituição Federal e
dos arts. 454 da CLT e 40 e 42 do Código de Propriedade Industrial, porque, abandonando tais questões, o
acórdão recorrido julgou improcedente a reclamação por outro fundamento suficiente em si, ou seja, o de
que o invento «foi uma resultante de
diversos trabalhos, idéias, colaboração de outros funcionários e que até
a «concha» surgiu no Rio de Janeiro;
houve, assim, participação coletiva,
na qual se incluiu a reclamante, para tanto remunerada como arquiteta, em cuja função se inclui a apresentação de novas idéias» (fls.
593/639).
Ataca-se esse fundamento do acórdão recorrido, dizendo-se que ele
afrontou o principio constitucional
da legalidade, dando valor exclusivo
ao depoimento de uma testemunha e
deixando de considerar as demais
provas, inclusive as documentais, e,
dessa forma, negou vigência ao art.
136 do Código Civil.
86.017-7/SE — 1? Turma — Rel.: Min.
Soares Munõz). Ou, em outros termos: «Se para provar a contrariedade à Constituição, tem-se, antes, de
demonstrar a ofensa à lei ordinária,
é esta que conta para admissibilidade do recurso extraordinário em face das restrições regimentais» (RTJ
94/462).
Sobreleva notar que a conjugação
do art. 136 do Código Civil como o
art. 153, 2?, da Constituição e o resultante fundamento que acabo de
examinar não constam da petição
recursal. Foram eles deduzidos no
parecer da Procuradoria-Geral da
República, em questionamento evidentemente ineficaz.
Ante o exposto, não conheço do recurso extraordinário.
EXTRATO DA ATA
RE 94.256-SP — Rel.: Min. Soares
Munõz. Recte.: Chu Ming Silveira.
(Advs.: Oswaldo Sant'Anna, Andréa
Tarsia Duarte e outros). Recdo.: Telecomunicações do Rio de Janeiro
S.A. — Telerj, denominação atual da
Entretanto, se houve esse erro nas ex-Companhia Telefônica Brasileira
decisões impugnadas, não foi ele de — CTB. (Advs.: Sérvulo José Drunatureza constitucional. A ofensa à mond Franklin, Antonio Villas Boas
Constituição, apta a instaurar a ins- Teixeira de Carvalho e outros).
tância extraordinária nas hipóteses
Decisão: Não se conheceu do reprevistas no art. 143 da Carta Maior,
pressupõe vulneração, direta e fron- curso extraordinário. Decisão Unânital, a um determinado dispositivo da me. Falaram pelo Recte.: Dr. OswalConstituição. A infração da lei ordi- do Sant'Anna e pelo Recdo.: Dr. Annária não configura ofensa à Consti- tonio Villas Boas Teixeira de Carvatuição. Ainda que o acórdão tivesse lho.
negado vigência ao art. 136 do CódiPresidência do Senhor Ministro
go Civil, o que admito apenas para Soares
Munõz. Presentes à Sessão os
argumentar, nem por isso estaria Senhores
Ministros, Rafael Mayer,
ofendido o art. 153, 2?, da Constitui- Néri da Silveira,
Alfredo Buzaid e
ção Federal. «Se assim não fosse, Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
redundante seria a alínea a do per- da República, Dr. Francisco de Asmissivo constitucional, contemplando, como hipóteses distintas, o ato de sis Toledo.
«contrariar dispositivo da ConstituiBrasília, 20 de setembro de 1983 —
ção» e o de «negar vigência de trata- Antônio Carlos de Azevedo Braga,
do ou lei federal» (Ag-AgRg. n? Secretário.
R.T.J. — 109
213
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 94.269 — PR
(Primeira Turma)
S.A.
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Sachiko Miyasaka Matsubara — Recorrido: Banco do Brasil
Execução por titulo extrajudIclal. Caráter provisório, em havendo
recurso ordinário ou extraordinário. Exegese do art. 587, do Código de
Processo Civil. Precedente do STF. Recurso extraordinário conhecido
e provido.
ACORDA()
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de
julgamentos e notas taquigráficas, à
unanimidade, conhecer do recurso
extraordinário e lhe dar provimento.
Brasília, 23 de maio de 1983 —
Soares Mulloz, Presidente — Néri da
Silveira, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Em agravo de instrumento interposto pelo Banco do Brasil S.A., contra o despacho do Dr.
Juiz de Direito da Comarca de
Bandeirantes-PR, que indeferiu o
prosseguimento da execução, porque
pendente apelação interposta contra
decisão que julgou Improcedentes os
embargos do devedor opostos por Sacha() Miyasaka Matsubara, a Terceira Câmara Civel do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná deu
provimento ao agravo, por unanimidade do voto, em acórdão que tem a
seguinte ementa (fls. 55):
«E definitiva a execução de titulo extrajudicial, ainda que pendente recurso da decisão que julgou
improcedentes os embargos do devedor».
Irrestgriado, recorreu, extraordinariamente, Sachiko Miyasaka Matsubara, com apoio no art. 119, inciso
III, alíneas a e d. da Constituição
Federal, sustentando que o aresto
recorrido negou vigência ao art. 587,
do Código de Processo Civil, além de
se apresentar em divergência com
os julgados do Tribunal de Alçada do
mesmo Estado e do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São
Paulo. Alega a recorrente que havendo recurso pendente, a execução
em causa não pode ser considerada
definitiva, e, sim, provisória, visto
que o efeito devolutivo da apelação
«mantém o processo no mesmo estado, suspenso por efeito dos embargos».
O ilustre Presidente do Tribunal
de Justiça do Estado do Paraná, ao
admitir o processamento do recurso,
asseverou (fls. 78/79):
«Como o dissídio que suscitou está sobejamente comprovado (máxime com relação ao julgado prolotado pelo Tribunal de Alçada
deste Estado), a recorrente tem
assegurado o acesso de sua inconformação última à Suprema Corte.
O argumento inserido na impugnação de fls. 74/76 de que in specie
é aplicável a Súmula n? 369, data
venta, não procede.
E que o Tribunal de Justiça e o
Tribunal de Alçada do Estado do
Paraná não compõem um mesmo
Tribunal, sendo de todo admissivel
a utilização dg julgados de um e
de outro para a comprovação de
dissídio jurisprudencial.
R.T.J. — 109
214
Tal qual este, o caso apreciado
pelo Tribunal de Alçada versou
sobre a questão do caráter (se definitivo ou provisório) da execução
de titulo extrajudicial na pendência de recurso ordinário (apelação) interposto contra sentença
que julgou improcedentes os embargos do devedor.
Naquele caso a Corte que o julgou decidiu-se pelo caráter provisório de tais execuções e esta Casa, em franca divergência e julgando caso idêntico, apoiou o cunho definitivo.
A profunda controvérsia que esta
matéria provoca faz que a divergêcia, in casu demonstrada, deva, a
meu ver, receber a apreciação do
Pretório Excelso, não só em função de sua comprovação como
também no interesse das partes
que a debatem exaustivamente.».
Razões da recorrente às fls. 85,
reportando-se à petição do recurso
extraordinário, apresentando o recorrido as contra-razões de fls.
87/105.
A douta Procuradoria-Geral da
República manifesta-se, às fls.
112/116, pelo conhecimento e provimento do recurso.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Preceitua o art. 587, do
Código de Processo Civil:
«Art. 587. A execução é definitiva, quando fundada em sentença
transitada em julgado ou em titulo
extrajudicial; é provisória, quando
a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no efeito
devolutivo.»
Acerca desse dispositivo, anotou
Alcides de Mendonça Lima:
«Execução é definitiva. E aquela
em que o credor tem sua situação
reconhecida de modo imutável, decorrente da própria natureza do
titulo em que se funda a execução,
salvo a incidência rara da ação
rescisória, mas que não impede a
execução da sentença rescindenda.
O direito já lhe foi assegurado.
Nada há, em principio, o que discutir, o que provar e o que decidir.
Entretanto, isso é apenas verdadeiro quando o titulo executivo for
o judicial ou, no teor legal, «sentença transitada em julgado, que,
evidentemente, se acha sob a égide
da coisa julgada, cujo conceito se
acha consignado no art. 467 deste
Código, que, em essência, reedita o
do art. 6?, § 3?, da Lei de Introdução ao Código Civil. Se a sentença
não foi impugnada por nenhum recurso ou, se o foi, os meios se esgotaram, a coisa julgada se operou e,
conseqüentemente, o credor tranqüilamente pode promover a execução definitiva do julgado.
925. A regra geral, no direito
brasileiro, é, portanto, a execução
definitiva, desde que haja coisa
julgada. Quando a lei nada prescrever em contrário, não haverá
execução de sentença na pendência
de recurso que contra a mesma haja sido interposto.» ( in Comentários ao Código de Processo Civil,
Forense, VI vol., Tomo II, págs.
469/470).
Noutro passo, anota:
«938. A execução provisória, pela disposição expressa deste artigo, é Inerente exclusivamente ás
sentenças, não se estendendo aos
títulos extrajudiciais, como seria
absurdo. Tudo gira em torno da
politica do legislador, no sentido de
entender mais conveniente à ordem social e aos interesses do
vencedor-credor-recorrido a execução provisória da sentença do que
as possíveis mudanças que venham a ocorrer se, em grau de re-
R.T.J. — 109
curso, o julgado for reformado,
tanto total como parcialmente
(....). Mas, para assumir o risco, o
exeqüente terá de agir segundo
art. 588 do próprio Código. (op.
cit., págs. 475/76).
De outra parte, tendo em conta a
situação do devedor, escreve:
«Na execução de titulo extrajudicial, a lei procura proteger o devedor, exatamente porque o direito
do credor ainda poderá ser discutido nos embargos: somente a inércia do devedor é que lhe causará
prejuízo, se não usar da faculdade
de apresentar defesa, como o Código lhe concede, até de modo amplo
(art. 745, combinado com os arts.
741 e 300 e 301). A efetivação, portanto, do direito alegado pelo credor dependerá da atitude do devedor:
a) não se defendendo, o credor
usufruirá de imediato todas as
vantagens: b) defendendo-se, tudo
ficará adstrito ao julgamento dos
embargos. De qualquer maneira, a
lei não confere força total ao direito emanado no titulo a favor do
credor, salvo se o devedor não opuser embargos nas condições prescritas no Código».
No RE n? 89.242-SP, a Segunda
Turma decidiu, em aresto com a seguinte ementa: «Execução por titulo
extrajudicial. Caráter provisório, em
havendo recurso ordinário ou extraordinário. Interpretação do art.
587 do Código de Processo Civil. RE
não conhecido» (RTJ 86/922).
Manifesta a divergência, com esse
acórdão, conheço do apelo.
A douta Procuradoria-Geral da
República bem anotou, no particular, reportando-se aos fundamentos
do aresto-padrão, que adoto, onde referidos outros precedentes da Corte
(fls. 112/115), In verbis:
«1. O Banco do Brasil S.A. interpôs agravo de Instrumento con-
215
tra despacho que denegou prosseguimento de execução de titulo extrajudlcial, em caráter definitivo,
tendo em vista o efeito devolutivo
em que foi recebida a apelação interposta à decisão que deu pela improcedência dos embargos da devedora.
O acórdão impugnado tem a
ementa assim redigida, fls. 55:
«E definitiva a execução de
titulo extrajudicial, ainda que
pendente recurso da decisão que
julgou improcedentes os embargos do devedor».
Em recurso extraordinário,
pelas letras a e d, alega a recorrente negativa de vigência ao art.
587, do Código de Processo Civil.
5. Ocorre que a decisão recorrida está em manifesta discordância
com o decidido pela Egrégia Segunda Turma no RE n? 89.242 —
Relator Ministro Cordeiro Guerra,
RTJ 86/922, trazido a confronto fls.
60, verbis:
«Prima fade, o art. 587 do Código de Processo Civil, equipara
a execução por titulo extrajudicial á execução de sentença transitada em julgado, dando-lhe o
caráter de definitiva. E, assim,
se pronunciou por maioria, o
Simpósio de Curitiba:
«E definitiva a execução de
titulo extrajudicial, ainda que
pendente de recurso de decisão
que julgou improcedentes os
embargos do devedor» (Conclusão — L I, em RT 482/272).
Penso, porém, que razão não
assiste ao ilustre professor Theotônio Negrão — quando observa:
«tal execução somente se tornará
definitiva se não forem opostos
embargos à execução, ou após
transitar em julgado a sentença
que os rejeitar. Se os embargos à
execução, não rejeitados liminarmente, têm efeito suspensivo —
216
R.T.J. — 109
(art. 741), desde o seu recebimento para discussão está suspensa a execução, e será provisório tudo quanto se fizer enquanto
pendentes.
Quanto aos embargos rejeitados In limine, a solução poderá
ser diversa, mas, no sistema do
Código de Processo Civil, enquanto pende qualquer recurso
que pode alterar a situação a
execução é provisória».
De fato: «Não há embargos do
devedor sem efeito suspensivo»
(Simpósio — Conclusão — LIX)
— e em se tratando de execução
por titulo extrajudicial, o devedor poderá alegar, em embargos,
além das matérias previstas no
art. 741, qualquer outra que lhe
seria licito deduzir como defesa
no processo de conhecimento», é
o que dispõe o art. 745 do Código
de Processo Civil.
«A tonto" diz o mesmo jurista, os embargos à execução tem
efeito suspensivo, quando esta se
fundar em título extrajudicial e
for alegada matéria de defesa
que o devedor poderia deduzir no
processo de conhecimento».
De fato, «denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso
ordinário ou extraordinário», art.
467 do Código de Processo Civil.
Como bem observou o acórdão
recorrido, não pode o art. 587 do
Código de Processo Civil, ser interpretado isoladamente, mas
sistematicamente. Dai o acerto
da conclusão de Celso Neves:
«Enquanto esse processo não tiver termo final está sobrestada a
atividade ]uris-satisfatória, própria do processo executório que
só se restabelece na hipótese de
trânsito em julgado da sentença
que rejeite os embargos opostos...».
A suspensividade dos embargos, no caso de execução fundada
em titulo extrajudicial, corresponde à regra geral, decorrente
da circunstância de, nessas hipóteses, não ter havido processo de
conhecimento (Comentários ao
Código de Processo Civil, VII,
Forense — 1? Ed., págs. 237/238).
Acresce a isso, que esta Corte
já decidiu: «Execução. Em face
do novo Código de Processo Civil,
é provisória a execução de sentença enquanto pende o julgamento do recurso extraordinário»
— RE n? 84.334, SP, Relator Ministro Moreira Alves.
Ora, se assim é, com maior razão, em se tratando de recurso
ordinário, capaz de negar valor
ao titulo extrajudicial.
Nessa conformidade, bem decidiu o acórdão recorrido. Não conheço do recurso».
Do exposto, conheço do recurso e
lhe dou provimento.
EXTRATO DA ATA
RE 94.269-PR — Rel.: Min. Néri da
Silveira. Rectes.: Sachiko Miyasaka
Matsubara. ( Advs.: Celso Manoel
Fachada e outros). Recdo.: Banco do
Brasil S.A. (Advs.: Luiz Fernando
Küster e outros).
Decisão: Conheceu-se do recurso
extraordinário e se lhe deu provimento. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mtuloz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros, Rafael Mayer,
Néri da Silveira e Oscar Corrêa. Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Alfredo Buzaid. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 23 de maio de 1983 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
R.T.J. — 109
217
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 94.283 — SP
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Dedo Miranda.
Recorrente: Estado de São Paulo — Recorridos: Adhemar Ferreira e outros.
Administrativo. Funcionalismo. Militares estaduais reformados.
Proventos iniciais que incorporaram gratificação em certo percentual. A aplicação que se deu à lel nova, n? 10.423, de 6-12-71, do Estado
de São Paulo, dirigida aos policiais militares em atividade, relativa
a aumento do percentual da gratificação, além de atritar-se com os
princípios fixados nas Súmulas 339 e 359 do Supremo Tribunal Federal, ofende os 1? e 2t do art. 102 da Constituição.
ACORDA()
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em segunda Turma, na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
conhecer do recurso e lhe dar provimento.
Brasília, 4 de novembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Decio
Miranda, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Dedo Miranda: O
despacho que deixou de admitir o recurso extraordinário expõe as questões trazidas a debate, ao dizer:
«1. Trata-se de Ação Ordinária movida por Policiais Militares reformados, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, contra a Fazenda do Estado, com o
objetivo de obter a correção do
cálculo das gratificações de «Instrutor» e «Auxiliar de Instrutor»,
na forma do aumento concedido
pelo art. 3? e seu parágrafo único
da Lei n? 10.423/71, bem assim o
pagamento das diferenças daí decorrentes, vencidas e vincendas.
A demanda foi acolhida em
ambas as instãncias ordinárias
(fls. 370/371).
Irresignada, a Fazenda do
Estado recorreu extraordinariamente, com apoio no art. 119, inc.
III, letras a e d, da Constituição
Federal. Sustenta que o v. acórdão violou o art. 102, § 1?, da Carta Magna, tendo, ainda, divergido da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, que trouxe à
colação ( fls. 373/380).
Houve
impugnação
( fls.
382/393).
2. O apelo extremo, porém,
não reúne condições de admissibilidade.
A propósito, salientou o v. aresto censurado,
A Lei n? 8.311, de 25-9-64 em
seu art. 4? estabeleceu os percentuais máximos das gratificações
devidas aos «Instrutores» e «Instrutores Auxiliares», determinando, em seu parágrafo único,
que seriam regulamentados pelo
Executivo.
Tal regulamentação vem através do Decreto n? 45.317, de 28-965, que fixou o valor certo daquelas gratificações em seu art. 1?,
isto é, passaram os autores a
percebê-las, alguns na base de
20%, outros em 15 e 10%, percentagem calculada sobre o valor
das respectivas referências numéricas
218
R.T.J. — 109
A Lei n? 10.423, de 8-12-71, em
seu art. 3?, elevou o teto máximo
dessas gratificações para 40%,
determinando, em seu art. 7?,
que tal gratificação seria arbitrada, anualmente, pelo Secretário
da Segurança Pública.
Dando cumprimento a esse dispositivo, o Secretário da Segurança Pública, pela Resolução n?
11, publicada no Diário Oficial de
11-2-72, fixou essas gratificações
em 20% e, posteriormente, através da Resolução n? 006, de 27-176, manteve-se idêntico percentual e, a partir de 26-1-77, foi elevado para 40%.
O que se verifica é que os percentuais diversos previstos no
Decreto n? 45.317 foram fixados
pelo Sr. Secretário da Segurança
Pública em 20% no primeiro
período de 40%, ao depois, atendendo á determinação da Lei n?
10.423, em seu art. 7?.
Essa Lei, elevando o teto do
percentual das gratificações contém medida de ordem geral em
relação aos que tenham direito
às mesmas, devendo, por isso,
estender esse direito aos inativos, que já as incorporaram a
seus proventos.
Ao elevar o teto das gratificações referidas, o texto legal não
se referiu apenas aos servidores
em atividade. Possibilitando sua
fixação em percentagem maior
pelo Secretário da Segurança Pública, esta Lei beneficiou também os aposentados, que as têm
incorporadas.
Consoante o ensinamento do
Hely Lopes Meirelles (Direito
Administrativo Brasileiro, pág.
449), as gratificações de serviço
não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são
auferidas na disponibilidade ou
aposentadoria, salvo quando a lei
expressamente o determina, por
liberalidade do legislador, como
no caso dos autores ( fls. 370/371).
Vale dizer, admitiu que, à vista
das circunstâncias especiais do caso e da legislação estadual citada,
não houve ofensa ao princípio constitucional que proíbe a revisão dos
proventos da Inatividade, salvo se,
por motivo de alteração do poder
aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dos funcionários em atividade (Constituição Federal, art. 102, 1?).
Tal entendimento constitui interpretação mais que razoável, pois
aquilo de que se cuida, na verdade,
não é a revisão de proventos da
inatividade, mas a correção do
percentual das gratificações aludidas, que na atividade já possuíam
os autores, apenas em base menor.
Ora, se o valor dessas gratificações foi elevado como medida de
caráter geral, extensiva a todos os
servidores da mesma categoria
profissional, inegavelmente haveria que abranger também os inativos.
Não se cogita de vantagem nova,
mas de direito que os inativos já tinham incorporado ao seu por ocasião da passagem para a reserva.
Portanto, a elevação do quantum,
ainda que depois da inatividade,
nas condições do caso em exame, à
evidência que beneficia os autores,
máxime se se considerar que nenhuma restrição a eles se fez.
A espécie, portanto, além de encerrar razoável interpretação do
preceito constitucional invocado,
não extravasa da simples interpretação e aplicação do direito local, o
que desautoriza a via excepcional
(Súmulas n?s 400 e 280).
Assim, pela letra a do permissivo constitucional, o recurso não pode ter seguimento.
R.T.J. — 109
Melhor sorte não encontra a recorrente pelo segundo fundamento
(CF, art. 119, Inc. III, letra d),
uma vez que não logrou demonstrar a efetiva ocorrência do
dissídio pretoriano a que aludiu.
Com efeito, ao contrário do que
afirma, os proventos da inatividade continuam a regular-se pela lei
vigente ao tempo da passagem dos
recorridos para a reserva, ocasião
em que já tinham incorporada,
repita-se, a respectiva gratificação
de serviço. O direito permanece o
mesmo; apenas o quantum do percentual foi alterado para mais, como medida de caráter geral. Inaplicável, por isso, o princípio genérico enunciado na Súmula n? 359.
De outra parte, a mera transcrição das ementas dos arestos relacionados com os Recursos Extraordinários n?s 77.305-SP e 78.235-SP
(fls. 377), não se presta à configuração da divergência, como exigem o art. 305 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e
a Súmula n? 291 (RJTJ 54/225).
Por fim, a hipótese apreciada no
recurso extraordinário n? 75.799,
também não se identifica e tampouco se assemelha ao caso dos
autos. Aqui os recorridos, ao se
transferirem para a reserva já
possuíam as gratificações de serviço incorporadas, que pela natureza
mesma, ensejaram o aumento do
percentual concedido pela Administração; lá a decisão censurada
pelo Excelso Pretório estendeu a
inativos gratificação concedida a
servidores em atividade.
Ademais, não esclarecem as
transcrições feitas (fls. 378/379),
qual o exato objeto da hipótese
examinada nesse aresto padrão,
bem como a natureza ou espécie
de vantagem que teria sido majorada.
3. Isto posto, indefiro o processamento do recurso» (fls. 399/406)
219
Processou-se todavia o recurso,
pelo provimento que dei, para melhor exame, ao Agravo de Instrumento n? 81.761.
Nas razões, o Estado recorrente
insiste na violação ao art. 102, § 1?,
da Constituição, e também no dissídio jurisprudencial, inclusive divergência com as Súmulas n? 359 e
339, esta última somente então referida.
Os recorridos argúem, em preliminar, o perdimento do objeto do recurso, uma vez que o Governador do
Estado já teria determinado a satisfação do pedido mediante providências da Procuradoria-Geral do Estado, «objetivando o estancamento das
ações judiciais eventualmente existentes e relacionadas com a matéria» (fls. 436 princ).
Diante de tal despacho governamental, não subsistiriam os poderes
outorgados aos Procuradores do Estado para prosseguir no feito.
Sobre tal ponto, já o processo nesta Suprema Corte, peticionaram alegando o fato novo do «estancamento» das ações, juntando dois acórdãos em que a matéria teria sido cogitada.
Determinei fossem juntos por linha a petição e os documentos que a
acompanharam.
Nas razões opostas ao recurso extraordinário, procuram os autores,
no mérito demonstrar que a ação
nada tem a ver com «revisão de proventos de aposentadoria, em decorrência de alteração do poder aquisitivo da moeda» (fls. 439), nem sobre
tal aspecto foi apreciada pelo acórdão recorrido.
Também argumentam com a falta
de similitude da causa em exame
com a matéria da Súmula n? 339,
porque aqui não se pedira equiparação por isonomia, mas seriam os autores detentores de direito próprio,
220
R.T.J. - 109
Dos autos não consta o texto da lei
em publicação oficial, mas os autores dele transcrevem, na inicial, a
parte precipua, ou seja, o art. 3? da
Lei Estadual n? 10.423, de 6-12-1971,
que assim dispôs:
«Os oficiais ou praças que, nos
estabelecimentos de ensino da Corporação ou em Cursos de Formação ou Especialização de Oficiais e
praças, exercerem as funções de
Instrutor ou de Auxiliar de Instrutor, farão jus à gratificação mensal fixada em até 40% ( quarenta
por cento), a qual será calculada
exclusivamente sobre o valor do
respectivo padrão numérico.
Parágrafo único. O disposto
neste artigo aplica-se também aos
oficiais e praças que, no órgão Assessor de Ensino do Comandante
Geral e estabelecimentos de ensino
da Corporação, exercerem funções
ligadas ao ensino» (fls. 8 fine-9 e
230 fine-31).
Daí, pedirem que se lhes deferisse
o aumento da gratificação, embora
inativos argumentando:
«Inegável a medida de Ordem
Geral espressa nesses tópicos da
Lei n? 10.423/71.
O aumento de valor das gratifiVOTO
cações de instrutor e de auxiliar de
instrutor destina-se a todos que a
O Sr. Ministro Dedo Miranda ( Repercebam, configurando, ao meslator): Os 69 autores, oficiais intemo tempo, inegável aumento de
grantes da Policia Militar do Estado,
proventos e vencimentos para os
percebiam, em atividade, gratificadetentores de tais gratificações, esção decorrente da função de Instrupecialmente se tivermos em conta
tor ou de Auxiliar de Instrutor.
que as mesmas se tornam parte inDe acordo com a legislação estategrante de seus vencimentos, após
dual, por terem exercido por cinco
sua incorporação, como acontece
anos ou mais aquela função, tiveram
no caso dos AA.
a gratificação incorporada aos vencimentos e levaram a vantagem paO valor das mencionadas gratifira a inatividade.
cações, que pela Lei n? 8.311/71,
era de até 20%, pela Lei n?
Já na inatividade, lei estadual aumentou o percentual da gratificação
10.423/71, passou a ser até 40%))
pelo exercício das referidas funções.
( fls. 9 princ.)
pois já tinham incorporado a vantagem a seus patrimónios, por ocasião
da passagem para a reserva.
No que se refere á divergência
com a Súmula n? 359, o despacho indeferitório do recurso já a afastara
com vantagem.
Quanto ao dissídio, sustentam que
os acórdãos trazidos a confronto
referem-se a Gratificação de Regime Especial de Trabalho Policial —
RETP, vantagem que seria distinta
da que ora se aprecia.
Nos casos trazidos a confronto,
pretendia-se uma vantagem criada
após a passagem para a reserva, enquanto aqui os autores recorridos já
tinham incorporado a gratificação,
ao passar á inatividade.
Argumentam ainda com a restrição contida no art. 325, IV, d, do Regimento Interno uma vez que se
aprecia relação estatutária, sem que
esta atinja «a própria relação jurídica fundamental», e com a Súmula n?
280, porque mais não fizera o acórdão do que interpretar leis estaduais.
A Procuradoria da República opina pelo conhecimento e provimento
do recurso ( fls. 464/9).
E o relatório.
221
R.T.J. — 109
As instãncias ordinárias acolheram o pedido, dizendo-se no acórdão
recorrido:
Essa Lei, elevando o teto do percentual das gratificações contém
medida de ordem geral em relação
aos que tenham direito às mesmas,
devendo, por isso, estender esse direito aos inativos, que já as incorporaram a seus proventos.
Ao elevar o teto das gratificações referidas, o texto legal não se
referiu apenas aos servidores em
atividade. Possibilitando sua fixação em percentagem maior pelo
Secretário de Segurança Pública,
esta Lei beneficiou também os aposentados, que as têm incorporadas» (fls. 371)
A matéria constitucional foi debatida, tanto que os ora recorridos, ao
falar sobre a contestação, rebatem a
alegação de ofensa aos § § 1? e 2? do
art. 102 da Constituição ( fls. 236
medio-237).
No relatório da sentença, ressaltou-se o argumento do Estado, de
que os aposentados não poderiam
perceber mais do que os em atividade (fls. 321 fine).
A sentença, porém, entendeu que
«o que se incorporou a seus proventos foi a gratificação e não o seu
quantum ou sua percentagem» (fls.
325).
Tenho para mim que a decisão recorrida se atrita com as Súmulas n?s
339 e 359 e ofende o disposto nos go§
1? e 2? do art. 102 da Constituição.
Quanto ao § 1?, porque o aumento
da gratificação não se pode equiparar a aumento de caráter geral em
virtude de alteração do poder aquisitivo da moeda.
Quanto ao § 2?, porque, não aplicavel o § 1?, passariam os inativos a
perceber na inatividade certa faixa
de remuneração por eles não percebida na atividade.
Ao serem reformados, os reco:intdos tiveram integrada em seus proventos, em decorrência de lei, a gratificação no percentual de 20%.
Já inativos, lei nova majorou o
percentual da gratificação aos que
«exercerem as funções de Instrutor
ou Auxiliar de Instrutor» (art. 3? da
Lei n? 10.423/71).
Os recorridos tiveram dereito a incorporar a gratificação de 20% aos
proventos. Quando houve a majoração da gratificação, destinada aos
que «exercerem as funções», portanto aplicável somente aos da atividade, já estavam reformados.
Não colhe o argumento de que a
incorporação se referia à gratificação e não ao seu quantum; ou ao que
tinham direito, aa_passar para a inatividade, e lhes foi concedido, era a
gratificação em determinado percentual.
A questão, que se diz nova, de ter
o Governo Estadual determinado o
«estancamento» da ação, porque a
resolveria administrativamente, não
impõe, como querem os recorridos, o
perdimento de objeto do recurso.
Tal questão já se levantara muito
antes, como se vê das razões de apelados dos ora recorridos ( fls. 344
mecho). Somente a desistência do
apelo, que não houve, poderia ter as
conseqüências pedidas.
Conheço do recurso extraordinário,
pela letra a, e lhe dou provimento,
para julgar improcedente a ação.
Custas e honorários de advogado,
estes no percentual de 10% sobre o
valor da causa, pelos recorridos.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 94.283-SP — Rel.: Min. Decio
Miranda. Recte.: Estado de São Paulo (Adv.: Marcia Rodrigues Machado). Recdos.: Adhemar Ferreira e
outros (Adv.: Ubirajara Silveira).
222
R.T.J. — 109
Decisão: Conhecido e provido nos
termos do voto do Ministro Relator.
Unânime. Ausente, ocasionalmente,
o Senhor Ministro Moreira Alves.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Dedo Miranda,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Ausente, ocasionalmente, o Senhor
Ministro Moreira Alves. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mauro
Leite Soares.
Brasília, 4 de novembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 94.991 (AgRg-EDc1) — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Soares Mufioz.
Agravantes: Cyrene Canedo Estelita e outros — Litisconsortes: Esmeralda Marques de Barros e outros e Ney Gomes de Carvalho — Agravado: Estado do Rio de Janeiro.
Prazo. Pauta de julgamento.
— Na contagem do prazo previsto no art. 552, 1?, do Código de
Processo Civil, incide a regra geral estabelecida no 2? do art. 184 do
mesmo Código, de sorte que, publicado o anúncio do julgamento de
recurso extraordinário no Diário da Justiça de sexta-feira, o julgamento não pode realizar-se na terça-feira subseqüente. Embargos declaratórios recebidos para anular-se o acórdão.
ção da nulidade do acórdão profeACORDA°
rido no mencionado recurso no dia
24 de novembro último, visto que o
Vistos,
anúncio do julgamento se fez no DJ
Acordam os Ministros do Supremo
de 20 do referido mês, sexta-feira,
Tribunal Federal, em Primeira Turnão
tendo decorrido entre as duas
ma, à unanimidade de votos e na
datas o prazo previsto no art. 83 do
conformidade das notas taquigráfiRegimento Interno do Supremo
cas, conhecer do agravo regimental,
Tribunal Federal. Desassiste, popara receber os embargos declaratórém, razão aos requerentes. O prarios e anular o acórdão, determinanzo de 48 horas é contado de minuto
do que o recurso seja incluído novaa minuto (RE 95.230), de sorte que,
mente em pauta para julgamento
entre os dias 20 e 24 decorreram
por esta Turma.
mais que 48 horas. Indefiro, pois, a
Brasília, 13 de abril de 1982 —
petição de fls. 302. Publique-se.
Soares Mufloz, Presidente e Relator.
Brasília, 4 de março de 1982» (fls.
308).
RELATORIO
As razões do agravo regimental
O Sr. Ministro Saores Mutloz: Vou deduzidas em telex autenticado, susler o despacho que deu ensejo ao tentam:
agravo regimental:
«Cyrene Canedo Estellita e ou«Vistos etc.
tros, recorridos no RE n? 94.991-7RJ, dos quais o signatário e um
Cyrene Canedo Estellita e oudos advogados, vem oferecer agratros, no RE n? 94.991-7, pedem, na
vo regimental, via telex, contra o
qualidade de recorridos, a declara-
R.T.J. — 109
respeitável despacho publicado DJ
onze corrente mês, com o que objetivam reinclusão processo em pauta, publicada que foi 20 novembro,
sexta-feira, e julgado recurso
terça-feira seguinte, dia 24.
Mesmo contado o prazo minuto a
minuto, o julgamento ocorreu, data
venia, sem a antecedência legal e
regimental, porque, a teor do art.
184, parágrafo 2? CPC e art. 1? 4,
parágrafo 2?, RISTE", publicada a
pauta numa sexta-feira, o prazo
passou a fluir do primeiro minuto
de segunda-feira, sem o decurso,
portanto, de 98 horas até terçafeira seguinte, quando foi julgado,
com inquestionável prejuízo dos recorridos em pretensão envolvente
de centenas de antigos funcionários.
Na hipótese improvável de não
ser reconsiderado o despacho de
Vossa Excelência, requerem os recorridos, ora agravantes, seja o
seu recurso submetido à colenda
Turma, para os fins de direito»
(fls. 310).
o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Soares Munoz (Relator): Adotei no despacho agravado
a orientação do precedente nele citado, da Segunda Turma, no RE n?
93.230, do qual foi relator o eminente
Ministro Moreira Alves.
Entretanto, anteriormente, a Primeira Turma, ainda na vigência do
Código de Processo Civil de 1939, decidiu:
Ementa: Prazo. Publicada a pauta numa sexta-feira, o prazo começaria a correr da segunda-feira seguinte. Audiência realizada na
terça-feira pela manhã. Contrariedade aos preceitos do art. 874, § 4?,
do Código de Processo Civil, e da
223
Lei n? 1.408/51. Recurso extraordinário conhecido e provido». (RTJ
34/453).
Foi relator do acórdão o eminente
Ministro Evandro Lins, acompanhado pelo não menos eminente Ministro Pedro Chaves, que, em seu voto,
observou:
«A publicação se fez, no Diário
Oficial, numa sexta-feira, que só
tem circulação aos sábados, quando o foro está fechado» (ob. cit.
pág. 455).
Ficou vencido o saudoso Ministro
Cândido Motta, o qual entendeu que
o edital foi publicado em tempo útil,
vale dizer, no dia 26-4-63, e o julgamento realizou-se a 30-4-63.
A hipótese desse precedente não é
idêntica á espécie sub judice, pois o
Diário da Justiça circulou no mesmo
dia em que foi editado — sexta-feira.
Mesmo assim, tenho que a melhor
orientação é a propugnada pelos
agravantes Não há dúvida de que o
prazo por horas é contado de minuto
a minuto, mas menos verdade não é
que sobre ele incide, como em todos
os prazos processuais, a regra do §
2? do art. 184:
«Os prazos somente começam a
correr a partir do primeiro dia útil
após a intimação.»
Comentando o art. 552, § 1?, do Código de Processo Civil, Sergio Bermudes pondera que, na contagem do
prazo de quarenta e oito horas, a regra do § 2? do art. 184 deve ser considerada (vol. VII, pág. 374).
De seu turno Pontes de Miranda,
interpretando o art. 874; § 4?, do Código de 1939, dispositivo que corresponde ao art. 552, § 2?, do atual, escreveu:
«O art. 874, § 4?, exige que entre
a data da publicação do edital e a
sessão do julgamento medeiem,
pelo menos quarenta e oito horas.
Portanto, que, entre a meia noite
224
R.T.J. — 109
do dia em que foi publicado o edi- sos no Tribunal. Mas, sem dúvida altal e o minuto em que começou o guma, esse lapso de tempo previsto,
dia para o qual se marcou a sessão entre a noticia do julgamento e a sua
e se realizou, hajam decorridas, realização, tem o objetivo certo de
pelo menos, quarenta e oito horas permitir às partes o exercício da de(in. Coments. do Cód. de Proc. Civ. fesa no momento do julgamento do
processo no Tribunal. A lei estabelede 1939, pág, 321, 2? ed.).
medeie, no mínimo, o espaço
art. 125, § 4?, do Código Civil, ce que
98 horas. Esse tempo de que cogiconsoante o qual «os prazos fixados de
a lei não pode ser tratado sem a
por hora contar-se-ão de minuto a ta
aplicação da norma geral que o Cóminuto», não afasta, nos prazos pro- digo
estabelece, para a fluência de
cessuais, a incidência do § 2? do qualquer
prazo, no interesse das parart. 184 do Código de Processo Civil,
Assim sendo, aplicando o § 2? do
já que este dispositivo não abre ne- tes.
art. 184, à hipótese, e o § 1? do art.
nhuma exceção, aplicando-se a qual- 552,
ambos do CPC, há de se considequer espécie de prazo processual rar esse
espaço de 48 horas, a partir
(STF, RF 160/163 e 164).
do primeiro dia útil após a publicaAnte o exposto, conheço da petição ção, contando-se o mesmo como prade fls. 310 como agravo regimental zo de defesa das partes.
ao despacho de fls. 308, que, de seu
turno, importou rejeição liminar do
Assim sendo, a publicação da paupedido de fls. 302, como se fossem ta feita às sextas-feiras não viabiliza
embargos declaratórios, e estes re- o julgamento do feito em sessão de
cebo para anular o acórdão de fls. terça-feira.
282/301 e determinar que o recurso
seja incluído novamente em pauta
para julgamento pela Primeira TurEXTRATO DA ATA
ma.
RE n? 94.991-(AgRg-EDcI)-RJ —
VOTO
Rel.: Min. Soares Muãoz. Agtes.:
Cyrene Canedo Estellita e outros.
Sr. Ministro Néri da Sllveira: Sr. (Advs.: Vicente de Faria Coelho e
Presidente. Também entendo que a outro). Litisconsortes: Esmeralda
norma do art. 189, § 2?, do CPC, con- Marques de Barros e outros. (Advs.:
soante à qual os prazos somente co- Waldemar Zveiter e outro) Ney Gomeçam a correr a partir do primeiro mes de Carvalho. (Adv.: Celso Gadia útil após a intimação, aplica-se à briel de Rezende Passos). Agdo.: Eshipótese de publicação das pautas tado do Rio de Janeiro. (Adv.: Ricarpara julgamentos, nos Tribunais, a do Cesar Pereira Lira).
teor do que estabelece o art. 552, §
1?, do mesmo diploma legal. Sem
Decisão: Conheceram do Agravo
dúvida, o prazo previsto nesse dispo- Regimental, para receber os Embarsitivo tem o objetivo de garantir às gos Declaratórios, e anular o acórpartes o acompanhamento do feito dão, determinando que o recurso setambém no instante em que ele deva ja incluído novamente em pauta paser julgado. E prazo que se reserva ra julgamento por esta Turma. Deciàs partes para a defesa de seus inte- são unânime.
resses. Sua natureza não é recursal.
Código vigente, como o anterior,
Presidência do Senhor Ministro
inscreve essa norma entre as que Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
dispõem sobre a ordem dos proces- Senhores Ministro Rafael Mayer,
R.T.J. — 109
225
Néri da Silveira e Alfredo Buzaid —
Brasília, 13 de abril de 1982 —
Subprocurador-Geral da República,. Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Dr. Francisco de Assis Toledo.
Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 95.046 — SP
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: João Vicale — Recorrida: Olga Ribeiro.
Desquite. Casamento contraído sob regime de absoluta separação. Partilha de bens adquiridos pelo marido na constância do casamento.
Coisa Julgada.
Em anterior Julgado, referente ao desquite litigioso dos deman-
dantes, que eram casados pelo regime da separação absoluta, foi negada a partilha dos bens pleiteada pela desquitanda, ao fundamento
de que se tal partilha fosse admitida, estaria sendo negada vigência
ao art. 256 do Código Civil. Em tal oportunidade foi expressamente
decidido que não tinha a mulher direito de acionar seu ex-marido para exigir a partilha dos bens porventura adquiridos na constância do
casamento e incorporados ao patrimônio daquele, embora sob o
fundamento que teriam defluído do trabalho comum de ambos (sociedade de fato), pois não era possível admiti-ia na constância do casamento.
Configura-se, assim, «coisa Julgada» a decisão quanto àquela impossibilidade, a impedir demanda, proposta pela ex-esposa, que vise
exatamente a obter a partilha dos bens adquiridos na constância do
casamento e que integrem o patrimônio do ex-marido.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Segunda Turma, na conformidade da
ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer do recurso para lhe dar
provimento.
Brasília, 4 de outubro de 1983 —
E:0cl Falcão, Presidente — Aldir
Passarinho, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): O despacho que admitiu o
recurso extraordinário, da lavra do
ilustre Desembargador Henrique Augusto Machado ( fls. 393/397), bem
esclarece a controvérsia e sobre ela
disserta, verbis:
«1. No desquite contencioso do
casal João Vicale e Olga Ribeiro,
esta pretendeu a partilha dos bens
adquiridos na constância do casamento, embora contraído sob o regime de absoluta separação. Não
obteve êxito, porque, em grau de
recurso extraordinário, o Egrégio
Supremo Tribunal Federal decidiu
que a partilha não podia ser feita,
sob pena de ser negada vigência ao
artigo 256 do Código Civil.
2. Pela presente ação ordinária,
ela reclamou a partilha por mea-
226
R.T.J. — 109
ção dos bens adquiridos em nome
dele e pelo esforço comum de ambos.
A sentença de fls. 211/217 reconheceu a ocorrência de coisa julgada e em conseqüência julgou extinto o processo, nos termos do artigo
267, V, do Código de Processo Civil.
Em grau de apelação, porém, essa decisão foi reformada pelo acórdão de fls. 259/260 que afastou a
coisa julgada e determinou proferisse o MM. Juiz sentença de mérito, tendo o acórdão de fls. 371/373
rejeitado os embargos infringentes
contra ele opostos.
Inconformado, João Vicale
interpôs o recurso extraordinário
de fls. 378/382 com fundamento nas
letras a e d do permissivo constitucional, insistindo na ocorrência da
coisa julgada e alegando que o
acórdão vulnerou o artigo 153, 3?,
da Constituição Federal, e violou
os artigos 256 e 259 do Código Civil,
pondo-se em divergência, ainda,
com a referida decisão da Suprema Corte, de fls. 117/145.
A recorrida ofereceu impugnação (fls. 384/391).
5. A questão não se apresenta
de fácil solução, diante das divergências que suscitou perante o
Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Assim é que o eminente Relator,
Ministro Thompson Flores, embora
não admitisse a partilha no desquite em casamento contraído sob o
regime de absoluta separação de
bens, ressalvava à mulher o direito
de
reclamar meação nos bens
havidos pelo esforço comum» ( fls.
122),
com o que se pôs de acordo o eminente Ministro Leitão de Abreu, pois
Sua Excelência não conhecia do recurso por admitir a razoabilidade
da interpretação dada pelo acórdão recorrido, aduzindo:
«Acresce que a decisão recorrida perfilha, também, a jurisprudência da 4? Cãmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
segundo a qual o enunciado da
Súmula n? 377 teve em mira, sem
dúvida, a existência de aquestos
que procedessem do esforço conjugado dos nubentes, da sua colaboração comum, do seu trabalho
harmônico e não dos que proviessem da atividade isolada de
um deles. O esforço comum é,
pois — reza esse julgado — que
imprime aos aquestos a força de
sua comunicabilidade» ( fls. 140).
Do lado oposto, entretanto, se colocaram os eminentes Ministros
Moreira Alves (fls. 123/124) e
Cordeiro Guerra (fls. 127/130), que
se opuseram à ressalva, sob o fundamento de que, com ela, se criaria precedente sério, como
«... o de se admitir sociedade
de fato entre casados pelo fato de
serem casados» (fls. 123).
6. Aliás, ficou assim redigido o
resultado desse julgamento:
«Conheceram do recurso, contra o voto do Ministro Leitão de
Abreu, e lhe deram provimento,
unanimemente, sendo que os Ministros Relator e Leitão de Abreu
o faziam com ressalva à recorrida» ( fls. 144).
E esta é a ementa consignada:
«Casamento. Regime de absoluta separação de bens, estipulado através de pacto antenupcial.
Desquite. A determinação do acór-
R.T.J. — 109
dão recorrido de proceder-se à
partilha dos bens adquiridos na
constância da sociedade conjugal
importa em negação de vigência
do disposto no artigo 256 do Código Civil. Recurso extraordinário
conhecido e provido» (fls. 145).
7. Diante de tais manifestações,
convém se manifeste a Suprema
Corte, agora admitida a alegação
de ter o acórdão recorrido contrariado o apontado dispositivo da
Constituição Federal e negado vigência aos indicados artigos do estatuto civil.
Defiro, em conseqüência, o processamento do recurso extraordinário.»
2. Nesta Suprema Corte, pronunciou-se a douta Procuradoria-Geral da
República, em parecer do Dr. Mauro
Leite Soares, no sentido de que seja
conhecido e provido o recurso extraordinário, a fim de que, reformado o acórdão recorrido, fique mantida a decisão singular, que reconheceu a ocorrência de coisa julgada
(fls. 424/429).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): O parecer da douta
Procuradoria-Geral da República é
do seguinte teor:
«3. O Tribunal a quo, por maioria, reformou a sentença de primeira instância, para, afastada a
coisa julgada, ser a causa apreciada pelo mérito, entendendo que,
fls. 259, verbis: «Não ocorreu, todavia, coisa julgada, considerando-se
que, embora idênticas as partes e
a coisa pedida, outra era a causa
petendi, uma vez que, naquela
ação, não se cogitou da aquisição
de bens pelo esforço comum dos
227
cônjuges ou do locupletamento ilícito, matéria do Direito das Obrigações, mas, tão-somente, de mera
partilha de bens em execução de
ação de desquite, matéria essa relativa a Direito de Familia. Além
disso, o despacho saneador, transitado em julgado, já havia rejeitado, implicitamente, a questão da
coisa julgada.»
Interpostos embargos infringentes, estes foram rejeitados por
maioria.
Apoiado nas letras a e d do
permissivo constitucional, alega o
recorrente contrariedade ao art.
153, § 3?, da Constituição e violação
dos arts. 256 e 259 do Código Civil.
Com efeito, em ação de desquite movida pela recorrida contra
o recorrente, em grau de Recurso
Extraordinário, n? 80.496. assim se
expressou, fls. 54, o Eminente Relator Ministro Thompson Flores:
«Conheço do recurso e lhe dou
provimento, ressalvando à recorrida o direito de acionar o recorrente para exigir a partilha dos
bens porventura adquiridos na
constância do casamento e incorporados a seu patrimônio, os
quais teriam defluído do trabalho
comum de ambos (sociedade de
fato)»
Ocorre que o recurso foi provido sem a ressalva feita pelo Ministro Thompson Flores. Declarou
o Eminente Ministro Moreira Alves, fls. 56, verbis:
«Entendo, como V. Exa., que o
recurso deve ser conhecido e provido. Com efeito, em face do art.
259, conjugado com o art. 258, parágrafo único, do Código Civil, é
indubitável que o regime da separação de bens se distingue em
regime de separação convencio-
228
R.T.J. - 109
nal e regime de separação legal,
também denominado regime de
separação obrigatória. Por outro
lado, da simples leitura do art.
259, verifica-se que o regime da
separação convencional se subdivide em regime de separação absoluta e regime de separação
convencional relativa. Absoluta,
quando constar do pacto antenupcial que os nubentes estipularam a separação de todos os
bens passados, presentes e futuros; relativa, quanto ao pacto não
constar essa cláusula de exclusão
de bens futuros ou adquiridos
posteriormente ao casamento.
Até aí, estou de inteiro acordo
com V. Exa., porém, divirjo de
V. Exa., quando faz a ressalva
relativa à sociedade de fato, porque, com isso, se criará um precedente que, a meu ver, é sério:
o de se admitir sociedade de fato
entre casados pelo fato de serem
casados. A ressalva feita por V.
Exa., vincula, ao Direito de
Família, a possibilidade do estabelecimento de sociedade de fato,
tão-só pelo vínculo matrimonial.
Dirá V. Exa. que, com isso, estarei cometendo uma iniqüidade, porque dou mais à concubina
do que à mulher legítima. Não,
não estou por esta razão: dá-se à
concubina participação — e daí a
tese que sempre defendi —, não
em decorrência de suas relações
pessoais com o concubino, mas
pela circunstância de que, com
base no direito das obrigações, se
estabeleceu entre eles uma sociedade de fato.»
8. De igual, vale transcrever
passagem do voto do Eminente Ministro Cordeiro Guerra, fls. 61,
verbis:
((Na hipótese, ficou bem convencionado um regime de sepa-
ração absoluta de bens. Verificase, pela simples convenção, que
os contratantes eram pessoas
alertas, de condição social esclarecida, porque dispunham para o
futuro com todas as cautelas. Assim, é de se presumir que não tenham feito uma negociação promíscua e comum; é uma presunção que decorre do contrato.
Para mim, não é possível uma
sociedade de fato entre cônjuges.
No casamento existem relações
patrimoniais que são reguladas
pelo regime de bens, e a conjugação de esforços não deflui da
affectio societatis, mas do dever
de mútua assistência, da colaboração, e a administração do marido decorre, não de uma administração societária, mas da própria lei, como chefe da sociedade
conjugal, etc. ...»
No mesmo sentido, fls. 76, o
voto do Eminente Ministro Xavier
de Albuquerque.
Assim, com acerto reconheceu a sentença de fls. 211/217 a
ocorrência de coisa julgada. Opondo-se a ela, como o fez o acórdão
recorrido, desatendeu ao principio
erigido em garantia individual na
própria Constituição, art. 153, § 39.
11. Isto posto, somos pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário a fim de, reformando o acórdão recorrido, mantida ser a sentença inicial.»
Entendo eu, de acordo com o parecer que vim de ler, que se encontra
caracterizada a coisa julgada material, a impedir a propositura de nova
ação — que é a presente — e que,
afinal, sob roupagem nova repetiria
o pedido inicial, tanto é certo que,
R.T.J. — 109
assim compreendendo, os votos majoritários eliminaram a ressalva
contida no voto do Sr. Ministro
Thompson Flores.
229
E o Sr. Ministro Xavier de Albuquerque, a seu turno, expressamente
enunciou, no seu voto:
«De sorte que, não só conheço do
recurso
e lhe dou provimento, coNão foi apenas pela fundamentamo
excluo,
à semelhança do emição do acórdão que se teria como hanente Ministro Moreira Alves, a
vendo sido examinada a questão. E
ressalva que o eminente Ministro
que a expressa ressalva do voto do
Leitão
de Abreu houve por bem
Sr. Ministro Thompson Flores, seconsignar.» (fls. 76)
gundo a qual poderia a então recorrida «acionar o recorrente para exiDeste modo, indiscutivelmente a
gir a partilha dos bens porventura decisão
majoritária expressamente
adquiridos na constância do casa- excluiu a ressalva posta no voto do
mento e incorporados ao seu patriMinistro Thompson Flores, e ao
mônio, os quais teriam defluído do Sr.
qual aderira o Sr. Ministro Leitão de
trabalho comum de ambos (socieda- Abreu. Assim sendo, ficou decidido
de de fato)» foi também expressa- que não se encontrava aberta a pormente inadmitida nos votos de três ta à demandante para pleitear partiIlustres integrantes da assentada jul- lha de bens porventura adquiridos
gadora, os Srs. Ministros Moreira na constância do casamento e incorAlves, Cordeiro Guerra e Xavier de porados ao patrimônio do marido.
Albuquerque.
Pelo exposto, conheço do recurso e
Na verdade, o ilustre Ministro Mo- lhe dou provimento, para reformar o
reira Alves assim concluiu o seu vo- v. acórdão e restabelecer a r. sentença de primeiro grau.
to:
E o meu voto.
«Dou provimento ao recurso e
data venta de V. Exa. inadmito a
EXTRATO DA ATA
ressalva, dizendo mesmo que não é
possível haver sociedade de fato
RE 95.046-SP — Rel.: Min. Aldir
entre cônjuges, dentro do lar» (fls. Passarinho. Recte.: João Vicale
65).
(Advs.: Mozart Leite de Sá e outro).
Recda.: Olga Ribeiro ( Advs.: AntôO Sr. Ministro Cordeiro Guerra, nio de Arruda Sampaio e outros).
após as considerações que expendeu
Decisão: Conhecido e provido nos
e já acima lidas, declarou expressamente, ao concluir seu pronuncia- termos do voto do Ministro Relator.
Unânime.
mento:
Presidência do Senhor Ministro
«Eles contrataram a absoluta se- Djaci
Falcão. Presentes á Sessão os
paração de bens, não pode haver Senhores
Ministros Moreira Alves,
comunicabilidade desses bens.
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorAssim, ressalvando meu ponto Geral da República, Dr. Mauro Leite
de vista, louvando o espírito cria- Soares.
dor do Eminente Ministro Leitão de
Abreu, não adiro a tal entendimenBrasília, 4 de outubro de 1983 —
to com a devida vênia. Também Hélio Francisco Marques, Secretáexcluo a ressalva » (fls. 75)
rio.
R.T.J. — 109
230
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 95.078 — BA
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Rede Ferroviária Federal S.A. — Recorrido: José Campos
Cerqueira.
Reclamação trabalhista. Funcionário público federal, cedido à
RFFSA, não optante pelo regime da CLT, com o advento da Lei n?
6.184/1974, e devolvido à União. Exercendo o mandato de Vereador,
pretende complementação salarial, a partir de outubro de 1975. Não
cabe à Justiça do Trabalho o processo e Julgamento do feito, por não
ser esta competente para Julgar reclamação, de natureza salarial e
assento estatutário, formulada por funcionário público federal, Já devolvido à União. Recurso extraordinário conhecido e provido, para
cassar a decisão, por incompetência da Justiça do Trabalho.
ACÓRDÃO
cargo», porque exerce a vereança
remunerada, mas não foi dispensaVistos, relatados e discutidos esdo do serviço pela Empresa, que
tes autos, acordam os Ministros da
lhe toma o trabalho a baixo preço.
Primeira Turma do Supremo TribuNão sendo funcionário público na
nal Federal, na conformidade da ata
reclamada, o seu pedido deve ser
de julgamentos e notas taquigráficas,
tratado segundo a filosofia que insà unanimidade, conhecer do recurso
pira a tutela trabalhista».
extraordinário e lhe dar provimento,
Inconformadas com a decisão, innos termos do voto do Ministro- terpuseram as partes recurso de reRelator.
vista, que, inadmitido pelo despacho
Brasília, 15 de outubro de 1982 — de fls. 18/19, sob o argumento de falRafael Mayer, Presidente — Néri da ta de fundamentação, ensejou agraSilveira, Relator.
vo de instrumento interposto pela reclamada, ao qual a 2? Turma do TriRELATORIO
bunal Superior do Trabalho, em votação unânime, negou provimento,
O Sr. Ministro Néri da Silveira afirmando o acórdão de fls. 44/45,
(Relator): Julgando procedente, em que a decisão do Tribunal Regional
parte, recurso ordinário interposto «foi tomada à luz da prova e com bapor José de Campos Cerqueira, fun- se em fatos», não vislumbrando, ascionário cedido à Rede Ferroviária sim, o julgamento ultra petita, alegaFederal S.A., em que postulou paga- do pela RFFSA. Não prosperandD os
mento de diferenças e complementa- embargos opostos (fls. 53), interpôs
ção salarial; em face de exercer o a Empresa agravo regimental, a que
mandato eletivo de Vereador à Câ- negado provimento por unanimidade
mara Municipal de Rio Real — BA, (fls. 62).
o Tribunal Regional do Trabalho da
Irresignada, recorre, extraordina5? Região sintetizou seu entendi- riamente, a Rede Ferroviária Fedemento nesta ementa (fls. 7):
ral S.A com apoio nos arts. 119,
«Não tem aplicação, no caso, o art. Item III, alínea a, da Constituição
99, 2? da C. Federal, porque o Federal, no qual, sustentando a inEmpregado pleiteia «complemen- competência da Justiça do Trabalho,
tação», jamais a «remuneração de por envolver funcionário público,
R.T.J. tem como vulnerados os arts. 110,
121, item I, e 142, da Constituição Federal, bem assim os arts. 99, 2?,
104, §§ 1 ? e 3?, e 153, 2?, da mesma
Lei Fundamental.
Indeferido o processamento do
apelo excepcional, pelo despacho de
fls. 81, subiram os autos a este Tribunal, por ter sido provido o Agravo
de Instrumento n? 82.306-9/BA, em
apenso.
Manifestando-se no feito, opinou a
douta Procuradoria-Geral da República pelo conhecimento e provimento do Recurso Extraordinário, por entender incompetente a Justiça do
Trabalho para apreciar a espécie
(fls. 95/97).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): A ilustrada ProcuradoriaGeral da República fundamentou seu
entendimento, acerca da incompetência da Justiça do Trabalho, na espécie, matéria questionada, desde a
instância inaugural, como se vê da
sentença, nos seguintes termos ( fls.
96/97):
«4. Parece-nos procedente a impugnação derradeira quanto à incompetência da Justiça especializada.
5. Os fatos são certos no referente á condição jurídica de servidor público cedido do ora recorrido. O acórdão de fls. 7 diz da sua
condição de funcionário público federal, cedido e devolvido ao órgão
público de origem; a recorrente, às
fls. 14, transcreve documento que
ratifica o alegado anteriormente e
o mesmo acórdão regional, fls. 9,
declara que o servidor cedido deve
ser tratado como empregado subordinado, não se lhe aplicando o
Estatuto dos Funcionários Públicos
da União. Ora, à evidência, não é a
devolução do servidor público cedi-
109
231
do aos quadros do Ministério dos
Transportes que caracteriza a condição de servidor público. Tal condição preexistente é garantida pela
lei, em favor do próprio servidor
cedido, conforme Lel n? 3.115/57.
6. Portanto, não se trata de reexame de matéria de fato, mas,
sim, de sua qualificação jurídica,
conforme acentuou o Egrégio Supremo Tribunal no RE n? 91.647,
Relator Ministro Moreira Alves,
sessão de 26-6-81:
«Esse exame, com relação à
competência, não pode ser afastado do âmbito de apreciação
desta Corte, pela circunstáncia
de a Justiça Trabalhista, contra
fato certo que ela própria reconhece, dar a ele qualificação
Jurídica diversa da inequivocamente correta, para vislumbrar
relação de emprego, e, portanto,
decidir a questão como estando
situada no âmbito de sua jurisdição constitucional, que é restrito
às relações realmente de trabalho».
7. Finalmente, ao lado do invocado RE n? 91.652, Relator Ministro
Xavier de Albuquerque, temos, dos
mais recentes, o acórdão proferido
no CJ n? 6.322, Relator Ministro
Néri da Silveira, ementado no DJ
de 6-8-82, declarando a incompetência da Justiça do Trabalho para a
causa em exame, envolvendo reclamação de funcionário público
federal cedido à recorrente».
No Julgamento do CJ n? 6.322-9 —
São Paulo, o Plenário decidiu, em
aresto de que fui relator, assim
ementado:
«Competência. Funcionários públicos federais, cedidos à RFFSA,
não optantes pelo regime da CLT,
com o advento da Lei n? 6.184, de
1974, e devolvidos á União. Suas irresignações e reclamações, decorrentes das conseqüências da nãoopção prevista 'na indicada Lei,
232
R.T.J. — 109
vo e do quadro a que pertence,
não devem ser processadas e julinclusive, se for o caso, para efeigadas pela Justiça do Trabalho,
to de sua posterior redistribuimas, sim, pela Justiça Federal. As
00».
conseqüências da não-opção pelo
regime da CLT, que alegam lhes
Por conseguinte, comprovada a
foram desfavoráveis, não resultanão integração dos reclamantes
ram de ato da RFFSA, mas da inaos quadros da reclamada, não
cidência de norma de índole estalhes será lícito por certo postular
tutária regente do serviço público
direitos trabalhistas junto à Justida União.
ça Especializada, por não ser esta
competente para julgar reclamaConflito conhecido, para declarar
a competência da Justiça Fedeção formulada por funcionário púral».
blico federal que, ex vi legis, voltou
a ser colocado à disposição da
No caso concreto, a «complemenUnião Federal, com quem efetivatação salarial» pretendida consiste
mente mantém vínculo de ordem
na diferença entre a remuneração
estatutária, e não contratual».
recebida na Câmara Municipal e a
retribuição de seu cargo, como serPor sua vez, o Decreto n? 75.478,
vidor público federal.
de 14 de março de 1975, determinou
Com efeito, a Lei n? 6.184, de 1974, que a RFFSA deveria enviar ao
DASP a relação do pessoal não inteestabeleceu, em seu art. 3?, verbis:
grado, como no caso do reclamante,
«Os funcionários que permanece- para
posterior redistribuição.
rem no regime estatutário poderão Reza,sua
efetivamente,
seu art. 3?:
concorrer à inclusão no Plano de
«Efetivada a integração, as entidaClassificação de Cargos de que trades a que se refere este Decreto
ta a Lei n? 5.645, de 10 de dezemencaminharão ao Orgão Central do
bro de 1970, para o preenchimento
Pessoal Civil da Administração Fede claros na lotação dos Ministéderal — SIPEC, a relação:
rios, órgãos integrantes da Presidência da República e Autarquias
I — OMISSIS;
Federais, na conformidade das
II — do pessoal não integrado,
normas legais e regulamentares
com indicação do cargo respectipertinentes».
vo e do quadro a que pertence,
Por sua vez, o Decreto n? 75.478,
inclusive, se for o caso, para efeide 14 de março de 1975, impôs á reto de sua posterior redistribuiclamada a obrigação de enviar ao
Ção».
DASP a relação do pessoal não inTratando-se, no caso, de completegrado, como no caso dos reclamantes, para sua posterior redis- mentação salarial, a partir de oututribuição. E o que se lê do seu art. bro de 1975, bem de ver é que tal já
sucedeu, na vigência do Decreto n?
3?:
de 14 de março de 1975, não
«Efetivada a integração, as enti- 75.478,
ao reclamante postular o
dades a que se refere este Decre- cabendo
que
pretende,
perante a Justiça esto encaminharão ao Orgão Cen- pecializada do Trabalho,
por não ser
tral do Pessoal Civil da Adminis- esta competente para julgar
reclatração Federal — SIPEC, a rela- mação formulada por funcionário
ção:
público federal, que, ex vi legis, reI—
tornou à disposição da União FedeII — do pessoal não integrado, ral, com quem efetivamente mancom indicação do cargo respecti- tém vínculo de índole estatutária.
4
R.T.J. — 109
Do exposto, conheço do recurso e
lhe dou provimento, para reconhecer
a incompetência da Justiça do Trabalho, na espécie.
EXTRATO DA ATA
RE n? 95.078-BA — Rel.: Min.
Néri da Silveira. Recte.: Rede Ferroviária Federal S.A. (Advs.: Osmar
Fialho e outros). Recdo.: José Campos Cerqueira (Advs.: Rubem José
da Silva e outros).
Decisão: Conheceu-se do recurso
extraordinário e se lhe deu provi-
233
mento, nos termos do voto do
Ministro Relator. Decisão unânime.
Presidiu o julgamento o Ministro Rafael Mayer, na ausência, ocasional,
do Ministro Soares Mufloz.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mutioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 15 de outubro de 1982 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO N? 95.149 (AgRg) — DF
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Agravante: Benedito Felipe Ráuen — Agravado: União Federal
Ministério Público Militar. Provimento. em comissão, do cargo de
Subprocurador da Justiça Militar. Lei n? 6.788/80, reestruturadoras
das carreiras do Ministério Público da União.
O desdobramento de cargo de carreira e cargo de provimento em
comissão, por integrante da carreira do Ministério Público, como prevê a lei impugnada, que reestruturou as carreiras do Ministério Público da União, não afronta o texto constitucional, que se refere ao
Procurador-Geral da República como Chefe do Ministério Público e
ao ingresso na carreira mediante concurso de provas e findos.
Não se apresenta relevante a argüição de afronta ao § 1? do art.
95 da Lel Magna. Inviabilidade do recurso extraordinário. Correto o
despacho que o inadmitiu. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, à unanimidade
de votos e na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, em negar provimento ao agravo regimental.
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Cuida-se de agravo regimental, oportu-
Brasília, 3 de fevereiro de 1984 —
Djaci Falcão, Presidente e Relator.
namente interposto, contra o seguinte despacho:
«Lê-se no despacho que inadmitiu o recurso extraordinário:
Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Benedito
Felipe Ráuen, Procurador de
Primeira Categoria da Justiça
Militar, contra ato do Senhor Mi-
R.T.J. — 109
234
nistro da Justiça, que nomeou o
Procurador de Primeira Categoria da Justiça Militar, Dr. Antonio Brandão Andrade, para exercer o cargo, em comissão, de
Subprocurador-Geral da Justiça
Militar.
Sustenta, na inicial, o seguinte:
«No tocante à aplicação do
art. 14 da Lei n? 6.788/80, é flagrante a sua inconstitucionalidade, porque não observados os
princípios que regem a matéria.
Assim é que o artigo 95, § 1?,
da Constituição vigente declara
que os membros do Ministério
Público da União, do Distrito
Federal e dos Territórios ingressam nos cargos iniciais de
carreira, mediante concurso
público de provas e de títulos,
ao mesmo tempo em que o artigo 2? da Lei n? 1.341, de 30 Jan.
51, estabelece que os cargos do
Ministério Público da União,
salvo o de Procurador-Geral,
serão providos em caráter efetivo e constituem carreira, nos
termos desta lei, o que vale dizer que o cargo de Subprocurador-Geral constitui o final da
carreira no Ministério Público.»
Com o advento do Decreto-lei
n? 267, de 28 de fevereiro de 67,
estatuiu-se que:
«Art. 4?. O cargo de Subprocurador-Geral será provido em
caráter efetivo, por escolha do
Presidente da República, dentre os Procuradores que hajam
ingressado na carreira e nela
contem mais de dez anos de
serviço,
situação essa que não foi alterada, a não ser no tocante ao
provimento do cargo, por força
das disposições da Lei n? 5.843,
de 6 de dezembro de 72, isto é,
Art. 8?. E criado um cargo
em comissão de Subprocurador-Geral junto à Justiça Militar, cujo provimento é condicionado à vacância do atual cargo
efetivo de igual denominação,
que se extinguirá quando vagar,
o que não alterou o principio
estabelecido pelo parágrafo
único do mencionado artigo 2?
da Lei Orgânica do Ministério
Público, in verbis:
Parágrafo único. O cargo de
Subprocurador-Geral da República será provido por merecimento, dentre os procuradores
colocados nos dois primeiros
terços da categoria imediatamente anterior por ordem de
antigüidade,
principio esse que vinha norteando todos os provimentos de
cargos semelhantes do Ministério Público da União.
De outra parte, o artigo 14 da
Lei n? 6.788/80, em que se arrimou a nomeação, apenas declara que
Art. 14. Os cargos de Subprocurador-Geral da República, Subprocurador-Geral da
Justiça Militar e Subprocurador-Geral da Justiça do Trabalho são de provimento em co-missão, cujo exercício é deferido exclusivamente a Procuradores da República, Procuradores Militares e Procuradores do
Trabalho, no âmbito da respectiva instituição,
o que em nada alterou o
Processo de provimento dos
cargos, que continua sendo o
estabelecido pela Lei Orgânica
do Ministério Público e pelo
Decreto-lei n? 267/67, que tanto
R.T.J. — 109
se ajusta aos cargos de provimento efetivo, assim como aos
de provimento em comissão.
Assim, foi nomeado para o
cargo de Subprocurador-Geral
o Procurador Humberto A.S.
Ramos com fundamento na citada Lei n? 1.341/51 e no art. 4?
do Decreto-lei n? 267/67, combinado com o art. 8? da Lei n?
5.843/72, em que se observa que
a forma de provimento mudou,
mas não alterou os procedimentos da escolha, quando era
Diretor do DAJ do Ministério
da Justiça o hoje eminente Ministro Washington Bolívar, o
que vale dizer que aquela Secretaria de Estado reconheceu
a vigência da legislação, que
não poderia ter sido revogada
pela recente Lei n? 6.788/80,
cujo artigo 14 em nada a contraria.
Todavia, para a nomeação
do Procurador Paulo Duarte
Fontes e agora para a do Procurador Antonio Brandão Andrade, o Exmo. Sr. Ministro
de Estado da Justiça houve por
bem omitir o referido enquadramento, sem que a Constituição e as leis vigentes o autorizassem a tanto.
Na verdade, dispõe o art. 153
do Estatuto Supremo que todos
são iguais perante a lei (* 1?),
ao mesmo tempo em que o Código Civil declara que a lei posterior revoga a anterior quando
seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei
anterior (Lel de Introdução, artigo 2?, 1?), de modo que o
tratamento desigual e a infração aos dispositivos constitucionais e legais, sem sombra de
dúvida, prejudicaram o Impetrante.» (fls. 4/6)
235
Foi determinada a citação do
Dr. Antonio Brandão de Andrade,
litisconsorte necessário.
Solicitadas as informações,
prestou-as a ilustre autoridade
ministerial, afirmando, em síntese, a inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão
do impetrante e a ausência de
vicio de ilegalidade no ato atacado.
O Plenário desta Corte indeferiu o mandado, conforme acórdão assim ementado:
«O Direito Constitucional, Administrativo e Processual Civil
— Mandado de Segurança —
Legitimação ativa — art. 95
1? da Constituição Federal —
art. 14 da Lei n? 6.788/80 — Delegação de Competência para
nomear — Subprocurador-Geral da Justiça Militar — provimento em comissão
requisitos.
Tem legitimidade para impetrar mandado de segurança
que apóia o pedido em direito
de concorrer á escolha, para
efeito de nomeação para o cargo. Precedentes do Alto Pretorio.
Conciliabilidade da Lei n?
6.788/80 com o 1? do art. 95 da
Constituição Federal já que o
requisito da estruturação em
carreira pode ser satisfeito
com sua limitação às duas categorias atualmente existentes.
Constitucionalidade do art. 14
referido, no ponto em que erige o cargo de SubprocuradorGeral da Justiça Militar em
cargo em comissão ou em confiança.
Validade da delegação de
competência ao Ministro da
Justiça, para promover a nomeação respectiva (art. 81,
236
R.T.J. — 109
VIII, da Constituição Federal;
Decreto n? 83.840, de 14-8-79, letra a art. 1?).
Os pressupostos de escolha
reclamados pelo impetrante foram previstos em lei que estabelecia o provimento em caráter efetivo para o cargo em foco — ( art. 4? do Decreto-lei n?
267/67 e art. 2? da Lei n?
1.341/51, sendo que hoje o provimento o é em comissão, dispondo o último diploma legal,
no particular, apenas, que o
exercício de cargo é privativo
dos Procuradores Militares,
sem outras exigências (Lei n?
6.786).
O cargo em comissão, no direito brasileiro, sempre se qualificou pelas notas de livre nomeação e exoneração, a teor de
função gratificada, sendo assim, ontologicamente incompatível com mecanismos de seleção rígidos e múltiplos, próprios à investidura efetiva. Segurança indeferida.»
Dessa decisão manifestou o impetrante embargos de declaração, os quais foram recebidos,
nos seguintes termos:
*Direito Constitucional e Processual Civil — SubprocuradorGeral da Justiça Militar — art.
95 e I 1? da Constituição Federal — art. 14 da Lei n? 6.788/80.
O pensamento central que
anima o aresto embargado, tomado por maioria, é o de que a
estruturação em carreira referida no § 1? do art. 95 enfocado
pode conter-se validamente no
escalonamento em duas categorias, como está na Lei n?
6.788/80, não impedindo a norma constitucional que, no quadro do Ministério Público da
União, coexistam cargos de
carreira e isolados de provi-
mento em comissão, esses nos
moldes dos de SubprocuradorGeral da Justiça Militar.
O cargo de SubprocuradorGeral da Justiça Militar integra o quadro do Ministério Público da União — conceito mais
abrangente do que o de carreira e o seu titular — enquanto comissionado, permanece
membro da instituição, embora
afastado do cargo que compõe
uma das categorias da carreira. No contexto do acórdão embargado, o quadro do Ministério Público da União — junto à
Justiça Militar, — desdobra-se
em cargos de carreira — Procuradores Militares de Primeira e Segunda Categoria — e
cargos isolados de provimento
em comissão — Subprocuradores-Gerais, uns e outros membros da instituição estrutura
que não afronta o art. 95 e seu §
1? da Constituição Federal.
A alusão a desdobramentos
das _tarefas do Procurador,
Geral da República com a criação de tribunais superiores, a
partir desta Corte — a primeira a contar com Subprocurador-Geral — vale como argumento, independente de texto
normativo, como simples decorrência da realidade do Poder Judiciário, entre nós.
Receberam-se os embargos,
nesses termos» (fls. 232).
Inconformado, recorre extraordinariamente o impetrante com
fundamento no art. 119, III,
alínea a da Constituição Federal,
argumentando que o aresto recorrido teria violado a Constituição, uma vez que seu art. 95, §
1?, é conflitante com o art. 14 da
Lei n? 6.788/80: sustenta, ainda,
negativa de vigência do art. 7?,
III, da Lei n? 1.341/51.
R.T.J. — 109
Improcede o apelo, pois se me
afigura correta a exegese oferecida pelo aresto recorrido aos dispositivos legais aplicáveis á espécie, resultante do seguinte pronunciamento do Relator do feito,
Ministro Sebastião Reis:
«Postas as dúvidas levantadas
nesses termos, reportando-me
ao voto que proferi como Relator, detendo-me nos itens transcritos extraídos da ementa respectiva, declaro que o pensamento central que anima o
aresto embargado, tomado por
maioria, é o de que a estruturação em carreira referida no §
1? do art. 95 enfocado pode
conter-se validamente no escalonamento em duas categorias,
como está na Lei n? 6.788/80,
não impedindo a norma constitucional que, no quadro do Ministério Público da União, coexistam cargos de carreira isolados de provimento em comissão, esses nos moldes dos de
Subprocurador-Geral da Justiça Militar.
A luz do raciocínio desenvolvido no aresto embargado,
concluiu-se que o cargo de
Subprocurador-Geral da Justiça Militar integra o quadro do
Ministério Público da União —
conceito mais abrangente do
que o de carreira — e o seu titular, enquanto comissionado,
permanece membro da Instituição, embora afastado do cargo
que compõe uma das categorias da carreira.
Aceitas tais premissas, não
há exigir-se texto expresso da
Lei Maior autorizando o provimento em comissão para o cargo em apreço, e a alusão a desdobramento das tarefas do
Procurador-Geral da República
com a criação de tribunais superiores, a partir desta Corte
237
— a primeira a contar com a
Subprocuradoria-Geral — vale
como argumento, independentemente de texto normativo, como simples decorrência da realidade do Poder Judiciário, entre nós.
A luz desses pressupostos, declaro que, no contexto do acórdão embargado, o quadro do
Ministério Público da União,
junto à Justiça Militar,
desdobra-se em cargos de carreira — Procuradores Militares
de Primeira e Segunda Categoria — e cargos isolados de provimento em comissão — Subprocuradores-Gerais — uns
e outros membros da instituição, estrutura que não afronta
o art. 95 e seu § 1? da Constituição Federal» (fls. 228/229).
Demais a tese ora posta pela
recorrente já foi objeto de apreciação neste Tribunal, no julgamento do MS n? 90.247, tendo sido
indeferido o wrlt.
Pelo exposto, e tendo em vista
mesmo o princípio enunciado na
Súmula n? 400 do Pretório Excelso, não admito o recurso.
Publique-se.
Brasftia, 16 de agosto de 1983 —
Ministro Lauro Leitão, VicePresidente (fls. 117/121 ).
A Interpretação dada pela maioria, repelindo a argüição de inconstitucionalidade do art. 14 da Lei n?
6.788/80, por afronta ao art. 95 e
seu § 1? da Lei Maior, não propicia
o recurso extraordinário, eis que
não se me afiguram relevantes as
considerações desenvolvidas pelo
ilustre recorrente. O desdobramento de cargo de carreira e cargo de
provimento em comissão, por integrante da carreira do Ministério
Público, como prevê a lei impugnada, que reestruturou as carreiras
do Ministério Público da União,
238
R.T.J. — 109
não afronta o texto constitucional,
Quando a constituição quis que
que se refere ao Procurador-Geral
um membro do Ministério Públida República como Chefe do Minisco fosse nomeado em comissão,
tério Público e ao ingresso na carfoi expressa (CF art. 95, caputreira mediante concurso de provas
voto em anexo) (fls. 139/141).»
e títulos.
Diante do exposto nego seguiVOTO
mento ao presente agravo» (fls.
135/138).
O Sr. Ministro Djaci Falcão (RelaDiz textualmente o agravante:
tor): A irresignação do agravante reside na circunstância de que o art. 14
«2. Inobstante ser o controle de
constitucionalidade das leis do da Lei n? 6.788/80 seria inconstitucioPais exercido de modo difuso, pela nal, haja vista que o art. 2? da Lei n?
relevância da matéria em discus- 1.341/51 (Lei Orgânica do MP) estasão, e muito menos pelas conside- belece que apenas o cargo de
rações tecidas pelo Agravante, é Procurador-Geral é de provimento
que o recurso extraordinário deve- em comissão, o que equivaleria a diria subir ainda que para melhor zer que o de Subprocurador-Geral
constitui-se em final de carreira no
exame.
Público e, como conse3. Com efeito, sem prejuízo da Ministério
seu provimento dar-se-ia
admiração e respeito ao eminente qüência,
caráter efetivo e não em comisRelator, o Agravante se permite em
são,
como decidiu o TFR. A decisão
ponderar que o desdobramento de
causa teria ofendido o § 1? do
cargo de carreira e cargo de provi- em
mento em comissão, diferentemen- art. 95 da Lei Maior.
Não vejo como prover o presente
te do entendimento de V. Exa.,
afronta e agride não só o § 1? do agravo. Lè-se no art. 2? da Lei Orgâartigo 95 da CF, como, de resto, to- nica do Ministério Público:
da a estrutura em carreira do Mi«Art. 2?. Os cargos do Ministénistério Público.
rio Público da União, salvo os de
Procurador-Geral, serão providos
Se a constituição permite no artigo 95 a nomeação, em comissão,
em caráter efetivo e constituem
carreira, nos termos desta lei.»
do Procurador-Geral da República,
excepcionando a estrutura em carPor sua vez, dizia o seu parágrafo
reira do Ministério Público estabele- único:
cida em seu parágrafo primeiro, é
«Parágrafo único. O cargo de
evidente que aquele dispositivo,
Subprocurador-Geral da República
por conter exceção à regra, deve
será provido por merecimento,.
ser interpretado restritivamente,
dentre os Procuradores colocados
consoante traduz o preceito clássinos dois primeiros terços da cateco exceptiones sunt strictssimoe
goria imediatamente anterior por
interpretationes — interpretam-se
ordem de antigüidade.»
as exceções estritamente (Carlos
Acontece que sobreveio a Lei n?
Maximiliano, In Hermenêutka e
Aplicação do Direito, Forense, 9? 6.788, de 25-5-80, reestruturadora das
carreiras do Ministério Público da
ed. 2 tir., pág. 225).
União, junto à Justiça Comum, do
Não fosse isto suficiente, basta- Trabalho
e Militar, e estabeleceu em
ria trazer a afirmação do eminente
Ministro Carlos Mário Venoso, seu art. 14:
«Art. 14. Os cargos de Subque, sintética, mas, inteligenteprocurador-Geral da República,
mente, exaure a questão:
R.T.J. — 109
Subprocurador-Geral da Justiça
Militar e Subprocurador-Geral da
Justiça do Trabalho são de provimento em comissão, cujo exercício
é deferido exclusivamente a Procuradores da República, Procuradores Militares e Procuradores do
Trabalho, no âmbito da respectiva
instituição.»
Desse modo, ficaram revogadas as
disposições em contrário.
Ademais, conforme ressaltei no
despacho agravado:
«O desdobramento de cargo de
carreira e cargo de provimento em
comissão, por integrante da carreira do Ministério Público, como
prevê a lei impugnada, que reestruturou as carreiras do Ministério
Público da União, não afronta o
texto constitucional, que se refere
ao Procurador-Geral da República
como Chefe do Ministério Público e
ao ingresso na carreira mediante
concurso de provas e títulos» ( fls.
138).
239
Portanto, não se apresenta relevante a alegação de ofensa ao § 1? do
art. 95 da Lei Magna.
Ante o exposto, nego provimento
ao agravo.
EXTRATO DA ATA
Ag. 95.149 (AgRg)-DF — Rel.:
Min. Djaci Falcão. Agte.: Benedito
Felipe Ráuen ( Advs.: Maurício de
Campos Bastos e outro). Agda.:
União Federal
Decisão: Negado provimento ao
Agravo Regimental. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros. Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Brasília, 3 de fevereiro de 1984 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 95.173 — PR
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná — Recorrido: João Soares dos Santos.
Farmácia. Oficiai de Farmácia Provisionado. Transferência do
estabelecimento para outra localidade. Lei n? 5.991, de 1973, art. 57, e
Decreto nt 74.170/1974. O art. 57, da Lei 5.991/1973, não teve sua vigência negada, pelo acórdão, que, no caso concreto, admitiu a transferên-
cia referida, por não regular a matéria. Também não se verifica, na
espécie, negativa de vigência do art. 6?, da Lei n? 3.820/1960.
Precedente da Segunda Turma, no RE 93.800. Recurso extraordinário não conhecido.
julgamentos e notas taquigráficas, à
unanimidade, não conhecer do recurVistos, relatados e discutidos estes so extraordinário.
autos, acordam os Ministros da PriBrasília, 15 de março de 1983 —
meira Turma do Supremo Tribunal Soares Mufioz, Presidente — Néri da
Federal na conformidade da ata de Silveira, Relator.
ACÓRDÃO
R.T.J. — 109
240
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): O ilustre Ministro Jarbas
Nobre, Vice-Presidente do colendo
TFR, ao admitir o recurso extraordinário do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná, assim
resumiu a espécie e decidiu (fls.
64/66):
«A Primeira Turma deste Tribunal confirmou a sentença de primeira instância em acórdão assim
ementado:
«Prático de farmácia provisionado. Pedido de transferência do
estabelecimento indeferido pelo
Conselho Regional. Ilegalidade
do ato.»
O Conselho Regional de Farmácia, irresignado, recorre extraordinariamente com apoio na alínea a
do permissivo constitucional, alegando contrariedade ao disposto
nos arts. 6? da Lei n? 3.820, de 1960,
e 57 da Lei n? 5.991, de 1973.
A Lei n? 3.820, de 1960, que criou
o Conselho Federal e os Conselhos
Regionais de Farmácia, enumera,
em seu art. 6?, as atribuições do
Conselho Federal, dentre as quais
«expedir resoluções, definindo ou
modificando atribuições ou competência dos profissionais de
Farmácia, conforme as necessidades futuras.»
Com amparo nesse diploma legal, o Conselho Federal de Farmácia baixou a Resolução n? 138, de
1977, que, em seu art. 4?, dispõe:
«No caso de provisionamento
resultante da Lei n? 3.820/60 e de
licenciamento pelo Decreto n?
20.877, de 1931, o CRF fará anotação pertinente ao direito de locomoção, direito esse que só alcança os provisionados por estas
duas proposições legais.»
O art. 57 da Lei n? 5.991, de 1973,
só admite e autoriza o provisiona-
mento de práticos e oficiais de farmácia «para assumir a responsabilidade técnica do estabelecimento»
de que é proprietário em 11 de novembro de 1960, vale dizer, de determinado estabelecimento que
não se confunde com empresa ou
firma que constitui uma universalidade de bens, sem existência autônoma e sem personalidade jurídica.
Do que se vê do texto, a lei ao se
referir a «estabelecimento», como
que restringiu a responsabilidade
do não diplomado relativamente a
farmácia de sua propriedade na
data indicada, e não a outra qualquer atividade, esta privativa de
farmacêutico titulado.
Chego a esta conclusão com base
no 1? do citado artigo 57 a dizer
que o
«prático e o oficial de farmácia
nas condições deste artigo não
poderão exercer outras atividades privativas da profissão de
farmacêutico.»
Não esquecer que a própria Lei
n? 5.991, de 1973, define o estabelecimento:
«unidade da empresa destinada
ao comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e
correlatos» (art. 4?, item IX).
Ao prever o licenciamento de estabelecimento sob a responsabilidade técnica de prático ou oficial
de farmácia, o 3?, art. 15 da Lei
em citação, é expresso em esclaMcer que a exceção se faz «em razão
do interesse público, caracterizada
a necessidade da existência de farmácia ou drogaria, e na falta de
farmacêutico».
No caso de mudança do estabelecimento para local diverso do previsto no licenciamento, o artigo 28
impõe condições, a saber, licença
Prévia do órgão sanitário competente, e atendimento das normas
exigidas para o licenciamento.
R.T.J. — 109
Do que se pode observar, o provisionamento se faz em razão do
interesse público, e a conferência
da responsabilidade técnica a não
titulado constitui um favor e, não,
um direito.
Na espécie, o interessado não
tem direito de transferir o seu estabelecimento para outra localidade, como deseja.
Isto posto, dou seguimento ao recurso.»
Sem novas razões das partes, pediu a União Federal, como assistente
do Conselho, o conhecimento e provimento do recurso (fls. 70/71).
A douta Procuradoria-Geral da
República, entretanto, opinou no
sentido do não conhecimento do recurso (fls. 76/79).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): A douta ProcuradoriaGeral da República assim examinou
a controvérsia, nos limites do apelo
extremo (fls. 76/78):
«1. O acórdão impugnado confirmou a segurança concedida pela
decisão de primeiro grau, com a
ementa assim redigida, fls. 54:
«Prático de farmácia provisionado. Pedido de transferência do
estabelecimento indeferido pelo
Conselho Regional. Ilegalidade
do ato.»
Em recurso extraordinário,
pela letra a, alega o Conselho Regional de Farmácia do Estado do
Paraná negativa de vigência ao
disposto nos arts. 6? da Lei n?
3.820/60 e 57 da Lei n? 5.991/73.
O caso versado é idêntico ao
decidido pela Egrégia Segunda
Turma no RE n? 93.800, Relator
Ministro Moreira Alves, RTJ
101/811, verbis:
241
«Alega-se negativa de vigência
do artigo 57 da Lei n? 5.991/73,
que reza:
«Art. 57. Os práticos e oficiais
de farmácia, habilitados na forma da lei, que estiverem em plena atividade e provarem manter
a propriedade ou co-propriedade
de farmácia em 11 de novembro
de 1960, serão provisionados pelo
Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Farmácia para assumir a responsabilidade técnica
do estabelecimento.
O prático e o oficial de
farmácia nas condições deste artigo não poderão exercer outras
atividades privativas da profissão de farmacêutico.
O provisionamento de
que trata este artigo será efetivado no prazo máximo de noventa
dias, a contar da data de entrada
do respectivo requerimento, devidamente instruido.»
Como se vê, o dispositivo em
apreço não trata, expressamente,
da questão em causa: a de saber
se os provisionados a que ele alude podem mudar seu estabelecimento para município diverso do
que se encontravam quando do
provisionamento.
Para concluir pela afirmativa,
a decisão recorrida lançou mão
da interpretação sistemática não
só da Lei n? 5.991/73, mas também do Decreto n? 74.170/74.
Não há, portanto, como pretender-se tenha sido negado vigência (o que equivale à violação literal) ao art. 57 da Lei n?
5.991/73, que não regula a hipótese.
Ademais, a interpretação sustentada pelo acórdão recorrido e
que foi também a interpretação
acolhida na AMS n? 77.444 do
mesmo Tribunal Federal de Recursos, relator o Sr. Ministro
242
R.T.J. — 109
Amanho Benjamin, sendo que,
neste caso, a própria Subprocuradoria-Geral da República se
manifestou no mesmo sentido,
retificando opinião anterior — a
interpretação sustentada pelo
acórdão recorrido, repito, é, pelo
menos, razoável, motivo por que
se aplica à espécie a Súmula n?
400.»
4. Também, no citado art. 6? da
Lei n? 3.820/60 não se trata expressamente da questão em causa
mas tão-somente de conferir ao
Conselho Federal de Farmácia
competência para expedir resoluções relativas ao exercício das atividades dos profissionais de farmácia.»
O voto condutor do aresto recorrido, da lavra do ilustre Ministro Peçanha Martins, anotou, com propriedade (fls. 52):
«Nego provimento ao recurso para confirmar a sentença. 2 que o
ato impugnado não podia escudarse em Resolução, mas na lei reguladora da espécie, a de n? 5.991, de
1973, que não restringe, como bem
dito no parecer da Procuradoria da
República, a atividade do Provisionado á localidade onde se estabeleceu pela primeira vez. Não sendo
bem sucedido, ou lhe sendo
possível continuar no local, não está impedido de transferir-se, dependendo, a transferência, exclusivamente, do órgão competente para autorizá-la, de âmbito estadual.»
Acerca da mesma matéria, como
já referido, a Segunda Turma, no
RE n? 93.800-MG, Relator o Senhor
Ministro Moreira Alves, decidiu em
aresto, com a seguinte ementa
(RTJ, 101/811):
«Oficial de farmácia ou prático
de farmácia provisionado com base no artigo 57 da Lei n? 5.991/73.
Admissibilidade da mudança de
seu estabelecimento para outro
município. Interpretação razoável
(Súmula n? 400).
Recurso extraordinário não conhecido.»
Alega-se negativa de vigência do
art. 57 da Lei n? 5.991/73, que reza:
«Art. 57. Os práticos e oficiais
de farmácia, habilitados na forma
da lei, que estiverem em plena atividade e provarem manter a propriedade ou co-propriedade de farmácia em 11 de novembro de 1960,
serão provisionados pelo Conselho
Federal e Conselhos Regionais de
Farmácia para assumir a responsabilidade técnica do estabelecimento.
1 ?. O prático e o oficial de farmácia. nas condições deste artigo
não poderão exercer outras atividades privativas da profissão de
farmacêutico.
I 2?. O provisionamento de que
trata este artigo será efetivado no
prazo máximo de noventa dias, a
contar da data de entrada do respectivo requerimento, devidamente instruído.»
Bem de ver é, assim, que o art. 57,
da Lei if 5.991/1973, não regula a situação examinada no acórdão, como, de resto, nesse sentido, já decidiu a Segunda Turma, no RE n?
93.800. Não cabe, pois, ver, na decisão recorrida, negativa de vigência
da norma legal em apreço. Por
igual, a disposição do art. 6?, da Lei
n? 3.820/1960, não resulta violada, In
casu, porque não negou o acórdão tenha o CFF competência para expedir resoluções, o que se há de entender, nos limites da lei.
Do exposto, não conheço do recurso extraordinário.
EXTRATO DA ATA
RE 95.173-PR — Rel.: Min. Néri da
Silveira. Recte.: Conselho Regional
R.T.J. — 109
de Farmácia do Estado do Paraná.
(Advs.: Rubens de Barros Brisolla e
outra). Recdo.: João Soares dos Santos. (Adv.: Rubens Corrêa).
Decisão: Não se conheceu do recurso extraordinário. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
243
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 15 de março de 1983 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO N? 95.367 ( AgRg) — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Soares Mufloz
Agravante: Drastosa S.A. Indústrias Têxteis — Agravado: Yves Saint
Laurent S.A.R.L.
Registro de marca. Ausência de colidência ou de contusão entre
as marcas das litigantes. Ação anulatória do Registro julgada improcedente. Recurso extraordinário não admitido. Agravo desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental.
Brasília, 3 de fevereiro de 1984. —
Soares Mufloz, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Soares Mutioz: Eis o
teor do despacho ora agravado:
«O presente agravo é idêntico ao
AI 95.364, cujo seguimento indeferi
pelo seguinte despacho: «Como
bem salientou o despacho denegatório do recurso extraordinário, «o
fundamento da decisão atacada, no
tocante á não colidência e à distinção das marcas discutidas, resul-
tou de questões debatidas pelas
partes, sem violação, pois, dos dispositivos invocados, respeitantes
ao efeito devolutivo da apelação.
Finalmente, quanto ao arrimo na
letra d, não se demonstrou qualquer divergência do padrão com a
decisão deste Tribunal». ( fls. 67).
Nego, pois, seguimento ao agravo
de instrumento». Publique-se Brasília, 24 de novembro de 1983.» (fls.
156)
Nas razões do agravo regimental,
a agravante sustenta que
«a irresignação fundamental está no julgamento extra petita efetuado pelo acórdão recorrido, visto
que a agravada não tratou da não
colidência, ou da distinção entre as
marcas, e sim discutiu aspectos semânticos do patronímico. Essa
matéria foi devidamente impugnada nos embargos declaratórios e
aflorada no Recurso Extraordinário. Somente enveredando por essa
questão não suscitada na apelação,
Pode o acórdão recorrido decidir
244
R.T.J. — 109
por outro caminho, não aquele discutido na causa. Por isso, a afirmação do despacho agravado sobre o resultado das questões debatidas terminar na não colidência
das marcas, é apenas um aspecto
que surge do acórdão visto isoladamente, sem relação com a apelação. Assim, evidencia-se o flagrante prejuízo à Agravante, não acusada de rever matéria de fato, mas
sim assentada numa decisão que
trata a não colidência como a razão principal da sua conclusão.
Espera-se, que o Eminente Relator, preciso e sempre arguto nas
suas decisões, reconsidere o despacho, para permitir melhor exame
dessa questão.» (fls. 158/159)
E o relatório.
vel da controvérsia. Não verificada
a primeira e reconhecida a segunda,
a ação tinha de ser julgada improcedente, como o foi, pois as marcas
não são idênticas quanto aos respectivos dizeres; uma, a da agravante, é
St Laurent, enquanto que a da agravada é Yves Saint Laurent.
Nego seguimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
Ag. 95.367 (AgRg)-RJ — Rel.: Min.
Soares Mufloz. Agte.: Drastosa S/A
Indústrias Têxteis (Advs.: Waldemar
do Nascimento, Roberto Rosas e outros). Agdo.: Yves Saint Laurent
S.A.R.L. (Advs.: João Guilherme de
Moraes Sauer e outros).
Decisão: Negou-se provimento ao
VOTO
agravo regimental. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
O Sr. Ministro Soares Muiloz (Relator): Não assiste razão à agravan- Soares Mut-1oz. Presentes à Sessão os
te. A impugnação da marca adotada Senhores Ministros Rafael Mayer,
pela agravada teve por pressuposto Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
a eventual confusão que ela poderia Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
estabelecer com a marca anterior da República, Dr. Francisco de Asregistrada em nome da impugnante. sis Toledo.
Portanto, a colidência entre as marBrasília, 3 de fevereiro de 1984 —
cas e a distinção entre elas consti- Antônio Carlos de Azevedo Braga,
tuem matéria implícita e inarredá- Secretário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO N? 95.521 (AgRg) — RS
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Decio Miranda.
Agravantes: Jorge Surreaux e outros — Agravado: Juiz Presidente do
Tribunal Regional do Trabalho da 4? Região.
— Constitucional. Magistrados. Previdência social. Decisão que
considerou inviável a pretensão de afastar a aplicabilidade, aos aposentados, do parágrafo único do art. 32 da LOMAN, a estabelecer que
a irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados não impede os
descontos fixados em lei, em base igual à estabelecida para os servidores públicos, para fins previdenciárlos. Recurso extraordinário denegado. Confirmação.
R.T.J. — 109
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata
do Julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
negar provimento ao agravo regimental.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Mui Falcão, Presidente — Decio
Miranda, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Dedo Miranda: Neguei seguimento ao agravo, mediante o seguinte despacho:
«Opõe-se recurso extraordinário
à decisão proferida pelo Colendo
Tribunal Superior do Trabalho em
mandado de segurança, que não
encontrou ferimento a direito de
magistrados aposentados na imposição de desconto previdenclário,
instituído depois de suas aposentadorias.
245
mento integral de proventos, sem
descontos previdenciários, segundo
decorreria do art. 165, XVI, da Constituição, pois o aposentado não se
acha em nenhuma das posições ai
mencionadas.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): Improcede o agravo regimental.
Válido o parágrafo único do art. 32
da LOMAN, ao estabelecer que a irredutibilidade dos veodmentos dos
magistrados não impede os descontos fixados em lei, em base igual á
estabelecido para os servidores públicos, para fins previdenciários.
A disposição abrange, evidentemente, os aposentados, que se beneficiam de certas prestações da previdência social, tal como na atividade.
Nego provimento ao agravo.
EXTRATO DA ATA
Alega-se contrariedade aos arts.
113, III; 153, §§ 3? e 4?; e 165, XVI,
Ag. 95.521 (AgRg)-RS — Rel.:
todos da Constituição Federal.
Min. Decio Miranda. Agtes.: Jorge
Surreaux e outros (Advs.: Márcio
Parece evidente, todavia, que ne- Gontijo e outros). Agdo.: Juiz Presinhuma disposição constitucional ou dente do Tribunal Regional do Tralegal autoriza construção interpre- balho da 4? Região.
tativa segundo a qual os magistrados aposentados ficassem definitiDecisão: Negado provimento ao
vamente livres de contribuir para agravo regimental. Unânime.
a assistência médica previdenciária que lhes é prestada e que, além
Presidência do Senhor Ministro
de tradicional, encontra reconheci- Moei
Falcão. Presentes à Sessão os
mento expresso no art. 32 da Lei Senhores
Ministros Moreira Alves,
Orgânica da Magistratura Nacio- Dedo Miranda,
Aldir Passarinho e
nal.
Francisco Rezek. SubprocuradorIsto posto, nego seguimento ao Geral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
agravo.» (fls. 63)
Vêm os recorrentes com agravo
regimental, em que sustentam a Incolumidade de seu direito ao recebi-
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
— 109
246
EMBARGOS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 95.857 — RJ
(Tribunal Pleno)
Relator: O Sr. Ministro Decio Miranda.
Embargante: Orlando Orfei — Embargada: Miralda Bonora Orfei.
Processual Regimental. Desquite no Brasil. Divórcio na Itália. Recurso extraordinário na ação de desquite, convertida em ação de separação judicial, cumulado com pedido de alimentos. Relacionamento
temporal da sentença de desquite com a homologação da sentença de
divórcio, proferida no estrangeiro. Embargos não conhecidos, por Indemonstrada a divergência de julgados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão
plenária, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
não conhecer dos embargos.
Brasília, 16 de novembro de 1983 —
Cordeiro Guerra, Presidente —
Decio Miranda, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Decio Miranda: Nos
autos deste recurso extraordinário,
defrontam-se duas sentenças relativas à separação dos cônjuges que
ora figuram como embargante e como embargada: uma de alimentos e
separação judicial, resultante de
ação proposta pela mulher no Brasil,
em 5-7-77, fls. 2/4, e outra de divórcio, pronunciada na Itália em ação
ajuizada pelo marido, com sentença
que veio a ser homologada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, confirmada em julgamento de
agravo regimental em 9-4-81.
Na ação que teve curso no Brasil,
desenvolvida nos presentes autos,
apreciou-se, por último, recurso extraordinário do marido, em acórdão
de que foi relator o eminente Ministro Rafael Mayer, cujo relatório e
voto de mérito passo a transcrever:
«O Sr. Mligatrà Rafael Mayer:
Ação de allmelitoS e de desquite,
esta última convertida em ação ordinária de separação judicial, propostas por Miralda Sonora Orfei
contra Orlando Orfei, foram julgadas procedentes em primeiro grau
a 22-2-78.
A apelação interposta veio a ser
julgada em 6-11-79, após várias
prorrogações para o cumprimento
de rogatórias, na Itália, formulando o Apelante, inclusive, o pedido
de extinção do processo, por ter sido julgado definitivamente pelo
Tribunal de Torrara, conforme
certidões, o divórcio dos cônjuges.
A apelação foi improvida, dizendo
o acórdão em sua parte substantiva:
Não tem procedência o pedido
formulado pelo apelante a fls.
217, de extinção do processo, nos
termos do art. 267, incisos V e VI
do Código de Processo Civll.
Efetivamente, o divórcio dos litigantes foi decretado por Tribunal italiano, tendo a sentença
transitado em julgado.
Acontece que ela não foi homologada pelo Supremo Tribunal
Federal e assim, nenhum efeito
produz no Brasil
O art. 483 do Cód. de Proc.
Civil é claríssimo . «a sentença
proferida por tribunal estrangei-
R.T.J. — 109
ro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo
Supremo Tribunal Federal»
Aliás, a preliminar de incompetência de justiça brasileira, em
virtude do processo de divórcio
existente na Itália, foi repelida
fundamentadamente no saneador, do qual não houve recurso.
Quanto ao mérito, o dr. Juiz
decidiu com acerto e fez justiça
ao considerar o R., ora apelante,
cônjuge culpado.
Os depoimentos das testemunhas ouvidas na Itália, e constantes da carta rogatória, não infirmaram a maciça prova, colhida
na audiência de instrução e julgamento.
O próprio apelante, no depoimento pessoal confessou o seu
concubinato com D. Herta Herling, dizendo «que tem D Herta
como sua companheira desde
fins de 1968, vivendo com ela como se casados fossem».
O incidente ou melhor, o escãndalo a que aludem as testemunhas que depuseram na carta rogatória, não é negado pela própria apelada em seu depoimento
pessoal, onde fala que «de certa
feita, na cidade de Trento, na
Itália, a depoente, no dia de páscoa, ao ver Orlando Orfei em
companhia de sua amante Herta
Herling, irritou-se e jogou fora
da carreta onde habitava Orlando, as roupas do marido». •
Esse procedimento, multo embora revele uma criatura de temperamento exaltado, é perfeitamente justificável, não sendo
possível condenar uma mulher
sofrida, desprezada pelo marido,
que ao vê-lo publicamente com a
amante, não pode controlar a revolta de que se acha possuída.
Em face do exposto, mantêm a
sentença de 1? grau, pela sua
247
própria fundamentação, que fica
integrando este julgado, na forma regimental.
Houve embargos de declaração
do sucumbente, que foram rejeitados e tidos por protelatórios, cominada multa.
Vem o recurso extraordinário pela letra d, com a demonstração de
dissídio no tocante á produção de
efeitos, no Brasil, de sentença estrangeira de divórcio ainda não homologada (RE n? 51.906) e pela letra a, invocando negativa de vigência do art. 90 do CPC, pois não há
litispendência quando intentada a
ação, mas há quando Julgada. Houve argüição de relevância que não
foi conhecida.
Indeferido o extraordinário formou-se o Agravo de Instrumento n? 82.684, que me foi distribuído
a 12-6-81. Logo o Agravante fez juntada da certidão do julgamento pelo plenário, em Agravo Regimental,
a 9-4-81, da homologação da sentença de divórcio das partes. Mandei, então processar o recurso extraordinário para melhor exame.
Em suas razões de recurso, o Recorrente insiste em que se julgue
extinto o processo, reconhecendose como coisa julgada a sentença
italiana de seu divórcio.
O recurso foi com vista à
Procuradoria-Geral da República,
vindo com parecer pelo não conhecimento em razão do valor da causa.
E o relatório.» ( fls. 362/4)
Voto
O Sr. Ministro Rafael Mayer
(Relator): De certo modo, o fato
superveniente retirou substãncia
ao recurso interposto. Mas, de um
modo ou de outro, se denuncia a
sua inviabilidade. A não-litispendência, em competência internacional, definida pelo art. 90 do
248
R.T.J.
CPC, que se invoca na petição de
recurso, não foi versada no acórdão recorrido senão que o foi a coisa julgada pretensamente emergente de sentença estrangeira. De
qualquer modo, a interpretação do
art. 90 do CPC, contra o qual ora
se insurge o Recorrente, é o mesmo que o beneficiou na homologação da sentença estrangeira por
ele requerida. Por outro lado,
dissídio jurisprudencial não se demonstra com os paradigmas trazidos à colação, pois sequer indicada
a existência de condições de identificação ou semelhança das situações em confronto.
A matéria de relevância que
realmente existe é a pertinente às
implicações da homologação da
sentença italiana que decreta a
cessação dos efeitos civis do casamento que fora contraído na Itália.
Dai o pleito último do Recorrente
de que se reconheça a coisa julgada para decretar-se a extinção do
processo. Mas a decisão recorrida
é de todo correta pois não se pode
tomar em consideração o trânsito
em julgado na Itália, sem que tenha eficácia no Brasil. Entretanto,
correta a proposição do Recorrente
de que a todo tempo é alegável a
coisa julgada, a sua alegação no
tocante à ocorrência de sua homologação não pode ser versada, pois
a regra não se aplica ao extraordinário, pois não estaria preqüestionada, como se vê da elucidativa
ementa do ERE n? 87.879, julgado
à unanimidade, pelo Pleno, sendo
Relator o eminente Ministro Cunha
Peixoto:
«Coisa julgada não preqüestionada perante as instâncias ordinárias.
Embora, em principio, possa a
coisa julgada ser argüida a todo
tempo perante qualquer instância, ou mesmo ser reconhecida
de oficio, excetua-se da amplitu-
109
de da regra geral a via recursal
extraordinária, vez que, nos termos da Constituição, este recurso, por sua natureza, pressupõe
sempre o preqüestionamento da
matéria ventilada na petição do
apelo.
Embargos de divergência conhecidos mas rejeitados.»
Diante do exposto, não conheço
do recurso.» (fls. 366/7)
A esse acórdão opõe o marido embargos de divergência, nos quais,
além de sublinhar que a peculiaridade do caso recomenda o acolhimento
do recurso, alega divergência com o
acórdão do RE n? 66.128, relator o
saudoso Ministro Barros Monteiro,
proferido pela lt Turma em composição totalmente diversa daquela
que prolatou o acórdão ora embargado.
Nesse padrão de divergência, diz o
embargante, assegurou-se a prevalência, em qualquer tempo, e por declaração ex officio, da cousa julgada. Ei-lo, no trecho abaixo transcrito:
«Militando, pois, em favor da recorrente, a coisa julgada, que pode
ser reconhecida em qualquer fase
do processo, mesmo de oficio, como se tem entendido, conheço do
recurso e lhe dou provimento, para
restabelecer a sentença de fls.
41/43.» (fls. 381 medio)
Tal afirmação, acrescentou o embargante, foi feita a despeito de se
perceber, seja pela leitura do relatório, seja pela leitura do voto do saudoso Ministro Barros Monteiro, que
a então recorrente não alegara a
existência de cousa julgada na petição de recurso extraordinário, vindo
a ser proclamada exclusivamente
pela consideração de que pode ela
«ser reconhecida em qualquer fase
do processo, mesmo de ofício como
se tem entendido». (fls. 381 fine).
R.T.J. — 109
Por último, acrescenta o embargante que a peculiaridade do caso
recomenda o acolhimento dos seus
embargos de divergência, eis que, se
na data da interposição do recurso
extraordinário não estava definitivamente homologada a sentença Italiana de divórcio, tal requisito logo
após se completou.
Por outro lado, na decisão dos presentes embargos ante a peculiaridade do caso, é de esperar que o Supremo Tribunal os acolha, dado que a
cousa julgada se apresenta como Jus
superveniens e o art. 462 do Cód.
Proc. Civil determina que seja o fato
novo tomado em consideração. (fls.
383).
E assim resumem sua pretenção
os embargos de divergência:
«Demonstrou-se que a decisão
recorrida preqüestionou o problema da coisa julgada; mostrou-se
que o eg. Supremo Tribunal Federal, não raras vezes, conhece do
recurso extraordinário por outro
fundamento que não o invocado;
demonstrou-se que o acórdão embargado divergiu do v. acórdão
proferido no julgamento do RE n?
66.128 e que, no caso, tratando-se
de jus superveniens, provindo de
uma decisão do eg. Supremo Tribunal e tratando-se de coisa julgada, devem os presentes embargos ,
ser conhecidos e recebidos para o
fim de declarar extinta a ação de
separação proposta pela embargada contra o embargante.» (fls.
384)
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Dedo Miranda (Relator): O Supremo Tribunal Federal
julgou em face do acórdão local que
rejeitara a alegação de cousa julgada, precisamente porque, ao tempo
de sua prolação, ainda não se consti-
299
tuira tal cousa julgada, a decorrer
de futura e apenas imaginada homo-
logação da sentença estrangeira.
Esse acórdão local negara até
mesmo a litispendência, antecedente
necessário do trânsito em julgado.
Basta conferir-lhe o texto.
Em embargos de declaração, disse, com efeito, a instância ordinária:
«Os presentes embargos não merecem acolhida, pois inexiste obscuridade ou omissão no acórdão.
acórdão pronunciou-se sobre a
coisa julgada, atendendo a requerimento do apelante, na petição de
fls. 217, em que invocava até o disposto no art. 267, inciso VI do Código de Processo Civil.
Reconheceu-a inexistente na espécie, com suporte no art. 483 do
Código de Processo Civil, pois a
decisão que julgara procedente a
ação de divórcio na Itália, não fora
homologada pelo Colendo Supremo
Tribunal Federal.
próprio embargante proclama
agora a juridicidade do acórdão recorrido. E da conclusão certa extrai um argumento disparatado: se
não há coisa julgada, há litispendência.
Não lhe assiste a mínima razão.
A litispendência já havia sido rejeitada anteriormente no Juizo de
1? grau, que no despacho saneadór, do qual não houve recurso é
portanto ficou precluso, declarou a
competência da justiça brasileira.
art. 90 do Código de Processo Civil é de solar clareza: «a ação
intentada perante Tribunal Estrangeiro não induz litispendência nem
obsta a que a autoridade judiciária
brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas».
pedido feito na parte final dos
embargos para que se sustem os
efeitos e eficácia do acórdão, até
que o Pretório Excelso decida so-
250
R.T.J. — 109
bre pedido de homologação do Tribunal de Bolonha, não tem fulcro
jurídico.» (fls. 290)
A cousa julgada decorrente de sentença estrangeira teria de aferir-se
em relação ao acórdão na apelação
— em cuja data já se viu que ela não
existia — e não em face do acórdão
do Supremo Tribunal Federal que
apenas manteve aquele aresto local.
O acórdão local havia de apanhar,
e de fato assim procedeu, a alegação
de cousa julgada no momento em
que ele era proferido e é sobre a situação assim definida que atua o recurso extraordinário, o qual não haveria de provocar a apreciação de
cousa julgada ulteriormente formada.
Com efeito, o acórdão local é de 6
de novembro de 1979 (fls. 277) e a
homologação da sentença italiana de
divórcio pelo Supremo Tribunal Federal somente foi confirmada pela
Corte a 9 de abril de 1981, em julgamento de agravo regimental contra
o despacho presidencial homologatório (fls. 84/96 do apenso Agravo de
Instrumento n? 82.684).
Assim, somente após transitada
em julgado aquela decisão de 9-4-81
(confirmatória da homologação da
sentença estrangeira) é que decisão
da Justiça Brasileira sobre a mesma
relação jurídica, na fase ordinária
do procedimento, haveria de encontrar o escolho da cousa julgada decorrente da sentença estrangeira.
Ora, no caso dos autos, o julgamento da apelação na ação de desquite e alimentos foi pelo Tribunal
de Justiça proferido, como já se disse, a 6-11-79. (fls. 274/277).
E o acórdão do Supremo Tribunal
Federal, no recurso extraordinário
oposto a esse acórdão, é evidente
que não haveria de apreciar o acórdão recorrido à luz do fato novo, da
homologação da sentença estrangeira, superveniente à decisão então re-
corrida, senão á vista do que se cuidara na decisão atacada e do que
contra ela se irrogara no recurso extraordinário interposto a 7 de abril
de 1980 (fls. 293 e segs.).
Veja-se que, na data da interposição do recurso extraordinário sequer
se pedira no Brasil a homologação
da sentença italiana de divórcio, pois
tal pedido não é mencionado em todo
texto da petição de recurso extraordinário, datada de 7 de abril de
1980. (fls. 293/303). Afirmou-se, simplesmente, a litispendência entre a
sentença brasileira e a sentença italiana ainda não homologada. (fls.
298 medio).
É certo que, nas razões do recurso, já se diz, em agosto de 1981, ter
sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal a sentença estrangeira. (fls. 336 fine e 338).
Mas homologada após a interposição do recurso extraordinário, ao
que se deduz da leitura dos autos.
Inteiramente judiciosa, portanto, e
adaptada às circunstâncias de fato
da causa, a consideração nuclear do
acórdão embargado, ao proclamar
que não se pode tomar em consideração o trânsito em julgado na Itália, sem que tenha eficácia no Brasil. (fls. 366 fine).
Certo, aduziu o acórdão embargado que, «correta a proposição do recorrente de que a todo tempo é alegável a coisa julgada, a sua alegação no tocante à ocorrência de sua
homologação não pode ser versada,
pois a regra não se aplica ao extraordinário, pois não estaria preqüestionada», como se via de ementa de certo acórdão, que citou.
Em verdade, a primeira afirmação do acórdão embargado bastava
sua conclusão, pois, ao proferir-se
acórdão então recorrido (o de fls.
274/277), datado de 6-11-79, não estava comprovado trânsito em julgado
de decisão brasileira que tivesse ho-
R.T.J. — 109 mologado a sentença italiana decisão brasileira essa consubstanciado
no Ag. Regimental na Sentença Estrangeira n? 2.727, em acórdão de 94-81. (fls. 84 dos apensos autos de
Agravo n? 82.684).
E o próprio Orlando Orfei, ora embargante, em petição 20-5-81, fls. 83
dos autos do Ag. n? 82.684 em apenso, reconheceu que, «homologada,
como foi, pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, a sentença estrangeira de divórcio (...) a decisão da Justiça italiana passou a se constituir
coisa julgada».
Em face de tais circunstâncias,
nenhuma a divergência do acórdão
embargado com o do RE n? 66.128,
da 1? Turma a dizer que a cousa julgada pode ser reconhecida na instância do recurso extraordinário.
Não tem fomento nos autos, data
venta, tal divergência.
Com efeito, atribui-se ao acórdão
indicado como divergente o conhecer
da exceção de cousa Julgada independentemente de preqüestionamento, por dizer o voto condutor, na sua
conclusão: «militando (...) em favor
da recorrente a coisa Julgada, que
pode ser reconhecida mesmo de
ofício, como se tem entendimento».
(fls. 381 medio).
Ora, essa afirmação, da possibilidade do reconhecimento ex officio da
cousa Julgada, era inteiramente despicienda no caso que então se apreciava, pois nele a cousa Julgada
decorria, segundo o voto do mesmo relator, de 'que, no recurso extraordinário, a parte interessada a
alegara. Lê-se, com efeito, no relatório que conduziu ao aludido voto:
«Por sua vez inconformada, contra essa decisão manifestou D.
Elazir Machado de Souza o recurso
extraordinário de fls. 87, em que,
com apoio nas alíneas a e d, alega
que dona Dorothy Monteiro de Castro, a que se refere o documento de
251
fls. 64, rescindiu o contrato de
compra e venda, como se vê do documento de fls. 75/76, adquirindo
outro imóvel do IPASE. Além disso, Já na AC n? 19.181, teve a recorrente assegurada a continuidade
da locação do imóvel, como legítima sucessora do falecido, pelo próprio Tribunal Federal de Recursos,
em acórdão que traz essa ementa:
(e transcreve) .» (fls. -379 fine)
Foi, portanto, em face dessa última alegação que se procedeu. Alegação de cousa Julgada: «Já na AC n?
19.181».
A expressão «mesmo de ofício»,
expletivo e desnecessária, não compunha a fundamentação consistente
do acórdão-padrão, de modo a ser
utilizada na demonstração de divergência, pois em verdade não era ex
officio que se procedia, mas em virtude de pedido expresso.
Não caracterizada a divergência
entre o acórdão embargado e o paradigma com que foi afrontado, deixo
de conhecer dos embargos.
E o meu voto.
VOTO (PRELIMINAR)
O Sr. Ministro Aldir Passarinho:
Sr. Presidente, o aresto trazido como
divergente, não se identifica com o
ora embargado. Do voto do Ministro
Relator do acórdão ora impugnado,
vê-se este passo que bem mostra a
dissemelhança entre os casos confrontados.
«Indeferido o extraordinário,
formou-se o Agravo de Instrumento n? 82.684, que me foi distribuído
a 12-6-81. Logo o Agravante fez Juntada da certidão de Julgamento pelo Plenário, em Agravo Regimental, a 9-4-1981, da homologação da
sentença de divórcio das partes.
Mandei, então, processar o recurso
extraordinário para melhor exame.»
R.T.J. — 109
252
Ora, vê-se que só na oportunidade
cio agravo regimental é que foi anexada aos autos a decisão referente à
homologação da sentença estrangeira. Basta isso.
Acompanho o eminente Relator,
não conhecendo do recurso.
EXTRATO DA ATA
ERE 95.857-RJ — Rel.: Min.
Decio Miranda. Embte.: Orlando Orlei (Advs.: José Gerardo Grossi e outros). Embda.: Miralda Bonora Orfei
(Advs.: Mauro Attilio Mellone, Luiz
Carlos Bettiol e outros).
Decisão: Não se conheceu dos embargos, unanimemente. Falou pelo
Embte. o Dr. José Gerardo Grossi.
Impedido o Sr. Ministro Francisco
Rezek.
Presidência do Senhor Ministro
Cordeiro Guerra. Presentes à Sessão
os Senhores Ministros Djaci Falcão,
Moreira Alves, Soares Mufloz, Decio
Miranda, Rafael Mayer, Neli da Silveira, Oscar Corrêa Aldir Passarinho e Francisco Rezek. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Alfredo
Buzaid. Procurador-Geral da República, Professor Inocência Mártires
Coelho.
Brasília, 16 de novembro de 1983 —
Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO N? 95.898 ( AgRg) — PR
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Agravantes: Importadora de Frutas Filomena Ltda. e outro — Agravado: Banco Central do Brasil.
.10F. Operações de câmbio. Fato gerador. Decreto-lei n? 1.783/80
(art. 1?). Art. 63 do CTN.
O Decreto-lei n? 1.783 institui a cobrança do I0F/câmbio, descrevendo a hipótese de incidência do tributo (art. 1?), pela remissão ao
art. 63 do CTN, como a operação de câmbio consistente «na efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento
que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em
montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou
posta à disposição do interessado», pelo que ficam atendidos os preceitos constitucionais e o art. 114 do CTN.
— Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, em conformidade com a
ata de Julgamentos e notas taquigráficas, à unanimidade, em negar provimento ao agravo.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Soares Mtuloz, Presidente — Rafael
Mayer, Relator.
O Sr. Ministro Rafael Mayer: A
Quinta Turma do Egrégio Tribunal
Federal de Recursos deu provimento
ao recurso voluntário e à remessa
necessária para cassar a segurança
concedida em primeiro grau em
acórdão que tomou a seguinte ementa:
«Tributário. IOF. Operações de
Câmbio. GATT. ALALC.
R.T.J. — 109
Conforme ficou assentado em
decisão plenária na AMS n? 91.322SP (Matéria Constitucional), o
Decreto-lei n? 1.783/80 não contrariou a Constituição. Houve inconstitucionalidade somente nas Resoluções do Banco Central do Brasil,
determinando a cobrança do imposto no mesmo exercício de 1980.
Outrossim, não há incompatibilidade entre o citado diploma ou
Decreto-lei n? 1.844/80, que o modificou, e as normas do GATT ou
da ALALC; nem o art. 98 do CTN
pode restringir o poder do legislador constituído.»
Em embargos de declaração, foi
proposta a consideração da tese em
que os impetrantes se dizem arrimados, referente à inexistência da lei
instituidora e definidora do fato gerador do IOF sobre operações de
câmbio, vindo o acórdão que os rejeitou com a seguinte ementa:
253
sim dos §§ 2? e 29 do art. 153 da
Constituição, com a seguinte argumentação:
«Há, então, imposição de que o
fato gerador de cada tributo seja
definido por lei ordinária
Também sua instituição.
Limitando-se, como visto, o
Decreto-lei n? 1.783/80 a fixar a
aliquota, insatisfeita se encontra a
exigência do CTN.
Tal insatisfação implica, à sua
vez, necessariamente, na violação
tanto do art. 97, III, do CTN, como
na dos próprios parágrafos 2? e 29,
do art. 153, da Constituição Federal.
Ambos os preceitos constitucionais exigem lei anterior que determine o cumprimento de uma obrigação, sendo que o último (§ 29) se
refere, especificamente, à previsão
legal em matéria tributária, completamente diversa do principio da
«Processual Civil. Embargos de
anualidade.
Declaração. IOF sobre Operações
Na espécie, exclusivamente Rede Câmbio.
solução do Recorrido (Banco CenEmbora no acórdão embargado
tral), a de n? 619, de 29 de março
voto do Relator não haja menção
de
1980, é que procurou definir o
explícita ao ponto trazido a debate
fato gerador, o que, à evidência,
como omissão, deles, no entanto,
não satisfaz as normas legais em
ressai ter sido repelida a objeção
vigor.»
em causa, seja por ter considerado
item IV do art. 1? do Decreto-lei
Indeferido o recurso extraordinán? 1.783/80 como descrição sufi- rio e interposto agravo de instruciente do fato imponivel e estatui- mento, a este neguei seguimento
ção da base de cálculo e aliquota, se- com este despacho:
ja por entender que o Plenário des«Em que pese a douta argumenta Corte, no leading case menciotação, a novidade do recurso exnado, quando apreciou precisatraordinário não colhe o pretendido
mente hipótese sobre operações de
suporte para lograr prosperidade.
câmbio, ao dar pela legitimidade
O acórdão recorrido bem enfrentou
da cobrança do IOF, sob reserva
a questão, ora enfatizada pela Redo princípio constitucional da antecorrente,
ao ter como definido o farioridade, implicitamente reconheto gerador do IOF nos dizeres do
ceu, por igual, a sua estruturação
Decreto-lei n? 1.783 ao estabelecer
adequada.»
a incidência do imposto sobre operecurso extraordinário foi interrações de câmbio, o que represenposto pela letra a do permissivo
ta, nessa dicção, um pressuposto
constitucional, invocando contrariede fato inequívoco. Como diz
dade ao art. 97, III, do CTN, bem asAmilcar Falcão, «a caracterização
254
R.T.J. — 109
do fato gerador nem sempre, entretanto, se faz extensivamente na
Lei», limitando-se, muitas vezes, o
«legislador a mencionar um simples nomens juris, ou a fazer uma
enumeração meramente exemplif
cativa, deixando ao intérprete a tarefa de, com base na norma, conceituar concretamente o fato gerador em cada caso» (In Fato Gerador
da Obrigação Tributária, 4? ed.
pág. 43).
Ora, cabe dar à normá' do-Decreto-lei esse sentido interpretativo, notadamente sob o prisma
sistemático, em conexão com o que
dispõe o art. 63, II do CTN. Assim,
a interpretação do acórdão recorrido soa razoável (Súmula n? 400).
Desse modo, o argumento trazido pela Recorrente não tem força
para afastar o tranqüilo entendimento desta Corte quanto à legitimidade e constitucionalidade do
tributo em causa. Nego, pois, provimento ao agravo.»
Daí o agravo regimental, com a insistência no argumento sobre «a inexistência de lei definindo o fato gerador do '0F/câmbio» (fls. 95).
Mantido o despacho pelos seus fundamentos, vem o agravo a julgamento da Egrégia Turma.
E o relatório.
butária. E o meio pelo qual o legislador institui um tributo. Está criado um tributo, desde que a lei descreva a sua h. I., a ela associando
o mandamento pague.
Ao intérprete cabe reconhecer e
identificar os diversos aspectos da
h. i., aplicando as noções cientificas no seu trabalho exegético. Não
incumbe ao legislador desdobrar
sinoticamente, de forma didática,
seus comandos e preceitos,
esquematizando-os para facilitar o
trabalho do hermeneuta» (Ob. cit.,
págs. 64/82).
Por ai se vê que nem beneficia aos
Agravantes a doutrina por eles preconizada, que, na verdade, assenta,
como devido, no próprio conceito legal de fato gerador, dado pelo art.
114 do CTN, como a situação definida em lei como necessária e suficiente á sua ocorrência, originante
da obrigação tributária.
Ora, o Decreto-lei n? 1.783/80 não
está sujeito a equívoco quanto á instituição do imposto sobre operações
de câmbio, posto que determina claramente a sua cobrança, segundo as
aliquotas que menciona, bem como
faz perfeitamente identificável o fato
gerador, ou hipótese de incidência,
ou fato imponivel, ao dizer assim tributáveis as operações de câmbio, reVOTO
metendo, adequadamente, para a
sua configuração, ao art. 63 do CTN.
O Sr. Ministro Rafael Mayer (ReOra esse dispositivo de remissão,
lator): Para referir o ilustre Autor que passa a integrar necessariamende preferência dos Agravantes, cuja te a lei que a ele se remete, descreve
doutrina é contraposta sem razão ao de modo amplo e preciso, o fato gedo não menos ilustre tributarista rador do IOF, quanto ás operações
mencionado no despacho agravado, de câmbio, como «a sua efetivação
cito os trechos pertinentes da pre- pela entrega de moeda nacional ou
ciosa obra, Hipótese de Incidência estrangeira, ou de documento que a
Tributária, do renomado professor represente, ou sua colocação à dispoGeraldo Ataliba, a seguir:
sição do interessado, em montante
«A hipótese de incidência contém equivalente à moeda estrangeira ou
a descrição hipotética e abstrata nacional entregue ou posta à disposide um fato. E parte da norma tri- ção do interessado».
R.T.J. — 109
255
Como se vê é perfeitamente apreEXTRATO DA ATA
ensivel, nessas disposições legais, o
fato jurigeno do imposto cuja coAg. 95.898 (AgRg)-PR — Rel.: Min.
brança é determinada pelo prefaladO Rafael Mayer. Agtes.: Importadora
decreto-lei.
de Frutas Filomena Ltda. e outro
(Advs.: José de Magalhães Barroso
Esse diploma legal, completando a e outros). Agdo.: Banco Central do
sua missão instituidora do tributo Brasil (Advs.: Manoel Lucívio de
em causa, não só define assim a hi- Loiola e outros.
pótese legal (art. 1?), como a seguir
Decisão: Negou-se provimento ao
define quem sejam os contribuintes agravo
regimental. Decisão unâni(art. 2?), bem assim as entidades me.
responsáveis por sua cobrança e rePresidência do Senhor Ministro
colhimento (art. 3?).
Soares Mutioz. Presentes à Sessão os
E de ver que a argumentação dos Senhores Ministros Rafael Mayer,
Agravantes se põe em nível teórico e Alfredo Buzaid, Néri da Silveira e
doutrinário, sem que aponte, especi- Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
ficamente, a falha do texto legal, na da República, Dr. Francisco de Assis Toledo. tipificação da espécie tributária.
Brasília, 10 de fevereiro de 1984 —
Pelo exposto, nego provimento ao Antônio Carlos de Azevedo Braga,
agravo.
Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 96.022 — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
1?s Recorrentes: Mário Whittlesey Tebyriçá e outros — 2! Recorrente:
União Federal — Recorridos: os mesmos.
Encampação de empresa. Indenização. Decreto-lei n? 4.352/42.
Art. 868 e ff do Código Civil.
— Razoabllidade da interpretação dada pelo acórdão recorrido
aos dispositivos legais em causa, face às circunstâncias da causa. Recursos Extraordinários não conhecidos.
ACORDA0
RELATORIO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, em conformidade com a
ata de julgamentos e notas taquigráficas, por maioria de votos, em não
conhecer dos recursos
O Sr. Ministro Rafael Mayer: 1.
Mário Whittlesey Tebyriçá e outros,
ex-acionistas da Cia. Brasileira de
Mineração e Siderurgia S.A., incorporada ao patrimônio da União Federal pelo Decreto-lei n? 4.352/42, ajuizaram ação ordinária contra a mesma objetivando compeli-la:
«a) a transferir para o nome de
cada um dos Autores, ou a entregar a cada um deles, no caso de
Brasília, 28 de fevereiro de 1984 —
Soares Mufloz, Presidente — Rafael
Mayer, Relator.
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ações ao portador, proporcionalmente às ações que possuíam na
Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A., encampada
pelo Governo Brasileiro, tantas
ações da Companhia Vale do Rio
Doce, quantas, por força dos desdobramentos e bonificações de
7.000 ações do capital inicial desta
sociedade de economia mista, devam corresponder, na data da execução da sentença, a essas 7.000
ações;
a pagar, a eles Autores, todos
os dividendos correspondentes às
ações transferidas ou entregues;
ao pagamento de honorários
de advogado, à base de 20% sobre
o total da condenação, juros de
mora e custas judiciais.»
A pretensão teve por fundamento o
citado decreto-lei, o qual assegurou
aos acionistas, entre outras disposições, o seguinte:
«a) mandou pagar uma importância em dinheiro equivalente ao
capital realizado da mencionada
Companhia, ou seja, a quantia de
7.000 contos de réis (artigo 2? );
que «não implica em uma obrigação
de transferência mas, tão-somente,
uma autorização.» ( ) «Em conseqüência, além de defender a transferência de um ajuste sobre as indenizações devidas, a determinação do
número de ações a transferir, até o
limite de 7.000, estaria na dependência da fixação do valor da indenização e do valor de cada ação e a
quantidade das ações seria o quociente da indenização pelo valor atribuído a cada ação». (...) «No caso, a
União Federal concorda em transferir apenas 7.000 ações, e, assim, admitido que a autoridade legal permite a transferência das ações correspondentes aos desdobramentos, não
será possível concluir pela existência do direito pretendido pelos autores, quanto a estes, não sendo
possível condenar a ré a transferilas» (fls. 323/347).
3. O Tribunal Federal de Recursos, por maioria de votos, reformou
a sentença ( fls. 400/442) e, após, recebeu parcialmente embargos de declaração, estando a ementa redigida
nestes termos (fls. 472):
«Incorporação ao Patrimônio
Nacional dos bens da Companhia
b) que o tesouro nacional lhes
Brasileira de Mineração e Siderurtransferisse «até 7.000 ações da nogia S.A.
va companhia prevista no art. 6?
O art. 2?, § 1?, do Decreto-lei n?
para liquidar o ajuste que fizer
4.352, de 1942, previu dois pagasobre indenizações devidas» ( art.
mentos: a) o equivalente em di2?, § 1?).»
nheiro, ao Capital realizado da
Procrastinado por mais de 20 anos
companhia; b) a transferência de
o cumprimento da obrigação refeaté 7.000 ações da Companhia Vale
rente às ações, entendem os autores
do Rio Doce.
lhes ser devido o justo valor dos
No referente à entrega desses
bens encampados. Assim, sendo o
títulos deu-se que a União Federal
capital inicial da empresa de 200.000
incorrera em mora, pelo que terá
contos de réis, as 7.000 ações referique prestar com o acréscimo de
das no decreto-lei devem, 24 anos
prejuízos (art. 1.059 do Código Ciapós, guardar correspondência com
vil), isto é, os frutos das prestao capital atualizado da empresa.
ções.
2. A sentença julgou improcedente a ação, ao considerar que o
Porque o Capital da Vale do Rio
decreto-lei não mandou transferir
Doce sofreu majorações pela atua7.000 ações, mas até 7.000 ações, o
lização do seu ativo imobilizado e
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pela incorporação de reservas, os
antigos acionistas da Companhia
incorporada deverão receber, além
das mencionadas 7.000 ações, também, em proporção, as que foram
emitidas em decorrência dos aumentos de capital acima referidos.
Embargos recebidos parcialmente para esclarecer que os dividendos reclamados são devidos com
acréscimo de juros de mora, a partir da citação. Sem custas, vez que
por elas a União Federal não responde.
Ademais, o acórdão embargado
é de 31 de agosto de 1973, ocasião
em que ainda não entrara em vigor o novo CPC.»
Contra o acórdão de fls. 442 a
União Federal opõe embargos int ringentes (fls. 445) e recorre extraordinariamente ( fls. 475). Os embargos
foram recebidos, por maioria, com a
seguinte ementa (fls. 532/595):
«Encampação de Empresa. Indenização. Pactuado o pagamento
em ações da companhia sucessora,
celebrou-se, sem dúvida, obrigação
de dar coisa certa, assim configurada desde a posterior fixação do
quantum daquelas ações. Entretanto, não reclamada a tradição da
coisa, senão que com a citação para a ação, a contar dai com a
constituição do devedor em mora,
é que passaram a pertencer aos
credores os frutos e acréscimos.
Inteligência do art. 868 e parágrafos, do Código Civil, conforme as
peculiaridades da hipótese.»
Opostos embargos de declaração pelos autores, foram rejeitados
(fls. 600).
Daí o segundo recurso extraordinário da União dos autores aos
acórdãos de fls. 532/600.
O recurso extraordinário de
fls. 475, da União, alega negativa de
vigência do art. 460 do CPC — deci-
257
são extra petita, quanto à concessão
dos juros de mora sobre os dividendos e dissídio jurisprudencial.
O segundo recurso extraordinário, adesivo, da União, de fls. 651,
com relevância da questão federal,
sustenta violação dos arts. 122, n? 14,
e 153, 22, da CF e ao Decreto-lei n?
4.352/42, por entender o acórdão recorrido que este diploma consubstancia uma obrigação de dar coisa certa ou se constitui em contrato com a
administração.
O recurso extraordinário dos
autores sustenta ofensa ao art. 122
n? 14 da CF/37, porquanto a obrigação de indenizar seria\ a partir da
data da incorporação, quando a
União entrou na posse dos bens, e
não, como entendeu o acórdão da citação, quando, então, seriam devidos
os filhotes; negativa de vigência do
1? do art. 2? do Decreto-lei n? 4.352,
porque o cálculo da indenização deveria ser contemporâneo do dano,
não se compreendendo ficasse dependente do momento em que o devedor resolvesse a proceder à liquidação; negativa de vigência ao art.
863 do CC, porque o pagamento da
indenização em ações havia que ser
proporcional ao capital atual, e não
ao do inicial; ao art. 115 do CC, por
ter o acórdão admitido que a União
pudesse suspender o pagamento até
a liquidação, ou fazê-la quando bem
entendesse; aos arts. 952 e 960, 2?
parte, do CC, ao negar o acórdão a
natureza jurídica e os efeitos de interpelação ao «fato de que, desde
1944, os credores tenham perseguido
a entrega da coisa»; ao art. 955 do
CC, porque recusando-se os credores
a receber prestação diversa da devida, não incorreram em mora, como
pretendeu o acórdão. O recurso alega, também, dissídio jurisprudencial
com acórdãos de outros tribunais.
10. Inadmitidos os recursos, e rejeitada a argüição de relevância, subiram pelos provimentos dos Agra-
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258
vos n?s 84.279 e 84.280. A douta Procuradoria-Geral da República, em
parecer do Subprocurador-Geral da
República Dr. Mauro Leite Soares,
opina pelo não conhecimento, ou não
provimento.
2 o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Rafael Mayer (Relator): Toda a controvérsia reside na
interpretação e aplicação do art. 2? e
seu parágrafo único do Decreto-lei
nP 4.352, de 1942. Em virtude da incorporação ao patrimônio da União
dos bens da Companhia Brasileira
de Mineração e Siderurgia, para a
formação subseqüente da Companhia Vale do Rio Doce, ficou estabelecido nesse diploma legal que o Governo Federal indenizaria os acionistas da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A., com importância em dinheiro equivalente
ao capital realizado da mencionada
Companhia (art. 2?), e que o Tesouro
Nacional ficaria autorizado a transferir aos acionistas da Companhia
até 7.000 ações da nova Companhia,
para liquidar o ajuste que fizer sobre
indenizações devidas (Parágrafo
único).
Há uniformidade de entendimento
no sentido de que se trata de dois
títulos de pagamento, e é fato incontroverso que o primeiro item, pertinente á indenização dos acionistas
com importância em dinheiro equivalente ao capital realizado da companhia incorporada, já se cumpriu.
De modo que a discussão gira em
torno do segundo Item, em relação
ao qual se circunscreve o pedido.
A contraposição de entendimentos
a respeito dessa interpretação resulta de modo claro e definido dos votos
proferidos na instância da apelação.
Do Relator vencido, Ministro Armando Rolemberg, no sentido de que
não há obrigatoriedade da transfe-
rência aos acionistas, das pref aladas
7.000 ações, senão condicionada ao
ajuste que todavia não se verificou,
In verbis:
«A norma do § 1? do art. 2? do
Decreto-lei n? 4.352, como vimos,
não determinou que se fizesse a entrega, aos autores, de 7.000 ações,
e sim autorizou que se lhes transferisse até tal número de ações podendo a transferência variar, conseqüentemente, de 1 a 7.000, de
acordo com o ajuste que fosse feito.
O convite aos acionistas feito em
1964, portanto, desde que nada se
acordara antes, importou em proposta de ajuste, podendo-se entender que, ao fixá-la no máximo autorizado pela lei, a Administração
considerara, para fazê-lo, a desvalorização da moeda ocorrida desde
a organização da Cia. Vale do Rio
Doce até a época da proposta, pois,
se se tratava de compensação ou
bonificação sobre o capital da empresa encampada, como considerara a Comissão dos Acordos de
Washington (fls. 93/94), em cujos
documentos apoiou-se a Administração para entender que a transferência deveria ser efetuada, tal
bonificação ou compensação poderia corresponder, na época, a percentual mínimo de ações da nova
sociedade. Ora se se tratava de
proposta de ajuste e não foi aceita
nos termos em que foi formulada,
não houve ajuste, como acertadamente concluiu a sentença recorrida, do qual houvesse decorrido a
obrigação, por parte da União, de
entrega das ações.
Cumpre acrescentar, além disso,
que se considerado, como sustentaram os apelantes, que do art. 2?, §
1?, do Decreto-lei n? 4.352, decorrera para a União a obrigação de
transferência de ações da Cia. Vale do Rio Doce, tal obrigação seria
indeterminada pois se referia à
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transferência de até 7.000 ações e,
ou corresponderia a indenização a
ser apurada e, neste caso não se
poderia saber o total de títulos a
transferir senão depois de fixado o
valor a ser indenizado, ou corresponderia a bonificação ou compensação cuja fixação ficaria ao
arbítrio do devedor. No primeiro
caso não se poderia acolher a ação
porque não demonstrado o direito
à obtenção de indenização e nem
quais os elementos a serem considerados para fixá-la. No último, a
obrigação realmente somente se
tornaria certa se, feita a oferta pela União da transferência de 7.000
ações, houvesse sido aceita pelos
autores tal qual formulada.
Em qualquer hipótese, portanto,
não assiste aos autores o direito
pleiteado de obterem a transferência para os seus nomes de ações
em número que corresponderiam a
7.000 ações do capital inicial da
Cia. Vale do Rio Doce com os
acréscimos conseqüentes de reavaliação de ativo e incorporação de
reservas.
Nego provimento ao recurso.»
Enquanto isso, o entendimento do
Relator designado para o acórdão,
Ministro Jarbas Nobre, está assim
consubstanciado:
«O Decreto-lei n? 4.352, é lei no
sentido formal. E ato administrativo. E contrato com a Administração.
Contrato que é, ter-se-á, no caso
que examinar a intenção das partes no firmá-lo, no momento exato
em que isto ocorreu.
o Decreto-lei sob exame deixa
nítida a vontade real das partes,
qual seja, a da União, a de indenizar os acionistas da «Mineração e
Siderurgia», uma parte em dinheiro, e outra, em ações da «Vale do
Rio Doce», no máximo de 7.000.
A primeira parte foi cumprida.
259
A segunda, passados tantos anos,
pende de solução.
Ao que tenho, os acionistas,
quando se acordaram na encampação da Mineração e Siderurgia, objetivaram receber as 7.000 ações
de imediato, como de logo perceberam a parte da indenização em dinheiro
Como, constituída a nova Companhia, suas ações não foram entregues, como era de esperar,
segue-se que a União caiu em mora e, deste modo, terá que prestar
com o acréscimo dos prejuízos, assim entendidos, na forma do disposto no artigo 1.059, do Código Civil, tudo o que o credor efetivamente perdeu, e o que razoavelmente deixou de lucrar.
Pacífico que a União Federal devia dar 7.000 ações da «Vale do Rio
Doce», como complementação da
indenização dos acionistas da empresa encampada.
Constituída em mora, como ficou, está a devedora na obrigação
de entregar aos credores, os frutos
da prestação.
Ora, o capital da «Vale do Rio
Doce» sofreu majorações pela
atualização do seu ativo imobilizado e pela incorporação de reservas.
Em decorrência, novas ações foram emitidas e entregues aos seus
acionistas, com exclusão dos autores, já sócios, de fato.
Aí, os frutos pendentes.
Tenho, assim, que a União, em
verdade, deve aos seus credores,
não mais simplesmente as 7.000
ações da «Vale do Rio Doce», mas,
também, em proporção, as ações
que foram emitidas em decorrência dos aumentos de seu capital,
processados pelo modo acima referido, até o efetivo pagamento da
indenização devida.»
260
R.T.J. — 109
No voto médio, que veio a prevalecer, do eminente Ministro José Dantas, integrado no voto proferido nos
embargos de declaração, estes em
que se pedia para «declarar que a
União foi constituída em mora desde
a vigência do Decreto-lei n? 4.352 ou
pelo menos desde 28-12-44 data em
que os embargantes reclamaram a
entrega das ações», se vê que a interpretação do dispositivo em foco
guarda consonância, em princípio,
com o que lhe deu a sentença, bem
como o voto vencido no juízo de apelação. Como se vê:
«Penso que essa colocação foi
precisa em definir o termo a quo
da mora, no caso de entrega da
coisa certa. Primeiro, porque afirma que somente a partir da fixação do quantum das ações prometidas — até 7.000 — a obrigação
tornou-se certa na definição do gênero e quantidade da coisa; segundo, porque, forrada na prova dos
autos, afirma que os credores se
negaram a receber a coisa, por
força do querer recebimento a
mais, como seriam os frutos e
acréscimos.
Perde valia pois, em tema dos
declaratórios, desejarem os ora
embargantes que se haja ignorado
o fato de que, desde 1944, os credores tenham perseguido a entrega
da coisa, por via equiparável à interpelação. Na realidade, o que
eles acionaram na via administrativa desde aquela data i foi a formalização do ajuste previsto no
Decreto-lei n? 4.352/42, segundo o
qual caberia à União, sem prazo
para tanto, estabelecer o número
das ações devidas. Fixado esse número em 7.000, o máximo autorizado pela lei, os credores foram convocados por edital de 11-5-64, mas
se negaram ao ajuste, pleiteando,
via de pedido de reconsideração ao
Exmo. Sr. Presidente da República, maior número de ações, as
quais resultariam dos sucessivos
aumentos do capital da empresa. A
pretensão foi indeferida, conforme
aprovação presidencial do Parecer
n? 222-H, de 28-7-65, da lavra do Sr.
Consultor-Geral da República ( fls.
84).
Considerados esses fatos pelo voto médio, não há dizer-se que o
acórdão foi omisso quanto à «interpelação» constitutiva da mora
solvendi, pois, na verdade, tal «interpelação» não houve após o acerto da obrigação, de fixação quantitativa deixada a cargo do devedor.
Pelo contrário, a este acerto sucedeu a mora accipiendi, na recusa
ao recebimento da coisa certa oferecida pelo devedor, e cuja tradição somente veio a ser reclamada
na via judicial, cumulada ã pretensão dos frutos e acréscimos. Mas,
tais frutos e acréscimos, repetimos, pertencem ao devedor, nos
termos do art. 868 do Código Civil,
pelo que, salvo melhor juízo, não
podem ser adjudicados ao credor
senão que a partir da litispendência instaurada com a citação que
manifestou a pretensão do credor á
tradição da coisa certa oferecida
pelo devedor. Nesse campo conceptual da constituição das obrigações
certas, ligadas à tradição da coisa
para efeito de agregação dos frutos, é que residiu a divergência
mediadora entre o meu voto e os
que rejeitaram totalmente os infringentes; tudo isso no plano de
uma simples questão de direito,
aclarada e debatida, sem mácula
de omissão, obscuridade, dúvida
ou contradição do acórdão. Rejeito, pois, os embargos declaratórios.»
Ora, a interpretação do questionado dispositivo não conduz, nem por
sua letra, nem por sua significação
comparativa com o caput do artigo a
outro entendimento. Enquanto no
caput se dispõe sobre uma indenização incondicionada e imediata, fica
estabelecido, no parágrafo, que a
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R.T.J. — 109
forma de ressarcimento ali prevista,
pela entrega das ações, primeiro,
não é de quantidade líquida e certa,
pois é o desenganado sentido da expressão até 7.000 ações; segundo, et
pour cause, não é incondicional e
imediata, pois depende de negócio
jurídico de acertamento ou reconhecimento, que é a natureza do ajuste
a que a lei se refere.
Não vejo, portanto, como se possa
negar razoabilidade ao entendimento
do acórdão recorrido, pois resguardou o sentido da lei, de qualquer modo, com a construção jurídica mediadora, e não há recusar o senso do
equilíbrio e do justo na solução encontrada.
Aceito esse entendimento sobre a
razoável interpretação dada pelo
acórdão ao parágrafo em causa, perde consistência e oportunidade a invocação de negativa de vigência dos
dispositivos legais trazidos no recurso dos autores, do mesmo modo que
ficou superado o debate de questões
como as que são trazidas nos paradigmas judiciais, para efeito do
dissídio.
Entretanto, quanto a esses pontos
me reporto ao douto parecer da Procuradoria Geral da República, que
bem analisou-os. Quanto aos recursos da União, adoto o leal e claro entendimento do ilustre Subprocurador-Geral.
Nestes termos, não conheço dos recursos.
EXTRATO DA ATA
RE 96.022-RJ — Rel.: Min. Rafael Mayer. Rectes 1°) Mário Whittlesey Tebyrlçá e outros (Advs.:
Cláudio Lacombe, Seabra Fagundes
e outros). 2?) União Federal. Recdos.: Os mesmos.
Decisão: Depois do voto do Ministro Relator que não conhecia dos Recursos Extraordinários, o julgamento foi adiado em face do pedido de
vista do Ministro Oscar Corrêa. Impedido o Ministro Néri da Silveira.
Falou pelo 1? Recte. e Recdo.: Dr.
Seabra Fagundes. Falou pelo Ministério Público Federal Dr. Francisco
de Assis Toledo, SubprocuradorGeral da República.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. — SubprocuradorGeral da República, Dr. Francisco
de Assis Toledo.
Brasília, 28 de setembro de 1982 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
VOTO (VISTA)
O Sr. Ministro Oscar Corrêa: 1. Solicitei vista dos autos, após o voto do
Eminente Relator, Ministro Rafael
Mayer, em face de dúvidas que me
afloraram ao espírito, ante o debate
que se estabeleceu, alto e proficiente, neste plenário.
No seu seguro pronunciamento, o
Eminente Relator assim fixou os lindes da controvérsia (fls. 6 do voto).
«Toda a controvérsia reside na
interpretação e aplicação do art. 2?
e seu parágrafo único do Decretolei n? 4.352, de 1942. Em virtude da
incorporação ao patrimônio da
União dos bens da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia,
para a formação subseqüente da
Companhia Vale do Rio Doce, ficou
estabelecido nesse diploma legal
que o Governo Federal indenizaria
os acionistas da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia
S.A., com importância em dinheiro
equivalente ao capital realizado da
mencionada Companhia (art. 2?), e
que o Tesouro Nacional ficaria autorizado a transferir aos acionistas
da Companhia até 7.000 ações da
262
R.T.J. — 109
nova Companhia, para liquidar o
ajuste que fizer sobre indenizações
devidas (Parágrafo único).
Há uniformidade de entendimento no sentido de que se trata de
dois títulos de pagamento, e é fato
incontroverso que o primeiro item,
pertinente à indenização dos acionistas com importância em dinheiro equivalente ao capital realizado
da companhia incorporada, já se
cumpriu.
De modo que a discussão gira
em torno do segundo item, em relação ao qual se circunscreve o pedido »
2. A seguir, lembra o voto do Exmo. Ministro Armando Rolemberg,
que negava provimento ao recurso, o
do Exmo. Ministro Jarbas Nobre,
que lhe dava provimento, e o do Exmo. Ministro José Dantas, que veio a
prevalecer e com o qual concorda,
ao não conhecer dos recursos,
admitindo-o como razoável interpretação.
O voto do Exmo. Ministro José
Dantas assim resolveu a pendência
(fls. 576):
«Senhor Presidente, desde o
Início dos debates, ficou-me a impressão de que se discute em torno
de obrigação de dar coisa certa,
obrigação cuja existência esteve
na Lei que autorizou o Tesouro Nacional a compensar, mediante coisa certa, ações da nova companhia; obrigação que, aparentemente incerta porque até aí definida
apenas pelo gênero, veio a se tornar certa, desde quando a opção
deixada ao devedor na fixação do
quantum da coisa foi exercida mediante termos aos quais não se pode negar a formalização de um
verdadeiro contrato. Desde quando
a União devedora convocou os credores para o recebimento da obrigação, perdeu relevo discutir-se se
a União atendeu ou não à motiva-
ção daquela autorização legal para
acertar o número de ações a transferir.
Dos debates, percebi que nesse
ponto as partes estão de acordo já
que os credores próprios se disseram conformados com a fixação
daquele máximo de 7 mil ações. A
União, por sua vez, não nega o
compromisso de dar as 7 mil
ações. Logo, deste quadro, há de se
tirar determinadas conseqüências.
Dele parto para o art. 868 do Código Civil, na verificação de que, até
à tradição, pertence ao devedor a
coisa, com os seus melhoramentos
e acrescidos, pelos quais poderá
exigir aumento no preço e também
nos frutos. Diz o parágrafo: (lê).
Se fixado o acordo, se formalizado o contrato mediante repetidas
manifestações da vontade da
União, encontrada até num parecer aprovado pelo Presidente da
República, pergunto: e os frutos e
acréscimos? Eis a questão posta
nos autos. A controvérsia teria solução favorável aos credores, se no
nosso regime de direito se admitisse o principio consagrado em termos do direito de saisine, segundo
o qual, desde o contrato, a propriedade pertence ao credor. Mas, entre nós, na regra de direito positivo
que acabei de ler, tal não acontece.
A tradição, então, não se efetivou. Há de se dizer: a União estava
em mora com a tradição, e dai o
dever de indenizar os prejuízos da
mora. Respondo: Se a União, até
1965, quando fixou o quantum da
coisa, estava na faculdade de uma
opção, porque não lhe foi imposto
prazo certo de fixar a sua vontade,
não esteve em mora nesse período.
Teria estado a partir daquele parecer definitivo que fixou a quantidade da coisa? Também não esteve, porque os devedores é que se
negaram a receber a coisa.
R.T.J. — 109
Então, ainda no rumo desse raciocínio, desde quando há de se fir-
mar o termo da tradição, para
efeito de se reconhecer os acréscimos e frutos em favor dos credores? Parece-me, salvo engano, que
essa tradição se tornou figurada no
ato da litispendência; com a citação, pela qual os credores exigiram da União a tradição da coisa.
Desde ai frutos e acréscimos passaram a lhes pertencer, porque ai
se exercitou o direito à coisa prometida, com o dever da devedora
transmiti-la, independentemente
da discussão sobre os frutos e
acréscimos.
Sr. Presidente, sem condições de
dar cor e brilho ao meu voto, resumo a solução, recebendo parcialmente os embargos e definindo a
obrigação da União em transferir 7
mil ações da nova companhia e, a
partir da citação, todos os acréscimos e frutos da coisa, pois frutos
me parecem ser os dividendos, e
acréscimos sem dúvida que são os
chamados «filhotes de ações» derivados da reavaliação do ativo ou
de incorporação de reservas, se for
a espécie, tudo como se vier a liquidar na execução. Também em
referência à mora, fixo-a a partir
da citação.
Nestes termos, com a devida vênia dos eminentes Ministros que
me antecederam, recebo parcialmente os embargos para, assim,
solver a questão sub juclice.»
3. Nos embargos de declaração,
aduziu S. Exa. os seguintes esclarecimentos ( R S. 611/613):
«Penso que essa colocação foi
precisa em definir o termo a quo
da mora, no caso de entrega da
coisa certa. Primeiro, porque afirma que somente a partir da fixação do quantum das ações prometidas — até 7.000 a obrigação tornouse certa na definição do gênero e
quantidade da coisa; segundo, por-
263
que, forrada na prova dos autos,
afirma que os credores se negaram a receber a coisa, por força
do querer recebimento a mais, como seriam os frutos e acréscimos.
Perde valia, pois, em tema dos
declaratórios, desejarem os ora
embargantes que se haja ignorado
o fato de que, desde 1944, os credores tenham perseguido a entrega
da coisa, por via equiparável à interpelação. Na realidade, o que
eles acionaram na via administrativa desde aquela data foi a formalização do ajuste previsto no
Decreto-lei n? 4.352/42, segundo o
qual caberia à União, sem prazo
para tanto, estabelecer o número
das ações devidas Fixado esse número em 7.000, o máximo autorizado pela lei, os credores foram convocados por edital de 11-5-64, mas
se negaram ao ajuste, pleiteando,
via de pedido de reconsideração ao
Exmo. Sr. Presidente da República, maior número de ações, as
quais resultariam dos sucessivos
aumentos do capital da empresa A
pretensão foi indeferida, conforme
aprovação presidencial do Parecer
n? 222-H , de 28-7-65, da lavra do
Sr. Consultor-Geral da República
(fls. 84).
Considerados esses fatos pelo voto médio, não há dizer-se que o
acórdão foi omisso quanto à «Interpelação » constitutiva da mora
solvendi, pois, na verdade, tal «interpelação» não houve após o acerto da obrigação, de fixação quantitativa deixada a cargo do devedor.
Pelo contrário, a este acerto sucedeu a mora accipiendi, na recusa
ao recebimento da coisa certa oferecida pelo devedor, e cuja tradição somente veio a ser reclamada
na via judicial, emulada à pretensão dos frutos e acréscimos. Mas,
tais frutos e acréscimos, repetimos, pertencem ao devedor, nos
termos do art. 868 do Código Civil,
pelo que, salvo .melhor juízo, não
podem ser adjudicados ao credor
264
R.T.J. — 109
senão que a partir da litispendêneia instaurada com a citação que
manifestou a pretensão do credor à
tradição da coisa certa oferecida
pelo devedor
Nesse campo conceptual da constituição das obrigações certas, ligadas á tradição da coisa para
efeito de agregação dos frutos, é
que residiu a divergência mediadora entre o meu voto e os que rejeitaram totalmente os infringentes;
tudo isso no plano de uma simples
questão de direito, aclarada e debatida, sem mácula de omissão,
obscuridade, dúvida ou contradição do acórdão.»
Posta nestes termos, a controvérsia resume-se no exato alcance
do artigo 2? e seu parágrafo primeiro do Decreto-lei n? 4.352/1942.
Rezam artigo e parágrafo 1?:
«O Governo Federal indenizará
os acionistas da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia
S.A. com importância em dinheiro
equivalente ao capital realizado da
mencionada Companhia.
§ 1 ? . O Tesouro Nacional fica autorizado a transferir aos acionistas
da Cia. Brasil de Mineração e Siderurgia S.A. até 7.000 ações da nova
Companhia prevista no art. 6? para
liquidar o ajuste que fizer sobre indenizações devidas.»
Este parágrafo 1? o ponto crucial
da disputa: pretendem os Autores
que essa obrigação remonta ao Decreto n? 4.352 e à constituição da Cia.
Vale do Rio Doce — e, pois, 7.000
ações do seu capital inicial; pretende
a Ré que se julgue improcedente a
ação ( fls. 651 e seguintes), e, pois, se
lhes recuse o direito pleiteado. O v.
acórdão, concedeu-o a partir da citação para a ação.
Sem penetrar em outros aspectos da discussão, amplamente travada nos autos, vamos diretamente ao
que nos parece decisivo no debate: o
§ 1? do artigo 2?, ou seja, a transfe-
rência das ações para liquidar o
ajuste que fizer sobre indenizações
devidas.
O quantum das ações não é mais
objeto de dúvida, desde que, em 11-51964, a Recorrida convocou os exacionistas, ora recorrentes, a se manifestarem sobre a entrega, nessa
época, das referidas 7.000 ações. A
época em que deveria dar-se essa
entrega é a questão fundamental. E
há de ser, obviamente, a data que se
entenda como aquela em que se
liquidar, ou se houver liquidado o
ajuste sobre as indenizações devidas
O § 1? condicionou a entrega e a fixação do número de ações ao ajuste.
Vale dizer: a União pretendeu, antes
de mais, examinar a situação da empresa, para aquilatar do quantum
complementar de indenização que
deveria dar aos seus acionistas. Não
há de ser, assim, a data do decreto,
pois, então, não se conheciam esses
dados. Não é de admitir-se, também,
ficasse ao arbitrio da União oferecêlo quando lhe aprouvesse.
6. Verifica-se que, desde logo,
pleitearam os acionistas esse recebimento — e isto se vê dos autos, em
especial de fls. 86 — pelo menos desde 28-2-1944 e mesmo antes, como
afirmam recebimento que a União
procrastinou. Não colhe, pois, a assertiva do v. acórdão recorrido de
que «não reclamada a tradição da
coisa, senão que com a citação para
a ação, a contar dai com a constituição do devedor em mora, é que passaram a pertencer aos credores os
frutos e acréscimos.»
A fixação, em verdade, só se deu
em 1944, quando o Diretor Executivo
da Comissão de Controle dos Acordos de Washington considerou «regulares os registros contábeis da Companhia incorporada» e afirmou que
«se poderá determinar... a entrega
das sete mil ações, na conformidade
da lista de acionistas que acompa-
R.T.J. — 109
nha a comprovação apresentada»
(fls. 91), isto em 18-4-1944 (fls. 91v).
E, em 7-2-1945, em oficio do Superintendente da Vale do Rio Doce, Israel
Pinheiro da Silva, ao Ministro da Fazenda, Artur de Souza Costa, referendando ofício anterior, de 29-12-1943.
7. A nosso ver, a data a ser fixada como a da liquidação do ajuste
sobre indenizações devidas — como
prevê o § 1? do artigo 2? do Decretolei n? 4.352/42, deve ter em vista que,
no referido expediente de 29-12-1943
(fls. 103/104), se diz:
«...Submeto à apreciação de Vossa Excelência a minha prestação
de contas, relativa ao crédito de
cinqüenta e cinco milhões de cruzeiros (Cr$ 55.000.000,00), de que
trata o artigo quarto do Decretolei número quatro mil, trezentos e
cinqüenta e dois, de primeiro de
junho de mil novecentos e quarenta e dois. O crédito em referência
foi calculado com base nos balanceies apresentados pelas Companhias Brasileiras de Mineração e
Siderurgia e Itabira de Mineração
(em organização), dos quais constavam responsabilidades decorrentes da incorporação num total de
sessenta milhões de cruzeiros (Cr$
60.000.000,00). Aconteceu, entretanto, que, a Companhia Brasileira de
Mineração e Siderurgia Sociedade
Anônima, na parte relativa ás
obras da construção ferroviária de
Desembargador Drumond a Itabira, baseou sua estimativa, apenas,
nas medições provisórias que haviam sido realizadas até aquela
data. Providenciada, de acordo
com o Decreto-lei, a medição definitiva, da qual ficou encarregada a
comissão nomeada pelo Excelentíssimo Senhor Ministro da Viação verificou-se o primeiro aumento das responsabilidades assumidas pelo Governo Federal, em
relação à primitiva estimativa.
Idêntica situação encontrou-se na
parte referente às obras de cons-
265
trução do ramal ferroviário e do
embarcadouro especial de minério,
no Porto de Vitória. Por outro lado, quando do levantamento dos
balanços definitivos das companhias incorporadas, e depois de
procedidas as análises morais e
quantitativas de todos os seus títulos, verificou-se um déficit de que
resultou uma conseqüente alteração a maior no passivo a descoberto considerado. Somadas todas
essas importâncias, constantes,
aliás, das análises que acompanham o presente, constatou-se a
necessidade de um crédito suplementar da importância de dezoito
milhões, quinhentos e setenta e sete mil , duzentos e cinqüenta e oito
cruzeiros e sessenta centavos (Cr$
18.577.258,60) para liquidação total
das incorporações de que trata o
mencionado Decreto-lei. — Este
crédito suplementar deverá ser
aberto a favor da Companhia Vale
do Rio Doce, que vem procedendo
a liquidação do Ativo e Passivo
restantes das Companhias. Juntos,
encaminho, também, a Vossa Excelência um volume contendo os
balanceies e análises das companhias incorporadas, levantados pela Sociedade Técnica de Contabilidade e Administração, e com valor
em dezessete de junho de mil novecentos e quarenta e dois, bem como uma explanação e correspondentes análises, das indenizações
determinadas pelo Decreto-lei
quatro mil, trezentos e cinqüenta e
dois. O mencionado Decreto-lei,
no seu artigo segundo, parágrafo
primeiro, autoriza o Tesouro Nacional a transferir aos acionistas
da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia Sociedade Anônima, sete mil ações preferenciais da nova Companhia e, verificado, pela tomada de contas procedidas, serem regulares os registros
contábeis da Companhia incorporada, poderã Vossa Excelência, se
266
R.T.J. — 109
assim julgar oportuno, determinar
a entrega das ações em causa de
acordo com a lista de acionistas
junta. Os comprovantes originais
de todos os lançamentos constantes
da
escrituração
procedida,
encontram-se arquivados na Companhia Vale do Rio Doce, aguardando o destino que Vossa Excelência determinar. Tenho a subida
honra de apresentar a Vossa Excelência as minhas respeitosas saudações. a) Israel Pinheiro da Silva
— Superintendente.»
Em virtude disso, em 20-2-1945,
opinava a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional, como se vê do parecer do Dr. Consultor-Geral da República (fls. 86):
o...é melhor aguardar o resultado da verificação dos comprovantes sobre o excesso de despesa.»
E, como conseqüência, em 15-1245, baixava-se o Decreto-lei n? 8.378,
abrindo ao Ministério dá Fazenda o
crédito especial de Cr$ 18.562.309,90
«para pagamento (serviços e Encargos) à Companhia Vale do Rio Doce
S.A., destinado à final liquidação de
despesas decorrentes das incorporações de que trata o Decreto-lei n?
4.352, de 1-6-42».
A partir dessa data — 15-12-45 —
surgiu para a União a obrigação de
efetivar o ajuste, convocando os
acionistas ao recebimento.
Parece-nos, pois, claro que:
I — a fixação do número de
ações a serem entregues aos exacionistas só poderia dar-se após a
liquidação a que a União procederia, na vida da empresa;
II — esse número não excederia
7.000 ações da nova Companhia;
III — ao fixar os limites do ajuste a União teria em conta a indenização devida, comparativamente
ao valor das ações, para que lhes
fixasse o número, entre 1 e 7.000,
de modo a entender à indenização;
IV — a época do ajuste não poderia, evidentemente, ficar ao
arbítrio da União, como não poderia ser a data do Decreto-lei n?
4.352/42, visto como:
aquela, importaria em ilegal e injusta entrega da decisão
a uma das partes, unilateralmente;
esta, em antecipar liquidação, que não se fizera ainda e
que só ela poderia estabelecer o
limite da indenização em ações;
Quando, pois, em 1945, os órgãos administrativos da União, terminaram levantamento da situação
da Companhia, concluíram que,
diante dela, poderia a União entregar as 7.000 ações, e se baixou o
Decreto-lei n? 8.378, de 15-12-1945, para acorrer a essas despesas, aí estava a União obrigada a propor o ajuste aos acionistas, convocando-os.
E fixando o número em 7.000, como podê-lo-ia fazer de 1 até 7.000, obviamente admitiu ser este, à época,
o quantum devido. Nem é de aceitarse pudesse a União protelar essa entrega até maio de 1964; e, menos ainda, que só a partir do ajuizamento
da ação, e da citação, em 14-9-1967:
significaria isto injusto favorecimento do devedor relapso, em desfavor
do credor que tentava, suasoriamente, resolver a obrigação.
Estamos, pois, em que, desde 1512-45, quando se liquidou — isto é,
apurou, quantificou o ajuste, em face do levantamento feito e se abriu o
crédito para atendê-lo, estava a
União na obrigação de convocar os
acionistas ao recebimento das ações.
Não o fazendo, ofendeu os termos do Decreto-lei n? 4.352/42, art.
2?, § 1? e incidiu em mora. Não preciso, para isso, examinar a ofensa ao
art. 122, 14? da Constituição de 1937
— referente à prévia indenização —
porque dependente, no caso, da liqui-
R.T.J. — 109
dação a ser procedida; como não dou
pela negativa de vigência do art. 863
do Código Civil, se a coisa devida dependia, na época do Decreto-lei, dessa individuação. Mas acolho a invocação do art. 115 do Código Civil —
eis que não se poderia sujeitar a fixação do devido ao arbítrio de uma
das partes; como a admito quanto à
mora no cumprimento da obrigação,
evidenciada a ocorrência de reclamações dos recorrentes, pleiteando
esse cumprimento, que equivaleu à
interpelação que constitui em mora
o devedor (artigo 960, e segunda
parte); no que, aliás, dou por existente, outrossim, o dissídio jurisprudencial com as decisões invocadas
(fls. 643/644).
Não conheço do recurso da União,
com base no Decreto-lei n? 4.352/42 e
no 0 2? do art. 153 da Constituição,
porque não prequestionado este; e,
porque a nosso ver, o Decreto-lei deve ter a explicitação que lhe dá este
voto.
Nestes termos, não conheço do recurso da União e conheço do recurso
de Mario Whittlesey Tebyriçá e outros; e, conhecendo, dou-lhe provimento, para julgar a ação procedente, em parte, isto é, condenada a
União a transferir aos Autores, na
medida das ações que possuíam na
Companhia encampada, quantas,
por força de desdobramentos e bonificações do capital da Cia. Vale do
Rio Doce, excluídas as que tenham
sido objeto de subscrição por chamada de capital, equivalerem a 7.000
(sete mil ações) de 15-12-1945, na data da execução da sentença; mais dividendos a elas correspondentes; juros de mora, custas e honorários de
advogado, na base de 5%, tendo em
vista o quantum da condenação e ser
a Fazenda Pública vencida (art. 20,
4?, do CPC).
o voto.
267
EXTRATO DA ATA
RE 96.022-RJ — Rel.: Min. Rafael
Mayer. Rectes.: 1?) Mário Whittlesey Tebyriçá e outros. ( Advs.: Cláudio Lacombe, Seabra Fagundes e outros). 2?) — União Federal. Recdos.:
Os mesmos.
Decisão: O julgamento foi adiado a
pedido do Ministro Alfredo Buzaid,
após os votos dos Ministros Relator,
que não conhecia dos dois recursos,
e do Ministro Oscar Corrêa que não
conhecia do 2? recurso e conhecia
em parte do 1? e nessa parte lhe dava provimento. Impedido o Ministro
Néri da Silveira.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira. Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa — SubprocuradorGeral da República, Dr. Francisco
de Assis Toledo.
Brasília, 1 de março de 1983 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
VOTO (VISTA)
Recurso Extraordinário dos Autores: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid:
1. Mário Whittlesey Tebyriçá e
outros, não se conformando com os
acórdãos proferidos em grau de embargos infringentes e de embargos
declaratórios, deles interpõem recurso extraordinário para o Egrégio Supremo Tribunal Federal, com fundamento no art. 119, III, a e d da Constituição da República, alegando, em
resumo, que:
«Todas as decisões do Egrégio
Tribunal Federal de Recursos reconheceram a procedência da ação
e, conseqüentemente, o direito de
os ora recorrentes receberem 7.000
ações da Companhia Vale do Rio
Doce, com o acréscimo das que foram atribuídas aos acionistas em
resultado de incorporação de re-
268
— 109
servas e correção monetária do
ativo (os chamados «filhotes das
ações»), bem como os dividendos
distribuídos e juros de mora sobre
eles.
evidente que o presente recurso não versa sobre estes pontos, favoráveis aos recorrentes
Enquanto, porém, o acórdão proferido em grau de apelação condenava a União aos acréscimos dos
«filhotes de ações» e dividentos a
partir de 1942, data da incorporação, os acórdãos proferidos em
embargos infringentes e declaratórios destes fixaram o termo a quo
desses acréscimos a partir de 1967,
mais especificamente, da data da
citação, por entenderem que só então estava a ré constituída em mora.
apenas este ponto que constitui
objeto do presente recurso» (fls.
626/627).
Assim decidindo, prosseguem os
recorrentes, as decisões referidas:
a) ofenderam o art. 122, n? 14 da
Constituição de 1937; b) negaram vigência ao parágrafo 1? do art. 2? do
Decreto-lei n? 4.352, de 1? de junho
de 1942; c) negaram também vigência aos arts. 115, 863, 952, 953 e 960
do Código Civil e do principio da boa
fé; d) divergiram de decisões de outros tribunais.
A controvérsia, quanto ao recurso
extraordinário dos autores, cinge-se
à fixação do termo inicial do acréscimo de filhotes de ações e de dividendos a partir de 1942; as decisões recorridas fixaram-no a partir da citação da União Federal, porque só então estava a ré constituída em mora.
2. Quanto à primeira alegação de
ofensa ao art. 122, n? 14 da Constituição de 1937, tenho para mim, acompanhando neste ponto o r. despacho,
que negou seguimento ao recurso extraordinário (fls. 671), que esta
matéria não foi prequestionada,
aplicando-se, pois, as Súmulas n?s
282 e 356. Na verdade, como observa
o douto parecer da ProcuradoriaGeral da República:
«O invocado principio constitucional do «direito de propriedade,
salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia» não
possui pertinência com o caso
constante dos autos, simplesmente
porque não houve desapropriação
de qualquer bem, mas, sim, incorporação mediante acordo prévio
entre as partes, com pagamento
em dinheiro à época e mais outra
parcela, constituída de até sete mil
ações, que seria objeto de entendimento em face do tombamento e
avaliação do património transferido da antiga empresa, entendimentos esses que se prolongaram no
tempo e sem que se possa dizer ou
atestar de quem a culpa pela não
conclusão dos mesmos ou se houve
apenas desinteresse por qualquer
das partes» ( fls. 704/705).
3. A segunda alegação dos recorrentes, autores da ação, e que as decisões recorridas negaram vigência
ao parágrafo 1? do art. 2? do
Decreto-lei n? 4.352. Este fundamento do recurso extraordinário está em
intima correlação com o primeiro
fundamento, alegando no número
precedente. Desenvolvem os recorrentes esta matéria, dizendo:
«Como foi explicado acima (n? 4
seg.), não obstante este diploma
haver decretado uma desapropriação, os respectivos trabalhos preparatórios mostram que, quanto às
condições da incorporação, ele resultou da negociação de um acordo
entre o Governo e os interessados.
Com efeito, em 8 de abril de 1942
(dois meses antes da publicação do
diploma ), a Comissão de Controle
dos Acordos de Washington reuniuse com os representantes da Companhia e comunicou-lhes ser inten-
R.T.J. — 109
ção do Governo adquiri-la, mediante o pagamento de «sete mil
contos de réis e mais uma compensação em ações da nova companhia, atendendo-se ao fato de haverem mantido um empreendimento
que possibilitara agora ao Brasil o
acordo com os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha» (fls. 92v.).
«Ficou acertado que os diretores
da Companhia... enviaram, depois,
um novo memorial à Comissão sobre o assunto» (fls. 93). E, no relatório apresentado ao Ministro, em
29 desse mês, refere a Comissão
que aqueles entregaram efetivamente uma «proposta» com as condições para a alienação das suas
ações, que incluíam o pagamento
de 7.000 contos em dinheiro e, atendendo ao preço por que fora adquirido o acervo da estrada de Ferro
Vitória-Minas, a transferência de
ações da companhia a criar; em
contrapartida da atribuição destas
ações, os acionistas desistiriam da
garantia de juros atrasados, devidos pelo Governo.
Em face disto, a Comissão sugeriu ao Ministro que o Governo aceitasse a solução proposta pelos
acionistas, salientando as vantagens da «desapropriação amigável» (fls. 93v.), que ela adota no
projeto de diploma legal (futuro
Decreto-lei n? 4.352), que junta
(fls. 94/96v.).
Pode, obviamente, . criticar-se o
rigor jurídico desta «desapropriação amigável»; mas a fórmula revela bem que houve a intenção de
operar, através de um diploma legal de desapropriação, a venda já
ajustada. E, como nesta funciona o
principio, decorrente da natureza
sinalagmática da relação, da simultaneidade do pagamento do
preço e da entrega da coisa (art.
1.130 CC), só afastável por declaração expressa das partes, é legitimo
afirmar que a interpretação do
269
Decreto-lei n? 4.352 leva a concluir
que a obrigação de pagar a indenização se vencia com o desapossamento dos bens alienados à União»
(fls.)
E certo que todas as Constituições
republicanas garantiram o direito de
propriedade, salvo a desapropriação
mediante indenização prévia (de
1891, art. 72, § 17; de 1934, art. 113, n?
17; de 1937, art. 122, n? 14; de 1946,
art. 141, § 16; de 1967, com a Emenda
n? 1 de 1969, art. 153, § 22). Ocorre
que, no caso dos autos, não houve
decreto de declaração de utilidade
pública, nem de desapropriação de
ações da Companhia Brasileira de
Mineração e Siderurgia. Houve isso
sim, um acordo, tal como foi descrito pelos recorrentes (fls. 631/632), de
que resultou o Decreto-lei n?
3.452/42, cujo parágrafo 1? do art. 2?
autoriza o Tesouro Nacional «a
transferir aos acionistas da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia até 7.000 ações da nova Companhia prevista no art. 6?, para liquidar o ajuste que fizeram sobre indenizações devidas». Bem se vê, pois,
que não houve verdadeira desapropriação, quer de bens, quer de ações
da referida Companhia.
4. A terceira alegação dos recorrentes-autores sustenta a negativa de vigência do art. 863 do Código Civil. Argumentam que:
«Os acórdãos recorridos, porém,
entenderam que a obrigação versada sobre ações de 1967, que representam direitos de conteúdo diferente daquelas. Quer dizer: os
acórdãos recorridos permitiram ao
devedor que se liberasse da sua
obrigação entregando coisa diferente da devida — o que envolve
manifesta negativa de vigência do
art. 863 do Código Civil» (fls. 633).
Penso que esta norma legal não foi
prequestionada nos acórdãos recorridos. O v. acórdão, proferido em embargos à Apelação n? 26.624, refere-
270
R.T.J. — 109
se à inteligência do art. 868 do Código Civil, nos embargos de declaração, a norma sobre que se questionou foi a do art. 868 do Código Civil,
como se pode ver do voto do eminente Ministro José Dantas:
«Considerando esses fatos pelo
voto médio, não há dizer-se que o
acórdão foi omisso quanto à «interpelação» constitutiva da mora
solvendi, pois, na verdade, tal «interpelação» não houve após o acerto da obrigação de fixação quantitativa deixada a cargo do devedor.
Pelo contrário, a este acerto sucedeu a mora accipiendi, na recusa
ao recebimento da coisa certa oferecida pelo devedor, e cuja tradição somente veio a ser reclamada
na via judicial, cumulada à pretensão dos frutos e acréscimos. Mas,
tais frutos e acréscimos, repetimos, pertencem ao devedor, nos
termos do art. 868 do Código Civil,
pelo que, salvo melhor juízo, não
podem ser adjudicados ao credor
senão que a partir da litispendêneia instaurada com a citação que
manifestou a pretensão do credor à
tradição da coisa certa oferecida
pelo devedor» (fls. 612/613).
Todavia, ainda que se tivesse prequestionado o art. 863 do Código Civil, ele não viria em abono da tese
dos recorrentes. O art. 863 do Código
Civil dispõe sobre obrigação de dar.
Ora, como ensina Washington de
Barros Monteiro,
«Essa obrigação, como já advertia Pothler, só confere ao credor
simples direito pessoal (jus ad
rem) e não real (jus in re). Assim,
por exemplo, pelo contrato de compra e venda, relativos a coisa certa, o vendedor não transfere desde
logo o domínio; obriga-se apenas a
transmiti-lo. Em tais condições, se
o alienante não torna efetiva a
obrigação assumida, deixando de
entregar a res certa avençada, não
pode o adquirente requerer-lhe a
reivindicação. Falta-lhe o domínio
e sem esse requisito substancial
não pode vingar a ação para entrega da coisa vendida. Assiste-lhe,
tão-somente, direito de mover ação
de indenização, a fim de ser ressarcido dos prejuízos que sofreu
com a inexecução da obrigação,
nos termos do art. 1.056, do Código
Civil» (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, vol.
IV, 118 ed., pág. 55/56).
E mais adiante:
«Até à tradição, pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais
poderá exigir aumento do preço.
Se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação ( art.
868) Em tais condições, se a coisa
ao invés de deteriorar-se, como foi
exposto precedentemente, obtém
aumento de valor, mercê de acrescidos e outros melhoramentos,
beneficiar-se-a a parte que lhe suportava os riscos (commodum ejus
esse debet, cajus et periculum).
O mesmo acontece em todos os
casos que a coisa se desdobre ou
dilate. Suponha-se, exemplificativamente, que o objeto da obrigação seja um animal que depois venha a ter cria. Se o devedor se
obrigou a entregar o semovente A,
não pode ser compelido a entregalo com o respectivo produto. Ao devedor assiste, nesse caso, direito
de exigir aumento do preço, pelo
acréscimo que teve a coisa. Caso o
credor não deseje anuir, poderá o
devedor resolver a obrigação.
Excetua-se a hipótese prevista na
Lei n? 492, de 30 de agosto de 1937,
art. 12, § 2?.
Igualmente, os frutos percebidos
são do devedor, cabendo ao credor
os pendentes (art. 868, parágrafo
único). No primeiro anteprojeto
brasileiro do Código das Obrigações não se invocou a respeito,
consoante se verifica dos arts. 187
R.T.J. — 109
271
a 189. No moderno, o devedor só é União a partir da citação inicial. Asobrigado a entregar os frutos pen- sim decidindo, não negou vigência
dentes (art. 97)» (Ob. cit., vol. IV, ao art. 863 do Código Civil.
pág. 64).
Em sua quarta alegação, afirEsta é também a lição de Caio mam os recorrentes — autores —
que os acórdãos recorridos negaram
Mário da Silva Pereira:
vigência ao art. 115 do Código Civil,
«O problema ligado aos efeitos que, em sua parte final, reza:
da &Abono dandi é de solução va«Entre as condições defesas se
riável em razão da diversidade
incluem as que privam de todo o
conceituai dominante em um ou
efeito o ato, ou sujeitarem ao
outro sistema jurídico. Reportanarbítrio de uma das partes».
do-nos ao Direito Romano, ali vemos que traditionibus et usucaEsta matéria é correlata com a
pionibus non nudis pactis domi- anterior que versou sobre a mora
nia rerum transferuntur, o que accipiendi dos autores, a qual soem vernáculo significa não ser mente cessou quando a União foi cipossível a transmissão dominial tada para a ação. Por isso não podas coisas solo consensu. No direi- dem ser invocados utilmente os arts.
to moderno, duas correntes de 952 e 960, segunda parte, do Código
idéias informam as legislações. De Civil, porque na verdade não houve
um lado a tradição romana, vigen- interpelação anterior à propositura
te no sistema brasileiro, como no da ação. Foi o que acentuou .o v.
alemão, segundo a qual a proprie- acórdão recorrido:
dade se não transfere pelo contra«Perde valia, pois, em tema dos
to, porém exige, além deste, a tradeclaratórios,
desejarem os ora
dição para as coisas móveis, ou a
embargantes
que
se haja ignorado
transcrição para as imóveis. De
o fato de que, desde 1944, os credooutro lado a sistemática francesa,
res tenham perseguido a entrega
a que se prendem outros códigos,
da coisa, por via equiparável à inmesmo modernos como o italiano
terpelação. Na realidade, o que
de 1942, atribuindo ao contrato o
eles
acionaram na via administraefeito translatício do domínio.
tiva desde aquela data foi a formalização do ajuste previsto no
Para o Direito brasileiro, portanDecreto-lei n? 4.352/42, segundo o
to, a obrigação de dar executa-se
qual caberia à União, sem prazo
pela traditio, e somente com esta
para tanto, estabelecer o número
nasce o lus in re, distinguindo-se
das ações devidas» (fls. 612).
portanto o direito real do lus ad
rem, originário diretamente do
Por estas mesmas razões, bem se
contrato. No sistema francês há vê que não houve violação do art. 955
uma simplificação dessas opera- do Código Civil.
ções, pelo fato do contrato, por si
Pretendem os recorrentes-ausó, ter o efeito de criar o direito
real» (Calo Mário da Silva tores comprovar o dissídio 'urisPereira, Instituições de Direito Ci- prudencial, invocando o v. acórdão
vil, vol. II, 3? ed., 1972, n? 133, proferido pela Primeira Câmara do
Egrégio Tribunal de Justiça de Mipágs. 53/54) .
nas Gerais (Rev. For., vol. XC, 1942,
O Egrégio Tribunal Federal de Re- pág. 798), o acórdão da Egrégia
cursos, em estrita observância das Quarta Câmara Civil do Tribunal de
normas legais, se acabam de ser co- Alçada de São Paulo, em 6-8-42
mentadas, só considerou em mora a (Rev. Trib., vol. 142, pág. 570) e o
272
R.T.J. — 109
acórdão da Primeira Câmara Civil
do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, em 12-10-59 (Rev. Trib., vol.
304, pág. 754).
Empenhado foi, sem dúvida, o esforço dos recorrentes, mas as peculiaridades do caso sub judice não se
assemelham nem a identificam com
os padrões de confronto Por todo o
exposto, não conheço do recurso extraordinário dos recorrentes-autores,
data venia do eminente Ministro Oscar Corrêa, acompanhando o eminente Ministro Rafael Mayer.
Recurso Extraordinário da União:
7. Dois são os recursos extraordinários interpostos pela ré União Federal. O de fls. 475 tem por objeto o
v. acórdão, proferido em embargos
de declaração, que mandou incidir
os juros da mora sobre os dividendos. O segundo de fls. 647 e seguintes
sustenta que o v. acórdão recorrido
negou vigência ao Decreto-lei n?
4.352, porque «de regra jurídica que
transcende a esfera individual foi
transformada em contrato consubstanclador de um negócio jurídico»
(fls. 660).
Sobre ambos os recursos, assim se
pronunciou a douta ProcuradoriaGeral da República:
«Quanto aos dois recursos da segunda recorrente, fls. 475/651, fundados nas letras a e d, respectivamente, não procedem igualmente.
O primeiro deles, alegando negativa do art. 460 do Código de Processo Civil, quanto à concessão dos juros de mora sobre os dividendos,
porque tal verba foi expressamente solicitada na petição inicial, fls.
42, ratificada no recurso de apelação fls. 369, e, assim, os embargos
de
fls.
468
declaratórios
constituíram-se em simples meio
adequado para suprir a omissão
anterior, em conseqüência lógica à
condenação determinada pelo
acórdão então embargado.
O segundo, proposto adesivamente, na forma do art. 500 e seguintes
do Código de Processo Civil e solicitando a improcedência total da
ação, porque negado foi o Decretolei n? 4.352/42, também não merece
conhecimento nos termos do anteriormente aduzido em relação à interpretação do art. 2?, 1?, do diploma legal em questão, ao lado de
não se ter trazido ao dissídio nenhum acórdão» ( fls. 708/709).
Pelas considerações que vêm de
ser feitas, não conheço também dos
recursos da União, acompanhando
os eminentes Ministros Rafael Mayer e Oscar Corrêa.
E o meu voto.
VOTO
O Sr. Ministro Soares Mufioz (Presidente): Recebi memoriais a respeito dessa causa e, ainda há poucos
dias, uma cópia do memorial oferecido pelos autores, ora primeiros recorrentes, acompanhada de pareceres do eminente Ministro Victor Nunes e do saudoso Ministro Carlos Medeiros. Li esses memoriais — a matéria é muito interessante, complexa
e de grande relevância, principalmente pelo vulto da questão — e me
capacitei, data venha do voto do eminente Ministro Oscar Corrêa, do
acerto do voto do eminente Relator,
Ministro Rafael Mayer, agora confortado pelo pronunciamento do eminente Ministro Alfredo Buzaid, que
demonstrou, com argumentos convincentes, ter o acórdão recorrido
decidido corretamente, ao considerar como em mora a União tãosomente a partir da citação, em face
da natureza jurídica da obrigação,
bem traçada nos votos que versaram
o assunto.
No que diz respeito ao recurso da
União, a matéria já não se apresenta
com a complexidade do recurso dos —
autores, e neste ponto houve unani-
273
R.T.J. — 109
midade dos votos até agora pronunciados, com os quais também concordo.
Acompanho, assim com a vênia
do eminente Ministro Oscar Corrêa,
os votos dos eminentes Ministros Rafael Mayer e Alfredo Buzaid.
Decisão: Não se conheceu dos dois
recursos extraordinários vencido em
parte o Ministro Oscar Corrêa que
conhecia parcialmente do 1? recurso
e lhe dava provimento nessa parte.
Impedido o Ministro Néri da Silveira.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
EXTRATO DA ATA
Senhores Ministros. Rafael Mayer,
Alfredo Buzaid, Néri da Silveira e
RE 96.022-RJ — Rel.: Min. Rafael Oscar Corrêa — SubprocuradorMayer. Rectes.: 1? Mário Whittlesey Geral da República, Dr. Francisco
Tebyriça e outros. (Advs.: Cláudio de Assis Toledo.
Lacombe, Seabra Fagundes e ouBrasília, 28 de fevereiro de 1984 —
tros). 2? União Federal. Recdos.: Os Antônio Carlos de Azevedo Braga,
mesmos.
Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 96.105 — RJ
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Decio Miranda.
Recorrentes: 1?) Paulo Arthur Leite Bastos e outros — 2?) Sérgio Dourado Empreendimentos S.A. — Recorridos: os mesmos, Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. (falida), Graça Engenharia Comércio e Indústria
S.A. (massa falida), representada pelo seu síndico Manoel Bezerra Leite.
Civil. Incorporação imobiliária. Falência do incorporador. Interrompida a Incorporação pela falência do incorporador, os titulares de
promessas de venda decorrentes dessa incorporação têm opção para
prosseguir, eles próprios, desde que em maioria, na construção e operações faltantes da Incorporação (art. 43, III, da Lei n? 4.591, de 16-1264) ou habilitar-se na falência do Incorporador, privilegiadamente, pelas quantias pagas. Não lhes é dada a faculdade de consignar em pagamento ã Massa Falida do incorporador simplesmente o que consideram saldo do preço da quota de terreno objeto da Incorporação, para o efeito de obter o cumprimento da promessa de venda da aludida
quota. Tal providência importaria em isolar, em detrimento da massa
falida, uma parte do negócio estabelecido com o incorporador, sem
assumirem os consignantes a outra parte, isto é, a posição de continuadores da incorporação e da construção.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em segunda turma, na conformidade da ata
do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
não conhecer de ambos os recursos.
Brasília, 13 de dezembro de 1983 —
Djaci Falcão, Presidente — Decio
Miranda, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Decio Miranda: A
Procuradora da Justiça Dra. Mariza
Clotilde Villela Perigault, em preâm-
274
R.T.J. - 109
bulo a seu parecer, pronunciando-se
sobre as apelações em cinco ações
conexas, faz minucioso relatório sobre as questões em debate, a dizer:
«1. Versa a espécie cinco ações
conexas, postuladas contra a
Massa Falida de Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. e outros, com pertinência à incorporação e construção pela falida Graça
Engenharia Comércio e Indústria
S.A. de dois edifícios em terreno à
Avenida Rainha Elizabeth n? 403, e
julgadas conjuntamente pelo MM.
Dr. Juiz a quo pela sentença de fls.
163/177.
Assim, em janeiro de 1973 ajustou a firma Graça Engenharia Comércio e Indústria SÃ. com a
Sérgio Dourado Imobiliária Ltda. o
lançamento da referida incorporação (V. fls. 187/208 do 9? apenso,
processo 99.391), lançamento que,
efetivado, resultou em singular sucesso, com alienação das respectivas unidades nos termos do art. 41
da Lei n? 4.591, de 1964, que dispõe
sobre o condomínio em edificações
e as incorporações imobiliárias,
em principio do mesmo ano de 1973
(V. contratos de fls. 85/91, 94/100,
107/113, 116/121, 12,6/131_136/141,
146/151, 155/160, 164/169, 172/177,
181/186, 192/197, 200/205, 209/214,
220/225, 231/238, 241/246, 255/260,
263/268, 274/279, 283/288, 293/298,
302/307, 312/318, 321/326, 330/335,
338/343, 346/351, 354/359, 368/373,
376/381, 385/390, 393/398, 401/406,
410/415, 418/423, 426/431, 435/440,
447/452, 457/462 e 472/477 do 6?
apenso, 110.033 e respectivas cláusulas 2.2).
2. Tendo sido decretada em 15
de abril de 1974 a falência da
Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. (V. certidão de fls. 81
do 4? apenso, Processo n? 99.391),
cinqüenta e nove promissórios
compradores de unidades daquela
incorporação, encabeçados por
Paulo Arthur Leite Bastos, ajuizaram no Juízo falimentar, em novembro de 1974, contra a Massa
Falida dá Graça Engenharia Comércio e Indústria S/A. o Banco
Baú S.A. José Adolpho da Silva
Gordo . e Sebastião do Espirito
Santo, ação ordinária de indenização de perdas e danos, que recebeu
o n? 98.558 e na qual pleiteiam receber:
o quantum satis para custeio da diferença entre o preço
efetivo estabelecido nos contratos
de promessa de compra e venda,
para aquisição das frações ideais
do terreno e as eventuais diferenças, de tal sorte que não dispendam mais do que aquilo que as
escrituras lhe impõem com vistas à obtenção das respectivas
escrituras definitivas;
o quantum satis para pagamento das cotas de construção,
levando em conta os valores predeterminados nos respectivos
contratos, as variações das UPCs
e as épocas dos vencimentos contratuais daquelas prestações, suportando os RR. as variações das
citadas UPCs e os aumentos da
construção civil, até final conclusão dos edifícios e concessão dos
respectivos «habite-se»;
o valor correspondente aos
alugueres pagos por aqueles que,
não residindo em casa própria,
estão obrigados a suportá-los, até
o momento da conclusão das
obras, tendo em vista a data prevista para entrega de suas unidades de acordo com os respectivos
contratos e a ser apurado em
execução;
lucros cessantes e danos
emergentes conseqüentes da paralisação das obras em face do
retardo na sua conclusão;
5?) condenação acessória em
honorários e custas. ( V. fls. 29/30
do Processo n? 98.558. 9? apenso).
R.T.J. — 109
Posteriormente, Mario Burdman, que Inicialmente integrara o pólo ativo daquela ação de
perdas e danos e desistira da postulação (fls. 2, 294/296 verso do citado Processo n? 98.558, 9? apenso)
ajuizou com sua mulher, em
março de 1975, no mesmo Juízo (alimentar, contra a Massa Falida
de Graça Engenharia Comércio e
Indústria S.A., Sérgio Dourado
Empreendimentos
Imobiliários
S.A., Banco liai S.A., José Adolpho
da Silva Gordo, Sebastião do
Espírito Santo e terceiros interessados, ação ordinária de rescisão
do contrato de promessa de venda
de uma das unidades daquela incorporação, celebrado com a
Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A., com a anulação da
obrigação principal nele contida e
das obrigações adjetas, ou seja, as
notas promissórias emitidas pelos
AA. em razão do mesmo contrato e
a condenação solidária dos RR. a
restituir o valor corrigido do que
pagaram em razão do dito contrato, além das condenações acessórias em honorários de advogado e
custas, processo que recebeu o n?
99.391 (3? e 4? apensos).
Mais tarde, já em março de
1976, os mesmos 59 condóminos encabeçados por Paulo Arthur Leite
Bastos, autores da ação de indenização de perdas e danos, Processo
n? 98.558, ajuizaram contra a Massa Falida embargos de terceiro objetivando o terreno da mencionada
Incorporação, à Avenida Rainha
Elizabeth n? 403, arrecadado pela
Massa em novembro de 1974, processo que recebeu o n? 104.337 (10?
e 11? apensos, V. fls. 2/33).
5. Posteriormente, em setembro
de 1977, quarenta daqueles condôminos encabeçados por Paulo Arthur Leite Bastos que postularam
os embargos de terceiro, ajuizaram contra a Massa Falida da
Graça Engenharia Comércio e In-
275
~iria S.A. ação consignatória das
importâncias que consideravam
saldo do preço das respectivas frações ideais de terreno aos mesmos
prometidos vender na citada incorporação, processo que recebeu o n?
110.033 (5? e 6? apensos).
6. Afinal, em outubro de 1977, a
Sérgio Dourado Empreendimentos
Imobiliários S.A., na qualidade de
cessionária dos direitos pertinentes
às promessas de venda das unidades 503 do Edifício Arpoador e 503
e 603 do Edifício Castelinho, todas
da mesma incorporação, também
ajuizou contra a Massa Falida da
Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. ação consignatória da
importância de Cr$103.802,00, que
considera o saldo do preço da aquisição das frações ideais de terreno
correspondentes às ditas unidades,
objetivando a decretação da extinção das obrigações de pagamento
dos preços das referidas frações de
terreno, processo que recebeu o n?
111.270 (os presentes autos e o 1?
apenso).
Com referência a essa ação de
consignação é de ser esclarecido
que a Autora, Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A.,
muito embora se qualifique como
cessionário dos direitos à aquisição
das unidades 503 do Edifício Arpoador e 503 e 603 do Edifício Castelinho, instruiu a inicial com as
escrituras de promessa de cessão
dos mesmos direitos ( fls. 18/20 e
fls. 30/33 e 41/43), datada a primeira de 30 de janeiro de 1974 e as
duas últimas de 20 de dezembro de
1973, registrada a primeira (apartamento 503 do Edifício Arpoador),
no 5? Oficio do Registro Geral de
Imóveis em 2 de junho de 1977 (fls.
21/22) e a segunda, pertinente ao
apartamento 503 do Edifício "Castelinho, no mesmo 5? Ofício do Registro de Imóveis, em 7 de junho de
1977 (fls. 32 e 34 do.1? apenso).
276
R.T.J. — 109
No que se refere ao apartamento
603 do Edifício Castelinho, a escritura de promessa de cessão de fls.
41/43 foi registrada no Registro de
Imóveis em 16 de agosto de 1977,
conforme noticiam as certidões de
fls. 44/45 do 1? apenso. Ditas certidões ainda fazem menção de que
por escritura de 10 de agosto de
1977, os promitentes cedentes
Israel Grodetzky e sua mulher efetivaram a cessão dos direitos pertinentes ao dito apartamento 603.
Todavia, não veio aos autos traslado ou certidão dessa escritura de
cessão, salvo erro de nossa parte.
Cumpre ainda ser esclarecido
que o cedente dos direitos pertinentes aos apartamentos 503 e 603 do
Edifício Castelinho, Israel Grodetzky, não obstante os termos das
escrituras que outorgou em 20 de
dezembro de 1973 à Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A., fls. 18/20 e fls. 30/33, do
1? apenso, em caráter irrevogável
irretratável, com quitação de
preço, imissão de posse e total subrogação de direitos e obrigações
dos contratos originários de promessa de compra e venda daquelas unidades da incorporação, — figura entre os Autores da ação de
perdas e danos, Processo n? 98.558
dos embargos de terceiros, Processo n? 104.337, ajuizados postedormente às mesmas (V. Processo
n? 98.558, 9? apenso, fls. 2, 3/9 e
Processo n? 104.337, 11? apenso, fls.
2, 3/193).
7. Processadas ditas ações na
forma de que os respectivos autos
dão noticia, foram decididas conjuntamente pelo MM. Dr. Juiz a
quo pela sentença de fls. 163/177,
que julgou:
— procedentes in totum as ações de consignações em pagamento movidas pela Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários e por Paulo Arthur Leite
Bastos e outros, declarando extintas as obrigações constantes
das respectivas iniciais, condenada a Massa Falida da Graça Engenharia Comércio e Indústria
S.A. em custas e honorários de
advogado;
procedentes os embargos de
terceiros formulados por Paulo
Arthur Leite Bastos e outros para excluir da arrecadação as frações ideais de terreno dos embargantes, condenada a Massa Falida em custas e honorários de advogado;
procedente em parte a ação
ordinária de indenização de perdas e danos proposta por Paulo
Arthur Leite Bastos e outros, para condenar a Massa Falida da
Graça Engenharia Comércio e
Indústria S.A. a pagar aos Autores a indenização por estes pleiteada na inicial, abrangendo ressarcimento por perdas e danos,
danos emergentes e lucros cessantes, a serem apurados em
execução e acrescidos de condenação em custas e honorários de
advogado e improcedente dita
ação com referência aos 2?, 3? e
4? Réus, condenados, em conseqüência, os Autores ao pagamento de 75% das custas e em honorários de advogado a serem rateados entre ditos Réus;
procedente em parte a ação
ordinária proposta por Mario
Burdman e sua mulher, para declarar rescindido o contrato de
promessa de compra e venda da
unidade da incorporação de que
eram aqueles titulares, por culpa
da Massa Falida, com a anulação das notas promissórias emitidas em razão do mesmo, condenada a Massa Falida a restituir .a
importância em dinheiro correspondente a 1.580,06634 UPCs, pelos mesmos dispendida, com os
juros da mora mais custas e ho-
R.T.J. 109
norários de advogado — e improcedente dita ação contra os demais Réus, condenados, em conseqüência, os Autores ao pagamento das custas em proporção a
esses outros Réus e honorários
de advogado a serem rateados
entre os mesmos.
Inconformados com essa decisão, da mesma apelaram Paulo
Arthur Leite Bastos e outros, a
Massa Falida da Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A., Mario Burdman e sua mulher e a falida Graça Engenharia Comércio e
Indústria S.A.
Pleiteiam os primeiros apelantes, Paulo Arthur Leite Bastos e
outros a reforma da decisão de primeiro grau na parte em que julgou
improcedente a sua ação ordinária
de indenização de perdas e danos,
com relação ao Banco Mal S.A. e
demais co-réus, José Adolpho da
Silva Gordo e Sebastião do Espírito
Santo, antigos diretores do Banco
Português do Brasil e Banco Português de Investimento, para o
efeito de serem os mesmos Réus,
como efetivos participantes de sociedade formada com a falida
Graça Engenharia Comércio e
Indústria para a exploração da
malsinada incorporação, solidariamente condenados com esta a ressarcir os prejuízos causados (fls.
232/245).
10. Pleiteia a segunda apelante,
Massa Falida de Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. representada pelo Síndico, a reforma
da sentença para os seguintes efeitos:
serem julgadas improcedentes as ações — de consignação
em pagamento e os embargos de
terceiros, com a condenação dos
respectivos Autores nas penas da
sucumbência;
ser excluída da condenação
pertinente á ação ordinária pro-
277
posta por Mario Burdman e sua
mulher, a restituição em dinheiro
da quantia equivalente a
1.580,06634 UPCs mais os juros
da mora legais e a verba honorária, habilitando-se ditos Autores
como credores privilegiados da
Massa Falida pelas quantias efetivamente pagas, conforme os
termos do art. 41, III, da Lei n?
4.591;
—, ser julgada totalmente improcedente a ação ordinária da
indenização de perdas e danos
postulada por Paulo Arthur Leite
Bastos e outros (fls. 247/258).
Pleiteiam os terceiros apelantes, Mario Burdman e sua
mulher, a reforma da sentença de
primeiro grau na parte em que julgou improcedente contra a Sérgio
Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A. a ação ordinária pelos
mesmos proposta, para o efeito de
ser dita empresa condenada, solidariamente com a Massa Falida
da Graça Engenharia Comércio e
Indústria, a ressarcir os prejuízos
causados (fls. 259/264) .
Pleiteia a quarta apelante, a
falida Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. como assistente da respectiva Massa Falida, a
reforma integral da sentença apelada para o efeito de serem julgadas improcedentes as duas ações
consignatórias, os embargos de
terceiros e as ações ordinárias postuladas por Paulo Arthur Leite
Bastos e outros e por Mario Burdman, com a condenação dos respectivos autores em honorários
de advogado e custas, e o reconhecimento de que os mesmos têm direito à habilitação dos seus créditos, como privilegiados, no passivo
falimentar da Graça Engenharia
Comércio e Indústria S.A. (fls.
271/310).
13. Contra-razões pelo apelado
Banco DEI S.A. a fls. 323/333 e fls.
278
R.T.J. — 109
415/419, pelos apelados José da SilNa segunda apelação, provida, a
va Gordo e Sebastião do Espirito Massa Falida da incorporadora peSanto a fls. 336/359 e fls. 360/384, dia a improcedência das ações conpelos apelados Paulo Arthur Leite signatórias, ajuizadas para entrega
Bastos e outros a fls. 385/408 e fls. do saldo devedor correspondente ao
451/475 e pela apelada Sérgio Dou- preço ajustado para a venda das frarado Empreendimentos Imobiliá- ções ideais do terreno; a improcerios S.A. — a fls. 410/414 e fls. dência dos embargos de terceiro,
446/449.
acolhidos pela sentença para afastar
à Massa, das quotas
Oficiou a fls. 484 verso a douta adearrecadação
terreno
prometidas
à venda, e
Curadoria de Massas opinando pela
também para ser excluída da condeconfirmação da sentença recorri- nação
na ação proposta por Mario
da.» (fls. 488/498).
Burdman e sua mulher.
A 5? Câmara Civel do Colendo TriNa terceira apelação, a que tambunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, à unanimidade, acolhendo bém se negou provimento, Mario
Burdman e sua mulher opunham invoto do relator, Desembargador Cláu- conformidade
à exclusão de Sérgio
dio Lima, negou provimento às 1! Dourado Empreendimentos
Imobie 3? apelações; julgou extinto o
liários
S.A.
de
sociedade
com
a Masprocesso da ação ordinária de indenização, sem apreciação do mérito; sa Falida, pedida na referida ação
excluiu da relação processual o ca- ordinária de ressarcimento.
sal de Israel Grodetzky e deu proviNa quarta apelação, também promento às 2? e 4? apelações, assim vida, pediu a Falida, como assistenjulgando improcedentes as ações te da Massa, a improcedência das
consignatórias e rejeitando os em- ações ordinárias de indenização, das
bargos de terceiro. (fls. 513/523).
ações consignatórias e dos embargos
Para melhor compreensão desse de terceiro.
emaranhado de ações, que decorreO acórdão assim fundamenta a deram de incorporação imobiliária pa- cisão:
ra construção de dois edifícios resi«A R. Sentença apelada, de fls.
denciais na zona litorânea-sul da ci163 da primeira consignatória
dade do Rio de Janeiro, não levado a
(Processo n? 110.033/77) julgou em
bom termo e contemporaneamente
comum,
observada a ordem cronodeclarada a falência da incorporadológica de seu ajuizamento (1) uma
ra, que também detinha a qualidade
ação ordinária de indenização
de proprietária dos terrenos onde os
(Processo n? 98.558/74), (2) uma
prédios seriam construidos e ainda a
outra ação ordinária de rescisão
de construtora das edificações projecontratual (Processo n? 99.391/75),
tadas, merece esclarecer-se, na se(3) Embargos de Terceiro (Procesqüência indicada na ata de julgaso n? 104.337/76) e mais duas ações
mento (fls. 525), o objeto de cada
de Consignação em Pagamento (4)
uma das apelações apreciadas.
(Processo n? 110.033/77) e (5) (ProA primeira apelação, a que se necesso n? 111.270/77). A presente apegou provimento, dizia respeito à ação
lação se prende à incorporação de
ordinária dos condôminos Paulo Ardois edifícios, no regime de conthur Leite Bastos e outros, que não se
domínio relativo, à Rua Rainha
conformaram com a exclusão de coElizabeth, antigo n? 403 (Edifícios
réus, apontados na ação de indenizaArpoador e Castelinho), incorporaçáo de perdas e danos contra a inção que não chegou a termo, sobrecorporadora.
vindo a falência da incorporadora
R.T.J. — 109
Graça Engenharia Comércio e Indústria S/A., decretada a 15 de abril
de 1974 (fls. 81 — Processo n?
99.391/75). Na primeira ação ordinária, Paulo Arthur Leite Bastos e
outros candidatos à compra de unidades dos edifícios referidos, em
número de 59, alegando esta condição e a de detentores de direito
real à aquisição das frações ideais
correspondentes às unidades comprometidas por escrituras irretratáveis e irrevogáveis, devidamente
registradas, pediram indenização
de perdas e danos contra a Massa
Falida da incorporadora. Na segunda ação ordinária, casal desistente da primeira, postula a rescisão do contrato de promessa de
venda, com as conseqüências legais, anulação de notas promissórias emitidas em decorrência do
contrato e condenação solidária, ao
pagamento de perdas e danos da
Massa Falida, de Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários
S.A., ao ver dos autores a incorporadora, do Banco Itaú S/A., financiadora do empreendimento e seus
diretores, apontados sócios ocultos
da falida. Os embargos de terceiro
se voltam contra a arrecadação do
imóvel em que se fazia a incorporação, opostos pelos autores da primeira ação ordinária. As ações de
consignação em pagamento, dos
condóminos referidos, 40 dos autores da primeira ação ordinária, na
primeira consignatória, e os autores da segunda ordinária na outra
consignatórla, pretendem a quitação judicial das prestações do preço das promessas de venda de frações do terreno, exclusivamente. A
R. Sentença apelada julgou procedentes as ações ordinárias contra a
Massa Falida, excluindo os demais
réus da condenação, as consignatórias, acenando com a adjudicação
compulsória das frações prometidas vender do imóvel, e acolheu os
embargos de terceiro. Os recursos
279
são para a procedência total das
ações ordinárias (1, e 3, apelações) e improcedência total de todas as ações (2 e 4? apelações). A
nobre Procuradoria da Justiça, no
fulgurante Parecer de fls. 436, observou, com a habitual acuidade, a
ilegitimidade de parte do casal Israel Grodetzky, ex-candidato à
aquisição dos apartamentos 503 e
603 do Edifício Castelinho, visto
que prometeu ceder, ou mesmo cedeu, os mencionados direitos aquisitivos a Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A. (fls.
23/30, 35/41/44 e 32/45 do Processo
n? 111.270/70). Ao mesmo tempo
em que esta transferência de direito deu condição de agir, na espécie, à referida empresa, retirou do
mesmo casal a legitimidade para a
ação ordinária de Indenização, em
que figura, na parte ativa, outorgando a procuração, aliás, no mesmo dia 20-12-1974, em que faria a
promessa de cessão. Atendendo a
que o douto Juiz a quo julgou antecipadamente a lide, não precluindo, assim qualquer despacho saneador, que tornasse preclusa a
questão da legitimidade de partes,
é de se reconhecer o casal em
apreço como parte ilegítima, julgando extinto o processo, quanto
ao mesmo, sem entrar no mérito
(art. 267, VI, do C.P. Civil). Relativamente às ações ordinárias, contraditoriamente julgadas (em verdade, em uma rescindindo-se o
contrato de incorporação e em outra, ao mesmo tempo, tendo-o como válido, acenando até com a
possibilidade de adjudicação compulsória) há considerações elementares e fundamentais, que tornam
irrelevante esta contradição, no
que se refere não só à Massa Falida, ré, como aos seus pretensos sócios ocultos. Intentadas as ações
ordinárias após o decreto de falência (a 15-4-1974 — fls. 81 — Processo n? 99.391) a 13=12-1974 e 19-3-75.
280
R.T.J. — 109
quando ajuizadas estas demandas,
por força do art. 24 da lei de falências, já encontraram suspensas
«as ações ou execuções individuais
dos credores, sobre direitos e interesses relativos á massa falida, inclusive as dos credores particulares de sócio solidário da sociedade
falida». Miranda Valverde, em
seus comentários à Lei de Falências, observa que, declarada a falência, «todas as demais vias judiciárias se fecham, ou se suspendem, ressalvadas as exceções legais» (Pág. 158, n? 162 — 1? edição,
1948 — Forense). Quando o art. 23
da lei falimentar dispõe que «ao
Juizo da falência devem concorrer
todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos», estabelecendo a universalidade do
Juizo falimentar, firma, também,
a unidade do processo falimentar,
todo ele submetido á referida lei,
salvo expressa exceção que, no caso, não ocorreu. Assim, as exceções ao principio de suspensão de
ações e execuções contra a Massa
Falida são previstas, expressamente, na mesma lei, no mesmo
art. 24, principalmente, e em outros. O art. 43, cogitando dos efeitos da falência quanto aos contratos do falido, comanda: «Os contratos bilaterais não se resolvem pela
falência e podem ser executados
pelo sindico, se achar de conveniência para a massa». Mas condiciona, em seu par. único: «O contraente pode interpelar o síndico,
para que, dentro de 5 (cinco) dias
declare se cumpre ou não o contrato. A declaração negativa ou o silêncio do síndico, findo esse prazo,
dá ao contraente o direito à indenizaçãó, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito
quirografário». Este artigo veio a
ser alterado pela Lei n? 4.591, de 16
de dezembro de 1964, que dispõe
sobre o condomínio em edificações
e as incorporações imobiliárias,
em seu art. 43, III, ao prever: «em
caso de falência do incorporador,
pessoa física ou jurídica, e não ser
possível à maioria prosseguir na
construção das edificações, os
subscritores ou candidatos à aquisição de unidades serão credores
privilegiados pelas quantias que
houverem pago ao incorporador,
respondendo subsidiariamente os
bens pessoais deste». A modificação está na eliminação do processo
ordinário, para apuração do crédito, que não é mencionado no novo
texto, e na classificação do mesmo
crédito que, quirografário na lei de
falências, passa a privilegiado pela
alteração em foco. A situação, no
caso de falência do incorporador,
conjugando-se, os textos transcritos, admite as seguintes alternativas: 1? Interpelação do síndico para que, em 5 (cinco) dias, declare
se cumpre ou não o contrato,
havendo resposta positiva, caso em
que a incorporação prossegue com
o síndico, não se resolvendo o contrato bilateral; 2? Interpelação do
sindico, nos termos supra, com
resposta negativa, ou, o que a tanto equivale o silêncio do síndico, hipótese que se desdobra em duas
subalternativas: a) a maioria dos
subscritores ou candidatos à aquisição de unidades tem possibilidade de prosseguir na construção, caso em que prosseguirá a mesma
com os condôminos; b) a maioria,
referida, não tem possibilidade de
prosseguir na construção, quando,
então, como credores privilegiados, devem os condôminos se habilitar na falência (forma de apuração do crédito no direito falimentar, desde que eliminado o processo ordinário mencionado anteriormente no art. 43, par. único da
mesma lei pelo art. 43, III, da Lei
n? 4.591); 3? Ausência de interpelação do síndico, caso em que não se
pode cogitar da continuação da
R.T.J.
execução do contrato bilateral com
mesmo, e que se equipara à 2?
alternativa com as suas duas subalternativas, supra. No caso dos
autos, em que não houve a interpelação do síndico, é de se verificar
que não revelaram os condôminos
condições para, por sua maioria,
prosseguir na incorporação. Demonstrou isto, de forma brilhante
objetiva, o douto Parecer da nobre Procuradoria da Justiça, quando argumenta: fls. 508: «Alegam os
embargantes que não prosseguiram com a obra, conforme previsto no citado dispositivo legal, porque foram surpreendidos com a arrecadação do imóvel pela Massa,
impossibilitando a sua iniciativa
naquele sentido. Todavia, a leitura
dos autos evidencia que, decretada
a falência da incorporadora em 15
de abril de 1974 (V. certidão de fls.
81 do Processo n? 99.391, 4? apenso), não prosseguiram os condôminos com as obras na forma previs- •
ta no citado inciso legal. E não se
alegue que foram impedidos de
fazê-lo em razão da arrecadação
do imóvel pela Massa. Essa arrecadação somente se efetivou mais
de sete meses após a decretação
da falência, ou seja, em 28 de novembro de 1974, como se vê de fls.
33 do Processo n? 104.337, 11? apenso sem que dessem os condôminos
prosseguimento às ditas obras. E
não o fizeram porque insuperáveis
dificuldades nas «dèmarches» a
respeito de recursos para o prosseguimento das obras e quitação ou
sub-rogação do vultoso ônus hipotecário que gravava o imóvel, ao par
da inadimplência da grande maioria dos condôminos, dificuldades
essas historiadas por Mario
Burdman e outra na inicial da
ação ordinária de rescisão de contrato que propôs contra a Massa
Falida e outros — (V. processo n?
99.391, 4? ap enso, fls. 3/6) e já pressentidas na assembléia de condô-
109
281
minos realizada em 18 de abril de
1974 (V. fls. 90/91 do Processo n?
104.337 — 11? apenso), não o permitiram. Dai não ter sido postulada
de inicio, junto ao juízo !alimentar,
a exclusão do empreendimento da
Massa Falida, conforme previsto
na referida ata da assembléia de
condôminos de 18 de abril de 1974
(V. fls. 90 do cit. Processo n?
104.337, 11? apenso). E ao tempo da
arrecadação, em novembro de
1974, mais de sete meses após a decretação da falência, se limitaram
os condôminos Terceiros Apelados
a ajuizar contra a Massa, o credor
hipotecário Banco Baú S.A. e outros, ação ordinária de indenização
por perdas e danos (V. Processo n?
98.558, 9? apenso, fls. 2 e seguintes). Em conseqüência, salvo erro
de nosso entendimento, temos por
evidenciada a ocorrência da hipótese prevista no citado inciso III do
art. 43 da Lei n? 4.951, verbis: «não
ser possível à maioria prosseguir
na construção das edificações»,
possibilidade essa a se configurar
ao tempo da decretação da falência e não anos após a mesma. E
não tendo sido possível à maioria
prosseguir com a obra e tanto que
não prosseguiu e não tomou de
início qualquer medida judicial
nesse sentido, não obstante prevista na citada assembléia de condôminos de 18 de abril de 1974 ( cits.
fl. 90 do Processo n? 104.337, 11?
apenso), cabia à Massa Falida arrecadar dito bem, nos termos do
art, 70 da Lei de Quebras, ressalvada aos condôminos a sua habilitação como credores privilegiados,
junto à mesma, pelas quantias pagas ao incorporador». A notificação que fizeram os condôminos à
falida, e não ao seu síndico, é inócua e este errado endereçamento
torna mesmo inútil referir a discussão se se efetivou a interpelação antes ou depois do decreto de
falência. Pior se antes da falência,
282
R.T.J. — 109
quando não havia síndico, como
canhestra e empenhadamente querem fazer crer os condôminos. A
hipótese, portanto, é de habilitação
dos condôminos, como credores
privilegiados, nunca de propositura
de ação de indenização contra a
Massa Falida, como se pudessem
os mesmos se furtar à universalidade do Juízo falimentar, a par
conditio creditorum e á moeda da
falência, como, parece, pretendido.
Pois que suspensas ações e execuções contra a Massa, a ação em
apreço não se inclui nas excepcionalmente admitidas, nem mesmo
nos procedimentos referentes aos
contratos do falido, que, como exceção, não se ampliam. Conseqüentemente, quanto à Massa Falida, é de se verificar que aos autores da ação ordinária não têm condição de ação, não havendo possibilidade Jurídica, na ordem processual vigente, da prestação jurisdicional pedida. Neste sentido, se Julgam extintos os processos das
ações ordinárias quanto a Massa
Falida (art. 267, VI, do C.P. Civil).
No que se refere aos demais réus
destas ações ordinárias, o Banco,
credor hipotecário e financiador da
incorporação, e seus dois diretores,
o fundamento estaria em que teriam firmado contrato de sociedade em conta de participação com a
falida, na qual, assinale-se, seriam
sécios ocultos. Pelo art. 326 do C.
Comercial, «na sociedade em conta
de participação, o sócio ostensivo é
o único que se obriga para com
terceiro; os outros sócios ficam
unicamente obrigados para com o
mesmo sócio por todos os resultados das transações (rectius — operações) e obrigações sociais empreendidas nos termos precisos do
contrato». E da própria essência
do cogitado tipo de contrato, que
não gera sociedade com personalidade distinta das pessoas dos sócios (art. 325 do C. Comercial) co-
mo de sabença elementar. Consoante preleciona Carvalho Mendonça, citando Vivante (Tratado do
Direito Comercial, 6? edição, R.
Bastos, vol. IV, pág. 227, n? 1.426),
os terceiros não podem alegar a
existência da referida sociedade,
«ainda que saibam ou conheçam a
sua formação». Se assim não fosse,
todavia, é de se atentar para o fato
de que se invoca a sociedade por
conta de participação que teriam
feito os mesmos réus com a falida
para outra operação. E o que está
provado às fls. 380 dos autos da
primeira ação ordinária de Paulo
Arthur Leite Bastos e outros (Processo n? 98.558) com a cópia do
contrato de sociedade conta de
construir
para
participação
edifício na rua da Candelária n?s
22 e 24 e rua da Alfândega 10, 12 e
14 (cláusula 1!. fls. 38). Não há
prova alguma de sociedade igual
relativamente ao terreno da rua
Rainha Elizabeth, antigo n? 403, de
que se trata. Patente, pois, a inexistência do direito de ação dos
condôminos também contra os
réus (segundos apelados) que não
são os pretendidos sócios ocultos
da falida e, ainda que o fossem não
podem ser acionados pelos negócios da sócia ostensiva. De resto, é
de se ver, a desnecessidade de focalizar, ainda, que Já se pronunciou a Justiça pelo V. Acórdão de
fls. 479 dos autos da primeira ação
ordinária, desta Câmara, na Apelação Civel n? 1.260, Rel.: Des.
Graccho Aurélio, que o credor habilitado na falência — qualidade
que não têm os autores da referida
ação ordinária — conta com ação
para apurar a responsabilidade solidária do sócio oculto da falida, e
para torná-la efetiva, no caso de
omissão do síndico, omissão, de
resto não provada na espécie. Assim, também há impossibilidade
Jurídica de acionar o terceiro sócio
oculto da alegada, e não provada,
R.T.J. — 109
ainda por cúmulo, sociedade em
conta de participação. Quanto a
terceira ação — os embargos de
terceiro dos condôminos contra a
arrecadação do terreno, de que seriam titulares, precários, de frações — é de se tirar a conseqüência de todo o visto. Se os condôminos se mantiveram inertes, não interpelaram o síndico para saber se
cumpriria ou não o contrato de incorporação, se não se dispuseram,
(ou não tiveram possibilidade, como antes demonstrado) de prosseguir no empreendimento, se não se
manifestaram, como podem se
opor à arrecadação, efetivada a 28
de novembro de 1974 mais de ano
depois, a 26 de março de 1976. Resolvido, como se expõe, o contrato
de incorporação, o alegado direito
real dos condôminos sobre as frações do imóvel dá aos mesmos
(art. 43, III, da Lei n? 4.591/64),
apenas, a condição de credores privilegiados, sujeitos, como assinalado acima, à habilitação, regular,
de seus créditos. Os embargos de
terceiro de forma alguma poderiam ser admitidos, notadamente
quando não são terceiros os condôminos e insistem, até, na sua condição de contratantes da incorporação, contrato que ficou, como notado, resolvido com a falência. A
segunda ação ordinária também
é intentada contra Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários
S.A., que se tem como a incorporadora dos edifícios considerados.
Nãp se pode pretender esta qualidade, à vista de que os autores da
referida ação firmaram o contrato
de incorporação com a Massa
Falida (fls. 21 do Processo n?
99.391/75). A circunstância de ter
interferido Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A.,
como corretora, no planejamento e
venda de unidades dos edifícios, não
leva a que se possa presumi-la solidária, como se incorporadora asso-
283
ciada fosse. Nem se enquadra na
definição legal do art. 29 da Lei n?
4.591/64. Improcede, mesmo, em
toda a linha, a segunda ação ordinária contra ela. Finalmente, no
que se refere às ações de consignação em pagamento, com uma pretensão além, muito além, do uso de
uma das modalidades de pagamento, qual seja o pagamento em consignação, há que se ponderar o seguinte: «A sentença (na ação de
consignação em pagamento) não
resolve sobre a substância do contrato; não adscreve ao pagamento
nenhum efeito determinado In
concreto: o pagamento valerá o
que valer o pagamento do débito
em relação ao contrato e à lei» (Amorim Lima, C.P. Civil Brasileiro, pág. 135 e segs., apud Machado Guimarães, Comentários
ao C.P. Civil, vol. IV, pág. 324, Forense). Diz mais o mesmo processualista que a sentença que julgar
efetuado o pagamento tem puro e
simples efeito liberatório. Julga
efetuado o pagamento para os fins
de direito, como previsto no direito
material. Tais direitos, no entanto,
não são definidos, nem acertados e
nem constituídos pela sentença
(Machado Guimarães, ob. cit.,
pág. 324, n? 339). Na expressiva
menção do mesmo e saudoso mestre, o pagamento em consignação é
meio próprio para o devedor pagar
o que julga devido e não para deixar de pagar o que julga não devido (Machado Guimarães, ob. cit ,
pág. 316, in fine). No caso dos autos, na justa ponderação do douto
Parecer da nobre Procuradoria da
Justiça, o objeto das ações consignatórias não corresponde ao objeto
do pagamento devido. Arbitrariamente os devedores cindiram a
dívida, espertamente pretendendo
separar o contrato de incorporação, para oferta (aliás não há em
nenhum dos autos das consignatórias certidão relativa a efetiva
284
R.T.J. — 109
oblação nos dia e hora designados)
significa a declaração de que a
de parte do débito, apenas do que se
consignação parcial era subsistenrefere às prestações da quota do
te e correta. Valesse tanto e nem
terreno, com vistas a algo mais do
haveria necessidade de julgar o
que a quitação, mas a uma declamérito, o que se revela absurdo.
ração de solvido o contrato para
Com a douta Procuradora se pode
efeito de adjudicação compulsória
arrematar: «No que se refere às
do domínio. O primeiro absurdo,
ações ordinárias de indenização
data venha, é desconhecer que, por
por perdas e danos, também entenlei, hoje, a incorporação é um condemos que merecem provimento
trato típico (art. 28, par. un. da Lei
às 2? e 48 apelações. Salvo melhor
entendimento, antes de propô-las
n? 4.591, de 16-12-1964). Jã antes da
deveriam ter os respectivos autolei em apreço, Pontes de Miranda,
res interpelado o Síndico da Massa
em repetidíssima lição, escrevia:
Falida quanto ao cumprimento dos
«Ao negócio jurídico ou a série de
respectivos contratos, na forma do
negócios Jurídicos que preparam a
preceituado no parágrafo único do
comunhão pro diviso chamou-se
art. 43 da Lei de Quebras. Não o fiincorporação. O uso escolheu o terzeram. Assim sendo, SMJ não lhes
mo». «O negócio Jiirldico ou série
cabe direito à indenização pleiteade negócios Jurídicos que faz a inda e concedida pela sentença, mas
corporação, é, de regra, negócio
tão e só o direito de se habilitarem
jurídico ou série de negócios jurídicomo credores privilegiados, pelas
cos inominados; porém, contém,
quantias pagas ao incorporador,
necessariamente, promessa, opnos precisos termos do inciso III
ção, ou compra e venda de apartado art. 43 da Lei n? 4.591, de 1964».
mentos, ou contrato de divisão maRazões por que se deu provimento,
terial e Jurídica do bem comum,
no mérito, às segunda e quarta
com discriminação do que é diviso
apelações, julgando improcedente
e do que é indiviso». (Pontes de
as consignatórias, rejeitando os
Miranda, Tomo XII, Tratado de
embargos de terceiro, negando-se
Direito Privado — 2? edição, Borprovimento às primeira e terceira
sói 1.325, n?s 4/5). O autor do
apelações, condenando os vencidos
projeto que se converteu na Lei n?
em custas e honorários de advoga4.591, o douto Caio Mario da Silva
do de 20% dos respectivos valores
Pereira, em sua obra consagrada
das causas em que sucumbiram.»
Condomínio e Incorporação, acen(fls. 528/40).
tua: «A lei n? 4.591, de 16-12-64, tipificou este contrato. Nem poderia
Três os recursos extraordinários
ser de maneira diversa, uma vez interpostos, os quais, impugnados e
que se destina a regular o con- com parecer contrário da Procuradomínio e incorporações». Preten- doria-Geral da Justiça (fls. 655/78),
der que os Agravos de n?s 6.104 e foram admitidos por despacho onde
2.155 decididos por esta Câmara, a se diz:
respeito de matéria diversa e limi«Contra esse acórdão que se
tada — valor da causa — tenha adacha a fls. 526/40, foram interposmitido a cisão do contrato de incortos três recursos extraordinários:
poração, é ir além do concebível.
Não se podia, então, prejulgar a
a) o priffteiro (fls. 542/69) por
ação, decidindo-se um mero inciPaulo Arthur Leite Bastos e
outros, com fundamento nas
dente. Se a parte pretendida consignar uma parcela, o valor da
alíneas a e d do permissivo, alegando, além de dissídio pretoriacausa era o desta parcela. Isto não
R.T.J. — 109
no, negativa de vigência dos artigos 43, II, III e VI, e 35 § 4? da
Lel n? 4.591/64, dos artigos 44, VI,
e 80 da Lei de Falências, da Lei
n? 649/49, do artigo 963, I, do Código Civil, do artigo 890 do Código de Processo Civil, dos incisos
VI e VII da Lei n? 4.864/65 e do
Decreto-lei n? 745/69;
o segundo (fls. 596/603) por
Mario Burdman e sua mulher,
com base na alínea a do permissivo constitucional, alegando violação dos artigos 904 e 1.092 do
Código Civil;
o terceiro (fls. 605/11) por
Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A., com fulcro
nas alíneas a e d do permissivo
pretoriano, alegando, além de
dissídio pretoriano, violação dos
artigos 467, 468, 471 e 890 do Código de Processo Civil, dos artigos
973, I, e 1.092 do Código Civil, do
artigo 41 da Lei n? 4.591/64 e do
artigo 1? do Decreto-lei n? 745/69.
Os três apelos extremos foram
tempestivamente interpostos e reúnem os pressupostos suficientes à
sua admissão pela alínea a do permissivo.
Preliminarmente, e como bem
demonstrou e douta ProcuradoriaGeral da Justiça no parecer de fls.
655/78, inexiste óbice regimental
ao cabimento dos recursos.
Superado esse aspecto da questão, de observar-se que o fundamento do dissídio pretoriano, invocado no primeiro e no terceiro recursos extraordinários, não pode,
no presente caso, prevalecer, por
falta da regularidade formal, por
isso que desatendidas as prescrições da Súmula n? 291.
Mas, quanto à alínea a, recomendável se torna o seguimento dos
três recursos, até final apreciação
pelo Excelso Pretório.
285
Em realidade, as importantes teses que se controvertem — e que
foram bem desenvolvidas nas aludidas petições recursais — afastam a matéria do mero terreno de
fato, e, conseqüentemente a incidência do verbete n? 279 da Súmula. Cuida-se de matéria estritamente jurídica e que, em tese poderia acarretar a violação das invocadas normas legais. Nada mais
certo que o seguimento do feito.
São estas as razões que me levam a admitir os três recursos pela alínea a.» (fls. 694/6)
Na petição recursal, detêm-se os
primeiros recorrentes, Paulo Arthur
Leite Bastos e outros, na conceituação do contrato de incorporação,
procurando demonstrar que sua Unicidade não afasta a força autônoma
dos négocios que nele são integrados, principalmente o de promessa
de venda das frações ideais do terreno, ajustado de forma irrevogável e
registrado no Registro de Imóveis,
conferindo aos outorgados direito
real.
Não se poderiam rescindir tais
contrato., de promessa de venda
sem caracterização da mora dos
compradores na forma da lei, em benefício da massa falida e com ofensa
aos direitos dos integrantes da incorporação, protegidos por norma especial.
Os acórdãos trazidos a confronto
para justificar o conhecimento pela
alínea d, todos desta Suprema Corte,
dizem da necessidade, nas ações relativas a contratos de promessa de
venda de Imóveis, da Interpelação
prévia do devedor para ser constituído em mora.
Nas razões da recorrente Sérgio
Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A., insiste-se na violação
dos arts. 467, 468, 471 e 890 do Código
de Processo Civil; 973; I, e 1.092 do
Cód. Civil; 41 da Lei n? 4.591/64 e 1?
do Decreto-lei n? 745/69, e também
286
R.T.J. — 109
no dissídio com acórdão do Supremo
Tribunal Federal sobre a necessidade de constituir-se previamente o devedor em mora, nas ações de rescisão de promessa de venda de imóveis.
Já no prazo para razões, Industrial
Estruturas Metálicas Ltda. e Ferragens CBC Ltda., na qualidade de
credoras habilitadas na falência de
Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. pelo fornecimento de
materiais às obras das incorporações, pediram, com apoio no art. 30
da Lei de Falências, admissão como
assistentes litisconsorciais da falida.
Em longo arrazoado, defendem a
intervenção postulada e colocam-se
ao lado do acórdão recorrido.
Alegam ainda que, subtraídas da
Massa Falida as frações ideais dos
terrenos, nada restará para satisfação dos créditos quirografários, os
quais já têm a precedê-los os créditos especiais trabalhistas e de impostos, estes satisfeitos por outros
recursos da falida (fls. 748 médio), o
crédito hipotecário e os próprios créditos dos condôminos, pelas importâncias já pagas.
Sustentam que o afastar da arrecadação bens da Massa, como foi pedido nos embargos de terceiro, e a
acolhida das ações de consignação
em pagamento viriam beneficiar,
principalmente, a recorrente Sérgio
Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A., que, diretamente ou por
interpostas pessoas, se transformara
em cessionária dos direitos aquisitivos de grande número dos que se filiaram às incorporações.
Aberta vista aos interessados para
dizer sobre . o pedido de assistência,
pronunciaram-se favoravelmente a
Procuradoria-Geral da Justiça, com
base no art. 50 do Código Proc. Civil
( fls. 793/4) e a Falida; os recorrentes
a ela se opuseram.
Anoto ainda que o recurso extraordinário de Mario Burdman e sua mulher foi julgado deserto. (fls. 822)
Será apreciado, como preliminar
do recurso extraordinário de Paulo
Arthur Leite Bastos e outros, o Agravo de Instrumento n? 86.622, onde se
pede a admissão de seu recurso também pela alínea d, que o despacho
presidencial afastara, somente o deferido pela alínea a.
Houve argüições de relevância, de
Paulo Arthur Leite Bastos e outros
(n? 12.660) e de Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários S.A. ( n?
12.661), ambas não conhecidas.
o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Decio Miranda (Relator): Aprecio, preliminarmente, o
Agravo n? 86.622, autos apensados,
onde os recorrentes Paulo Arthur
Leite Bastos e outros se esforçam
em demonstrar que seu recurso extraordinário deveria ter sido admitido não apenas pelo pressuposto da
alínea a da permissão constitucional,
mas também pelo da alínea d.
Além de inócuo o agravo, ante o
entendimento dado pela Súmula n?
292, não têm razão os agravantes.
Para caracterizar o pretendido
dissídio, foram arrolados na petição
recursal os acórdãos proferidos nos
ERE n? 60.692 e nos RREE n?s
77.275 e 63.309.
Tais acórdãos trazidos a confronto
não se prestam a caracterizar a divergência, uma vez que, concluindo
pela necessidade de prévia interpelação para constituir em mora o promitente comprador, neles não se
apreciou a matéria no aspecto especial do caso em estudo, ou seja, da
aplicação da Lei n? 4.591/64, no ponto em que regula as incorporações
imobiliárias, e da Lei de Falências.
R.T.J. — 109
Nego provimento ao agravo, o que
se deve anotar nos autos respectivos.
Passo a apreciar os recursos extraordinários de Paulo Arthur Leite
Bastos e outros e de Sérgio Dourado
Empreendimentos Imobiliários S.A.,
interpostos ao pressuposto da alínea
a da permissão constitucional, tãosomente quanto às consignatórias e
aos embargos de terceiro.
Afasto, de logo, a alegada ofensa
aos arts. 467, 468 e 471 do Cód. Proc.
Civil, feita pela segunda recorrente
(fls. 608), adotando, neste ponto, o
parecer da douta ProcuradoriaGeral da Justiça (fls. 677 princ.), onde bem se demonstra que a decisão
em agravo, ao dirimir incidente de
impugnação ao valor da causa, não
faz coisa julgada material.
No restante do mérito, merece
atenção ponto capital do acórdão recorrido, destacado na ementa, onde
se diz:
«Cogitando-se de contrato típico,
por lei, a incorporação não admite
cisão das suas distintas convenções, para ensejar pagamento em
consignação de apenas parte das
suas prestações». (fls. 526)
Partindo-se da tipicidade e decorrente unicidade do contrato de incorporação, afasta-se a possibilidade do
pedido de desmembrar-se do todo a
promessa de venda, para pedir-se o
pagamento do saldo do valor ajustado para as quotas do terreno, em
quantias certas, e conseqüente adjudicação, a par de excluírem-se tais
frações da arrecadação à massa fali, da.
Realmente, a Lei n? 4.591/64, no
art. 41 e parágrafos, leva à compreensão de que os ajustes englobados no contrato geral que se denomina de incorporação formam unidade
incindivel, em que não é possível, na
rescisão, proporcionar autonomia de
vida á promessa de compra e venda
da quota de terreno.
287
Nesse contexto, a promessa de
compra e venda de quota de terreno
e o compromisso de construir ou de
promover a construção de prédio e a
instituição do condomínio são obrigações intimamente ligadas, tanto para o incorporador quanto para o adquirente de quota, no regime da Lei
n? 4.591, de 16-12-64.
Com efeito, nessa lei o parágrafo
único do art. 28 declara que se considera «incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de
promover e realizar a construção,
para alienação total ou parcial, de
edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas».
Em vez de afirmar a autonomia do
negócio de compra e venda da quota
de terreno, a lei em verdade institui
a figura mais complexa da incorporadora imobiliária.
Diz, a esse propósito, o parágrafo
único do art. 29, presumir-se «a vincul ação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver
sido aprovado e estiver em vigor, ou
pender de aprovação de autoridade
administrativa, o respectivo projeto
de construção, respondendo o alienante como incorporador».
Se esse é o regime na constituição
do condomínio, não é de admitir que,
na desconstituição do pacto por inadimplemento ou pela falência do incorporador, os incorporados possam
livremente isolar do contexto contratual o negócio da promessa e pleitear em seu benefício apenas o cumprimento desta, embora inserida no
contexto mais amplo, constituído pelo conjunto negociai submetido ao
juízo falimentar.
E o que bem exprime o parecer
por último lançado nos autos pelo
R.T.J. — 109
Ministério Público local, desta vez
de autoria do Dr. Claudio Ramos, a
dizer:
«Em vista da profusão das questões que lastreiam o apelo extremo
pela alínea a, parece de bom aviso,
brevitatis causa, dispensar-se o
exame analítico das alegações dos
recorrentes, para adoção de método de trabalho que consista em
examinar se o conteúdo de cada
capítulo do acórdão recorrido é
suscetível ou não de contrariar, direta ou indiretamente, preceito de
lei federal.
Anote-se, previamente, que o decisório recorrido, na apreciação da
matéria empírica da causa, à luz
da prova dos autos, selecionou como pertinentes e relevantes os seguintes fatos litigiosos: 1?) os recorrentes celebraram com a Falida contrato típico de incorporação
imobiliária; 2?) sobrevindo a falência da incorporadora, quedaram-se
inertes, eis que nem interpelaram
o Sindico para que declarasse se
cumpriria ou não o contrato, nem
tampouco, providenciaram, através das medidas cabíveis, inclusive judiciais, o prosseguimento das
obras com a maioria dos subscritores das unidades da incorporação;
3?) não foi possível à maioria dos
subscritores dar continuidade ao
empreendimento, por conta própria, máxime em razão de dificuldades invencíveis na obtenção de
recursos financeiros para, simultaneamente, custear as obras e liberar o imóvel da hipoteca que o grava em garantia de onerosíssimo
crédito com cláusula de paridade
cambial (Resolução n? 63 do Banco
Central)
Ora, os fatos assim verificados,
segundo o entendimento do acórdão recorrido, repelem, necessariamente, a incidência das regras
jurídicas invocadas pelos recorrentes em prol de suas pretensões. É
que, integrados juridicamente, implicam, em última análise, a resolução do contrato de incorporação,
com o consectário inafastável de
investir os subscritores da incorporação em situação jurídica que
lhes assegura apenas concorrerem
à falência como credores privilegiados (interpretação conjugada
dos artigos 23, 24 e 43 e seu parágrafo único da Lei de Falências e
43, inciso III, da Lei n? 4.591, de
1964).
Nessa ordem de idéias, dispôs o
acórdão, no concernente à ação de
reparação civil, que os recorrentes, ao cobrarem perdas e danos
da Massa, formularam pedido juridicamente impossível e, por isso,
não estão a exercer de modo legítimo o direito de ação que lhes assiste, pois a decretação da falência
torna defesa a propositura de qualquer ação que vise a direito e interesse da Massa, salvo as exceções
legais, que não estão presentes.
Por sua natureza mesma, a matéria do julgado, no ponto em foco,
obsta a que ocorra a negativa de
aplicação de qualquer das disposições legais citadas pelos recorrentes. A questão foi dirimida no plano do direito de ação. E, como é
até intuitivo, o juízo de carência da
ação (rectius, de ilegitimidade do
exercicio do direito de ação), em
termos de lógica jurídica, não é
suscetível de malferir senão a norma implícita no sistema do Código
de Processo Civil, segundo a qual o
Juiz deve pronunciar-se sobre o
mérito da causa, para compor efetivamente a lide, quando coexistam os pressupostos processuais
(que não vêm ao caso) e as chamadas condições da ação.
Logo, é de excluir-se, a priori, a
possibilidade de violação dos dispositivos apontados pelos recorrentes.
7. Nem se cogite de infringência de qualquer regra jurídica no
R.T.J. — 109
capítulo do julgado que deu pela
improcedência do pedido de embargos de terceiro. Reconhecidas a
inexistência de interpelação do
Síndico e a impossibilidade do
prosseguimento das obras com a
maioria dos subscritores de unidades imobiliárias, a resolução do
contrato de incorporação seria, e
foi, conseqüência indefectível de
tais fatos, sobre os quais incidiram
as normas legais do Estatuto Falimentar. Operada a resolução de
um contrato que, por definição legal, engloba, em unidade complexa, prestações próprias de três espécies contratuais, como a promessa de compra e venda da fração
ideal do terreno, a construção das
acessões e a instituição do condomínio, segue-se que os subscritores das unidades imobiliárias perderam a qualidade de titulares de
direito real sobre as respectivas
frações de terreno. Não havia,
pois, como e porque evitar a arrecadação do imóvel para integração
da massa. O imóvel é de propriedade da Falida e, nessa ordem, há
de compor a massa.
Não colhe argumentar com a autonomia do contrato de promessa
de compra e venda das frações
ideais correspondentes às unidades
autônomas subscritas na incorporação. A lição de Orlando Gomes
é, como sempre, elucidativa: «Na
determinação da natureza jurídica
do contrato de incorporação Imobiliária cabem breves considerações
a respeito de sua unidade. A incorporação abrange distintos atos jurídicos que podem ser objeto de
contratos diversos • compra e venda ou promessa de venda de coisa
comum e de coisa privativa, construção de edifício ou de um conjunto de edificações, instituição de
condomínio especial. Todos eles se
reúnem num só instrumento para
um só fim. ( ...) A verdade é, porém, que se trata de prestações
289
típicas de três contratos unificadas
por uma causa típica. Essas prestações não perdem a individualidade, mas se fundem numa unidade
complexa que adquire tipicidade
ao ser definida, nomeada e disciplinada na lei. (...) Embora certas
disposições legais deixem a impressão de que a venda da fração
ideal do terreno, a construção do
edifício e a instituição do condomínio conservam a independência como contratos distintos, tão
interpenetrados se acham como
meios jurídicos para ser alcançada
certa e invariável finalidade, que
se não pode duvidar de sua unificação numa espécie contratual de
traços inconfundíveis. A incorporação imobiliária é hoje objeto de
contrato típico.» (in Contratos,
pág. 550-1, 1978). Por igual teor reza o ensinamento de Calo Mario da
Silva Pereira já transcrito nestes
autos. Assim, desfeito o contrato
por força da resolução resultante
da quebra da incorporadora, não é
curial proclamar-se a subsistência
de um dos negócios que estruturalmente o integram. Desfeito o todo,
inevitável é o desfazimento conseqüente de suas partes constitutivas. A questão, antes de tudo, é de
lógica.
Vale observar, neste passo, que
a questão da possibilidade do prosseguimento das obras com os ora
recorrentes, em que se põe tanta
ênfase na petição recursal, envolve, inequivocamente, matéria de
fato, a cujo deslinde, como se sabe,
é infensa a via recursal extrema.
De afirmar-se, pois, que o decidido no capitulo sob exame do julgado da instância ordinária em nada
adversou das disposições legais indicadas pelos recorrentes como
vulneradas.
8. Por último, registre-se que o
juízo de improcedência da consignatária não importou em negativa
290
R.T.J. — 109
de aplicação das regras jurídicas
mencionadas no recurso. E bem de
ver-se que, resolvido o contrato de
incorporação e, por força de compreensão, o de promessa de venda
da fração de terreno que lhe é elementar, não se há de pensar em
sobrevivência de débito dos subscritores da Incorporação, os quais
se tornaram credores privilegiados, na falência, pelo valor pago à
Falida. Em suma, não há o que
consignar com eficácia de pagamento.
Além do mais, como salientou o
acórdão, a cisão das partes integrantes do contrato de incorporação, para o fim de consignar apenas o débito atinente ao preço da
quota de terreno, significa fazer
tabula rasa da disciplina normativa do contrato, a que a lei atribui
unicidade, a despeito da complexidade de seu conteúdo. Destarte,
ainda que existisse débito a solver,
depósito seria insuficiente, na
medida em que se abstraiu da parcela do débito referente á construção da edificação. Dai por que diferem, essencialmente, no dizer do
acórdão, o objeto do pagamento e o
objeto da ação consignatória proposta, o que de si só produziria a
improcedência do pedido de depósito. A consignatória foi usada fora
de sua finalidade própria e específica, com vistas a alcançar não
efeito liberatório do pagamento,
mas a declaração de estar solvido
preço do contrato de promessa
de venda da fração ideal do terreno para fins de adjudicação compulsória da respectiva propriedade.
9. Por conseguinte, descabe o
recurso extraordinário por qualquer de seus fundamentos. O acórdão recorrido não perpetrou violação de dispositivo legal algum,
nem consubstanciou dissídio de jurisprudência. Em boa e simples
verdade, o órgão julgador da ins-
tância ordinária decidiu a matéria
sub judice por aplicação das normas jurídicas que incidiram sobre
os fatos litigiosos demonstrados pelo complexo instrutório, repelindo
a pretensão dos recorrentes de se
furtarem à moeda da falência e à
par conditio creditorum, como bem
realçou o ilustríssimo Relator do
acórdão recorrido.» (fls. 668/674).
Em resumo, não é possível decompor, a benefício de uma das partes e
com sacrifício dos demais credores
da outra, o contrato de incorporação,
para instituir, com individualidade
específica própria, o negócio de
aquisição da quota de terreno ao incorporador e fazer executar só este
contrato, deixando o ônus da solução
dos demais a cargo do juízo falimentar.
O negócio é uno e indivisível, a
chamada incorporação imobiliária,
em que não se visa a adquirir uma
quota de terreno como negócio autônomo e isolado, mas a adquirir uma
unidade residencial ou comercial no
conjunto de sua essência e funcionalidade.
Se se frustra esse desiderato primeiro, não se podem separar partes
da mesma e una operação — a aquisição da cota de terreno e a aquisição, pelo mesmo contrato, do direito
à construção do imóvel — para tratamentos diversos, como se se cuidasse de execuções autônomas.
No contrato complexo de incorporação imobiliária, regulado unitariamente em lei especial, não se há de
extremar, para efeito de execução
separada, a parte relativa à promessa de venda de quota de terreno, como se fora negócio autônomo a ser
tratado isoladamente, e, de outro lado, as prestações reciprocas do frustrado contrato de construção, indissoluvelmente ligado ao de aquisição
da quota de terreno.
Dai, a exata solução dada pelo
acórdão recorrido à espécie, solução
R.T.J. — 109
sintetizada, quanto aos vários pedidos formulados, na respectiva ementa, a dizer:
«Falência da incorporadora: Revelando-se impossível a maioria
dos participantes prosseguir na Incorporação, na falência da incorporadora, não se fazendo a interpelação a que se refere a Lei de Falências ( art. 43, par. único), os candidatos à aquisição de unidades não
têm ação ou execução contra a falida, devendo se habilitar na falência, como credores privilegiados,
pelo que houverem pago ao incorporador, em principio — Não é
ilegítima a arrecadação do terreno
da incorporação, resolvida com a
falência — Cogitando-se de contrato típico, por lei, a incorporação
não admite cisão das suas distintas
convenções, para ensejar pagamento em consignação de apenas
parte das suas prestações —
Descabimento da ação de indenização de candidatos. A incorporação,
contra a Massa Falida da incorporadora e contra pretensos sócios
ocultos dessa — Improcedência e
insubsistência de depósitos, assim
mal consignados, e rejeição de embargos de terceiro contra a arrecadação de terreno.» ( fls. 526/7).
Tal solução não ofende o art. 44,
VI, da Lei de Falências, a dizer que,
na promessa de compra e venda de
imóveis, no âmbito da falência,
aplicar-se-á a legislação respectiva.
Na espécie, a promessa de compra
e venda de imóvel não é negócio isolado, autônomo, mas simples instrumento de realização de um contrato
mais amplo, em que, aquele indissoluvelmente se insere, o de incorporação imobiliária.
Nem vulnerado ficou o art. 79 da
mesma lei de quebras, permissivo
de pedido de restituição ou de embargos de terceiro a quem «sofrer
turbação ou esbulho na sua posse ou
direito, por efeito de arrecadação ou
do seqüestro» na falência.
291
Decorrentemente, os arts. 973, I,
do Código Civil, e 890 do Cód. Proc.
Civil, atinentes à consignação em
pagamento, não têm aplicação ao
caso.
De nenhuma atinência ao caso, por
igual, o art. 1?, nos incisos VI e VII,
da Lei n? 4.864, de 29-11-65, ambos a
disciplinar a rescisão do contrato
por inadimplemento do adquirente.
Todos esses dispositivos, invocados
pelos primeiros recorrentes, Paulo
Arthur Leite Bastos e outros, e os da
lei civil e da lei processual civil trazidos à colação também pela segunda recorrente, Sérgio Dourado Empreendimentos S.A., nenhuma pertinência têm com a hipótese da arrecadação, pela Massa Falida do incorporador dos bens e direitos ligados aos negócios de incorporação de
condomínio Imobiliário.
Tais negócios de incorporação se
sujeitam a regras específicas, definidas na Lei n? 4.591, de 16-12-64, entre
as quais, para o caso de que tratam
os presentes autos, se destaca a do
art. 43, inciso III, a dizer que, «em
caso de falência do incorporador,
pessoa física ou jurídica, e não ser
possível à maioria prosseguir na
construção das edificações, os subscritores ou candidatos a aquisição de
unidades serão credores privilegiados pelas quantias que houverem pago ao incorporador, respondendo
subsidiariamente os bens pessoais
deste».
Não foi este o mecanismo que os
interessados suscitaram para solução do caso — prosseguir a maioria
na construção das edificações. Pretendem, simplesmente, isolar o negócio da promessa de venda de cota
do terreno que lhes foi feita pela incorporadora, sem assumir o outro
papel de continuadores da incorporação e da construção.
E isso o que a lei não autoriza: decompor o negócio çle incorporação e
nele isolar, para cumprimento, ape-
292
R.T.J. — 109
nas o negócio de promessa de compra e venda de parcela ideal do imóvel.
Isto posto, por indemonstrados os
pressupostos das alíneas a e d, deixo
de conhecer dos recursos extraordinários de Paulo Arthur Leite Bastos
e outros e de Sérgio Dourado Empreendimentos S.A.
E o meu voto.
rias para realizar a incorporação e,
embora com prejuízo que, no caso,
pode ser sensível, eles têm de se servir mesmo do preceituado no inciso
III do art. 43 da Lei de Condomínio.
Assim, acompanho o Sr. Ministro
Relator, não conhecendo de ambos
os recursos.
VOTO (PRELIMINAR)
O Sr. Ministro Djaci Falcão (Presidente): A vista da minuciosa e
exaustiva exposição em torno da
matéria questionada e da inexistência dos pressupostos essenciais ao
conhecimento do recurso extraordinário, acompanho o eminente
Ministro Relator, não conhecendo
de ambos os recursos extraordinários.
O Sr. Ministro Aldir Passarinho:
Sr. Presidente. A meu ver, a hipótese deve cingir-se à aplicação do art.
43, inciso III da Lei do Condominio.
Verifica-se dos autos que os subscritores das unidades não puderam continuar com a incorporação. Não nos
cabe, na oportunidade, Indagar dos
motivos que os levaram a isso mas
não podemos dissociar as diversas
fases da operação, porque elas todas, de fato, tiveram um objetivo comum e final. O art. 43, inciso III, da
Lei de Condomínio não deixa margem a maiores especificações quanto àqueles pagamentos que tiveram
sido feitos ao incorporador. Há de se
compreender que se compraram frações ideais do terreno, e os subscritores, reunidos, não puderam levar
avante a operação. A fórmula encontrada pela lel (que nem sempre, é a
verdade, acaba favorecendo os subscritores) visou a beneficiá-los (embora, esta é a verdade, nem sempre
isso ocorra), a fim de que não ficassem com aquelas frações ideais, presas às quantias já pagas e sem poderem levar avante as construções.
Então, possibilitou a lei reunirem-se,
formando o terreno uma única área,
para levar avante a construção e para que cada um continuasse com a
sua fração ideal vinculada a uma
unidade autônoma, ou receberem as
quantias que houvessem pago ao incorporador. Resulta dos autos que,
infelizmente, os subscritores não puderam reunir as condições necessá-
VOTO (PRELIMINAR)
EXTRATO DA ATA
RE 96.105-RJ — Rel.: Ministro Decio Miranda. Rectes.: 1?) Paulo Arthur Leite Bastos e outros (Advs.:
José Soares Arruda, Luiz Carlos Bettiol, Rosa Maria Motta Brochado e
outros). 2?) Sérgio Dourado Empreendimentos S.A. (Advs.: Alfredo
Zide e outro). Recdos.: Os mesmos,
Graça Engenharia Comércio e Indústria S.A. (Massa Falida) (Advs.:
Alvaro Leite Guimarães, Hélio
Proença Doyle e Antonio Carlos Sigmoringa Seixos), Graça Engenharia
Comércio e Indústria S.A. (Massa
Falida), representada pelo seu Síndico Manoel Bezerra Leite (Adv.: Geraldo Lírio).
Decisão: Não conheceram de ambos os recursos. Unânime. Falou pelo 1? Recta: o Dr. José Soares Arruda. Falou pela Recda.: o Dr. Antonio
Carlos Sigmaringa Seixos.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Decio Miranda,
Aldir Passarinho e Francisco Rezek.
Ausente, justificadamente, o Senhor
R.T.J. — 109
293
Ministro Moreira Alves. Subprocura-
Brasília, 13 de dezembro de 1983 —
dor-Geral da República, Dr. Mauro Hélio Francisco Marques, SecretaLeite Soares.
rio.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 96.920 — GO
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrentes: Cristiano dos Reis Calçado e sua mulher — Recorridos: Augusto Urias da Cruz e outros.
Prescrição: compra e venda. Indenização. Venda «ad corpus» e
não «ad mensuram».
Divergência não configurada. Repositório não autorizado.
Não incide a prescrição prevista no art. 178, i 9?, V, b, do Código
Civil, nem tampouco a do I 5?, inc. IV, do mesmo artigo, se a condenação foi de indenização, e não a de rescisão do contrato. Aplicação
do disposto no art. 177 do Código Civil, ante a regra do art. 179 do
mesmo Código.
Não é de considerar-se a alegada divergência jurisprudencial, se
um dos dois acórdãos citados como paradigmas não discute a mesma
tese de direito, e o outro sequer pode ser considerado por ter sido publicado em boletim não autorizado.
Constando do contrato, expressamente, que a troca se fazia por
área com dimensão estipulada, é de ser considerada a operação como
«ad mesuram* e não «ad corpus», mas se dúvida houvesse, no particular, incabível dirimi-la na via do extraordinário, ante o enunciado
da Súmula 459-STF.
les dos Reis, alegando que em maio
ACÓRDÃO
de 1974, celebraram com os réus um
Vistos, relatados e discutidos estes negócio jurídico envolvendo a perautos, acordam os Ministros do Su- muta de duas glebas de terras dos
premo Tribunal Federal, por sua Se- segundos por uma dos autores. Em
gunda Turma, na conformidade da conseqüência desse negócio, foi, priata do julgamento e das notas taqui- meiramente, lavrada escritura de
gráficas, por unanimidade de votos, permuta em 29 de maio, nas notas
não conhecer do recurso.
do 1? Oficio de Cristalina, em virtude
Brasília, 6 de setembro de 1983 — da qual os autores, Juntamente com
Djaci Falcão, Presidente — Aldir José Camilo de Andrade e sua mulher permutaram a fazenda denomiPassarinho, Relator.
nada «Paulista», com a área de 500
alqueires, devidamente medidos, peRELATÓRIO
la fazenda denominada «Mimoso»,
O Sr. Ministro Aldir Passarinho lugar denominado «Floresta», com
(Relator): Trata-se de ação ordiná- área que os réus alegaram ser de 530
ria proposta por Augusto Urias da alqueires. Acrescentam que, posteCruz e sua mulher Ireni Alvares da riormente, adquiriram a parte de JoCruz, Amadeu Camilo de Andrade e sé Camilo de Andrade, tornando-se
sua mulher Amélia Alvares Bon- proprietário exclusivo do aludido
tempo contra Cristiano dos Reis imóvel. Afirmam que o negócio
Calçado e sua mulher Andréa Meire- jurídico entre eles abrangia outro
294
R.T.J. — 109
imóvel, e foi concluído no dia 30 de
maio de 1974, mediante a assinatura
de um compromisso particular de
compra e venda, pelo qual se obrigaram os réus a dar escritura também
dos terrenos relativos aos direitos
hereditários sobre os bens deixados
por Manoel José Leandro e Carolina
de Oliveira Barreiro.
Assim, o negócio jurídico que deu
causa á permuta compreendia não
somente os 530 alqueires da Fazenda
Floresta, como também os direitos
hereditários acima citados. Sob a
alegação de que a Fazenda Floresta
tinha maior número de alqueires do
que a Paulista, exigiram os réus que
os autores lhes pagassem mais Cri
100.000,00, o que foi feito, sendo Cr$
78.000,00 em cheques contra o Banco
do Estado de Goiás e Cr$ 22.000,00
em gado.
Alegaram não conhecerem bem a
região, a par de serem inexperientes
em negócios de terra. Assinado o
compromisso e a escritura de permuta, os réus não providenciaram o
término do Inventário para outorga
da escritura definitiva, conforme se
obrigaram pela cláusula 2? do aludido compromisso, perdurando até hoje a omissão, com desctunprimento
do pactuado. O inventário a que se
referem é o dos bens deixados por
Manoel José Leandro e Carolina de
Oliveira Barreiro, cujos direitos hereditários sobre terras também haviam adquirido na referida transação, como já mencionado.
Mais adiante os autores afirmam
que passaram a ter dúvida sobre a
área, contrataram um profissional
habilitado que, procedendo a medição encontrou apenas 272,5 alqueires e não 530, como afirmaram os
réus na escritura de permuta, havendo, pois, diferença para menor,
de 275,5 alqueires equivalentes a
48,5% da área permutada, isto sem
falar na parte relativa aos direitos
hereditários, partes integrantes do
mesmo negócio jurídico, fato que
torna absolutamente certo que a
área dada em permuta pelos réus,
por eles mesmos estimada em mais
de 500 alqueires, não alcança sequer
a metade da que efetivamente venderam e afirmaram dolosamente possuir.
Invocaram os autores o art. 1.136
do Cód. Civil e pedem a condenação
dos réus, a complementarem a área
vendida ou os indenizarem quanto
aos alqueires inexistentes, pelo valor
contemporâneo da execução da sentença. Na primeira hipótese, pedem
ainda, os autores a condenação dos
réus a lhes outorgarem a escritura
dos direitos hereditários, relativos
aos bens deixados por Manoel José
Leandro e Carolina de Oliveira Barreiro, e não sendo isso possível, sejam então, rescindido dito compromisso e a escritura de permuta,
restituindo as partes ao status quo
ante, com indenização, pelos réus,
de todas as benfeitorias já executadas pelos autores na Fazenda Floresta, mediante avaliação judicial;
restituição dos Cr$ 100.000,00 pagos
pelos inexistentes números de alqueires a mais, da Fazenda Floresta, além de perdas e danos, condenação dos réus nas custas, honorários
de 20% sobre o quantum a se apurar
na execução de sentença, correção
monetária, juros e demais pronunciações de direito (fls. 2/6).
Na sua contestação alegam os réus
que houve permuta de coisa por coisa. Na descrição da área «Mimoso»
ficara englobado tudo quanto se
achava dentro das respectivas cercas perimétricas, de posse dos contestastes, inclusive as terras objeto
do inventário, adquiridos pelos réus
através de cessão de herança, sendo
estimada a área total em cerca de
530 alqueires. Quanto ás terras provenientes do inventário, não fora fixado prazo para o término deste, e
quando ele fosse concluído é que deveria ser lavrada a escritura. De
R.T.J. — 109
qualquer sorte, aos autores caberia,
antes, ter promovido notificação aos
réus para terminarem o inventário.
Repelem terem os autores mandado
medir as terras sem que eles tivessem conhecimento prévio, dizem que
a mora depende de prévia interpelação, o que não houve; que os autores
tiraram proveito da posse das terras
permutadas onde, inclusive, havia
mais benfeitorias do que as por eles
referidas e que a permuta se fez sem
ser levada em conta as áreas e o
contrato se fez sem cláusula de arrependimento. Impugnam o pedido de
pagamento dos Cr$ 100.000,00 e, por
fim, alegaram a carência da ação, e
que nos termos do artigo 178, parágrafo 9?, item V, letra b do Código
Civil, em 29 de maio de 1978, prescreveu o direito de anular ou rescindir o contrato celebrado pelos litigantes, mesmo que estivesse ele eivado de erro, dolo, simulação ou
fraude. Os réus pediram o chamamento ao feito de Manoel Machado e
sua mulher, como denunciados á lide, que lhes haviam vendido o imóvel.
Após realização de perícia, a ação
foi julgada procedente, a fim de condenar Cristiano dos Reis Calçado e
sua mulher a pagar aos dois primeiros autores o valor correspondente
área faltante de 254,4 alqueires,
pelo valor das referidas terras ao
tempo da execução e liquidação da
sentença, ,com acréscimo de honorários de 20% sobre o valor da causa
demais cominações permitidas em
lei.
A essa decisão, opuseram os autores embargos de declaração alegando que houve omissão na parte decisória da sentença, no que tange à
condenação dos réus para outorgarem aos autores a escritura referente aos direitos hereditários relativos
aos espólios de Manoel José Leandro
Carolina de Oliveira Barreiro. Por
outro lado, houve omissão na sentença, a qual deveria condenar os réus
295
a pagar aos autores Amadeu Camilo
Andrade e sua mulher o valor atualizado dos 254,5 alqueires, em forma
de indenização.
Os embargos foram recebidos, tendo o nobre magistrado condenado os
réus a outorgarem a escritura aos
autores, relativa aos espólios de Manoel José Leandro e Carolina de Oliveira Barreiro. Condenou ainda os
réus a indenizarem Amadeu Camilo
de Andrade e sua mulher no valor
correspondente aos 254,5 alqueires,
atualizado, ou seja, ao preço do tempo da execução e liquidação da sentença. Obviamente há de se entender
como tal valor devendo ser pago aos
dois casais autores.
Inconformados, apelaram as partes: autores, pleiteando a elevação
da verba honorária, para que o percentual incidisse sobre o quentura da
execução, e os réus, alegando a prescrição da ação com base no artigo
178, $ 9?, V, letra b, do Código Civil,
e que a venda se fez ad corpus e não
ad mensuram, não se aplicando a regra do artigo 1.136 do Código Civil.
Lembram o agravo retido quanto a
não ter o Juiz tomado conhecimento
da denunciação à lide, e observam
que, em face do decidido nos embargos declaratórios, teriam que pagar
a indenização em dobro. Também
não tinham culpa na demora da conclusão do inventário. A par disso,
não tinha cabimento que a indenização fosse paga na base do valor da
época da execução, pois não se justificava tal correção monetária.
No Tribunal de Justiça local, a 2?
Turma da 3! Câmara Cível, à unanimidade de votos, conheceu das apelações e do agravo retido. Negou
provimento a este e à primeira apelação, ou seja, a dos autores, e deu
provimento parcial à segunda, nos
termos do voto do relator.
O acórdão ficou ,exteriorizado nesta ementa:
296
R.T.J. — 109
«Prescrição. Ação exempto.
Tratando-se de ação ex-empto, decorrente do artigo 1.136, do Código
Civil, a sua prescrição está regulada pelo artigo 177 e não pelo artigo
178, § 9?, inciso V, letra b, do mesmo Código.
Contrato. Cláusula duvidosa.
Sua interpretação. Se existe qualquer cláusula duvidosa ou ponto
obscuro sobre o objeto do contrato,
deve este ser interpretado a favor
do comprador e contra o devedor,
que é quem está em condições de
conhecer melhor a coisa vendida.
Sentença além do pedido. Nulidade. A sentença que ultrapassa
os limites do pedido não é nula; cabe ao Segundo Grau de Jurisdição
moldar a condenação nos termos
do pedido.
4. Pedido alternativo. O pedido
alternativo assegura ao réu o direito de cumprir a obrigação de qualquer modo.»
Ficou esclarecido no acórdão que
não haveria pagamento em dobro.
Dai o recurso extraordinário dos
réus, com fundamento nas letras a e
da previsão constitucional, sob a
alegação de que o v. acórdão impugnado vulnerou o artigo 179 do Código
Civil que limita a aplicação do artigo
177 da lei substantiva, apenas aos
casos de prescrição não previstos pelo Código. Assim, não se poderia
aplicar à espécie o disposto no artigo
177 do C. Civil. A ação estava prescrita na forma do artigo 178, § 9?, V,
letra b, do Código Civil.
Ademais, era inaplicável à espécie
art. 1.136 do Cód. Civil, invocado
pelos recorridos, pois trata ele de
compra e venda e aqui se tratava de
permuta. O art. 1.092, parágrafo único, do Cód. Civil, em que igualmente
buscavam amparo os recorridos
versava sobre rescisão do contrato
com perdas e danos, que na espécie
era apenas uma das alternativas ad-
mitidas pelos próprios autores. E
não são os artigos de lei que fixam o
rito ou natureza da lide, mas o conteúdo do pedido, e a causa de pedir
só pode ser modificada com consentimento do réu (artigo 264 do CPC).
E todo o pleiteado pelos autores é
que os réus teriam se valido de simulação, dolo, ato ilícito, quando
efetuaram a permuta, mas a respeito nada conseguiram provar, e nisso
se inspirara o pedido. Acrescentam,
ainda, que a venda se fizera ad
corpus e não ad mensuram, e sustentam que o acórdão contrariou o art.
176 do Cód. Civil; e, por último, com
fundamento na letra d, afirmam que
ao dizer-se que a venda foi ad
mensuram, contrariou o aresto a jurisprudência dos Tribunais, a respeito do que menciona dois acórdãos,
como divergentes, ambos publicados
no Boletim ADCOAS.
Ofereceram os recorridos sua impugnação, afirmando que, de qualquer sorte a decisão fora razoável e
que restara também fundamento
inatacado, qual o de que se o contrato possuía a cláusula duvidosa devia
ser interpretada em favor do comprador.
Inadmitido o recurso, por ter entendido o ilustre Presidente do Tribunal de Justiça que ele fora intempestivo, subiram os autos a esta Corte, em razão de ter sido provido o
agravo interposto pelos recorrentes.
Aqui, propugnou a ProcuradoriaGeral da República pelo não conhecimento do recurso, embora o considerasse tempestivo.
este o relatório.
VOTO
Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): O recurso, diferentemente
do entendimento manifestado no despacho do Sr. Presidente do C. Tribunal de Justiça de Goiás é tempestivo, posto que sendo o v. acórdão im-
R.T.J. — 109
pugnado posterior à Lei Complementar n? 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), não se inicia a contagem do prazo recursal durante o
período de férias nos Tribunais conforme passou a decidir esta Corte, e
segundo anotado pela douta Procuradoria-Geral da República no seu
parecer, dando exemplos (RE n?
94.537-GO, RTJ 98/1.237; RE n?
94.653-SP, DJ de 14-8-81, pág. 7.717).
Não têm razão os recorrentes, porém, no mérito.
Sustentam eles a não aplicação do
disposto na primeira parte do art.
1.136 do Cód. Civil, à espécie, porquanto aqui não se trata de compra
e venda, mas sim de permuta. Entretanto, esqueceram-se os recorrentes de que no caso incide o aludido
artigo 1.136, em face da expressa determinação contida no art. 1.164,
também do Cód. Civil que manda
aplicar à troca,' que é o contrato
também denominado permuta, escambo ou barganha, as disposições
referentes à compra e venda.
O fato de ter havido uma complementação em dinheiro — Cri
100.000,00 — não altera a natureza do
contrato, pois a reposição foi acessória, preponderando o valor da troca.
E o entendimento que prevalece na
doutrina (Carvalho Santos, Cód. Civil Brasileiro Interpretado, vol. XVI,
pág. 279).
Sustentando incorrer a prescrição, diz a douta Procuradoria-Geral
da República, In verbis:
«Assim, se efetivamente prescrito estava o direito dos recorridos
de postular a anulação da transação em face da alegada simulação,
à vista do que estabelece o art. 178,
§ 9?, V, b, do Código Civil, o mesmo não se deu quanto à invocação
do art. 1.136, visto como, não havendo previsão legal de prescrição para a ação conseqüente,
aplica-se-lhe aquela estipulada no
297
art. 177, em face do artigo 179, que,
assim, não sofreu qualquer violação.»
E acrescenta:
«Acresce dizer que, quanto à
aplicabilidade do art. 1.136 do Código Civil, a questão sub judiee, reconhecida pelo v. acórdão recorrido, trata-se de decisão à qual se
chegou através da Interpretação de
cláusulas contratuais e do exame
da prova, motivo pelo qual não cabe a essa Excelsa Corte revê-la, a
teor das Súmulas n? 279/454.»
Ora, para efeito prescricional, tanto a permuta como a compra e venda têm os mesmos prazos para a
rescisão ou anulação do contrato. No
caso, de fato, se trata de permuta.
O prazo prescricional, no caso de
erro, dolo, simulação ou fraude, em
não havendo estipulação de prazo
menor, é o de quatro anos, contados
do dia em que se realiza o ato ou o
contrato, conforme estipula o art.
178, § 9?, item V, letra b, do Código
Civil. Toda a argumentação dos autores visa a sustentar exatamente
que houve dolo e simulação — e de
qualquer sorte haveria erro — pelo
que para obter a rescisão do contrato o prazo seria realmente de quatro
anos. E se não tivesse como configurada qualquer das hipóteses previstas no art. 178, § 9?, inc. IV, o prazo
não seria maior, mas sim menor,
pois, então, incidiria a regra do artigo 178, § 5?, Inc. IV, também do Código Civil, que fixa em apenas seis
meses o prazo prescricional. De observar que não foi posta questão sob
o enfoque de fraude à lei.
Entendo, porém, apesar de tais
considerações, que o prazo prescricional não incidiu, tendo em vista
que o pedido dos autores foi alternativo, ou seja, rescisão do contrato,
com perdas e danos, ou indenização
pelos alqueires Inexistentes, pelo valor contemporâneo ao da época da
298
R.T.J. — 109
execução da sentença, e foi essa a
fórmula adotada pela decisão de 1?
grau e pelo v. acórdão recorrido.
Ora, na hipótese, igualmente não
há como dizer-se incidente o inc. IV,
do § 4? do art. 178 do Cód. Civil, pois,
não ocorreu vício redibitório. E que
não se pode caracterizar como vício
ou defeito oculto do imóvel ter sido
declarado na escritura ser a área da
gleba maior que a real.
Assim, a meu ver, a ação, em face
da alternatividade posta na inicial, e
acolhido o pedido para a indenização sem que fosse concedida a rescisão contratual — e como as regras
prescricionais hão que ser interpretadas restritamente — considero que
a prescrição é a prevista no art. 177
do Cód. Civil, ante a regra do art.
179 do mesmo diploma legal.
Aliás, de qualquer sorte, como não
foi pedida somente a rescisão do
contrato, e o acórdão concedeu o pagamento relativo à diferença de
áreas, não incidiria mesmo o art.
178, § 9?, V, b, que expressamente
diz respeito à anulação ou rescisão
do contrato.
Incabível, portanto, o extraordinário pela letra a do permissivo constitucional.
Quanto à letra d, não podem servir
os arestos trazidos a confronto para
demonstração do dissídio, posto que
apenas aquele do RE n? 72.007-SP foi
mencionado com indicação do repositório oficial, mas, assim mesmo, a
simples transcrição da ementa não
se torna suficiente para que se veja
ocorrência de dissídio, sendo esta a
ementa transcrita do acórdão:
«Prescrição. Ação declaratória.
Simulação. Prazo. Negócio fiduciário. Existência de simulação
fraudulenta, o que leva a prescrk,
vão de ser regulada pelo art. 178, §
9?, V, letra b, do Cód. Civil. Prazo
contado do dia da realização dó
contrato. Negócio fiduciário não
prequestionado. Recurso extraordinário não conhecido» (RTJ, vol. 70,
pág. 127 — Rel. Min. Bllac Pinto
— Recurso Extr. n? 72.007-SP).
Referentemente a outro, a par de
se tratar de anulação do contrato, o
que, como se viu, não se ajusta à hipótese dos autos, o repositório jurisprudencial é o Boletim ADCOAS, que
não é autorizado nesta Corte (RE n?
86.179, RTJ 89/210).
Quanto à alegação de que a venda
se fizera ad corpus e não ad
mensuram, ainda ai não têm razão
os recorrentes, porquanto, conforme
se verifica do contrato, a operação
foi efetuada tendo em conta possuírem os réus gleba de 530 alqueires. É o que ali se encontra declarado. E, tanto isso é certo que ainda
receberam Cr$ 100.000,00 como compensação da diferença de áreas. De
Qualquer sorte, havendo dividas, impossível seria o extraordinário para
dirimi-las, a teor da Súmula n? 454
deste Tribunal.
Pelo exposto, não conheço do recurso.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 96.420-GO — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Rectes.: Cristiano dos
Reis Calçado e sua mulher (Advs.:
Sebastião Oscar de Castro e outro).
Recdos.: Augusto Urias da Cruz e
outros (Adv.: Benedicto Vaz).
Decisão: Não conhecido. Unânime.
Falou pelos Recdos.: o Dr. Benedicto Vaz. Ausente, ocasionalmente, o
Senhor Ministro Francisco Rezek.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda e Aldir Passarinho.
Ausente, ocasionalmente, o Senhor
R.T.J. — 109
299
Francisco
Rezek.
Brasília, 6 de setembro de 1983 —
Subprocurador-Geral da República, Hélio Francisco Marques, SecretaDr. Mauro Leite Soares.
rio.
Ministro
EMBARGOS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nt 96.802 (AgRg) — RJ
(Tribunal Pleno)
(RE na RTJ 105/1196)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Agravante: Salim Jorge Saud Filho — Agravada: Zoom Modas e Presentes Ltda (Massa Falida), representada por seu síndico Reinaldo José de Almeida.
Constitucional. O prequestionamento supõe não apenas que,
na petição do recurso, a parte vencida mencione os cânones constitucionais violados, mas que a matéria tenha sido ventilada e discutida
no Tribunal a quo, onde ficaram vulnerados.
O recurso extraordinário é um meio de impugnação, cuias
condições e motivos estão expressamente designados no art. 119 da
Constituição e só tem lugar nos casos que especifica. O prequestionamento é uma das condições de admissibilidade do recurso extraordinário.
Inteligência do prequestionamento. Direito comparado.
Não servem aos embargos de divergência os acórdãos já invocados para demonstrá-los, mas rejeitados como não dissidente no julgamento do recurso extraordinário (art. 331 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal).
ACÓRDÃO
Saud Filho opôs embargos de divergência ao v. acórdão da EgréVistos, relatados e discutidos estes
gia Segunda Turma, alegando a inautos, acordam os Ministros do Su-
tempestividade da ação, bem como
premo Tribunal Federal, em sessão
a necessidade da citação da falida
plenária, na conformidade da ata do
como ré. Em abono da primeira tejulgamentó e das notas taquigráfi-
se, invoca o embargante os arestos
cas, por unanimidade de votos, em
proferidos nos Recursos Extraordinegar provimento ao agravo regi-
nários n?s 70.901, de que foi Relamental.
tor o eminente e saudoso Ministro
Luiz Gallotti (RTJ 60/755) e 87.322,
Brasília, 12 de maio de 1983 — de que foi relator o eminente MiCordeiro Guerra, Presidente —
nistro Djaci Falcão (RTJ 90/605).
Alfredo Buzaid, Relator.
E em abono da segunda tese invoca os v. acórdãos proferidos nos
RELATÓRIO
Recursos Extraordinários n?s
82.968, de que foi relator o eminenO Sr. Ministro Alfredo Buzaid: Nos te Ministro Thompson Flores (RTJ
embargos de divergência opostos por 80/611) e 64.463, de que foi relator o
alim Jorge Saud Filho contra deci- S
eminente Ministro Djaci Falcão
são da 2? Turma deste Colendo Tri- (RTJ 56/705).
bunal, proferi o seguinte despacho,
verbis:
2. Cabem embargos de diver«1. Com fundamento no art. 330
gência à decisão de Turma que,
do Regimento Interno, Salim Jorge
em recurso extraordinário ou em
300
R.T.J. — 109
agravo regimental, divergir de julgado de outra Turma ou do Plenário, na interpretação do direito federal (Regimento Interno, art.
330). Não serve para comprovar
divergência o acórdão já invocado
para demonstrá-la, mas repelido
como não divergente no julgamento do recurso extraordinário (Regimento Interno, art. 331, parágrafo
único).
Para o exame da divergência,
cumpre partir do julgamento proferido no Recurso Extraordinário
n? 96.802, verificando quais as teses jurídicas que esposou. A ementa deste v. aresto está assim redigida:
«Falência. Legitimação do
síndico para propor a ação antes
da publicação do aviso a que alude o artigo 55, caput, do Decretolei n? 7.661/45. Declaração de ineficácia relativa e decretação de
revogação por fraude contra credores.
E, pelo menos, razoável o entendimento de que o disposto no
artigo 55, caput, do Decreto-lei n?
7.661/45 não retira a legitimação
do síndico para propor a ação antes da publicação do aviso ali referido. Súmula n? 400. Dissídio de
jurisprudência não comprovada.
A revogação por fraude contra
credores é fundamento suficiente
para a procedência da ação, e se
baseou ela na prova constante
dos autos, não cabível o recurso
extraordinário para o seu reexame (Súmula n? 279). Prejudicada, assim, a alegação de negativa de vigência do artigo 52, VII,
da Lei de Falências relativa ao
outro fundamento.
Recurso extraordinário não conhecido» (fls. 280).
3. Vê-se desde logo que neste v.
acórdão não se discutiu a segunda
tese, isto é, a necessidade da cita-
ção da falida, como ré, para integrar o processo na qualidade de litisconsorte necessário. E certo que
contra o v. acórdão foram opostos
embargos de declaração, mas a
Egrégia Segunda Turma os rejeitou com os seguintes fundamentos:
«Com efeito, a questão ora levantada não o foi como deveria
ter sido na petição de interposição de recurso extraordinário.
Ora, esse recurso está restrito
aoS pressupostos constitucionais
do inciso III do artigo 119 da
Constituição Federal razão por
que esta Corte só aprecia as
questões que nele são invocadas.
Por outro lado, não tem aplicação à espécie a Súmula n? 528,
pois seu limite não ultrapassa as
questões discutidas no recurso
extraordinário, ainda que o despacho de admissão só tenha acolhido as alegações sobre parte
delas.
Em face do exposto, rejeito os
embargos» (fls. 292).
Diante disso, afasto o exame da
primeira tese.
4. A segunda tese versa sobre a
legitimidade ativa do sindico para
propor a ação antes da publicação do aviso, a que alude o artigo 55, caput, do Decreto-lei n?
7.661/45. Quanto a esta tese, o embargante oferece como padrões de
confronto, para caracterizar a divergência, os mesmos acórdãos,
que já foram examinados no recurso extraordinário pela Egrégia Segunda Turma, que assim decidiu:
«Por outro lado, o dissídio de
jurisprudência a esse propósito,
não está demonstrado como o
exige o artigo 322 do Regimento
Interno deste Tribunal. Com efeito, no tocante ao acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o
trecho transcrito não é desse
aresto, mas sim de ementa feita
R.T.J. — 109
pela Revista dos Tribunais, a
qual, além disso, dá a entender
que a questão então discutida era
a de saber quando o credor poderia propor a ação, não se tratando, pois, de ação proposta pelo
síndico, como ocorre no caso presente. No que diz respeito ao
acórdão do Tribunal do Rio
Grande do Sul, o trecho transcrito é o teor do artigo 55 da Lei de
Falências, e o aresto diz respeito
à legitimidade do credor e não do
síndico. No concernente ao RE n?
70.901 a frase transcrita não é a
do acórdão que não trata de prazo para a propositura da ação pelo síndico, e afirma, apenas, que
a ação revocatória «cabe ao
síndico e, após decorrido o prazo
legal, a qualquer credor». E, no
RE n? 87.322, a questão discutida
era outra: a de saber se o síndico, depois dos trinta dias aludidos no artigo 55 da Lel de Falências, poderia ainda propor a ação
revocatória» (fls. 277).
Não estando comprovada a divergência nos termos dos artigos
330 e 331 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, Inadmito os embargos de fls. 296 e seguintes» (fls. 309/311).
Irresignado, interpôs o mesmo, como fundamento no art. 317 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, agravo regimental, alegando que a «douta decisão agravada
reputou não demonstrada a divergência nos termos dos arts. 330 e 331
do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, visto não haver sido discutida a tese da necessidade
da citação da falida na interposição
de recurso extraordinário, considerando Inaplicável, na espécie, a Súmula n? 528» (fls. 313). No entender
do agravante, trata-se de nulidade
de ordem pública, que deveria ser
decretada de oficio, consoante o art.
267, § 3?, c/c os arts. 245, parágrafo
único, 301, § 4?, 303, II e 267, IV, do
301
Código de Processo Civil. Por outro
lado, diz que o verbete 282 da Súmula contraria o disposto no art. 119,
III, a, da Constituição da República,
«ao restabelecer um pressuposto de
admissibilidade do recurso extraordinário há muito revogado.
E por derradeiro, quanto à questão
do prazo para a propositura da ação
revocatória, com base no art. 55 da
Lel de Falências, reporta-se a ensinamentos da doutrina e a acórdãos
do Supremo Tribunal Federal.
Por tudo isso, pede a reconsideração do r. despacho que indeferiu os
embargos divergentes, ou seja,
aquele submetido ao julgamento do
Plenário desta Eg. Corte.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Relator): 1. Irresignado com a decisão
de fls. 309/311, que inadmitiu os embargos de divergência, Salim Jorge
Saud Filho interpõe agravo regimental.
A primeira questão versa sobre a
necessidade de citação da ré para integrar o processo na qualidade de IItisconsorte. E afirma o agravante
que:
«Embora não discutida na interposição do recurso extraordinário,
por motivos óbvios, não poderia
deixar de ser objeto de apreciação
pela Colenda 2? Turma do Supremo
Tribunal Federal, como se acentuou nos embargos declaratórios
oferecidos ao V. acórdão embargado, que, por omissão, data venta,
deixou de conhecer de oficio da
matéria ventilada» (fls. 314)
Funda-se o agravante no art. 267, §
3?, do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz, antes de julgar a
causa, tem de conhecer e decretar
de ofício as nulidades processuais. E
conclui que o enunciado da Súmula
n? 282 contraria o disposto no art.
302
R.T.J. — 109
119, III, da Constituição da República (fls. 315), oferecendo um estudo
realizado no Instituto dos Advogados
pelo Dr. Maury Rodrigues de Macedo e parecer do Dr. Danilo Homem
da Silva (fls. 320 e segs.).
O agravante suscita agora
questão nova, a saber, o Verbete n?
282 da Súmula é inconstitucional. Esta matéria não pode ser objeto de
embargos de divergência. Dispõe o
art. 330 do Regimento Interno que
cabem embargos de divergência à
decisão da Turma que, em recurso
extraordinário ou em agravo de instrumento, divergir de julgado de outra Turma ou do Pleno na interpretação de direito federal. Ora, os embargos de divergência não apontam,
quanto à interpretação de direito federal, divergência entre as Turmas.
Basta esta resposta para rejeitar os
embargos de divergência.
O que pretende o agravante é
argüir a inconstitucionalidade do
Verbete n? 282 da Súmula. Este verbete dispõe que «é inadmissível o recurso extraordinário, quando não
ventilada na decisão recorrida, a
questão federal suscitada». O que este verbete consagra é o principio do
prequestionamento, instituído entre
nós já na Constituição de 1891, ao
dispor no art. 59:
«III — Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a
validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do
tribunal do Estado for contra ela».
4 Este preceito foi repetido na
Reforma de 1926 (art. 60, § 1?, a) e
nas Constituições de 1934 (art. 76,
III, b), de 1937 (art. 101, III, b) e de
1946 (art. 101, III, b). Depois disso
não constou mais de cânon constitucional, porque a Constituição de
1967, com a Emenda n? 1, de 1969;e
Emenda n? 7 de 1977, atribuiu ao Re-
gimento Interno do Supremo Tribunal Federal e competência para dispor sobre o processo e julgamento
dos feitos de sua competência originária ou recursal.
O recurso extraordinário é um
meio de impugnação, cuj as condições e motivos estão expressamente
designados no art. 119 da Constituição e só tem lugar nos casos que especifica. O prequestionamento é
uma das condições de admissibilidade do recurso extraordinário.
5. A idéia do prequestionamento,
tal como foi consagrada nos cânones
constitucionais acima citados, tem a
sua origem na Lei Judiciária
(Judiciary Act) norte-americana, de
24 de setembro de 1789. Esta lei admitiu das decisões da Justiça estadual recurso para a Corte Suprema,
recurso que recebeu o nome de writ
o? error. Cooley observa que «é essencial, para a proteção da jurisdição nacional e para prevenir conflito
entre Estado e autoridade federal,
que a decisão final sobre toda questão surgida com referência a ela fique com os tribunais da União; e como tais questões devem surgir freqüentemente primeiro nos tribunais
dispôs-se
pela
Estados,
dos
Judiciary Act deslocar para a Corte
Suprema dos Estados Unidos a decisão ou resolução final, segundo o direito ou segundo a eqüidade, proferida em qualquer causa pelo mais alto
tribunal do Estado, onde se questiona acerca da validade de tratado, lei
ou ato praticado por autoridade da
União e a decisão é contrária a essa
validade; ou onde se questiona sobre
a validade de uma lei ou de um ato
cometido por autoridade de algum
Estado, sob o fundamento de que repugna à Constituição, tratados ou
leis dos Estados Unidos e a decisão é
favorável à validade; ou onde se
questiona sobre algum título, direito,
privilégio ou imunidade, reclamado
segundo a Constituição, tratado, lei
federal ou ato feito ou autoridade
R.T.J. — 109
exercida pelos Estados Unidos e a
decisão é contrária ao título, direito,
privilégio ou imunidade reclamado
por qualquer das partes com base na
Constituição, tratado, lei, ato ou autoridade» (Cf. Cooley, A treatise of
constitucional limitations, 6? ed.,
Boston, 1890, páginas 18 e 19; ver
ainda: Pedro Lesas, Do Poder
Judiciário, Rio de Janeiro, 1915, página 101; Matos Peixoto, Recurso
extraordinário, páginas 89 e seguintes).
A doutrina prevalecente nos Estados Unidos, é que a questão federal
tenha sido suscitada e resolvida pelo
Tribunal do Estado. Não basta, pois,
alegá-la no wrlt of error. E o que
ainda ensina Cooley: «Mas para autorizar a reforma sobre aquela Lei
(Lei Judiciária de 1789), força é que
conste dos autos, ou expressamente
ou por manifestação clara e necessária, que qualquer uma das questões
enumeradas tenha surgido no tribunal do Estado e ai foi rejeitada»
(Cooley, ob. cit., pág. 19).
A doutrina brasileira, invocando
precisamente a seção n? 25 da Lei
Judiciária, nunca hesitou em consagrar tal orientação (Cf. Pedro Lessa,
Do Poder Judiciário, pág. 101; Matos
Peixoto, Recurso extraordinário, página 89 e seguintes).
6. De feito, a apresentação das
questões antes da sentença e a sua
apreciação definitiva pela decisão de
último grau é um problema de lógica
jurídica, fundado na congruência
que há de existir entre o pedido da
parte e a resposta do juiz. O recurso
extraordinário difere dá apelação.
Esta poderá ter por objeto de julgamento todas as questões de direito e
de fato suscitadas e discutidas no
processo, ainda que a sentença não
as tenha julgado por inteiro, especialmente quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o
juiz acolher apenas um deles, caso
em que a apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento dos demais
303
(Código de Processo Civil, art. 515,
ff 1? e 2?). O recurso extraordinário,
como a própria denominação indica,
só tem por fundamento as questões
de direito, que a Constituição da República especifica no artigo 119, III,
letras a, b, c e d, desde que a transgressão a esses dispositivos tenha
ocorrido no tribunal de origem, onde
as questões foram ventiladas. Por isso, Bielsa, tratando do recurso extraordinário na jurisprudência da
Corte Suprema da Argentina assinalou que «o recurso extraordinário é
improcedente, quando é suscitado no
escrito de interposição, por as questões devem ter sido apreciadas no
juizo» (Bielsa, La proteccion constitucional y el recurso extraordinário,
Buenos Aires, 1958, pág. 248). Não
escapou à observação desse ilustre
publicista a indagação de que a questão tenha surgido na decisão definitiva já não mais sujeita à revisão na
respectiva jurisdição (Bielsa, ob.
cit., pág. 246). O direito brasileiro
resolveu este problema, determinando que a parte, antes de inte rpor o
recurso extraordinário, ofereça, embargos de declaração, consoante a
Verbete n? 356 da Súmula: «O ponto
omisso da decisão, sobre o qual não
foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso
extraordinário, por faltar o requisito
do prequestionamento». Através dos
embargos declaratórios se prequestiona no tribunal de origem a questão federal, a qual fica, portanto,
ventilada, independente da solução
dada, atendendo assim à exigência
do Verbete n? 282 da Súmula. O
principio dominante é, pois, que o recurso extraordinário deve versar sobre questão que foi oportunamente
suscitada e defendida nas instâncias
ordinárias (Fernando de La Rua, El
recurso de casacion, 1968, pág. 440).
7. O Código de Processo Civil da
República Federal da Alemanha preceitua no parágrafo 561, I: «A corte
de revisão só julgará as alegações
309
R.T.J. — 109
das partes que constem da sentença ceitua que «não serve para comprode apelação ou do protocolo». Co- var divergência acórdão já invocado
mentando esta regra legal, ensinam para demonstrá-lo, mas rejeitado coSteln-Ionas-Schõnke que ela dispõe mo não dissidente no julgamento do
para a instância da revisão dois recurso extraordinário».
princípios fundamentais: 1?) a limiEm face do exposto e subsistindo
tação da matéria do processo ao fato as razões que me levaram a inadmideclarado em apelação, pelo que é tir os embargos, nego provimento ao
excluída nova alegação da espécie agravo regimental.
de fato; 2?) e ainda a vinculação à
E o meu voto.
declaração do fato do Tribunal de
apelação reservada a uma violação
EXTRATO DA ATA
da lei de que foi causa. Estes
princípios não são apenas uma deduERE 96.802( AgRg)-RJ — Rel.: Mição do parágrafo 549, mas também nistro Alfredo Buzaid. Agte.: Selim
complemento independente do mes- Jorge Saud Filho (Adv.: Américo Lúmo parágrafo (Stein-Ionas-Schünke, zio de Oliveira ). Agda.: Zoom Modas
Kommentar zur Zivllprozessord- e Presentes Ltda. (Massa Falida),
nung, 17? ed., obs. n? 1 ao § 561). representada por seu síndico ReinaiLent-Jauernig assinalam que «prin- do José de Almeida (Advs.: Luiz Orcipio fundamental do exame é a lando Marinho Gurgel e outro).
alegação de fato da parte como resulta
Decisão: Negou-se provimento,
do fato da sentença impugnada unanimemente.
ou do protocolo» (Len-Hauerning,
Presidência do Senhor Ministro
Zivllprozessrecht,14!, ed pá g. 217 ) .
Cordeiro
Guerra. Presentes à Sessão
8. Não é mais feliz o agravante
Senhores Ministros Djaci Falcão,
em relação á segunda questão, ou os
Alves, Soares Mufioz, Decio
seja, a do prazo para a propositura Moreira
Miranda,
Rafael Mayer, Néri da Silda ação revocatória. A este respeito, veira, Alfredo
Buzaid, Oscar Corrêa,
oferece o agravante como padrões Aldir Passarinho
e Francisco Rezek.
de confronto, para caracterizar a di- Procurador-Geral
da República,
vergência, os mesmos acórdãos que Professor Inocêncio Mártires
Coelho.
já foram examinados no recurso exBrasília, 12 de maio de 1983 —
traordinário pela Egrégia Segunda
Turma no tópico transcrito a fls. 310. António Veronese Aguiar, SecretáO art. 331 do Regimento Interno pre- rio.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 97.054 — RS
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Recorrentes: Cia. ULTRAGAS S.A. e outras — Recorrido: Sindicato dos
Trabalhadores no Comércio de Minérios, Combustíveis Minerais e Solventes
de Petróleo do Rio Grande do Sul.
Direito do trabalho. Dissídio coletivo. A regra do art. 142, 1?
da Constituição da República é regra jurídica de competência. Inexistência de violação do referido preceito, quando o que o recorrente argúi é ofer—a à Lei n? 6.147/74.
A violação imputável ao Tribunal Superior do Trabalho há de
ser de texto da constituição e não de lei ordinária.
3. Recurso extraordinário não conhecido.
R.T.J. — 109
305
ACORDA()
Concedido o reajuste salarial em
índice superior ao estabelecido em
Vistos, relatados e discutidos estes
lei, é de se reduzir o percentual à
autos, acordam os Ministros da Pritaxa oficial, acrescidos de 4% a
meira Turma do Supremo Tribunal
titulo de produtividade com as
Federal, na conformidade da ata do
compensações efetuadas apenas
julgamento e das notas taquigráfisobre o referido índice oficial» (fls.
cas, por unanimidade de votos, em
139).
não conhecer do recurso.
Opostos embargos de declaração
Brasilia, 14 de junho de 1983 — pela Companhia Ultragás S.A. e S.A.
Soares Mufloz, Presidente — Alfredo Gaúcha de Gás, foram rejeitados
Buzald, Relator.
(fls. 147).
Irresignadas, as embargantes inRELATORIO
terpuseram recurso extraordinário,
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: Pe- com fundamento no art. 143 da Consrante o Eg. Tribunal Regional do tituição, alegando que a decisão reTrabalho da 4? Região, o Sindicato corrida havia violado os arts. 142, §
dos Trabalhadores no Comércio de 1? e 153, § 2? da Constituição.
Minérios, Combustíveis Minerais e
Pelo despacho de fls. 178/179, foi
Solventes de Petróleo do Rio Grande deferido o recurso.
do Sul propôs ação de revisão de
Ouvida a douta Procuradoriadissídio coletivo, pretendendo um au- Geral
da República, em parecer da
mento geral para a categoria de lavra do
ilustre Procurador José An75%, com redução de 2%, com vigên- tônio Leal
Chaves, aprovado pelo
cia a partir de 1? de setembro de eminente
Professor
Mauro Leite
1979, observadas as prescrições con- Soares, DD. Subprocurador-Geral,
tidas no Prejulgado n? 56 quanto às assim se manifestou, verbis:
compensações e salário normativo,
«1. Trata-se de recurso extraoralém do reconhecimento aos cofres
dinário interposto de r. acórdão
do Sindicato da importância de Cr$
prolatado pelo Egrégio Tribunal
30,00, por empregado integrante da
Superior do Trabalho, arrimado no
categoria profissional, para os fins
art. 143 da Constituição Federal,
de encargos sociais.
sob alegações de afronta aos arts.
A decisão do Eg. Tribunal Regio142, § 1?, e 153, § 2?, da Lei das
nal está assim ementaria:
Leis.
«Revisão de dissídio coletivo.
O apelo foi admitido pelo
Concessão de aumento salarial de
eminente Vice-Presidente da Egréconformidade com a vontade das
gia Corte a quo, o Exmo. Sr. Minispartes.
tro Carlos Alberto Barata Silva,
Aplicação do Prejulgado n? 56 e
pela motivação constante do r. desdesconto para os cofres do suscipacho de fls. 178/179.
tante por autorizado em assemImpende assinalar, in limibléia» (fls. 91).
ne, que a r. decisão recorrida não
Nos recursos interpostos pela Proapreciou a questão em debate à luz
curadoria Regional do Trabalho da
dos dispositivos ditos violados pe4! Região, Companhia Ultragás
las recorrentes, qual se depreende
S.A., Liquigás do Brasil S.A. e ouda leitura dos rr. arestos residentros, o Tribunal Superior do Trabates às fls. 130/134 e 147/148.
lho decidiu:
4. Aliás, a circunstância realça«Reajuste salarial.
da é de debitar-se, por inteiro, às
306
R.T.J.
recorrentes, porquanto estas descuraram dos preceitos constitucionais pertinentes aos temas ventilados em seu recurso ordinário de
fls. 100/102, que limitou-se a fazer,
apenas, vaga menção «à estrutura
constitucional da harmonia dos Poderes» (fls. 102, item 5, 7? e 8? linhas).
A oposição dos embargos de
declaração de fls. 135/138 não foi
de molde a prequestionar a matéria constitucional, como desejavam as recorrentes, vez que tais
embargos veicularam a denúncia
da existência de contradição no r.
aresto embargado, e não apontaram neste nenhum ponto omisso,
digno de ser sanado.
O singelo registro da alegação dos embargantes, inserido no
d. relatório do r. acórdão de fls.
147/148, de que teria o Egrégio Tribunal a quo extrapolado a sua
competência constitucional não espelha, de forma alguma, prequestionamento legítimo nenhum, pois
os embargos de declaração foram
rejeitados, à consideração de sua
imprestabilidade para a reforma
da r. decisão embargada, por ser
remédio impróprio para tanto.
Assim sendo, à mingua do
necessário efetivo prequestionamento, hão de se ter como incidentes e aplicáveis in casu as diretrizes traçadas nas Súmulas N? 282 e
356, bastantes, por si só, a tornar
incognoscivel o derradeiro recurso
interposto.
Ultrapassado, porventura, o
óbice vindo de aduzir, impende sopesar se a derradeira súplica exibe
condição de prosperar.
9. Rebelam-se as recorrentes
contra a concessão de aumento salarial de 4%, a titulo de produtividade, a ser acrescido ao índice oficial de reajustamento salarial fixado através de Decreto n? 83.956, de
12-9-79, sustentando haver o Egré-
109
gio Tribunal Superior do Trabalho
exorbitado de sua competência e
imposto às recorrentes uma obrigação que não encontra apoio na
legislação específica.
Parcial razão assiste às recorrentes ao argüir a vulneração
do disposto no § 1? do art. 142 da
Constituição Federal, consubstanciada no deferimento de reajuste
salarial em nivel superior ao estipulado em lei, para vigorar a partir de 1? de setembro de 1979, pois,
no particular, divorciou-se o r. julgado recorrido da legislação vigente à data citada.
Todavia, de 1? de novembro
de 1979 em diante, quando entrou
em vigor a Lei n? 6.708, de 30-10-79,
que dispôs sobre a correção automática de salários e modificou a
política salarial anterior, tornou-se
licito deferir aumento de salário,
com fundamento no acréscimo verificado na produtividade da categoria profissional, na conformidade do estatuído no art. 11 do citado
diploma legal.
De arredar-se, de pronto, a
idéia, acenada pelas recorrentes,
de que, anteriormente ao advento
da nova lei, já tendo sido incluído
no fator de reajustamento salarial
o coeficiente relativo a participação no aumento da produtividade
nacional (art. 2?, letra c, da Lei n?
contradição
6.147/74),
seria
conceder-se mais um aumento de
4%, a titulo de produtividade.
A Lei n? 6.708/79, ao modificar a política salarial, conferiu aos
reajustes salariais o novo rótulo de
correção automática do valor monetário dos salários, alterando sua
base de cálculo, que passou a ser o
indico Nacional de Preços ao Consumidor (art. 1?), e previu e autorizou, em seu art. 10, aumentos de
salários, aumentos estes a serem
estipulados, consoante seu art. 11,
«com fundamento no acréscimo ve-
R.T.J. — 109
rificado na produtividade da categoria profissional», algo bem distinto do «coeficiente correspondente à participação no aumento da
produtividade da economia nacional no ano anterior, fixado pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República» (Lei n?
6.147/74, alínea c do art. 2?), previsto para constituir um dos componentes parciais do fator de reajustamento salarial a ser utilizado
a partir de 1? de janeiro de 1975.
Ao parecer, a contradição
antevista pelas recorrentes inexiste, pois o índice de 46%, aplicável e
aplicado ao reajustamento salarial
para viger a partir de 1? de setembro de 1979, aumento não era e não
foi, visto ter significado, apenas, a
recomposição do valor monetário
dos salários, corroído pela inflação
dos doze meses antecedentes, e o
plus de 4%, concedido com base no
art. 11 da Lei n? 6.708/79, este sim,
aumento efetivo, teve como fundamento o acréscimo verificado na
produtividade da categoria profissional.
A circunstância de só haver
sido revogada a Lei n? 6.147/74 em
30 de outubro de 1979 e o fato de
não haver a inicial veiculado pedido específico de aumento salarial
vinculado à taxa de produtividade
não tornam ilegítima, por inteiro,
a concessão do malsinado aumento.
In casu, desde 1 de novembro de 1979, irreprochável se apresenta o deferimento do aumento
salarial de 4% aos componentes da
categoria profissional representada pelo recorrido, por amparado
em texto expresso de lei, qual é o
art. 11 da Lel n? 6.708, de 30-10-79.
Quanto à ausência na inicial
de pedido de aumento salarial com
base no acréscimo verificado na
produtividade da categoria profissional, importa gizar que o postula-
307
do foi, com evidente erro terminológico, «um aumento geral de 75%
(setenta e cinco por cento)» (fls. 3,
item 4, alínea a), que a Justiça do
Trabalho não poderia deferir, e
que não deferiu, por inexistência
de suporte legal, mas pedido de aumento salarial constou da inicial,
com clareza e, até mesmo, evidente excesso.
Oportuno relembrar, por
derradeiro, que o dissídio coletivo
de natureza econômica, ou dissídio
coletivo de interesse, qual o destes
autos, destinado a estabelecer normas e condições de trabalho, de
acordo com as hipóteses especificadas em lei, é um processo legítimo de composição e, bem distinto
de processo civil comum, de criação, previsto não apenas para aplicar a lei incidente no passado ou
para deslindar questão jurídica
pretérita, mas, ao revés, tendo conto objetivo primacial regular,
por um período determinado do
tempo futuro, as relações entre integrantes de categorias econômicas e profissionais correspondentes
e, dessarte, sendo a Lei n? 6.708/70
disciplina de ordem pública, destinada a ter efeito imediato e geral,
desde o inicio de sua vigência incidiu sobre seus suportes Táticos próprios e tornou-se passível de aplicação quando presentes os pressupostos para tanto, inclusive, em
dissídio coletivo a pender de julgamento, com o aqui contido, independentemente de específica determinação em tal sentido.
Isto posto, o parecer é, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso, e, se acaso conhecido pelo seu provimento parcial, apenas para excluir da cláusula de reajustamento salarial o
plus de 4% nela inserido, à míngua
do seu necessário suporte legal, de
1? de setembro a 31 de outubro de
1979, sem prejuízo, entretanto, da
308
R.T.J. — 109
manutenção do dito percentual, deferido a titulo de aumento fundado
no acréscimo verificado na produtividade da categoria profissional,
de 1 de novembro de 1979 em diante, tendo em vista ostentar tal aumento o expresso apoio de lei ordinária precedente, qual é a Lei n?
6.708, de 30-10-79 (fls. 188/194).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid (Relator): 1. O litígio versa sobre a concessão de 4% (quatro por cerdo) aos
operários a titulo de produtividade.
Sustentam os recorrentes, que, assim decidindo, o Egrégio Tribunal
Superior do Trabalho foi muito além
da sua competência, atropelando
violentamente o § 1? do artigo 142 da
Constituição, sendo ainda invocável
igualmente norma constitucional
prevista no parágrafo segundo do artigo 153 da nossa Carta Magna (fls.
151).
Estou em que nenhum destes preceitos constitucionais foi violado pelo
v. acórdão recorrido. O § 1? do artigo
142 dispõe:
«A lei especificará as hipóteses
em que as decisões, nos dissídios
coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho».
O que ai estabeleceu a Constituição foi uma regra de competência,
que atribuiu à Justiça do Trabalho
poder normativo nos dissidios coletivos; mas a lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissidios
coletivos, poderão estabelecer non
Inas e condições de trabalho (Constituição da República, artigo 142, §
1 ?).
2. Pontes de Miranda, comentando o art. 142 e seu parágrafo 1?, observou:
«As regras Jurídicas do artigo
142 e do § 1? são regras jurídicas
da competência da Justiça do Tra-
balho, mas na regra jurídica do §
1?, que só se refere aos dissidios
coletivos, há duas regras jurídicas
de competência — uma que se refere à legislatura federal e é aquela em que si diz que «a lei especificará as hipóteses» — e outra, atinente á Justiça do Trabalho, que é
a em que se alude ao estabelecimento de «normas e condições de
Trabalho» (Pontes de Miranda,
Comentários á Constituição de 1967
com a Ementa n? 1 de 1969, Revista Trimestral, 2? ed., vol. IV, pág.
280).
Desta exegese do preceito constitucional se infere que há o poder normativo da Justiça do Trabalho, ainda que limitado pela lei (Coqueijo
Costa, Direito Judiciário do
Trabalho, Forense, 1978, pág. 86).
Cabe, pois, à lei ordinária a regulamentação do exercido de tal competência (Cf. Mozart Victor Russomano, Comentários á Consolidação das
Leis do Trabalho, Forense, 1982, 9?
ed., pág. 920).
3. Várias leis, até o advento da de
n? 6.708, de 30 de outubro de 1979,
matéria,
disciplinaram
esta
operando-se uma profunda transformação que vem da política das
fórmulas até o sistema de salário
móvel. E isso sempre se processou
por lei, como a de n? 4.725, de 13 de
Julho de 1975, o Decreto-lei n? 15, de
29 de julho de 1966 e outros documentos legislativos relacionados e estudados pelo eminente Ministro Mozart
Victor Russomano (06. cit., págs. 920
e seguintes).
Que se trata sempre e invariavelmente de legislação ordinária, não
há duvidar. Os próprios recorrentes
o reconhecem, ao dizerem na petição
de interposição do recurso extraordinário:
«A propósito, é de bom alvitre
salientar que a Lei n? 6.147/74, comando disciplinador dos dissidios
coletivos e fonte legal do Prejulga-
R.T.J. — 109
do 56 do Eg. Tribunal Superior do
Trabalho, só foi revogada em 30 de
outubro de 1979, pelo artigo 21 da
Lei n? 6.708/79, que entrou em vigor em primeiro de novembro daquele ano» (fls. 151).
E mais adiante, ao ensejo de impugnar o percentual de produtividade, sublinharam os recorrentes:
«Não bastasse a concessão do
percentual da produtividade ao
completo arrepio da norma constitucional e da legislação especifica
aplicável à espécie, poder-se-ia invocar também que o Eg. Tribunal
Superior do Trabalho decidiu ultra
petlta, uma vez que pela leitura da
inicial não se verifica nenhum pedido relativamente à taxa de produtividade.
Como se vê, é facilmente verificavei que o Tribunal Superior do
Trabalho, ao julgar dissidlos coletivos anteriores à Lei n? 6.708/79, estava jungido a aplicar apenas os
fatores de reajustamento fixados
por Decreto com base na Lei n?
6.147/74, e em estrita obediência à
norma constitucional que lhe fixa
Competência» (fls. 151/152).
Nos embargos declaratórios alegaram os recorrentes contradição no
acórdão, repetindo, quanto ao mais,
alegações anteriores, não havendo,
contudo, nenhuma referência a julgamento ultra petita, que só aparece
no recurso extraordinário (fls. 152).
4. Ora, por todo o exposto bem se
vê que não ocorreu ofensa ao artigo
142, § 1? da Constituição da República. O que os recorrentes argúem, na
verdade, é ofensa à Lei n? 6.147/74,
sob a alegação de ser o direito vigente, quando foi suscitado o dissídio coletivo. Mas tal matéria não pode ser
objeto de recurso extraordinário contra decisão do Tribunal Superior do
Trabalho, porque, nos expressos termos do artigo 143 da Constituição,
309
das suas decisões «somente caberá
recurso para o Supremo Tribunal
Federal quando contrariarem esta
Constituição». A violação imputável
ao Tribunal Superior do Trabalho há
de ser de texto da Constituição e não
de lei ordinária (RE n? 94.673, DJ de
8-4-83, Rel.: Ministro Néri da Silveira).
Por outro lado, o tema suscitado
pelos recorrentes não foi prequestionado no Tribunal de origem, porque
os embargos declaratórios não apontaram ofensa ao artigo 142, § 1? da
Constituição.
Destarte, não havendo ofensa à
Constituição, quer do art. 142, I, quer
do art. 153, § 20, e nem tendo sido
prequestionado este tema, nos termos do verbetes n?s 282 e 356 da Súmula, não conheço do recurso.
É o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 97.054-RS — Rel.: Min. Alfredo
Buzaid. Rectes.: Cia. Ultragás S.A. e
outras (Advs.: Maurício de Campos
Bastos e outros). Recdo.: Sindicato
dos Trabalhadores no Comércio de
Minérios, Combustíveis Minerais e
Solventes de Petróleo do Rio Grande
do Sul (Advs.: Ulisses Riedel de Resende e outros).
Decisão: Não se conheceu do recurso extraordinário. Decisão unânime. Falou pelos Rectes.: Dr.
Mauricio de Campos Bastos.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Muilioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 14 de junho de 1983 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
310
R.T.J. — 109
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 97.870 — PB
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT — Recorrido: Eliomar Tomaz de Brito.
ECT. Servidores do ex-DCT, que optaram pelo regime da CLT.
Lel n? 6.184, de 11-12-1974. Qüinqüênios por tempo de serviço: vantagem própria do regime estatutário. Feita a opção do servidor por novo regime jurídico de trabalho, desvincula-se do anterior, passando a
ter seu tratamento pecuniário, direitos e vantagens, na conformidade
do sistema novo, não podendo simultaneamente, beneficiar-se das
duas disciplinas legais, salvo se a lei, que dispõe sobre a alteração do
regime do servidor, ou prevê a opção por novo sistema, de explicito,
resguardar situação jurídica constituída tlt sombra da disciplina de regência do emprego, antes seguida. E certo que se há de ter como implicitamente resguardada contraprestação não inferior; não, porém, a
subsistência de vantagens especiais do regime anterior. A não incidência dos dois sistemas legais sobre a mesma relação empregaticla
resulta da diferença na enumeração dos direitos e obrigações, em virtude da legislação específica de cada qual. Qüinqüênios, por tempo de
serviço anterior, não subsistem, após a opção pela disciplina da CLT.
Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido e provido.
tempo de serviço, referentes aos dois
ACÓRDÃO
anos anteriores à rescisão do seu
Vistos, relatados e discutidos estes contrato, acrescidos de Juros e corautos, acordam os Ministros da Pri- reção monetária, custas e, ainda, a
meira Turma do Supremo Tribunal complementação do salário contriFederal, na conformidade da ata de buição, do mesmo período ( fls. 27).
julgamentos e notas taquigráficas, à
A mencionada sentença foi mantiunanimidade, conhecer do recurso da pela 3? Turma, do Tribunal Fedeextraordinário e lhe dar provimento.
ral de Recursos, ao apreciar recurso
Brasília, 29 de abril de 1983 — ordinário da empresa, em acórdão
Soares Mitiloz, Presidente — Néri da assim ementado (fls. 57):
Silveira, Relator.
«Trabalhista. Qüinqüênios adquiridos antes do regime celetista.
RELATÓRIO
Os qüinqüênios adquiridos no regime estatutário pelos funcionáO Sr. Ministro Néri da Silveira
rios, que optaram pelo regime ce(Relator): Eliomar Tomaz de Brito,
letista, incorporam-se ao patrimôantigo funcionário público estatutánio do servidor, não podendo ser
rio, do ex-Departamento de Correios
absorvidos pelo novo padrão salae Telégrafos, optante pelo regime da
rial da empresa pública.»
CLT, propôs reclamação trabalhista
contra a Empresa Brasileira de CorInconformada, interpôs a Empresa
reios e Telégrafos, julgada pelo Dr. Brasileira de Correios e Telégrafos o
Juiz Federal da Comarca de João presente recurso extraordinário,
Pessoa, Estado da Paraíba, que con- com apoio no art. 119, inciso III,
denou a reclamada a pagar os qüin- alíneas a e d, da Constituição Fedeqüênios, relativos ao adicional por ral, alegando negativa de vigência à
R.T.J. —109
Lei n? 6.184, de 11-12-74, e ao art. 457,
§ 1?, da Consolidação das Leis do
Trabalho, bem assim, ofensa ao art.
153, §§ 2? e 3?, da Carta Magna, divergência com a Súmula n? 207 e
com julgados do Tribunal Federal de
Recursos e do Tribunal Superior do
Trabalho. Argüiu, ainda„a relevância da questão federal. Sustentou a
recorrente, em resumo, que ao recorrido falece o direito de continuar
percebendo a gratificação por qüinqüênios de serviços prevista no regime estatutário, a partir do momento
em que optou pelo regime celetista,
inacumuláveis, portanto, os benefícios dos dois regimes, ainda
mais que, na fixação do salário decorrente da nova situação, não houve redução do valor que recebia.
Negado seguimento ao recurso pelo despacho de fls. 83/87, com o argumento de que incidem, na espécie,
os óbices do art. 325, itens IV, b, e
VIII, do RISTF, e as Súmulas n?s
282, 356 e 369, subiram os autos a este Tribunal, por força do acolhimento da Argüição de Relevância n?
14.513-0-PB, em apenso, conforme
decisão adotada pelo Conselho, às
fls. 73.
Razões da recorrente as fls.
94/105, não oferecendo o recorrido
suas contra-razões, embora regularmente intimado às fls. 106.
A douta Procuradoria-Geral da
República manifesta-se, ás fls.
110/116, pelo conhecimento e provimento do recurso.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Subiram os autos a este
Tribunal, em face do acolhimento da
argüição de relevância da questão
federal (fls. 73 dos autos apensos).
Questionada a matéria, no acórdão, à luz da Lei n? 6.184/1974,
reconhecendo-se a existência de di-
311
reito adquirido, por parte do reclamante, aos qüinqüênios anteriores à
opção, conheço do recurso extraordinário, afastados que se fizeram os
óbices regimentais, em face do acolhimento da argüição de relevância
da questão federal.
Dele conhecendo, dou-lhe provimento, para julgar improcedente a
reclamação trabalhista.
Faço-o, na conformidade da jurisprudência da Turma, assentada no
julgamento dos Recursos Extraordinários n?s 97.868, 98.402 e 97.868-2,
concluídos a 4-3-1973.
Nessa oportunidade, assim me
pronunciei:
«2. Assegurou -se ao servidor estatutário, que optou pelo regime da
CLT, de acordo com a Lei n? 6.184,
de 1974, o direito à gratificação
adicional por tempo de serviço, adquirido antes da opção.
O eminente Ministro Aldir Passarinho, no julgamento dos ERO n?
3.317/MG, no TFR, a que fiz menção, reportando-se a pronunciamento anterior, assim se manifestou:
«Os reclamantes eram funcionários públicos da União, servindo no Departamento Nacional
dos Correios e Telégrafos. Extinto DCT, em virtude da criação
da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, vieram eles a
optar pelo regime da CLT, que
veio a ser o implantado na nova
entidade, em decorrência mesmo
de sua natureza de empresa pública.
Pretendem os postulantes seja
acrescido aos seus salários o valor do adicional de tempo de serviço que já vinham percebendo
quando funcionários públicos. A
tal não têm direito contudo, como
bem decidiu o nobre julgador a
quo. A Lei n? 6.184/74, que disciplinou a matéria, não lhes asse-
312
R.T.J. — 109
gurou a manutenção da vantagem. Por outro lado, não tiveram
eles redução de seus ganhos, mas
antes significativo aumento, conforme relação apresentada pela
reclamada. Tal aumento superou
o que percebiam como funcionáinclusive
rios
públicos,
considerando-se os adicionais a
que faziam jus.
Em alguns casos o aumento foi
bastante substancial até. Não é
possível, assim, atender-se à pretensão que visa soma de vantagens de dois regimes diferentes.
Não é de esquecer-se, por exemplo, que os servidores sob o regime da legislação laborai consolida percebem 13° salário, vantagem que não possuíam quando
funcionários públicos. Somente
seria, deste modo, cabível
conceder-se o vindicado se a lei
houvesse expressamente autorizado a permanência dos adicionais, mas tal não ocorreu».
Noutro passo de seu douto voto,
anotou o Senhor Ministro Aldir
Passarinho:
«Quando me referi que a lei
não previa a concessão dos qüinqüênios quis com isso significar
que nela não poderia embasar-se
a pretensão, mas não que ela
lhes retirava o direito de obterem o valor dos qüinqüênios já
alcançados. Entretanto, sendo o
valor dos salários maior que o total, não lhes podia ser concedido
novo acréscimo a esse novo salário.
A espécie, Sr. Presidente, de
um certo modo, se assemelha à
questão dos militares reformados,
que reiteradamente na Turma e
já no Supremo Tribunal Federal
nós temos enfrentado: eles, à base de um sistema legal fixado em
Código de Vencimentos e Vantagens, recebem determinadas gratificações. Quando vem um novo
Código, eles passam a perceber
as gratificações do regime novo e
sempre se tem reconhecido que,
sendo esse Código novo de maiores vantagens, lhes é proporcionada uma remuneração de maior
vulto. Eles não podem e isto não
tem sido admitido — ficar vinculados ao regime anterior percebendo determinadas vantagens e,
à base do regime novo, recebendo outras.
Sempre julgou-se incabível esse somatório de vantagens. Isso é
tranqüilo deste Tribunal como do
Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Eles teriam direito adquirido a
permanecer dentro do sistema do
Código anterior, mas não lhes é
possível integrarem-se no novo
Código, recebendo as vantagens
e gratificações nele previstas e
continuarem a receber também
aquelas, já revogadas, do Código
anterior, em soma de vantagens.
Nós sabemos, inclusive, que os
Códigos de Vencimentos e Vantagens dos Militares se têm alterado com alguma freqüência e, então, a admitirmos a possibilidade
de serem somadas as vantagens
de todos eles, teríamos militares
integrados no último Código, mas
recebendo a soma daquelas todas
previstas nos Códigos anteriores.
Na hipótese dos autos, se o servidor estatutário deixa a disciplina da Lei n? 1.711/52 e passa para a da CLT, deve enquadrar-se
na sistemática desse novo regime. Certo que não poderia ter
qualquer prejuízo financeiro — e
nisso tem e terá direito adquirido
— mas se com a mudança para o
regime celetista se tem que o novo salário foi superior à soma de
seus vencimentos com o valor
dos qüinqüênios, então foi ele beneficiado e não prejudicado. Se
houvesse diferença para menor
R.T.J. — 109
teria ele direito pelo menos à
complementação agora, e a teria
no futuro, mas não é isto o que
ocorre».
3. Compreendo, da mesma forma, na linha do entendimento supra e no do voto do ilustre Relator.
Feita a opção do servidor por novo regime jurídico de trabalho,
desvincula-se do anterior, passando a ter seu tratamento pecuniário,
direitos e vantagens, na conformidade do sistema novo, não podendo, simultaneamente, beneficiar-se
das duas disciplinas legais, salvo
se a lei, que estabelece a alteração
do regime ou prevê a opção por novo sistema, de explicito, resguardar, no plano novo, situação jurídica constituída à sombra da disciplina de regência do emprego, antes seguida. R certo que se há de
ter como implicitamente resgt—irdada a auferição de contraprestação não inferior, não, porém, a
subsistência de vantagens especiais do regime anterior, na hipótese de a retribuição pecuniária, segundo o sistema adotado, implicar
soma maior remuneratória.
A não-incidência dos dois sistemas legais sobre a mesma relação
empregando resulta da diferença
na enumeração dos direitos e obrigações, em virtude da legislação
especifica de cada qual.
No caso, a modificação do regime jurídico, a que voluntariamente
se submeteram os recorridos, traz
como conseqüência, á míngua de
norma expressa, resguardandolhes tais vantagens, não venham a
perceber os qüinqüênios por tempo de serviço, próprios do regime
estatutário, bem assim o saláriofamília, nos moldes previstos para
os servidores submetidos ao Estatuto do Funcionário Civil da União.
De outra parte, explicita-se, na
sentença, que o novo salário dos
recorridos, no regime da CLT, res-
313
tou superior ao que percebiam, no
montante de suas vantagens, segundo os parâmetros estatutários.
Quanto ao salário-família, há disciplina especial para os que se encontram regidos pela CLT.
E de ressaltar que a Lei n? 6.184,
de 11-12-1974, em seu art. 2? e parágrafo único, de expresso dispôs
que seria computado, para o gozo
dos direitos assegurados na legislação trabalhista e de previdência
social, inclusive para efeito de carência, o tempo de serviço anteriormente prestado á Administração Pública pelo funcionário, que,
por motivo de que trata o artigo 1?,
Integre ou venha a integrar quadro
de pessoal de sociedade de economia mista, empresa pública ou
fundação, nada prevendo quanto a
qüinqüênios por tempo de serviço,
direito que não se compõe no elenco da disciplina celetista. Além
disso, dispondo, ainda, sobre a contagem de tempo de serviço anterior, para os efeitos dos direitos assegurados na legislação trabalhista
e de previdência social, também,
de forma expressa, no parágrafo
único do referido artigo 1?, a Lel n?
6.184 determinou que dita contagem se desse, «segundo as normas
pertinentes ao regime estatutário,
inclusive computando-se em dobro,
para fins de aposentadoria, os
períodos de licença especial não
gozada, cujo direito tenha sido adquirido sob o mesmo regime». A
evidência, estivesse no espirito da
Lei em apreço resguardar os qüinqüênios por tempo de serviço, a isso teria disciplinado ou, ao menos,
feito expressa menção.
Do exposto, acompanho o eminente Relator, conhecendo do recurso da ECT e lhe dando provimento, para julgar improcedente a
reclamação, quanto a essa parte,
nos termos da sentença.»
R.T.J. — 109
314
EXTRATO DA ATA
RE 97.870-PB — Rel.: MM. Néri da
Silveira. Recte.: Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos — ECT.
(Advs.: Ginaldo de Vasconcelos e outros). Recdo.: Eliomar Tomaz de
Brito. (Advs.: Antônio Olímpio Rosado Mata e outro).
Decisão: Conheceu-se do recurso
extraordinário e se lhe deu provimento. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 29 de abril de 1983 —
Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 97.880 — RJ
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Rafael Mayer.
Recorrente: S.A. Cortume Carioca — Recorrida: União Federal.
Imposto de renda. Pessoa jurídica. Declaração de rendimentos.
Fundo de manutenção do capital de giro próprio (dedução). Lel n?
4.357/64, art. 27, 2?. — Razoável o entendimento dado ao art. 27, 2?
da Lei n? 4.357/64 no sentido de que o quantitativo do imposto de renda pago pelo contribuinte ser incluído no fundo de capital de giro próprio, que é dedutivel do lucro bruto, para efeito de determinação do
lucro tributável.
Recurso extraordinário não conhecido.
ACORDA0
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de
julgamentos e notas taquigráficas,
por maioria de votos, não conhecer
do recurso.
Brasília, 7 de fevereiro de 1984 —
Soares Mufloz, Presidente — Rafael
Mayer, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Rafael Mayer: Oferecido no Juízo de apelação, o minucioso relatório do saudoso Ministro
Amanho Benjamin resume, com fidelidade, a causa:
«S. A. Cortume Carioca moveu
ação ordinária contra a União
Federal objetivando anular o Acór-
dão n? 63.339, proferido pelo 1?
Conselho de Contribuintes no Pedido de Reconsideração n? 8.507, do
n?
Administrativo
Processo
24.272/68, e, em conseqüência, as
decisões por ele confirmadas, a
fim de ser cancelado o lançamento
suplementar do Imposto de Renda
e levantada a quantia depositada
como garantia de instância. Alegou
que apresentou com a documentação e demonstrações legalmente
exigíveis, sua declaração de rendimentos do exercício financeiro de
1966, correspondente ao ano-base,
período de 1-7-64 a 30-6-65. Pelo
balanço comercial chegou a um lucro de Cr$ 732.815,102 (cruzeiros
antigos) ao qual, de acordo com os
arts. 42, 43 e 50, da Lei n? 4.506, de
30-11-64, acrescentou, para obtenção do lucro operacional tributável, as importâncias corresponden-
R.T.J. — 109
315
tes ao Imposto de Renda pago, Cri
«Imposto de Renda — Declara481.830,925 (cruzeiros antigos) e a
ção de rendimentos de pessoa
provisão para as taxas estaduais
jurídica — Consideração do *Funde Cri 117.645,00 (cruzeiros antigos)
do de Manutenção do Capital de
tudo num total de Cri 599.484,925
Giro Próprio» — Revisão. Legali(cruzeiros antigos), obtendo de
dade do procedimento fiscal.
acordo com o que determina a ciTendo-se em vista que a diligêntada lei, um lucro operacional de
cia levada a efeito apurou que a
Cri 1.332,300,027 (cruzeiros anticontribuinte atribuiu ao «Fundo»
gos), de cujo montante deduziu a
valor superior ao que, realmente,
parcela de Cri 5.978 (cruzeiros anfoi constituído, há de se concluir
tigos), relativa à venda já tributapela
regularidade da revisão proda na fonte, conforme a sua declacedida e do lançamento suplemenração de rendimentos, constante
tar subseqüente. Por outro lado, se
dos Processos Administrativos que
o
imposto de renda pago não é de
tomou os n?s 148.519/67, 208.402/67
modo algum dedutivel, toma-se
e 24.272/68. Tendo cumprido e saevidente que a parcela do tributo
tisfeito os requisitos do art. 2?, da
não podia ser Incluída e produzir
Lei n? 4.663, de 3-6-65, tem o direito
efeitos no cálculo do lucro
de se beneficiar dos favores conceoperacional. Não existe lei que
didos pelo art. 3?, da mesma Lei.
abone essa consideração, nem se
Ocorre que, em setembro de 1967,
pode compreender, logicamente,
foi lavrado o auto de infração de
que uma despesa integre vanfls. 13, no qual afirmam os fiscns
tagem».
ser o lucro operacional tributável
de Cri 813.828,34, não podendo, porEmbargos infringentes foram retanto, ser abatida a importância do jeitados à unanimidade, resumido na
Fundo de Manutenção do Capital ementa do acórdão o entendimento
de Giro Próprio, de Cri prevalescente, In verbis:
1.092.212,87.
«Imposto de renda — Fundo de
Manutenção de Capital de Giro
Contestando, a fls. 28/31, a União
Próprio. Dedutivel que é do lucro
sustentou que o lançamento suplebruto, para o efeito de determinamentar impugnado teve origem na
diligência levada a efeito na em- . ção do lucro tributável, nos termos
da Lei n? 4.663/65, art. 3?, inciso II,
presa interessada, em 26-9-66,
e tendo em vista a forma como é
quando se confirmou a existência
definido no 2?, do art. 27, da Lei
de irregularidade na dedução do
n?
4.357/64, não se pode admitir
Fundo de Manutenção do Capital
que nele seja incluído o imposto de
de Giro, uma vez que a sociedade
renda pago no ano-base.»
abateu do lucro operacional importância superior ao valor do Fundo
Recurso extraordinário interposto
realmente constituído, em 30-9-65. pela letra a, sob a invocação de ofenReportou-se aos acórdãos do sa ao art. 27 da Lei n? 4.357/64, e art.
Conselho de Contribuintes, juntos 50 da Lei n? 4.506/64, foi admitido
por cópia, fls. 34/39».
e regularmente processado.
Nesta instância, a ProcuradoriaA ação foi julgada improcedente.
Geral da República, em parecer do
Por maioria, a Segunda Turma do ilustre Procurador Miguel Frauzino
Tribunal Federal de Recursos negou Pereira, devidamente aprovado pelo
provimento á apelação em acórdão eminente Subprocurador-Geral Mauque tomou a seguinte ementa:
ro Leite Soares, opina:
316
«Versou o litígio sobre a formação do fundo de manutenção do capital de giro próprio, que era facultado pelo art. 27 da Lei n? 4.357/64
e podia ser abatido do lucro excedente, tributável pelo imposto adicional de renda, instituído pelo art.
1? da Lei n? 2.862/56.
Em embargos infringentes, decidiu o acórdão impugnado que não
pode ser incluído naquele capital o
imposto de renda pago no anobase, por não ser deduzível do lucro tributável.
O recurso extraordinário arrimase na letra a, alegando simplesmente que o acórdão «negou aplicação aos arts. 27 da Lei n?
4.357/64 e 50 da Lei n? 4.506, ao
dar-lhes sentido contrário aos seus
próprios e lúcidos textos». Sua argumentação baseia-se no voto divergente do ilustre Ministro Decio
Miranda, daí apresentar-se o apelo
com caráter Infringente.
O acórdão limitou-se a interpretar o § 2? do mencionado art. 27,
que dispunha:
«Para os efeitos deste artigo
considera-se capital de giro próprio, no início do exercício, o ativo disponível mais o ativo realizável, diminuído do passivo
exigível depois de excluídos:
I — do passivo exigível...
II — do ativo realizável...»
Correto o entendimento, pois é
noção elementar das ciências contábeis que o imposto de renda pago
não constitui ativo disponível ou
realizável nem passivo exigível,
mas despesa, registrada nas contas de resultado pendente do ativo,
conforme dispunha a alínea a do
art. 135 da então vigente lei das
S.A. (Decreto-lei n? 2.627/40).
O outro dispositivo legal, tido como violado, não foi objeto da decisão impugnada.
— 109
Assim, opinamos não seja conhecido o recurso.»
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Rafael Mayer (Relator) • Toda a controvérsia dos autos
tem origem na constatação, pelo Fisco, no exame da escrita da empresa,
de existência de irregularidade, inserida na declaração de rendimentos
apresentada no exercício de 1966,
consistente na dedução do Fundo de
Manutenção do Capital de Giro, uma
vez que a sociedade abateu do lucro
operacional importância superior ao
valor do Fundo realmente constituído.
Partindo da consideração de que a
Lei n? 4.663/65 dispôs que a empresa
poderia deduzir do lucro bruto, para
o efeito de determinação de lucro sujeito ao imposto de renda, a importância correspondente à manutenção
do capital de giro próprio, de que
tratava o art. 27 da Lei n? 4.357/64, o
douto voto condutor do acórdão recorrido busca definir o que seja esse
capital de giro, segundo os conceitos
postos na lei específica.
Diante do § 2? do art. 27, acima referido, segundo o qual, considera-se
capital de giro próprio, no inicio do
exercício, o ativo disponível mais o
ativo realizável, diminuído do passivo exigível, o acórdão recorrido propõe esse equacionamento:
«Ora, o quantitativo relativo a
imposto de renda pago pelo contribuinte não é ativo, pois não representa valor, e nem passivo
exigível, porque débito já liquidado, com o que não poderia, de
acordo com o disposto na regra legal transcrita, ser incluído no capital de giro próprio.»
Ora, esse é o dispositivo legal que,
veiculado pelo recurso extraordinário, alcançou prequestionamento no
acórdão recorrido, e diante da clare-
R.T.J. — 109
za do seu texto não cabe a impugnação à interpretação dada, como comprometedora de sua vigência, pois,
ao contrário, é a que se mostra como
atributiva de um sentido congruente
à norma.
917
VOTO (VISTA)
O Sr. Ministro Oscar Corrêa: O
Eminente Relator Ministro Rafael
Mayer resumiu a controvérsia no
seu voto, verbis: (lê)
2. Pedi vista dos autos, atento ao
O acórdão recorrido não se deteve
na consideração do art. 50 da Lei n? voto do Eminente Relator e ao Me4.506/64, que o recurso extraordiná- morial e defesa oral do Recorrente,
rio tem por violado, e aqui se aplica- por seu ilustre advogado, e nos terria a Súmula n? 282. De qualquer mos do voto vencido que, no C. Trimodo, o disposto nesse artigo nada bunal Federal de Recursos proferiu,
mais é do que a determinação de na época, o então Juiz daquela Cornão ser dedutivel o imposto de renda te, o hoje Eminente Ministro Decio
pago pela empresa, qualquer que se- Miranda, neste E. Supremo Tribunal
ja a modalidade de sua incidência, o Federal.
que antes se coaduna com o sentido
E, sobretudo, lendo e relendo o ardo preceito anterior.
tigo 27 da Lei n? 4.357/64, que assim
Vindo o recurso apenas pela letra estabeleceu:
a, e não convincente o argumento de
«Art. 27. A partir do exercido
negativa de vigência do dispositivo
financeiro de 1965, para o cálculo
questionado, aplicado, sim, com rade imposto adicional de renda, em
zoabilidade, não conheço do recurso.
relação ao capital das pessoas
jurídicas, de que trata o art. 1? da
EXTRATO DA ATA
Lei n? 2.862, de 4 de setembro de
1956 (11), será facultado às pessoas
RE 97.880-RJ — Rel.: Min. Rafael
jurídicas abater do lucro excedente
Mayer. Recte.: S.A. Cortume Cariotributável a importãncia corresca. (Advs.: Gustav Livio Toniattl,
pondente
à manutenção do capital
José Marcos Domingues de Oliveira
de giro próprio durante o ano-base
e outros). Recda.: União Federal.
da sua declaração.
Decisão: Depois do voto do MinisO montante da manutenção
tro Relator que não conhecia do redo capital de giro será determinacurso extraordinário, o julgamento
do pela aplicação, sobre o capital
foi adiado a pedido do Ministro Osde giro próprio da empresa, no
car Corrêa. Falou pelo Recte. Dr.
inicio do exercido, das percentaJosé Marcos Domingues de Oliveira.
gens de correção publicadas periodicamente pelo Conselho Nacional
Presidência do Senhor Ministro
de Economia, que deverão traduzir
Soares Mufloz. Presentes á Sessão os
o aumento de nível geral de preSenhores Ministros Rafael Mayer,
ços, no período correspondente ao
Néri da Silveira e Oscar Corrêa. Auano-base.
sente, licenciado, o Senhor Ministro
Para os efeitos deste artiAlfredo Buzaid. Subprocuradorgo, considera-se capital de giro
Geral da República, Dr. Francisco
próprio, no inicio do exercido, o
de Assis Toledo.
ativo disponível mais o ativo realiBrasília, 2 de dezembro de 1983 —
zável, diminuído do passivo
Antanio Carlos de Azevedo Braga,
exigível depois de excluídos:«...»
Secretário.
(fls. 133/134).
318
Com efeito, dessa leitura e releitura deduzo que o capital de giro
próprio da empresa é o que, no inicio,
do exercício — frisam-no os §§ 1? e I
2? do artigo 27 — se apura,
considerando-se o ativo disponível;
mais o ativo realizável, menos o passivo exigível, depois de excluídas as
parcelas enumeradas nos itens I e II
do § 2?.
Ora, no inicio do exercício, o montante do imposto de renda devido sobre o ano-base (anterior), ainda não
foi pago e, desta forma, é ainda capital de giro próprio.
A nosso ver, data venta, o
equívoco advém de considerar como
«débito já liquidado» — como se vê
no voto do Eminente Relator dos embargos infringentes no CTFR (fls.
134), o quantitativo do imposto de
renda, porque ainda não pago — no
Inicio do exercício.
Não pago, esse quantitativo integrava o Ativo; e a reserva para manutenção do capital de giro teria de
incluí-lo, ao contrário do que determinou o v. acórdão recorrido. E, ao
final do exercício esse imposto, já
pago, integrava o lucro tributável,
'lucro, por ficção legal, e irredutível,
nos termos da lei.
5. Por isso, argumenta o Recorrente no seu memorial:
«Se o quantitativo do imposto a
pagar, ativo no início do exercício,
fosse deduzido do cálculo da reserva de capital de giro, e incluído,
por força da lei, quando já pago,
no lucro tributável, apurado no encerramento do exercício, o resultado seria a tributação duas vezes do
mesmo quantitativo».
No sentido do recurso o voto do
Eminente então Ministro do C. Tribunal Federal de Recursos Decio
Miranda (fls. 109/110), que o explicitou, nestes termos:
«Considera-se que o imposto de
renda pago em determinado ano
— 109
não diminui o lucro operacional
desse ano, pois, em realidade, corresponde ao rendimento do
exercício anterior.
Logo, o que se pagou de imposto
de renda compõe o lucro operacional.
E se a lei manda deduzir do lucro operacional assim composto o
quantitativo autorizado para manutenção do capital de gero próprio, agiu corretamente a autora,
ora apelante, no assim proceder.
A fiscalização entendeu que para
esse efeito não compõe o lucro operacional o imposto de renda que se
pagou.
Poderia estar certa do ponto de
vista puramente lógico, pois não
comportaria integração em capital
de giro aquilo que não está mais no
acervo da empresa, por haver sido
despendido no pagamento do imposto de renda.
Mas não está certa do ponto de
vista legal, se a lei adotou a ficção
de que não se retira do lucro o que
se despendeu com o pagamento do
imposto de renda do ano anterior.
E mais, considera a lei essa ficção válida para os dois efeitos:
para o efeito de sofrer tributação a quantia, no exercício de
que se cuida (art. 164, § 1?, Decreto n? 58.400, de 10-5-66);
para o efeito de deduzir-se do
lucro, como componente de reserva de manutenção de capital de giro próprio, no ano de que se trata
(artigo 3?, II, da Lei n? 4.663, de 36-65 ).
Resulta de engano a declaração
de que a empresa escriturou Cri
518.471,67 e não Cri 1.092.212,87, eis
que esta última quantia, antes do
exame dos fiscais, havia sido mandada integrar no capital, do que dá
noticia a ata da assembléia geral
de fls. 18, o que, de resto, era pre-
R.T.J. — 109
319
visão da mesma Lei n? 4.663, de 3- ti, José Marcos Domingues de Oli6-65, que, no art. 7?, também favo- veira e outros). Recda.: União Federecia a incorporação ao capital das ral.
reservas correspondentes à manuDecisão: Não se conheceu do retenção de capital de giro próprio».
curso extraordinário, vencido o MiNestes termos, data venta do Emi- nistro Oscar Corrêa.
Presidência do Senhor Ministro
nente Relator, conheço do recurso e
Soares Muiloz. Presentes à Sessão os
dou-lhe provimento.
Senhores Ministros Rafael Mayer,
E o voto.
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
EXTRATO DA ATA
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
RE 97.880-RJ — Rel.: Ministro RaBrasília, 7 de fevereiro de 1984 —
fael Mayer. Recte.: S.A. Cortume Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Carioca (Advs.: Gustav Livio Toniat- Secretário.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DP 98.436 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Alfredo Buzaid.
Recorrente: Ministério Público Estadual — Recorrido: Herminio Marques.
Penal. Continuidade delitiva. Para caracteriza-1a, cumpre verificar que o crime subseqüente é, na verdade, a continuação do crime precedente.
Reconhece-se a continuidade delitiva de roubos praticados
contra vitimas diferentes, desde que entre eles haja conexão temporal, espacial e modal, evidenciando-se que os subseqüentes são a continuação do primeiro.
3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
ACÓRDÃO
A controvérsia está assim deduzida na petição de fls. 89 e seguintes,
Vistos, relatados e discutidos estes do
Ministério Público paulista,
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal verbis:
«Herminio Marques requereu a
Federal na conformidade da ata do
unificação
de penas cumulado de
julgamento e das notas taquigráfipedido de prisão albergue. Sua precas, por unanimidade de votos, em
tensão era unificação de penas nos
conhecer do recurso e dar-lhe provifeitos em que fora punido por roubo
mento.
e latrocínio (Feitos n?s 5809/70 e
Brasília, 8 de abril de 1983 —
2633/79), já que outras penas já haSoares Minloz, Presidente — Alfredo
viam sido unificadas (Feitos n?s
Buzaid, Relator.
959/70 e 1132/70.
O pedido foi deferido pela r. senRELATÓRIO
tença de fls. 54/55, ficando unificaO Sr, Ministro Alfredo Buzaid:
das as penas individualizadas nos
Trata-se de recurso extraordinário
Processos n? 2633/79 (6? execução),
com fulcro no art. 119, III, letra d da
5809/70, 6967/70 e 5807/70 (5? execuConstituição da República.
ção) e 96/71 (4! execução). A pena-
320
R.T.J. — 109
base para o cáulculo foi a do latrocínio - 15 anos - aplicado no Processo n? 2633/79, sobre a qual foi
acrescentado 1/3 (um terço), «ante
a quantidade de delitos (contidos
em três execuções), restando, para
cumprimento, 20 anos de reclusão,
inalteradas as sanções pecuniárias». (cf. fls. 55).
Irresignada com essa r. decisão,
interpôs a Justiça Pública recursocrime, que, regularmente processado, foi julgado pela Colenda Terceira Câmara Criminal desse Augusto Tribunal, que confirmou a r.
sentença de primeiro grau, explicitando, à fls. 84, que:
não há como negar o nexo
da continuidade entre o roubo e o
latrocínio, uma vez que esta última figura é, na projeção conceituai do crime complexo, o próprio roubo que descambou, dolosa ou até culposamente, para o
resultado morte.
Ora, mesmo sendo diverso o
resultado não há como negar,
sem ferir a mens legis que informa a fictio juris consubstanciada
no art. 51, § 2?, do Código Penal,
que o roubo e o latrocínio não sejam crimes da mesma espécie»
(fls. 89/91).
Ouvida a douta ProcuradoriaGeral da República, em parecer da
lavra do ilustre Procurador Cláudio
Lemos Fonteles, aprovado pelo eminente Prof. Francisco de Assis Toledo, DD. Subprocurador-Geral da República, assim se manifestou, verbis:
«1. Irresigna-se a acusação pública estadual com a deliberação
colegiada que deferiu a unificação
de penas, por estabelecer a continuidade delitiva, no atinente a um
delito de roubo, e outro de latrocínio, ambos perpetrados por
Herminio Marques.
2. Calca-se no dissídio jurisprudencial à demonstração da in-
subsistência do julgado, e os casos relevados condenam, todos, a
possibilidade da unificação no delito de roubo, em si.
O dissídio, cremos, presta-se
ao conhecimento da matéria.
Isto porque, a Suprema Corte, quando concede a possibilidade
do reconhecimento da continuidade
delitiva, fá-lo em tese, o que sugere o exame de cada caso e sempre no núcleo penal, identificado
substancialmente: vale dizer, de
roubo para roubo; de furto para
furto.
E orientação a que aderimos,
por assim temperar-se a diretriz
puramente objetivada na compreensão do delito continuado, resquício da tradição positivista, que
não mais se compraz na realidade
hoje experimentada, que não permite obscureça-se o móvel, a finalidade no agir humano.
Mas é claro, e coerente com
a boa análise da motivação no
pautar-se humano, que não podemos vê-la continuada quando o
posterior
próprio
fato-crime
destaca-se do primeiro consumado,
para qualificar-se autonomamente,
como se dá em relação ao roubo e
latrocínio; ao furto e roubo.
Há um plus na volição criminosa, que não mais as identifica,
também na perspectiva subjetiva,
e assim injuridico cogitar-se de delito continuado.
Somos, em conclusão, pelo
provimento do recurso para que se
assente que em relação ao crime
de roubo e o de latrocínio, impossível é a constatação do crime
continuado» ( (15.141/142).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Alfredo Buzald (Relator): 1. O recorrido, no primeiro
R.T.J. — 109
grau, pleiteou unificação de penas de
crimes de roubo, sendo que um deles
agravado pelo resultado morte. Houve apelo do Ministério Público, embora improvido pelo Tribunal.
A jurisprudência deste Eg. Tribunal, quanto à admissibilidade ou não
da continuidade delitiva no roubo,
entende, à luz do art. 51 § 2? do Código Penal, que cada espécie deve ser
julgada à luz dos fatos, da conduta
do agente ativo e, principalmente, de
seus desígnios sem esquecer a sua
própria personalidade.
Assim, é que no RECr. ri? 95.242-0BA, cujo Relator foi o eminente Ministro Cordeiro Guerra, ficou decidido:
«Crime continuado. Não basta
para o reconhecimento do crime
continuado a presença de todos os
requisitos legais, se lhes falta a verificação de ser um crime a continuação necessária de outro. E preciso que o crime subseqüente seja
tido como a continuação do primeiro. A reiteração de crimes pelos
delinqüentes habituais não constitui continuação delitiva, mas atestado de temibilidade do delinqüente. Recurso extraordinário não provido» (DJU 16-2-82, pág. 1291).
2. A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, depois do julgamento nos RREE n?s 88.396 e 87.767,
se firmou no sentido de reconhecer a
continuidade delitiva de roubos praticados contra vítimas diversas, desde que haja entre os fatos os requisitos do art. 52, § 2?, do Código Penal,
ou seja, conexão temporal, espacial
e modal, evidenciando que os subseqüentes são continuação do primeiro.
Reafirmando o decidido pelo Plenário está o RE n? 96.697-8-FtJ dentre
outros, cujo relator foi o eminente
Ministro Soares Minloz, tendo o v.
acórdão a seguinte ementa:
«Roubo. Crime continuado. O
Plenário do Supremo Tribunal Fe-
321
deral, nos RREE n?s 88.396 e
87.767, firmou sua jurisprudência
no sentido da possibilidade da continuidade delitiva de roubos praticados contra vítimas diferentes,
desde que haja entre os fatos conexão temporal, espacial e modal,
evidenciando que os subseqüentes
são continuação do primeiro. Aplicação da Súmula n? 286. Recurso
extraordinário de que se não conhece» (DJ de 28-2-82).
Herminio Marques praticou vários
roubos contra vitimas diversas, em
espaço de quase seis meses, estando
nessa seriação criminosa um latrocínio, que, dentre outras diferenças na execução da conduta, está o
modus operandi, quebrando, assim,
os pressupostos objetivos que evidenciam o crime continuado e que estão
presentes nos demais crimes cometidos pelo recorrido.
3. Por tais fundamentos, conheço
do recurso extraordinário e lhe dou
provimento, a fim de desconstituir o
v. acórdão a quo na parte que integra na continuação delitiva, para os
fins de unificação, o latrocínio.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 98.436-SP — Rel.: Min. Alfredo
Buzaid. Recte.: Ministério Público
Estadual. Recdo.: Herminio Marques. (Adv.: Aparicio Bacarini ).
Decisão: Conheceu-se do recurso
extraordinário e se lhe deu provi-•
mento. Decisão unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 8 de abril de 1983 —
Antônio Carlos 4e Azevedo Braga,
Secretário.
R.T.J. — 109
322
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 98.589 — RJ
(Segunda Turma)
Relator: O Sr. Ministro Aldir Passarinho.
Recorrente: Estado do Rio de Janeiro — Recorrido: Manoel Barreiros
Terra (Espólio de), representado por sua inventariante Maria Lúcia Terra
Carrilho Santoro.
Tributário.
Imposto de transmissão «causa mortis».
Súmula 113-STF. Decreto-lei do Rio de Janeiro n? 413, de 13-2-79,
que alterou o Decreto-lel n? 5/75 (art. 83 e seu 2?).
Dizendo a Súmula 113 que o imposto de transmissão «causa mortis» é o calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação,
referindo-se, como fontes legislativas, aos arts. 483 e 499 do CPC de
1939, que correspondem aos arts. 1003 e 1013 do CPC de 1973, bem como ao art. 38 do CTN, e determinando este último que «A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos»,
tem-se que é possível ser fixada por lei estadual a data da transmissão ou posterior em relação a qual devem ser avaliados os bens.
A Súmula 113 (1962) é anterior à lei da correção monetária (1964),
pelo que o objetivo a que ela visava, de evitar distorções prejudiciais
ao Fisco, se encontra atendido com a aplicação da correção monetária. E que, antes, não interessava ao contribuinte pagar á Fazenda,
prontamente, o imposto que era devido, mas com a correção monetária a distorção foi evitada. Inexistência, de divergência, assim, entre
a Súmula 113 e o art. 83, do Decreto-lei n? 5, com a redação do Decreto-lei n? 413, de 1979, ambos do Estado do Rio de Janeiro, pois
se dispõe o art. 83 aludido que «a base do cálculo do imposto é o valor
venal dos bens ou direitos relativos a imóveis, no momento da transmissão», de outra parte determinou a aplicação da correção monetária se o pagamento não se realizasse dentro de um ano.
ACÓRDÃO
reiros Terra, o Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, por
Vistos, relatados e discutidos estes maioria de votos, determinou que o
autos, acordam os Ministros do Su- imposto de transmissão causa
premo Tribunal Federal, por sua Se- mortis fosse calculado com base no
gunda Turma, na conformidade da valor venal dos bens, no momento da
ata de julgamento e das notas taqui- transmissão, com aplicação da corgráficas, por unanimidade de votos, reção monetária, se dentro de um
não conhecer do recurso.
ano contado a partir do óbito, o paBrasília, 23 de setembro de 1983 — gamento do tributo não fosse efetuaDjaci Falcão, Presidente — Aldir do ao Estado do Rio de Janeiro. E
este o teor do aresto impugnado:
Passarinho, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): Nos autos de inventário
dos bens deixados por Manoel Bar-
«2. A Súmula n? 113, do E. Supremo Tribunal, conquanto exteriorize respeitável posição da alta
Corte, sabidamente não é dotada
de efeito normativo. E, no conflito
R.T.J. — 109
entre o verbete e a lei (no caso,
posterior), obviamente prima a segunda.
Custa crer que o próprio Estado
se insurja contra a lei que edita: «a
base do cálculo do imposto é o valor venal dos bens, ou direitos relativos a imóveis, no momento da
transmissão...»
Essa, aliás, a correta doutrina.
Pelo principio da saisina, é no instante seguinte ao do Óbito do autor
da herança que os bens ingressam
no patrimônio dos herdeiros. Se
nesse momento se dá a transmissão, a base do cálculo do imposto
só poderá ser a que corresponder
ao valor dos bens na ocasião em
que são transmitidos. Logo, a avaliação deve protrair à data do Óbito.
Como conseqüência, não sendo
recolhido o tributo dentro do prazo
legal (um ano), a correção monetária será aplicada e terá, como
dies a quo, aquele do óbito, considerado para avaliação dos bens.
Quanto à legitimidade da exigência legal (pagamento em um ano,
sem consideração ao estado do inventário), cabe recordar que o
tempo de pagamento do tributo é
tema de direito material tributário. Logo, cabe à lei, na esfera de
atuação do respectivo poder tributante, sobre ele prover. Irrelevante, assim, que o Código Civil tenha
fixado o prezo de um mês para
abertura do inventário e de três
para concluí-lo (art. 1.770). Ou que
os Códigos de Processo revogando
essa disposição tenham provido a
respeito (Código de 1939, art. 467;
Cód. de 1973, art. 983), ou, ainda,
que o pagamento, por ser em juizo,
não possa ser efetuado antes do
julgamento do cálculo do imposto.
Incumbe à parte diligenciar no
sentido de ultimar o inventário a
tempo de recolher o tributo no pra-
323
zo assinado pela lei tributária. Se o
não faz, suporta a apenação que a
mesma lei estabelecer.
No caso dos autos, o imposto a
que se refere a guia de fls. 147, foi
pago aos 23-4-81. E o óbito é de 199-79» (fls. 173/174).
Votou vencido o ilustre Desembargador Marcelo Santiago Costa, nestes termos, verbis:
Data venta da douta maioria, neguei provimento ao recurso porque
as razões do apelante não abalaram, a meu ver, os fundamentos
da sentença.
A Súmula n? 113 do Egrégio Supremo Tribunal Federal seria aplicável se a legislação do Estado do
Rio de Janeiro (art. 83 e seu parágrafo 2? do Decreto-lei n? 5/75, com
as alterações introduzidas pelo
Decreto-lei n? 413/79) não fosse expressa, como o é, no sentido de determinar que «a base do cálculo do
imposto é o valor venal dos bens
ou direitos relativos a imóveis, no
momento da transmissão».
A correção monetária não é devida, quer porque se instaurou a
questão do valor do imposto, com a
impugnação ao cálculo pelo Estado, quer porque este não a pediu
em seu recurso» (fls. 175).
Contra essa decisão, interpôs o Estado do Rio de Janeiro recurso extraordinário, com fundamento na
alínea d da permissão constitucional,
a sustentar manifesta divergência
com a Súmula n? 113 do Supremo
Tribunal Federal (fls. 177/178). Entende o Estado recorrente que, na
conformidade do enunciado na Súmula n? 113 desta Corte, o imposto
de transmissão deve ser calculado
sobre o valor dos bens na data da
avaliação, e não na data do óbito.
Foi o recurso admitido pelo despacho de fls. 187/188, e, na oportunidade, o recorrente apresentou suas razões (fls. 190/197).
R.T.J. — 109
324
A douta Procuradoria-Geral da
República, em parecer da lavra do
Dr. Mauro Leite Soares, opinou pelo
não conhecimento do recurso ou, se
conhecido, pelo seu não provimento,
tendo em vista a Jurisprudência desta Corte, no mesmo sentido da decisão recorrida (fls. 205/207).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho
(Relator): O extraordinário se fundamenta em divergência com a Súmula n? 113 desta Corte, e com base
na letra d do permissivo constitucional, com o que seria ultrapassado o
óbice regimental (art. 325, VIII do
RI/STF), de vez que o valor atribuído à causa não permitiria a subida dos autos ao exame deste Tribunal.
Diz o enunciado da Súmula invocada que, verbis:
«O Imposto de transmissão causa
mortis é calculado sobre o valor
dos bens na data da avaliação».
No caso, impende assinalar pela
sua significação no deslinde da controvérsia: o óbito do pai da autora
ocorreu no dia 19 de setembro de
1979, e o pedido de abertura do inventário se verificou em 19 do mês
seguinte (outubro de 1979).
Já então vigia o Decreto-lei Estadual n? 413, de 13-2-79, que alterou o
Decreto-lei n? 5/75, dispondo o seu
art. 83 que «a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos relativos a imóveis, no momento da transmissão», e o g. 2? do
mesmo artigo que
«Para efeitos deste artigo, não se
distingue a transmissão intervlvos
da transmissão causa mortis.
Ora, a Súmula n? 113 se refere, como fonte legislativa, aos arts. 483,
499 do CPC de 1939 que correspondem aos arts. 1.003 e 1.013 do Código
de Processo Civil de 1973, bem como
ao art. 38 do Código Tributário Nacional.
Nenhum dos dispositivos da legislação processual disciplinam a questão tributária e o art. 38 do CTN dispõe, verbis:
«A base de cálculo do Imposto é
o valor venal dos bens ou direitos
transmitidos».
Não há, portanto, na legislação invocada em fundamento da Súmula
113, qualquer referência sobre se deve ser considerada a data da transmissão como aquela em relação á
qual deve efetuar-se a avaliação, ou
se é possível ser ela posterior.
Tal ponto, assim, foi deixado em
aberto, podendo, em conseqüência,
ser disciplinado por lei estadual, e
isso se deu, eis que o Decreto-lei n?
413/79, fixou expressamente, como
se viu, que o valor venal do imóvel
na data da transmissão seria o tomado como base do cálculo do imposto.
Conforme assinala Baleeiro:
«O fato gerador não definido especificamente no art. 35 do CTN é
a transmissão do domínio e da posse dos bens do de cujos pela abertura da sucessão «desde logo», aos
herdeiros legítimos e testamentários (CC art. 1.572). Ocorre, pois,
com o óbito e no dia deste,
aplicando-se a alíquota nesta data
(Súmula n? 112).»
Deste modo, não havendo lei expressa que tivesse estabelecido qual
a data a ser considerada para efeito
da avaliação, certo que podeila fazêlo, como ficou dito, a lei estadual, ao
determinar ela que fosse para tanto
considerada a do momento da transmissão.
Em ilustrativo voto, na oportunidade do Julgamento do RE n? 97.530,
Relator o Sr. Ministro Alfredo Buzaid, e em que o Estado do Rio de
Janeiro era recorrente, e que se dis-
R.T.J. — 109
cutia exatamente a aplicação da Súmula n? 113, já após a vigência do
Decreto-lei Estadual n? 413/79, á vista do seu art. 83, inobstante ter havido remissão do débito ali cobrado,
ante o seu valor, em face do Decreto
n? 2.686/79, não se furtou de formular considerações que, por sua oportunidade, a seguir transcrevo:
«Não houve divergência com o
Verbete 113, da Súmula deste Colendo Tribunal.
Este verbete é anterior (1962) à
lei de correção monetária (1964).
Assim, o inadimplemento do contribuinte, sem causa justa, depois
do advento daquela, seria apenada
pela correção monetária, incidente
sobre o valor do tributo não pago
na data exigida.
A Súmula, com o seu verbete,
corrigia distorção prejudicial ao
fisco. Não se corrigindo o débito,
em virtude do processo inflacionário, não interessava ao contribuinte pagar á Fazenda o que por lei
lhe era exigido. Valeria mais especular com o dinheiro até o último
momento de satisfazer sua obrigação fiscal. Com o advento da lei de
correção monetária, essa distorção
foi amplamente contornada, pois,
em qualquer tempo que o contribuinte comparecesse á repartição
para pagar qualquer tributo, este
passou a ser exigido com o valor
corrigido até a data. Dessarte, In
casta, tanto importaria ao fisco que
o imposto de transmissão causa
moras 'fosse pago sobre o valor venal do imóvel à data do óbito como
multo tempo ,depois, já que a correção monetária incidiria sobre o
resultado da aliquota do tributo
aplicada em relação ao valor venal
do imóvel. De sorte que não faria
diferença, se o imposto se calculasse tendo por base o valor da avaliação».
Em outra oportunidade, ao ensejo
do julgamento do RE n? 85.976
325
(AgRg), o mesmo eminente Ministro, ainda sobre o tema em comento,
disceptou com inegável propriedade
(RTJ 101/649):
«1. A meu ver, não há divergência entre a Súmula n? 113 e o art.
83 do Decreto-lel n? 5, com a redação do Decreto-lei n? 413, de 1979.
Com efeito, a referida Súmula foi
elaborada com base nos arts. 483 e
499 do Código de Processo Civil de
1939, revogado pelo Código de Processo Civil de 1973, que a respeito
do valor do imposto de transmissão causa mortis nada dispõe. Os
arts. 1.003 e 1.013 do Código de Processo Civil de 1973 aludem à avaliação e ao cálculo, não inserindo
nenhuma norma de direito tributário.
Por outro lado, estabelece o
Código Tributário Nacional, no art.
38, que «a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou
direitos transmitidos». Ora, segundo consta da ementa do v. acórdão
da Egrégia 5? Câmara Civel do
Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, o mais correto entendimento do art. 38 do Código
Tributário Nacional é que a base
de cálculo do imposto de transmissão causa mortis é o valor dos
bens transmitidos no momento da
abertura da sucessão.
E, por derradeiro, é da competência do Estado instituir imposto de transmissão sobre bens imóveis, ainda que ela resulte de sucessão aberta no estrangeiro
(Const. Fed., art. 23, I e § 2?). Esta
matéria é, pois, estritamente de direito local, não ensejando recurso
extraordinário (Súmula n? 280).
Por todo o exposto, nego provimento ao agravo regimental».
Desejo observar que poderia parecer contraditório com tal entendimento o decidido pela mesma C. 1?
Turma em julgamento anterior, no
RE n? 92.010-PR (RTJ 92/937), em
326
R.T.J. — 109
que foi admitida até nova avaliação
pela distância, no tempo, em relação
á anterior, mas é de ver que, então,
sequer foi mencionado haver disposição legal que estabelecesse a mesma
regra do discutido art. 83 do
Decreto-lei n? 413/79, do Estado do
Rio de Janeiro.
Por último, ao ensejo do julgamento do RE n? 97.459-8, Relator o Sr.
Ministro Djaci Falcão, julgou esta C.
2? Turma, de acordo com o espelhado na respectiva ementa (DJ de 1211-82 -- Ementário n? 1.275):
EMENTA: O imposto de transmissão causa mortis. O valor do
bem para o cálculo do imposto é o
da data da abertura da sucessão.
Aplicação da legislação estadual
(art. 176 da Lei n? 1.165, de 13-1266, e art. 87 do Decreto-lei n? 5, de
15-3-1975).
Incidência da correção monetária na hipótese de atraso no recolhimento do tributo. Inexistência
de dissídio com a Súmula n? 113.
Recurso extraordinário não conhecido».
Pelo exposto, não conheço do re-
curso.
E o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 98.589-RJ — Rel.: Min. Aldir
Passarinho. Recte.: Estado do Rio
de Janeiro (Adv.: Luiz A.G. Dutra).
Recdo.: Manoel Barreiros Terra (Espólio de), representado por sua inventariante Maria Lúcia Terra Carrilho Santoro (Advs.: Bernardo
Buarque Schiller e outros).
Decisão: Não conhecido. Unânime.
Presidência do Senhor Ministro
Djaci Falcão. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Moreira Alves,
Decio Miranda, Aldir Passarinho e
Francisco Rezek. SubprocuradorGeral da República, Dr. Mauro Leite
Soares.
Braslia, 23 de setembro de 1983 —
Hélio Francisco Marques, Secretário.
RECURSO EXTRAORDINARIO N? 98.806 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Caixa Econômica Federal — CEF — Recorrido: Dirceu
Monteiro de Oliveira.
Caixa Econômica Federal. Mútuo com garantia hipotecária.
Imóvel vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação. Taxa de Serviço. Limite de sua cobrança, de acordo com o Decreto n? 63.182/1968,
art. 2?, letra d. Lei n? 4.595/1964 e Súmula 596. Jurisprudência do STF,
acerca da cobrança de «taxas de serviço», desde o julgamento do RE
78.953, a 5-3-1975 (RTJ 72/916). O STF não tem acolhido a limitação da
taxa de serviço, com base no art. 2?, do Decreto n? 63.182, de 1982,
conforme resulta das decisões nos Recursos Extraordinários Ws
93.247-RJ, 93.817-SP e 87.722, dentre outros, invocando-se a orientação
consagrada no RE 78.953 e Súmula 596. Recurso extraordinário conhecido, com fundamento no art. 119, III, letra d, da Constituição, e provido.
R.T.J. — 109
ACORDA0
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de
julgamentos e notas taquigráficas, á
unanimidade, conhecer do recurso e
lhe dar provimento.
Brasília, 8 de março de 1983 —
Soares Mufioz, Presidente — Néri da
Silveira, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): Trata-se de recurso extraordinário interposto pela Caixa
Económica Federal, com apoio no
art. 119, item III, alíneas a e d, da
Constituição Federal, contra acórdão
da 2? Seção, do colendo Tribunal Federal de Recursos, que exibe esta
ementa (fls. 100):
«Caixa Econômica Federal —
Taxa de serviço — Imóvel vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação — Aplicação do limite previsto no art. 2?, letra d, do Decreto
n? 63.182/68.
I — A «Taxa de Serviço» cobrada pela CEF, nos contratos de
mútuo com garantia hipotecária
regidos pelo Sistema Financeiro da
Habitação, está sujeita ao limite
de 2% ao ano, previsto no art. 2?,
letra d, do Decreto n? 63.182/68.
II — O referido limite é aplicável, a partir do citado Decreto n?
63.182/68, aos contratos assinados
anteriormente á sua vigência.
III — Embargos rejeitados.»
Sustenta a recorrente que o mencionado aresto negou vigência à Lei
n? 4.595, de 1964, bem assim que se
encontra em divergência com a Súmula n? 596, deste Tribunal, que tem
este enunciado:
«596. As disposições do Decreto
n? 22.626/33 não se aplicam às ta-
327
xas de juros e aos outros encargos
cobrados nas operações realizadas
por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.»
No voto condutor do acórdão, anota o relator designado para sua lavratura, ao se reportar a entendimento anteriormente esposado, a
respeito da matéria em debate (fls.
95/96):
«Estamos diante de uma particularidade, ainda não examinada,
qual seja a de que há um contrato
firmado antes da vigência desse
decreto e um outro, após a sua vigência. Então, indaga-se: incidirá
o mencionado decreto sobre os contratos já celebrados? A minha resposta é afirmativa, porque se trata
de norma de Direito Público e, portanto, de eficácia imediata, atingindo os contratos já firmados. Haja vista que se refere a imóveis
vinculados ao Sistema Financeiro
da Habitação. Por conseguinte,
cuida-se de decreto de índole eminentemente social. E não é pelo fato de um dos contratos ter sido assinado 15 dias antes da sua promulgação, que vou negar esse limite de taxa fixado em 2% ao ano.»
Deferindo o processamento do apelo extremo, o ilustre Ministro Aldir
Passarinho, então Vice-Presidente
do TFR, concluiu o seu despacho, de
fls. 127/131, nestes termos:
«Assim, na conformidade do entendimento pelo qual se inclinou
este Tribunal; o que tem sido considerado excessivo é a cobrança da
«taxa de serviço» no que exceder a
2% ao ano, em face do disposto no
Decreto n? 63.182, de 1968, e não
poder ou não ser cobrado um total
superior a 12% a.a. o que, ai sim,
se situaria no âmbito da Súmula
596 do Pretório Excelso.
Entretanto, é certo que em casos
simples — embora e como mencionado, não tenha visto ser a questão
328
R.T.J. — 109
discutida na Corte Suprema ao enfoque do disposto no Decreto n?
63.182, de 1968 — foi ali admitida a
cobrança da mencionada «taxa de
serviço» em valor que se mostra
superior à taxa de 2%. Além disso,
no caso, um dos contratos, que se
mostra superior à taxa de 2% conforme salientado no voto de Relator, foi assinado anteriormente à
vigência do Decreto n? 63.182-68.
Assim, dou seguimento ao recurso.»
Razões da recorrente às fls. 133,
onde se reporta á petição do próprio
recurso extraordinário, não apresentando o recorrido suas contra-razões
(fls. 133v.).
E o relatório.
clulndo juros e taxa de serviço» ( fls.
70/71). Em seu voto condutor do
acórdão, no julgamento da apelação,
o ilustre Ministro Decio Miranda,
que tanto ilustrou aquele egrégio
Tribunal, assim analisou a controvérsia (fls. 69/70):
«Como se vê dos contratos (fls.
7/10 e 11/14), trata-se de dois mútuos, com garantia hipotecária, para financiamento de construção de
prédio residencial; um de Cr$
13.100,00 e outro Cr$ 3.000,00, a serem pagos no prazo de dez anos,
em 120 prestações mensais acrescidas dos juros de 10% ao ano e sujeitas à correção monetária.
Obrigaram-se ainda os devedores ao pagamento de taxa de serviços; no primeiro mútuo, 'de
Cr$4.587,60, em prestações menVOTO
sais, iniciais, de Cr$ 38,23; no segundo mútuo, à razão de 2% ao
O Sr. Ministro Néri da Silveira
ano, além da comissão de abertura
(Relator): Na inicial, o autor, que
de crédito, em prestações mensais
celebrou contrato de mútuo com gade Cri 6,93. Sobre as taxas incide
rantia hipotecária com a Caixa Ecocorreção monetária.
nômica Federal, pretende a declaração de nulidade de cláusula referenEvidencia-se que a cobrança de
te a «taxa de serviços», de 0,6% ao
juros de 10% ao ano mais a taxa de
mês, ou seja, 7,2% a.a., entendendo
serviço totalizam importância suque, somada aos juros de 10% a.a.,
perior aos juros máximos legais de
excede o limite previsto no art. 1? do
12% ao ano.
Decreto n? 22.626, de 7-4-33, sendo,
A sentença bem apreciou a maassim, nula (fls. 3).
téria, para concluir que a taxa de
Em primeiro grau, prosperou a deserviço é atentatória à Lei de Usumanda, nos termos da súplica inira (Decreto n? 22.626, de 27-4-33) e
cial, apenas excluída correção moneassim nula de pleno direito. Não
tária, na restituição pela CEF das
vou tão longe.
importâncias recebidas indevidaE de anular-se a taxa de serviço,
mente (fls. 40).
mas somente no que, somado aos
No colando Tribunal Federal de
juros, venha a exceder o máximo
Recursos, proveu-se, em parte, a
dos juros permitidos (12% ao ano),
apelação da Caixa Econômica Fedecalculados sobre o principal, conral «para reconhecer a nulidade parsoante o art. 2? do Decreto n?
cial da cláusula e conformar o
63.182, de 27-8-68, já que os contraquantum da chamada taxa de servitos destes autos se inserem no Sisço a 2% (dois por cento) ao ano sotema
Financeiro da Habitação.
bre o capital, de tal sorte que, somada à taxa de juros, autorize o pagaAos juros de 12% ao ano, a presmento à Caixa Econômica de um totação inicial, para pagamento de
tal equivalente a 12% ao ano, InCri 13.100,00 no prazo de 10 anos
R.T.J. — 109
seriam de Cr$ 187,95 e, pelo contrato, se está cobrando uma prestação
inicial mensal de Cr$ 211,34. No segundo contrato, a prestação seria
de Cri 43,05 e se está cobrando
Cr$46,57.»
O acórdão restou assim ementado
(fls. 75):
«Sistema Financeiro da Habitação. Empréstimo hipotecário. Caixa Econômica Federal. E nula a
cobrança de taxa de serviço, no
que exceder a 12% ao ano, quando
somados os juros e a dita taxa
(art. 2? do Decreto n? 63.182, de 278-68).»
Em face do voto vencido, em parte, do Senhor Ministro Jarbas Nobre
(fls. 72), que provia, também, parcialmente, o apelo da CEF, «mas
tão-só para dessa taxa excluir a incidência da correção monetária,» .nterpós a Caixa Econômica Federal
embargos infringentes, que foram
rejeitados, estando o acórdão com a
seguinte ementa (fls. 100):
«Caixa Económica Federal —
Taxa de serviço — Imóvel vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação — Aplicação do limite previsto no art. 2?, letra d, do Decreto
n? 63.182/68.
1 — A «Taxa de Serviço» cobrada pela CEF, nos contratos de
mútuo com garantia hipotecária
regidos pelo Sistema Financeiro da
Habitação, está sujeita ao limite
de 2% ao ano, previsto no art. 2?,
letra d, do Decreto n? 63.182/68.
II %)— O referido limite é aplicável a partir do citado Decreto n?
63.182/68, aos contratos assinados
anteriormente à sua vigência.
III — Embargos rejeitados.»
Dessa maneira, o colendo Tribunal
a quo sujeitou a «taxa de serviço»,
na espécie, por se tratar de mútuo
com garantia hipotecária regido pelo
Sistema Financeiro da Habitação, ao
329
limite de 2%, previsto no art. 2?, letra d, do Decreto n? 63.182/68, a partir da vigência deste diploma, também, quanto a contratos assinados
anteriormente á sua vigência.
Ora, no recurso extraordinário, a
CEF teve como negada vigência à
Lei n? 4.595/1964 e em dissídio o
aresto com a Súmula 596, invocando
o entendimento deste Tribunal, acerca da cobrança de taxas de serviço,
desde o julgamento do RE n? 78.953SP, a 5-3-1975 (RTJ 72, pags.
916/920). Aponta, ainda, como divergentes, os acórdãos nos Recursos
Extraordinários n?s 81.692 (DJ de 1712-1975); 87.722, de que relator o Senhor Ministro Thompsom Flores;
93 247 (DJ de 21-11-1980), relator o
Senhor Ministro Xavier de Albuquerque, e 93.817, relator o Senhor Ministro Soares Muãoz.
Conheço do recurso, com fundamento na alínea d, do permissivo
constitucional.
Com efeito, no RE n? 93.247-0-RJ,
esta Turma, a 31-10-1980, relator o
ilustre Ministro Xavier de Albuquerque, adotou a orientação firmada pelo STF, em Plenário, no RE 78.953SP, a 5-3-75, e reiterada em julgados
posteriores. Tratava-se também, de
hipótese de mútuo, com garantia hipotecária, a cerca do qual a colenda
Corte a quo decidira, em acórdão assim ementado (fls. 115):
«Administrativo. Habitação. Mútuo. Juros. Taxa de abertura de
crédito. Limitação. Lei n? 4.380, de
1964, art. 6?. Decreto n?63.182/68,
art. 2?.
I — Mútuo realizado pela Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente do Sistema Financeiro da Habitação. Limitação dos juros a 10% (dez por cento) ao ano
(Lei n? 4.380/64, art. 6?). Facultada
a cobrança de taxas de serviço, até
o limite de 2% (dois porcento) ao
ano, na forma do art. 2?, letra d,
do Decreto n? 63.182/68. Ilegalidade
330
R.T.J. — 109
da cobrança de comissões a Titulo
de abertura de crédito, porque representam juros disfarçados.
II — Inaplicabilidade da Súmula n? 596 do Egrégio Supremo Tribunal Federal
III — Recurso desprovido.»
Também, no RE ri? 93.817-6-SP, esta Turma reformou, na linha de sua
jurisprudência aludida, acórdão do
TFR, com a seguinte ementa (fls.
121/122):
«Administrativo — Habitação —
Mútuo — Juros — Taxa de Serviço
— Limitação — Lei n? 4.380, de
1964, art. 6?; do Decréto n?
63./82/68, art. 2?.
I — Mútuo realizado pela Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente do Sistema Financeiro da Habitação. Limitação dos
dos juros a 10% (dez por cento) ao
ano (Lei n? 4.380/64, art. 6?). Facultada a cobrança de taxas de
serviço até o limite de 2% (dois
por cento) ao ano, na forma do artigo 2?, letra d, do Decreto n?
63.182/68.
II — Inaplicabilidade da Súmula 596 do Egrégio STF.
HI — Recurso provido, em parte.»
Em seu voto condutor do acórdão,
a 24-2-81, assim se pronunciou o eminente Ministro Soares Mufloz ( fls.
124):
«Um dos acórdãos-paradigma, o
concernente ao julgamento do RE
n? 87.772, desta Primeira Turma,
relatado pelo eminente Ministro
Thompson Flores, versou hipótese
idêntica ao caso decidido pelo aresto recorrido, vale dizer, redução
da taxa de serviço ajustada no contrato, de modo que, somada ela
aos juros, o total não exceda 12%
ao ano.
Entretanto, no paradigma em referência ficou assentado que, des-
de o advento da Lei n? 4.595/64,
que revogou o art. 1? do Decreto n?
22.626/33, no tocante às operações
realizadas por instituições públicas
ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional (Súmula
596), os juros e outras formas de
remuneração contratadas nessas
operações regem-se pelas normas
e limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional.
O acórdão recorrido negou vigência à Lei n? 4.595/64 e divergiu da
Súmula 596 e da decisão proferida
no RE n? 87.722.
Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento.»
Dessarte, verifica-se que este Tribunal não tem acolhido a limitação
posta nos julgados do colendo TFR,
com invocação expressa ao disposto
no Decreto n? 63.182/68, que estabelece normas a respeito dos planos de
financiamento para a aquisição da
casa própria, no Sistema Financeiro
da Habitação, dando outras providências, cujo art. 2? reza:
«Art. 2? As entidades a que se
refere o artigo anterior não poderão operar a taxas médias efetivas
superiores as aprovadas pelo BNH,
permitida, além da correção monetária, apenas a cobrança de:
Comissão de abertura de crédito; devida no inicio da operação;
juros, até o limite de 10% ao
ano;
seguros, na forma regulamentada pelo BNH;
taxas anuais de serviços até
o limite de 2% ao ano;
No despacho em que admitiu o
apelo extremo, o eminente Ministro
Aldir Passarinho, então VicePresidente do Tribunal a caio, anotou
(fls. 128/131):
«Limita-se a discussão, pois sobre a possibilidade de cobrar-se
«taxa de serviço» além de 2%.
R.T.J.
Despachando o recurso extraordinário na AC n? 40.786-SP; sobre a
mesma questão ora em exame, assim me manifestei:
«A Caixa Econômica Federal,
sem qualquer sombra de dúvida,
faz parte do sistema financeiro
nacional, por força do disposto no
art. 1?, inciso V, da citada Lei n?
4.595, de 1964, verbis:
«Art. 1? : O Sistema Financeiro Nacional, estruturado e
regulado pela presente lei, será
constituído:
V — das demais instituições financeiras públicas e privadas.»
Em conseqüência, a Caixa
Econômica Federal está sujeita
às limitações e á disciplina do
Banco Central do Brasil, inclui ve quanto às taxas de juros e demais encargos autorizados.
Dentro das normas do Banco
Central, observada a Lei n? 4.595,
licito era convencionar o mútuo
como foi feito.
Nesse sentido já se pronunciou
a Corte Suprema, ao julgar, entre outros, os Recursos Extraordinários n?s 78.953, 87.722 e 81.692.
Entretanto, tenho para mim
que em relação aos contratos firma& 3 posteriormente ao Decreto n'? 63.182, de 27 de agosto de
1968, a chamada «taxa de serviço» não poderia ser cobrada
além de 2% a.a. E se sobre o valor dessa taxa incidir a. correção
monetária, o percentual de 2%
será excedido, pois apenas cabe
cobrar 2%. Tal decreto estabeleceu normas a respeito dos Planos
de Financiamento para a aquisição de casa própria, no Sistema
Financeiro da Habitação, e a
operação foi efetuada pela Caixa,
exatamente na sua condição de
integrante do sistema, conforme
— 109
331
se vê da escritura juntada por
cópia às fls. 10 (parte final da
cláusula II). O art. 2?, letra d, do
decreto aludido, dispõe, in
verbis.
«Art. 2? As entidades a
que se refere o artigo anterior
não poderão operar a taxas médias efetivas superiores às
aprovadas pelo BNH, permitida, além da correção monetária, apenas a cobrança de:
a) d) taxas anuais de serviço
até o limite de 2% ao ano.»
Assim, é de ver que, segundo
penso, não poderiam normas outras, de menor hierarquia — as
quais seriam as porventura existentes, do Banco Central ou do
BNH — estabelecer percentuais
de taxas de serviço superiores
àquela de 2%.
Creio mesmo que é forçoso distinguir as operações realizadas
pela Caixa Econômica Federal
quando o faz como integrante estritamente do Sistema Financeiro da Habitação, para execução
do Plano Nacional de Habitação,
de outras em que funciona em limites mais amplos, até porque
aquele primeiro Caso prevê o
mencionado Decreto n? 63.182, de
1968, o controle pelo Banco Nacional de Habitação, a este cabendo, inclusive, a fixação das
taxas médias efetivas e adoção
de outras diversas medidas, todas estabelecidas pela mencionada entidade, não se podendo, inclusive, dizer que extrapassa
seus limites o decreto em relação
á Lei n? 4.595, de 1964, o que,
aliás, jamais foi sequer alegado.
E por isso mesmo é que a
mim sempre pareceu que a Súmula n? 596 do Pretório Excelso
não dizia respeito aos financiamentos proporcionados pela Caixa Econômica Federal como en-
332
R.T.J. — 109
tidade integrante do Sistema Nacional da Habitação e, de qualquer sorte, em relação a contra tos posteriores ao Decreto n?
63.182/68.
O aspecto exato referente à limitação a 2 % da chamada «taxa de serviço», conforme fixado
no art. 2?, letra d do Decreto n?
63.182, de 27 de agosto de 1968,
ainda não o vi discutido no Pretório Excelso — embora tal possa
ter ocorrido — tendo sempre observado fazer-se a fundamentação com respaldo na Lel n?
4.380/64, ao argumento de que o
art. 1? do Decreto n? 22.626/33 estava por ela revogado.
Entretanto, é certo o dissenso
jurisprudencial, pois não resta
dúvida que o E. Supremo Tribunal Federal tem iterado seu ponto de vista na admissão da cobrança de «taxas de serviço» em
valor superior a 2%, mesmo no
caso de financiamentos para
aquisição de casa própria, embora, como disse, não tenha verificado fazer-se o exame também
sob o enfoque do aludido Decreto
n? 63.182/68.
A decisão no presente recurso
extraordinário por certo trará a
manifestação, pelo Pretório Excelso, do aspecto precipuo que
me pareceu oportuno focalizar,
para que as dúvidas a respeito
sejam definitivamente afastadas.
E meu ponto de vista, conforme manifestado em mais de uma
oportunidade, que apenas o excedente à taxa de 2% é que se torna incabível de ser exigido pela
ora recorrente. Assim votei como
relator, por exemplo, nas AC n?s
34.168-SP (Sessão do dia 26-3-79
— 3? Turma) e 40.442-SP (Sessão
do dia 17-11-78 — 3? Turma), tendo ficado os respectivos acórdãos
assim ementados:
«Taxa de serviço. Caixa Econômica Federal
Se a taxa de serviço cobrada
pela Caixa Econômica Federal
excede o limite de 2%, nas operações de financiamento para
aquisição de casa agindo aquela entidade como agente do Sistema Financeiro da Habitação,
deve dita taxa ser reduzida
àquele percentual, na conformidade do disposto no art. 2? do
Decreto n? 63.182/68.
Nos contratos anteriores, os
limites deveriam atender as
normas do Conselho Monetário
Nacional ou do BNH. Inaplicação à hipótese do entendimento consubstanciado na Súmula
596 do Pretório Excelso.» (AC
34.168).
«Caixa Econômica Federal.
Taxa de serviços. Financiamento pela CEF como integrante do sistema financeiro de
habitação. Decreto n? 63.182/68.
Tendo sido o contrato de financiamento para aquisição de
casa própria firmada com a
CEF, esta ai na qualidade de
integrante do Sistema Financeiro da Habitação, já após
a vigência do Decreto n?
63.182/68, cabível a cobrança
da taxa de Serviço até o
de 2% a.a. sobre o saldo devedor
(art. 1?, letra d). Se, entretando, já foi excedidó tal limite,
deve a Caixa restituir o que cobrou a maior.» (Ac n? 40.442).
Assim, na conformidade do entendimento pelo qual se inclinou
este Tribunal, o que tem sido considerado excessivo é a cobrança da
«taxa de serviço» no que exceder a
2% ao ano, em face do disposto no
Decreto n? 63.182, de 1968, e não
poder ou não-ser cobrado um total
superior a 12% a.a., o que, ai sim,
se situaria no âmbito da Súmula
596 do Pretório Excelso.
R.T.J. — 109
333
Entretanto, é certo que em casos
n? 22.626/33. Não parece modificar
símiles — embora e como mencioos termos da discussão a invocanado, não tenha visto ser a questão
ção que se fez, no acórdão ora rediscutida na Corte Suprema ao encorrido, ao Decreto n? 63.182/68,
foque do disposto no Decreto n?
entendendo-se, outrossim, que não
63.182, de 1968, foi ali admitida a
se incluem, no âmbito de compreencobrança da mencionada «taxa de
são da Súmula n? 596, as transerviço» em valor que se mostra
sações realizadas, pela Caixa Ecosuperior à taxa de 2%. Além disso,
nômica Federal, no sistema do
no caso, um dos contratos, que se
Plano Nacional de Habitação.»
mostra superior à taxa de 2% conEm realidade, conforme resulta
forme salientado no voto do Relator, foi assinado anteriormente à dos precedentes indicados e analisavigência do Decreto n?63.182-68. dos, não vem este Tribunal estabeleAssim, dou seguimento ao recur- cendo a distinção que, no acórdão, se
pretende e lhe dá ênfase o despacho
so.»
de admissão do apelo extremo, quanEm realidade, como antes obser- to a operações da CEF, enquanto
vei, nos precedentes desta Corte, in- agente do Sistema Nacional da Habidicados como paradigmas, os ares- tação ou como uma das entidades intos do TFR eram fundamentadas no tegrantes do Sistema Financeiro NaDecreto n? 63.182, de 1968, art. 2?. In- cional.
vocaram as decisões deste Tribunal,
exposto, conheço do recurso
entretanto, a orientação consagrada e Do
lhe
dou provimento, em face da
no RE n? 78.953-SP (RTJ 72/916-920) orientação
adotada por esta Corte,
e na Súmula n? 596, verbis:
no tratamento da matéria, para julgar improcedente a ação, invertidos
«596. As disposições do Decreto os
ónus da sucumbência.
n? 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos
EXTRATO DA ATA
cobrados nas operações realizadas
por instituições públicas ou privaRE 98.806 - SP —Rel.: Min. Néri da
das, que integram o sistema finan- Silveira.
Recte.: Caixa Econômica
ceiro nacional.»
Federal — CEF (Advs.: Nilo Arêa
Já no RE n? 96.715-0-SP, como re- Leão e outros). Recdo.: Dirceu Monteiro de Oliveira (Advs.: Luis Vassilator, a 1-6-82, observei:
mon Barbosa e outros).
«Ao que se compreende dos deConheceu-se do recurso e
bates efetuados, ao ensejo do jul- seDecisão:
lhe
deu
provimento.
Decisão unâgamento do RE n? 78.953-SP, foi ti- nime.
da por legitima, em 1975, a cobrança de taxa de serviços , em operaPresidência do Senhor Ministro
ções que tais, cuja soma com os ju- Soares Mufioz. Presentes à Sessão os
ros pactuados excedeu os 12% ao Senhores Ministros Rafael Mayer,
ano estabelecidos no art. 1? do De- Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
creto n? 22.626/33. O acórdão então Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
recorrido reputara ilegítima na da República, Dr. Francisco de Asmedida do execesso verificado a sis Toledo.
referida taxa.
Brasília, 8 de março de 1983 —
A controvérsia foi posta, na ini- António Carlos de Azevedo Braga,
cial e contestação, à luz do Decreto Secretário.
R.T.J.
334
109
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N? 99.290 — MG
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Soares Muftoz.
Recorrente: Estado de Minas Gerais — Recorrido: Lúcio Otávio Ribeiro
Moreira.
Execução trabalhista contra a Fazenda. Demora verificada no
pagamento depois da expedição do precatório. Fluência de Juros
moratórios.
— Execução trabalhista contra a Fazenda. Imposição de juros
moratórios e correção monetária ao Estado de Minas Gerais, relativamente ao período compreendido entre a expedição do precatório e o
pagamento da divida. Ofensa ao art. 117 da Constituição Federal. Alegação que se rejeita porque o dispositivo invocado não trata da questão. Recurso extraordinário não conhecido.
ACORDA0
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata
do julgamento e das notas tàquigráficas, por unanimidade de votos, não
conhecer do recurso.
Brasília, 12 de setembro de 1983 —
Soares Mutioz, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Soares Muiloz:
Estado de Minas Gerais, condenado,
em execução, pelo Tribunal Regional
do Trabalho da 38 Região, a pagar
juros moratórios e correção monetária relativamente ao período compreendido entre o dia da expedição
do precatório e do efetivo pagamento
da divida, interpôs recurso de revista e, não admitida esta, manifestou
agravo de instrumento, improvido;
embargos infringentes, indeferidos;
agravo regimental, não acolhido e,
finalmente, recurso extraordinário
insistindo em que a condenação complementar que lhe foi imposta ofende
o art. 117 da Constituição Federal.
O apelo derradeiro não foi admitido pelo eminente Presidente do Tri-
bunal Superior do Trabalho, por não
comportar matéria o recurso extremo ( fls. 138).
Interposto agravo de instrumento,
dei-lhe provimento determinando a
subida da inconformidade derradeira para melhor exame.
O parecer da ilustre Procuradora
Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues, subscrito pelo eminente
Subprocurador-Geral Dr. Mauro leite Soares, é no sentido de que o recurso extraordinário seja conhecido
e provido para o efeito de a revista
ser admitida e processada como de
direito, verbis:
«In casu, presentes estão os
pressupostos fácticos que, em consonância com a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, tornavam cabível o Recurso de Revista
inadmitido.
A imputada ofensa ao art. 117 da
Constituição, por sua vez, constitui
matéria cujo exame competia ás
instâncias trabalhistas e que deixou de ser feito em função do indevido trancamento do Recurso de
Revista. Sua apreciação por essa
Suprema Corte, neste passo, em
que pese o disposto na Súmula 456
R.T.J. — 109
e no art. 324 do Regimento Interno,
importaria em supressão das instâncias ordinárias» (fls. 172).
E o relatório.
VOTO
335
O Estado como empregador se
equipara ao empregado particular,
à empresa privada e, por isso, não
goza de qualquer privilégio quanto
à atualização dos débitos trabalhistas» (fls. 55).
Não há, nessa fundamentação,
ofensa ao art. 117 da Constituição
Federal, nem vulnera esse dispositivo a expedição de mais de um precatório. Não procede o argumento segundo o qual a fluência de juros e
correção monetária após o precatório tomaria indefinida a expedição
deles, e não procede o argumento
porque um só precatório complementar é suficiente para cobrir o
período compreendido entre a data
da expedição do Primeiro e a do respectivo pagamento.
O Código de Processo Civil regula,
nos seus artigos 730 e 731, o processo
da execução contra a Fazenda Pública. Nada dispõe, entretanto, no sentido de que não seja possível a fluência de juros e correção monetária
após a expedição do precatório. A
omissão se justifica, uma vez que o
precatório não constitui forma de pagamento; é apenas requisição de pagamento. A disciplina do art. 730,
elucida Celso Neves,
«atende às particularidades de
um processo, executório em que
não pode haver a penhora de bens
sobre os quais verse a atividade
juros satisfaUva que lhe é própria»
(in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, pág. 166).
E, realmente, outras não são as
particularidades que caracterizam a
execução contra a Fazenda Pública.
Ante o exposto, não conheço do recurso extraordinário.
O Sr. Ministro Soares Mufloz (Relator ): Dispõe o art. 117 da Constituição Federal que:
«Os pagamentos devidos pela
Fazenda Federal, estadual ou municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de
apresentação dos precatórios e á
conta dos créditos respectivos,
proibida a designação de casos ou
de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos extraorçamentários abertos para esse
fim».
Não há nesse dispositivo nenhuma
alusão a juros moratórios, nem a
correção monetária, no caso de
verificar-se demora no pagamento
da divida, depois de expedido o precatório, nem ele impede que seja expedido precatório complementar para possibilitar o pagamento do
acréscimo em referência, tal como
se fez na espécie sub Judice.
Não se trata, portanto, de questão
constitucional que, nos termos do
art. 143 da Constituição Federal, torna cabível o recurso extraordinário.
Cuida-se de incidente da execução
resultante da demora no pagamento
da divida, após a expedição do precatório. Como assinala o acórdão do
Tribunal Regional,
«A lei não faz qualquer ressalva
a que os juros e correção monetária, devidos por ente público, devam cessar com a expedição do
precatório.
A expedição do precatório não
EXTRATO DA ATA
faz cessar a incidência da correção
monetária. E mero substituto da
RE 99.290-MG — Rel.: Min. Soaexecução por mandado.
res Mufloz. flecte.: Estado de Minas
Gerais. ( Advs.: Francisco Deiró Cou-
R.T.J. — 109
336
to Borges e outro). Recdo.: Lúcio
Otávio Ribeiro Moreira. ( Advs.: Itália Maria Viglioni e outro).
Decisão: O julgamento foi adiado a
pedido do Ministro Alfredo Buzaid,
após os votos dos Ministros Relator e
Oscar Corrêa que não conheciam do
recurso extraordinário. Falou pelo
Recte.: Dr. Francisco Deiró Couto
Borges.
Presidência do Senhor Ministro
Soares Mutoz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
da República, Dr. Francisco de Assis Toledo.
Brasília, 3 de maio de 1983 —
António Carlos de Azevedo Braga,
Secretário.
VOTO (VISTA)
«A lei não faz qualquer ressalva a que os Juros e correção monetária, devidos por ente público,
devam cessar com a expedição
do precatório.
A expedição do precatório não
faz cessar a incidência da correção monetária. E mero substituto
da execução por mandado.
O Estado como empregador se
equipara ao empregador particular, á empresa privada e, por isso, não goza de qualquer privilégio quanto à atualização dos débitos trabalhistas» (fls. 55).
Não há, nessa fundamentação,
ofensa ao art. 117 da Constituição
Federal nem vulnera esse dispositivo a expedição de mais de um
precatório. Não procede o argumento segundo o qual a fluência de
juros e correção monetária após o
precatório tornaria indefinida a expedição deles, e não procede o argumento porque um só precatório
complementar é suficiente para cobrir o período compreendido entre
a data da expedição do primeiro e
a do respectivo pagamento». (fls.
3/4).
O Sr. Ministro Alfredo Buzaid: 1. O
Estado de Minas Gerais, não se conformando com a decisão do Egrégio
Tribunal Regional do Trabalho da
Terceira Região, que o condenou a
trabalhista,
o
débito
pagar
computando-se juros e correção monetária até a data do efetivo pagamento (fls. 54), exauriu todas as instâncias da Justiça do Trabalho sem
2. Realmente a decisão recorrida
sucesso e, a final, interpôs recurso
extraordinário, alegando ofensa ao não malferiu o art. 117 da Constituiart. 117 da Constituição da Repúbli- ção da República. A sua razão de
ser, como observou Pontes de
ca.
(Comentários à ConstituiO eminente Relator, Ministro Soa- Miranda
ção
de
1967
a Emenda n? 1 de
res Mufloz, disse em seu brilhante 1969, vol. III,com
pág. 646), foi «a de ter
voto:
concorrido para moralização da admi«Não se trata, portanto, de ques- nistração pública no Brasil E o
tão constitucional que, nos termos principio constitucional contra uma
do art. 143 da Constituição Fede- das formas mais correntes da advoral, torna cabível o recurso ex- cacia administrativa». Assim tamtraordinário. Cuida-se de incidente bém Manuel Gonçalves Ferreira
da execução resultante da demora Filho (Comentários á Constituição
no pagamento da dívida, após a ex- Brasileira, 3? ed., pág. 466): «O dispedição do precatório. Como assi- positivo em exame consubstancia
nala o acórdão do Tribunal Regio- norma de alta moralidade, pois impede favorecimentos».
nal,
R.T.J. — 109
O Código de Processo Civil contém
norma, na parte em que cuida da
execução contra a Fazenda Pública,
assegurando-lhe a possibilidade de
embargos
(art.
opor
730),
equiparando-a a qualquer devedor. O
Código de Processo Civil de 1939 era
omisso a respeito (Celso Neves,
Comentários, 2t ed., vol. VII, pág.
195). O Código vigente supriu a lacuna.
Ora, o art. 117 da Constituição e o
art. 730 do Código de Processo Civil
trataram exclusivamente de processo de execução contra a Fazenda,
cujos bens não estão sujeitos à penhora. O art. 731 insere norma, pela
qual o Presidente do Tribunal, se o
credor for preterido no seu direito de
preferência, pode ordenar, após audiência do Ministério Público, o seqüestro da quantia necessária para
satisfazer o débito.
337
decisão recorrida. Acompanhando o
voto do eminente Ministro Soares
Muftoz, não conheço do recurso.
E o meu voto.
VOTO PRELIMINAR
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Sr.
Presidente. Reservando-me examinar, em outra oportunidade, a matéria concernente à correção monetária dos débitos da Fazenda Pública,
quando o pagamento se sujeita ao
art. 117 da Constituição, durante o
período em que se atende ao disposto
nessa norma maior, em face da extensão a dar-se a esse artigo, acompanho, no caso concreto, o eminente
Relator, tendo em conta as peculiaridades da espécie, enunciadas no voto
de S. Exa., e, agora, no pronunciamento do ilustre Ministro Alfredo
Buzaid.
3. Se o primeiro precatório for insuficiente para pagar o principal, juEXTRATO DA ATA
ros, correção monetária e honorários, outro seria expedido, tantos
quantos forem necessários para a liRE 99.290-MG — Rel.: Min. Soaquidação da dívida. O instrumento, res Mufloz. Recte.: Estado de Minas
que a Constituição criou no art. 117, Gerais. (Advs.: Francisco Deiró Couvisou à moralidade administrativa e to Borges e outro). Recdo.: Lúcio
jamais a causar dano ao credor pela Otávio Ribeiro Moreira. (Advs.: Itádemora no pagamento imputável
lia Maria Viglioni e outro).
fazenda, demora com que se locupleta a devedora, sobretudo em uma
Decisão: Não se conheceu do reépoca de inflação vertiginosa.
curso extraordinário. Decisão unânime.
Quanto aos débitos de natureza
trabalhista, rege o art. 1? do
Presidência do Senhor Ministro
Decreto-lei n? 75, de 21 de novembro Soares Mufloz. Presentes à Sessão os
de 1966, que manda computar, decor- Senhores Ministros Rafael Mayer,
rido o prazo legal, correção monetá- Néri da Silveira, Alfredo Buzaid e
ria, a qual só cessará quando satis- Oscar Corrêa. Subprocurador-Geral
feito o direito do trabalhador pelo da República, Dr. Francisco de Aspagamento integral do crédito reco- sis Toledo.
nhecido judicialmente.
Brasília, 12 de setembro de 1983 —
Em suma, a norma do art. 117 da Antônio Carlos de Azevedo Braga,
Constituição não foi contrariado pela Secretário.
R.T.J. — 109
338
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL N? 99.344 — RS
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Oscar Corrêa.
Recorrente: Danilo de Couto Camino — Recorrido: Ministério Público
Estadual.
Júri. Homicídio. Decisão absolutória, pela excludente da legítima
defesa própria, anulada em grau de apelação. Artigo 593, III, d, do
CPP.
Valoração da prova. Concluir se a decisão é ou não manffesmente contrária à prova dos autos, importa valoração, e não reexame
de provas.
Precedentes da Corte.
In casu — existência de duas versões, autorizando ao Júri opção
válida por uma — a absolutória.
Recurso Extraordinário conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata do
Julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em
conhecer do recurso e lhe dar provimento.
Brasília, 13 de maio de 1983 —
Soares Muftoz, Presidente — Oscar
Corrêa, Relator.
RELATORIO
O Sr. Ministro Oscar Corrêa: 1.
Adoto, para conhecimento dos fatos,
o Relatório do Exmo. Desembargador Relator no Colando Tribunal de
Justiça (fls. 459/460):
«Danilo Couto Camino foi denunciado na comarca de Passo Fundo,
como incurso nas sanções do art.
121, caput do CP, porque no dia
9/3/77, pelas 11,30hs, nas proximidades da Vila Ernestina, município
de Passo Fundo, rodovia RST-153,
entre os kms 33 e 34, usando de um
revólver, calibre 38, efetuou disparos contra a vitima Ingo Enir Grahel, vindo ocasionar-lhe a morte.
O réu foi interrogado (fl. 45),
apresentando após, através de defensores constituídos, defesa prévia e rol de testemunhas (fl. 47).
Foram inquiridas, durante a instrução do processo, duas testemunhas de denúncia ( fl. 93 e v) e duas
de defesa (fls. 94/95) e por precatória foram ouvidas seis testemunhas de defesa (fls. 75/76, 129 e v.,
131 e 137 e quatro de denúncia (fls.
108/109, 130/130v e 156/157).
No prazo do art. 406 do CPP, o
MP pediu a pronúncia do réu (fls.
16 e v.), enquanto que a defesa deixou transcorrer in albis o prazo legal (fls. 162).
A seguir, proferiu decisão o magistrado Julgando procedente a denúncia para pronunciar Danilo
Couto Camino como incurso nas
sanções do art. 121, caput do CP
(fls. 163/166).
O representante do MP, à fl. 177,
ofereceu libelo acusatório, pedindo
a condenação do réu nos termos do
art. 121 do CP. A defesa apresentou contrariedade requerendo diligências ( fls. 179/180).
Submetido a Julgamento perante
o Tribunal do Júri, por 5 votos con-
R.T.J. — 109
tra 2, admitindo a tese da legitima
defesa própria, declararam Danilo
Couto Camino absolvido das sanções do art. 121, caput do CP (fl.
327).
Irresignado, apelou o MP com
base no art. 593, III, letras a e d do
CPP, requerendo a nulidade do
processo a partir do recebimento da
denúncia inclusive, ou a nulidade
do julgamento por ter integrado o
conselho de sentença o Jurado Danilo Zimmermann e ainda a sujeição do reú a novo julgamento, eis
que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária á prova dos
autos (fls. 344/357).
Em contra-razões, a defesa manifestou-se pela confirmação da
sentença absolutória (fls. 380/409).
Nesta instância, emitiu parecer o
Dr. Procurador da Justiça, opinando pelo improvimento do apelo do
MP (fls. 453/457)».
O Colendo Tribunal de Justiça
deu provimento ao apelo, nos seguintes termos (fl. 462):
«Júri. Homicídio. Argüição de
nulidade decorrente de Impedimento do juiz. Rejeição. Ainda que impedido de funcionar no processo, á
vista de parentesco com um dos
defensores do réu, não é de se decretar a nulidade se a atuação do
juiz cingiu-se a atos de mero expediente. Decisão manifestamente
contrária à prova dos autos. Assim
se entende a decisão absolutória,
pela excludente da legitima defesa
própria, quando a prova fotográfica, aliada ao depoimento da única
testemunha que presenciou todos
os lances da refrega, deixa ao inteiro desamparo tal alegação invocada pelo réu. Apelo provido, à
unanimidade, para mandar o réu a
novo julgamento».
Inconformada, a defesa do réu
interpôs recurso extraordinário (fls.
473/496), pelas letras a e d, alegando
339
vulnerados os dispositivos do art.
593, III, letra d e § 3? do CPP e §
18 da Constituição Federal além de
divergência com inúmeros arestos,
que indicou.
O recurso foi indeferido pelo r.
despacho de fls. 503/506, fundandose, quanto ao § 18 da Constituição
Federal na Súmula n? 282 e, quanto
ao mais com base em parecer do
Dr. Procurador-Geral da Justiça, na
Súmula n? 279.
Oposto agravo de instrumento
a esse despacho, dei-lhe provimento,
para que, subindo os autos, se fizesse deles melhor exame, com as razões do recorrente (fls., 527/538) e o
parecer do Dr. Procurador-Geral da
Justiça (fls. 540/544).
6. A douta Procuradoria-Geral da
República, em parecer do Ilustre
Procurador Cláudio Lemos Fonteles,
aprovado
pelo
Eminente
Professor
Subprocurador-Geral,
Francisco de Assis Toledo, opinou
pelo não conhecimento do recurso
(fls. 549/551).
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Oscar Corrêa: (Relator ): 1. Dois são os fundamentos
do recurso: pela letra a: I -- a vulneração do artigo 153, § 18, Ida Constituição Federal; e, II — a violação
do artigo 593, III, d e § 3? do CPP.
Quanto á ofensa constitucional alega o Recorrente que se o «§ 18 do artigo 153» reserva para o Tribunal do
Júri competência exclusiva para o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida», a «Colenda Câmara Criminal, cassando o veredicto do Júri,
que não é manifestamente contrário
à prova dos autos, acabou violando o
próprio preceito constitucional» (fl.
495).
2. Na realidade, a Constituição de
1967 (artigo 150, § DD na linha da de
340
R.T.J. — 109
1946 (artigo 141, § 28) expressamente
referia sua soberania. O texto de
1969, ainda que o não tenha explicitamente afirmado, mantendo-lhe a
competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida,
repetiu-o; principalmente se se levar
em conta — e aqui o segundo fundamento do recurso, que o artigo 593,
III, fixou os casos em que cabe apelação das decisões do Tribunal do
Júri:
«a) ocorrer nulidade posterior à
denúncia.
for a sentença do Juiz Presidente contrária à lei expressa ou a
decisão dos jurados;
houve erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da
medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos
autos».
As alíneas b e d, sobretudo,
parece-nos, pretendem assegurar,
salvo irremediável erro, a decisão
dos jurados.
Na mesma linha, o § 3? do artigo,
ao exigir para a reforma do veredito
pelo Tribunal ad quem decisão manifestamente contrária à prova dos autos; e, mais ainda, ao vedar, por esse mesmo motivo, segunda apelação.
Vale dizer; nem a manifesta contrariedade à prova dos autos — assim
parecendo à acusação — pode levar à
segunda apelação.
3. Por isso mesmo, referindo-se
ao alcance da proclamada soberania
do Júri, diz o Eminente Professor
José Frederico Marques, em face do
Juiz togado e dos Juizes superiores:
(Elementos do Direito Processual
Penal, III, Forense, pág. 235):
«O problema se situa, apenas, no
campo da competência funcional.
Sobre a existência do crime e responsabilidade do réu, só o Júri pode pronunciar-se, o que faz através
de veredictos soberanos. Sobre a
aplicação da pena, decide, não soberanamente, o Juiz que preside
ao Júri. Aos tribunais superiores, o
objeto do juízo, na sua competência funcional, se restringe à apreciação sobre a regularidade do veredicto, sem o substituir, mas pronunciando ou não pronunciando o
sententia rescindenda sit. No tocante à decisão do Juiz togado, a
competência funcional será de
grau, podendo assim a jurisdição
superior retificá-la (artigo 593, §.
1?). O Tribunal, portanto, não decide sobre a pretensão punitiva,
mas apenas sobre a regularidade
do veredicto» (pág. 235).
4. O exame, pois, da questão
cinge-se ao alcance da decisão do
Colendo Tribunal de Justiça: se se
pronunciou dentro dos limites da lei
processual penal, ou se os excedeu,
com o que lhe teria negado vigência,
como sustenta a defesa.
Para manter-se dentro desses limites só pode cassar a decisão dos jurados quanto à existência do crime e
a responsabilidade do réu — para repetir José Frederico Marques — se
manifestamente contrária à prova
dos autos. E, para defini-lo vale invocar o ensinamento de Ary Azevedo
Franco, Professor e Juiz da Corte,
no seu estudo sobre O Júri e a Constituição Federal de 1946.
«Manifesto, segundo Cândido de
Figueiredo é sinônimo de patente,
público, evidente. E Domingos Vieira afirma «o que é manifesto é evidente para todos» (Dic. vol. IV, pág.
103).
«Que se poderá entender por manifesto, por evidente, senão aquilo
que se impõe à percepção de todos,
que todos vêm necessariamente, e
sobre o que não é admissivel, em
sã consciência, a possibilidade de
afirmações dispares?
Onde exista, porém, matéria sujeita ao critério da observação pessoal do julgador, dependente, para
R.T.J. — 109
firmar-se, não da força dominadora da realidade indubitável, mas
da apreciação subjetiva de cada
um — não se pode cogitar de evidência.
Assim, sempre que o fato se
apresente Suscetível de ser divisado à luz de critérios divergentes,
capazes de lhe emprestarem diversa fisionomia moral ou jurídica,
qualquer que seja a orientação
vencedora, refletida na decisão do
Tribunal, não poderá ser havida
como manifestamente contrária à
prova».
Esse entendimento é geralmente
acatado. Mas, quando se cuida de
aplicá-lo às hipóteses, influem os julgamentos subjetivos que marcam o
juizo humano e a que não são
alheios, obviamente, nem os membros do Júri, nem os dos Tribunais
que lhes apreciam os vereditos.
5. Ora, funda-se a impugnação,
pelo Recorrente, da conclusão do v.
acórdão, em que, a prova dos autos
não é contrária manifestamente à
decisão dos jurados.
Dir-se-la que, como tal, não se
comportaria o reexame nesta instância extraordinária, e isto se diz no r.
despacho indeferitório do recurso.
Não nos parece' o fato de a lei exigir manifesta contrariedade à prova
dos autos indica, sem sombra de dúvida, que o Juiz deve ponderar, com
segurança,elementos probatórios; e
autoriza que, em face de recurso,
possa o Tribunal, se a evidência não
se ilumina e patenteia nos dados,
desde logo, apresentados, verificar,
reexaminar se essa contrariedade é
manifesta, evidente, clara, notória,
flagrante.
Esta é, precisamente, hipótese na
cipal pode apresentar-se ao Juiz a necessidade da valoração da prova;
por que não se trata de saber se há
prova nos autos — o que escaparia
da competência da instância ex-
391
traordinária, mas de se concluir se
essa prova é manifesta, o que importa em juizo de valor inegável, que
não escapa aos critérios do Tribunal.
6. Por isso mesmo, inúmeras as
oportunidades nas quais a Corte o
tem reexaminado, para impor veredicto conclusivo.
Cito, apenas, o RE n? 78.312-PR,
em que a matéria vem explicitamente tratada, com invocação da orientação e dos precedentes da Corte, no
Relatório e no voto do Exmo. Ministro Oswaldo Trigueiro (RTJ 71/247).
Proficientemente se examina o alcance da apelação, na doutrina e na
jurisprudência. Lembro, apenas, trechos mais expressivos: aquele em
que na Carta Testemunhável n?
11.744 se decidiu de acordo com o voto do Eminente Mestre Ministro Orosimbo Nonato: (fl. 250).
«Convenho em que o poder do
Tribunal togado de reformar a decisão do Júri tem marcas e raias
cujo alargamento pode convir à
política criminal mas ainda se
acha desautorizada em lei.
Não é qualquer desencontro na
apreciação de provas que o justifica. Faz-se mister haja o Tribunal
do Júri proferido decisão que não
encontre qualquer apoio na prova.»
Ou. o ensinamento de Eduardo
Espínola Filho (pág. 250/251):
«Quanto ao Júri, não: é-lhe assegurado o privilégio de escolher, na
prova feita, aquilo a que dispensar
consideração, desprezando o mais,
tão-somente quando o veredicto do
tribunal leigo é arbitrário, porque
se dissocia integralmente da prova
dos autos, isto é, não há qualquer
elemento de prova, que ampare,
que apóie a solução adotada, surge
a possibilidade de, repelindo o
arbítrio, entrar o tribunal de recurso no mérito para, reformando a
sentença , condenar o injustamente
342
absolvido ou absolver o i njustamente condenado» (Código de Processo Penal, vol. V).»
E, após citação de Bento de Faria,
a convocação da Jurisprudência da
Corte, e, sobretudo, ao acentuar:
(pág. 251)
Em casos dessa natureza, não se
trata apenas do reexame da matéria de fato, vedado à instância extraordinária. A esse propósito, o
voto do Sr. Ministro Luiz Gallotti,
no RE n? 37.300 (RF, CLXXIX/336)
esclarece:
«Se se tratasse do julgamento de
uma apelação comum, em que o
conhecimento da causa se devolve
inteiro ao Tribunal Superior, não
seria possível conhecer do presente
recurso, para decidir se o acórdão
recorrido julgara bem ou mal, concluindo por considerar não provada a legítima defesa.
Trata-se, porém de apelação de
sentença do Júri, cabível com o
fundamento de que absolvição seria manifestamente contrária à
prova dos autos.
Não se trata, pois, de mera questão de fato ou de prova, como à
primeira vista poderia parecer,
mas de questão de direito, qual seja, a relativa ao cabimento ou não
da apelação.»
Na hipótese dos autos, com efeito, não se cuida da reapreciar a
prova, a fim de que o Supremo Tribunal diga se o crime foi ou não,
agravado pela qualificativa do motivo fútil. Diversamente, trata-se
de verificar se, diante dos fatos e
suas circunstâncias, era permitido
ao Júri concluir pela existência daq uela qualificativa».
7. A essa questão de valoração
da prova, explicitamente se refere a
petição de extraordinário, invocandoa em decisões da Corte ( fl. 491) e as
razões o renovam ( fl. 530).
— 109
E poder-se-ia lembrar ainda, especificamente sobre o tema, o RE n?
71.879-BA — Relator o Exmo. Ministro Amaral Santos (RTJ 63/151), em
trecho da Ementa: (pág. 150)
«No caso, dada a existência de
duas versões decorrentes da prova
produzida, a proferida pelo Tribunal do Júri, acolhendo uma das
versões, não podia ser qualificada
de manifestamente contrária à
prova dos autos» (pág. 150).
E, recentissimamente no HC n?
59.287, Relator o Eminente Ministro
Néri da Silveira (RTJ 100/611), em
habeas corpus, decidiu unânime a
Colenda Turma, deferindo o pedido:
«HC Júri. Absolvição. Código de
Processo Penal, artigo 593, III, letra d. Não cabe anular a decisão
dos jurados, embora tomada por
maioria de votos, se esta não for
manifestamente contrária à prova
dos autos. Por mera conveniência
de nova manifestação de outros jurados, da mesma sociedade, diante
da dúvida que exista quanto à inocência do réu, não se anula decisão
absolutória.
HC concedido, para que o paciente não seja submetido a novo Julgamento pelo Júri.»
E o Eminente Relator invoca os
mesmos ensinamentos que aqui se
lembraram, de Orosimbo Nonato,
Espínola Filho e Bento de Faria
(pág. 615). Isto, saliente-se, em
habeas corpus informando que o réu
fora absolvido por quatro a três.
8. Impõe-se, pois, breve exame
da espécie.
O v. acórdão de fls. 462/471, como
se viu da Ementa e se lê em seu texto, considerou-a manifestamente
contrária à prova dos autos,
sintetizando-o naquela Ementa:
«Assim se entende a decisão absolutória, pela excludente da legítima defesa própria, quando a prova
fotográfica, aliada ao depoimento
R.T.J. — 109
da única testemunha que presenciou todos os lances da refrega,
deixa ao inteiro desamparo tal alegação invocada pelo réu».
Não ignorou o v. acórdão os limites da sua competência de rever a
matéria e reconheceu que «havendo
duas versões na prova, licito é aos
jurados escolher uma delas, ainda
que mais frágil e menos convincente».
Considerou, entretanto:
«Mas, no caso dos autos, não há
propriamente ( grifo nosso) duas
versões, mas sim a versão acusatória, apoiada na testemunha Ivan
Eleutério Kaiser e em outros elementos circunstanciais, de um lado, e o relato do acusado, sem
apoio em qualquer subsidio probatório minimamente idôneo, quanto
ao momento culminante do fato, de
outro lado». (fl. 467).
9. Ora, funda-se o v. acórdão na
versão do companheiro da vítima e
«elementos circunstanciais» e recusa, a outra versão, que é,
propriamente, outra versão, do acusado e de sua mulher, apoiada também em outros elementos.
Se o da mulher não apóia o do marido, pelo mesmo motivo, o do companheiro da vitima não há de ser,
pelo menos, intocável, que considere
incontrastável sua versão pela outra.
Tanto mais quanto é o próprio acórdão que invalida outras provas, como a perícia produzida apenas mais
de três anos depois.
E inúmeras circunstâncias restam
inexplicadas, aceita a versão do
companheiro da vitima, que tanto
impressionou o Colendo Tribunal ao
acolhê-la.
De qualquer sorte, não há falar em
versão única, nem em decisão do Júri manifestamente contrária à prova
dos autos. E isto vem muito bem es-
343
clarecido na petição de recurso e nas
bem elaboradas razões que o sustentaram.
10. Repetem as razões, trecho do
decreto de pronúncia do MM. Juiz
(fl. 165):
«Do exame dos pontos fundamentais da prova emergem duas
versões antinômicas. Segundo a
narrativa do réu e sua mulher teria havido luta e o disparo foi acidental, mas pelo que conta o acompanhante da vitima o acusado disparou intencionalmente sem qualquer discussão ou esforço físico.
No momento processual presente
evidencia-se a impossibilidade de
aceitação pura da primeira variante, uma vez que a mesma é contraditada por uma segunda, e nessas
condições, quando ao julgador singular se apresenta mais de uma alternativa decisória, cumpre remeter a apreciação do mérito da causa aos juizes de fato, que são, por
mandamento constitucional, os
competentes para os julgamentos
dos crimes dolosos contra a vida.
Em homenagem ao principio In dublo pro societate impende ao denunciado, através de seus defensores, a sustentação de suas teses perante o Conselho de Sentença que,
como foi dito, detém a competência para a apreciação da espécie».
O parecer do Dr. Procurador da
Justiça (fls. 453/457) acolhe essa
conclusão ao repetir:
«Por fim, como já assinalou o
Juiz da Pronúncia.
«Do exame dos pontos fundamentais da prova emergem duas
versões antinõmicas».
e, ainda que considerada a versão
da acusação «mais robusta, harmônica e convincente», não se escusa,
de dizer:
«E certo, também, que a versão
do réu é pouco verossímil, máxime
quanto ao desfecho dos fatos (cena
do tiro).
344
R.T.J. — 109
«No entanto, é certo, outrossim,
que ela encontra elementos de
apoio no conjunto probatório, donde, a teor da jurisprudência, não
ser possível a cassação do veredicto dos jurados, eis que não manifestamente contrário à prova dos
autos».
Pelo que concluiu pelo não provimento da apelação (fl. 457).
11. A existência de duas versões
figura na própria denúncia do Dr.
Promotor (fl. 3), bem como ao recusar a versão do acusado (fl. 161 e v).
Versão esta, da defesa, acolhida
por 5 a 2 pelo Conselho de Sentença.
E, a seguir, enuncia os seus argumentos em favor da tese que sustenta e em que se entrincheira e que
nos escusamos de analisar, mas, em
verdade, arrimados em outros elementos dos autos, que a fortalecem.
Isto mesmo, detidamente, se estuda, com segurança, nas razões de
fls. 527/538, inclusive com a invocação de arestos que lhe esteiam a irresignação.
Do exame desses elementos, aqui
explicitados e de outros (de fato,
constantes dos autos) — que nos parece despiciendo referir, convencime da existência das duas versões; e
da validade da opção, que a Constituição e a lei permitem ao Tribunal
do Júri, incontestavelmente admitida, entre versões existentes, inclusive, como na doutrina e na jurisprudência, a que não pareça, depois, ao
julgador, a melhor.
Optou o Júri pela absolvição. Sua
decisão não é manifestamente contra a prova dos autos, acolhendo versão que surge desde a própria denúncia de fls. 2/4. Não cabe indagar
os motivos que o levaram a preferi-la,
quaisquer que sejam, e que a lei não
perquire, nem pondera, preferindo
valorizá-los, aceitando-os.
É o que faço. Conheço do recurso e
dou-lhe provimento, para, cassando
o v. acórdão, restabelecer a decisão
do Tribunal do Júri.
E o voto.
VOTO
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Sr.
Presidente. Estou de inteiro acordo
com o brilhante voto do eminente
Relator, que, inclusive, me honrou
com a referência feita a voto, que
proferi, no HC 59.287-MG, definindo
meu entendimento a propósito da
matéria.
Na espécie, como bem sinalou o
ilustre Relator, do acórdão, onde
examinado o conjunto probatório, resulta explicita a existência de duas
versões do fato, examinadas pela
Corte a quo: uma, a versão da acusação, que encontra apoio em um
elemento testemunhal, o companheiro de viagem da vitima, o auxiliar
do caminhoneiro; a outra, a do acusado, que logra amparo no depoimento de sua esposa. As versões invocam, em seu prol, elementos de
índole circunstancial e indícios, que
o Tribunal do Júri, à evidência, considerou, preferindo, por fim, a versão da defesa. Ao fazê-lo, o Júri não
decidiu, em manifesta contrariedade
à prova dos autos.
O eminente Ministro Eloy da Rocha, em voto lapidar que proferiu,
nesta Corte, no HC n? 44.252-RS, a
25-8-67, teve ensejo de, a tal propósito, anotar:
«O acórdão atacado pelo habeas
corpus declara, de começo, que
houve, na espécie, duas versões. A
declaração pode, à primeira vista,
causar estranheza, mas é sabido
que, via de regra, em qualquer
processo-crime, há duas versões: a
do réu e a da acusação. Só por isso
não se pode reconhecer que o acórdão tenha julgado contra o texto da
lei e, portanto, seja nulo. Por outro
R.T.J. — 109
345
lado, o que compete ao Tribunal de optara por uma delas. De sorte que
Justiça é somente conferir a deci- não cabia ao Tribunal de Justiça susão do Júri com a prova dos autos. bestimar esse veredito.
Dentro da soberania do Júri, no
Conheço do recurso e lhe dou prosistema constitucional brasileiro e
segundo o texto do Código de Pro- vimento.
cesso Penal, a decisão dos JuraEXTRATO DA ATA
dos, para ser cassada, deve ser
manifestamente contrária à prova.
RECr. 99.344-RS — Rel.: Min. OsOra, pela leitura do acórdão, por
seus fundamentos, não se conclui car Corrêa. Recte.: Danilo do Couto
que esse tenha sido o caso. A deci- Camino. (Advs.: Otávio Francisco
são dos Jurados pode ter-se apoia- Caruso da Rocha, Maria Ester Metia
do em prova suspeita, ou fraca, Barreto Camino e outros). Recdo.:
sem, no entanto, contrariar, mani- Ministério Público Estadual.
festamente, a prova dos autos».
Decisão: Conheceu-se do recurso
extraordinário e se lhe deu proviTais fundamentos, penso, na espé- mento, nos termos do voto do Miniscie, por inteiro, são invocáveis.
tro Relator. Decisão unânime. Falaram pelo Recte.: Dr. Otávio FrancisCom essas breves considerações, co Caruso da Rocha e Maria Ester
acompanho o voto do eminente Rela- Mena Barreto Camino e pelo Recdo.:
tor. Conheço do recurso e lhe d iu Dr. Francisco de Assis Toledo,
provimento.
Subprocurador-Geral da República.
Presidência do Senhor Ministro
VOTO
Soares Mutioz. Presentes à Sessão os
Senhores Ministros Rafael Mayer,
da Silveira, Alfredo Buzaid e
O Sr. Ministro Soares Muãoz (Pre- Néri
Oscar
Corrêa. Subprocurador-Geral
sidente): Também estou de acordo da República,
Dr. Francisco de Ascom o eminente Relator.
sis Toledo.
Desde que li o memorial da defeBrasília, 13 de maio de 1983 sa, convenci-me de que nos autos António Carlos de Azevedo Braga,
havia duas versões e que o Júri Secretário.
RECURSO EXTRAORDINARIO N? 99.467 — SP
(Primeira Turma)
Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira.
Recorrente: Ministério Público Estadual — Recorrido: Carlos Alberto
Ramos.
Crime continuado. Firmou o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 21-5-1980, no RECr n? 91.317 (RTJ 98/357), que não se
configura crime continuado, quando há roubo e furto, porque esses delitos, embora da mesma natureza, não são, entretanto, da mesma espécie, com se exige no artigo 51, 9 2?, do Código Penal. Recurso extraordinário conhecido e provido.
R.T.J. — 109
340
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, na conformidade da ata de
julgamento e notas taquigráficas, conhecer do recurso extraordinário e
lhe dar provimento, vencido o Ministro Soares Mufioz.
Brasília, 22 de abril de 1983 —
Soares Muãoz, Presidente — Néri da
Silveira, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Néri da Silveira
(Relator): O Ministério Público estadual, em São Paulo, recorre, extraordinariamente, do acórdão do
colendo Tercerio Grupo de Câmaras
do Tribunal de Alçada Criminal do
mesmo Estado, que deferiu, em parte, pedido de revisão criminal formulado por Carlos Alberto Ramos ou
José Carlos dos Santos ou Mario Sérgio Ramos, in verbis (fls. 27/40):
«Acordam, em Terceiro Grupo de
Câmaras do Tribunal de Alçada
Criminal, por votação unânime,
deferir, em parte, a pretensão revisionai para unificar as penas impostas nos Processos n?s 256/74,
311/74 e 374/74, das Décima, Oitava e Décima Varas Criminais de
São Paulo, de forma a totalizar a
pena unificada de seis anos, onze
meses e seis dias de reclusão,
mantidas as medidas de segurança.
1. Carlos Alberto Ramos ou José Carlos dos Santos ou Mário Sérgio Ramos requereu (fls. 2/3 do oitavo apenso), ao Dr. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais, a unificação das penas impostas nos Processos n?s 1.390/72 (10?
Vara Criminal), 311/74 (8? Vara
Criminal), 374/74 (10? Vara Criminal) e 195/74 (6? Vara Criminal) e
o pedido unificatório foi indeferido
(fls. 32 do oitavo apenso).
Inconformado, recorreu em sentido estrito e a Quinta Câmara do
Tribunal de Alçada Criminal, sendo Relator o Juiz Octávio E. Roggiero, negou provimento, por votação unânime, ao recurso (fls. 49/51
do oitavo apenso).
Em novo requerimento, Carlos
Alberto Ramos ou José Carlos dos
Santos ou Mário Sérgio Ramos requereu a unificação, em duas penas impostas em seis processos,
dois por furto qualificado e quatro
outros, por roubo. Conforme sua
solicitação, os dois furtos (Processos n?s 216/74 e 256/74, das 3? e 10?
Varas Criminais) deveriam formar
a primeira série e os quatro roubos
(Processos n?s 389/73, 311/74,
374/74 e 195/74, das 11?, 8?, 10? e 6?
Varas Criminais) deveriam formar
o segundo grupo (fls. 2/3 do nono
apenso).
Através da decisãode fls. 49/50, o
pedido referente à unificação de
penas impostas nos Processos n?s
311/74, 374/74 e 195/74, foi havido
por prejudicado, uma vez que a
matéria já se achava preclusa em
face do julgamento anterior.
Deferiu-se, no entanto, a unificação das penas relativas aos Processos n?s 216/74 e 382/74,
excluindo-se da unificação o Processo n? 256/74, em face da ausência do fator temporal (fls. 49/50).
A unificação de penas foi feita entre um delito de roubo e um delito
de furto e a matéria transitou em
julgado para o Ministério Público.
Pretende, agora, por via revisional, que os Processos n?s 256/74,
311/74, 374/74 e 195/74 sejam incluídos na série unificada por considerar que os delitos foram praticados em curto lapso de tempo, ou
seja, em onze meses. .
O parecer do Dr. Procurador da
Justiça foi, preliminarmente, pelo
não conhecimento da revisão por
se tratar de reiteração de pedido
R.T.J. — 109
anterior e, no caso de conhecimento, pelo indeferimento da pretensão
revisional (fls. 22/23).
Conhece-se da revisão.
Não se cuida, no caso em tela, de
reiteração de pedido revisional.
O peticionário viu insatisfeita
sua pretensão inicial de unificação
de penas impostas em quatro processos e tal decisão foi mantida em
Segunda Instância. Quando objetivou nova unificação, já agora, em
duas séries, acrescendo duas outras condenações, teve atendido,
em parte, seu pedido, com a exclusão, no entanto, de três das condenações já requeridas no anterior
pedido unificatório, por estar a
matéria preclusa.
Tendo havido, contudo, unificação de duas penas — uma, por furto e outra, por roubo — intentl
agora, por via revisional, a unificação de todas as penas numa única
série, envolvendo mais um furto e
três outros roubos.
Trata-se, portanto, de matéria
nova, que ainda não foi versada,
em sede revisional.
Não é admissivel o deferimento integral da revisão para
efeito de unificação, numa única
série, das penas impostas em seis
processos movidos contra o peticionário.
Entre o último fato da série já
unificada e o primeiro delito, que
lhe é subseqüente, houve um espaço temporal de quatro meses,
aproximadamente, o que obsta o
reconhecimento de uma continuidade delitiva.
No entanto, entre os fatos criminosos praticados nos dias 11 de
agosto de 1973 (Processo n? 256/74,
da 10! Vara Criminal), 29 de agosto de 1973 (Processo n? 311/74, ch13! Vara Criminal) e 27 de setembro de 1973 (Processo n? 374/74, da
10? Vara Criminal), é, sem dúvida,
347
possível vislumbrar os requisitos
exigidos pelo § 2? do artigo 51 do
Código Penal, mesmo sendo o primeiro, furto e os dois outros, roubos.
Já; no que se refere ao Processo
n? 195/74, da 6? Vara Criminal, sobre fato criminoso praticado em 15
de março de 1974 e, portanto, quase seis meses após o fato que ensejou o Processo n? n? 374/74, da 10?
Vara Criminal. o vínculo requerido
pelo crime continuado, entre os vários fatos que o compõem, desapareceu pela carência da necessária
conexão temporal.
4. A jurisprudência maciça,
pacifica, tranqüila é dotada de
terrível força inibidora, que conduz
à inércia e à acomodação. Porque
os julgados se reiteram numa mesma direção, é mais fácil segui-los
do que questionar a argumentação,
que lhes serviu de base.
Não poucas vezes o julgador se
deixa enredar nas teias dessa influência paralisante e contribui,
pessoalmente, para o reforço da diretriz
jurisprudencial
(RT
496/326).
Tem-se negado — e de forma
persistente — a possibilidade da
continuidade delitiva entre furto e
roubo (julgados do Tribunal de Alçada Criminal, vols. 67/227, 65/256
463, 44, 53/269 51/56, 370 e 399,
50/155, 49/143, 47/348, 46/138 e 140,
43/41 e 151, 42/45 e 98, 41/51, e 151,
42/45 e 98, 41/51, 133 e 291, 40/33 e
39, 39/40, 37/135; Revista dos Tribunais, vols. 551/411, 541/398, 533/365,
517/359, 496/326; Jurisprudência
Penal e Processual Penal, do Desembargador Azevedo Franceschini, vol. 3?, 1980, n?s 2.712-C, 2.721,
2.725, 2.750, 2.751, 2.758-A, 2.800,
2.813, 2.851) e tal matéria não oferecia, à primeira vista, margem a
qualquer abordagem contestatória.
Os votos dos Juízes Melo Freire e
Adauto Suannes, na Revisão Crimi-
348
R.T.J. — 109
nal n? 107.766, puseram em xeque a
validade do entendimento jurisprudencial, que acarreta a análise,
sob novo enfoque da questão, já
que todo e qualquer julgador deve
ter, por regra inafastável, a de que
não está comprometido com nenhuma posição anteriormente assumida.
E sabido que, dentre os requisitos essenciais para o reconhecimento da continuidade delitiva, está compreendido o de que os crimes havidos em regime de crime
(mico devem pertencer, nos
explícitos termos do § 2? do artigo
51 do Código Penal, à mesma
espécie. E, consoante a orientação
jurisprudencial já enunciada, furto
e roubo não participam do conceito
de crimes da mesma espécie.
Mas, o que se deve, em verdade,
entender por mesma espécie?
Os dois vocábulos necessitam ser
submetidos isoladamente ao crivo
critico.
E, feita tal separação, já se pode. desde logo, concluir que as figuras criminosas do furto e do roubo não se apartam, antes se compõem, por força da expressão
espécie. Furto e roubo são espécies de um gênero, posto que é comum o bem jurídico, por eles tutelado, bem jurídico esse, que abarca um conjunto de espécies diferenciadas, que nele se identificam.
Gentis continet differentiam potentia, non actu (Aluisius Peixoto Fortuna, «Lógica», pág. 237, Ed, Nova
Friburgo, 1947). O gênero contém
potencialmente as diferenças. As
espécies expressam-no na realidade. Furto, roubo, apropriação indébita, estelionato, extorsão, dano,
etc., são todos espécies diversificadas que se congregam na proteção
do gênero «patrimônio». E, como
espécies, destacam o gênero que
está presente em cada uma delas.
As diferenças entre as espécies
guardam, no entanto, gradações,
umas maiores, outras menores. E,
portanto, sob o ângulo dessas gradações, que umas espécies se aproximam e outras se distanciam. A
expressão mesma não significa
apenas e exclusivamente identidade.
A continuidade delitiva não ocorre somente na hipótese de crimes
idênticos, isto é, de crimes que caracterizam um
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supremo tribunal federal revista trimestral jurisprudência