Fábio Régio Bento Cidades de Fronteira e Integração Sul-Americana Conselho Editorial Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected] Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt ©2013 Fábio Régio Bento Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. B4465 Bento, Fábio Régio. Cidades de Fronteira e Integração Sul-Americana/ Fábio Régio Bento. Jundiaí, Paco Editorial: 2013. 92 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-334-4 1. Geografia 2. Relações Internacionais 3. Fronteira 4. Cidadania I. Bento, Fábio Régio. CDD: 327 Índices para catálogo sistemático: Comunidade Política Mundial - Política Exter327 na - Relações Internacionais Geografia da América do Sul IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal 918 Para Fabiana e Valentina, que vivem a fronteira. “O mundo tende à unidade.” (Chiara Lubich) Sumário Introdução.........................................................................9 CAPÍTULO 1 FRONTEIRAS E INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA....11 1. Estados e fronteiras......................................................11 1.1 Mudanças na compreensão do significado de fronteira...11 1.2 Cidades conurbadas de fronteira............................13 1.2.1 Integração de fato nas cidades conurbadas de Rivera e Santana do Livramento.........................................16 2. Integração paritária sul-americana...............................19 2.1 Tipos de integração................................................19 2.2 Da integração exclusiva e subordinacionista à integração inclusiva e paritária............................................21 2.3 Processo de construção da integração paritária sul-americana...............................................................23 2.3.1 Origens do subordinacionismo............................24 2.3.2 Do subordinacionismo à integração paritária.....26 2.3.3 União de Nações Sul-Americanas (Unasul).........28 Conclusão........................................................................35 Referências......................................................................36 CAPÍTULO 2 SEGURANÇA E DEFESA NAS FRONTEIRAS SUL-AMERICANAS........................................................41 1. Diferenças entre segurança e defesa...............................41 2. Segurança e defesa nas fronteiras sul-americanas..........44 2.1 Segurança e defesa de fronteiras na PDN e END.......51 Conclusão........................................................................56 Referências.......................................................................56 CAPÍTULO 3 FRONTEIRAS, SIGNIFICADO E VALOR......................61 1. Fronteiras – Significado e valor......................................61 1.1 Um mundo “sem fronteiras”?................................63 1.2 Fronteira filtro........................................................66 2. Características da experiência da integração de fato entre as cidades conurbadas de Rivera e Santana do Livramento.......69 2.1 Uma fronteira peculiar – Rivera e Santana do Livramento..............................................................69 2.2 Integração com diferenciação................................73 2.3 Diversidade, tolerância e integração.......................75 Conclusão........................................................................77 Referências.......................................................................78 CAPÍTULO 4 TURISMO E INTEGRAÇÃO REGIONAL......................81 1. Protagonistas da integração...........................................81 2. Turismo e Ideologia......................................................84 2.1 Gastronomia e integração......................................87 Refêrencias.......................................................................90 INTRODUÇÃO “Para que serve a integração?”, perguntou, contestando, um diplomata brasileiro em um debate sobre o tema, no Rio de Janeiro. Outro diplomata, também brasileiro, apresentou suas observações, defendendo a integração regional sul-americana. Um amigo, oficial do exército brasileiro, explicou-me que é integracionista por razões de nacionalidade: “A busca da integração, também na área de segurança e defesa, entre civis e militares, não significa negação do interesse nacional, mas defesa compartilhada do interesse nacional, pela defesa associada da América Meridional”. A integração regional sul-americana é fato e projeto protagonizado por civis e militares. Integração de vértice (governos) e integração de base, entre os povos. A integração precisa ser qualificada e ampliada, é projeto, mas já é, também, realidade, sobretudo, entre os povos fronteiriços que vivem cotidianamente a integração de fato nas cidades gêmeas e conurbadas das fronteiras sul-americanas. A integração que se pretende hoje entre Estados não é mais a integração subordinacionista do passado bipolar, mas a integração paritária nesse nosso contexto internacional caracterizado pela multipolaridade, com a organização de Estados por proximidade territorial e/ou afinidade de interesses. Em tal contexto, a OEA (1948) parece demonstrar que esgotou seu prazo de validade, sendo substituída pela Unasul (2008). Nesse livro queremos identificar o significado da integração paritária e analisar algumas questões relacionadas, como o tema da segurança regional, os sujeitos da integração regional, o turismo de integração como um dos instrumentos de integração regional de povos e governos no Sul (político e geográfico) do mundo. Fronteira Brasil-Uruguai, 28 de maio de 2013. 9 CAPÍTULO 01 FRONTEIRAS E INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA 1. Estados e fronteiras 1.1 Mudanças na compreensão do significado de fronteira Fronteiras físicas são criações dos Estados, bordas físicas, linhas de frente da soberania territorial dos Estados. Segundo Lia Osorio Machado, “o limite internacional foi estabelecido como conceito jurídico associado ao Estado territorial no sentido de delimitar espaços mutuamente excludentes e definir o perímetro máximo de controle soberano exercido por um Estado central” (2010, p. 60-61). Fronteiras não são criações intelectuais de pensadores de fronteiras, mas criações de Estados por meio de disputas militares e/ou diplomáticas de territórios. Na fase inicial de vida dos Estados, criam-se fronteiras como instrumentos de divisão territorial entre Estados diferentes, vizinhos, sendo elas com ou sem rios e montanhas. Início ou fim de territórios, o objetivo das fronteiras, em tal fase inicial da história dos Estados, é o de separar territórios de Estados com a demarcação de limites, que são manifestações físicas da soberania territorial de Estados. Fazem parte de tal fase da história dos Estados os tratados internacionais de limites e a demarcação dos limites territoriais, que estabelecem onde terminam e onde começam territórios de Estados diferentes e vizinhos. Nesta fase da vida do Estado, fronteira é lugar de afirmação de identidade, pela separação territorial e cultural com seus vizinhos de Estados limítrofes. 11 Fábio Régio Bento A fase estadocêntrica dos Estados é certamente necessária na formação e desenvolvimento de sua identidade nacional também por meio da afirmação da sua identidade territorial. Depois, por razões de fortalecimento de Estados, passa-se à fase de integração, mas nem sempre tal integração de Estados foi paritária, mas subordinacionista, como no caso da experiência da OEA (1948) que, como veremos, serviu mais para a expansão dos interesses estadunidenses na América. Todavia, com o fim da Guerra Fria e pela passagem do bipolarismo ao multipolarismo, novas possibilidades de integração entre Estados sul-americanos se desenvolveram. Novas formas de integração caracterizadas mais pela paridade do que pelo subordinacionismo, e buscando articulações regionais entre Estados vizinhos ou com afinidade de interesses. Assim, os interesses nacionais são defendidos também de forma compartilhada, pela integração paritária (por proximidade e/ou afinidade) entre Estados, por meio de instrumentos políticos de integração tais como, no caso do Brasil, o Mercosul (Mercado Comum do Sul) ou a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) – modelos de integração diferentes do modelo subordinacionista que caracterizou o período do bipolarismo1. É o Estado quem impõe o significado e função das suas fronteiras físicas. A lógica de fronteiras é a lógica de Estado. Na fase de integração regional, tal espaço-linha de separação (fronteira) passa a ser, também, espaço-possibilidade de integração entre populações fronteiriças de nacionalidades diferentes, de Estados aliados nos processos de integração regional paritária, com assimetrias, mas sem subordinacionismo. De espaço de divisão, separação física entre Estados, as fronteiras passam a ser vistas também como espaço privilegiado de integração paritária entre sujeitos de Estados diferentes e aliados. 1. A tipologia e definição de integração que utilizamos encontra-se no item sucessivo deste capítulo. 12 Cidades de Fronteira e Integração Sul-Americana A compreensão da função e significado das fronteiras, portanto, depende da compreensão dos objetivos dos Estados nas diferentes fases de sua história político-institucional: estadocentrismo, integração subordinacionista (mundo bipolar) e integração paritária (mundo multipolar). Em tempos de multipolarismo e integração paritária, cidades de fronteira, sobretudo as binacionais conurbadas, passam a ser vistas como laboratórios de integração de Estados por meio da integração das populações fronteiriças. No caso da fronteira seca, conurbada, entre as cidades de Santana do Livramento e Rivera, mesmo antes do Mercosul e Unasul, entre tais cidades a fronteira já era vivida como espaço de encontro e integração de fato entre sujeitos diferentes, e não apenas como linha-limite de separação territorial. Conforme citou Gladys Bentancor em um estudo recente, na percepção de fronteiriços de Santana do Livramento e Rivera, “aquí hay Mercosur hace mucho tiempo” (2010, p. 98). Neste sentido, a experiência das cidades conurbadas de Rivera e Santana do Livramento é uma experiência de vanguarda, visto que ali já havia a integração que se busca via Mercosul, mesmo antes de sua consolidação. Reconhecendo que se trata de uma experiência de vanguarda de integração paritária entre populações binacionais, o governo brasileiro, em novembro de 2009, declarou a cidade de Santana do Livramento como cidade símbolo da integração brasileira com os países do Mercosul (lei nº 12.095 de 19 de novembro de 2009). 1.2 Cidades conurbadas de fronteira As fronteiras podem ser habitadas, semi-habitadas ou desertas. A identificação do que seja uma cidade de fronteira é relevante também do ponto de vista econômico. Se forem usados conceitos alargados de fronteira na disputa, 13 Fábio Régio Bento por exemplo, de recursos públicos destinados ao desenvolvimento de cidades de fronteira, as cidades distantes mais de 100 km da fronteira podem vencer recursos em detrimento de cidades situadas na própria linha-limite de fronteira. O uso alargado do conceito de fronteira, com consequências políticas e econômicas do ponto de vista das políticas públicas para regiões de fronteira, decorre da compreensão do que seja faixa de fronteira e sua finalidade. A faixa de fronteira do Brasil com os países vizinhos, ao longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira, foi estabelecida em 150 km de largura (Lei 6.634, de 2/5/1979), ratificada pela nossa atual Constituição Federal. Ocorre que tal faixa de fronteira foi estabelecida por razões de segurança nacional. Na faixa de fronteira estão 588 cidades brasileiras (MIN, 2005, p.11). Porém, deste total, quais são as que estão na fronteira e quais são as que estão próximas à fronteira (até 150 km das fronteiras) ? Pelo uso do conceito alargado de faixa de fronteira, cidades distantes da linha de fronteira, porém mais organizadas politicamente e com mais contatos em Brasília (onde nem sempre funcionários do Estado sabem o que seja mesmo fronteira), em tese poderiam vencer disputas de recursos públicos em detrimento de cidades que estão situadas na própria linha de fronteira, estabelecendo relações diárias de integração com cidades de fronteira dos países vizinhos. Entre as 588 cidades brasileiras situadas na faixa de fronteira estão as cidades-gêmeas de fronteira, que são as que possuem uma cidade correspondente do outro lado da fronteira brasileira. Porém, como constatou a pesquisadora Lia Osorio, a denominação “cidades-gêmeas” é aplicada aqui de maneira bastante livre, uma vez que no caso da fronteira internacional brasileira compõem arranjos espaciais bastante diversificados. Dificilmente apresentam tamanhos urbanos similares, inclusive em alguns ca- 14 Cidades de Fronteira e Integração Sul-Americana sos um dos núcleos na divisa não chega a ser uma “cidade”, não estão necessariamente em fronteiras secas ou formam uma conurbação; podem não ocupar posições simétricas em relação à divisa. (2010, p. 66) Entre algumas cidades consideradas gêmeas de fronteira, há distâncias significativas, ou há rios sem pontes separando as cidades, ou mesmo rios largos com pontes longas, que não permitem a mesma movimentação populacional interfronteiriça que ocorre em outras cidades-gêmeas de fronteira, caracterizadas pela conurbação e transbordamento cotidiano interfronteiriço. Entre as cidades da faixa de fronteira, as cidades-gêmeas são mais especificamente de fronteira, mas entre as cidades-gêmeas de fronteira, algumas são ainda mais propriamente de fronteira, as cidades conurbadas, situadas na linha-limite da fronteira seca, conurbadas com as cidades correspondentes do lado de lá da borda territorial brasileira. Nas cidades conurbadas de fronteira, a linha-limite é atravessada cotidianamente pelos cidadãos dos dois Estados que ali vivem, sendo de fato cidades-laboratório de integração por esses deslocamentos binacionais recíprocos, diários, de ida e volta. No caso da fronteira entre o Brasil e o Uruguai, entre as seis regiões de cidades-gêmeas, temos três de fronteira seca com cidades conurbadas: Chuí-Chuy; Aceguá-Acegua; Santana do Livramento-Rivera2. Nestas três regiões de cidades conurbadas de fronteira não há barreiras físicas de interrupção (rios, montanhas) e há integração de fato, o que não significa ausência de conflitos, mas ausência de ruptura na integração cotidiana, permanente entre esses sujeitos coletivos de nacionalidades diferentes. Vejamos alguns dados sobre uma dessas três regiões de fronteira seca conurbada com transbordamento interfronteiriço cotidiano. 2. As outras três regiões de cidades-gêmeas são: Jaguarão-Rio Branco; Quaraí-Artigas; Barra do Quaraí-Bella Unión. 15