APRESENTAÇÃO
Fronteiras, limites, conhecimento e gestão de territórios. Eis os temas
que unem - sob forma literal ou metafórica - os trabalhos que compõem o
presente número da revista Território.
No artigo de abertura, Lia Osório Machado discute esses temas sob
o enfoque da geografia política. Lembrando que o conceito de limite navega
nos mares da alta política e da alta diplomacia, e que o de fronteira pertence
ao domínio dos povos, a autora nos oferece uma instigante análise da relação
entre rerritório, fronteira e limite em dois períodos cruciais da história brasileira:
a era pombalina e o momento atual. Por trafegar no túnel do tempo, mostranos também como o entendimento dessa relação se transformou através da
História, evoluindo de uma concepção geopolítica clássica, em que limites e
fronteiras eram relativamente fixos e definidos pela posição estratégica dos
"lugares" e das "fronteiras naturais", para a concepção atual, orientada pelo
meio técnico-científico-informacional,
em que a economia cada vez mais se
sobrepõe à natureza e à política. Conseqüentemente, as fronteiras adquiriram
hoje uma mobilidade que nunca tiveram, e os limites, sobretudo entre o que é
considerado legal e ilegal pelos Estados, grande plasticidade.
Nilson Crócia de Barros também trata de territórios e fronteiras. Só
que percorre os caminhos que a geografia cultural moderna denomina de
geografias imaginativas. Tomando como exemplo empírico as representações
que viajantes, administradores e escritores deixaram das "terras do Rio Branco" nos últimos 400 anos, o autor demonstra que os "arquétipos espaciais" que
lemos hoje de Roraima, apesar de forjados por indivíduos tão diversos como
Walter Raleigh, Conan Doyle e Mário de Andrade sustentam-se sobre conceitos similares c notavelmente estáveis no tempo, tais como remoticidade,
atratividade, perigo, encantamento, desilusão e muitos outros. Conclui então
que as imagens c representações culturais de Roraima são resultado da
interpenetração de forças que emanam de dois eixos basilares: em primeiro
lugar, do "sítio a ser representado", que diz respeito ao lugar geográfico em si;
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em segundo, do "sítio cultural, geográfico, político, teórico" daqueles que produziram esses imagens e representações.
É também sobre uma região de fronteira, neste caso econômica e ecológica; que Gerd Kohlhepp e Markus Blumenschein se debruçam. Enfocando
as políticas de desenvolvimento regional implantadas pelo governo brasileiro na
região do cerrado, os autores identificam dois momentos importantes de análise, caracterizados por conjunturas de boom e de "crise". Destacam, outrossim, o papel fundamental desempenhado pelos migrantes vindos do sul do
Brasil nas transformações estruturais (econômicas, políticas e culturais) que
vêm ocorrendo na região nas últimas décadas, identificando, entretanto, variações significativas no padrão de inserção desses migrantes a suas novas
realidades. Alertam, finalmente, para a situação de vulnerabilidade social e
ecológica que a rápida modernização agrária produziu no Centro-Oeste brasileiro.
A contribuição de Marcelo Lopes de Souza trata também de limites e
de fronteiras, só que em sentido figurado. A partir de críticas que faz ao
"planejamento regulatório clássico", que vê como autoritário, e ao "planejamento empresarialista", que considera ser uma negação "pela direita" do primeiro,
o autor discute o atual "planejamento politizado" brasileiro, derivado do ideário
da Reforma Urbana, e reconhece nele uma série de avanços. Acredita, entretanto, que também este último vive uma situação de impasse, pois ainda está
eivado de tecnocratismo. Propõe, então, a transposição desse limite e o avanço
em direção a novas fronteiras. Nesse caminhar, sugere que se tome como guia
a Filosofia de Cornelius Castoriadis, pensador que contribuiu significativamente
para a "refundação" da democracia ao interpretá-la como a resultante de dois
tipos de autonomia: a coletiva - definida como "o consciente e explícito
autogoverno de uma sociedade" - e a individual- vista como "a capacidade dos
indivíduos particulares de realizarem escolhas em liberdade, com responsabilidade e conhecimento de causa". Para o autor, a defesa da autonomia, assim
concebida, deve ser o objetivo principal do planejamento e gestão urbanos.
Como Castoriadis jamais operacionalizou sua Filosofia, e nem era esse seu
objetivo, é esse o rumo que o autor então persegue na parte final do trabalho,
quando discute, de maneira aprofundada, os possíveis constructos, princípios e
parâmetros que orientariam um planejamento autonomista.
Outra discussão relativa ao planejamento e à gestão nos é oferecida por
Gisela Pires do Rio. Desta feita, entretanto, o que interessa analisar é a
trajetória de uma grande corporação, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
e as decisões por ela tomadas no sentido de expandir seus limites de atuação
e de penetrar em novas fronteiras organizacionais. Da integração vertical a
jusante (mina-ferrovia-porto), que caracterizou sua atuação nos anos 40 e 50,
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passando pela fase de diversificação geográfica e horizontal dos anos 60 e 70,
já há algum tempo que a empresa vem priorizando a "exploração de sinergias"
como objetivo fundamental. Perfeitamente integradas ao planejamento e gestão
da CVRD, as empresas a ela coligadas sempre acompanharam suas decisões
estratégicas. Este é o caso da Celulose Nipo-Brasileira (CENIBRA), cuja
atuação ao longo do tempo é analisada em detalhe no artigo.
Encerrando este número, Roberto Lobato Corrêa nos brinda com um
excelente ensaio em que propõe que avancemos sobre uma fronteira intelectual
desenhada por Milton Santos há mais de vinte anos, mas pouco desbravada
desde então. Trata-se de investir no desenvolvimento teórico e na aplicação
empírica do conceito de formação espacial, ferramenta de grande potencial
para a análise geográfica, sobretudo para a Geografia Regional, pois permite
"que se considere processos, funções e formas em suas contradições espaçotemporais diferenciadas mas, ao mesmo tempo, ... integradas". Contribuindo
nessa direção, o autor focaliza a rede urbana brasileira e desenvolve a tese de
que coexistem hoje no Brasil três formações espaciais distintas, mas integradas
entre si, que constituem, no conjunto, uma "diversidade na unidade".
Mauricio de Almeida Abreu
Departamento de Geografia - UFRJ
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