Os honorários de sucumbência e o projeto do novo CPC
Por José J. Gimenes, Rony Ferreira e Marcos Moraes
Fonte: Valor Econômico
Entidades ligadas à advocacia lideram um movimento que tem por bandeira o bordão
"honorários não são gorjetas". O movimento coincide com o projeto do novo Código de
Processo Civil (CPC), em debate na Câmara Federal. O assunto, especialmente a nova
regulamentação proposta no artigo 87 do projeto, tem importantes repercussões para a
sociedade e deve ser amplamente debatido.
Honorários advocatícios dividem-se em dois: honorários contratuais, combinados entre
o advogado e o cliente, como retribuição pelo trabalho; e honorários de sucumbência,
fixados pelo juiz na sentença, historicamente explicitado na exposição de motivos do
CPC em vigor como "princípio do sucumbimento, pelo qual o vencido responde por
custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor", e assim estabelecido no
artigo 20 do atual CPC.
A titularidade dos honorários contratuais é do advogado. A titularidade dos honorários
de sucumbência é naturalmente da parte vencedora do processo, como indenização pelo
que gastou com seu advogado. É fixada pelo juiz na sentença e pode ser objeto de
recurso, para elevação ou diminuição. O motivo do movimento são os honorários de
sucumbência, muitas vezes criticados como irrisórios. Há decisões de tribunais
elevando e outras reduzindo honorários de sucumbência, como costuma ocorrer no
mundo jurídico.
Os honorários de sucumbência têm sido objeto de apoderamento. O Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), aprovado em 1994, lançou cinco normas no sentido de
transferir a verba para o advogado. O artigo 21, em seu parágrafo único, e o parágrafo
3º do artigo 24, mais aplicáveis aos advogados empregados, foram limitados pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) nº
1.194. Os artigos 22 e 23, mais aplicáveis aos advogados autônomos, foram salvos do
julgamento de inconstitucionalidade por força de preliminar processual salvadora:
pertinência temática. Esses dois artigos, ainda não julgados pelo Supremo, estão
aguardando iniciativa de órgão defensor dos direitos difusos dos jurisdicionados, o
Ministério Público.
O novo CPC transfere os honorários de sucumbência para o advogado
No mencionado julgamento, ministros do Supremo confirmaram que os honorários de
sucumbência pertencem ao vencedor do processo e destacaram a sua função
constitucional como parte essencial do devido processo legal substantivo. É
emblemática a explicação de um dos ministros, acompanhando votos de colegas: "Os
dispositivos impugnados, ao disciplinarem que a verba de sucumbência pertence ao
advogado, não promovem propriamente a "rule of law", mas o "rule of lawyers". Com
isso, não se incrementa a proteção judiciária, mas apenas se privilegia certa classe de
profissionais que devem atuar sempre em interesse da parte que representa".
Agora é o novo CPC que está sendo aparelhado. Uma mudança sutil no artigo 87
transfere os honorários de sucumbência para o advogado, no mesmo sentido do Estatuto
da OAB. Se aprovada, o advogado do vencedor passará a receber duas remunerações, os
honorários contratuais e mais um honorário imposto por lei, uma espécie de tributo
corporativo sem sustentação constitucional. Por outro lado, o vencedor do processo fica
sem ressarcimento do que gastou com seu advogado (normalmente 20%), recebendo
somente 80% de seus direitos, ferindo mortalmente os princípios da reparação integral e
do devido processo legal substantivo, arranhando a própria legitimidade do Judiciário.
Têm aparecido ideias salvadoras para justificar o avanço sobre a verba dos
jurisdicionados, inclusive decisões isoladas, sem fundamento constitucional, no sentido
de criação de um segundo honorários de sucumbência para ressarcimento do vencedor
do processo. A solução aventada, além de estar no mundo das possibilidades teóricas e
não constar de lei, oneraria demasiadamente o vencido no processo, que teria de pagar
duas vezes a mesma verba e elevaria injustificadamente os custos judiciais, o "custo
Brasil", sendo totalmente incompatível com o sistema jurídico em vigor.
O projeto também prevê cumulação dos honorários de sucumbência por instâncias e
fases do processo, inclusive na execução não resistida, podendo chegar a 25% na fase de
conhecimento e mais um tanto na fase de execução. É até razoável a ideia da cumulação
por instância e execução, em favor da parte vencedora do processo, para evitar recursos
procrastinatórios e também porque os contratos de honorários normalmente preveem
acréscimo para o caso de recursos a tribunais. A pretensão, entretanto, parece exagerada
e pode resultar em valores ilegítimos. Como está no projeto, os honorários podem
chegar a 65% da causa: 25% na fase de conhecimento, 20% na fase de execução e mais
20% de honorários contratuais, por exemplo.
Por fim, o projeto prevê uma espécie de tabela para os honorários de sucumbência
contra a Fazenda Pública. O "tabelão" tira a liberdade do juiz de julgar conforme as
peculiaridades do caso concreto, tomando em consideração somente um aspecto da
demanda, o valor, podendo levar a honorários ilegítimos em casos de ações milionárias
ou repetitivas, já definidas nos tribunais superiores, onde o maior trabalho é esperar o
andamento do processo.
A modernidade, a transparência e o princípio da reparação integral indicam outra
solução: o advogado combina seus honorários com o cliente, junta o contrato no
processo e pleiteia, em favor de seu cliente, além da pretensão principal, o
ressarcimento integral do valor que seu cliente gastou com honorários. Ocorrendo
conflito sobre o valor da sucumbência, o juiz decide. Descontentamentos e alegações de
honorários irrisórios, ou exagerados, resolve-se por recurso no próprio processo, como
sempre tem acontecido.
José Jácomo Gimenes, Rony Ferreira e Marcos C. R. Moraes são juízes Federais no
Paraná
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