FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP
CURSO DE DIREITO
LUDWIG SOUZA DE LUCENA
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ERRO
MÉDICO E DO DANO ESTÉTICO
JOÃO PESSOA
2010
LUDWIG SOUZA DE LUCENA
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ERRO
MÉDICO E DO DANO ESTÉTICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito, pelo Curso de
Graduação em Direito da Faculdade de Ensino
Superior da Paraíba - FESP. Área de
concentração: Direito Civil.
Orientadora: Ms. Luciane Gomes.
João Pessoa
2010
L935r Lucena, Ludwig Souza de
Responsabilidade civil decorrente do erro médico / Ludwig Souza de
Lucena – João Pessoa, 2010.
47f.
Orientadora: Prof.ª Luciane Gomes
Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior
da Paraíba – FESP.
1. Responsabilidade Civil 2. Erro Médico I. Título.
BC/FESP
CDU: 347:56:61(043)
LUDWIG SOUZA DE LUCENA
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ERRO
MÉDICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito, pelo Curso de
Graduação em Direito da Faculdade de Ensino
Superior da Paraíba - FESP. Área de
concentração: Direito Civil.
Resultado__________________________________________
João Pessoa, 07 dezembro de 2010
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Titular_________________________________________
Luciane Gomes - FESP
Prof. Titular_________________________________________
Adriano Mesquita Dantas - FESP
Prof. Titular_________________________________________
Eduardo de Albuquerque Costa - FESP
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiramente a
Deus, pois sem Ele, nada seria possível e não
estaríamos aqui reunidos, desfrutando, juntos,
destes momentos que nos são tão importantes.
Aos meus pais, Fátima e Benício;
pessoas estas de fundamental importância na
minha vida, apesar de estarem longe, mas se
fazem presente em todo momento não,
medindo esforços, dedicação e compreensão,
em todas as estações desta e de outras
caminhadas.
A minha prima Kaline, que por sua vez
vem fazendo parte de minha vida de forma
intensa, auxiliando na construção do saber e
mostrando confiança e credibilidade em
minha pessoa.
AGRADECIMENTOS
À minha estimada orientadora Luciane
Gomes, que com todo o seu conhecimento
didático e profissional da área pôde auxiliarme em todas as minhas dúvidas e anseios, com
muito carinho, humildade. Obrigada por ter
sido muito prestativa comigo quando precisei.
À professora Neusa Monique pelo apoio
didático e teórico na elaboração do presente
trabalho.
Aos demais idealizadores, coordenadores
e funcionários da FESP – FACULDADES.
A todos os professores pelo carinho,
dedicação e entusiasmo demonstrado ao longo
do curso.
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso tem por escopo explicar as circunstâncias em que
se pode atribuir a responsabilidade civil ao médico, abordando das características até o
enquadramento específico na responsabilidade em que o profissional liberal se emoldura. Em
um primeiro momento, buscou-se as fontes doutrinárias, com vistas a abrangência e analisar
as aplicações da responsabilidade civil. Por conseguinte, utilizou-se de doutrinadores e
estudiosos para analisar, em específico, a responsabilidade civil do médico decorrente de seu
erro, ou seja, nas situações em que o erro médico se configura e quando o profissional poderá
ser responsabilizado por seus atos. O trabalho tela, no tocante ao seu tema chave, está inserido
no âmbito do Direito Civil, já que se trata de uma relação humana existente entre indivíduos,
aonde aquele que causar dano a outrem estará obrigado a indenizá-lo ou repará-lo. Em
contrapartida, discute-se se a responsabilidade do médico é objetiva ou subjetiva, ou melhor,
se independe ou não da culpa. Destarte, faz-se alusão ao Código de Defesa do Consumidor
que, por sua vez, veio tratar do tema de forma especial, trazendo uma exceção no tocante à
responsabilidade civil para o profissional liberal. Na sequência, o estudo apresenta, no que
atine ao dano estético, julgados e entendimentos dos Tribunais quanto ao seu resultado, de
modo a demonstrar se a responsabilidade civil é de meio ou de resultado. Finalmente, o
presente trabalho procura despertar o leitor a formar sua própria opinião acerca da
responsabilidade civil do médico e sua consequente obrigação de reparar, ou não, o dano
causado.
Palavras-chave: Responsabilidade. Civil. Erro médico.
ABSTRACT
This monograph work is scoped to explain the circumstances under which it can be fit the
civil liability of the physician, addressing features to fit specifically on what responsability the
liberal professional can be ajusted. In the first instance, it was held a search for doctrinal
sources to cover and detail the civil liability. Therefore, it was used other doctrines and
studies to cover, specifically, the civil liability of the physician due to his error, in other
words, in situations where there is a medical error and when the doctor will be liable for his
acts. The study, in what concerns its main subject, is inserted under the sphere of the Civil
Law, since it is a human relationship that exists between individuals, where that who causes
harm to others will be obliged to compensate it. If however, it is judged if the physician
liability is objective or subjective, or rather if there is fault or not. Thus, referring to the Code
of the Consumer Protection, which on its turn came to deal with the subject in a special
manner bringing an exception in what concerns the liability of the liberal professional. So, it
comes also to show a part related to the esthetic damage through trial and understanding of
the courts related to its results, in other words, if the civil liability is a mean and not a result.
Finally, this monograph work proposes the reader to form his own opinion regarding the civil
liability of the physician and the consequent obligation to repair, or not the damage caused.
Keywords: Liability. Civil. Medical Malpractice.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................8
1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL....................................................................................10
1.1 CONCEITO .........................................................................................................................10
1.2 TEORIAS: SUBJETIVA E OBJETIVA .............................................................................11
1.3 NEXO DE CAUSALIDADE ..............................................................................................12
1.4 ASPECTOS: CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ...............................................15
1.5 DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: LATO E STRICTO SENSU ..........................16
1.6 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA ...........................................................................18
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA ..................................................................20
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...........................................................................................20
2.2 DA NEGLIGÊNCIA, DA IMPRUDÊNCIA E DA IMPERÍCIA .......................................24
2.3 DA OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO ..........................................................26
2.4 DA IATROGENIA..............................................................................................................31
3 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE MÉDICA34
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...........................................................................................34
3.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA DE CONFORMIDADE COM O CDC....35
3.3 DA RELAÇÃO MÉDICO E PACIENTE ENQUANTO RELAÇÃO DE CONSUMO ....36
4 DO DANO ESTÉTICO PERPETRADO PELO MÉDICO E O CONSEQUENTE
DEVER DE REPARAÇÃO ....................................................................................................38
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................44
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................46
INTRODUÇÃO
Aumentam-se, no Brasil, os pleitos jurídicos impetrados por pacientes em face dos
médicos que lhes prestam atendimento. Tal motivo, aliado à importância da atividade
desempenhada por referidos profissionais, uma vez que lidam com os bens mais preciosos
protegidos pelo nosso ordenamento jurídico, quais sejam, a vida e a saúde, conferem
relevância ao presente trabalho monográfico.
Em um primeiro momento, o tema da responsabilidade civil do médico foi abordado
mais por autores médicos que por juristas, razão pela qual grande parte da doutrina tem se
notabilizado para conferir uma visão médica e não jurídica a este assunto. O tratamento
jurídico da responsabilidade civil no erro médico tinha sido o mesmo utilizado para os casos
da responsabilidade civil em geral, calcado no Código Civil que, inclusive, não tem um
ordenamento preciso.
Atualmente, contudo, esse cenário vem se modificando, mas tal mudança ainda é
tímida, não permitindo afirmar que existe uma doutrina tradicional sobre o tema. As
incertezas jurídicas sobre o assunto são verificadas, também, na jurisprudência, vez que se
depara com decisões judiciais diferentes sobre o mesmo caso, em que um juiz adota
determinada posição e o Tribunal a reforma, em grau de recurso, tomando outro
posicionamento.
Nessa
esteira,
será
feita
uma
sistematização
da
doutrina,
localizando
a
responsabilidade civil por erro médico dentro da legislação existente, bem assim apresentando
o posicionamento jurisprudencial encontrado.
Para tanto, o presente trabalho será dividido em uma abordagem geral no tocante à
responsabilidade civil, apresentando seu conceito e diferenciando as responsabilidades
subjetiva e objetiva, para, então, concluir qual destas é a mais adequada para a atividade
desenvolvida pelo profissional da medicina, adentrará nos aspectos contratual e
extracontratual e nas teorias admissíveis, dentre outros fatores que subsidiam a
responsabilidade civil.
Em seguida, trará estudo, em especifico, sobre a responsabilidade civil médica;
fazendo, a princípio, uma abordagem em geral, trazendo as modalidades da culpa:
negligência, imprudência e imperícia. Ademais, será apresentado o instituto da Iatrogenia, de
suma importância para o estudo da responsabilidade médica, mais notadamente para a fixação
do nexo de causalidade.
9
Indagações surgem, acerca da natureza jurídica da relação médico/paciente, quando se
trata de responsabilidade civil decorrente da atividade médica, razão pela qual será
apresentado o modo como a doutrina a aponta, demonstrando a posição de relação
consumerista, vez que encontra amparo no Código de Defesa do Consumidor, garantindo ao
paciente (consumidor) todos os direitos advindos da relação perpetrada com o médico.
Por fim, versará sobre o polêmico tema do dano estético, que gera discussões em todos
os âmbitos da sociedade, porquanto existem divergências entre os estudiosos da área no que
concerne ao tipo de responsabilidade do médico especialista em cirurgias estéticas, uns
defendendo ser de meio, outros, de resultado.
Essas são algumas das temáticas, que geram discussões acaloradas entre os
doutrinadores, e que serão, tanto quanto possível, desmistificadas no presente trabalho.
10
1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 CONCEITO
Ao se falar da responsabilidade civil, surgem inúmeras definições e conceitos, assim
como acontece com os demais institutos jurídicos, o que não significa dizer que uma definição
esteja mais correta que a outra ou que uma exclua a outra, apenas que foram adotadas visões
diferentes pelos doutrinadores.
A responsabilidade civil, por sua própria natureza, é um instituto amplo e complexo,
sendo tarefa impossível a pretensão de encerrar uma definição categórica, razão pela qual
serão trazidas apenas abordagens gerais acerca do referido tema.
Diante desta complexidade conceitual trazida pela temática, é de bom alvitre
transcrever a definição proposta pela doutrinadora Diniz (2003, p.34):
[...] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que
obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial caudado a terceiro em razão
de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou
animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição
legal (responsabilidade objetiva).
Por outro viés, Baptista (2003, p.59) elabora a seguinte definição do instituto da
responsabilidade civil, com base na Teoria Geral do Direito: “Podemos definir a
responsabilidade civil como a relação obrigacional decorrente do fato jurídico dano, na qual o
sujeito do direito ao ressarcimento é o prejudicado, e o sujeito do dever o agente causador ou
o terceiro a quem a norma imputa a obrigação”.
Diante das conceituações acima apresentadas, pode-se afirmar que a responsabilidade
civil é o instituto do Direito em que surge a obrigação de reparar um dano causado por um
sujeito a outro.
Em outras palavras, o instituto da responsabilidade civil tem o seu nascedouro da
violação de um dever jurídico anterior, e, deste desrespeito, ocorre dano a outrem e a
consequente necessidade de repará-lo.
11
1.2 TEORIAS: SUBJETIVA E OBJETIVA
Para explicar a responsabilidade civil, há duas teorias no direito pátrio: a primeira é a
teoria subjetiva, fundamentada na responsabilização através da culpa. Esse elemento
subjetivo, quando comprovado, ou mesmo presumido, faz surgir a obrigação de indenizar para
o agente causador do dano. No Código Civil, o tema responsabilidade civil está previsto nos
artigos 927 a 954, fazendo-se referência aos artigos 186, 187 e 188. Ademais, o art. 389 trata
da responsabilidade contratual.
A segunda teoria é a objetiva, conhecida também como teoria do risco, em que não é
levado em consideração o elemento culpa, sendo suficiente para dar ensejo à obrigação de
indenizar a existência da relação de causalidade entre a conduta e resultado danoso. Noutros
termos, pela teoria objetiva não há que se falar em culpa, o sujeito responde objetivamente
pelo dano, sendo necessária somente a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta
do agente e o dano perpetrado.
Enfatize-se que o Código Civil, especificamente no seu art. 186, ao determinar que
comete ato ilícito aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência
causa dano a outrem e, portanto, fica obrigado a indenizar o prejudicado, agasalhou a teoria
subjetiva, sendo, portanto, a responsabilidade subjetiva a prevalente no nosso ordenamento
positivo, via de regra.
A regra, portanto, é a responsabilidade decorrente da culpa, não obstante a existência
da responsabilidade objetiva. Portanto, de regra, para que alguém seja obrigado a indenizar, é
indispensável a comprovação do elemento subjetivo, consubstanciado em uma de suas três
facetas: imprudência, negligência e imperícia.
É de bom tom mencionar a lavra do mestre Pereira (2001, p.11), in verbis:
A culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral definidor da responsabilidade,
aplicando a doutrina do risco nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão
provém de situação criada por quem explora a profissão ou atividade que expôs o
lesado ao risco do dano que sofreu.
O entendimento esposado, denota o que já foi exposto, no sentido de que a
responsabilidade civil é a regra, a objetiva, a exceção.
12
O professor Sharp (1998), em Dano moral, leciona que:
No centro da teoria objetiva repousa a idéia de que aquele que extrai proveito
(cômodos ou bônus) de uma atividade sujeita a certos riscos naturais deve suportar a
responsabilidade (incômodos ou ônus) dela decorrente. Daí o aforismo: ubi
commodus, ibi incommodus. O fundamento da responsabilidade desloca-se do
entendimento ético-jurídico e da determinação volitiva, pertinente à teoria da
culpa, para prestigiar o pressuposto da causalidade, realçado na teoria do risco
(risco-criado ou risco-proveito).
Nessa esteira, complementa Pereira (2001)
Não obstante o grande entusiasmo que a teoria do risco despertou nos meios
doutinários, o certo é que não chegou a substituir a da culpa nos sistemas jurídicos
de maior expressão. O que se observa é a convivência de ambas: a teoria da culpa
impera como direito comum ou a regra geral básica da responsabilidade civil e a
teoria do risco ocupa os espaços excedentes, nos casos e situações que lhe são
reservados.
As duas modalidades de responsabilização civil, a subjetiva e a objetiva coexistem no
ordenamento jurídico pátrio. É sabido que a responsabilidade com culpa prevalece sobre a
responsabilidade objetiva. Entretanto, isso não implica que esta última não exista, significa
apenas que a teoria objetiva se aplica a um número reduzido de casos, previstos em lei. Esse
tipo de responsabilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se disposto em diversas
legislações especiais.
1.3 NEXO DE CAUSALIDADE
Depois de ter visto as teorias acima e antes de se aprofundar no estudo das
responsabilidades subjetiva e objetiva, passa-se a análise do nexo de causalidade, um dos
elementos indispensáveis para gerar obrigação de indenizar.
A relação de causalidade encontra sua razão de ser na própria natureza e não apenas
nos ensinamentos jurídicos, porquanto pelo decorrer natural dos fatos sabe-se que para toda
ação há uma reação, é principio universal da causa e efeito. O laço causal é, pois, a ligação de
uma conduta danosa a um resultado; é a conexão entre um fato (resultado) que se originou de
outro antecedente (conduta); desaparecendo este, aquele também deixaria de existir. A ligação
entre as duas extremidades – conduta e resultado – faz surgir a responsabilidade para o agente
causador do dano, seja ela subjetiva ou objetiva.
13
A responsabilidade objetiva se caracteriza independentemente de culpa, mas nunca
sem relação de causalidade, a qual está presente tanto na teoria objetiva quanto na subjetiva.
Admitir a responsabilidade do agente desconsiderando o nexo de causalidade, equivaleria a
promover a injustiça social, pois o individuo seria obrigado a indenizar um dano que não
ficou comprovado que foi por ele praticado, pois não haveria vínculo entre o resultado danoso
e a conduta do agente.
Se o fato que gerou o resultado é de simples constatação, compreende-se a questão
mais facilmente, não surgindo dúvidas acerca do vínculo existente entre a ação (conduta) e a
reação (resultado). Por outro lado, a solução acerca do nexo de causalidade não é tão simples,
especialmente quando concorrem mais de uma causa possível para determinado resultado, ou
seja, da multiplicidade de condutas deve-se verificar qual foi a que, de fato, gerou o evento
danoso.
Neste contexto, surgiram diversas teorias que tentaram solucionar as situações de
existência de concausas, com o fito de determinar o liame causal entre o resultado e
determinada conduta, tais quais as teorias do equilíbrio, da causa eficaz, da equivalência dos
antecedentes, da causalidade adequada, dentre outras. Não se visa explanar todas as teorias
acima apontadas, pois algumas já não são mais utilizadas, razão pela qual a análise será
adstita às teorias da equivalência dos antecedentes e da causalidade adequada.
Na teoria da equivalência das condições, também denominada de teoria da
equivalência dos antecedentes ou teoria da condição simples ou generalizadora, são relevantes
todos os antecedentes causais que derão origem ao resultado, pois a eliminação de algum
deles comprometeria a existência do evento final. De tal forma, não há que se questionar
acerca da hierarquia entre as concausas, ou seja, qual delas é mais eficaz para a ocorrência do
evento, uma vez que todas, indistintamente, contribuíram para que o resultado se efetivasse.
O ordenamento jurídico brasileiro adota a aduzida teoria na esfera penal, na qual todos
os antecedentes que deram origem ao crime são equivalentes em relevância. O mestre Nucci
(2008, p. 196) dá o seguinte exemplo: “o fornecimento da arma do crime, mesmo em
atividade lícita de comércio, é causa do resultado (morte), porque sem a arma não teria havido
os tiros fatais”.
Por seu turno, a teoria da causalidade adequada, também conhecida como teoria das
condições qualificadas, estabelece que apenas é causa de determinado resultado aquela que
efetivamente o produziu, ou seja, deve-se ponderar qual das circunstâncias é adequada e
idônea para a produção do evento.
14
A doutrina ensina que não é suficiente que o fato ou causa tenha gerado, em concreto,
o resultado. É necessário que seja feita uma análise abstrata e, então, observar que a causa é
adequada à produção do evento.
Saliente-se que ordenamento jurídico pátrio adotou a teoria acima apontada na seara
cível.
A discussão que versa sobre a existências de concausas toma especial relevo no campo
da responsabilidade civil médica, em que pode haver ocorrências diversas passíveis de gerar o
resultado danoso, desvinculadas do atuar médico, que são as denomiadas intercorrências
médicas (evento inesperado e imprevisto que se sucede no decorrer do procedimento médico).
Daí a importância de se apontar a causa adequada, pois, sem ela, não há responsabilização.
Cumpre ressaltar, inicialmente, que se trata de teoria prevalente no Supremo Tribunal
Federal, também conhecida como teoria da interrupção do nexo causal. O insigne professor
Tepedino (2006) cita a lição de Agostinho Alvim, que diz: “A expressão direto e imediato
significa nexo causal necessário”, e, complementa o indigitado mestre: “O dano deve ser
consequência necessária da inexecução da obrigação”.
Alguns doutrinadores afirmam que, a despeito de as decisões se referirem à teoria da
causalidade adequada, na verdade, se utilizam da teoria do dano direto e imediato para aferir o
nexo de causalidade. Segundo esta teoria, para que exista responsabilidade do agente causador
do dano, é necessário que este decorra diretamente da conduta (ação ou omissão) daquele.
Frise-se, enfim, que independente da nomenclatura adotada – interrupção do nexo
causal ou teoria do dano direto e imediato, empregada pelo STF, ou, ainda, teoria da
causalidade adequada, utilizada pelo STJ – o importante é que, em ambos os casos, faz-se
necessária a identificação da causalidade adequada (nexo causal) entre a conduta e o resultado
para o estabelecimento da responsabilidade civil.
A obrigação de indenizar, em apertada síntese, nasce apenas quando o dano é efeito
necessário de determinada conduta. Nesta marcha, é de bom tom colacionar, uma vez mais, os
dizeres do mestre supramencionado, in verbis:
A tendência a uma interpretação evolutiva, aliás, encontra-se presente na jurisprudência brasileira, a tal ponto que, sob influência de todas as três correntes antes
mencionadas, os Tribunais fixam o nexo de causalidade de forma intuitiva,
invocando alternativamente a teoria da causalidade adequada, da interrupção do
nexo causal, e da conditio sine qua non, sempre na busca de um liame de
necessariedade entre causa e efeito, de modo que o resultado danoso seja
consequência direta do fato lesivo.
15
Em entendimento mais simplificado, a posição das Cortes brasileiras é a de que a
teoria da causalidade adequada liga-se à noção de necessariedade. Timbre-se que a
superveniência de causa relativamente independente é fator limitativo no abalizamento do
liame causal. Neste contexto, impende transcrever a lição do mestre Cavalieri Filho (2005,
p.85), que diz:
A causa superveniente, conforme já salientado por Agostinho Alvim e Aguiar Dias,
só terá relevância quando, rompendo o nexo causal anterior, erige-se em causa direta
e imediata do novo dano; vale dizer, dá origem a novo nexo causal.
A causa superveniente, portanto, que ensejar novo dano, não é vinculada ao nexo
causal anterior e importa em nova relação de causa e efeito.
Por fim, infere-se que, para que seja apontada a responsabilidade civil a alguém, é
indispensável a necessariedade da causa para a constatação do nexo causal. A causa que deu
origem ao dano deve ser, necessariamente, aquela adequada para o seu surgimento.
Ressalte-se que o dano causado a alguém é decorrente de uma conduta anormal
praticada por outra pessoa (culposa ou dolosamente). Na atividade médica, por seu turno, na
maior parte das vezes, o indivíduo (paciente) já está acometido por um mal (doença) que o
levará a um dano, cabendo ao médico curar-lhe ou atenuar-lhe o sofrimento. A
responsabilidade surge, portanto, quando o médico se furta desses cuidados ou o faz de
maneira desidiosa, como, por exemplo, quando comete um erro culposo de diagnóstico ou de
tratamento, gerando o dano.
Depreende-se, portanto, que o nexo causal é o elemento autorizador da
responsabilidade civil, pois vincula logicamente a ação ao resultado. Este fator é relevante
para a demonstração da culpa como causa e o dano ocasionado como efeito.
1.4 ASPECTOS: CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
Outros aspectos da responsabilidade merecem igual atenção, são eles: o contratual e o
extracontratual. Trata-se da origem, do fundamento que justifica a obrigação de indenizar a
parte lesada.
Quando há o desrespeito a um dever jurídico, nasce a responsabilidade pelo evento
danoso ou a obrigação de indenizar. O dever jurídico provém da lei ou do acordo de vontades
dos indivíduos envolvidos na relação, em outro dizer, de uma relação privada antes existente.
16
Aduzido dever jurídico pode emanar de uma relação contratual (responsabilidade
contratual) ou de imposição pelo ordenamento jurídico (obrigação extracontratual) e, quando
violado, acarreta a responsabilidade, dando ensejo à obrigação de reparar o dano
experimentado pela outra parte.
Enfatize-se, portanto, que quando o dever jurídico desobedecido por uma das partes
provier de preceito legal ou preceito geral do direito, a responsabilidade será do tipo
extracontratual ou aquiliana. Entretanto, se o dever jurídico violado se originar de um negócio
jurídico preexistente (contrato), trata-se de responsabilidade do tipo contratual, também
conhecida como decorrente de ilícito contratual.
Nesse sentido, as lições de Lira (apud CAVALIERI FILHO, 2005, p.38) destaca o
seguinte:
Se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela lei, o ilícito é
extracontratual, por isso que gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos
negócios jurídicos.
Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito
negocial comumente chamado ilícito contratual, por isso que mais freqüentemente
os deveres jurídicos têm como fonte os contratos.
Ilícito extracontratual é, assim, a transgressão de um dever jurídico imposto pela lei,
enquanto que ilícito contratual é violação de dever jurídico criado pelas partes no
contrato.
Desta feita, doutrinadores defendem a tese de que o Código Civil segue a teoria
clássica, ou dualista, pois agasalha, em seus dispositivos, tanto a responsabilidade contratual
como a extracontratual, albergando, portanto, a vítima de lesões decorrentes dos contratos,
bem assim dos deveres legais extracontratuais.
1.5 DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: LATO E STRICTO SENSU
Na responsabilidade subjetiva, é indispensável o elemento volitivo – culpa -. Assim,
não é suficiente a verificação da conduta, é necessário que esta seja culposa; somente, então,
surgirá a obrigação de indenizar. A conduta analisada isoladamente não enseja, de logo, o
dever de indenizar, faz-se mister comprovar o elemento volitivo no comportamento do agente,
o qual justifica a obrigação de reparar o dano.
A culpa pode ser estudada sob dois aspectos: culpa em sentido lato e culpa stricto
sensu.
17
O homem, ser social e gregário por natureza, está submetido às normas legais e
também às normas morais, tendo o livre arbítrio de respeitá-las ou não. No campo da
legislação, se o indivíduo pauta sua conduta de acordo com as leis, comportando-se conforme
o que determinam os dispositivos legais, estará situado no campo dos atos lícitos. Por outro
lado, se o sujeito desobedece às normas legais, comportando-se em desacordo com o que o
ordenamento jurídico impõe, estará na esfera dos atos ilícitos.
É da ideia de ato ilícito que desponta o elemento subjetivo culpa. A culpa em sentido
amplo abarca o dolo e a culpa stricto sensu. A conduta dolosa caracteriza-se pelo fato de o
agente, desde o princípio, desejar realizar o evento danoso, ou seja, ele se comporta de forma
a atingir determinado desiderato, qual seja, o fim antijurídico, ao passo que, na culpa em
stricto sensu, a conduta adotada pelo sujeito encontra-se dentro do campo da legalidade, ou
seja, é lícita, inexiste a pretensão de atingir um fim antijurídico, mas este surge devido ao tipo
de comportamento ou posturas assumidas pelo indivíduo, dividindo-se em: imperícia,
imprudência e negligência. Conceituando sinteticamente, a negligência consubstancia-se na
ausência do cuidado exigido para determinada situação, é o oposto de diligência; a
imprudência, outra modalidade de culpa, consiste na ausência de cuidado efetivada por uma
conduta comissiva, é a falta de prudência no atuar médico e, por fim, a imperícia
consubstancia-se na falta de conhecimento técnico, experiência e habilidade para o exercício
da medicina.
Nesse passo, vale destacar a lição do ilustre Cavalieri Filho (2005), em sua obra
Programa de responsabilidade civil, in verbis:
Diferentemente do dolo, a culpa não é vontade de praticar determinado ato ilícito. É,
antes, a vontade de praticar ato lícito, mas o agente, por não adotar a conduta
adequada, acaba por praticar ato ilícito. Vê-se, então, que há na culpa uma conduta
mal dirigida a um fim lícito; uma conduta inadequada aos padrões sociais; ato ou
fato que uma pessoa prudente e cautelosa não teria praticado. É imprevisão do
previsível por falta de cautela do agente. Há na culpa, em última instância, um erro
de conduta.
Frise-se que jamais se deve desprezar os outros elementos formadores da
responsabilidade de indenizar – o dano e o nexo causal -, como estudado linhas atrás.
Infere-se, portanto, que, ainda que o comportamento seja culposo, é indispensável que
se comprove o vínculo entre o dano e a conduta culposa, sem o qual o nexo causal é quebrado
e não gera a obrigação de indenizar.
18
1.6 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Os elementos da responsabilidade objetiva, semelhantemente aos da responsabilidade
subjetiva, são a conduta do agente, o dano e a relação de causalidade entre um e outro; em
ambas presume-se uma conduta ilícita. Porém, diferente da responsabilidade subjetiva, a
objetiva dispensa o elemento culpa, por tal razão também é denominada de responsabilidade
independentemente de culpa ou responsabilidade pelo risco.
Destaque-se que o elemento subjetivo pode estar presente na responsabilidade
objetiva, mas a discussão acerca da culpa é irrelevante para a aferição da obrigação de
indenizar, pois existirá sempre que houver nexo causal entre a conduta e o resultado danoso.
Portanto, é descabida qualquer análise acerca da teoria da culpa, nessa modalidade de
responsabilidade, sendo o autor da conduta danosa liberado da obrigação de reparar o dano
apenas nas hipóteses de rompimento do nexo causal, são elas: caso fortuito, força maior, fato
exclusivo de terceiro ou da vítima. Infere-se, portanto, que, de um lado, a teoria da culpa
fundamenta a responsabilidade subjetiva e, de outro, a teoria do risco dá apoio à
responsabilidade objetiva.
Existem divergências entre as duas teorias, mas é certo que ambas coexistem em nosso
ordenamento jurídico. A responsabilidade subjetiva é a regra. Dessa feita, excepcionalmente a
responsabilidade será do tipo objetiva, somente sendo admitida nas hipóteses expressamente
previstas em lei.
Como já afirmado acima, as teorias subjetiva e objetiva caminham juntas na legislação
pátria, sendo errôneo afirmar que a teoria do risco (objetiva) substituiu a teoria subjetiva.
Aquela foi construída pela doutrina e, posteriormente, inserida na legislação para resolver
alguns casos que são inatingíveis pela teoria subjetiva, onde, de regra, a aferição da culpa
seria inviável.
Apontam-se, na teoria objetiva, algumas classes no tocante ao risco, segundo a
doutrina, cabendo enfatizar as teorias: do risco profissional, do risco excepcional, do riscoproveito, do risco criado e a do risco integral, sobre as quais não será feita análise
aprofundada, por fugir do objeto deste estudo.
Entretanto, é importante explanar, ainda que sucintamente, acerca da teoria do risco
administrativo, plasmada na Constituição Federal de 1988, no art. 37, § 6°, com a seguinte
redação:
19
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Este artigo constitucional fundamenta a responsabilidade objetiva do Estado que, em
apertada síntese, cria a obrigação de indenizar pela atividade administrativa desenvolvida.
Portanto, o Estado responde objetivamente, ou seja, independentemente de existir culpa na
conduta dos agentes estatais, pelos danos por eles efetivados aos administrados, no exercício
das atividades estatais, cabendo-lhe direito de regresso contra esses mesmos agentes apenas
nos casos em que atuarem com dolo ou culpa.
Aludida previsão constitucional traz ínsita a ideia da possibilidade de se
responsabilizar objetivamente, não sendo único exemplo positivado. Cabe citar, igualmente, a
título ilustrativo, a responsabilidade objetiva na seara ambiental, decorrente de atividade
potencialmente danosa, a demonstrar nova tendência legislativa em determinadas atividades.
20
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inicialmente, cabe traçar a definição do que seja a medicina. Em tal sentido, laborou
bem Thomaz Júnior (1997, p.88):
A Medicina não só é a arte de estudar as doenças e fixar procedimentos curativos
necessários a fazer as pessoas voltarem ao estado saudável anterior ao mal que as
acometeu, como também a de estabelecer as formas e condutas preventivas
tendentes a evitar a eclosão de males e ataques à saúde.
Sobre esta temática, concluiu sinteticamente o mestre França (2001, p.19): “[...] a
finalidade da Medicina, em qualquer parte e em qualquer tempo, será sempre a mesma:
prevenir, aliviar, tratar e curar”.
No Código Civil de 1916, a responsabilidade civil médica era tema tratado em
dispositivo próprio, senão veja-se:
Art. 1.545: Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são
obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou
imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.
Em conformidade com a legislação civil atual, a responsabilidade médica é
genericamente considerada dentro do instituto plasmado a partir do art.927, do Código Civil.
Deve-se, portanto, adaptar o ali preceituado às particularidades da atividade médica. Neste
sentido, ensina Couto Filho e Souza (2008, p.11): “A responsabilidade civil médica é, pois, a
obrigação que tem o profissional da saúde de reparar um dano porventura causado a outrem
no exercício de sua profissão”. Quis o referido autor diferenciar responsabilidade do médico,
atuando como tal, da do médico como pessoa comum.
É necessário detalhar as atividades privativas dos médicos, a fim de que se possa
responsabilizá-los por eventos danosos por estes perpetrados. O denominado “ato médico” é
bastante criticado por envolver atividades que não são de exclusividade do médico, vez que
abrangem atividades de outros profissionais da área da saúde, como enfermeiros,
odontólogos, farmacêuticos, etc.
21
Castro (2005, p.81) faz o pertinente comentário:
A noção de ato médico tem evoluído profundamente, com rapidez e, em torno dele,
gravita a responsabilidade civil do médico. Com a enorme evolução da medicina,
conceituá-lo é tarefa árdua, mas, numa primeira aproximação, pode-se afirmar que é
aquele pelo qual uma pessoa qualificada, com conhecimentos biológicos e
fisiológicos, munido de uma técnica apropriada, coloca-se em posição de cuidar do
outro, com o objetivo de curá-lo.
Saliente-se também que a nenhum outro profissional é admitido o manejo contratual
da saúde humana, senão ao médico.
Mas essa noção tradicional vem, com o passar do tempo, se alargando e
aprofundando, em vários aspectos importantes.
A resolução CFM nº 1.627/2001, em seu art. 1º, destaca quais são as atividades
médicas:
Artigo 1º - Definir o ato profissional de médico como todo procedimento técnicoprofissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para:
I.
a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidades ou
profilaxia (prevenção primária);
II.
a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos
diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária);
III.
a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária).
§ 1º - As atividades de prevenção secundária, bem como as atividades de prevenção
primária e terciária que envolvam procedimentos diagnósticos de enfermidades ou
impliquem em indicação terapêutica (prevenção secundária), são atos privativos do
profissional médico.
§ 2º - As atividades de prevenção primária e terciária que não impliquem na
execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos podem ser atos profissionais
compartilhados com outros profissionais da área da saúde, dentro dos limites
impostos pela legislação pertinente.
Acerca da delimitação das condutas praticadas por médicos (atos médicos) doutrinou
com primor França (2001, p.80-1), sendo imprescindível a transcrição de passagem de sua
obra, para fins de averiguação da eventual responsabilidade médica:
[...] deve-se entender, na hora atual, como ato médico, todo esforço consciente e
organizado, traduzido por técnicas, ações e recursos em favor da vida e da saúde do
homem e da coletividade. [...] O ato médico pode ser genérico ou específico.
O ato médico genérico é aquele realizado por um agente de saúde que tenha como
proposta de ação a saúde individual ou coletiva. Assim, as atividades profissionais
do enfermeiro, do dentista ou do fonoaudiólogo não deixam de ser um ato médico
lato sensu.
Já o ato médico específico conceitua-se como utilização de meios e recursos para
prevenir a doença, recuperar e manter a saúde do ser humano ou da coletividade,
inseridos nas normas técnicas dos conhecimentos adquiridos nos cursos de medicina
e aceitos pelos órgãos competentes, estando quem o executa, supervisiona ou
solicita, profissional e legalmente, habilitado. Esse é o ato médico stricto sensu.
Desse modo, o ato médico específico seria um conjunto de práticas exercidas ou
supervisionadas de forma exclusiva pelos que estão legalmente habilitados ao
exercício da profissão médica, aceito e recomendado por instituições responsáveis
pela fiscalização da Medicina e pela capacitação cientifica formadora ou continuada,
22
sendo, portanto, de prescrição, realização e avaliação próprias do médico. Isso não
quer dizer que outros profissionais da saúde não possam complementá-lo, sempre
que se fizer necessário seu concurso, dentro das bases específicas de sua formação.
É o caso do fisiatra que completa o tratamento do seu paciente com a participação
do fisioterapeuta. Em suma, o ato médico específico está delimitado por um núcleo
conceitual que inclui a propedêutica e a terapêutica médicas, como atividade
estritamente privativas do médico.
Distingue o autor, com propriedade, os atos médicos em sentido amplo e estrito; este
de prática exclusiva dos profissionais da medicina, que mais interessam aos limites propostos
neste estudo.
A relação jurídica firmada entre o médico e o seu paciente é de natureza obrigacional,
portanto, apesar de o dispositivo acerca da responsabilidade situar-se no contexto dos atos
ilícitos, é importante que se saiba que não há dúvidas acerca da responsabilidade do
profissional da medicina, pois esta é de natureza contratual.
Quando o paciente procura os serviços do profissional da medicina, busca encontrar
uma solução para os seus males e, para isso, o indivíduo dispenderá certa quantia em dinheiro;
de outro lado, em contraprestação, o médico o diagnóstica e/ou o trata, instaurando assim a
relação contratual (paciente paga pelo serviço médico e o profissional o presta).
É relevante destacar que o médico, ao dar assistência ao paciente, assume obrigação de
meio e não de resultado. O profissional não está obrigado a alcançar a cura, mas a utilizar
todos os meios existentes e adequados para tal fim; o objetivo dele é a cura, mas não se
responsabiliza se não alcançá-la, desde que tenha se utilizado dos meios idôneos para o caso
concreto; utiliza-se, portanto, de todo o seu conhecimento para obter a cura do paciente, mas
não poderá dar a certeza de seu êxito.
Há de ressaltar, porém, a possibilidade de existir a responsabilidade médica sem
origem contratual, isto é, sem consentimento anterior, escrito ou verbal. É a hipótese de o
médico prestar socorro a alguém que esteja inconsciente. Por óbvio, este paciente não
manifestou nenhum ato de vontade no sentido de ser atendido por este ou aquele médico e,
neste caso, não há que se falar em contrato. Apesar desta situação hipotética, a relação
médico/paciente é, via de regra, de natureza jurídica contratual.
A responsabilidade do médico subsiste independentemente da existência de contrato,
bastando que a culpa seja demonstrada. Destaque-se que, mesmo havendo relação contratual,
verbal ou escrita, não cabe a culpa presumida em seara de responsabilidade médica, sendo
ônus do paciente a prova do elemento subjetivo, ou seja, deve provar que o médico agiu com
imperícia, imprudência ou negligência, para só então nascer a obrigação de indenizar do
23
profissional da saúde. Isto ocorre porque a obrigação ora tratada é de meio e não de resultado,
sendo, por tal motivo descabido o instituto da culpa presumida.
Neste sentido, citando mais uma vez o doutrinador Cavalieri Filho (2005, p.371-2),
encontram-se os ensinamentos a seguir:
Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o
doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência
médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os
poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda evidência,
é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de
acordo com as aquisições da ciência, para usar-se fórmula consagrada na escola
francesa. Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com
as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos.
Neste ponto, é relevante apontar a figura do erro profissional, que se distingue do
elemento culpa; esta é elemento da responsabilidade subjetiva, seja contratual ou aquiliana –
nesta hipótese, a obrigação é de meio – na qual se enquadra o médico.
A responsabilidade civil do profissional da medicina se apóia na ideia de culpa
provada. Portanto, para que o médico seja impelido a reparar o dano proveniente de sua
atividade, faz-se necessário que fique provado de forma cabal que ele incorreu em uma das
modalidades da culpa, quais sejam imprudência, imperícia ou negligência.
Relembre-se, entretanto, que existe a figura do erro profissional que não se confunde
com o elemento culpa, eis que esta se liga à falta de cuidado e diligência do médico no
desempenho de suas atividades, porquanto não tem a cautela de adotar os meios necessários
para o tratamento do paciente. Por outro lado, o erro profissional, também denominado erro
escusável, é aquele que ocorre independente do atuar médico, não é imputável, portanto, ao
médico, vez que decorre das limitações naturais da ciência médica. Neste caso, o profissional
adotou todas as cautelas necessárias para o desempenho de suas atividades, mas, ainda assim,
o dano ocorreu.
É imprescindível o entendimento de que o médico apenas responderá pelos danos que
resultarem de falta de atenção e técnica por ele adotada e não por fatores diversos, estranhos e
desvinculados do seu atuar e do seu conhecimento, como quando o organismo do paciente não
atende ou assume reações diversas às prescrições médicas.
Colaciona-se a lição do doutor Moraes (2002, p.38)
O erro existe, é intrínseco às deficiências da profissão e da natureza humana do
paciente e ocorre no exercício da profissão, mas a culpa não pode ser atribuída ao
médico - Tais erros são também chamados de escusáveis.
24
No que concerne à responsabilidade civil médica, cabe tecer alguns comentários
acerca das diferentes modalidades de culpa (imprudência, imperícia e negligência), o que será
avaliado no tópico seguinte.
Reitere-se que, provada a culpa do médico em seu atuar, qualquer que seja a
modalidade, independente do nível de gravidade, estará obrigado a reparar o dano causado,
incorrendo em responsabilidade civil subjetiva.
2.2 DA NEGLIGÊNCIA, DA IMPRUDÊNCIA E DA IMPERÍCIA
Neste momento, é interessante discorrer, ainda que de forma sucinta, sobre as
modalidades da culpa.
A negligência consubstancia-se na ausência do cuidado exigido para determinada
situação, é, pois, o oposto de diligência. Não observando o que deveria, o médico viola o
dever de cautela que lhe era exigido perante o procedimento desenvolvido para a cura ou
tratamento do paciente. Segundo Diniz (2003, p.619):
A negligência prende-se a um comportamento negativo por parte do facultativo, que
não se empenha no tratameno, não observa os deveres exigidos pelas circunstâncias,
não é diligente, não tem o cuidado solícito que a atenção ao paciente impõe. É não
fazer o que deveria ser feito.
Kfouri Neto (2003) traz o seguinte exemplo prático que caracteriza a negligência
médica: “médico que, diante de caso grave, permanece deitado na sala dos médicos,
limitando-se a prescrever medicamento, sem contato com o paciente, criança desidratada que
veio a falecer”.
A imprudência, outra modalidade de culpa, consiste na ausência de cuidado efetivada
por uma conduta comissiva, é a falta de prudência no atuar médico. Na lição de Carnelutti
(apud KFOURI NETO, 2003): “a imprudência é o contrário da prudência e prudência é
sinônimo de previdência; ‘iuris prudens, medicinae prudens’”.
Exemplo interessante envolvendo a negligência e a imprudência é trazido por Castro
(2005): “submeter um paciente a tratamento com penicilina por via parenteral (imprudência)
sem fazer previamente o teste para averiguar se o paciente era alérgico ao medicamento
(negligência)”.
25
Por fim, a imperícia consubstancia-se na falta de conhecimento técnico, experiência e
habilidade para o exercício da medicina. É a falta de perícia ou despreparo do profissional
para a atividade médica.
Impende destacar que não basta o profissional estar legalmente habilitado para o
exercício da profissão para isentá-lo de responder por atos culposos por imperícia. Médicos
existem que, a despeito da devida habilitação em dada especialidade, cometem condutas
imperitas que acarretam danos ao paciente. Por óbvio que não se exige do médico um
conhecimento universal, pois, pela velocidade do surgimento de novos conhecimentos e
informações, torna-se quase impossível para o médico dominá-los. Mas, dentro do limite do
possível, o profissional da medicina deve buscar aprimorar os seus conhecimentos, sendo isto
erigido ao status de princípio fundamento pelo novo Código de Ética Médica: Capítulo I
(Princípios Fundamentais), V: “Compete ao médico aprimorar continuamente seus
conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente”.
Encerrando o presente tópico sobre as modalidades da culpa, vale reproduzir, mais
uma vez, o ensinamento de Kfouri Neto (2003) que, ao citar Basileu Garcia, diz: “Consiste a
imprudência em enfrentar, prescindivelmente, um perigo; a negligência, em não cumprir um
dever, um desempenho de conduta; e a imperícia, na falta de habilidade para certos misteres”.
Com vistas a contextualizar a temática, transcreve-se abaixo decisão proferida pela 4ª
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação 994090356578,
julgada em 29/04/2010, cujo relator é o Des. Enio Zuliani:
[...] e porque não se cogita de erro cirúrgico, de resto, não localizado na perícia,
acentua-se que a causa do problema surgiu no pós-operatório - deficiência na
cicatrização com infecção. Nesse caso, sem necessidade e, muito menos,
obrigatoriedade de internação, o que afasta maior vigilância a respeito da exatidão
com as prescrições e orientações dadas ao paciente, desde os pequenos aos grandes
cuidados, não há como garantir ausência de intercorrências a comprometer um
resultado que é o esperado por ambos.
Depreende-se do julgado acima que o dano causado ao paciente não teve origem da
atuação culposa do médico, pois este adotou os cuidados necessários e as técnicas pertinentes
para o específico tratamento estético. A deformidade física, no entanto, surgiu devido a
intercorrências possíveis de acontecer e até previsíveis - porém, não desejadas - por ambos
(médico e paciente), isentando-o, dessa feita, da responsabilidade civil, porventura perquirida.
26
2.3 DA OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO
Conforme analisado em tópico anterior, doutrina e jurisprudência posicionam-se no
sentido de que a obrigação do médico é de meio e não de resultado. Afirmam que os
profissionais da medicina, quando do exercício de sua atividade, estão obrigados a utilizar
todos os meios adequados, conhecimentos e técnicas disponíveis pela ciência médica para o
tratamento do paciente, mas não têm o dever de alcançar a cura.
Nesse entendimento, posiciona-se Diniz (2003, p.191-193):
A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de
prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um
resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. [...]. Seu conteúdo é a própria
atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de
maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em
tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final. [...].
A obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do
devedor a produção de um resultado, sem o que terá o inadimplemento da relação
obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal sorte que a obrigação só
se considerará adimplida com a efetiva produção do resultado colimado.
É relevante anotar que a classificação da atividade médica como obrigação de meio e
não de resultado reflete-se em matéria processual, no que concerne ao ônus da prova. Na
obrigação de meio, em que o médico deve adotar todas as cautelas e medidas adequadas para
o bom andamento do procedimento, o ônus da prova recai sobre a parte lesada, a quem
incumbe demonstrar que o médico atuou com imprudência, negligência ou imperícia. Já na
obrigação de resultado, em que o esculápio tem o dever de alcançar a cura, a culpa é do tipo
presumida, havendo inversão do ônus da prova, sendo ônus do profissional provar que não
errou ou que houve alguma das causas de rompimento do nexo causal, com vistas a afastar a
imputação do resultado danoso.
Sobre a questão do ônus da prova, assevera o mestre Kfouri Neto (2003, p.169)
Portanto, na obrigação de meio o credor (o paciente) deve provar que o devedor (o
médico) não teve o grau de diligência dele exigível; ao contrário, na obrigação de
resultado, essa prova incumbe ao médico, visto recair sobre ele uma presunção de
culpa, que poderá ser elidida, mediante demonstração da existência de causa
diversa.
Acrescente-se, ademais, o julgamento da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, na apelação 994980059947, registrada em 11/08/2000, cujo relator foi o
Des. Ribeiro dos Santos, abaixo colacionada:
27
Como se sabe, a responsabilidade do médico por culpa é qualificada como de meio,
e não de resultado, pois ele não garante a recuperação plena do paciente, mas sim de
disponibilizar todos os esforços e conhecimentos comuns, advindos da ciência que
abraçou, como forma de propiciar a cura.
Não se espera dele o uso de técnica extraordinária, pois só alguns são dela dotados;
mas, para fins de culpabilidade, questiona-se tão somente de não olvidar aquelas
gerais, compatíveis com a profissão ou omitir-se em providência que a qualquer
facultativo se apresentava, clara e límpida, vale dizer, indiscutível.
Há grande celeuma no que concerne à especialidade médica da cirurgia plástica,
mormente a genuinamente estética, ou seja, a cirurgia estética embelezadora, diferindo-se da
cirurgia estética reparadora.
Antigamente, via-se na cirurgia estética embelezadora uma intervenção médica
desnecessária, por se tratar de mera vaidade do paciente, não possuindo nenhum
fim
terapêutico ou medicinal.
Couto Filho e Souza (2002, p.18) a esse respeito lecionam:
Hodiernamente, esta questão de outrora encontra-se pacificada, pois é dever da
medicina zelar pela saúde física e mental dos pacientes. Nesta marcha, não se pode
olvidar que mesmo alguém aparentemente perfeito, que se enquadre nos padrões
normais de beleza, e que deseje realizar certa cirurgia para modificar, por exemplo,
a mama, tornando-a menor, não esteja, em algum nível, sofrendo de um mal, ainda
que em órbita mental. Resulta que esse mal vai desde a angústia e a sofreguidão, por
achar-se com uma mama feia, até o profundo estado de depressão.
Portanto, não há de se raciocinar, em tempos atuais, que a cirurgia estética se
consubstancia em intervenção desnecessária, em cirurgia de luxo, que não possui
licitude. Ao contrário, é uma especialidade médica como outra qualquer, onde as
obrigações do cirurgião são iguais às dos demais médicos de diferentes
especialidades, como, por exemplo, as de aconselhar o cliente, acompanhá-lo antes e
após a cirurgia etc.
A dúvida anteriormente apontada se concentra no fato de classificar a cirurgia estética
como obrigação de meio ou de resultado.
Parte da doutrina adota a corrente que preceitua ser a cirurgia estética obrigação de
resultado, na qual a culpa é presumida e, portanto, ocorre inversão do ônus da prova.
Há outra corrente, porém, que considera a cirurgia estética como obrigação de meio,
semelhante às outras especialidades médicas, levando-se em conta que a cirurgia estética
também é passível de surgimento das mais diferentes intercorrências que estão alheias ao
atuar médico. A esse respeito doutrina um dos maiores expoentes do Direito Médico pátrio,
Kfouri Neto (2003, p.160):
28
Hodienarmente, não há dúvida que a cirurgia plástica integra-se normalmente ao
universo do tratamento médico e não deve ser considerada uma “cirurgia de luxo”
ou mero capricho de quem a ela se submete. Dificilmente um paciente busca a
cirurgia estética com absoluta leviandade e sem real necessidade, ao menos de
ordem psíquica. Para ele, a solução desssa imperfeição física assume um significado
relevante no âmbito de sua psique – daí se poder falar, ainda que em termos
brandos, como afirma Avecone – de “estado patológico”.
E mais adiante arremata:
Em qualquer situação, também ao cirurgião plástico é possível demonstrar a
interferência – no desencadeamento do resultado danoso – de fatores imprevisíveis e
imponderáveis, devido a aspectos subjacentes à saúde do paciente, que o médico não
conhecia, nem podia conhecer, mesmo agindo com diligência e acuidade. Noutras
palavras, seu objetivo frustrou-se pela superveniência de causas que ele não podia
prever, nem evitar.
Com respeito às posturas contrárias, a posição adotada no presente trabalho
monográfico é a de que a cirurgia estética, assim como qualquer área da medicina, se
enquadra na obrigação de meio; e, portanto, só existirá o dever de reparar o dano se a parte
lesada comprovar que o profissional agiu de forma culposa na produção do evento danoso.
Essa posição é mais coerente e sólida, conforme os argumentos que serão apresentados mais
adiante.
Sem dúvidas, um paciente, inconformado com o tamanho de seu nariz, que procura os
serviços de um cirurgião estético para diminuí-lo, deseja um resultado específico e não outro
Por outro lado, o cirurgião estético deverá se utilizar de toda a sua experiência,
conhecimento e técnica existente na ciência para alcançar o resultado desejado pelo paciente,
qual seja, diminuir o tamanho do nariz, assim como em qualquer outra especialidade da
medicina, em que o médico deve lançar mão de todo o conhecimento da medicina para atingir
o resultado pretendido. Igualmente ao que acontece com as demais especialidades, o atuar do
cirurgião estético que cause dano ao paciente, não alcançando o fim visado, somente gera a
obrigação de indenizar se houver prova cabal de que a insatisfação do paciente decorreu de
um mau procedimento adotado pelo esculápio devido a negligência, imprudência e imperícia.
Esse pensar parece ser o mais adequado, tendo em conta que, na cirurgia plástica
estética embelezadoras, assim como nas demais especialidades da medicina – sejam
terapêuticas, sejam cirúrgicas - há a possibilidade de ocorrer o que se chama de intercorrência
médica, que ocorre independente do atuar médico. É causa estranha ao procedimento adotado
pelo esculápio, destacando-se reações diversas desenvolvidas de organismo para organismo
ou provenientes da própria genética do cliente, o não respeito às prescrições médicas, etc.
29
Por óbvio que o profissional da medicina, especializado em cirurgias plásticas, assim
como qualquer outro profissional dessa área, tem o dever de informação precisa ao paciente,
ou seja, deve orientá-lo, instruí-lo, fazer recomendações, com vistas à prevenção de danos que
podem decorrer de eventos cirúrgicos, bem como esclarecê-lo acerca das consequências
adversas decorrentes do não cumprimento das prescrições médicas, antes e após o ato
cirúrgico.
Considerar como de resultado a obrigação na especialidade de cirurgia estética é
sustentar um preconceito, sem razão, em relação a esta; é tratar diferente aquilo que está
dentro de um mesmo sistema – a medicina. É, portanto, desconsiderar as próprias
peculiaridades orgânicas de cada indivíduo, pois o organismo de uma pessoa se comporta de
uma forma e o de outra reage de forma diferente, ainda quando submetidas ao mesmo
tratamento médico, utilizando as mesmas substâncias, o que também ocorre quando pacientes
se submetem à cirurgia estética, pois o sistema biológico de cada paciente reage de forma
diversa.
É insensato e injusto considerar o cirurgião plástico, de logo, culpado pelo eventual
dano causado ao paciente, somente pela simples alegação de que o resultado almejado não foi
alcançado. É colocar um peso muito grande nas costas desse profissional, que não pode
controlar as reações orgânicas individuais de cada paciente, devendo ser responsabilizado
apenas se agiu com negligência, imprudência ou imperícia, como, por exemplo, quado não
realiza todos os exames pré-operatórios para avaliar o risco cirúrgico de dado cliente.
Evidentemente que, aqui, não se pretende dar abrigo ao dano médico. A discussão gira
em torno de classificar a cirurgia estética como de meio e não como de resultado; não
desconsiderando o dano médico que deve ser penalizado. Sustenta-se o afastamento do
instituto da culpa presumida (obrigação de resultado) da atuação do cirurgião estético. É essa
a bandeira levantada e já adotada por parte do Judiciário.
Ressalte-se, ademais, que apesar de a discussão acerca do tipo de responsabilidade (de
meio ou de resultado) se concentrar mais na especialidade da cirurgia estética, outras
atividades médicas existem que parte da doutrina defende ser obrigação de resultado, tais
quais radiologia, anestesiologia, cirurgia refrativa para correção de miopia e, também, a
odontologia.
A linha de pensamento é a mesma, em todas as atividades acima apontadas é bastante
temerário e insensato responsabilizar o médico apenas pelo resultado alcançado, sem verificar
efetivamente o seu atuar, sem constatar se o profissional utilizou todos os meios necessários e
disponíveis pela ciência. Do contrário, dois pontos importantes são esquecidos: primeiro, não
30
leva em consideração que a medicina é limitada, não é uma ciência exata; aquilo que é
satisfatório para um paciente, pode não ser para outro. Segundo, desconsidera a
individualidade de cada um. O ser humano não é objeto inanimado, o organismo está em
constante interação com o tratamento ministrado, deferenciando-se de uma pessoa para outra.
A possibilidade de intercorrências, que vão além dos conhecimentos do profissional e
da própria ciência médica, permeia todos os ramos da medicina. Há, ainda, aquelas situações
que, embora comuns de acontecerem e até previsíveis, são inevitáveis, a exemplo do que
ocorre na natureza em que, por mais previsíveis que sejam alguns fenômenos, a força humana
não é capaz de impedi-los, como quando ocorrem vulcões, furacões, maremotos e terremotos,
que causam prejuízos e transtornos em determinadas regiões, causando, inclusive, a morte de
parte da população.
A título de exemplo, taz-se o caso do anestesista em que é impossível ao profissional
evitar uma parada cardíaca, em virtude do anestésico ministrado, de paciente cardiopata que
precise se submeter a uma cirurgia de urgência, sem a qual a morte é certa. Este é um
exemplo claro de risco a que o paciente deverá se submeter, a menos que opte por esperar
inerte pela morte, caso esteja consciente. O risco é previsível e esperado, mas não há nada que
o anestesista possa fazer para impedi-lo. O evento – parada cardíaca – poderá até nem
acontecer, dependerá da reação do organismo do paciente no momento da cirurgia, a despeito
de ser cardiopata.
Por tais razões é bastante importante refletir sobre as teorias da obrigação de meio e de
resultado que, em verdade, são construções doutrinárias e jurisprudenciais, não havendo
posicionamento legal no ordenamento jurídico pátrio.
Antes de enquadrar a atividade do profissional da medicina em uma das tipologias
desenvolvidas pela doutrina – de meio ou de resultado – importante se analisar a Lei 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor - CDC) que, em seu art. 14, §4º, excepcionou a atividade
do profissional liberal como sendo subjetiva, ou seja, trazendo a culpa como requisito
indispensável para a atribuição da responsabilidade. Essa temática será estudada mais
detalhadamente em tópico oportuno, sendo suficiente, por ora, trazer à tona apenas o caráter
subjetivo da atividade médica no CDC. Esse aspecto se coaduna com a proteção da dignidade
humana plasmada no art. 1º, III, CF, pois o profissional liberal, enquanto pessoa humana,
deve ser respeitado em sua dignidade, semelhantemente ao consumidor.
Alguns doutrinadores afirmam que o Código de Defesa do Consumidor deu menor
importância às atividades dos prestadores de serviços em geral, já que em relação a elas foi
adotada a responsabilidade do tipo objetiva, na qual basta a comprovação do nexo causal entre
31
a conduta (ação ou omissão) e o resultado danoso para nascer a obrigação de indenizar.
Contudo, a culpa presumida vai de encontro à proteção do princípio da dignidade da pessoa
humana do profissional da medicina, reduzindo suas possibilidades de combater as alegações
que lhes são imputadas.
Pelos argumentos acima expostos, infere-se que a discussão em torno de a obrigação
ser de meio ou de resultado não merece maior atenção, pois a própria lei já solucionou as
questões dos prestadores de serviços e a Carta Magna, ao trazer a proteção da dignidade da
pessoa humana, resolve a responsabilidade com culpa com o fim de albergar o profissional
liberal da rigidez de desigualdade que a Lei 8.078/90 precisa para tratar situações distintas.
2.4 DA IATROGENIA
De plano, vale dizer o que significa o instituto da iatrogenia. Etimologicamente: iatros
= médico; genia = origem, logo, a iatrogenia é o dano ou doença causados a alguém por um
ato médico, seja clínico ou cirúrgico. Esse instituto deve ser entendido sob dois aspectos,
iatrogenia lato sensu e stricto sensu.
Em sentido amplo, a iatrogenia diz respeito a qualquer dano causado ao paciente por
um ato médico, seja aquele cometido dentro do permitido, seja aquele proveniente de falha no
atuar do médico. Por óbvio que, neste caso, a responsabilidade do médico será devidamente
apurada e este ficará obrigado a resparar o dano causado decorrendo do seu mau proceder.
Mas, para o presente estudo, ater-se-á ao estudo da iatrogenia em sentido estrito, que diz
respeito aos danos permitidos, vale dizer, ao ato médico que, embora cause dano ao paciente,
o profissional age de forma correta. Este é alcançado justamente por recomendação da ciência
médica. As lesões iatrogências, em sentido estrito, não estão ligadas a um erro técnico, que,
por mais das vezes, quebram o liame causal (pela necessariedade da causa) e afastam o dever
de indenizar. Vejamos a definição proposta por Couto Filho (2008, p. 32) acerca da iatrogenia
stricto sensu:
A lesão iatrogênica stricto sensu é exatamente aquela causada pelo atuar médico
correto. Não existe apenas a intenção benéfica do esculápio, mas um proceder certo,
preciso, de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência médica. No
entanto, ainda assim, sobrevém ao paciente uma lesão em decorrência daquele agir,
lesão que muitas vezes pode até ser fatal.
32
O tema da iatrogenia ainda é bastante desconhecido no Direito, mas aos poucos são
desenvolvidos estudos jurídicos em torno do assunto, dada a sua importância na análise da
responsabilidade civil do médico, especialmente no tocante à fixação do nexo de causalidade.
Interessante transcrever a definição fixada no Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa, Michaelis, in verbis: “Parte da medicina que estuda a ocorrência de doenças que
se originam de outras; patologia da terapêutica”. Conveniente a apontada definição porque
desvela o pensamento de algumas pessoas acerca da iatrogenia. Para elas, trata-se apenas de
um meio buscado pelo profissional da saúde pra elidir a responsabilidade pelos danos
causados. Porém, mais que isso, o instituto da iatrogenia consubstancia-se em procedimento
terapêutico adotado pelo médico e autorizado pela ciência médica.
A maior controvérsia diz respeito a saber se dado ato médico é considerado iatrogenia
stricto sensu, e portanto, permitido o dano “benéfico”; ou se é considerado ato falho, no qual
o médico age com negligência, imprudência ou imperícia, e, então, cabendo a ele indenizar o
dano (injusto) experimentado pelo paciente. Naquela primeira situação, a iatrogenia é
cosiderada, por alguns autores, a exemplo de Couto Filho, como um caso de força maior,
capaz de romper o nexo de causalidade, vez que o dano sofrido pelo paciente é a forma
adequada para combater o mau que o afligia; é o procedimento disponibilizado pela ciência
médica para curar determinada doença. Neste contexto, é de bom tom trazer, mais uma vez, a
cristalina lição do autor acima aduzido:
É nessa concepção que nos interessa o estudo da iatrogenia no seu sentido mais
estrito, qual seja, na condição de caso de força maior, capaz, pois, de quebrar o nexo
de causalidade aparentemente existente entre um dano causado num paciente e o
atuar do agente médico. Dissemos aparentemente, no sentido de nexo ensejador da
responsabilidade civil, pois tirante dessa área, evidente está que há nexo, porém não
o de força jurídica, capaz de ensejar a obrigação de indenizar.
A força maior se dá porque o fato pode até ser previsível e, de certa forma, até
esperado, mas é inevitável.
Há inúmeras situações em que é legítimo o médico causar um dano ao paciente, sendo
este um procedimento terapêutico. Cite-se o exemplo do diabético que, devido ao alto nível de
glicose no sangue, pode ter afetada a inervação dos pés que, por vezes, causa complicações
como a diminuição da sensibilidade, deformidades, feridas e diminuição da circulação
sanguínea. Com a sensibilidade reduzida na região, há o risco de um machucado ou uma
pequena lesão passar despercebido pelo doente, podendo desencadear uma infecção, pois os
pequenos machucados não tiveram os cuidados devidos. Quando se passa para um quadro de
infecção, dificuldade maior existe, pela própria diabetes que reduz a capacidade de
33
cicatrização do organismo. Neste caso, a única solução é a amputação da região afetada pela
infecção para que esta não se alastre por todo o corpo. Evidente que a amputação da perna do
diabético causa dano irreparável ao paciente, mas não em decorrência do mau atuar médico,
mas por ser a medida recomendável pela medicina, imprescindível para salvar uma vida.
Outro exemplo evidente de dano legítimo proveniente de um ato médico é a cirurgia
de mastectomia, na qual a retirada da mama é a solução adequada em casos de câncer de
mama avançado. O dano existe, tanto físico quanto psicológico, mas este ocorreu extamante
para evitar um mau maior – a morte – pois a extirpação da mama pode salvar a mulher ou
prolongar-lhe a vida.
Há inúmeros procedimentos que causam lesão ao paciente, desde um simples corte
com bisturi até os exemplos acima reproduzidos. Todos eles são casos de iatrogenia (dano
decorrente de um ato médico), devendo-se analisar o caso concreto para aferir se o dano é
legítimo (iatrogenia stricto sensu) ou ilegítimo, e, nesta última hipótese, responsabilizar
civilmente o médico negligente, imprudente ou imperito. Impende verificar, então, a
inevitabilidade do dano efetivado.
Transcreve-se os ensinamentos de Séguin (2001): “Há que se enfatizar que a
iatrogenia não se confunde com o erro médico, com a simulação ou com a má-fé, que geram
inegavelmente responsabilidade civil, penal e administrativa”. E segue a explanação citando o
mestre Cavalieri Filho: “há erro profissional quando a conduta médica é correta, mas a técnica
empregada é incorreta; há imperícia quando a técnica é correta, mas conduta médica é
incorreta”.
A citação acima transcrita se refere à iatrogenia stricto sensu, pois a iatrogenia em
sentido amplo decorre de uma conduta culposa do agente de saúde que pode vir configurar o
erro médico.
Inquestionavelmente existe o dever de o médico informar ao paciente sobre os
procedimentos adotados e as consequências deles decorrentes. Não o fazendo, estará
descumprindo parte de seu dever contratual. Portanto, em dada situação, sendo a medida
recomendada para a cura do paciente caso de lesão legítima, ou seja, iatrogenia stricto senso,
subsiste para o médico o dever de informar ao doente ou a seu responsável as medidas
necessárias para a cura e os danos que este sofrerá. Do contrário, o esculápio incorrerá em
negligência por falta de informação adequada.
34
3 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE MÉDICA
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
São inúmeras e evidentes as inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor
no tocante à relação de consumo. A Carta Política de 1988, modificando a história
constitucional, incluiu a defesa e proteção do consumidor entre os direitos e garantias
fundamentais. Em seu art. 5º, XXXII, assevera que "o Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor". Ademais, a Constituição Federal, em seu art. 170, V, erigiu a defesa e
proteção do consumidor à condição de princípio da atividade econômica, consoante se pode
observar no dispositivo abaixo transcrito:
Art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
V- defesa do consumidor;
[...].
A Lei nº 8.078/90, cuja vigência iniciou-se no ano seguinte, trouxe profundas
transformações em matéria de relação de consumo. Este diploma é nitidamente favorável ao
consumidor - o elo mais fraco da relação, o hipossufiiciente - pois concede-lhe instrumentos
legais para a desefa e proteção de seus direitos, minimizando os abusos praticados pelos
prestadores e fornecedores de serviços ou bens, tornando, desta forma, mais equilibradas as
relações consumeristas.
É interessante transcrever os dispositivos, bastante explicativos, do CDC, que trazem a
definição das partes da relação de consumo, o consumidor e o fornecedor. Conceitua
consumidor em seu artigo 2º, in verbis:
Art. 2º: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Em seguida, no artigo 3º, conceitua a figura do fornecedor, veja-se:
Art. 3º: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, publica ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.
35
§ 1º Produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Verifica-se, pois, que em virtude do caráter protetivo do CDC, seus conceitos são
sobremaneira abrangentes.
Trazidas as definições legais de fornecedor, consumidor, produto e serviço, passa-se
ao estudo do profissional da medicina dentro desse contexto legal.
3.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA DE CONFORMIDADE COM O CDC
No tocante à responsabilidade em geral adotada pelo Código de Defesa do
Consumidor, a regra é a objetiva, segundo a qual é suficiente a comprovação da conduta, do
dano e do nexo causal entre eles, sendo, portanto, dispensável a verificação da culpa. É o que
o se extrai do texto do caput do art.12, ipsis litteris:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o
importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos (grifou-se).
Reforçando o entendimento acima, o art.14, caput prescreve:
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.
Constata-se por esses dispositivos legais, como visto acima, que a Lei 8.078/90 adotou
a teoria do risco, ou seja, a responsabilidade objetiva. O tipo de responsabilidade influi no
ônus da prova; na responsabilidade objetiva, cabe a quem alega apontar a conduta, o resultado
e o nexo causal, ficando a outra parte incumbida de provar que não causou o dano. Há
inversão do ônus da prova, ou seja, quem alega não fica encarregado de provar os motivos do
dano. O CDC adotou essa lógica, desincumbindo o consumidor – elo mais fraco da relação –
de provar os danos causados pelo fornecedor/produtor.
36
Porém, há exceção a essa regra, observada da leitura do art. 14, §4º: “A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa”.
A responsabilidade do profissional liberal é, portanto, do tipo subjetiva, nela se
enquadrando o médico. Apesar de ser ele um prestador de serviços, também é um profissional
liberal que, por essa razão, é abraçado pelo preceito do citado dispositivo. Prevalece, na
doutrina e jurisprudência, o entendimento de que o médico responde subjetivamente pelos
danos causados, sendo necessária a prova da culpa – em qualquer de suas modalidades:
negligência, imprudência e imperícia – pela parte lesada (paciente), para que nasça a
obrigação de indenizar.
É de bom tom reproduzir trecho da decisão do Superior Tribunal de Justiça, em sede
de Recurso Especial, nº 908359 / SC, relatado pela Ministra Nancy Andrighi:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE
CIVIL. ERRO MÉDICO. NEGLIGÊNCIA. INDENIZAÇÃO. RECURSO
ESPECIAL.
[...]
2. Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo
estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e
diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de
atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso
com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano
ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional – teoria da
responsabilidade subjetiva.
[...)]
Ressalte-se, por oportuno, ainda que de forma breve e superficial, que a exceção
firmada no art.14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor – responsabilidade subjetiva –
alcança apenas os profissionais liberais, não se estendendo a estabelecimentos de saúde e
hospitais. Neste caso, grande parte da doutrina sustenta se tratar de responsabilidade objetiva.
3.3 DA RELAÇÃO MÉDICO E PACIENTE ENQUANTO RELAÇÃO DE CONSUMO
A relação estabelecida entre o médico e seu paciente é, em regra, de natureza
contratual. Existem obrigações recíprocas entre os contratantes, devendo o médico prestar os
serviços assistenciais de saúde e o paciente remunerá-lo pelos serviços prestados.
A afirmação do parágrafo anterior em cotejo com os arts. 2º e 3º do Código de Defesa
do Consumidor, autoriza a afirmar que a relação médico paciente configura relação de
37
consumo. Este é o pensamento majoritário da doutrina. Nas linhas seguintes será apresentada
comparação.
Primeiro, cumpre analisar o art. 3º, anteriormente transcrito. Neste dispositivo, definese o que é fornecedor. Trata-se de uma definição abrangente, genérica, na qual se enquadra
toda pessoa física ou jurídica capaz de desenvolver atividade econômica, no caso do médico,
prestação de serviços de saúde. O §2º, do mesmo artigo, do diploma já anotado, frisa que
serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração. Em
outro dizer, qualquer atividade remunerada é reconhecida legalmente como serviço, e, desta
forma, inclui-se o serviço prestado pelo profissional da saúde, desde uma mera consulta até os
procedimentos cirúrgicos mais complexos.
Por seu turno, o art. 2º conceitua a figura do consumidor, determinando ser “qualquer
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Nesta definição se encaixa o paciente, uma vez que serve da atividade prestada pelo médico.
Esse é o entendimento defendido pelo mestre Rodrigues (2002, p.254):
Acho oportuno levantar uma outra questão em matéria de responsabilidade médica
que é a de se saber se ela pode ser enquadrada ou não dentro do Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.078, de 11.11.1990).
O Código de defesa do Consumidor regula todas as relações contratuais entre uma
pessoa que adquire um produto e um serviço como destinatário final (art.2 º) e um
fornecedor, que é todo aquele que fornece um produto ou serviço mediante
remuneração.Ora entre o cirurgião e o paciente se estabelece um contrato tácito em
que o cirurgião se propõe a realizar cirurgia na pessoa do paciente, mediante
remuneração, e se obriga a utilizar toda a sua habilidade para alcançar o resultado
almejado.Trata-se de um contrato de prestação de serviço, pois esse contrato, na
linguagem daquele código é toda atividade fornecida no mercado mediante
remuneração (art.3º, §2º). Aliás, o Código do Consumidor contempla a espécie de
serviço fornecido pelos profissionais, tais como médicos, dentistas, etc., ao declarar
no § 4º do art. 14 que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante a verificação da culpa”.
O Código de Defesa do Consumidor é lei de ordem pública e de interesse social, e
assim se aplica a todos os casos que abrange desde sua entrada em vigor. Isso vem
proclamado no art. 1º. Portanto parece-me que a relação entre paciente e cirurgião
fica abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Infere-se, portanto, que a relação médico-paciente configura relação de consumo e,
por esse motivo, é atingida pelas disposições do CDC, salientando-se, contudo, que a
responsabilidade objetiva, regra no diploma consumerista, não se aplica aos profissionais
liberais, dentre os quais os da saúde, em virtude da disposição específica do §4º do art. 14,
que impõe a responsabilidade subjetiva a estes profissionais.
38
4 DO DANO ESTÉTICO PERPETRADO PELO MÉDICO E O CONSEQUENTE
DEVER DE REPARAÇÃO
É bastante possível, na área de atividade médica, o surgimento de dano estético No
paciente, advindo dos procedimentos médico-hospitalares adotados, Dano esse que pode ir de
uma simples cicatriz localizada em região não exposta do corpo até agressões mais evidentes
e constrangedoras à aparência do indivíduo. As sequelas podem advir de procedimentos
cirúrgicos, a exemplo da cirurgia plástica estética, até lesões por queimaduras ou decorrentes
de outras causas.
É interessante reproduzir a definição de dano estético proposta por Diniz (2003, p.73):
O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo que, além do aleijão,
abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e
que impliquem, sob qualquer aspecto, um afeiamento da vítima consistindo numa
simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou
de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade
laborativa.
O dano estético é aquele que fere a auto-estima de um indivíduo, agride a integridade
física, especialmente no tocante à aparência externa, fazendo com que a pessoa denigra a
imagem perante si própria e frente aos outros. Frise-se que não é necessário que o dano esteja
exposto, externo, nem ser de grandes proporções para caracterizar a lesão física como dano
estético. Mesmo aqueles danos em áreas mais escondidas do corpo, como as regiões íntimas,
que em situações sociais de relação com outras pessoas dificilmente são expostas, também são
considerados danos estéticos, pois o ofendido convive com o complexo e com o
constrangimento trazidos pelo dano, que se efetivarão quando tiver contato íntimo com outra
pessoa, vez que as lesões se tornarão visíveis. Isto traz para o paciente lesado um imensurável
sofrimento psicológico, variável, entretanto, de pessoa para pessoa.
A ofensa à imagem da pessoa constitui dano estético, deformando a sua aparência e/ou
modificando as funções motoras e orgânicas, alterando o porte físico, a voz ou os movimentos
da vítima. Caracteriza dano estético, também, aquele que dificulta ou impede a atividade
laborativa antes desenvolvida pelo lesado.
O dano estético não é apenas o aleijão, mas qualquer pequena lesão que deprecie a
imagem do paciente, afeando-o. O afeamento é verificado por meio de comparação ao estado
ou aparência física da vítima antes do infortúnio, analisando se houve alteração para pior e
não com base em padrões de beleza estabelecidos pela sociedade.
39
O tamanho e a localização do ferimento influenciam na fixação do montante da
reparação, não sendo certo afirmar que o pequeno corte é irrelevante e, portanto, não
configura dano estético. A valoração da indenização também pode variar de pessoa para
pessoa em decorrência da importância da parte do corpo atingida. Por exemplo, a modelo
fotográfica que tem o rosto lesado por procedimento médico errôneo é mais prejudicada do
que rude agricultor que não tem a mínima vaidade. A reparação do dano estético é cada vez
mais aceita em nosso ordenamento jurídico e bastante variável no tocante ao quantum devido,
entre outras, pela razão anteriormente exposta, da variação individual do sofrimento pelo dano
sofrido.
Vale, nesse momento - segundo leciona o médico Zambon, em artigo publicado na
internet em 2009 - apontar o brocardo hipocrático que diz primum non nocere que significa
“primeiro não prejudicar”; some-se a isso a etimologia grega da palavra Medicina (aquele que
cuida). Não é difícil perceber que o médico deve atuar a fim de proteger e cuidar daquele que
busca o seu serviço, logo não poderá prejudicar a aparência de seu cliente, quando submetido
a procedimentos médicos, mormente no caso de cirurgia plástica estética. Igualmente, não
poderá o médico fazer surgir lesões outras não provenientes da moléstia, que se localizem em
parte do corpo que nenhuma ligação tenha com a doença que fez o paciente procurá-lo para
tratá-la, lesões estas que alteram para pior a sua aparência estética.
Timbre-se que o dano moral é gênero do qual faz parte o dano estético. Este, por
vulnerar o direito do indivíduo à integridade física, constitui lesão a direito da personalidade.
Por seu turno, direitos da personalidade são aqueles constitutivos da identidade de uma
pessoa, imanentes ao ser humano, tais quais, o nome, o corpo e a imagem; são irrenunciáveis
e intransmissíveis, segundo preceitua o Código Civil. Os direitos da personalidade também
são as emanações e prolongamentos desses aspectos inerentes aos seres humanos. Esses
direitos não se restringem àqueles legalmente previstos, estendendo-se a todos os direitos
subjetivos que decorrem das qualidades e aspectos físicos ou morais do indivíduo.
O Código Civil assevera, como acima afirmado, que os direitos da personalidade não
podem ser renunciados, consoante o art.11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária”. A renúncia não é admitida em hipótese alguma. O que é possível
é o não exercício do direito de ação pelo ofendido, cabendo a ele decidir se provoca ou não a
prestação jurisdicional.
Portanto, pode-se enquadrar o dano estético entre os direitos personalíssimos, cuja
titularidade do direito de ação é do próprio ofendido. De acordo com o ordenamento jurídico
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pátrio, somente pode requerer em juízo a indenização pelo dano causado a própria vítima da
lesão.
O dano estético deve ser sempre reparado, pois fere a integridade física do indivíduo,
que compõe um dos direitos da personalidade e, assim sendo, não é direito de que as partes
podem dispor. É inadmissível qualquer tipo de acordo entre as partes que restrinja ou exclua a
reparação decorrente de dano estético.
O dano estético, para se caracterizar como tal, tem que ser definitivo, imutável; pois,
caso contrário, configuraria caso de enriquecimento ilícito por parte do ofendido, tendo em
conta que receberia a quantia em dinheiro referente ao dano estético e este, a posteriori,
poderia ser revertido.
Deve-se levar sempre em consideração que ninguém pode ser compelido a se submeter
a procedimentos cirúrgicos, ainda que seja para corrigir uma deformidade na aparência.
Portanto, é necessário se fazer, o mais cedo possível, uma análise acurada em torno da
reversibilidade do dano estético, para que a prestação jurisdicional não fique prejudicada, pois
a reparação imposta pela decisão do magistrado ficará comprometida se, posteriormente,
restar comprovada a possibilidade de reversão do dano experimentado pelo paciente.
Timbre-se, mais uma vez, que só há dano estético reparável se não houver
possibilidade de reversão deste, nem mesmo por novos procedimentos cirúrgicos e médicos,
pois, do contrário, o que seria cabível consistiria na restauração do status quo ante, ou seja, a
recuperação da aparência que o lesado possuía antes do infortúnio.
O dano estético não é passível de valoração em pecúnia, é bem fora do mercado; se
assim não o fosse, estaria caracterizado o dano material, passível de ressarcimento.
O dano estético é abalizado independentemente do dano moral. A súmula 37 do
Superior Tribunal de Justiça assim determina: "São cumuláveis as indenizações por dano
moral e dano material oriundas do mesmo fato". Dessa feita, a cumulação do dano moral com
o dano material é inquestionável no ordenamento jurídico pátrio. Por outro lado, é firmemente
defendido pela doutrina e jurisprudência que o delineamento do dano estético independe do
dano moral, a despeito de esse ser gênero do qual aquele faz parte.
Desse modo, o esculápio que causa dano estético a um paciente, agindo de maneira
culposa (negligência, imprudência ou imperícia) fica obrigado a repará-lo, independente de
qualquer outra coisa. Reparará o dano estético em si mesmo. Nada impede, porém, que a
vítima pleiteie, ademais, reparação pelo sofrimento, pelo constrangimento e pelo vexame que
a lesão tenha lhe causado (dano moral). Importante apontar que o dano para ser estético
precisa ser imutável, razão pela qual, nos casos de dano reversível não há dano estético a ser
41
reparado, mas não é correto afirmar que não será cabível o ressarcimento pelo dano moral. É
devido em decorrência do sofrimento psicológico experimentado pelo paciente lesado.
Com os avanços desenfreados da medicina, em especial da cirurgia estética
embelezadora e reparadora, há juristas que afirmam que o dano estético está se transformando
em lesão patrimonial, posto que o dano sofrido pela vítima pode ser reparado por técnicas
médicas cada vez mais avançadas, sendo suficiente a aferição em pecúnia dos gastos que
serão despendidos pelo lesado para que se restaure o status quo ante.
Por outro lado, o dano moral (imaterial) seria cabível, pela sofreguidão e perturbação
psicológica que a deformidade causou no ofendido pelo período em que este teve que
conviver com ela, bem como o sofrimento psicológico experimentado pelo lesado que, a
despeito de ter a aparência estética recuperada, deve conviver com próteses.
Acerca da dor psicológica sofrida pelo paciente que tem sua aparência física piorada
em decorrência de cirurgia mal sucedida, e, portanto, cabível danos moral e estético, é
oportuno colacionar o julgado do Superior Tribunal de Justiça, prolatado no Recurso Especial
nº 457.312 – SP/2002, cujo relator é o Min. Ruy Rosado de Aguiar:
A nossa jurisprudência admite a cumulação, a título de indenização de dano
extrapatrimonial, do dano moral em sentido estrito com o dano estético. Aquele
corresponde ao sentimento íntimo de dor que se abateu sobre a autora em virtude do
fracasso da intervenção médica, "à contrariedade, à decepção e à frustração
sofridas", como referido na sentença. Este é o dano estético, que, no caso,
corresponde à grave deformidade corporal retratada nos autos, uma vez que a
vítima, ao pretender eliminar os "culotes" que lhe enfeiavam as pernas, resultou com
manchas, irregularidades na pele e assimetria dos quadris, piorando a sua aparência
Esse dano se acrescenta e aumenta consideravelmente àquela dor, e por isso deve ser
considerado como parcela autônoma para o fim de se calcular o valor da indenização
que corresponda à necessidade de justa reparação.
Na mesma linha já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, veja-se:
“Admissível a indenização, por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda que
derivados do mesmo fato” (REsp. 40.259/RJ, de 25.04.1994).
Em sede de Recurso Especial, defendeu o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira: “A
primeira, por entender possível a coexistência de indenizações resultantes de dano estético e
dano moral no sentido estrito, uma vez que no dano moral lato sensu se situa o dano estético”.
(REsp 65.393 - RJ - 4a Turma)
O Min. Barros Monteiro, na discussão instalada no julgamento do recurso acima
apontado, afirmou: “Sr. Presidente, convenci-me de que há possibilidade de serem devidas as
duas parcelas concomitantemente, desde que comprove o autor que, além do dano estético,
sofreu efetivamente um dano moral stricto sensu”.
42
A Carta Política de 1988, em seu art. 5º, V e X, prevê expressamente a reparação por
dano moral, in verbis:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
pelo dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.
Extrai-se das decisões e artigos legais acima transcritos que o ordenamento jurídico e a
jurisprudência pátrios aceitam a reparação cumulativa do dano moral e do dano estético,
incluindo-se, por óbvio, os danos estéticos que causem perturbações psicológicas e sociais
decorrentes da atuação médica.
Os danos à pessoa, também chamados de dano moral, podem configurar-se pela dor
sofrida pelo indivíduo em razão do infortúnio, a desesperança da realização de um projeto de
vida, as implicações negativas no âmbito das relações intersubjetivas, a limitação das
atividades físicas e laborativas do lesado, etc.
Essa modalidade de dano - moral – subsiste independentemente do dano estético; uma
pessoa pode ser indenizada por dano moral sem ter existido dano estético, ou seja, sem que
exista aleijão ou deformidade física que piore a aparência do paciente lesado.
Logo, não é demais reforçar que o dano estético e o moral não se confundem, em que
pese o fato de que o primeiro é igualmente espécie do segundo. A existência de um independe
da do outro no que atine ao direito de ser ressarcido.
Interessante trazer à baila a discussão travada por Gomes em artigo lançado na internet
e escrito em 2001:
O juiz, diante de uma deformidade, poderia além da reparação por dano moral,
conceder uma específica pelo dano estético? A reparação pelo dano estético estaria
submetida na reparação do dano moral? Ela inequivocamente contém no mínimo,
um aspecto de reparação pelo dano moral, pois, se a pessoa perdeu um braço, a
mulher se feriu no rosto e tem a sua aparência modificada, tais pessoas vão trazer
consigo muitas vezes complexos e sentir, do ponto de vista psicológico, certas
diminuições, dificuldades, embaraços de que antes não padeciam e refletem uma
restrição no plano subjetivo condizente com a reparação do dano moral. Mas
decorrem de um dano que se deu fisicamente. Indagar-se-ia, então: na medida em
que a reparação pelo dano moral já foi concedida lato sensu, a perda de um membro,
ou outra deformidade, deveriam acarretar por si mesmas reparação?
A matéria é extremamente complexa e ainda não está definida Um critério para
reflexão se deve buscar no princípio da causalidade. Se o embaraço, as dificuldades,
o complexo resultante, em resumo, se todas aquelas limitações de ordem subjetiva
foram deflagradas exclusivamente pela lesão e a sua reparação abrange apenas a
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lesão em si e pelo que ela objetivamente representa e objetivamente retirou,
suprimiu ou diminuiu na vítima, então esses aspectos de ordem psicológica, que não
são levados em conta para ressarcir-se a lesão, ainda que sob fundamento do dano
moral, poderiam merecer uma compensação isolada, à guisa de dano estético, além
do moral. Sua verificação se prende, porém, a um exame de causalidade, que
também não é fácil aferição.
Em seara de responsabilidade civil médica seria incoerente aceitar entendimento
diverso do fixado nas linhas anteriores. Portanto, semelhante ao que ocorre nas demais áreas,
o médico que causa dano estético ao paciente é impelido a reparar tanto o dano estético
quando o moral, autonomamente. Esse posicionamento predomina nos Tribunais.
Por fim, cumpre ressaltar que, na ocorrência do dano estético, tal qual se dá com a
cirurgia plástica estética, entende-se que a responsabilidade civil do médico é subjetiva,
conforme argumentado nos capítulos anteriores.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que se configure a responsabilidade civil, faz-se necessária a existência de três
elementos, são eles: a conduta (ato lesivo), o dano e o liame ou nexo causal. No campo de
atuação médica, a responsabilidade individualiza-se pela presença do elemento culpa –
responsabilidade subjetiva. Ademais, a responsabilidade médica consiste, nos termos
anteriormente propostos, em obrigação de meio e não de resultado, na qual pelo menos uma
das modalidades de culpa deve ficar provada: a negligência, a imprudência ou a imperícia.
Ao defender a tese de que a obrigação do médico é de meio e não de resultado, afirmase que esse profissional, quando do exercício de sua atividade, está obrigado a utilizar todos
os meios adequados, conhecimentos e técnicas disponíveis pela ciência médica para o
tratamento do paciente, mas não tem o dever de alcançar a cura. Isso reflete diretamente em
matéria processual, no tocante ao ônus da prova, posto que aquele que alega o dano fica
incumbido de provar que o esculápio agiu com culpa, em qualquer de suas modalidades.
O presente trabalho monográfico debruçou-se, ademais, ainda que de forma
passageira, sobre os fenômenos da intercorrências médicas e da iatrogenia, passíveis de
afastar a responsabilização do profissional. No primeiro, surgem ocorrências diversas capazes
de gerar o resultado danoso, desvinculadas do atuar médico, evento inesperado e imprevisto
que se sucede no decorrer do procedimento médico. Neste caso, a responsabilidade médica é
ilidida, eis que o profissional não agiu com negligência, imprudência ou imperícia. O segundo
fenômenno significa dano decorrente do atuar médico, sendo importante o estudo da
iatrogenia em sentido estrito, pois aqui o dano advém de um atuar médico legítimo, ou seja, é
o ato médico que causa dano benéfico ao paciente. O profissional age de forma correta, apesar
de acarretar o dano, que é gerado justamente por recomendação da ciência médica. O
conhecimento da iatrogenia é de suma importância para o estudo da responsabilidade civil
médica, notadamente para a fixação do nexo de causalidade
O Código Civil traz em seu bojo a teoria da culpa, englobando a atividade do
profissional da medicina em hipóteses de responsabilização por danos causados dentro das
regras gerais do ordenamento pátrio, em outros termos, na responsabilidade civil.
Por outro lado, assevere-se que parte da doutrina e jurisprudência aponta
características típicas de contrato na relação de consumo médico/paciente, importando na
incidência do Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito à responsabilidade dos
profissionais liberais.
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Percorre, assim, o estudo na análise da responsabilidade adotada pelo Código de
Defesa do Consumidor, que, como regra geral abraça a responsabilidade do tipo objetiva,
porém, abre uma exceção para o profissional liberal, ao qual confere, expressamente, em seu
art.14, §4º, a responsabilidade subjetiva, pautada na culpa.
O capítulo final traz à tona o polêmico tema do dano estético, ponto fulcral deste
trabalho monográfico. Consiste no dano físico impingido na vítima pelo profissional da saúde
e que importe em grande desconforto, capaz de atingir a autoestima, gerando, dessa feita,
dano moral.
Ressalte-se que o dano estético é espécie do gênero moral, entretanto, passível de
reparação autônoma, entendidos, portanto, como coexistentes, gerando duplicidade de
responsabilização, que se opera, consoante anteriormente alinhavado, pelas regras da
responsabilidade civil subjetiva, calcado, portanto, em uma das modalidade da culpa,
consoante se pode verificar dos importantes julgados dos Tribunais pátrios outrora
colacionados.
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