CASO CLÍNICO
HEPATITE MEDICAMENTOSA
Escola Superior de Ciências da Saúde - ESCS
Hospital Regional da Asa Sul/SES/DF
Apresentação: Alessandra Gelande de Souza e
José Noleto Sales Neto
Coordenação: Dra. Luciana Sugai
Brasília, 08 de Agosto de 2012.
www.paulomargotto.com.br
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Identificação: JLPS, 2 anos e 6 meses, 13kg
natural e residente de Ceilândia.
Informante: Mãe (Boa Informante).
Queixa Principal: “Olhos amarelos há 10
dias”.
Mãe refere que criança apresentou conjuntivas
amarelo-esverdeadas há 10 dias, foi até a farmácia e
medicaram-na com remédio para parasitose
intestinal (oxiúrius) sem melhora do quadro. Paciente
evoluiu com piora do quadro ictérico, acolia fecal,
colúria e diarréia pastosa sem muco e sangue. Nega
náuseas e vômitos. Mãe foi até HRC onde foram
realizados exames de urina e de sangue e dado alta
no dia seguinte com orientações. Mãe nega febre
durante toda história clínica, refere que criança
sempre manteve bom estado geral. Como criança
não apresentou melhora, persistindo com icterícia,
mãe deu entrada nesse serviço ontem à noite.
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Pré-Natal: Mãe refere ter realizado oito consultas de
pré-natal. Nega intercorrências no período gestacional.
Possui calendário vacinal completo.
Parto: Nasceu de parto normal a termo (38 semanas),
chorou ao nascer, peso ao nascer: 2970g, cartão da
criança não preenchido. Permaneceu internada 4 dias
devido a icterícia neonatal, sem necessidade de
fototerapia (sic) . Aleitamento Materno exclusivo até 07
meses de vida.
Nega internações anteriores, nega transfusões. TS
materno: O+ TSRN: A+. Nega uso de dipirona, só faz
uso de paracetamol. Não fazia seguimento
ambulatorial, uma vez que não tinha pediatra nas
proximidades de sua residência.
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Mãe, 24, saudável /Pai, 29 anos, saudável.
Mora em casa de alvenaria, 6 cômodos,
saneamento básico completo, com 03
moradores (Pai, mãe e filha);
Nega tabagismo e etilismo;
Nega presença de animais domésticos na
residência.
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Ectoscopia: Paciente BEG, chorosa, hidratada, normocorada,
ativa, ictérica 3+/4+, acianótica, afebril ao toque, eupneica,
pouco colaborativa, orientada.
AR: Murmúrio vesicular fisiológico presente em todas áreas
pulmonares em ambos hemitóraces, sem presença de ruídos
adventícios.
ACV: BNF, 2T, FC: 101 bpm, sem sopros.
Abdome: Fígado palpável a 3cm do rebordo costal D. Baço não
palpável, sem outras visceromegalias. RHA presentes. Indolor à
palpação abdominal.
Genitália externa : sem sinais flogísticos, secreções ou lesões.
Não foram visualizados parasitas em região anal.
Extremidades: bem perfundidas, sem edemas, TEC <2segundos.
Neuro: ativa/reativa, sem sinais de irritação meníngea.
Orofaringe: sem placas, petéquias, hiperemia ou sinais de
sangramento.
DATA
27/06/2012
29/06/2012
TP
23,3 seg.
TTPA
36,3 seg.
INR
1,77
TGO
5.795
3911
TGP
3630
2746
BT
12,30
10,9
BD
9.86
7,1
BI
2,44
3,78
FA
849
GGT
113
Prot . Totais e albumina
6,3 e 3,3
Ureia e creatinina
16 e 0,4

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Antígeno Austrália (HBSAG): negativo.
Hepatite “B” (Anti HBS): 22,1 mil/mL.
Hepatite “B” Antígeno “E” (HBeAg)/ Anti HBC
IgG: Negativo.
Anticorpos Anti HBE: Negativo.
Hepatite “A” (anticorpos anti-HAV IgG):
Negativo. IgM : Negativo.
Hepatite “C” (anticorpos anti-HCV): Negativo.
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Avaliação Vespertina (30/06): Evoluiu com melhora
discreta da coloração da pele, da urina e fezes.
Permanece afebril, sem náuseas, vômitos e dor
abdominal. Aceitação parcial da dieta. Devido alteração
no TAP e INR foi solicitado regulação para UTI com
hipótese de insuficiência hepática. Transferida para
UTIPED às 23:40h. Solicitadas novas sorologias para
Hepatites virais. Iniciado vitamina K.
Evolução UTIPED (01/07): Paciente segue clínica e
hemodinamicamente estável, afebril, orientada, ictérica
+++/4+, acianótica. Refere 01 episódio de vômito pós
alimentar em pequena quantidade. Discutida com
gastroenterologista que orientou uso de lactulose e
ceftriaxona. Regulada USG abdominal.
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Evolução UTIPED (02/07): Segue clínica e hemodinamicamente
estável, ainda com fezes amolecidas 4x/dia, discreta acolia e
colúria. Sem sangramento, aceitando bem a dieta. Discutido a
retirada do antibiótico e lactulose, porém não foi retirado.
Encaminhada para UDIP.
Admissão UDIP à tarde (02/07): Paciente segue com melhora
dos sintomas, ictérica 2+/4+, refere melhora do aspecto das
fezes e urina, nega náuseas e vômitos e dor abdominal.
Aceitando bem a dieta. Na revisão de sistemas feita na admissão
da UDIP a mãe:
 Refere mialgia em membros superiores três dias antes do inicio
do quadro de icterícia;
 Refere apenas um episódio de vômito no dia anterior ao
surgimento da icterícia, conteúdo de cor clara;
 Refere uso de analgésico há três dias antes do aparecimento da
icterícia devido ao quadro de mialgia.

Evolução DIP(03/07): Paciente segue com melhora
dos sintomas, mãe refere fezes e urina de aspecto
próximo ao habitual. Nega febre, dor abdominal,
náuseas e vômitos, alteração do nível de consciência
e sangramentos. Suspenso ATB e lactulose após
discussão com staff do setor.

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Realizado USG abdominal com laudo: Aspecto normal.
Evolução UDIP (04/07): Alta hospitalar com retorno
ambulatorial após resultado de sorologias (Colhidas
dia 03/07).
DATA
27/06/12
29/06/12
30/06/12
01/07/12
04/07/12
Hb
13,1
13.6
Ht
38,7
38,1
Leucócitos
9.800
10.100
Plaquetas
254.000
292.000
TP
23,3 seg.
23,3 seg.
21,5 seg.
TTPA
36,3 seg.
45,2 seg.
36,4 seg.
INR
1,77
1,75
1,61
1,02
TGO
5795
3911
2862
1899
TGP
3630
2746
2135
1597
BT (BD)
12,3(9,86)
10,9 (7,1)
10,71(7,3)
9,48(6,8)
FA
849
GGT
113
110
127
Prot T.
6,3
6,2
7,4
Alb + Glob
Relação AG
3,3
3,3 + 3,0
1,1
3,8+3,6
1,1
1076
1107
DHL
679





Antígeno Austrália (HBSAG): negativo.
Hepatite “B” – Antígeno “E” (HBeAg)/ Anti
HBC IgG: Não reagente.
Anticorpos Anti HBE: Negativo.
Hepatite “A” (anticorpos anti-HAV IgG):
Negativo. IgM : Não reagente.
Hepatite “C” (anticorpos anti-HCV): Não
reagente.
Qual é o
diagnóstico?
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Lesão hepática causada por inalação,
ingestão ou administração parenteral de
agentes farmacológicos ou químicos.
Toxic hepatitis: literature review, 2005.
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OMS : Três milhões de casos notificados desde
1968.
Nos EUA mais de 50% dos casos de falência aguda
do fígado estão relacionas a drogas.
No banco de transplante de órgãos nos EUA: 15%
transplantados foram relacionados a drogas.
Brasil: Relatos de casos e de casuísticas.

Questionário realizado em 2010 em cinco centros de
transplantes do país: Total de 1.622 transplantes, 84
(5%) foram por hepatite fulminante e destes 25 (30%)
foram por etiologia por drogas.
Reunião com expertos em hepatologia da SBH, São Paulo, 2010.
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RUCAM (Roussel Uclaf Causality Assessment
Method):




Acometimento biológico: ALT abaixo de 6 x o valor
normal (VN) ou Fosfatase Alcalina (FA) abaixo de
1,7 x o VN na ausência de sintomas.
Padrão colestático: razão ALT e FA abaixo de 2.
Padrão hepatocelular: razão ALT e FA superior a 5.
Padrão misto: Razão ALT e FA entre 2 e 5.

Importância:



Suspensão do desenvolvimento de novas
moléculas pela indústria farmacêutica.
Não aprovação de novas drogas por parte das
agências regulatórias.
Retirada da droga no mercado ou de restrição
do seu uso.
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Idosos;
Crianças: idiossincrática é rara.
Mulheres;
Álcool;
Doença hepática prévia;
Insuficiência renal;
Obesidade;
Exposições anteriores a outros fármacos;
Infecção HIV/AIDS.
Reação da Fase 1:
Citocromo P450.
Reação fase 2:
glicuronização ou sulfatação
ou inativação da glutationa.
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Depende :


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Período latência:

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Exposição ao agente agressor;
Dose.
Curto (horas).
Pode não ser evidente até o aparecimento
da icterícia.
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Há três etapas:



I: Fadiga celular, com sofrimento da mitocôndria
e reações imunológicas específicas.
II: Aparece o MPT (Mitochondrial Permeability
Transition).
III: Apoptose/necrose a depender do acúmulo
de radicais livres no hepatócito.
Drug Induced Liver Injuri,
Raymond Tang, 2009.
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Ocorrência de hepatite é rara e imprevisível.
A resposta não é depende da dose.
A lesão hepática pode ocorre em qualquer
momento, durante ou logo após o fármaco.
Elevações ligeiras, transitórias e não
progressivas das aminotransferases.
Hipersensibilidade ocorre em 25% dos
casos.
Medicamento/metabólito
tóxico
Hapteno
(Self modificado)
Ligação covalente com
estruturas celulares
Resposta auto-imune
Toxic hepatitis: literature review, 2005
Citocromo
P450
Haptenos
Qual foi a droga
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De acordo com a OMS, as principais drogas
imputadas com lesão hepática sintomática são:








Paracetamol 17%
Antirretrovirais 17%
Anticonvulsivantes 10%
Quimioterápicos 12%
Antibióticos 9%
Agentes anestésicos 5%
Tuberculostáticos 3%
Diclofenaco 3%
Reunião com expertos em hepatologia da SBH, São Paulo, 2010.
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Metabólito ativo da fenacetina (efeito analgésico) e
inibidor fraco da COX 1 e 2.
Analgésico/antipirético. Ausência de atividades antiinflamatórias.
Indicação: dor leve a moderada.
Administração: via oral.
Dosagem: 10-15mg/Kg de 4/4 ou 6/6 horas.
Absorção dependente do esvaziamento gástrico.
Concentrações sanguíneas máximas: 30-60 min.
Meia- vida: 2 a 3h.
Katzung, Farmacologia básica e clínica, 10ºed, 2008.
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Hepatotoxicidade: Dose-dependente.
Overdose: >10g em adultos e até 150mg/kg
em crianças.
Os níveis sanguíneos de acetominofeno se
correlacionam com a gravidade da lesão
hepática.
Reunião com expertos em hepatologia da SBH, São Paulo, 2010.
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Idade: crianças menores de 5 anos são
menos susceptíveis que adultos.
Genética: polimorfismos de isoenzimas.
Álcool.
Jejum prolongado.
Tabagismo.
Hepatopatias.
Reunião com expertos em hepatologia da SBH, São Paulo, 2010.
Elevação do
NAPQI e ligação
acetominofenoproteína
Glicuronidação/
sulfatação
Metabólito
inócuo
Citocromo P450
Metabólito
tóxico: NAPQI
Destoxificado :
glutationa
Ácido
hidrossolúvel
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Apresenta períodos bem definidos após a
ingestão do acetominofeno, podendo chegar
a um quadro, resolutivo.
Intoxicaciones medicamentosas (II). Analgésicos y anticonvulsivantes, vol
26, Suplemento 1, 2003.
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Em geral, o paciente é assintomático, mas pode
apresentar náuseas, vômitos, dor abdominal,
mal-estar, palidez e sudorese.
A concentração de aminotransferases (TGO é a
mais sensível ) mantêm-se normal.
TGO eleva-se em 8-12h em caso de overdose.
Apenas parte dos pacientes passam para o
próximo período. O restante progride bem, sem
desenvolver toxicidade hepática.
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Sintomatologia leve e similar a do primeiro
período . Início de dor em hipocôndrio
direito.
Características:
aumento
da
TGO,
alcançando seu nível máximo em 3-4 dias,
podendo acompanhar-se de sintomatologia
similar a da hepatite infecciosa.
Outras alterações: bilirrubina, alargamento
do TAP/INR.
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Período de máxima
expressão de
hepatotoxicidade.
QC: Varia desde pouco sintomático até
encefalopatia, coma e / ou distúrbios da
coagulação.
A TGO-TGP sobem para níveis máximos.
Insuficiência hepática: hipoglicemia, INR
alterado, bilirrubina e acidose metabólica.
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Insuficiência hepática aguda, que não
termina em óbito, evolui com regeneração
do tecido hepático.
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Agudo: Lavado gástrico, administração de
carvão vegetal ativado ou de colestiramina
em até 30min após a ingestão do
acetominofeno.
Primeira escolha: N-acetilcisteína.
Outros compostos sulfidrila: cisteamina e
cisteína.
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Limita o risco de lesão hepática.
Ação: proporciona um reservatório do grupo
sufidrila que se unem aos metabólitos
tóxicos/ estimulação da síntese de
glutationa hepática.
Iniciar: até 8h após a ingestão da droga.
Eficaz até 24-36h após uma overdose.
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Avaliação do risco : Normograma de RumackMatthew.
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Risco provável: níveis plasmáticos > 200µg/ml 4h após
a ingestão e 25µg/ml 16h após a ingestão da droga.
Dose: 140mg/kg em solução a 5% VO (única) seguida
por 70mg/kg VO a cada 4h por 3 dias. Ou EV 150mg/kg
em 15 minutos e a seguir 300mg/kg em infusão
contínua durante 24h.
Pronto – Socorro, diagnóstico e tratamento em emergências, Herlon
Saraiva, SP,2ºed, 2008.
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Indicação: sinais de insuficiência hepática,
mesmo com a terapia de N-acetilcisteína.
Níveis crescentes de lactato no sangue
arterial.
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1 - MUNNÉ P.M; BAÑUELOS J.J.S; IZURA J.J. Intoxicaciones
medicamentosas (II). Analgésicos y anticonvulsivantes. ANALES Sis San
Navarra 2003; 26 (Supl. 1): 65-97.
2- PARANÁ, Raimundo; WASKMAN, J.C. Reunião com Expertos em
Hepatotoxicidade da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Revista GED
Volume 30 - Suplemento nº01 - Jan/Mar, 2011 p. 10-14.
3- MATOS, Luis Costa; MARTINS, Borges. Hepatite Toxica: Revisão de
Literatura. Revista da sociedade portuguesa de medicina interna
Vol.12, nº 4, out/dez 2005.
4- MEHTA, Nilesh ; MICHAEL, Pinsky. Drug-Induced Hepatotoxicity.
Publicado em 26 de abril, 2010. Artigo disponível em:
http://emedicine.medscape.com/article/169814-overview> Acessado
em 01/07/2012.
5- TANG, Raymond. UC San Diego School of Medicine. Artigo disponível
em
<http://gastro.ucsd.edu/fellowship/documents/DrugInducedLiverInjury
.pdf> acessado dia 01/07/2012.
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6- LEBENSZTEJN , D.M.L. Drug-related hepatotoxicity in children. Revista
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medicamentosa tratada com corticosteroides. Revista da sociedade
portuguesa de medicina interna Vol.12, nº 1, Jan/Mar 2005.
8- SEBBEN, Viviane C; LUGOCH, Rosemeri W. Validação de metodologia
analítica e estudo de estabilidade para quantificação sérica de
paracetamol. Jornal Brasileiro de Patologia Medica Lab. , v. 46 , n. 2, p.
143-148, abril 2010.
9-Saraiva, H. Martins et al. Pronto – Socorro,Diagnóstico e Tratamento
em Emergências, 2ºed, SP, 2008.
10-Emergências em pediatria, protocolos da santa casa, Peixoto F. La
Torre et al., 1ºed, SP,2011.
11-Katzung, Bertram G.Farmacologia básica e clínica, 10º ed, SP;
Páginas 45—56 e531—532; 2008.
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Caso Clínico: Hepatite medicamentosa