PROCESSO CGJ
DATA: 18/3/2010 FONTE: 2009/139095 LOCALIDADE: GARÇA
Relator: José Marcelo Tossi Silva
Legislação: Lei 6.840/80 - Decreto-lei 413/69 - Lei 6.015/73 - Decreto-lei 167/67 - Decreto-lei
Complementar Estadual 3/69
PENHORA - AVERBAÇÃO - HIPOTECA CEDULAR - CÉDULA DE CRÉDITO RURAL VENCIDA.
REGISTRO DE IMÓVEIS - Penhora - Averbação - Imóvel gravado por hipoteca constituída em
cédula de crédito rural já vencida - Inexistência de penhora pelo credor hipotecário - Ônus que não
impede a averbação da penhora promovida por credor distinto - Antecedentes do Conselho
Superior da Magistratura e do Superior Tribunal de Justiça - Recurso provido, com a ressalva de
que a averbação da penhora não implica em autorização para o ingresso de futura carta de
adjudicação ou arrematação que for expedida na ação de execução movida pelo recorrente.
Íntegra:
PARECER Nº 79/2010-E- PROCESSO CG Nº 2009/139095
Data inclusão: 21/05/2010
(79/2010-E)
REGISTRO DE IMÓVEIS - Penhora - Averbação - Imóvel gravado por hipoteca constituída em
cédula de crédito rural já vencida - Inexistência de penhora pelo credor hipotecário - Ônus que não
impede a averbação da penhora promovida por credor distinto - Antecedentes do Conselho
Superior da Magistratura e do Superior Tribunal de Justiça - Recurso provido, com a ressalva de
que a averbação da penhora não implica em autorização para o ingresso de futura carta de
adjudicação ou arrematação que for expedida na ação de execução movida pelo recorrente.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso interposto por Monsanto do Brasil S.A. contra r. decisão do MM. Juiz
Corregedor Permanente que manteve a negativa de averbação de penhora na matrícula nº 10.998
do Registro de Imóveis da Comarca de Garça porque o imóvel está gravado por hipoteca
constituída em cédula de crédito rural emitida pelo Banco Bradesco S.A.
O recorrente alega, em suma, que a negativa da averbação configura afronta aos artigos 615,
inciso II, 619 e 698, todos do Código de Processo Civil, porque autorizam a penhora e alienação
de bem hipotecado. Ademais, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça é no
sentido de que o bem objeto de gravame em cédula de crédito rural somente é impenhorável até o
vencimento da dívida, o que já ocorreu neste caso. Esclarece, por fim, que requereu, na ação de
execução, a intimação da penhora ao credor hipotecário. Requer a reforma da r. decisão para que
seja promovida a averbação da penhora.
A douta Procuradoria Geral da Justiça ressalvou, em preliminar, a competência da Egrégia
Corregedoria Geral da Justiça para a apreciação do recurso que foi originalmente interposto como
apelação em procedimento de dúvida. No mérito, opinou pelo provimento do recurso (fls. 254/256).
Foi, a seguir, determinada a redistribuição do recurso para a Egrégia Corregedoria Geral da
Justiça, para recebimento e processamento na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado
de São Paulo (fls. 257/258).
Opino.
Apresentada para registro certidão de penhora do imóvel objeto da matrícula nº 10.998 do Registro
de Imóveis da Comarca de Garça, extraída de ação de execução movida pelo recorrente contra
Hirotaka Abe e Tamaku Yamabe Abe, também conhecida como Tamako Abe, na 21ª Vara Cível da
Comarca da Capital (Processo nº 06.204652-2), foi a prática do ato recusada porque o imóvel se
encontra gravado por hipoteca constituída em cédula de crédito rural emitida pelo Banco Bradesco
S.A. (fls. 20/22 e 26/33).
Ocorre que a cédula de crédito rural em que contratada a garantia hipotecária foi emitida em 30 de
junho e teve vencimento em 30 de dezembro de 2006, conforme se verifica na averbação nº 6 da
matrícula nº 10.998 do Registro de Imóveis da Comarca de Garça.
Além disso, a certidão de fls. 21/22, relativa à matrícula nº 10.998 do Registro de Imóveis de
Garça, demonstra que não se encontra averbada penhora realizada em eventual execução do
crédito garantido pela hipoteca que grava o imóvel.
E em situação análoga, em que constituída hipoteca em cédula de crédito comercial, o Colendo
Conselho Superior da Magistratura, no julgamento da Apelação Cível nº 230-6/1, da Comarca da
Capital, em que foi relator o Desembargador José Mário Antonio Cardinale, adotou o entendimento
de que a impenhorabilidade (naquele caso decorrente dos artigos 5º da Lei nº 6.840/80 e 57 do
Decreto-lei nº 413/69) não prevalece depois do vencimento da obrigação garantia.
Consta, nesse sentido, do v. acórdão supra referido:
“O artigo 5º da Lei nº 6.840/80 determina que aplicam-se à cédula de crédito comercial as normas
do Decreto-lei nº 413/69 que, por sua vez, estabelece em seu artigo 57 que os bens vinculados à
cédula de crédito não podem ser penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou
do terceiro que prestou a garantia real.
A jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça,
interpretando a referida disposição legal, se tem orientado no sentido de que a garantia da
exclusividade que decorre da hipoteca constituída por meio de cédula de crédito comercial é de
duração limitada e prevalece até o vencimento da dívida hipotecária. Assim porque o que a lei
protege é o desenvolvimento regular do contrato, restando ao credor hipotecário, após o
vencimento do débito, somente o direito de prelação que é o privilégio resultante da garantia real
constituída. Neste sentido:
"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. IMPENHORABILIDADE DE BEM DADO EM GARANTIA DE
CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA, HIPOTECÁRIA E DE CRÉDITO INDUSTRIAL.
DECRETOS-LEIS 167/67, ART. 69, E 413/69, ART. 57. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS
DA IGUALDADE E DO LIVRE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO.
"Alegação improcedente.
"Providência que visa ao êxito da política de desenvolvimento de atividades básicas, ao assegurar
maior fluxo de recursos para o setor, por meio do reforço da garantia de retorno dos capitais nele
investidos.
"O princípio de que o patrimônio do devedor constitui a garantia de seus credores não é absoluto,
encontrando inúmeras limitações, fundadas em razões de ordem social, econômica e jurídica, e
mesmo de eqüidade, as quais, entretanto, não têm duração ilimitada, nem são restritas aos
terceiros credores do devedor, circunscrevendo sua eficácia ao curso regular do contrato de
financiamento, período durante o qual prevalece não apenas contra os terceiros, mas também
contra o próprio beneficiário da garantia real.
"O privilégio que resulta da garantia, em favor do credor cedular, consiste no direito de prelação,
concretizado no fato de pagar-se prioritariamente como o produto da venda judicial do bem objeto
da garantia excutida, em face da insolvência ou de descumprimento do contrato, destinado
eventual sobejo aos demais credores, que a ele concorrerão 'pro rata', caso em que o tratamento
legal discriminatório não pode ser apodado de antiisonômico, já que justificado pela existência da
garantia real que reveste o crédito privilegiado.
"Acórdão que, decidindo nesse sentido, não merece censura.
"Recurso não conhecido". (Primeira Turma do E. Supremo Tribunal Federal, Recurso
Extraordinário nº 140437-0/SP, relator Min. Ilmar Galvão).
Na mesma esteira a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica no
Recurso Especial nº 247.855/MG, Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.
8.8.2000; Recurso Especial nº 303689/SP, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.8.2002;
Recurso Especial nº 442.550/SP, Quarta Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21.11.2002;
Recurso Especial nº 539.977/PR, Quarta Turma, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 9.9.2003; Recurso
Especial nº 643091/DF, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 23.11.2004.
Tal posicionamento, fundado na subsistência do direito de prelação em favor do credor hipotecário
e na necessidade de aplicação da lei de modo a não afastar o direito dos demais credores
concorrerem no excedente do produto da venda judicial da coisa, ou seja, no que restar depois da
satisfação do crédito privilegiado, autoriza a mudança da orientação até agora dotada por este E.
Conselho Superior da Magistratura sobre a mesma matéria.
No presente caso, vencida a cédula de crédito comercial e não existindo registro de penhora
promovida em ação de execução da hipoteca, é possível admitir o registro da penhora efetuada na
ação movida pelo credor não titular de garantia real.
Isto, entretanto, não afasta a possibilidade do credor privilegiado discutir na via jurisdicional a
extensão da garantia em seu favor constituída, visando desconstituir a penhora promovida pelo
credor quirografário, uma vez que a decisão da dúvida tem natureza meramente administrativa
(artigo 204 da Lei nº 6.015/73).
Por fim, o registro da penhora independe da prova de que o executado dela foi intimado, como
preceitua o artigo 659, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.
4. Ante o exposto, nego provimento ao recurso”.
Colhe-se da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em consonância, que a
impenhorabilidade decorrente de hipoteca constituída em cédula de crédito rural não prevalece: I)
em sede de execução fiscal, em razão da preferência do crédito tributário; II) depois do período de
vigência do contrato de financiamento; III) havendo anuência do credor hipotecário para a
constrição. Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL GRAVADO COM HIPOTECA. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL.
ART. 69, DO DECRETO-LEI N.º 167/67. IMPENHORABILIDADE RELATIVA.
1. O art. 69, do Decreto-lei n.º 167/67, preceitua que. "Os bens objeto de penhor ou de hipoteca
constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou seqüestrados por
outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou
ao terceiro empenhador ou hipotecante denunciar a existência da cédula às autoridades
incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos
resultantes de sua omissão. "
2. A impenhorabilidade dos bens entregues em garantia hipotecária tanto em cédula de crédito
rural como em cédula de crédito industrial é relativa, sendo admitida nos seguintes casos: a) em
sede de execução fiscal, haja vista a preferência dos créditos tributários (RESP 471899 / SP ; Rel.
Ministro FRANCIULLI NETTO, DJ de 06.09.2004; RESP 563033 / SP ; deste relator, DJ de
22.03.2004;REsp 318.883/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ de 31/03/02; RESP 268.641/SP,
Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 11/11/2002;RESP 309853 / SP ; Rel. Ministro JOSÉ
DELGADO, DJ de 27.08.2001); b) após o período de vigência do contrato de financiamento (RESP
131699 / MG ; Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, DJ de 24.11.2003; RESP 539977 / PR ; Rel.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 28.10.2003; RESP 451199 / SP ; Rel. Ministro RUY
ROSADO DE AGUIAR, DJ de 26.05.2003);e c)quando houver a anuência do credor.(RESP
532946 / PR ; Rel.Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 13.10.2003)
3. In casu, a regra da impenhorabilidade prevista no art. 69, do Decreto n.º 167/67 foi relativizada
tendo em vista que o valor do bem excede a dívida garantida pela hipoteca.
4. A ratio essendi do art. 69, do Decreto-lei n.º 167/67 é a de proteger o satisfação do crédito e o
direito de preferência do credor, (RE n.º 140437/SP, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ de 03.02.1995),
5. A exegese do referido preceito explicita a preferência do detentor da garantia real sobre os
demais credores na arrematação do bem vinculado à hipoteca.
6. Concluindo as instâncias ordinárias, que possuem irrestrito acesso às provas dos autos,
concluíram que a penhora não comprometerá a possível execução da garantia hipotecária,
revela-se insindicável a esta Corte Superior, por força da incidência da Súmula n.º 07/STJ, rever
tal posicionamento.
7. Recurso especial improvido” (REsp 633.463/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado
em 22/03/2005, DJ 25/04/2005, p. 235).
Essa orientação, por sua vez, se justifica pela relevante função que a penhora produz perante
terceiros e em relação ao bem atingido. Com efeito, a publicidade decorrente da averbação faz
com que seja oponível erga omnes e, com isso, produz em favor do credor o direito de seqüela.
Assim, a averbação da penhora acarreta a presunção de que eventual alienação voluntária do
imóvel pelo devedor foi realizada em fraude à execução e, mais, desencoraja possível protelação
do cancelamento da hipoteca registrada, estando presentes os requisitos para o ato, feita com o
eventual intuito de prolongar impenhorabilidade legal e, deste modo, preservar o bem livre de
outras constrições.
Mostra-se, dessa forma, possível a averbação da penhora que incidiu sobre o imóvel objeto da
matrícula nº 10.998 do Registro de Imóveis de Garça, o que, porém, não implica em autorização
para o futuro ingresso de carta de arrematação ou adjudicação expedida em ação de execução de
crédito distinto daquele garantido pela hipoteca cedular.
Isso porque o ingresso de futura carta de arrematação ou de adjudicação dependerá da existência
de título formalmente apto e será promovido mediante prática de ato de registro em sentido estrito,
cuja realização, havendo recusa pelo Oficial de Registro de Imóveis, deverá ser objeto de análise
em procedimento de dúvida, cuja sentença será passível de apelação com julgamento de
competência do Colendo Conselho Superior da Magistratura (artigos 64, inciso VI, do Decreto-lei
Complementar Estadual nº 3/69 e 16, inciso V, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo).
Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa
Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso para que seja promovida a averbação da
penhora.
Sub censura.
São Paulo, 18 de março de 2010.
José Marcelo Tossi Silva
Juiz Auxiliar da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e, por seus fundamentos, que
adoto, dou provimento ao recurso interposto, nos termos propostos. Publique-se. São Paulo, 26 de
março de 2010. Des. ANTONIO CARLOS MUNHOZ SOARES. Corregedor Geral da Justiça.
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