Por todo exposto, tem-se que o Supremo anda bem ao reconhecer a validade das transferências de financiamentos firmadas sem a anuência da instituição financeira nos contratos regidos pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, pois é o entendimento que melhor se coaduna com a Constituição da República e os princípios gerais do direito das obrigações e dos contratos. 2. DA VALIDADE DA TRANSMISSÃO DO FINANCIAMENTO SEM A NUÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA 1.1. Do Direito de Propriedade O direito de propriedade é direito real por excelência, sendo o mais amplo entre todos eles, o que constitui a sua qualidade fundamental, o traço típico que o caracteriza. Tem dois caracteres essenciais: ser absoluto e exclusivo. Absoluto, pois a pessoa tem sobre a coisa poder ilimitado e poder fazer dela aquilo que melhor lhe apraz. E, exclusivo, pois o proprietário tem o poder privativo, em virtude do qual pode impedir que outrem goze e disponha de sua coisa, podendo reivindicá-la a terceiro possuidor, repelindo qualquer ofensa ao seu direito. O direito de propriedade encontra respaldo na Constituição da República, especialmente no artigo 5º, inciso XXII, que diz: “é garantido o direito de propriedade”. Ademais, o Código Civil de 2002, artigo 1.228, é objetivo quando giza que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Como já dito anteriormente, os contratos de financiamentos imobiliários são contratos atípicos, que na prática constituem em dois, uma compra e venda e um mútuo com garantia hipotecária. O contrato de compra e venda transmite a propriedade do imóvel do vendedor – que é o mutuário originário no contrato de financiamento – ao comprador, popularmente designado como “gaveteiro”. A instituição financeira, que concede o valor do imóvel mediante mútuo, não recebe a propriedade do imóvel, apenas tem a hipoteca do mesmo, como garantia do pagamento do financiamento. Assim, o agente financeiro detém tão-somente a hipoteca, na qualidade de mero credor hipotecário, jamais de proprietário, não podendo impor restrições à propriedade do cessionário. O gravame hipotecário adere à coisa, sem, no entanto, trazer limitação ao direito de propriedade. Não se autoriza assim, ao credor obstaculizar a venda do imóvel, em flagrante afronta ao art. 5º, XXII da CR/88 e ao art. 1.228 do CC/02. Portanto, não se pode abrir ao credor hipotecário a possibilidade de interferir no destino do bem. Os imóveis adquiridos mediante financiamentos baseados na Lei 4.380/64 são de propriedade dos mutuários, embora o ônus real existente, e podem ser repassados a quem lhes aprouver, permanecendo a hipoteca como garantia ao credor. Por essas razões, com base no direito à propriedade, deve-se entender por válida a transferência efetuada sem interveniência da instituição financeira, inobstante a data da transação, podendo o mutuário dispor do imóvel, sem restrições. 1.2. Da função social da propriedade e do contrato Tradicionalmente, a propriedade é conceituada como o poder de usar, gozar e dispor da coisa. Por essa conceituação pode-se concluir que a o proprietário pode fazer uso do bem de acordo com a sua conveniência, tendo, inclusive, poder de destruí-lo ou torná-lo improdutivo, pouco se importando com os interesses coletivos que aquele bem por ventura tenha. No entanto, o desfrute do bem deve ser feito de acordo com a conveniência social da utiliza-