REVISTA ÂMBITO JURÍDICO Livro sem papel ® Os reflexos da Revolução Industrial na sociedade, podem hoje ser equiparados aos da atual Revolução Digital, onde a rapidez do desenvolvimento tecnológico, com aporte na rede mundial de computadores, veio aprimorar conceitos e atividades econômicas. Houve, porém, uma mutação na plataforma utilizada, atuando o instrumento tecnológico como o meio de realização de diversas atividades. Na verdade, as operações executadas através de recursos tecnológicos, nada mais são que clones daquelas já desenvolvidas na vida real, disfarçadas apenas em roupagem eletrônica. Pode-se comprar automóveis, roupas, objetos e livros, tanto no comércio “off line” quanto no “on line”. Pretendemos aqui refletir sobre a questão dos livros, questionando inicialmente se quando fazemos a leitura de um livro ou jornal pela Internet ou por qualquer outro meio de gravação, perdem estes suas características? Deixam de ser considerados livro ou jornal? Não se pode limitar seu conceito à aqueles confeccionados somente em papel, sendo forçoso reconhecer que a mudança se operou apenas na forma de apresentação e não em seu conceito ou conteúdo. Porém, a alerta lupa dos agentes tributários, sempre atentos e operosos às oportunidades de aporte de arrecadação, confundem alhos com bugalhos, se apressando a tributar tudo aquilo que consideram novidade tecnológica. Ocorre que não é suficiente a discussão genérica de que incide tributação sobre produtos de informática. É preciso, antes, diferenciar o conteúdo da gravação por meio eletrônico, pois a incidência de tributação somente pode ser devida por seu conteúdo e não pela forma de sua apresentação. A Constituição Federal (art. 150, VI, “d”), concedeu imunidade tributária ao livro, jornais, periódicos, bem como ao papel destinado à sua impressão, protegidos como instrumentos de transmissão do pensamento, da liberdade de expressão, da informação e disseminação cultural. Sabe-se perfeitamente que nenhuma legislação consegue acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Tivessem os constituintes imaginado fosse possível existir outra forma de impressão que não fosse através do papel, teria sido excluída a imunidade? Pode-se afirmar negativamente com naturalidade, pois a norma constitucional pretendeu proteger a divulgação da cultura nacional, tornando acessível o custo da obra. O suporte material à época era o papel. Hoje, porém, existem outros meios para difusão do pensamento, inseridos em outras formas de apresentação, que em nada descaracteriza sua natureza. Cabe distinguir entre o principal e o acessório, sendo elementar a regra que o segundo segue o primeiro. A imunidade foi concedida ao principal, ao veículo, seja este confeccionado por qualquer tipo de material. Os insumos são acessórios. Por outro lado, é indispensável que as normas constitucionais sejam obedecidas, sob pena de violação do princípio estipulado pela regra imunizante, frustrando-se o objetivo que pretendeu alcançar. Não cabe ao intérprete distinguir a utilização de recursos tecnológicos para a elaboração do veículo de comunicação do pensamento, se o legislador não o fez. Na defesa dos interesses do Poder Público, desejam os bugs tributários vingar a tese de que a imunidade foi concedida apenas aos insumos necessários à confecção dos livros. Nesse caso, pode o feitiço virar contra o feiticeiro, pois a mesma regra se aplica: o insumo do livro eletrônico é o disquete, o CD ou a Internet. É certo que o Direito Tributário é o ramo do direito que mais depende de interpretação semântica. Ora, se o texto ou o conteúdo da gravação é de um livro, não importa a forma como que se apresenta, o suporte físico onde se aloca. Este não perde suas características essenciais somente por ser oferecido em meio físico diverso daquele até então conhecido. O Poder Judiciário, vem sistematicamente deletando a aspiração de abertura de um novo portal de recursos financeiros aos Fiscos Estaduais, que pensam ser soberano seu entendimento de que todas edições em CDRom, são tributadas pelo ICMS . Várias são as decisões que derrubam a pretensão de arrecadação, todas porém, invariavelmente acessam a conexão constitucional e à vontade do legislador em conceder a isenção. Em alguns fundamentos destacam que o livro, como objeto de imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que realiza e que a Carta protege. Ressaltam, que a expressão livro contida na Carta Magna deve ser entendida como gênero e dividida nas espécies “strictu senso” – livro convencional, escrito no papel e o software, cujo conteúdo seja um livro, livro eletrônico. Livros, jornais e periódicos, são todos os impressos ou gravados por quaisquer processos tecnológicos que transmitem aquelas idéias , informações ou comentários, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile destinados a cegos. A limitação ao poder de tributar que inexoravelmente protege o cidadão dos abusos de poder, é acessada através do link judiciário, que melhor interpreta o mandamento constitucional, sem se deixar invadir por vírus sistêmicos.