Acórdãos TRC
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Texto Integral:
Meio Processual:
Decisão:
Legislação Nacional:
Sumário:
Decisão Texto Integral:
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
15/12.6TBSRE-A.C1
JTRC
ARLINDO OLIVEIRA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
03-03-2015
UNANIMIDADE
COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, INSTÂNCIA CENTRAL –
SECÇÃO DE EXECUÇÃO
S
APELAÇÃO
PARCIALMENTE REVOGADA
ARTIGO 456.º, N.º 2 DO CPC (ACTUAL ARTIGO 542.º, N.º 2 DO NCPC)
1. A lei aplicável ao instituto da litigância de má fé é a vigente à data da
prática dos factos/condutas ilícitos que geram a alegada má fé.
2. Tanto os pressupostos como as consequências da litigância de má fé deve
ser apreciados à luz do mesmo regime legal.
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
A..., B... , C... e D... , Lda. deduziram a presente oposição contra E..., Lda., à
execução para pagamento de quantia certa que corre termos sob o
n.º15/12.6TBSRE, e na qual figuram comos Executados, e esta como
Exequente, pedindo, a final, que sejam julgadas procedentes por provadas “as
excepções de ilegitimidade do portador, a excepção de inexistência da dívida e
a excepção de preenchimento abusivo, declarando as letras dadas à execução
feridas de nulidade”.
Alegaram, para o efeito, e grosso modo, que entre as sociedades aqui Executada
e Exequente nunca houve qualquer relação comercial, tendo, sim, existido entre
aquela e a sociedade F..., a qual intentou uma ação executiva contra aquela
primeira, finda por força de um acordo de pagamento, no âmbito do qual
foram “entregues, pelo B... e pelo C... , duas letras para pagamento dos
montantes que a executada ainda tinha em dívida”, ou seja, “como garantia do
pagamento dos valores em dívida caso aquele acordo não fosse cumprido”, e
“em branco, já avalizadas pelos ora executados, pessoas singulares, sendo que
as mesmas seriam preenchidas em caso de incumprimento”. Nesta ordem de
ideias, e argumentando que o dito acordo de pagamento foi cumprido, bem
assim que nada ficou a sociedade Executada/Opoente a dever àquela sociedade
F... , concluiu que “a ora exequente não é legítima portadora da letra o que
(…) conduz à excepção de legitimidade e assim à consideração de que não
estamos perante um título executivo”, acrescendo “que, e consequentemente, na
medida em que tal relação nunca existiu, e assim a dívida também não existe,
nunca se poderia falar em pacto de preenchimento, ainda que tácito”.
Aduziram, ainda, e por conseguinte, que “a ora exequente sabe não ter
qualquer facto que a legitime ser portadora das” letras dadas à execução, “sabe
que nunca teve relações comerciais, ou quaisquer outras, com a ora
executada” e que “[a]o peticionar os valores em causa, deduziu pedido que
manifestamente saber ser destituído de todo e qualquer fundamento, alterando
a verdade dos factos de forma grosseira e grotesca”, peticionando, a final, a
sua condenação e dos seus representantes “de forma solidária, em multa e
indemnização, desde logo, a favor dos ora executados”, arguindo, com relação
à indemnização, que haverá de ser arbitrado “aos ora executados, para além do
reembolso de todas as despesas, nomeadamente advindas da contratação de
mandatário, e de outros técnicos, que os mesmos suportarem e a que foram
obrigados, face à má fé litigante, e que neste momento não é possível
contabilizar (…), mas em montantes, por ora calculados, nunca inferiores a
25.000,00€”.
Regularmente notificada, a Exequente (aqui Oposta) veio apresentar
contestação, contrariando as afirmações, feitas pelos Executados/Opoentes, de
inexistência da relação jurídica subjacente, porquanto “não existe identidade de
causas de pedir nem de sujeitos processuais” com relação à sobredita ação
executiva que correu termos no Tribunal Judicial de Pombal, sendo,
ademais, “irrelevante face ao portador das letras de câmbio”.
Igualmente explicou que “os sócios daquela sociedade ( FF... ) e os sócios
gerentes da exequente que, estavam presentes, aceitaram as duas letras de
câmbio devidamente preenchidas para garantia preenchidas para garantia
daqueles planos de pagamento com a condição de cederem, aqueles créditos
à E... , Lda, a quem transmitiram os estabelecimentos comerciais, [o] que
aqueles executados concordaram, e aceitaram, no intuito de obviarem à
penhora dos bens móveis”.
Por fim, defendeu-se da peticionada condenação como litigante de má fé,
acusando serem os Executados/Opoentes quem litiga de má fé.
Notificada da contestação, os Executados/Opoentes nada vieram dizer.
Seguindo o processo os termos do processo sumário de declaração, foi proferido
despacho datado de 27.09.2012, onde se proferiu despacho saneador tabelar e o
Tribunal se absteve de proceder à seleção da matéria de facto.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu, como
consta das respetivas atas, com a inteira observância do formalismo legal
aplicável.
Finda a qual, o Tribunal, por despacho de fls.426-431 dos autos, declarou quais
os factos que julgava provados e não provados, decisão da qual não foram
formuladas quaisquer reclamações, tendo os Executados/Opoentes,
ulteriormente, e ao abrigo do disposto no artigo 657.º do C.P.C., oferecido as
suas alegações por escrito (cfr. a fls.439-451 dos autos).
Após o que foi proferida a sentença de fl.s 452 a 459, na qual se decidiu o
seguinte:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas,
3.1. julgo procedente, por provada, a presente oposição à execução e, em
consequência
3.1. 1. determino a extinção da execução principal de que é apenso para
pagamento das quantias inscritas na letras de câmbio dadas à execução; e
3.1.2. condeno a sociedade Exequente/Oposta no pagamento das custas
processuais devidas pela presente oposição à execução, por a ela ter dado causa
(artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do novo C.P.C.);
e
3.2. julgo procedente por provado o incidente de condenação como litigante de
má fé da sociedade Exequente/Oposta e, consequentemente
3.2.1. condeno-a no pagamento de uma multa no montante de 4 (quatro) UC’s;
3.2.1. convido os Executados/Opoentes a, no prazo de 10 dias, liquidarem
discriminadamente as suas despesas judiciais acarretadas e prejuízos sofridos
conforme supra exposto; e
3.2.2. condeno a sociedade Exequente/Oposta no pagamento das
correspondentes custas processuais (cfr. o artigo 539.º, n.º1, in fine do novo
C.P.C.).”.
Notificados da mesma, vieram os executados-opoentes, cf. seu requerimento de
fl.s 460 a 463, requerer a respectiva aclaração, com o fundamento em da mesma
não resultar se a condenação por litigância de má fé abrange apenas a sociedade
ou também os seus sócios gerentes, defendendo que assim deve ser e
solicitando, em conformidade, fosse proferido despacho “no sentido de que essa
mesma condenação englobe a condenação como litigantes de má fé dos seus
legais representantes.”.
De seguida, cf. requerimento de fl.s 465 a 476 (posteriormente rectificado
através do requerimento de fl.s 480 a 492, o que foi aceite), os executadosopoentes vieram quantificar as despesas e os prejuízos sofridos em
consequência da actuação dolosa da exequente, cf. ordenado na sentença acima
já referida, peticionando a condenação da exequente e dos seus representantes,
no pagamento de uma indemnização por litigância de má fé, no montante global
de 29.283,40 € e de acordo com as parcelas mencionadas a fl.s 491 v.º e 492.
Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, esta, como consta de fl.s 498 a 499, no
tocante ao supra referido requerimento de aclaração, decidiu o seguinte:
“I. Da aclaração da sentença
[a condenação da sociedade e/ou dos seus representantes legais?]
Vieram os Executados/Opoentes requerer a “aclaração da sentença no sentido
de evitar interpretações dúbias e assim de novas questões processuais a serem
levantadas, por forma a tornar indiscutível a responsabilidade daqueles
mesmos representantes”, arguindo que “tal condenação como litigante de máfé da ora exequente abrange, nos termos do artigo 458ºdo CPC, os seus
representantes, pelo que a responsabilidade pelo pagamento da indemnização é
também desses mesmos Representantes”.
*
Lê-se no atual artigo 544.º do novo Código de Processo Civil (com
correspondência, ainda que não integral conforme, precisamente, se salientará,
no antigo 458.º do C.P.C.), que, «[q]uando a parte for um incapaz, a
responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu
representante que esteja de má-fé na causa».
Por referência ao anteriormente consagrado no referido artigo 458.º do C.P.C.,
os tribunais portugueses, de uma forma geral, entendiam que, «[q]uando [fosse]
parte na causa um incapaz ou uma pessoa colectiva, a actividade processual que
conta é a do respectivo representante. É este que age em nome do representado;
se no exercício da acção ou da defesa puder descobrir-se dolo substancial ou
instrumental, há-de imputar-se ao representante, e não ao próprio incapaz ou à
pessoa colectiva» (assim, e inter alia, o aresto do Tribunal da Relação de Lisboa
de 17.03.2009, processo n.º8176/2008-1, Maria Rosário Barbosa, onde se
concluiu que «não pode a Sociedade A. ser condenada como litigante de má-fé
pois no caso não podemos deixar de reconhecer que os autos não contém
quaisquer elementos que permitam determinar a que representante da R. poderia
ser imputável a má-fé»).
Contudo, e justamente, «[o] artº 544º, do novo CPC, que alterou o artº 458º do
anterior, passou a admitir a possibilidade de condenação, como litigantes de má
fé, das pessoas colectivas e sociedades e eliminou a responsabilização do
representante que estivesse de má fé na causa», sendo «[t]al norma (…) de
aplicação imediata, pelo que, apreciando-se em recurso uma tal condenação,
esta não pode subsistir». Com efeito, «[n]o domínio do Código de Processo
Civil que vigorou até 31-08-2013, dispunha o artº 458º que, na hipótese de a
parte litigante de má fé ser uma sociedade, a responsabilidade das custas, da
multa e da indemnização previstas no artº 456º, recai sobre a pessoa do seu
representante que esteja de má fé na causa. As consequências da conduta típica
e censurável da pessoa colectiva manifestada no processo, violadora dos
interesses públicos fundamentais que o inspiram (artºs 456º, nº 2, e 266º-A[1])
eram, portanto, imputadas a quem, agindo processualmente em nome da
sociedade, corporizou e subjectivou (com dolo ou negligência grave) os
inerentes actos, ou seja, a quem, na realidade, esteve de má fé na causa. Era
assim em face da especial natureza da parte litigante que, só se considerando
pessoa enquanto como tal ficcionada pelo Direito, não tem vida, acção e
vontade próprias, no sentido físico e psíquico, qualidades pressupostas da acção
praticada e a cujo agente se dirige a reprovação ético-jurídica em que se traduz a
punição. (…) Este modelo remonta ao tempo, hoje ultrapassado, em que
praticamente se rejeitava a responsabilidade penal das pessoas colectivas, na
medida em que insusceptíveis de um juízo de culpa (segundo o princípio de que
societas delinquere non potest) e apenas se admitia a punição de quem
individualmente agisse em seu nome. (…) Vem isto a propósito da entrada em
vigor, no pretérito dia 1 de Setembro, do novo Código de Processo Civil,
aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. Cotejando o texto do artº 548º,
agora revogado, com o do novo artº 544º vigente, constata-se que foi eliminada
a responsabilidade individual da pessoa singular que aja de má fé em
representação da parte pessoa colectiva. No regime de agora, portanto, a
eventual conduta litigante de má fé da aqui autora sociedade comercial ser-lheia directamente imputável, respondendo o seu património, em termos gerais,
pelas custas, multa e indemnização em que, a esse título, devesse ser condenada.
Tal responsabilidade, portanto, deixou de recair sobre o seu representante, ainda
que este esteja de má fé na causa. Ora, nos termos do artº 5º, nº 1, do diploma
que aprovou o novo Código, este “é imediatamente aplicável às acções
declarativas pendentes”. Sendo assim, à face do novo artº 544º do Código, a
conduta do aqui apelante, enquanto representante da parte pessoa colectiva no
processo, deixou de estar tipificada e, portanto, de ser punível. Tal
consequência, está em linha de sintonia com o, na essência, similar regime
penal: o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de
o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções (descriminalização);
sendo diferentes as disposições penais vigentes ao tempo da prática do facto das
posteriormente estabelecidas (alteração), é sempre aplicado o regime que
concretamente se mostrar mais favorável ao agente (artº 2º, nºs 2 e 4, do CP). E
corresponde ao princípio constitucional de que são aplicadas retroactivamente
as leis penais de conteúdo mais favorável (artº 29º, nº 4, da CRP). Formalmente,
não estamos, claro, ante lei penal, como já se disse.
Todavia, comungando ela, como se viu, de princípios e valores
fundamentalmente idênticos, ajusta-se a tal regime a legalmente preconizada
aplicação imediata da lei processual nova – aplicação esta, afinal,
correspondente ao princípio geral aceite na matéria e sobre que o legislador
nenhuma excepção ou restrição, neste caso, estabeleceu. Princípio que, aliás,
concebido como de inspiração processual, reconhecidamente assenta no
interesse público subjacente ao direito adjectivo e que se justifica no
entendimento de que “a nova lei é, do ponto de vista público ou estadual, a tida
como a melhor para a defesa dos interesses que estão na base do direito
processual”[5] mas que, exactamente por isso, também se aproxima do da
descriminalização ou do da retroactividade da lei penal mais favorável, uma vez
que se o legislador resolveu deixar de considerar como ilícito punível certa
conduta ou atenuar a respectiva punição é porque, “em mais adequada e
actualizada visão dos valores legalmente protegidos”[6], entendeu que os factos
não são merecedores de censura, ou não o são nos termos gravosos em que o
eram. De resto, no instituto em apreço, a norma em causa, não regula actos
processuais, estabelece, sim, um meio de tutela, de cariz sancionatório, da boa
fé processual» (vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.09.2013,
processo n.º4351/08.9TBVNG.P2, José Amaral).
*
In casu, portanto, indefere-se a aclaração requerida da sentença proferida, já, na
vigência do novo Código de Processo Civil (e que de seguida se
complementará), mantendo-a nos seus precisos termos, designadamente no
constante sob o seu ponto3.2., atinente à condenação como litigante de má fé da
Sociedade Exequente/Oposta, na multa fixada em 3.2.1. e na indemnização
que infra se determinará.
Tal afirmação/conclusão não é contrariada pelo disposto no n.º4 do artigo 6.º da
Lei n.º41/2013, de 26 de Junho (que aprovou o novo Código de Processo Civil,
com a Retificação n.º36/2013, de 26 de Agosto) – onde se lê que «[o] disposto
no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente
aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos
que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei» –,
porquanto, segundo o entendimento deste Tribunal, as novas regras que não
sejam as especificamente previstas e/ou conexas com os ditos incidentes de
natureza declarativa, como seja a oposição à execução, não são de subsumir
àquela previsão legal; o mesmo será dizer que as novas regras que sejam
reconduzíveis às disposições gerais e comuns, como é o caso das regras insertas
no título «[d]as custas, multas e indemnização] e, aqui, as relativas às «[m]ultas
e indemnização» (contidas nos artigos 542.º a 545.º), são de aplicação imediata
(nos termos do n.º 1 do referido artigo 6.º). “.
E, conforme decisão de fl.s 499 v.º a 503 v.º, no que concerne à quantificação
da indemnização a pagar pela exequente aos executados, a título de litigância de
má fé, decidiu-se o seguinte:
“Pelo exposto, condeno a Sociedade Exequente/Oposta a pagar aos
Executados/Opoentes, a título de litigância de má fé, a indemnização global
de €18.327, 60 (dezoito mil, trezentos e vinte e sete euros, e sessenta
cêntimos), sendo:
1. €14.250,00 (catorze mil, duzentos e cinquenta euros), a título de despesas
com os honorários do Ilustre Mandatário e com o Técnico Oficial de
Contas;
2. €1.652,40 (mil seiscentos e cinquenta e dois euros, e quarenta cêntimos),
referentes a taxas de justiça pagas pelos Executados/Opoentes;
3. €8,40 (oito euros e quarenta cêntimos) a cada um dos
Executados/Opoentes, relativos despesas de deslocação dos
Executados/Opoentes às audiências de julgamento, num total de €25,20
(vinte e cinco euros e vinte cêntimos; e
4. €800,00 (oitocentos euros) a cada um dos Executados/Opoentes, a título
de danos não patrimoniais, num global de€2.400,00 (dois mil e quatrocentos
euros).”.
Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os opoentesexecutados, A... ; B... ; C... e D... , L.da,recurso, esse, admitido como de
apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente
devolutivo (cf. despacho de fl.s 524), rematando as respectivas motivações, com
as seguintes conclusões:
a.Os presentes autos de execução tiveram a sua origem com a apresentação do
requerimento executivo pela exequente, apresentando aquela, como título
executivo, duas letras alegadamente devidas pelos ora recorrentes, no valor
global de € 73.504,29 (com juros incluídos), a executada pessoa colectiva
responsável pelo montante advindo de fornecimentos prestados pela exequente
no exercício das suas actividades, e os executados/pessoas singulares como
avalistas.
b.Em sede de oposição à execução alegaram que nada deviam à exequente, a
qualquer título, não existindo qualquer relação comercial ou outra relação entre
os executados, e mesmo entre a executada pessoa colectiva (ora recorrentes) e a
exequente e seus legais representantes, e ainda ter havido um preenchimento
abusivo de letras, bem como ter existido um pagamento no âmbito de um outro
processo judicial nada restando em dívida. E, na mesma sede mais peticionaram
os ora recorrentes a condenação da exequente, e dos seus gerentes, por
litigância de má fé, na modalidade de dolo, e assim, ao pagamento de todas as
despesas, incluindo os honorários do mandatário, custas dos presentes autos,
procuradoria, multa e indemnização a favor dos executados a arbitrar pelo
Tribunal e a calcular após ser proferida sentença final.
c.A exequente/oposta apresentou contestação, contrariando o afirmado pelos
executados (ora recorrentes), sendo que após várias sessões da audiência de
discussão e julgamento - nomeadamente por impossibilidade de se efectivar o
depoimento de parte daqueles mesmos gerentes pela sua contínua não presença
e por nunca se ter obtido a sua notificação - ao 23 de Setembro de 2013 foi
proferido despacho (de fls.426-431 dos autos) de resposta à matéria de facto, a
que se seguiu a apresentação – pelos ali executados/opoentes, ora recorrentes - e
ao abrigo do disposto no artigo 657.º do CPC (anterior e aplicável in casu), de
requerimento quanto ao aspecto jurídico da causa, tendo este sido aceite e assim
junto aos autos.
d.Em 22 de Outubro de 2013 foi proferida sentença que decidiu julgar
procedente, por provada a oposição à execução, determinando a extinção da
execução da qual o processo de oposição é apenso, e declarou procedente por
provado o incidente de condenação como litigante de má fé da sociedade
Exequente/Oposta.
e.O tribunal a quo determinou que os sócios-gerentes da exequente, filhos do
sócio da sociedade F... e, designadamente, tendo o seu sócio-gerente H...
acompanhado a gestão, aos seus vários níveis da referida F... , ao instaurar a
ação executiva de que estes autos são apenso, não poderia nem deveria
ignorar que as letras dadas à execução o foram no âmbito de um acordo de
pagamento e que a dívida ali em causa foi integralmente liquidada pela
Executada/Opoente.
f.O tribunal a quo considerou que a sociedade Exequente/Oposta actuou com
«negligência grave», em face, pois, das relações próximas (de família,
inclusivamente), entre os sócios-gerentes das sociedades F... e da E... e,
sobretudo, do acompanhamento, pelo sócio-gerente desta H... , da gestão
daquela.
g.Da decisão de condenação como litigante de má fé, não se depreendia – salvo
o devido respeito, assim se afigurou aos executados/opoentes - de forma clara,
quais as pessoas afectadas com tal condenação, ou seja, se a condenação incluía,
nos termos peticionados em sede de oposição à execução, os sócios gerentes da
exequente ou se limitava à exequente/oponida pessoa colectiva, tendo sido
apresentado pedido de aclaração de sentença que foi recebido e obteve o
competente despacho.
h.O pedido teve como fundamento o facto de ao abrigo da lei aplicável aos
autos (CPC anterior), o artigo 458.º do CPC determinar que recai(a) sobre os
legais representantes a responsabilidade por condenação em custas, multa e
indemnização da parte que esteja de má fé na causa.
i.Em sede de despacho de decisão quanto ao requerimento de pedido aclaração,
vem o tribunal decidir que aos autos se aplica o novo Código de Processo Civil
(NCPC), nos termos do artigo 6.º, n.º1 da Lei n.º 41/2013 que aprovou o NCPC
determinando a aplicação ao caso do actual 544.º, e assim isentando de qualquer
responsabilidade os legais representantes da exequente.
j.Os presentes autos iniciaram-se na vigência de uma lei (CPC anterior a
Setembro de 2013), tendo sido publicada nova lei e assim entrado em vigor um
Novo Código de Processo Civil (NCPC) em 01 de Setembro de 2013.
k.A apresentação do requerimento de discussão do aspecto jurídico da causa,
aceite nos autos, e do requerimento de aclaração, também aceite, e sobre o qual
foi proferido despacho após a sua devida apreciação, ocorreram após 01 de
Setembro de 2013 e assim ao abrigo do “velho” CPC, por quanto o NCPC
eliminou tais institutos jurídicos.
l.Nas disposições transitórias previstas pela Lei 41/2013 que aprovou o NCPC,
estabelecem-se regras especiais de aplicação da lei às acções pendentes Dispõe
o artigo 6.º, n.º4 da mesma lei, ao contrário do disposto para as acções
declarativas e executivas pendentes, cuja aplicação do NCPC é imediata,
relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa a nova lei
apenas se aplica aos apresentados após 01 de Setembro de 2013. E, assim, se a
própria oposição à execução constitui, só por si, um incidente de natureza
declarativa que corre por apenso à acção executiva que origina os autos, tendo
in casu sido aplicado o anterior CPC, então, nestes termos, também a litigância
de má fé, ela mesmo, um incidente, e um incidente de natureza
declarativa que, in casu, foi deduzido aquando da apresentação da oposição à
execução, e assim, em momento anterior à entrada em vigor do presente código
de processo civil (NCPC), deve obter a mesma resposta quanto à aplicação do
anterior regime. Se assim não for, estaremos perante um sério caso de violação
da própria norma transitória. Isto é, no que tange à condenação como
litigante de má fé deveria o tribunal a quo aplicar o anterior regime, plasmado
no artigo 456.º e ss. do CPC, na medida em que se trata de um incidente da
instância a tramitar nos termos do artigo 302.º e ss. do anterior CPC.
m.Por outro lado, e ademais, carece de sentido e fundamento a diferença de
tratamento e de regime entre todos os incidentes da instância anteriores a
Setembro de 2013 seguirem o regime antigo para depois consentir na aplicação
da nova regra que consagra a própria litigância de má fé. Por uma questão de
coerência do ordenamento jurídico e de igual tratamento de todos os incidentes
da instância e assim de unidade do sistema, deve, in casu, na condenação
proferida, aplicar-se o regime plasmado no artigo 456.º e ss do anterior CPC,
nos termos do n.º 4 do artigo 6.º da Lei 41/2013.
n.Ao considerar a aplicação do nº 1 do artº 6º em detrimento do nº 4 estamos
assim perante um erro na determinação da norma aplicável, nos termos da alínea
c) do nº 2 do artº 639º do NCPC. Na verdade, ao estipular a norma vertida no n.º
4 do artigo 6.º da Lei 41/2013, foi clara a intenção do legislador no sentido de
que aos incidentes da instância anteriores a Setembro de 2013 devem ser
aplicadas as normas do 302.º e ss. do anterior CPC. E, consequentemente,
quanto à litigância de má-fé, ter-se optado pelo regime das custas, multa e
indemnização consagrado nos artigos 456º e segs do “velho” CPC e assim
serem os legais representantes da exequente condenados como litigantes de máfé, e assim responsabilizados pela indemnização a pagar aos ora recorrentes,
porquanto, como resulta dos factos provados foram estes que litigaram de má fé
na causa (artigo 458.º anterior CPC). E, não sendo assim estaremos perante a
violação dos normativos aduzidos (leia-se 456º, 458 do anterior CPC e artigo
6.º, n.º 4 da Lei 41/2013).
o.A aplicação de diferentes regimes, como se concluiu em “M”, no âmbito do
mesmo incidente viola o princípio da segurança jurídica e o princípio basilar da
processualística – e com consagração constitucional – de evitar decisões
surpresa.
p. Esta duplicidade de critérios leva-nos ainda a uma contradição notória que
afecta assim a unidade da decisão de um qualquer processo judicial, e por sua
vez a unidade do próprio sistema procedimental porquanto, os seus fundamentos
(nomeadamente no que concerne à aplicabilidade da lei) estão em oposição com
o facto de a própria aclaração ser aceite.
q. A decisão de que ora se recorre viola, de forma manifesta o prescrito pelo
artigo 615.º, n.º1 al. c) do NCPC (que corresponde ao anterior 668.º), porquanto
o Tribunal a quo fundamenta no sentido de que as normas jurídicas novas,
reconduzíveis às normas da parte geral, são de aplicabilidade imediata,
porquanto não têm qualquer conexão com o incidente de natureza declarativa,
aceitando, contudo, o pedido de aclaração (pronunciando-se sobre o mesmo e
afirmando o seu entendimento sobre a matéria em causa), sendo que as normas
que regem tal pedido são, também elas, de aplicabilidade geral e as novas regras
(NCPC) não prevêem a possibilidade de pedido de aclaração.
r. Pelo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser declarada nula no
que concerne a esta matéria.
s.Por outro lado, não se aceita o fundamento da douta aclaração no que respeita
à similitude com o direito penal já que não estamos formalmente ante lei penal,
nem substancialmente. De facto, estamos perante o regime de processo civil e
perante um incidente próprio do mesmo, que não tem qualquer aplicabilidade no
processo penal, bem como se terá de afirmar que multa prevista no art. 456.º do
CPC não é uma multa penal, como se infere claramente da inserção do preceito.
Processo penal e processo civil regem-se por princípios, regras, institutos
manifestamente diferentes, podendo apenas afirmar-se que o processo penal é a
última ratio do sistema jurídico, não devendo, em caso algum, ser aplicado ao
processo civil, mas sim, o seu contrário. E os princípios subjacentes ao incidente
de litigância de má fé são os princípios do processo civil, nomeadamente os
princípios da cooperação entre partes e da busca da verdade material. De facto,
devem as partes concorrer para a justa composição do litígio, cooperando entre
si e com o tribunal. Assim, a condenação como litigante de má fé procura,
essencialmente, evitar a violação dos princípios estruturantes do processo civil,
sendo objectivo evitar que se use o processo em sentido contrário da justiça e
dos fins do mesmo.
t.Nesta senda, e por outro lado, ainda que se entenda que in casu se aplica o
novo código de processo civil, a verdade é que as alterações ao processo civil
devem ser analisadas como um conjunto e com um fim global, e assim afirmar
que as alterações ao processo civil que entraram em vigor em Setembro de 2013
(NCPC) tem como fim primeiro a busca da verdade material, acentuando tal
busca, e dando mais poderes ao juiz (ao nível do inquisitório, gestão e direcção
do processo) para que se apure a realidade dos factos, devendo esta prevalecer
em detrimento da forma. Tudo num reforço dos poderes de direcção, agilização,
adequação e gestão processual do juiz, com vista à obtenção (e prevalência) de
uma decisão de mérito, em prazo razoável, para além de se ampliar o princípio
da adequação formal.
u.Neste contexto, foi também acentuada a necessidade de sancionar o bom
cumprimento das regras processuais e assim o dever de cooperação e diligência
das partes, sancionando o uso indevido do processo com expedientes meramente
dilatórios, de que é exemplo o actual artigo 531.º do NCPC (que corresponde
com alterações ao anterior artigo 447.º-B) que abre o leque de casos em que é
aplicável uma taxa sancionatória excepcional que procura diminuir – evitar – os
casos de uso indevido do processo civil.
v.Ora, assim, se a lógica das alterações e o fim prosseguido é o da busca da
verdade material e a prevalência da substância sob a forma, com o
acompanhamento da concessão de maiores poderes de direcção do processo ao
juiz, em prol do apuramento da verdade material, e paralelamente um
sancionamento agravado do indevido uso do processo, então, a alteração da
norma contida no artigo 544.º, articulada com o 542º e demais normativos do
mesmo capítulo (multas e indemnização), ao ser retirada a expressão
«sociedade», não pode significar “uma porta aberta para, ao abrigo de uma
pessoa jurídica, os gerentes possam usar e abusar do processo civil” ou para
actos de completa libertinagem dos representantes das pessoas colectivas que,
apesar de todo e qualquer comportamento processual nunca serão – pela via da
litigância de má-fé – responsabilizados. São estes que agem, pensam, requerem,
corporizam e subjectivam a vontade da pessoa colectiva. Deste modo, pela
condenação por litigância de má fé, deve também ser responsabilizado,
além da pessoa colectiva – ela mesma, por si – o legal representante que
agiu, que quis, que representou o facto de estar a agir de má fé, e mesmo
assim não se coibiu de o fazer.
w.Uma leitura contrária leva-nos mesmo, na maioria dos casos, à própria
denegação da justiça. Além da questão adjectiva/processual, a verdade é que,
uma interpretação das normas constante dos artigos 541º e 544.º do NCPC, no
sentido da “desresponsabilização” dos legais representantes pela litigância de
má fé da pessoa colectiva colocará em causa a boa aplicação do direito,
violando-se os princípios estruturantes de todo o ordenamento jurídico e
constitucionalmente previstos, de que é exemplo a tutela jurisdicional efectiva,
porquanto o direito a uma qualquer indemnização por condenação da contra
parte em litigância de má fé se frustraria na maior parte dos casos, sendo o
presente caso um exemplo paradigmático (por exemplo situação de insolvência
da pessoa colectiva).
x.Assim, teremos de afirmar que em causa está a violação dos normativos
referentes à litigância de má-fé, ou seja os artigos 542º, 543º e 544º do NCPC e
bem assim o artigo 20º da CRP, porquanto a interpretação conjugada de todas
estas normas conduz-nos a considerar também como responsáveis pela
litigância de má-fé dos representantes da pessoa colectiva, ora
exequente/oponida. Em causa está, não apenas uma busca de uma melhor
aplicação do direito processual mas deriva daqui, isso sim, uma melhor
aplicação do direito material com uma sempre tentativa de que o princípio da
justiça material seja alcançado. Em causa está também a unicidade do sistema
jurídico e o seu entendimento global.
y.Sem conceder, se se entender a articulação dos artigos 544.º, 541º e demais
artigos do capítulo onde estes se encontram inseridos, do NCPC no sentido de
“desresponsabilizar” os legais representantes das pessoas jurídicas no caso de
condenação em custas, multa ou indemnização por litigância de má fé, tal
entendimento só se poderá considerar inconstitucional, por contrário aos
principio de justiça, de tutela jurisdicional efectiva e de unicidade de todo o
sistema jurídico.
Ou seja, e em jeito de pedido
Deve ser aplicado à condenação como litigantes de má fé, o artigo 6.º, n.º 4
da Lei 41/2013 e, e em consequência, ser aplicado o regime prescrito pelo
CPC em vigor anteriormente a Setembro de 2013 e assim serem os legais
representantes responsabilizados pelo pagamento da indemnização por
litigância de má fé determinada pela sentença;
Sem conceder, se assim não se entender,
Deve a douta sentença, no que concerne ao pedido de litigância de má fé,
ser considerada nula, nos termos do artigo 615.º, nº 1, al. c) do actual CPC
(anterior 668.º, n.º1, al. c);
E ainda, sem conceder, caso assim não se entenda,
Deve ser considerada inconstitucional a leitura conjugada dos artigos 542.º,
543.º, e 544.º do actual CPC no sentido de isentar os legais representantes
das pessoas colectivas de qualquer responsabilidade no âmbito de
condenação destas como litigantes de má fé.
Assim decidindo V. Exas, Venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e
639.º, n.º 1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os
poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da
matéria versada,são as seguintes as questões a decidir:
A. Se em consequência da entrada em vigor do NCPC, só as sociedades
podem ser condenadas por litigância de má fé e não os seus representantes
legais, ainda que por condutas ocorridas em data anterior à sua vigência.
B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º
1, al. c), do NCPC e;
C. Se a decisão recorrida viola o disposto no artigo 20.º da CRP, por
contrária aos princípios de justiça, de tutela jurisdicional efectiva e de
unicidade de todo o sistema.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na sentença
recorrida:
2.1.1. A exequente E... , Lda. instaurou acção executiva para pagamento da
quantia de € 73.504,29 contra A... , B... , C... e D... , Lda., alegando que, para
pagamento de fornecimentos prestados pela Exequente, a executada D... , Lda.,
apôs o seu aceite em duas letras de câmbio, uma no valor de 30.617,93, datada
de 21.02.2011 e com vencimento a 31.08.2011, e outra no valor de € 42.835,36,
datada de 21.02.2011 e com vencimento a 31.08.2011, as quais foram
avalizadas pelos demais executados, sendo que, na data de vencimento os
Executados não reformaram as letras, que permanecem em dívida, bem como os
respectivos juros e a taxa de justiça paga.
2.1.2. No lugar destinado ao aceite, nas referidas letras, apresentadas como
título executivo, encontra-se a expressão “ D... Lda, contribuinte nº 507 802 900
A Gerência” e sobre ela a assinatura de B... .
2.1.3. A Exequente figura nas mencionadas letras no lugar destinado ao sacador.
2.1.4. No verso das letras e sob a expressão “Dou o meu aval à firma
subscritora”, encontram-se as assinaturas dos executados A... , C... e B... .
2.1.5. Os Executados, designadamente a executada D... , Lda., não mantiveram
qualquer relação comercial com a Exequente.
2.1.6. A executada D... , Lda. manteve uma relação comercial com a sociedade
F... , Lda., no âmbito da qual esta última forneceu à primeira diversos produtos
do seu comércio.
2.1.7. Os sócios-gerentes da exequente, G... e H... , são filhos de I... , sócio da
referida F... , Lda.
2.1.8. H... sempre acompanhou a gestão da referida F... , Lda., fazendo entregas
de mercadoria, recebendo pagamentos da sociedade ora Executada e
acompanhando os sócios desta em diligências judiciais.
2.1.9. As letras de câmbio dadas à execução foram emitidas no âmbito da
relação comercial referida em 2.1.6..
2.1.10. A sociedade F... , Lda. intentou ação executiva, que correu termos no 3.º
Juízo do Tribunal Judicial de Pombal sob o n.º 79/10.7TBPBL, contra a aqui
executada D... , Lda., para pagamento da quantia de € 28.676,96, dando como
título executivo cheques.
2.1.11. As letras dadas à execução foram entregues no âmbito de diligência de
penhora realizada no aludido processo n.º 79/10.7TBPBL, em 21.02.2011, como
parte de um acordo de pagamento com a sociedade F... , Lda., aí exequente, de
modo a obviar à concretização da diligência.
2.1.112. Pelo menos em 28.09.2012 a quantia exequenda peticionada no âmbito
do aludido processo n.º 79/10.7TBPBL encontrava-se paga.
2.1.13. Da contabilidade da sociedade F... , Lda. não constam outras dívidas da
ora sociedade executada para com a mesma.
A. Se em consequência da entrada em vigor do NCPC, só as
sociedades podem ser condenadas por litigância de má fé e não os seus
representantes legais, ainda que por condutas ocorridas em data anterior à
da sua vigência.
Como resulta das conclusões do recurso ora em análise, os recorrentes
defendem que deve ser atendível, para efeitos de condenação por litigância de
má fé dos representantes da sociedade, aqui recorrida, a lei vigente à data da
prática dos factos que consubstanciam a má fé, ou seja, o regime previsto no
anterior CPC, com fundamento em a aplicação imediata do novo regime estar
ressalvada no artigo 6.º, n.º 4, da Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Ao invés, na decisão recorrida, sustentou-se ser de aplicação imediata a tal
situação o previsto no novo CPC, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 1, da
mesma Lei, de acordo com o qual, o novo regime se aplica às execuções
pendentes à data da sua entrada em vigor, não se aplicando o seu n.º 4 por este
apenas regular o processamento dos incidentes de natureza declarativa ali
referidos (como o é, pacificamente, a oposição/embargos a uma execução) mas
não às disposições gerais e comuns, como é o caso, dado o seu carácter
substantivo, das regras que definem a litigância de má fé.
Previamente à questão de saber se a qualificação das condutas processuais em
causa (relativamente à pessoa dos representantes da sociedade exequente e aqui
recorrida) consubstanciam ou não a litigância de má fé, tal como definida no
artigo 456.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 542.º, n.º 2 do NCPC), importa fixar a
lei que lhe deva ser aplicável, ou seja, se a lei vigente à data da prática dos
factos/condutas que geram a alegada má fé ou a lei vigente no momento em que
se profere a decisão condenatória por litigância de má fé, com as consequências
daí resultantes.
Efectivamente, não obstante a sentença na qual se considerou que a sociedade
exequente litigou de má fé, condenando-a, com base em tal fundamento, no
pagamento de uma multa de 4 Uc.s e se determinar, por parte dos executados, a
liquidação dos prejuízos de tal decorrentes, ter sido proferida em 25 de Outubro
de 2013 e a decisão em que se decidiu o requerimento de aclaração que sobre a
mesma incidiu e em que se fixou o montante da respectiva indemnização ter
sido proferida em 14 de Março de 2014, o certo é que todas a condutas
processuais que estão na génese da condenação da mesma como litigante de má
fé (bem como da pretendida condenação dos respectivos representantes)
ocorreram em data anterior à da vigência do NCPC.
Este, como decorre do que estabelece o artigo 8.º da supra citada Lei 41/2003,
entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2013 e de acordo com o seu artigo
6.º, n.º 1, com as necessárias adaptações, teve aplicação imediata a todas as
execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, ressalvando-se, como
acima já se aludiu, a sua aplicação imediata aos incidentes de natureza
declarativa (n.º 4 deste artigo 6.º).
Como é óbvio, não se colocariam problemas de maior se ambos os regimes
fossem iguais ou semelhantes. Acontece, porém que (talvez devido à polémica
que antes já vinha sendo travada no sentido de saber se era legítima a
condenação dos gerentes das sociedades e não destas, directamente, por
litigância de má fé, dado que as sociedades podem ser directamente
responsabilizadas que civil quer penalmente e as relações entre o gerente e a
sociedade são de cariz interno e podem motivar o exercício do direito de
regresso desta para com aquele) o regime consagrado no NCPC, no que a esta
questão respeita, é substancialmente diferente do anterior.
Efectivamente, ao passo que no artigo 456.º, n.º 1, do CPC, se estabelecia que
no caso de ter litigado de má fé, a parte seria condenada em multa e numa
indemnização à parte contrária, se esta a pedir e no caso de se tratar de uma
pessoa colectiva ou sociedade, a responsabilidade decorrente da actuação a
título de litigância de má fé recaia sobre o representante que esteja de má fé
na causa (sublinhado nosso) – cf. artigo 458.º, do CPC, no actual regime, como
consagrado no artigo 544.º do NCPC, deixou de se prever tal responsabilidade
por parte dos representantes das sociedades, mantendo-se o regime
anteriormente previsto, apenas para a hipótese de a parte condenada por
litigância de má fé ser um incapaz, caso em que a mesma recai sobre o seu
representante que esteja de má fé na causa.
Assim, como decorre da comparação directa entre ambos os regimes em causa,
verifica-se que deixou de estar prevista a responsabilidade do representante de
uma pessoa colectiva ou de uma sociedade que esteja de má fé na causa, o que
equivale a concluir que a responsabilidade daí decorrente passa a ser, em via
directa, da própria sociedade ou pessoa colectiva.
Tal, como o refere A, Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé Abuso do
Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, 3.ª edição aumentada e atualizada à luz
do CPC de 2013, Almedina, Janeiro de 2014, pág. 61, através desta alteração de
regime, limitou-se a eficácia do instituto da litigância de má fé, com a supressão
da responsabilidade autónoma do representante de pessoas colectivas,
acrescentando a pág. 70 que “A condenação dos seus administradores ou
representantes legais era dissuasória. A revogação do artigo 458.º e a sua
substituição pelo actual 544.º, que já não prevê tal condenação é,
objectivamente, uma medida que retira eficácia ao instituto aqui em estudo.”.
À luz do anterior regime, considerava-se que a responsabilidade do
representante da sociedade se baseia na actividade processual que levou a cabo
em nome da sociedade, pelo que a actuação dolosa que consubstancia a
litigância de má fé devia imputar-se ao representante e não à própria sociedade,
em face do que, como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
103/95, de 22/02/1995, disponível no respectivo sítio da internet, a
responsabilidade do representante não é cumulativa com a do seu representado,
ao lado da deste, mas sim uma responsabilidade substitutiva, uma
responsabilidade do representante em vez do representado.
Ou seja, a responsabilidade do representante da sociedade, embora decorra por
uma actuação em nome de outrem, assenta numa ideia de culpa, num juízo de
censura de um comportamento que o gerente adoptou em nome da sociedade.
Uma vez que no regime consagrado no NCPC se limitou a responsabilidade ora
em apreço apenas à hipótese de se tratar de representante de um incapaz e de a
regra ser a aplicação imediata da lei processual civil (neste sentido, veja-se,
Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1981,
vol. I, pág. 56 e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio, in Manual de
Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 47 e seg.s), coloca-se, então, a questão de
saber qual o regime legal aplicável.
A resposta a dar-lhe, com o devido respeito por opinião em contrário, radica na
razão de ser da existência do instituto da litigância de má fé, dito de outro modo,
tem de justificar-se com a sua natureza e consequências que daí advêm, já que
não pode perder-se de vista que visa sancionar uma conduta que se tem por
desconforme àquela que o legislador idealizou como sendo a que os litigantes
devem seguir ao submeter a apreciação das suas pretensões em juízo e no
desenvolvimento da lide que lhe está inerente, mediante a sujeição destes a
diversos deveres que, violados, os podem fazer incursos em litigância de má fé.
Resposta, esta, que embora a ainda curta vigência do NCPC, não tem vindo a
merecer uma solução uniforme.
Na decisão recorrida seguiu-se o decidido no Acórdão da Relação do Porto, de
26 de Setembro de 2013, Processo 4351/08.8TBVNG.P2, disponível no
respectivo sítio do itij, no qual se decidiu ser de aplicar imediatamente o regime
do NCPC ainda que a situações ocorridas antes da sua vigência mas que no seu
âmbito de aplicação tenham de ser decididas, fundamentalmente, por, como aí
se refere, a responsabilidade do representante da sociedade nele ter sido
eliminada e, portanto, deixou de ser punível e estabelecendo um paralelismo
com a lei penal e o princípio da lei mais favorável, tem de se aplicar, de
imediato, a lei nova, ainda que se trate de situações ocorridas no anterior
regime.
Ao invés, conforme Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 16 de
Junho de 2014, Processo 117/13.1TBPNF.P1, disponível no mesmo sítio do
anterior, considerou-se que dada a natureza do instituto da litigância de má fé,
com uma vertente sancionatória e ressarcitória, deve aplicar-se a lei vigente à
data da prática dos factos.
A esta solução chegou, igualmente, o STJ, conforme seu Acórdão de 05 de
Novembro de 2014, Processo 279/08.0TTBCL.P1.S1, disponível, no respectivo
sítio da dgsi/itij.
Com o devido respeito por opinião em contrário, dada a especial natureza do
instituto da litigância de má fé e fins tidos em vista, somos de parecer que a sua
aferição (verificação dos respectivos pressupostos e respectivas consequências)
deve ser vista à luz da lei vigente no momento da sua prática.
Efectivamente, como se escreve no citado Acórdão da Relação do Porto, de
16/06/2014 e que, com a devida vénia, se passa a transcrever:
“Não obstante a aplicação imediata em regra do novo Código de Processo
Civil, na nossa perspectiva, isso não significa que seja aplicável a condutas
ocorridas em data anterior à sua vigência. Importa distinguir a aplicação
imediata e aplicação retroactiva, ou seja, a aplicação a factos ocorridos sob o
império da nova lei e aplicação a factos praticados antes da vigência da nova
lei de aplicação imediata.
Ora, o instituto da litigância de má fé tem em certa medida uma natureza
bifronte porquanto tem uma natureza sancionatória, disciplinadora da conduta
das partes e dos seus patronos e uma vertente ressarcitória geradora da
obrigação de indemnizar com base na prática de facto ilícito.
Em qualquer das vertentes por que se considere o instituto da litigância de má
fé, afigura-se-nos que a lei aplicável será a que vigorava na data da prática dos
factos e não aquela que exista à data da prolação da decisão e ainda que a lei
nova seja eventualmente mais favorável.”.
Reforçando-se na sua nota 7 que não obstante no novo regime se tenha
eliminado a responsabilidade do representante de uma sociedade, por litigância
de má fé, se mantém a responsabilidade daquele, a tal título, porque a sua
conduta continua a ser legalmente qualificada como litigância de má fé,
continua a ser ilícita e foi por si praticada pessoalmente, apenas tendo havido
alteração no sujeito directamente responsável e continuando a responsabilização
do representante perante a sociedade, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo
500.º do Código Civil.
Este Aresto veio a obter comentário concordante de M. Teixeira de Sousa, no
blogue do IPPC, cujo endereço é o que se segue: blogippc.blogspot.com,
justificando-se, no seu entender, a solução apresentada, com base no duplo
carácter das consequências da litigância de má fé – ressarcitórias e
sancionatórias – acrescentando, ainda, para abono do ali defendido,
que “embora deva ser realçado não apenas o duplo carácter daquelas
consequências, mas também o carácter indissociável dessas consequências. É
isto que permite confirmar a solução defendida no acórdão através do disposto
no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil: dado que a multa e a
indemnização não podem abstrair do facto ilícito que constitui a sua fonte, só é
possível aplicar a lei vigente no momento da prática do facto ilícito.”.
Concordamos com esta conclusão.
Se as consequências a extrair da litigância de má fé são a multa e a
indemnização à parte contrária, no caso de esta a pedir, e estas decorrem da
prática do facto ilícito consubstanciado em qualquer das condutas que
corporizam a má fé, tal obriga a que se tenha em consideração, aplicando-a, a lei
vigente aquando da prática de tal facto/conduta, dada a relação de causa e efeito
entre o facto ilícito e as respectivas consequências, o que, tudo, deve ser
apreciado em conjunto e uniformemente, isto é, à luz do mesmo regime legal.
No caso em apreço, como decorre da sentença recorrida, decisão de aclaração da
mesma e decisão que fixou a indemnização devida aos ora recorrentes por
litigância de má fé, foi a mesma (litigância de má fé) considerada apenas sob o
prisma da actuação da sociedade e não dos seus representantes, por se
considerar que era de aplicar a lei nova, que não permite, seguindo o
entendimento nela exposto, a condenação e responsabilização dos gerentes da
exequente.
Como já exposto, outro é o nosso entendimento, sendo de apreciar a conduta da
sociedade e dos seus representantes à luz do regime consagrado no CPC.
Consequentemente, impõe-se a revogação da decisão recorrida e a sua
substituição por outra que aprecie a conduta dos representantes da sociedade
exequente, à luz da lei antiga, a fim de averiguar se algum ou alguns dos seus
representantes litigaram de má fé e daí retirar as devidas consequências.
Em face da revogação da decisão recorrida, com os fundamentos expostos,
inútil se torna conhecer das demais questões acima elencadas.
Nestes termos se decide:
Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a
decisão recorrida, na parte em que considerou que os representantes da
exequente, ora recorrida, não podiam ser responsabilizados por litigância de má
fé e consequências daí decorrentes, que se substitui por outra que ordena que, na
1.ª instância, se conheça, de novo, da existência de litigância de má fé e
consequências respectivas, por parte de algum ou alguns dos representantes da
exequente, aplicando-se, para tal, o regime previsto no CPC.
Custas, nesta instância, pela apelada.
Coimbra, 03 de Março de 2015.
Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves
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ac. T.R.C. 03.03.2015