UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR CAMPUS UMUARAMA – SEDE ANA CAROLINA COUTO MATHEUS A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL UMUARAMA 2008 1 ANA CAROLINA COUTO MATHEUS A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Paranaense – UNIPAR – Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Jônatas Luiz Moreira de Paula. UMUARAMA 2008 2 AGRADECIMENTOS A Deus, pela bondade em permitir alcançar esse objetivo. À minha mãe, Regina, pelo dom da vida e pelas lições que muito me fizeram e me fazem crescer. Agradeço o incentivo nos momentos mais difíceis. Ao meu noivo, Renato, por compreender a importância deste trabalho e pelo apoio na concretização deste sonho. Agradeço a todos os meus familiares, principalmente, à minha avó materna, Lu, pelo amor incondicional. Agradeço aos meus amigos por terem suportado minha ausência, mesmo quando eu estava presente. Agradeço ao Prof. Dr. Jônatas Luiz Moreira de Paula pela atenção dedicada e aos Profs. Drs. Luiz Fernando Coelho e Álvaro Sánchez Bravo meu agradecimento por comporem a Banca Examinadora. Agradeço a todos os professores da UNIPAR, em especial, ao querido Prof. Dr. José Aparecido de Souza. Agradeço aos inesquecíveis amigos que conquistei nesta importante caminhada. Agradeço a atenção dos funcionários da UNIPAR. Agradeço as sugestões da Profª. Drª. Marilda Beijo. No último ano do Mestrado foi fundamental o apoio conferido pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) que, no cumprimento da missão de promover, fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico e contribuir na formulação das políticas nacionais assegurou a tranqüilidade necessária à realização da nobre tarefa da produção científica. 3 RESUMO A instrumentalidade do processo civil tutela as relações intersubjetivas com instrumentos inadequados aos interesses metaindividuais. O presente trabalho destacou as incompatibilidades dos institutos do processo civil individual em relação ao coletivo e estudou a relativização da coisa julgada ambiental. Intensa atividade legislativa evolui em coerência e efetividade o Direito Ambiental. A pesquisa ressaltou instrumentos processuais de tutela para concretizar políticas públicas relacionadas ao meio ambiente. A dignidade humana é interpretada pela manutenção do meio ambiente saudável. O processo ambiental pretende alcançar os objetivos acima descritos, por ser instrumento voltado à efetivação das liberdades fundamentais definidas no plano Constitucional. Entretanto, a novidade científica em descobrir a verdade dos fatos discutidos na demanda altera a causa de pedir de uma nova ação, tendo em vista a aplicação da teoria da individualização na causa de pedir da ação ambiental. Representam demandas diversas e, conseqüentemente, fora do alcance da coisa julgada anteriormente criada. O Direito Ambiental tutela a vida em suas diversas formas e a vida do ser humano é mais valiosa do que qualquer dogma processual. Trata-se de um tema complexo, atual e revestido de suma importância jurídica. Foi utilizado o método dedutivo e como fonte de pesquisa a legislação, doutrina e jurisprudência. PALAVRAS-CHAVE: Processo Ambiental. Coisa Julgada. Ações Coletivas. Processo Civil. 4 ABSTRACT The instrumentality of the civil process tutelages intersubjective relations with inadequate instruments to metaindividuais interests. The present work has shown the incompatibles of the institutes of individual civil process in relation to collective one and it has studied the relativization of the environment res iudicata. Intense legislative activity develops Environment Law into coherence and effectiveness. The survey has stuck out protection procedural instruments to achieve public policies related to environment. Human dignity is interpreted by maintaining the environment healthy. The environmental process intends to achieve the objectives described above, to be effective instrument towards fundamental freedoms defined in the Constitution. However, the scientific newness in order to discover the truth of the facts discussed in demand changes the reason to ask a new action according to the individualization theory application in the reason to ask environmental action. Different demands are shown and thus out of the reach of the res iudicata previously created. The Environmental Law takes care of life in its several forms and the life of human being is more valuable than any procedural dogma. This is a complex and current issue coated with highly legal importance. The deductive method was used in the search as a source of legislation, doctrine and case law. KEYWORDS: Environmental Process. Judged Thing. Collective Actions. Civil Process. 5 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC ADIn ACP Ag/AgIn/AgR AP/APP CBPC CC CC/16 CDC CF CONAMA CONAMP CPC CSMP – – – – – – – – – – – – – – DJ/DJU/DOU DL DP DPC EAOAB EC ECA EIA/RIMA FNMA HC/HD IBAMA – – – – – – – – – – – LACP LAP LC LIA LICC LMS LONMP LOMP/SP LPNMP MI/MIC M. P./MP MS/MSC OAB OGM ONG ONU PNMA PPP RE/REsp TAC – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – Apelação Cível Ação Direta de Inconstitucionalidade Ação Civil Pública Agravo/Agravo de Instrumento/Agravo Regimental Ação Popular/Área de Preservação Permanente Código Brasileiro de Processos Coletivos Código Civil (Lei nº. 10.406/02)/Câmara Cível/Conflito de Competência Código Civil de 1916 revogado pela Lei nº. 10.406/02 Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) Constituição da República Federativa do Brasil Conselho Nacional do Meio Ambiente Conselho Nacional do Ministério Público Código de Processo Civil (Lei nº. 5.869/73) Conselho Superior do Ministério Público (acompanhado da sigla do respectivo Estado) Diário de Justiça/Diário de Justiça da União/Diário Oficial da União Decreto-Lei Defensoria Pública Direito Processual Civil Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº. 4.215/63) Emenda Constitucional Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental Fundo Nacional do Meio Ambiente Habeas Corpus/Habeas Data Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85) Lei da Ação Popular (Lei nº. 4.717/65) Lei Complementar Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92) Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº. 4.657/42) Lei do Mandado de Segurança (Lei nº. 1.533/51) Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LC nº. 75/93) Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo (Lei nº. 734/93) Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81) Mandado de Injunção/ Mandado de Injunção Coletivo Medida Provisória/Ministério Público Mandado de Segurança/Mandado de Segurança Coletivo Ordem dos Advogados do Brasil Organismo Geneticamente Modificável Organização não governamental Organização das Nações Unidas Política Nacional do Meio Ambiente Princípio do Poluidor Pagador Recurso Extraordinário/Recurso Especial Termo de Ajustamento de Conduta 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................ 8 1 FUNDAMENTOS DA COISA JULGADA................................................................. 1.1 Conceito de Coisa Julgada........................................................................................ 1.2 Coisa Julgada Formal e Material............................................................................. 1.3 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada e seus Efeitos............................ 1.4 Princípios Relacionados à Coisa Julgada e o Dogma da Intangibilidade............. 1.5 A Relativização da Coisa Julgada............................................................................. 11 11 14 15 17 19 2 NOÇÕES DE TUTELA COLETIVA NO PROCESSO CIVIL............................... 2.1 Princípios do direito processual coletivo.................................................................. 2.2 Institutos fundamentais do processo coletivo.......................................................... 2.3 Conceito de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos...................... 2.4 A Legitimidade nas Ações Coletivas......................................................................... 2.5 Coisa Julgada nas Ações Coletivas........................................................................... 2.6 Litispendência, Conexão, Continência e Recursos nas Ações Coletivas............... 22 24 27 30 33 38 45 3 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL AO MEIO AMBIENTE...................................................................................................................... 3.1 A Natureza Jurídica da Proteção Ambiental.......................................................... 3.1.1 Antropocentrismo................................................................................................... 3.1.2 Ecocentrismo jurídico............................................................................................. 3.2 Conceito de Meio Ambiente...................................................................................... 3.3 Bem Ambiental........................................................................................................... 3.4 Princípios Relacionados ao Direito Ambiental........................................................ 3.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana........................................................... 3.4.2 Princípio democrático............................................................................................. 3.4.3 Princípio do desenvolvimento sustentável............................................................ 3.4.4 Princípios da precaução, do poluidor-pagador e da responsabilidade….......... 3.4.5 Princípio da prevenção........................................................................................... 3.5 Dano Ambiental.......................................................................................................... 48 57 57 58 59 62 63 63 65 65 67 73 77 4 TÉCNICAS PROCESSUAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE............... 87 4.1 Tutela Inibitória: a Prevenção do Ilícito.................................................................. 87 4.2 A Tutela de Remoção do Ilícito................................................................................. 90 4.3 Ação Popular.............................................................................................................. 91 4.4 Aspectos Polêmicos e uma Análise Crítica da Ação Civil Pública........................ 94 4.5 Aspectos Relevantes do Termo de Ajustamento de Conduta................................ 99 4.6 O Mandado de Segurança Coletivo.......................................................................... 102 4.7 O Mandado de Injunção Coletivo............................................................................ 107 4.8 A Tutela dos Direitos dos Consumidores................................................................. 109 5 A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL................................ 110 5.1 Efetivação da Sentença/Acórdão.............................................................................. 112 5.2 Os Princípios de Direito Ambiental que Fundamentam a Relativização da Coisa Julgada Ambiental................................................................................................. 113 7 5.3 Coisa Julgada Coletiva e o Acesso à Justiça............................................................ 5.4 O Princípio da Igualdade na Jurisdição Civil Coletiva.......................................... 5.5 Efetivação do Processo Ambiental.......................................................................... 5.5.1 O devido processo substantivo ambiental........................................................... 5.5.2 A questão da legitimidade nas ações ambientais................................................ 5.5.3 Ação ambiental...................................................................................................... 5.6 A Tutela Jurisdicional Ambiental.......................................................................... 5.7 Comparação entre a Coisa Julgada Coletiva Brasileira e a Americana............. 5.7.1 A contribuição da hermenêutica constitucional americana na tutela ambiental........................................................................................................................... 5.7.2 A hermenêutica como instrumento de proteção ao meio ambiente.................. 5.8 As Hipóteses de Relativização................................................................................. 5.9 A Relativização da Coisa Julgada em Matéria Ambiental................................... 5.10 Efeitos da Relativização da Coisa Julgada: a Causa de Pedir e a Tutela Ambiental Individual....................................................................................................... 115 117 118 119 120 121 123 129 131 137 140 141 146 6 CONCLUSÃO............................................................................................................... 147 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 157 8 INTRODUÇÃO A preocupação advinda do Liberalismo posicionou a tutela de interesses no âmbito individual repercutindo em mecanismos procedimentais exclusivos para a defesa destes direitos. O legislador pátrio ao elaborar o CPC vigente ignorou a discussão européia e americana sobre a defesa de interesses metaindividuais. Criou um diploma legal voltado à defesa de direitos pessoais, retratando institutos como a legitimidade ativa e os limites subjetivos da coisa julgada. A sociedade contemporânea apresenta-se como uma sociedade de massa, razão pela qual deve-se conceber mecanismos apropriados à tutela dos direitos transindividuais. Decorrente do surgimento destes interesses, passou-se a exigir dos Estados legislações específicas como a LACP, o ECA, o CDC, a LONMP e a LIA. Foram criados instrumentos eficazes e efetivos de garantia dos referidos direitos, tais como a ACP, a AP, o MSC e o MIC. A CF reconheceu estes direitos e conferiu estamento constitucional à ACP e à AP. A LACP evoluiu alguns conceitos do CPC em vigor. Um dos objetivos da pesquisa em tela é a análise dos institutos de tutela das relações intersubjetivas do processo civil tradicional e os institutos de tutela dos interesses que transcendem a esfera meramente individual do processo civil coletivo, a fim de comprovar que o CPC não é adequado à tutela dos interesses metaindividuais, com a finalidade de enfatizar a necessidade da aprovação do CBPC. Mesmo após adquirir status constitucional (art. 225 da CF) e diversas legislações aplicando sanções penais e administrativas, em todas as esferas legiferantes do Estado, é patente a dificuldade do Estado em fiscalizar, e do jurisdicionado, em aplicar, nos casos de desrespeito aos direitos da coletividade, especialmente, sanções derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Caracteriza-se o dever do Estado de priorizar os interesses coletivos, através de investimento financeiro, intelectual e tecnológico. A presente reflexão visa a procurar critérios legitimadores que possam justificar a relativização da coisa julgada ambiental na hipótese de inovação científica, com a utilização da teoria da individualização na causa de pedir. O objeto central do presente estudo será o instituto da coisa julgada em sede de ações coletivas sob o enfoque da relativização da coisa julgada ambiental. O processo civil tradicional contempla a hipótese da eficácia da sentença atingir unicamente as partes em litígio e, apenas reflexamente, os que tenham relação jurídica com elas ou interesse de fato na sentença na hipótese de eficácia natural da coisa julgada. 9 Nas ações coletivas estes efeitos se estendem a todos os titulares do direito pleiteado em juízo que, pela legitimação extraordinária, não participaram diretamente da relação jurídica processual. Distingue-se o tipo de interesse discutido (difuso, coletivo, individual homogêneo) dos efeitos erga omnes ou ultra partes. A eficácia da coisa julgada depende do resultado do processo. Julgado procedente ou improcedente o pedido se obtêm a coisa julgada secundum eventum litis. As ações coletivas permitem que um número elevado de pessoas se beneficie da tutela jurisdicional proferida em uma mesma demanda, na qual não participaram diretamente. Isto configura uma ruptura com o princípio tradicional do Direito, segundo o qual a coisa julgada não beneficia nem prejudica aquele que não participou da relação jurídica em que a sentença foi proferida. Destarte, a pesquisa tem por escopo estudar a mitigação da coisa julgada ambiental através da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, bem como a análise da legislação infraconstitucional e dos princípios gerais do Direito. O presente estudo será dividido em cinco partes. A primeira tratará dos fundamentos da coisa julgada, analisará a teoria geral da coisa julgada no processo individual, as teorias relacionadas à coisa julgada, culminando no conceito de coisa julgada. Serão estudadas as espécies de coisa julgada, os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada e seus respectivos efeitos. Os princípios relacionados ao tema serão expostos de forma sucinta. Será analisado a exata medida que deve ser conferida ao dogma da intangibilidade da coisa julgada a fim de justificar a tese da relativização da coisa julgada contrária à CF. Em síntese, a primeira parte do trabalho analisará os aspectos suficientes para ilustrar a possibilidade de relativização da coisa julgada. A segunda parte versará sobre a tutela coletiva no âmbito do processo civil. O estudo da teoria geral do processo coletivo introduzirá o assunto. Serão analisados os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. No estudo das ações coletivas serão analisadas as partes, a legitimidade, a coisa julgada, a litispendência, a conexão e a continência entre ações coletivas, bem como os recursos nas ações coletivas. Nesta etapa do trabalho serão analisadas as diferenças entre o processo civil individual e o processo civil coletivo, ressaltando suas incompatibilidades, bem como a necessidade de se atribuir uma feição própria aos institutos fundamentais e princípios do 10 Direito Processual Coletivo. Será enfatizada a necessidade do surgimento de um novo ramo do Direito Processual, o Direito Processual Coletivo. A terceira parte estudará os fundamentos da proteção jurisdicional do meio ambiente, abordando o meio ambiente como direito fundamental, a natureza jurídica da proteção ambiental, as correntes doutrinárias referentes ao tema, bem como o conceito de meio ambiente. Será analisado o bem ambiental, os princípios relacionados ao Direito Ambiental, o dano ambiental e sua responsabilização. A quarta parte, de forma sucinta, exporá as principais técnicas processuais de tutela do meio ambiente, como a tutela inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a AP, a ACP, o TAC, o MSC, o MIC e a tutela dos direitos dos consumidores. A quinta e última parte do trabalho abordará o cerne da discussão, ou seja, a problemática da relativização da coisa julgada nas ações ambientais. O direito à vida, o direito de acesso à Justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e alguns princípios relacionados ao Direito Ambiental serão interpretados como fundamentos da mitigação da coisa julgada ambiental. O devido processo substantivo ambiental será estudado no intuito de esclarecer a correta aplicação da relativização da coisa julgada ambiental. Nesta reta final do trabalho será realizada uma comparação entre a coisa julgada coletiva brasileira e a experiência americana, ressaltará a importância da hermenêutica como instrumento de proteção ao meio ambiente. Para enriquecer o trabalho será realizado um estudo sobre a contribuição da hermenêutica constitucional americana na tutela ambiental. Serão enfatizas as hipóteses e a extensão dos efeitos da relativização da coisa julgada, bem como a aplicação da teoria da individualização na causa de pedir das ações ambientais. 11 1 FUNDAMENTOS DA COISA JULGADA Consoante a teoria geral da coisa julgada no processo individual, o processo além de ser um meio de se pacificar os conflitos proporciona segurança jurídica àqueles que o impulsionam, culminando na res iudicata. A coisa julgada material representa a indiscutibilidade da matéria transitada em julgado por sentença prolatada em processo judicial, não sendo mais cabível a propositura de uma nova ação versando sobre o mesmo evento. A elevação da coisa julgada ao nível constitucional demonstra a preocupação do legislador em assegurar estabilidade às relações jurídicas, preservando as decisões judiciais de alterações que viessem a questionar a autonomia do sistema. Essa garantia decorre da tripartição dos Poderes, para que cada um atue na esfera de sua competência. A coisa julgada é imutável nos limites de sua constitucionalidade. A lei infraconstitucional limitadora de tempo para o exercício da ação rescisória não pode impedir a coisa julgada inconstitucional, eis que não representa uma verdade absoluta. A coisa julgada sempre exerceu o papel de tornar incontestável a decisão que findou a lide, imprimindo certeza e definitividade ao julgamento, como fator de pacificação social. 1.1 Conceito de Coisa Julgada Segundo Moreira de Paula coisa julgada é a “qualidade da sentença ou do acórdão (depende do último julgamento ocorrido) transitado em julgado, por não mais caber espécie alguma de recurso ou por ter ultrapassado o prazo sem que tivesse sido interposto recurso algum ou, se interposto recurso, o mesmo não foi recebido”.1 Deste conceito se extrai a causa da coisa julgada que é a ausência de recurso pendente contra a sentença ou o acórdão. O surgimento da coisa julgada não é necessariamente de um ato de julgamento, mas de uma omissão da parte interessada em não interpor recurso, ou por uma atividade das partes, quando esgotaram todas as vias recursais cabíveis, ou por uma atividade judicial posterior, quando o recurso interposto não foi recebido. Para Carnelutti “a norma instrumental que atribui ao juiz o poder de mandar, 1 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 175. 12 2 preexiste, mas falta, pelo contrário, a norma material que não compõe o conflito”. A sentença dispositiva é um fim. A norma material se converte em mandato inteiro por meio de sentença. A coisa julgada reside na imperatividade do comando da sentença. O comando da sentença é um lex specialis, porque representa um processo de integração entre a norma e o caso concreto. Chiovenda entende que coisa julgada é a indiscutibilidade da essência da vontade concreta da lei afirmada na sentença.3 Traduz um “retorno à tradição romanística, por convolar uma tutela jurídica”.4 O bem da vida que o autor deduziu em juízo (res in iudicium deducta) com a afirmação de que uma vontade concreta de lei o garante a seu favor ou nega ao réu, depois que o juiz o reconheceu ou desconheceu com a sentença de recebimento ou de rejeição da demanda, converte-se em coisa julgada (res iudicata). Podemos igualmente asseverar que a coisa julgada não é senão o bem julgado, o bem reconhecido ou desconhecido pelo juiz. [...] O bem julgado torna-se incontestável (finem controversiarum accipit): a parte a que se denegou o bem da vida, não só tem o direito de consegui-lo praticamente, em face da outra, mas não pode sofrer, por parte desta, ulteriores contestações a esse direito e esse gozo. Essa é a autoridade da coisa julgada. Os romanos a justificaram com razões inteiramente práticas, de utilidade social. Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessário imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo [...]. Explicação tão simples que guarda perfeita coerência com a própria concepção romana do escopo processual e da coisa julgada [...]. Entendido o processo como instituto público destinado à atuação da vontade da lei em relação aos bens da vida por ela garantidos, culminante na emanação de um ato de vontade (a pronuntiatio iudicis) que condena ou absolve, ou seja, reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes, a explicação da coisa julgada só se pode divisar na exigência social da segurança no gozo dos bens.5 Segundo Allorio a atividade jurisdicional, entre as atividades do Estado, deve ser definida como aquela da qual resulta a formação da coisa julgada. A função jurisdicional é essencialmente declarativa, certificadora. A coisa julgada é uma atividade pacificadora da jurisdição, tendo em vista com a sua realização impedirá que a lide seja rediscutida.6 Liebman defendia que a coisa julgada não era um efeito da sentença e sim uma qualidade que a tornava imutável. Havia o caráter de definitividade imposto pelo Estado ao ato por ele promanado, findado o conflito de interesses exposto pelas partes. A coisa julgada 2 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Tradução Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: ClassicBook, 2000, v. 1, p. 410. 3 CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil. Tradução José Casais y Santaló. México: Cardenas, 1990, Tomo II, p. 460. 4 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 182. 5 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, v. 1, p. 446-447. 6 ALLORIO, Enrico. Problemas de derecho procesal. Tradução Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1963, Tomo II, p. 53. 13 era considerada a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis.7 Teisheiner ao confrontar a teoria de Liebman afirma ser a coisa julgada um efeito do trânsito em julgado da sentença de mérito consistente na imutabilidade do conteúdo de uma sentença e não de seus efeitos, porque é possível renunciar a um direito declarado por sentença, o que afasta os efeitos da sentença sem modificar o seu conteúdo. A coisa julgada material é compreendida como a imutabilidade do conteúdo da sentença no mesmo ou em outro processo.8 No direito italiano travou-se uma disputa entre Liebman e Carnelutti sobre o conceito de coisa julgada. Para Liebman a autoridade da coisa julgada vinculava exclusivamente as partes.9 A eficácia da sentença a todos se impõe de imediato, independente da verificação da sua validade. A coisa julgada era interpretada como a solução de questões controversas. Sua imutabilidade incidia sobre a sua função declaratória e não sobre seu caráter imperativo. A coisa julgada estabilizava o comando estatal que findava o litígio e se tornava lei entre as partes. Em síntese, a coisa julgada é um fenômeno de caráter processual que, depois de transcorridos os prazos para combatê-la mediante recursos, torna indiscutível o ato estatal de modo a por fim à questão dissentida e dar às partes a segurança jurídica decorrente da sentença inatacável. [...] O instituto da coisa julgada não é o dogma instransponível que muitos supõem, na verdade, é uma técnica de que se pode valer o legislador, quando entender oportuno – sob o ponto de vista da conveniência social e da estabilidade de certas relações jurídicas – que determinados tipos de julgados permaneçam imutáveis e projetem essa imutabilidade erga omnes. Prova disso é que em muitos casos não se dá a formação da coisa julgada material: nos feitos de jurisdição voluntária (CPC, art. 1.111); mesmo nos de jurisdição contenciosa, se a sentença não apreciou o mérito (CPC, art. 267); nas sentenças que resolvem sobre relações jurídicas continuativas, sujeitas à cláusula rebus sic stantibus (ex.: ações de alimentos, Lei 5.478/68, art. 15); no campo penal, onde existe a possibilidade de revisão criminal a qualquer tempo (CPP, art. 622).10 7 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução Alfredo Buzaid, Benvindo Aires e Ada Pellegrini Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 40. 8 TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: RT, 2001, p. 72-73. 9 LIEBMAN, Enrico Tullio, op. cit., p. 40. 10 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 5. ed. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 305. 14 Na concepção de Mirra a existência da coisa julgada é apenas uma questão de conveniência do legislador.11 Decorre do dilema entre a necessidade da segurança extrínseca nas relações jurídicas, que exige um limite no tempo de solução dos litígios e o anseio de uma decisão coerente, a permitir a indefinida impugnalidade das decisões incoerentes. 1.2 Coisa Julgada Material e Formal O valor da res iudicata cumpre o papel de inibir o ato estatal que colocou fim ao litígio. Se a prestação jurisdicional foi realizada de forma definitiva, escoando-se o prazo legal para impugnações e transformando a res iudicanda em res iudicata, uma nova ação a respeito do bem que estava em contenda não mais poderá ser manejada nos termos em que já fora decidido. “É regra geral que toda sentença ou acórdão que tenha examinado o mérito produzirá coisa julgada material, e daí surgirão dois efeitos: o da imutabilidade do comando judicial e o da indiscutibilidade da lide”.12 Finda a relação processual e constatado o atributo de estar impugnável o julgamento, os efeitos dele resultantes também se farão imutáveis, com o objetivo de dar ao imperativo jurídico contido na decisão estatal força de lei entre as partes. Estriba-se tal raciocínio na segurança e conforto jurídico que o julgamento final proferido pelo Estado-Juiz deve emitir para aqueles que estavam em controvérsia. A sentença transitada em julgado pode ser atacada por ação rescisória, nas hipóteses elencadas no art. 485 do CPC. Decorrido o prazo decadencial de dois anos para sua propositura ocorre o fenômeno da coisa soberanamente julgada. Esgotados os recursos previstos na lei processual nasce a coisa julgada formal, que representa a imutabilidade conquistada pela sentença dentro do processo em que foi proferida. Tanto a preclusão como a coisa julgada formal tornam a decisão irrecorrível, entretanto preclusão é um fato impeditivo, é a perda de uma faculdade processual; coisa julgada formal é a qualidade de uma decisão imutável dentro do processo. As sentenças prolatadas com base no art. 267 do CPC farão somente coisa julgada formal, pois não apreciaram o mérito da controvérsia. Quando o fundamento não for o inc. V do referido dispositivo legal, as partes poderão propor novamente a ação. 11 MIRRA, Álvaro Luís Valery. A coisa julgada nas ações para tutela de interesses difusos, RT, São Paulo, ano 77, v. 631, mai. 1988, p. 75. 12 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 195. 15 Segundo Greco Filho a coisa julgada formal ocorre depois de esgotados todos os recursos previstos na lei processual ou porque foram todos utilizados e decididos, ou porque decorreu o prazo de interposição, é a imutabilidade da decisão dentro do mesmo processo por falta de meios de impugnação possíveis, recursos ordinários ou extraordinários.13 As sentenças alcançadas pela autoridade da coisa julgada material são as de natureza definitiva, pois enfrentam o âmago da demanda. No decorrer do processo, presume-se que todos os atos previstos em lei foram coordenadamente observados pelo magistrado e pelos litigantes, visando a solucionar a lide da forma mais célere e coerente. Tal decisão constitui a exteriorização da interpretação da lei dada pelo magistrado ao caso concreto. Escoado o prazo legal para as impugnações, surtirá efeitos dentro e fora do processo. A coisa julgada formal é pressuposto para a ocorrência da coisa julgada material. Quando uma sentença é alcançada pela autoridade coisa julgada material, as partes não poderão mais discutir a matéria, salvaguardadas as hipóteses de propositura de ação rescisória. A coisa julgada material opera-se sob a parte dispositiva da sentença em que o Estado-Juiz demonstra qual interesse deve prevalecer e qual deve sucumbir. Os efeitos gerados fora do processo impedem que as questões já apreciadas sejam objeto de uma demanda posterior, vinculando as partes e o juízo. Nas hipóteses delimitadas no art. 485 do CPC e por meio da ação rescisória a sentença poderá ser novamente discutida. Demonstra a importância do instituto da coisa julgada, vulnerável à própria atividade do Poder Judiciário. Desprovido do caráter de intangibilidade, podendo ser objeto de discussão por meio da ação rescisória e quando estiver em confronto com norma ou princípio constitucional. 1.3 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada e seus Efeitos Na concepção de Marinoni “a coisa julgada agrega-se à declaração contida na sentença, para torná-la imutável e indiscutível”.14 Atinge apenas a parte dispositiva da sentença. O julgador aplica a norma vigente à pretensão apresentada pelo autor e dirime o conflito. 13 14 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 2, p. 246. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, v. 2, p. 644. 16 Limite objetivo da coisa julgada significa que o dispositivo da sentença se torna imutável após decorrido o prazo de impugnação. O limite subjetivo da coisa julgada atinge as partes do litígio ou terceiros. A coisa julgada atinge somente as partes envolvidas no litígio, enquanto a eficácia geral da sentença atinge terceiros. Discorrendo sobre os efeitos subjetivos da coisa julgada Greco Filho entende que, uma vez prolatada, a sentença “produz alterações em relações jurídicas de que são titulares terceiros, porque as relações jurídicas não existem isoladas, mas inter-relacionadas no mundo do direito. Assim, os efeitos da sentença podem atingir as partes (certamente) e terceiros”.15 Os efeitos serão imutáveis somente para as partes. O terceiro pode ser atingido pelos efeitos civis da sentença, mas não pela imutabilidade da coisa julgada. A auctoritas rei iudicata atinge apenas os terceiros que participaram do processo. São atingidos os autores, os réus, os denunciados, os chamados ao processo, os oponentes e os nomeados que tenham sido admitidos. Não o são os terceiros que não participaram do processo e, por isso, não tiveram a oportunidade de manifestar-se, de defender-se ou de expor suas razões. Se fossem atingidos pela coisa julgada, haveria ofensa à garantia constitucional do contraditório e o devido processo legal. Ademais, se alguém não participou do processo, é porque a pretensão posta em juízo não lhe dizia respeito. Raciocínio diferente se dá quanto à eficácia natural da sentença. Ainda que esses terceiros não tenham participado do processo, a sentença transitada em julgado é oponível a eles, ficando sujeitos a seus efeitos. Portanto, poderão obstaculizar suas implicações, desde que se demonstrem o interesse. O limite objetivo da coisa julgada é atinente à parte da sentença que faz res iudicata, enquanto o subjetivo refere-se àqueles atingidos pelos seus efeitos. Dois são os efeitos da coisa julgada: a imutabilidade do comando judicial e a indiscutibilidade da lide. Imutabilidade é a impossibilidade de modificar o comando judicial da sentença ou acórdão transitado em julgado. Esse efeito incidirá sobre a conclusão da decisão judicial. Tem-se por indiscutibilidade a impossibilidade de se rediscutir a lide examinada na sentença ou no acórdão transitado em julgado. Toda coisa julgada vai gerar a imutabilidade do comando judicial, mas nem toda coisa julgada vai gerar a indiscutibilidade da lide. Dependerá da sentença ou do acórdão que gerou a coisa julgada: se não examinou a lide, apenas gerará a imutabilidade; se examinou o mérito, gerará os dois efeitos. 15 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 2, p. 251. 17 Se a sentença/acórdão transitada em julgado originou-se de um julgamento que examinou o mérito, acarretará ambos os efeitos. Neste caso ocorrerá a “coisa julgada material”. Mas se da sentença/acórdão transitada em julgado originou-se de um julgamento que não examinou o mérito, somente acarretará a imutabilidade do comando judicial, ou seja, a “coisa julgada formal”.16 É importante destacar que a imutabilidade do comando judicial é um efeito que sempre estará presente na coisa julgada, seja ela formal ou material; mas a indiscutibilidade da lide é um efeito que somente estará presente na coisa julgada material. 1.4 Princípios Relacionados à Coisa Julgada e o Dogma da Intangibilidade Os princípios definem o pensamento central a ser avistado quando da interpretação de uma lei. Os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e legalidade se destacam quanto ao tema da relativização da coisa julgada. O Estado Democrático de Direito submete seus atos aos cidadãos através das decisões judiciárias. Há um reconhecimento dos direitos individuais em respeito do direito estabelecido constitucionalmente pelo próprio Estado. A segurança jurídica é um dos principais fundamentos do Estado Democrático de Direito, representa uma forma de exigir harmonia funcional e estrutural ao ordenamento jurídico, através do efetivo cumprimento das leis pelas instituições estatais. O Estado deve proporcionar aos indivíduos em litígio a segurança jurídica que somente a inalterabilidade da decisão deve trazer. A segurança jurídica que o Estado deve proporcionar aos jurisdicionados confere certeza à prestação jurisdicional. Marques lecionando a respeito da segurança inerente à coisa julgada estabelece tratar-se de exigência da ordem pública e do bem comum para que a tutela jurisdicional se torne estável.17 Entretanto, o princípio da segurança jurídica e a coisa julgada possuem intangibilidade para se sobrepor à própria Constituição? Relativizar a coisa julgada inconstitucional seria uma afronta à segurança jurídica idealizada pela CF? Deve o caso permanecer sob o manto intocável da coisa julgada apesar de ferir a CF ou flexibilizar a res iudicata reabrindo a questão para corrigir a inconstitucionalidade? 16 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 192-194. 17 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9. ed. Campinas: Millennium, 2003, p. 517. 18 De um lado está a segurança jurídica alicerçada na CF e caracterizada pela imutabilidade da coisa julgada. De outro, a inadmissibilidade de uma sentença contrária à ordem jurídica por agredir preceitos constitucionais. O princípio da segurança jurídica não deve se justapor à própria coerência do ordenamento jurídico. Se a coisa julgada traz em si uma inconstitucionalidade, a Constituição não deverá protegê-la. O princípio da proporcionalidade encontra-se implicitamente na Carta Magna. A lei deve ajustar-se ao contexto social e à realidade, quanto ao fim almejado e os meios pelos quais se pretende alcançá-lo. O jurista deve encontrar, entre as normas aplicáveis, a que melhor se adapta à situação concreta. Identificada uma antinomia, o princípio da proporcionalidade pondera qual o bem jurídico de maior relevância que deverá prevalecer. O princípio da legalidade norteia o Estado Democrático de Direito ao assinalar que nenhum cidadão é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, bem como todos têm direito ao devido processo legal. Tal princípio oferece a previsibilidade dos atos estatais. O cumprimento das leis por parte das instituições estatais é essencial para o desenvolvimento da sociedade e para a solidificação do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido são as ponderações de Silva: O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca 18 da igualização das condições dos socialmente desiguais. (grifo nosso) A res iudicata é uma forma de coroar todo o processo tramitado e expressa o princípio da legalidade. Quando alcançada, a coisa julgada poderá ser atacada apenas nas hipóteses que ensejam ação rescisória. Entretanto, a coisa julgada deve ser rediscutida para que realmente se prime pela coerência do ordenamento jurídico. A excepcionalidade de cada caso dirá se é necessária a flexibilização do julgado. O Estado deve respeitar o devido processo legal ao garantir o acesso ao Judiciário. No exercício da jurisdição os princípios constitucionais devem ser respeitados com o fito de pacificar os conflitos e garantir os direitos constitucionais essenciais, eliminando os sentimentos de incerteza e insatisfação. Desprezar ou ferir essas garantias e oferecer o acesso a uma ordem jurídica incoerente esvazia a proteção conferida ao indivíduo pelo Poder Constituinte. 18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 419. 19 A idéia de imutabilidade da coisa julgada deve significar a inalterabilidade de seus efeitos, vedada através da via recursal e não impossível por outras vias. Para Theodoro Júnior e Faria a noção de intangibilidade da coisa julgada no sistema jurídico brasileiro, não tem sede constitucional.19 Resulta da norma contida no art. 475 do CPC e não está imune ao princípio hierarquicamente superior, da constitucionalidade. A inalterabilidade da decisão judicial transitada em julgado não exclui a sua modificabilidade, como a ação rescisória que desconstitui a decisão uma vez configurada qualquer uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC. Nestes casos o legislador considerou que os vícios de que reveste a decisão transitada em julgado são tão graves que justificam abrir mão da segurança em benefício da garantia de coerência e respeito aos valores maiores consagrados na ordem jurídica. A segurança como valor inerente da coisa julgada e o princípio de sua intangibilidade podem ser flexibilizados. O princípio da intangibilidade da coisa julgada não é um princípio constitucional, porque a regra do inc. XXXVI, do art. 5º da CF dirige-se apenas ao legislador ordinário no sentido de editar outras regras, como a art. 457 do CPC que decorre a noção de intangibilidade da coisa julgada. 1.5 A Relativização da Coisa Julgada Assegurar a supremacia da CF no Estado Democrático de Direito é o único meio de garantir a segurança e a pacificação social. Preocupa-se com a análise da constitucionalidade/inconstitucionalidade dos atos normativos e não com os atos e decisões do Poder Judiciário, tornando-se imunes a ataques, consagrando o princípio da intangibilidade da coisa julgada. Privilegia-se a segurança do trânsito em julgado de uma decisão (mesmo que inconstitucional) ou o direito a uma ordem jurídica conforme a Constituição, malgrado a sentença já ter alcançado a res iudicata? O princípio da constitucionalidade é conseqüência direta da força normativa e vinculativa da CF enquanto Lei Fundamental da ordem jurídica. Exige para a validade do ato sua conformidade com a CF. O princípio da constitucionalidade e o efeito negativo que advém do ato inconstitucional aplicam-se a toda categoria de atos emanados do Poder Público. O Poder 19 THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Revista da faculdade de direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 8, 2001, p. 53-54. 20 Judiciário não deve ser interpretado como mero executor das leis, mas um defensor dos direitos e garantias assegurados na CF. O DPC possui instrumentos para corrigir uma decisão judicial inconstitucional, como os recursos extraordinário e ordinário. Porém, quando a decisão inconstitucional não é mais passível de impugnação recursal, a coisa julgada contrária à CF porque deixou de aplicar determinada norma constitucional por interpretá-la inconstitucional, ou porque deliberou contrário a uma regra ou princípio constitucional, não encontra controle em nosso ordenamento. As normas cada vez mais encerram conceitos indeterminados exigindo maior interpretação dos juízes. Razão pela qual se discute a constitucionalidade das decisões judiciais e dos efeitos sobre a coisa julgada quanto à segurança e certeza, ao mesmo tempo em que se persegue a coerência do ordenamento jurídico. Admitir a coisa julgada inconstitucional seria conferir um poder absoluto dos Tribunais definirem o sentido normativo da CF. No Estado Democrático de Direito a lei e as decisões judiciais não são absolutas. A nova redação do parágrafo único do art. 741 do CPC, dada pela Lei nº. 11.232/05, diminuiu a tutela ao titular de um direito ofendido por sentença inconstitucional. A coisa julgada deve se harmonizar com outros valores constitucionais de igual ou maior grandeza. O reconhecimento da ineficácia ou invalidade da coisa julgada contrária à CF está sujeita a ser reconhecida a qualquer tempo. Deve-se afastar visões radicais no sentido de enfraquecer exageradamente a autoridade da coisa julgada. Nery Júnior e Andrade Nery entendem que o instrumento processual apto para a quebra da coisa julgada inconstitucional é a ação rescisória.20 Esta percepção limita o prazo para a revisão do caso julgado, equipara ofensa à Constituição com a ofensa ilegal que enseja ação rescisória com prazo decadencial de dois anos. Quando o STF declara a inconstitucionalidade por meio do controle concentrado, a lei que serviu de espeque para uma sentença que já alcançou status de coisa soberanamente julgada, ocorre a inconstitucionalidade superveniente ou quando declara a constitucionalidade de lei na qual o juiz negou aplicação em sua decisão. Trata-se de ofensa indireta à CF. Um ato inconstitucional pode ser válido mesmo após a declaração de sua inconstitucionalidade se dois terços dos membros do STF concederem efeito ex nunc à declaração. Valoriza-se o ato inconstitucional quando seus efeitos são válidos. 20 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 830. 21 A ação rescisória é instrumento inadequado para solucionar o problema da coisa julgada inconstitucional, porque serve apenas para declarar a nulidade de uma sentença e não para desconstituir uma sentença válida. A ação rescisória se restringe ao prazo prescricional de dois anos, enquanto as nulidades não se convalidam. A ação declaratória de nulidade absoluta e insanável da sentença (querela nullitatis) também não é o instrumento pertinente para desconstituir a coisa julgada. O art. 741 do CPC determina que os embargos e a impugnação ao cumprimento da sentença suscitam a inconstitucionalidade da sentença nula transitada em julgado. Proposta uma ação fundamentada no pedido de uma anterior decisão judicial transitada em julgado, o juiz precisará decidir o novo pedido conforme o caso julgado se este for conforme a CF. Admite-se impugnação para argüir inexigibilidade do título. Sendo nula a coisa julgada inconstitucional, não se pode tê-la como “título exigível” para fins executivos. Exigibilidade pressupõe certeza jurídica ao título. Neste caso, deve-se reconhecer aos juízes um poder geral de controle incidental da constitucionalidade da coisa julgada. Caso a Lei nº. 11.232/05 não tivesse tratado da impugnação da sentença inconstitucional, sua impugnabilidade estaria assegurada, porque esse é o regime da nulidade de qualquer ato. O § 1º do art. 475-L do CPC permite a impugnação sobre a inexigibilidade do título judicial fundada em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou fundado na aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidos pelo STF como incompatíveis com a CF. A impugnação poderá versar sobre a inexigibilidade da sentença exeqüenda fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF, em ação direta de inconstitucionalidade. A ADIn é remédio processual que cuida do conflito da lei em tese com a CF. A coibição de atos de descumprimento de preceito fundamental (prevista no § 1º do art. 102 da CF) é uma modalidade de inconstitucionalidade que não se restringe aos atos normativos. A inconstitucionalidade é um problema de relação entre o parâmetro da CF e o ato de poder que com ele se conforma, ofendendo os critérios de validade contidos nas normas constitucionais. A coisa julgada pode ser elidida em razão de ulterior declaração de inconstitucionalidade da lei aplicada na sentença. O principal foco de discussão em sede de relativização da coisa julgada é o conflito entre o conteúdo da sentença e os valores protegidos pela CF. A intangibilidade da coisa julgada não é absoluta quando transgredido um valor de nível mais elevado do que a segurança jurídica. 22 2 NOÇÕES DE TUTELA COLETIVA NO PROCESSO CIVIL Os direitos coletivos não estão incluídos na divisão doutrinária clássica que divide o Direito em Público e Privado. Em regra, os direitos coletivos são afetos à Administração Pública, mas tem conotação público-social. Os interesses metaindividuais são difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Representam ações coletivas: ACP, MSC, AP, MIC, ação de improbidade administrativa e a ação civil prevista no CDC. O princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva está disposto no art. 103, §§ 3º e 4º, do CDC. Em regra, somente a coisa julgada coletiva julgada procedente poderá beneficiar os indivíduos que dela se aproveitam. Caso improcedente, em regra, nada impede o ajuizamento da ação individual. Trata-se do transporte in utilibus da coisa julgada. O princípio do ativismo judicial ou da máxima efetividade do processo coletivo representa a idéia do Poder Judiciário buscar a efetividade. No processo coletivo o juiz tem o dever de produzir provas de ofício, consoante o art. 130 do CPC. Pelo disposto no art. 4º do Anteprojeto do CBPC o juiz poderá permitir a alteração do pedido ou da causa de pedir mesmo após o saneamento. O princípio da atipicidade das ações coletivas ou princípio da não taxatividade das ações coletivas está previsto no art. 83 do CDC, determina que são cabíveis todas as ações para a defesa dos direitos difusos e coletivos. O art. 82 do CDC e o art. 5º da LACP (após a reforma trazida pela Lei nº. 11.448/07) dispõe sobre a legitimidade ativa na LACP e na LAP. No sistema americano qualquer pessoa pode propor ação coletiva e comprovar que representa adequadamente o grupo ou categoria. Os legitimados do art. 5º da LACP só podem ajuizar ações dentro de suas finalidades institucionais. Portanto, há controle judicial sobre a legitimidade que é ope judicis. O MP não possui adequada representação e legitimidade para propor ação coletiva devido às suas finalidades institucionais para a tutela dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O art. 136 da CF confere legitimidade à Defensoria Pública para propor ACP para a tutela dos necessitados. O CONAMP concedeu legitimidade para a Defensoria Pública ajuizar ACP. A coisa julgada coletiva pode até impedir a repropositura de outra coisa julgada coletiva (improcedência, salvo por falta de provas), mas nunca prejudicará a ação individual. Se o particular participou da ação coletiva como litisconsorte, a coisa julgada coletiva o afetará. 23 Não há litispendência entre ação individual e coletiva, mas se o autor da ação individual em andamento quiser aproveitar da coisa julgada coletiva deverá requerer a suspensão de sua ação em trinta dias da ciência da ação coletiva (art. 104 do CDC). Nesta hipótese pára a ação individual a fim de esperar o resultado da ação coletiva. Se a ação individual desacolhida transitou em julgado, e depois inicia a ação coletiva julgada procedente o particular poderá se valer desta ação coletiva, eis que não teve a oportunidade de suspender a ação individual. A evolução tecnológica pode justificar o afastamento da coisa julgada, principalmente em ações ambientais, por exemplo, detritos jogados em rio que sejam prejudiciais aos peixes, não é falta de provas, mas falta de estudos científicos para provar que aquele detrito é prejudicial aos peixes, posteriormente se comprova o efeito danoso destes detritos às pessoas que ingeriram estes peixes ou seus substratos, a coisa julgada deverá ser relativizada. A legislação processual coletiva é aplicada da seguinte forma: 1º) O art. 90 CDC c.c. art. 21 LACP são considerados normas de reenvio. Qualquer ação civil pública com base no CPC aplica-se o CDC. Por ex.: ACP do ECA, evolução genética, improbidade administrativa, MSC aplica o CDC; 2º) Aplica-se secundariamente a LACP, LIA e LMS; 3º) Subsidiariamente aplica-se o CPC (por determinação expressa do art. 19 da LACP). Entre os países de civil law, o Brasil foi pioneiro na criação e implementação dos processos coletivos. A partir da reforma de 1977 da LAP, os direitos difusos ligados ao patrimônio ambiental, em sentido lato, receberam tutela jurisdicional por intermédio da legitimação do cidadão. Depois, a Lei nº. 6.938/81 previu a titularidade do MP para as ações ambientais de responsabilidade penal e civil. Mas foi com a LACP que os interesses transindividuais, ligados ao meio ambiente e ao consumidor, receberam tutela diferenciada, por intermédio de princípios e regras que, de um lado, rompiam com a estrutura individualista do processo civil brasileiro e, de outro, acabaram influindo no CPC.21 Tratava-se, porém, de uma tutela restrita a objetos determinados (o meio ambiente e os consumidores), até que a Constituição de 1988 veio universalizar a proteção coletiva dos interesses ou direitos transindividuais, sem qualquer limitação em relação ao objeto do processo. Finalmente, com o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, o Brasil pôde contar com um verdadeiro microssistema de processos coletivos, composto pelo Código – que também criou a categoria dos interesses ou 21 Assim ocorreu, por exemplo, com as obrigações de fazer e não fazer. 24 direitos individuais homogêneos – e pela Lei n. 7.347/85, interagindo mediante a aplicação recíproca das disposições dos dois diplomas.22 Vinte anos de experiência de aplicação da LACP, quinze de CDC, numerosos estudos doutrinários sobre a matéria, cursos universitários, de graduação e pós-graduação, sobre processos coletivos, inúmeros eventos sobre o tema, tudo autoriza o Brasil a dar um novo passo rumo à elaboração de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos, assentada no entendimento de que nasceu um novo ramo da ciência processual, autônomo, com princípios próprios e institutos fundamentais, distintos dos princípios e institutos do direito processual individual.23 Este trabalho objetiva examinar os princípios e institutos fundamentais do direito processual coletivo, naquilo em que se diferenciam dos que regem o direito processual individual, com a finalidade de aferir se efetivamente se pode falar de um novo ramo do direito processual. 2.1 Princípios do direito processual coletivo Considerando, além do jurídico, os escopos sociais e políticos do processo, bem como seu compromisso com a ética e a moral, a ciência processual atribui extraordinária relevância a certos princípios, que não se prendem à dogmática jurídica ou à técnica processual, valendo como algo externo ao sistema processual e servindo-lhe de sustentáculo legitimador. O princípio do acesso à Justiça não indica apenas o direito de acesso aos Tribunais, mas também o de alcançar, por meio de um processo cercado das garantias do devido processo legal, a tutela dos direitos violados ou ameaçados. Na feliz expressão de Kazuo Watanabe, o acesso à justiça resulta no acesso à ordem jurídica justa. (grifo da autora). Um dos mais sensíveis estudiosos do acesso à justiça – Mauro Cappelletti – identificou três pontos sensíveis nesse tema, que denominou ‘ondas renovatórias do direito processual’: a) A assistência judiciária, que facilita o acesso à justiça do hipossuficiente; b) A tutela dos interesses difusos, permitindo que os grandes conflitos de massa sejam levados aos tribunais; c) O modo de ser do processo, cuja técnica processual deve utilizar mecanismos que levem à pacificação do conflito, com justiça. Percebe-se, assim, que o acesso à justiça para a tutela de interesses transindividuais, visando à solução de conflitos 22 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 27-28. 23 Entre as obras que tratam do direito processual coletivo, como ramo autônomo do direito processual, pode-se lembrar ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. 25 que, por serem de massa, têm dimensão social e política, assume feição própria e peculiar no processo coletivo. O princípio que, no processo individual, diz respeito exclusivamente ao cidadão, objetivando nortear a solução de controvérsias limitadas ao círculo de interesses da pessoa, no processo coletivo transmuda-se em princípio de interesse de uma coletividade, formada por centenas, milhares e às vezes milhões de pessoas. E o modo de ser do processo, que, quando individual, obedece a esquemas rígidos de legitimação, difere do modo de ser do processo coletivo, que abre os esquemas da legitimação, prevendo a titularidade da ação por parte do denominado ‘representante adequado’, portador em juízo de interesses e direitos de grupos, categorias, classes de pessoas.24 O princípio da universalidade da jurisdição determina que o acesso à justiça deve ser garantido a um número cada vez maior de pessoas, amparando um número cada vez maior de causas. O princípio da universalização da jurisdição tem alcance mais restrito no processo individual, limitando-se à utilização técnica processual com o objetivo de que todos os conflitos de interesses submetidos aos tribunais tenham resposta jurisdicional adequada. Mas o princípio assume dimensão distinta no processo coletivo, pois é por intermédio deste que as massas têm a oportunidade de submeter aos tribunais as novas causas, que pelo processo individual não tinham sequer como chegar à justiça. O tratamento coletivo de interesses e direitos comunitários é que efetivamente abre as portas à universalidade da jurisdição. O princípio de participação é ínsito em qualquer processo, que tem nele seu objetivo político. Mas, enquanto no processo civil individual a participação se resolve na garantia constitucional do contraditório (participação no processo), no processo coletivo a participação se faz também pelo processo. A participação popular pelo processo contava com exemplo clássico no processo penal brasileiro, pela instituição do Tribunal do Júri. Para os demais processos, sustentava-se enquadrar-se também no momento participativo o exercício da função jurisdicional por advogados e membros do MP, por força do quinto constitucional; e, ainda, da atividade de conciliadores, como nos Juizados Especiais e, mais timidamente, no processo comum. Mas se tratava de exemplos pontuais, ao passo que com o acesso das massas à justiça, grandes parcelas da população vêm participar do processo, conquanto por intermédio dos legitimados à ação coletiva. Aliás, uma consideração deve ser feita que distingue a participação no processo, pelo contraditório, entre o processo individual e o processo coletivo. Enquanto no primeiro o contraditório é exercido diretamente, pelo sujeito da relação processual, no segundo – o processo coletivo – o contraditório cumpre-se pela atuação do portador, em juízo, dos interesses ou direitos difusos e coletivos (transindividuais) ou individuais homogêneos. Há, assim, no processo coletivo, em comparação com o individual, uma participação maior pelo processo, e uma participação menor no processo: menor, por não ser exercida individualmente, mas a única possível num 24 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 29. 26 processo coletivo, onde o contraditório se exerce pelo chamado ‘representante 25 adequado’. O princípio da ação ou da demanda indica a atribuição à parte da iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional (nemo iudex sine actore). Sob esse ponto de vista, processo individual e processo coletivo parecem idênticos, mas há, no Anteprojeto de CBPC, iniciativas que competem ao juiz para estimular o legitimado a ajuizar a ação coletiva, mediante a ciência aos legitimados da existência de diversos processos individuais versando sobre o mesmo bem jurídico. O princípio do impulso oficial é interpretado no sentido de que o processo, que se inicia por impulso da parte, segue sua caminhada por impulso oficial. Esse princípio, que permite que o procedimento seja levado para frente até seu final, rege, de igual maneira, o processo individual e o coletivo. Mas a soma de poderes atribuídos ao juiz é questão intimamente ligada ao modo pelo qual se exerce o princípio do impulso oficial. Embora o aumento dos poderes do juiz seja, atualmente, visto como ponto alto do processo individual, a soma de poderes atribuídos ao juiz do processo coletivo é incomensuravelmente maior. Trata-se da defining function do juiz, de que fala o direito norteamericano para as class actions. Pelo Anteprojeto de CBPC caberão ao juiz medidas como desmembrar um processo coletivo em dois – sendo um voltado à tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, outro voltado à proteção dos individuais homogêneos, se houver conveniência para a tramitação do processo; certificar a ação como coletiva; dirigir como gestor do processo a audiência preliminar, decidindo desde logo as questões processuais e fixando os pontos controvertidos, quando falharem os meios alternativos de solução de controvérsias; flexibilizar a técnica processual, como, por ex. na interpretação do pedido e da causa de pedir. Caberá ao Tribunal determinar a suspensão de processos individuais, em determinadas circunstâncias, até o trânsito em julgado da sentença coletiva. Todos esses poderes, alheios ao CPC, dão uma nova dimensão ao princípio do impulso oficial. O princípio da economia preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais. Típica aplicação do princípio encontrase no instituto da reunião de processos em casos de conexidade e continência e do encerramento do segundo processo em casos de litispendência e coisa julgada. 25 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 30. 27 Mas os conceitos de conexidade, continência e litispendência são extremamente rígidos no processo individual, colocando entraves à identificação das relações entre processos, de modo a dificultar sua reunião ou extinção. No Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos o que se tem em mente, para a identificação dos fenômenos acima indicados, não é o pedido, mas o bem jurídico a ser protegido; pedido e causa de pedir serão interpretados extensivamente; e a diferença de legitimados ativos não será empecilho para o reconhecimento da identidade dos sujeitos. Isso significa que as causas serão reunidas com maior facilidade e que a litispendência terá um âmbito maior de aplicação. Outros institutos, como o reforço da coisa julgada de âmbito nacional e a expressa possibilidade de controle difuso da constitucionalidade pela via da ação coletiva, levarão ainda mais o processo coletivo a – na feliz expressão de Kazuo Watanabe – ‘molecularizar’ os litígios, evitando o emprego de inúmeros processos voltados à solução de controvérsias fragmentárias, dispersas, ‘atomizadas’.26 O princípio da instrumentalidade das formas demanda que as formas do processo não sejam excessivas, sufocando os escopos jurídicos, sociais e políticos da jurisdição, devendo assumir exclusivamente o formato necessário a assegurar as garantias das partes e a conduzir o processo a seu destino final: a pacificação com Justiça. A técnica processual deve ser vista sempre a serviço dos escopos da jurisdição e ser flexibilizada de modo a servir à solução do litígio. A interpretação rigorosa da técnica processual, no processo individual, tem dado margem a que um número demasiado de processos não atinja a sentença de mérito, em virtude de questões processuais. As normas que regem o processo coletivo, ao contrário, devem ser sempre interpretadas de forma aberta e flexível – há disposição expressa nesse sentido no Anteprojeto de CBPC – e o juiz encontrará nelas sustentáculo para uma postura menos rígida e formalista. O princípio geral do processo coletivo – capaz de transmitir-se ao processo individual – é muito claro, nesse campo: observado o contraditório e não havendo prejuízo à parte, as formas do processo devem ser sempre flexibilizadas. Os fundamentos acima descritos demonstram à sociedade que muitos dos princípios gerais do direito processual assumem feição própria no processo coletivo, apontando para a existência de diferenças substanciais. 2.2 Institutos fundamentais do processo coletivo No campo dos institutos fundamentais, o processo coletivo conta com institutos muito diversos daqueles em que se alicerça o processo individual. O esquema rígido da 26 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 32. 28 legitimação, regida para o processo individual pelo art. 6º do CPC, é repudiado no processo coletivo, que passa a adotar uma legitimação autônoma e concorrente, aberta, múltipla e composta. O instituto da representatividade adequada, desconhecido do processo individual, alicerça a legitimação no processo coletivo, exigindo que o portador em juízo dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos apresente as necessárias condições de seriedade e idoneidade, até porque o legitimado é o sujeito do contraditório, do qual não participam diretamente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Embora a legislação atual brasileira não mencione expressamente a representatividade adequada, ela inquestionavelmente pode ser vislumbrada em normas que dizem respeito à legitimação das associações. No Código projetado, a representatividade adequada está acoplada aos requisitos objetivos que acompanham as normas sobre legitimação e deverá ser aferida pelo juiz quando o legitimado for pessoa física e nas ações coletivas passivas. Em relação à coisa julgada, Grinover em duas obras afirma que a coisa julgada, rigorosamente restrita às partes no processo individual, tem regime próprio no processo coletivo: erga omnes, por vezes secundum eventum probationis - ou seja, possibilitando a repropositura, com base em provas novas, supervenientes, que não puderam ser produzidas no processo e capazes, por si só, de mudar seu resultado.27 Ao concluir a análise do tema Mattos afirma que a LACP e o CDC revolucionaram o processo civil brasileiro, dando a partida para o desenvolvimento do processo coletivo. Todavia, não alcançaram a sua finalidade precípua de desafogar o Poder Judiciário de ações repetitivas e de garantir tratamento isonômico aos jurisdicionados que se encontram em situação idêntica, o que se constata, sobretudo, e com grande pesar, na Justiça Federal, na qual as ações em que se discute a mesma questão jurídica brotam de forma descontrolada e caótica, o que tem conduzido alguns Juizados Especiais Federais a situação próxima do colapso. Esse parcial insucesso é resultado da disciplina da litispendência e da coisa julgada das ações coletiva, marcada pela prioridade conferida às ações individuais e pela extensão secundum eventum litis ou in utilibus da coisa julgada à esfera jurídica dos membros do grupo ou categoria, de sorte que a decisão de improcedência do pedido não impede a propositura de ações individuais. A persistência do modelo vigente choca-se com a tendência e o movimento de outorga de eficácia vinculante às 27 GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.); MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (Coord.); WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito processual coletivo. Direito processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: RT, 2007, p. 14; GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 33. 29 decisões dos Tribunais Superiores e reduz a efetividade do processo coletivo. A superação das atuais vicissitudes da ação coletiva passa pela adoção de um sistema de coisa julgada coletiva que valorize o julgamento de mérito nela proferido, ficando os interessados, na hipótese de direitos individuais homogêneos, vinculados ao seu comando, mesmo no caso de improcedência do pedido.28 O conceito rígido de pedido e causa de pedir, próprio do CPC, aplicado ao processo coletivo, tem dificultado a reunião de processos coletivos, provocando a condução fragmentária de processos, com decisões contraditórias. O Código projetado muda radicalmente a forma de interpretação do pedido (olhando para o bem jurídico a ser tutelado) e da causa de pedir. A redefinição da interpretação do pedido e da causa de pedir, assim como da identidade de partes, tem reflexos imediatos nos institutos da conexão, continência e litispendência (e até da coisa julgada). O sistema processual civil brasileiro distingue-se de outros (como o italiano) por um regime rígido de preclusões, com a correlata perda de faculdades processuais – o que tem ocasionado, aliás, o grande mal da recorribilidade das interlocutórias e a multiplicação de agravos. Mas as preclusões devem ser vistas exclusivamente em sua função positiva, qual seja a de conduzir o procedimento para o seu resultado final, evitando o retorno a etapas anteriores. As preclusões não devem impedir, por exemplo, a mudança do pedido e da causa de pedir, após a contestação, desde que seja feita de boa-fé e não haja prejuízo para o demandado, observado sempre o contraditório. O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos permite a alteração do pedido e da causa de pedir, até a sentença, nas condições acima referidas.29 As normas do microssistema brasileiro sobre a ACP privilegiam o foro do local dos danos, criando competências concorrentes. Mas mais importante e reveladora é a natureza absoluta da competência territorial. Além da inversão do ônus da prova, ope judicis, prevista no CDC, o Anteprojeto de CBPC adota o critério dinâmico da distribuição do ônus da prova, cabendo a prova dos fatos a quem tiver maior proximidade com eles e maior facilidade para demonstrá-los. 28 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. A litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas segundo o código de defesa do consumidor e os anteprojetos do código brasileiro de processos coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.); MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (Coord.); WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: RT, 2007, p. 214-215. 29 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 34. 30 No processo individual, a liquidação da sentença abrange apenas o quantum debeatur, ao passo que na liquidação da sentença coletiva condenatória à reparação dos danos individualmente sofridos (interesses ou direitos individuais homogêneos) é necessário, além da quantificação dos prejuízos, apurar parte do an debeatur (a existência do dano individualmente sofrido e o nexo causal com o dano geral reconhecido pela sentença). A fluid recovery é instituto típico das ações coletivas que permite, em determinadas circunstâncias, que se passe do ressarcimento pelos danos sofridos (regulado pelo CC) à reparação dos danos provocados, na hipótese de o prejuízo individual ser muito pequeno ou as vítimas dificilmente identificáveis. Diferenças profundas entre os institutos fundamentais do processo individual e do coletivo podem ser encontradas, sobretudo segundo o Código projetado, nos poderes do juiz e do MP, no efeito meramente devolutivo da apelação, na competência para a liquidação e a execução, na execução provisória etc. “Sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que o processo coletivo alicerça-se em institutos fundamentais próprios, totalmente diversos de muitos dos institutos fundamentais do direito processual individual”.30 A análise dos princípios gerais do direito processual, aplicados aos processos coletivos, demonstrou a feição própria e diversa que eles assumem, autorizando a afirmação de que o processo coletivo adapta os princípios gerais às suas particularidades. Mais vistosa ainda é a diferença entre os institutos fundamentais do processo coletivo em comparação com os do individual. Portanto, é necessário o surgimento de um novo ramo do Direito Processual, o Direito Processual Coletivo, contando com princípios revisitados e institutos fundamentais próprios e tendo objeto bem definido: a tutela jurisdicional dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2.3 Conceito de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos A definição das expressões difusos e coletivos para o Direito pode ser abstraída do art. 81 do CDC. Nos direitos difusos as pessoas são indeterminadas, ligadas por circunstâncias 30 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 35. 31 de fato. Nos direitos coletivos: há um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica base. Mancuso esclarece que os interesses difusos apresentam: indeterminação dos sujeitos (não há vínculo jurídico que agregue os sujeitos aglutinados ocasionalmente e as lesões aparecem disseminadas por um número indefinido de pessoas), indivisibilidade do objeto (são insuscetíveis de partição e atribuição a pessoas ou grupos), intensa litigiosidade (os conflitos envolvendo interesses difusos são amplos) e duração efêmera (balizados por norma que confere estabilidade, referenciados a situação de fato).31 Os interesses ou direitos32 difusos referem-se tanto à coletividade quanto a cada um dos membros da sociedade. Ao se fazer referência a esses interesses exemplificando-os nas referências ao meio ambiente, à educação, à saúde, ao consumidor, os interesses não são meramente individuais, mas também coletivos ou transindividuais. A necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular determinado ou ao menos determinável, impediu por muito tempo que os interesses pertinentes, a um tempo, a toda uma coletividade e a cada um dos membros dessa mesma coletividade como, por ex., os interesses ao meio ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida pudessem ser havidos por juridicamente protegíveis.33 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está inserido no rol dos interesses difusos. O texto da CF refere que todos têm esse direito, sendo que a proteção a uma pessoa protege a todo um conjunto de indivíduos. No entanto se você tem em mente que os direitos sociais, como vimos acima, não são nenhuma maneira de cobrir uma simples pretensão do indivíduo para o Estado, mas implica em estreitar deveres de solidariedade entre os membros da comunidade, e se você tem em mente que o direito ambiental suportará, como afirmado pelo Tribunal de Cassação, é um direito social, não deve haver mais dificuldade de deixar o campo da ótica individualista e considerar a possibilidade de olhar para todo o direito ambiental como um direito reconhecido e garantido não só para o indivíduo como tal, mas também para toda variedade de temas que a representa.34 31 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e colocação no quadro geral dos “interesses”, Revista de processo, RT, São Paulo, n. 55, jul./ set. 1989, p. 173-175. 32 No presente trabalho as expressões interesse e direito serão utilizadas como sinônimas, devido ao tratamento dado pelos arts. 8º, inc. III e 129, inc. III, da CF e o art. 81, parágrafo único e incisos, do CDC. 33 GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 741. 34 MADDALENA, Paulo. Danno pubblico ambientale. Roma: Maggioli, 1990, p. 79. Se tuttavia si tiene presente che i diritti sociali, come si è sopra visto, non si esauriscono affatto in uma pura pretesa del singolo verso lo Stato, ma implicano strettissimi doveri di solidarietà tra i componenti la collettività, e se si tiene presente che il diritto all´ambiente, como ha precisato la Corte di cassazione, è un diritto sociale, non dovrebbero esserci più difficoltà a lasciare il campo dell’ ottica individualistica ed a considerar ela possibilita di guardare al diritto all’ ambiente come ad un diritto riconosciuto e garantito non solo al singolo in quanto tale, ma anche all’ intera pluralità di soggetti che constituisce la collettività. 32 Compreender a jurisdição à luz do significado das expressões: coletivo e difuso, significa atribuir uma responsabilidade direta pela proteção, manutenção e preservação do meio ambiente. Inclusive diante da inexistência de instrumentos processuais adequados. A prestação jurisdicional acautelatória será sempre conferida. O bem jurídico ambiental é de interesse coletivo e difuso não circunscrito. Trata-se de uma norma de caráter geral aplicável a todo sistema jurídico. Quanto ao caráter ilícito dos interesses coletivos, não se pode distingui-los dos interesses difusos, de forma a provocar uma divisão entre ambos. A distinção reside no grau mais intenso de agregação, com teor de maior unidade, entre as pessoas pertencentes a um grupo, categoria ou classe. O vínculo nos direitos coletivos não é tão rarefeito quanto nos difusos. Naqueles, os membros das categorias devem estar unidos entre si, ou com a parte contrária através de uma relação jurídica base. Todavia, há a transindividualidade e a natureza indivisível do objeto da mesma forma como se verifica nos interesses difusos. Nos interesses coletivos, a titularidade é atribuída ao grupo, categoria ou classe. Entretanto, essa titularidade não pode se confundir com a legitimidade, porque o CDC traz quem são os legitimados para exercer a defesa do direito em juízo. Os interesses coletivos determinam os beneficiários do interesse ou direito, conforme sua titularidade. Essa determinação deve ser feita a qualquer tempo para determinar a identidade subjetiva em benefício de resultado favorável da ação coletiva. Na hipótese do art. 104 do CDC, a inocorrência da litispendência identifica o consumidor autor da ação individual, que poderá ou não se beneficiar da ação coletiva. Os beneficiários, pela ligação a entidades coletivas, são facilmente identificáveis. Os componentes do grupo devem ter um elo de ligação ou uma relação jurídica base com a parte contrária. Os interesses coletivos apresentam as seguintes características: organização (sem a qual não podem se aglutinar de forma coesa e eficaz em um grupo determinado); necessidade de um portador adequado para representar o interesse coletivo; vínculo jurídico básico que congrega de forma homogênea aqueles que integram o grupo, a classe ou a categoria e confere aos participantes da entidade coletiva unidade de atuação e situação jurídica diferenciada. No plano dos direitos coletivos a relação jurídica base é pré-existente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe. O fato de sua 33 organização não foi considerado traço decisivo dos interesses coletivos. Desta forma, os interesses coletivos têm objeto indivisível, mas a titularidade desses direitos é de uma classe, categoria ou grupo de pessoas. Assim, os titulares do direito podem ser determinados. Os interesses individuais homogêneos representam uma subespécie de direitos coletivos e decorrem de origem comum. Os interesses individuais podem ser objeto de defesa coletiva quando significativos de interesses individuais homogêneos, que tenham tido origem ou causa comum, no que se refere aos fatos geradores do dano, juridicamente iguais e aptos a embasar essa ação coletiva. São interesses e direitos defensáveis a título coletivo. Os interesses individuais homogêneos têm origem comum, compreendendo os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato. Nesse caso, o dano ou a responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente variável. Há um elo consubstanciado na coincidência de situações fáticas, por ex., o fato de comprarem carros do mesmo lote e com o mesmo defeito. O objeto dos interesses individuais homogêneos é divisível, mas a ação coletiva advém de uma circunstância que tem origem comum a todos, legitimando-os a manejarem a ação coletiva. 2.4 A Legitimidade nas Ações Coletivas O art. 6º do CPC trata da legitimidade ativa. Trata-se da possibilidade de determinada pessoa ingressar em juízo, em nome próprio, para tutelar direito próprio. A legitimidade pode ser ordinária ou extraordinária. Para Moreira de Paula legitimidade ordinária “é a autorização dada pela lei ou em razão da relação jurídica discutida na demanda, para que determinada pessoa, em nome próprio, componha o pólo ativo da ação, a fim de tutelar direito próprio”.35 A legitimidade ordinária tutela direitos individuais, divide-se em pura e impura. A pura ocorrerá se os integrantes da ação forem os mesmos que participarem da relação jurídica material, por ex., ação de separação ajuizada pela esposa em face do marido. A impura ocorrerá se um dos integrantes da ação não participar diretamente da relação jurídica material, mas, por expressa disposição legal, integrar à ação, como o fato dos pais serem civilmente responsáveis pelos atos dos filhos menores. 35 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 1º a 261. 2. ed. São Paulo: Manole, 2003, v. 1, p. 72. 34 A legitimidade ordinária impura também ocorrerá se o integrante da ação tiver interesse conexo com a relação jurídica material, por ex., a legitimidade do credor do herdeiro para abertura do inventário e a legitimidade impura concorrente do MP para propor ações para tutela de interesses individuais homogêneos. A legitimidade extraordinária legalmente autoriza uma pessoa jurídica ou instituição a integrar o pólo ativo da ação, em nome próprio, para tutelar direitos coletivos ou difusos alheios. O legitimado não participa diretamente, nem indiretamente da relação jurídica material, mas possui legitimidade para propor medidas judiciais em favor de um grupo ou categoria, pois age em nome próprio, por expressa disposição legal e/ou dever institucional. É o caso do MP quando propõe ACP para tutela do patrimônio público (art. 5º da LACP). Moreira de Paula enfatiza que a substituição processual possibilita a substituição de uma das partes no curso do processo por: a) alienação da coisa litigada (art. 42 do CPC); b) sucessão processual (art. 43 do CPC); c) nomeação à autoria (art. 66 do CPC) ou substituição do autor na AP (prevista na LAP). Referido autor exemplifica haver substituição processual na ação do mandante contra o substituto do mandatário.36 A substituição processual pressupõe existência de processo pendente. O substituto age em nome próprio para tutela de direito próprio. Pode ocorrer tanto no pólo ativo como passivo da ação. Pode ser exercida por pessoa física ou jurídica ou entidades. Tutela direito individual, então a coisa julgada só atinge as partes, nunca alcança terceiros. Incide pagamento de custas e adiantamento das despesas processuais. Na legitimidade extraordinária inexiste processo pendente, o legitimado age em nome próprio para tutela de direito coletivo ou difuso. Sempre ocorrerá no pólo ativo da ação, exceto na ação incidental ou subseqüente a ação principal. Inadmite seu exercício por pessoa física. Tutela direitos coletivos e difusos, produz coisa julgada erga omnes e ultra partes. Não incide pagamento de custas, nem adiantamento das despesas processuais. Carnelutti definia partes como “os sujeitos da lide ou do negócio. Como tais, as partes estão sujeitos ao processo, não são sujeitos do processo, no sentido de que sofrem seus efeitos, mas não lhe prestam sua obra”.37 Os sujeitos da lide são sujeitos do processo no sentido de que participam do processo. O sujeito da lide é denominado parte no sentido material e o sujeito do processo é chamado de parte no sentido processual. 36 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 1º a 261. 2. ed. São Paulo: Manole, 2003, v. 1, p. 81. 37 CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Tradução Adrián Sotero de Witt Batista. São Paulo: Servanda, 1999, v. 1, p. 220. 35 Entretanto, Silva compreende que as partes do processo sempre serão as mesmas partes da lide, porque a lide será necessariamente o conflito narrado pelo autor em seu pedido de tutela jurídica.38 Moreira de Paula afirma que os sujeitos da lide são os mesmos da relação processual, porque “o direito processual moderno claramente admite a extensão da coisa julgada a terceiros a fim de beneficia-los. Neste ponto há uma incongruência, pois o terceiro integrou substancialmente a lide mas não o processo, embora dele tenha se beneficiado”.39 Parte é a posição ocupada por um sujeito num dos pólos da ação (ativo ou passivo). O sujeito pode ocupar o pólo da ação isolado ou em conjunto, na hipótese de litisconsórcio. Parte também caracteriza a posição de uma pessoa numa determinada demanda secundária (ex.: denunciação da lide), a secundariedade existe em relação ao litígio principal em relação à parte denunciada a sua lide é principal, pois é nela que defende seus interesses. No processo civil clássico, o binômio interesse e legitimidade é questionado sobre quem pode exercer o direito de ação. No processo tradicional coincidem as figuras do legitimado e do interessado. Tal concepção não pode ser transportada para as ações coletivas, cujo objeto é metaindividual, dada a inviabilidade de seu fracionamento e impossibilidade da individuação dos titulares. Vários são os legitimados para agir em juízo quando se fala na defesa dos interesses coletivos, como o MP, sindicatos, órgãos de classe, dentre outros. Os direitos coletivos não estão disponibilizados no patrimônio jurídico individual, mas “diluídos” na coletividade. Razão pela qual não há reflexo entre o direito e seu titular, pois os titulares são, em matéria de direitos coletivos, constituídos pela coletividade. O direito individual homogêneo está próximo ao direito individual. Nas ações de reparação de danos decorrentes de ofensa a direito individual homogêneo, cada um dos afetados liquidará, individualmente, a sentença, comprovando o dano sofrido e o nexo de causalidade entre este e o evento danoso, a fim de receber a devida indenização. Nesse caso, poder-se-ia pensar em reflexo do direito em seu titular. O titular dos interesses difusos é a coletividade. Os legitimados do art. 82 do CDC, quando atuam estão a demandar em nome próprio relacionado a direito alheio. Assim também ocorre com as associações e entidades de classe que são legitimadas para as ações que tutelam interesses coletivos. Atuam em nome próprio, mas defendem direitos de seus associados. 38 39 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2002, v. 1, p. 236. PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 1º a 261. 2. ed. São Paulo: Manole, 2003, v. 1, p. 86. 36 Litisconsórcio é a situação caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas no pólo ativo e/ou passivo da relação processual. É a presença simultânea de pessoas que adquiriram a qualidade de autores ou réus no mesmo processo (aquisição da qualidade de parte).40 A pessoa que integra a lide como litisconsorte será atingida pela decisão. Na ação coletiva é diferente. No âmbito dos interesses individuais homogêneos o CDC permite que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes. Esse é um litisconsórcio unitário. A lide será decidida de modo uniforme com relação a todos, no concernente ao dever de indenizar, fixado na sentença condenatória. Será simples o litisconsórcio formado nos processos individualizados de liquidação de sentença. Sentença procedente em que o interessado não integrou a lide também se beneficiará da coisa julgada em relação àquele que a integrou e foi litisconsorte. Porém, se a demanda for rejeitada no mérito ainda poderá ingressar em juízo com sua pretensão individual de responsabilidade civil, o que não se permite ao litisconsorte no processo coletivo. Se o interessado intervir no processo como litisconsorte será colhido pela coisa julgada favorável ou não, não podendo, neste último caso, renovar a ação a título individual. A LACP admite que o Poder Público e outras associações legitimadas se habilitem como litisconsortes em ação já proposta, sendo esta disposição aplicável a todos os legitimados. O CDC atua nas ações individuais e coletivas. Nas ações individuais é possível determinar a competência pelo domicílio do consumidor autor, em algumas hipóteses é vedada a denunciação à lide e o chamamento ao processo. A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer se estende à coisa julgada para beneficiar as pretensões individuais, a inversão do ônus da prova, a implantação dos Juizados Especiais, a assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente, o habeas data em favor do consumidor. Em termos de tutela há semelhanças entre o direito individual e os direitos coletivos, como o art. 84 do CDC que estabelece tutela das obrigações de fazer e não fazer, tal como o previsto no processo civil individual pela aplicação do art. 461 do CPC. As disposições relativas à assistência judiciária gratuita na tutela coletiva são iguais à tutela individual. Tanto o processo coletivo quanto o individual permitem a inversão do ônus da prova, a substituição processual e o litisconsórcio. A legitimação para agir prevista no art. 81 do CDC foi extremamente ampliada, a fim de ensejar o acesso às demandas coletivas e difusas e permitir a tutela coletiva aos interesses e 40 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 39-40. 37 direitos individuais ligados entre si pelo vínculo da homogeneidade. Permitiu que entidades e órgãos da Administração direta e indireta, mesmo sem personalidade jurídica, pudessem ter acesso ao Judiciário, desde que para a defesa dos direitos protegidos pelo CDC. As associações passaram a ter legitimidade ad causam pela autorização estatutária decorrente da enunciação de seus fins institucionais. A ampliação foi adotada na LACP e na Lei nº. 7.853/89. Optou o legislador por limitar a legitimação individual à busca da tutela dos direitos individuais. O TJ/RS decidiu que o artigo 8º, inc. III da CF assegura ampla legitimidade ativa ad causam aos sindicatos como substitutos processuais das categorias que representam na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais.41 O binômio interesse/legitimidade se revela na investigação de quem, dentre os interessados, pode aforar uma demanda. O processo civil tradicional como instrumento de tutela de posições jurídicas individuais, é normal que coincidam, na mesma pessoa, as figuras do interessado e legitimado. Esse esquema não pode ser transportado integralmente à legitimidade para agir nas ações coletivas, cujo objeto tutelado é metaindividual. Por isso é que a legitimação para agir é ampla. A tutela jurisdicional do meio ambiente só será efetiva e integral no momento em que se admitir que o meio ambiente é o verdadeiro “titular” dos interesses e beneficiário da condenação final imposta ao poluidor-pagador. A entidade de proteção ambiental teria legitimidade extraordinária. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos (art. 225 da CF). Ampla é a legitimidade para sua tutela. Há titularidade difusa dos bens difusos inseridos no patrimônio jurídico de toda a coletividade e de cada indivíduo. E isso porque, simplesmente, não se vai encontrar o ‘titular’, o ‘dono’, do interesse objetivado, dada a inviabilidade de sua ‘partição’ ou ‘fracionamento’ (a chamada ‘indivisibilidade do objeto’) e, de outro lado, dada a impossibilidade de sua atribuição a certos ‘titulares’ (a chamada ‘indeterminação dos sujeitos’).42 A legitimação extraordinária amplia a legitimidade nas ações coletivas. O art. 129, inc. II, da CF estabelece como função institucional do MP a promoção da ACP e do IC para a proteção do patrimônio público e social, meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. O MP deve proteger os interesses individuais homogêneos, desde que tratados coletivamente. 41 42 TJ/RS, AC nº. 70018471169, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 19.04.07, DJ 07.05.07. MANCUSO, Rodolfo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legitimação complementar). 6. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 84-85. 38 A referência ao MP engloba tanto o MPF quanto os estaduais e do DF. Não havendo interferência do MP no processo como parte, atuará como fiscal da lei (art. 5º, § 1º, da LACP). O MP também pode atuar em caso de abandono ou desistência da demanda pelo autor originário. A atuação do MP é ampla em termos de tutela coletiva. No Paraná existem as Promotorias de Defesa do Consumidor e de Defesa do Meio Ambiente que exemplificam a eficiência do MP no cumprimento de seu mister. 2.5 Coisa Julgada nas Ações Coletivas Na segunda metade do século XIX a ciência processual ganhou autonomia científica e foi idealizada em um ambiente liberal e individualista. A complexidade da sociedade contemporânea, denominada sociedade de massa, ressaltou o âmbito coletivo das conflituosidades. A estrutura clássica do processo civil se mostrou incapaz de solucionar os novos direitos e tipos de conflitos. No Brasil, a partir de 1965, com a LAP os processualistas passaram a se preocupar com a tutela coletiva. Gradativamente os textos legais foram contemplando proteção coletiva, provocando a releitura de institutos processuais como a legitimação para agir, contraditório, sentença e coisa julgada. Além da AP e ACP, a CF/88 se preocupou com os direitos coletivos lato sensu e suas correspondentes formas de tutela processual. O preâmbulo da CF dispôs que o Estado Democrático brasileiro destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais. O art. 5º, inc. XXXV, da CF determina que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, eliminando o resquício individualista do art. 153, § 4º, da CF/67. Foram ampliadas as hipóteses de cabimento da AP, inserindo a preservação da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio cultural (art. 5º, inc. LXXIII, da CF). Foi criado o MSC (art. 5º, inc. LXX, da CF) ajuizado por partido político, organização sindical, órgãos de classe ou associações. Ressaltou a função dos sindicatos na defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria (art. 8º, inc. III, da CF), bem como das entidades associativas (art. 5º, inc. XXI, da CF). O art. 170 da CF evidenciou que a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, observando os princípios da defesa do consumidor, do meio ambiente e a redução das desigualdades sociais. 39 Atendendo ao mandamento constitucional, em 1990 foi editado o CDC, que no Título III instaurou um microssistema processual de tutelas coletivas, versem elas ou não sobre matéria consumeirista. O CDC e o ECA seguiram a tradição brasileira sobre a ampliação subjetiva das sentenças proferidas em ações coletivas, mantendo o mecanismo da coisa julgada erga omnes, objetivando sobretudo uniformizar os litígios coletivos. Em 1997 o Poder Executivo editou a MP nº. 1.570 que, após sua quinta edição, converteu-se na Lei nº. 9.494/97 e alterou o art. 16 da LACP para restringir os efeitos das sentenças coletivas aos limites da competência territorial do órgão prolator da decisão. Tratase de uma inovação legislativa inconstitucional, eis que inseriu uma fórmula restritiva da eficácia extensiva da coisa julgada coletiva ao tentar limitar sua eficácia erga omnes. A restrição pretendida, além de ineficaz (por não ter alterado o art. 103 do CDC), caminha na contramão da história, pois ignora os escopos políticos, social e jurídico da jurisdição, viola o princípio da proporcionalidade, limita o acesso ao Judiciário, desconsidera o valor igualdade, reduz a participação democrática por meio dos corpos intermediários e inibe o papel da jurisdição como elemento de inclusão social. A coisa julgada torna indiscutível o conteúdo de determinadas decisões jurisdicionais, traduz a segurança jurídica. O regime jurídico da coisa julgada coletiva é bastante diferenciado, sendo, na verdade, um dos aspectos que mais distinguem o processo coletivo do processo individual. A coisa julgada individual caracteriza-se por ser inter partes e pro et contra. Inter partes porque vincula apenas os sujeitos do processo, limitando as conseqüências da imutabilidade da decisão (art. 472 do CPC). Pro et contra, porque ocorre tanto para o benefício do autor, com a procedência da demanda que confirma a sua pretensão, como em seu prejuízo, com a declaração negativa de seu direito. A coisa julgada material estabiliza as relações jurídicas sem causar prejuízo ao contraditório e ao devido processo legal. O devido processo legal nos moldes do processo tradicional apresenta dois pontos nevrálgicos de resistência quanto à efetividade nas ações coletivas. O primeiro está no risco de interferência nas garantias individuais do titular do direito subjetivo (princípio da inércia do Judiciário e do contraditório), submetendo o sujeito à “imutabilidade” de uma decisão da qual não participou. O legitimado à tutela coletiva é sempre um ente que não é o titular do direito coletivo em litígio. O segundo refere-se à exposição indefinida do réu ao Judiciário e a estabilidade jurídica para o Estado. É necessário proteger o réu que não pode ser demandado infinitas 40 vezes sobre o mesmo tema e limitar o poder do Estado, que não pode estar autorizado a sempre rever o que foi decidido. A coisa julgada secundum eventum probationis, prevista nos arts. 18 da LAP e 16 da LACP, dispõe que em caso de insuficiência de provas não se daria a coisa julgada material, podendo ser reproposta a demanda. Todavia, esta solução não cuidava da situação dos direitos individuais dos particulares em caso de julgamentos pela improcedência do pedido. A lei precisava determinar em que grau estariam vinculados os titulares de direitos individuais. O CDC atendeu às garantias individuais, ditando que não serão prejudicadas as ações individuais em razão do insucesso da ação coletiva, sem a anuência do indivíduo. A improcedência de uma ação coletiva poderia ser estabilizada pela coisa julgada material apenas no âmbito da tutela coletiva sem repercutir na tutela individual. A procedência da demanda coletiva torna-se indiscutível pela coisa julgada material em sede de tutela coletiva e, ainda, estende seus efeitos para beneficiar os indivíduos em suas ações individuais. Ocorre a extensão secundum eventum litis da coisa julgada coletiva ao plano individual. As sentenças apenas terão estabilizadas suas eficácias com relação ao substituídos quando forem de procedência nas ações coletivas. Na doutrina italiana são adeptos da possibilidade de extensão secundum eventum litis da coisa julgada nas ações coletivas: Denti,43 Proto Pisani44 e Taruffo.45 Denti defende a “extensão do julgado ultra partes e secundum eventum litis” (ou seja, do julgado que acolhe e não daquele que rejeita a ação).46 Proto Pisani, fundado na disciplina das obrigações indivisíveis ( art. 1.306 do CC italiano) opta pela extensão subjetiva dos efeitos do julgado a terceiros somente nos casos de procedência e fundamenta que esta solução “colhe o justo ponto de equilíbrio” 47 entre a economia processual e a garantia dos direitos individuais (estranhos ao juízo). Taruffo compartilha da opinião de Proto Pisani, porém justifica pela necessidade de normas novas e mais adequadas à tutela do direito difuso.48 Tanto Proto Pisani como Taruffo 43 DENTI, Vittorio. et al. Relazione introdutiva. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia, Padova: CEDAM, 1976, p. 21. 44 PROTO PISANI, Andréa. et al. Apuntti preliminari per uno studio sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi (o piu esattamente: suprindividuali) innanzi al giudice civili ordinario. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 285. 45 TARUFFO, Michele. et al. Interventi. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 334-336. 46 DENTI, Vittorio. et al, op. cit., p. 21. 47 PROTO PISANI, Andréa. et al, op. cit., p. 285. 48 TARUFFO, Michele. et al. Interventi. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 334-335. 41 se preocupam com o devido processo em relação ao réu da ação. Denti se concentra na afirmação de coisa julgada apenas em benefício dos portadores de direitos individuais. A legislação nacional adotou a legislação mais abrangente, criando normas novas e garantindo o acesso individual à jurisdição em caso de sentença improcedente, mas determinando a não repetição da ação coletiva quando idênticos os elementos objetivos. Porém, a decisão nas ações coletivas sempre influenciará as ações individuais, mesmo quando denegatória no mérito. Apenas em casos excepcionais os titulares terão chance de êxito, pois a amplitude da discussão no processo coletivo fortalecerá a convicção jurisdicional. Estes casos excepcionais sugerem mais a adoção da extensão secundum eventum litis da coisa julgada coletiva ao plano individual. O CDC determinou a ocorrência da coisa julgada material entre os co-legitimados e a contraparte, isto é, a impossibilidade de repropor a demanda coletiva caso haja sentença de mérito, atendendo aos fins do Estado na obtenção da segurança jurídica e respeitando o devido processo legal com relação ao réu que não se expõe indeterminadamente à ação coletiva. “A coisa julgada, como resultado da definição da relação processual, é obrigatória para os sujeitos desta”.49 Nos processos coletivos sempre ocorre a coisa julgada. A extensão subjetiva desta é que ocorrerá segundo o resultado do litígio, atingindo os titulares do direito individual (de certa forma denominados substituídos) apenas para seu benefício. Tendo em vista a segurança jurídica e o risco de exposição infinita do réu em ações coletivas, Velloso não admite a extensão da coisa julgada secundum eventum litis, tende pela extensão erga omnes da eficácia da sentença, inclusive na improcedência, não obstante o expresso texto normativo do art. 103 do CDC.50 Cruz e Tucci afirma ser a coisa julgada em MSC erga omnes, denegando ou concedendo a segurança. Sob influência da class actions aduz que tal efeito não ocorrerá se a notificação não tenha sido eficaz impedindo a auto-exclusão ou se eficazmente tenham os substituídos exercido aquele direito.51 49 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Eficácia da sentença e coisa julgada. Sentença e coisa julgada. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1995, p. 95. 50 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Do mandado de segurança e institutos afins na Constituição de 1988. In: TEIXEIRA, Sálvio Figueiredo. Mandados de segurança e de injunção. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 96. Mantendo a posição cf. VELLOSO, Carlos Mario da Silva. As novas garantias constitucionais: o mandado de segurança coletivo, o “habeas data”, o mandado de injunção e a ação popular para defesa da moralidade administrativa, RT, São Paulo, v. 644, 1989, p. 12-13. 51 CRUZ & TUCCI, José Rogério. Class action e mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 50. 42 Poderão, no entanto, rediscutir o objeto do iudicium, em processo futuro, aqueles que, cientificados da impetração, escaparam da preclusão proveniente da res iudicata, por terem oportunamente exercido o direito de auto-exclusão. Cappelletti é contrário à idéia de coisa julgada secundum eventum litis, porque a legitimação se fortalece na adequada representação e na solução casuística. Entende ser a coisa julgada e os efeitos da sentença extensíveis pro et contra, “[...] então me parece que não se deva distinguir entre bons ou maus efeitos, favoráveis ou desfavoráveis”.52 A exposição continuada a ações coletivas prejudicaria diretamente a atividade do réu, contrariando interesses de alta significação social em um conflito de valores. O direito positivo brasileiro solucionou essa questão ao estabelecer que apenas a extensão da coisa julgada será secundum eventum litis. A extensão subjetiva do julgado em ações coletivas ocorrerá em direta relação com a amplitude do direito posto em causa. Se difuso, a extensão será erga omnes para atingir a massa indeterminada de sujeitos. Se coletivo stricto sensu, a extensão será ultra partes, atingindo a todos os membros da categoria, classe ou grupo identificáveis em razão da relação jurídica-base entre si ou com a contraparte anterior à lesão. Se individuais homogêneos, a extensão será erga omnes, atingindo a todos aqueles que comprovarem a lesão do direito debatido em juízo. O CDC estabelece que não ocorre coisa julgada negativa apenas para os titulares de direitos lesados. A ação coletiva não poderá ser reproposta, resguardando o valor segurança jurídica e a exposição indefinida do réu ao processo. Os direitos difusos e coletivos discutidos na causa serão atingidos pela imutabilidade da coisa julgada, mas as ações e direitos individuais dos substituídos não serão prejudicados. O CDC consagra a coisa julgada secundum eventum probationis para ações coletivas que versam sobre direitos difusos ou coletivos stricto sensu.53 Apenas se forma caso a demanda seja julgada procedente ou improcedente por insuficiência de provas e nos casos de improcedência da ação fundamentada no art. 267 do CPC. Se a decisão no processo coletivo julgar improcedente a demanda por insuficiência de provas não fará coisa julgada. Os direitos individuais só serão atingidos em benefício de seus titulares pela sentença em ação coletiva que verse sobre direitos individuais homogêneos. Eis que os titulares individuais não participarão do processo e não poderão ser prejudicados pela sentença de improcedência. 52 CAPPELLETTI, Mauro. et al. Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi collettivi o diffusi. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 205. [...] allora mi pare che non si debba distinguire fra effetti buoni o cattivi, favorevoli o sfavorevoli. 53 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: RT, 2003, p. 281-286. 43 Na concepção de Lenza é possível que surja uma destas situações: a) demanda julgada procedente: coisa julgada material no âmbito coletivo, com extensão erga omnes ou ultra partes no âmbito individual; b) demanda julgada improcedente, por insuficiência de provas: não há coisa julgada material, autorizada nova propositura fundada em novas provas por qualquer legitimado, não afeta o ajuizamento de ação individual; c) demanda julgada improcedente com suficiência de provas: há coisa julgada material no plano coletivo, vedadas as demandas coletivas por outros legitimados, não impedindo o ajuizamento de ação individual.54 Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra. [...] O que diferirá com o ‘evento da lide’ não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão ‘erga omnes’ ou ‘ultra partes’ à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva.55 Outra alteração significativa do regime da coisa julgada coletiva está na ampliação ope legis do objeto do processo nas ações coletivas, de modo a autorizar o transporte in utilibus da coisa julgada para as demandas individuais (art. 103, § 3º, do CDC). No Anteprojeto do CBPC a questão fundamental é saber se os titulares dos direitos individuais não serão afetados “por arrastamento” em razão da coisa julgada na demanda coletiva. A melhor interpretação é no sentido de que só poderão ser atingidos os titulares de direitos individuais sobre a premissa inafastável da “notificação adequada e efetiva”, ou seja, não poderá ocorrer prejuízo para os titulares individuais que não puderem exercer conscientemente a opção pela demanda coletiva. Excetua-se o caso de simples reversão de sentença coletiva proferida anteriormente, em ação rescisória. Sem essa importante reserva as demandas coletivas passivas poderão se converter em angustiante mecanismo de supressão de direitos individuais com o “selo” da imutabilidade judicial. 54 55 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública, São Paulo: RT, 2003, p. 251-254. GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 73-74. 44 O CDC determina a extensão subjetiva do julgado para beneficiar terceiros, transportando às ações individuais a sentença coletiva favorável. Há ampliação do objeto do processo, incluindo na coisa julgada a decisão sobre o dever de indenizar. O CDC traz normas relativas à litispendência entre as ações coletivas e as individuais. Inclusive, o autor da ação individual pode requerer a suspensão do processo intentado a título individual, para usufruir dos efeitos de eventual sentença proferida na ação coletiva, que venha a favorecê-lo. O art. 103, inc. I, do CDC determina que se procedente o pedido formulado na ação coletiva, sobre a sentença pesará a autoridade de coisa julgada erga omnes. Procedente a pretensão coletiva inviabilizará uma nova propositura da demanda, bem como se a ação coletiva for julgada improcedente, exceto se o fundamento for a falta de provas. Essa insuficiência de provas deve constar ou defluir da decisão, sendo este o parâmetro decisivo para viabilizar-se a propositura da mesma demanda, calcada em nova prova. Esse é o teor do disposto no inc. II, do art. 103, do CDC. A regra geral estabelece que a procedência da ação produz-coisa julgada erga omnes. Na improcedência por insuficiência de provas, qualquer legitimado poderá renovar a ação, valendo-se da prova nova. Improcedente a ação produz a coisa julgada erga omnes, salvo se a decisão de improcedência for fundamentada em falta de provas. Ante a nova prova é possível repropor a mesma ação coletiva sem prejuízo dos interesses individuais. A coisa julgada se restringe ao plano coletivo e possibilita obter o bem jurídico individual por ação individual. O art. 103, inc. II, do CDC determina que não haverá coisa julgada se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas. Disciplina os casos de coisa julgada nas ações coletivas em defesa dos interesses coletivos. Entretanto, pedido julgado improcedente cada um dos legitimados, individualmente, pode alterar o resultado desfavorável na ação coletiva, ajuizando ação individual. O regime dos limites subjetivos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses coletivos é equivalente ao das ações em defesa de interesses difusos. A diferença reside na extensão dos efeitos da sentença em relação a terceiros, pois no caso dos interesses coletivos, a extensão dos efeitos da sentença é restrita aos membros da categoria ou classe, ligados entre si ou à parte contrária por uma relação jurídica base. Improcedente a ação coletiva, na hipótese do inc. II, do art. 103, do CDC, os membros da associação, categoria ou classe podem alterar o resultado desfavorável da decisão, através das ações individuais intentadas. 45 Se houver a procedência ou improcedência da ação (exceto por falta de provas), poderá haver nova ação coletiva. No inc. II aplica-se o § 1º, do art. 103, que possibilita a cada membro da associação, categoria ou classe reverter o resultado da ação coletiva através das ações individuais, possibilitando obter o bem jurídico individual. O inc. III, do art. 103, do CDC determina que a autoridade da coisa julgada, em relação aos interesses individuais homogêneos, revestirá a decisão judicial, tanto em caso de improcedência quanto em caso de procedência da demanda. É equivalente aos incisos I e II, exceto pela hipótese da improcedência por insuficiência de provas. Tanto procedente quanto improcedente a ação coletiva, verificar-se-ão os efeitos da coisa julgada erga omnes. No caso dos interesses individuais homogêneos há um amplo “convite” para que os interessados compareçam pessoal e diretamente ao litígio. Não se justifica a repetição de outra ação coletiva, ainda que tenha havido improcedência fundada na insuficiência de provas. A improcedência não configura a qualificação da coisa julgada erga omnes, pois não abrange quem não foi litisconsorte. Independente do fundamento da improcedência, os interessados (que não tenham intervindo no processo) podem mover a ação individual e utilizar a prova já produzida na ação coletiva. 2.6 Litispendência, Conexão, Continência e Recursos nas Ações Coletivas A mesma demanda coletiva pode ser proposta em duplicidade. Para que não coexistam decisões conflitantes, devem ser aplicadas as regras da litispendência. O art. 104 do CDC tratou do ajuizamento concomitante de ações individuais, desprezando a possibilidade de serem instaurados vários processos coletivos. Os direitos essencialmente coletivos não admitem convivência de várias ações diante de pretensões e fundamentos idênticos. Decorre da impossibilidade de fracionamento do objeto desses direitos e da necessidade de solução uniforme para o litígio, evitando o caos jurídico consubstanciado na pluralidade de decisões judiciais conflitantes. “Estando em jogo o mesmo pedido e causa de pedir, bem como havendo coincidência entre os titulares dos interesses difusos ou coletivos, não se deve admitir o ajuizamento de nova ação coletiva, em razão da presença de litispendência”.56 A litispendência é útil apenas ao processo coletivo se a análise comparativa levar em conta não apenas a parte formalmente presente no processo, mas sim os titulares do direito 56 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. Temas atuais de direito processual civil. São Paulo: RT, 2002, v. 4, p. 259-260. 46 material deduzido no processo. Devido ao caráter difuso do meio ambiente sempre haveria litispendência. Somente ocorrerá conexão se não houver litispendência. Existe a possibilidade das associações que se julguem prejudicadas pela extinção das demandas coletivas caracterizadas como idênticas, tomarem corpo, por meio do litisconsórcio, na ação coletiva mantida, e assim exercerem todas as faculdades processuais que entenderem cabíveis. Não se fala no princípio da inafastabilidade jurisdicional. O art. 14 da LACP dispõe que o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte. A sentença sempre pode ser impugnada por apelação, independentemente de haver decisão ou não acerca do mérito da causa. O sistema do CPC impõe ao juiz receber a apelação no efeito devolutivo ou nos efeitos devolutivo e suspensivo, conforme o caso concreto se enquadre ou não nas hipóteses do art. 520 do CPC. A LACP permite ao juiz a faculdade de conceder à apelação os efeitos devolutivo e suspensivo, se estiver presente o objetivo de evitar dano à parte. Mancuso ensina que “também na LACP o juiz receberá a apelação apenas no efeito devolutivo, quando sentir que só assim procedendo assegurará tutela eficaz ao interesse metaindividual objetivado”.57 Neste momento, discorda-se da discricionariedade judicial atribuída em se aplicar ou não o art. 14 da LACP. Apesar do mencionado dispositivo determinar que “o juiz poderá”, o legislador não quer atribuir ao juiz a faculdade de receber ou não a apelação em efeito suspensivo. Desde que o objetivo do julgador seja evitar dano irreparável à parte, deve haver atribuição de efeito suspensivo à apelação que impugna sentença de ACP. O ato do juiz de receber a apelação com efeito meramente devolutivo ou conferir-lhe também efeito suspensivo, não é discricionário, presentes os requisitos legais o juiz deve atribuir tal efeito, caso contrário, a apelação deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo. Embora a parte final do art. 14 da LACP contenha um conceito vago, não se aplica a discricionariedade no caso relativo à concessão ou não do duplo efeito à apelação. O caso concreto determinará o conceito do dano irreparável. A finalidade da LACP é tutelar e atribuir efeito suspensivo ao recurso. Se não houvesse esse dispositivo expresso, enormes dúvidas seriam suscitadas sobre o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo, pois a tutela coletiva não está elencada no rol do art. 520 do CPC. 57 MANCUSO, Rodolfo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legitimação complementar). 6. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 225. 47 Caso contrário, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio estético, paisagístico estaria tutelada simplesmente por uma liminar (se esta fosse concedida), impugnável via agravo. O julgador poderia modificar sua decisão de conceder a liminar a qualquer tempo. Eis a importância do recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo. Não havendo dano irreparável à parte, a apelação será recebida no efeito devolutivo. O legislador impôs uma condição para que a apelação seja recebida no efeito suspensivo. A regra é o recebimento da apelação somente no efeito devolutivo, o efeito suspensivo é excepcional. O sistema não pode apenas contemplar as hipóteses do art. 520 do CPC como ensejadoras do recebimento da apelação, mas também a antecipação do efeito devolutivo no caso de haver a antecipação de tutela na sentença, incluindo a proteção aos direitos coletivos. A sentença que julgasse a ACP em circunstância disciplinada pela LACP seria impugnada por apelação com efeito apenas devolutivo, se impusesse ao legitimado passivo uma obrigação de fazer ou não fazer. Por ex., uma indústria poluidora obrigada a instalar equipamentos de depuração de dejetos lançados ao meio ambiente. A sentença que impõe essa obrigação é impugnada via apelação. O recurso deve ser recebido no efeito devolutivo obrigando a instalação de componentes para diminuir a poluição. O art. 12 da LACP prevê que o juiz poderá conceder tutela liminar, independentemente de justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. Em relação ao agravo também se aplica o art. 14 da LACP. Entretanto, há efetivamente o risco de haver dano grave ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, paisagístico e histórico. O efeito suspensivo do agravo deve ser concedido, pois sua não-concessão poderia representar risco aos direitos coletivos tutelados pela LACP. Como a LACP busca proteger os direitos coletivos, a regra é a concessão do efeito suspensivo ao agravo. A regra do recebimento do agravo no efeito suspensivo não significa o descumprimento do preceituado no art. 14 da LACP. O efeito suspensivo do agravo deve ser a regra e a sua não-concessão implica a possibilidade concreta de danos irreparáveis aos direitos que a LACP busca tutelar, o que não seria admissível. Quando o recurso for manejado na defesa do meio ambiente a regra será a concessão do efeito suspensivo. A interposição de recurso do qual possa advir risco de dano irreparável aos direitos coletivos, a regra será concessão apenas do efeito devolutivo. 48 3 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL DO MEIO AMBIENTE A CF consagrou o meio ambiente como direito fundamental. O fato de não estar inserido no artigo 5º da CF não lhe retira a natureza de direito fundamental, porque já está pacificado na doutrina a possibilidade de existirem direitos fundamentais fora dos arrolados no artigo 5° da CF. É um rol exemplificativo que admite até o reconhecimento de direitos fundamentais fora da CF. Em virtude das atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial, os direitos fundamentais vêm recebendo especial atenção dos publicistas deste final de século. Direitos fundamentais são proposições jurídicas consideradas individualmente ou institucionalmente, presentes na CF. O meio ambiente é considerado um novo direito fundamental, eis que a Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, como um dos direitos do homem. Constitui um direito a ser realizado. Por proteção ambiental deve-se entender a preservação da natureza e de tudo o que é necessário para manter e equilibrar a vida humana. Tutela-se a qualidade do meio ambiente como qualidade de vida humana. Por isso que o meio ambiente é considerado uma forma de direito fundamental da pessoa humana. A proteção do meio ambiente e a proteção da pessoa humana se constituem em prioridades inequívocas da agenda internacional hodierna. [...] A luta pela proteção do meio ambiente acaba se identificando em grande parte com a luta pela proteção dos direitos humanos, quando se tem em mente a melhoria das condições de vida.58 O princípio da dignidade da pessoa humana consolida os valores contidos em todas as dimensões de direitos antes descritas. Para que isto ocorra é necessário a realização substancial do direito ao meio ambiente saudável e equilibrado. Trata-se de um corolário do próprio direito à sobrevivência humana. Não havendo condições ambientais propícias, nem recursos naturais produzidos pelo meio, é impossível a manutenção da vida humana. Segundo os critérios substanciais de vida e liberdade necessários para o gozo dos direitos humanos, é preciso o ser estar vivo e possuir condições dignas de existência em um ambiente sadio e equilibrado. Para implementar esta necessidade é inevitável o gozo de todos os outros direitos humanos. O reconhecimento do direito a um meio ambiente saudável está 58 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 23-24. 49 ligado a um crescimento da importância autônoma das questões ambientais, quanto à sua ligação com o sentido amplo da liberdade e respeito aos seres humanos. O direito ao meio ambiente saudável é elemento primordial para o próprio bem-estar da sociedade. O reconhecimento do meio ambiente como um direito fundamental vincula a liberdade substancial à dignidade dos indivíduos. Ao radicar a proteção da ecologia na dignidade da pessoa humana, mediante a consagração de direitos fundamentais, é reconhecida a dimensão ético-jurídica das questões ambientais. O direito fundamental ao meio ambiente saudável torna nítida a superação dos ideais individualistas da sociedade contemporânea que passou a ser expressamente consagrada na Lei Maior de vários países. Representa um modelo estatal pós-social que se fundamenta na busca do desenvolvimento sustentável. A CF/88 constitui um avanço na defesa do meio ambiente saudável e equilibrado, pois nunca a preocupação ecológica recebeu tamanha importância no texto constitucional. O art. 225 da CF incorpora a expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações”, dentro do Capítulo relativo aos Direitos Sociais. Incumbe ao Poder Público dar-lhe efetividade através da vedação às práticas que coloquem em risco a ecologia. Desta forma, o meio ambiente eleva-se ao nível constitucional.59 Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se, consoante já proclamou o STF, de um típico direito da terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que se justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações.60 Os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titulariedade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos. A CF exige do Poder Público e de toda a sociedade o respeito e a adoção de políticas que garantam e promovam o meio ambiente saudável. O Estado deve tutelar o meio ambiente e realizar ações positivas para a sua melhoria, respeitando o preceito contido no artigo 1º, inc. III, da CF. O direito ao meio ambiente sadio como direito fundamental viabiliza a utilização 59 60 STF, MS nº. 22.164-0-SP, Rel. Min. Celso de Mello. STF, RE nº. 134.297-SP, Rel. Min. Celso de Mello. 50 deste direito como instrumento de consagração do direito à vida. A tutela do meio ambiente é instrumento de garantia da qualidade da vida humana. O direito material reconhece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, estabelece normas de conduta com o fim de preservá-lo. O direito processual fornece mecanismos para realizar a norma de direito material. Os direitos fundamentais exigem o dever de proteção ao Estado, que não se resume à tutela jurisdicional. O Estado ao editar normas tem o dever de proteger os direitos fundamentais. No aspecto ambiental a legislação ambiental regula assuntos como a proibição de construir em determinado local, a proibição de despejar lixo tóxico, a exigência de estudos prévios de impacto ambiental para atividades potencialmente poluidoras, o estabelecimento de áreas de reserva legal e áreas de preservação permanente. A lei prevê obrigações de fazer e de nãofazer, com o fim de evitar a degradação do ambiente. As normas de proteção de direitos fundamentais são impositivas ou proibitivas de condutas. Entretanto, não basta a edição da norma. O Estado tem o dever de fiscalizar o seu cumprimento, impor a sua observância, remover os efeitos concretos derivados de sua inobservância e sancionar o particular que a descumpriu. A figura do guarda florestal, por ex., indica tutela administrativa. Quando o administrador, em processo administrativo, decide que houve infração a uma norma de proteção, o seu dever passa a ser – quando não lhe restar o mero sancionamento do particular pela conduta reprovada – o de fazer valer o desejo da norma, seja no caso de ato comissivo ou omissivo. Nas hipóteses em que o administrador determina a paralisação da construção de obra, a instalação de determinado equipamento antipoluente, a proteção atribuída pela norma é afirmada pelo administrador. Mesmo quando o administrador impõe multa ao particular, está protegendo um direito fundamental. Como nem sempre a obrigação imposta pela norma é espontaneamente observada, ganha relevo o direito processual. As normas processuais têm por finalidade oferecer aos cidadãos os instrumentos adequados e necessários para se consagrar o direito conferido pela norma de direito material que não foi voluntariamente observada. Surge, então, a necessidade da tutela jurisdicional. A única forma de tutela jurisdicional possível na violação da norma de proteção ao direito fundamental é aquela que, de forma similar ao que acontece no plano administrativo, impõe a observância da norma ou remove os efeitos concretos derivados de sua violação. A 51 violação exige a atuação da norma e não um remédio capaz de garantir proteção ao sujeito que sofreu dano, ou seja, a tutela ressarcitória. Isso não significa que a violação de norma de proteção não possa acabar acarretando danos a direitos transindividuais, como o direito ambiental. Nesse caso, há duas formas de tutela ressarcitória: pelo equivalente e na forma específica. No caso de direito transindividual, sendo faticamente viável a reparação in natura, a tutela ressarcitória deve ser prestada na forma específica. O Estado tem o dever de proteger ou tutelar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mediante atividade administrativa, normativa e jurisdicional. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é reconhecido como direito difuso. A ação coletiva para a tutela dos direitos difusos e coletivos é regida pela conjugação das regras da LACP com as do Título III do CDC e compõe o sistema processual coletivo (arts. 90 do CDC e 21 da LACP). O meio ambiente é um macrobem por ser um complexo de entidades singulares que representam bens jurídicos em si mesmos. O meio ambiente intera elementos naturais, artificiais e culturais que possibilitam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. Através da lei a sociedade escolhe os bens que devem ser protegidos. Esses bens denominam-se bens ambientais, culturais ou socioambientais, os bens ambientais são todos aqueles que adquirem essencialidade para a manutenção da vida de todas as espécies (biodiversidade) e de todas as culturas humanas (sociodiversidade). O bem ambiental ou socioambiental pode estar sobreposto ao bem público, ao bem privado, às coisas fora do comércio e à res nullius. Para esses bens, não importa a qualidade do proprietário, sendo que a dominialidade deve ser pública. Diversos artigos da CF fazem referência explícita e implícita ao meio ambiente, como os arts. 5º, inc. LXXIII; 20, inc. II; 23; 24, incisos VI, VII e VIII; 91, § 1º, inc. III; 129, inc. III; 170, inc. VI; 174, § 3º; 186, inc. II; 200, inc. VII; 216, inc. V; 220, § 3º, inc. II e 225. Quanto às referências implícitas os arts. 21, incisos XIX, XX e XXIV; 22, incisos IV, XII e XXVI; 23, incisos II, III e IV; 215 e 216. O meio ambiente está disciplinado no Capítulo VI, do Título VII do texto constitucional. Eis o núcleo da tutela constitucional atribuída ao meio ambiente, representado pelo art. 225 da CF. Consoante Silva o art. 225 da CF compreende três conjuntos de normas: normasprincípio (revelam o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-o como bem de uso comum do povo (caput); normas-instrumento (garantem a 52 efetividade das normas-princípio), não sendo meramente processuais, outorgam direitos e impõem deveres (§1º); normas que consubstanciam um conjunto de determinações particulares, referentes a objetos e setores (§§ 2º a 6º).61 Proteger o meio ambiente significa proteger a espécie humana. A tutela do meio ambiente decorre da sociedade de massa verificada na sociedade moderna, estabelecendo uma tutela ambiental no âmbito constitucional e refletindo a evolução da sociedade. Por isso, o desenvolvimento de uma legislação ambiental em todos os países acompanhou, ainda que de forma dispersa, a realidade da ‘sociedade de massa’ com particular destaque a partir do século XVIII e início do século XIX. Nessa mesma esteira, seguiram exemplo as cartas constitucionais de vários países, que, ora de forma direta, ora de forma difusa, achavam por dar tratamento específico à temática ambiental.62 Vários países reconheceram constitucionalmente o direito ao ambiente. Rodas Monsalve afirma que “em alguns estados as políticas de proteção têm por base o reconhecimento constitucional expresso de um direito ao ambiente, principalmente, naquelas Constituições elaboradas a partir de 1970”.63 O art. 45 da Constituição espanhola de 1978, o art. 24 da Constituição grega de 1975, o art. 66 da Constituição portuguesa de 1976, o art. 110 da Constituição panamenha de 1972 e o art. 123 da Constituição peruana expressam referida preocupação. Algumas Constituições inserem o ambiente no rol dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos. No Estado Democrático de Direito não há de se falar, em regra, que se sobreponha à Constituição, porque todo o ordenamento jurídico infraconstitucional deve estar em consonância com os ditames da Carta Magna.64 O texto constitucional possui um dos melhores conjuntos de normas jurídicas preventivas e repressivas, principalmente em se considerando a sua grande interpenetração 61 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 31. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental e patrimônio genético. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 28. 63 RODAS MONSALVE, Julio César. Fundamentos constitucionales del derecho ambiental colombiano. Bogotá: Uniandes, 1995, p. 23. En algunos estados las politicas de protección parten del reconocimiento constitucional expreso de un derecho al ambiente, principalmente, en aquellas constituciones elaboradas a partir de 1970. 64 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 245 refere-se à “supremacia da Constituição” por entender que o texto da Carta Magna sobrepõe-se a todos os outros textos normativos, sendo esse sistema piramidal característica do Estado de Direito. 62 53 com o Direito infraconstitucional do meio ambiente. Grau considera bastante avançado o Capítulo VI do Título VII da CF, apesar de integrado por um só artigo e seus parágrafos.65 O direito ao meio ambiente é um direito fundamental inserido na CF, resultado de fatores sociais que impuseram sua cristalização sob forma jurídica, devida a sua relevância para o desenvolvimento das relações sociais. Trata-se de um direito essencial à sadia qualidade de vida e deve ser preservado para as presentes e futuras gerações. Trata-se de proposição enunciativa, porém com função diretiva, prescritiva (imperativa, portanto), e de abstração e generalidade acentuadas – verdadeiro princípio geral expresso. Toda atividade humana deve-lhe obediência; todos os atos dos Poderes Públicos dos particulares não poderão ofender o meio ambiente; todas as normas jurídicas, inclusive as constitucionais, devem-lhe conformação – necessitam considera-la na interpretação e aplicação.66 Milaré alerta que “o maior de todos os problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impunido ou impunível, à legislação vigente”.67 O ecossistema se equilibra naturalmente, a intervenção humana altera este equilíbrio. Aguiar adverte que o ser humano “avançou tecnologicamente a um limite que pode se voltar contra o criador”.68 O equilíbrio deve ser verificado quanto às forças da natureza, bem como em relação ao homem e à natureza e ao homem com o próprio homem. Alibrandi e Ferri entendem que “para efeitos da defesa do ambiente, a administração do território se parece com uma função dirigida a realizar o justo equilíbrio entre as duas instâncias contrapostas de conservação e transformação”.69 Na acepção de Figueiredo e Silva o equilíbrio referido no art. 225 da CF dá-se de modo dinâmico e não de modo estático.70 O art. 225 da CF traz a obrigação de toda a coletividade, inclusive do Estado, na preservação e defesa do meio ambiente. Trata-se de um direito-dever erga omnes, tendo em vista que toda a sociedade é titular de um direito e de uma obrigação. Na concepção de 65 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 265. 66 VITTA, Heraldo Garcia. O meio ambiente e a ação popular. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 4. 67 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 232. 68 AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito do meio ambiente e participação popular. Brasília: IBAMA, 1994, p. 39. 69 ALIBRANDI, Tomaso; FERRI, Pergiorgio. I beni culturali e ambientali. Milão: Giuffrè, 1995, p. 60. Ai fini di difesa dell’ ambiente, la gestione del território si presenta come uma funzione indirizzata a realizare il giusto equilíbrio tra lê due instanze contraposta di conservazione e transformazione. 70 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin; SILVA, Solange Teles da. Elementos realizadores da ação estatal na defesa dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações. In: Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 140. 54 Borges todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e as obrigações que se referem àquela expectativa são de todos.71 Quanto à titularidade difusa do meio ambiente Fiorillo e Rodrigues esclarecem que o vocábulo todos inserido no art. 225 da CF “significa que o direito ao meio ambiente é ao mesmo tempo de cada um e de todos, no sentido de que o conceito ultrapassa a esfera do indivíduo para repousar-se sobre a coletividade”.72 O art. 225 da CF concebe o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo. O art. 98 do CC explicita o conceito de bem público. Nessa categoria, incluem-se os bens que pertencem à pessoa jurídica de direito público interno, facultando-se a utilização indistinta e gratuita por todas as pessoas (communes omnium). Além dos mares, rios, estradas, ruas e praças, citam-se as praias, as lagoas, as pontes, os viadutos, as passarelas, os trilhos, os monumentos, os lugares históricos, os campos de esporte, os calçamentos, os museus, os passeios, os jardins e os logradouros públicos. [...] A titularidade do domínio é da União, ou dos Estados, ou dos Municípios, conforme quem exerce o dever de vigilância, tutela e fiscalização para o uso público. Não é admissível que o povo seja o proprietário, ou que haja um condomínio social, no qual cada cidadão tem a propriedade dos bens em comunhão com todos os outros. Acontece que o domínio exige titular identificado, não importando que em comunhão, desde que todos que a integram sejam individuados. Até porque faltaria a identidade da pessoa que pudesse exercer atos de comando, de administração ou gerência. Ao povo, ou à coletividade, reservase unicamente o direito de uso, direito esse que integra os componentes da propriedade, os quais podem ser desmembrados do titular do domínio, sem prejudicá-lo.73 Rodrigues se refere aos bens comum do povo como “aqueles bens que qualquer pessoa, cumprindo os regulamentos, pode utilizar”.74 Na concepção de Amaral “são coisas que a todos pertencem”.75 Bandeira de Mello destaca os bens de uso comum como os passíveis de utilização por todos.76 Por força do texto constitucional poder-se-ia considerar o equilíbrio ecológico do meio ambiente como bem público de uso comum do povo.77 71 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p. 41. 72 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 79. 73 RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 307-308. 74 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo:Saraiva, 2002, v. 1, p. 146. 75 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 326. 76 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 530. 77 Comungam a concepção de meio ambiente como bem jurídico de uso comum do povo, por ex., CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 4.518 e MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 233. 55 Os bens de uso comum do povo (res communes omnium) são aqueles de que o povo se utiliza: pertencem à União, aos Estados ou aos Municípios, conforme o caso. Tais podem ser usados por todos, sem restrição, gratuita ou onerosamente, sem necessidade de permissão especial, como as praças, jardins, ruas etc. não podem ter tal característica se o Poder Público regulamentar seu uso, restringi-lo ou tornar sua utilização onerosa, como é o caso do pedágio nas rodovias (art. 68 do Código Civil; novo, art. 103).78 O texto constitucional não recepcionou completamente o CC, quando este se refere aos bens públicos de uso comum do povo. O conceito de patrimônio público dissocia-se do bem difuso, de molde a se compor apenas dos bens dominicais e de uso especial. Até o surgimento do CDC, tínhamos pelo menos sob o prisma legal, a prevalência da dicotomia público/privado, de modo que os bens hoje designados difusos, a partir de critérios de indeterminabilidade dos titulares e indivisibilidade do seu objeto, eram tratados sob o rótulo de bens públicos, ao menos sob o enfoque a Lei e da doutrina do Direito Privado. Sem ter criado distintivo ou classificatório dos bens, e apesar de ter-se utilizado repetidas vezes da classificação estabelecida pelo art. 66 do Código Civil, a CF, contudo, não se olvidou da existência dos bens difusos, já que em numerosas oportunidades cuidou de abordá-los tácita e expressamente.79 O conceito de bem público não se coaduna com o conceito de bem difuso, já que ou se alarga demasiadamente a definição de bem de domínio público e, portanto, acaba por descaracterizá-lo, ou então se admite uma transformação no sistema, de forma que os bens de domínio público seriam espécies do gênero bens da coletividade, no qual se incluiriam os bens difusos. Existe no nosso ordenamento jurídico positivado uma terceira categoria de bem, que é o difuso, cuja titularidade difere daquela própria do bem público. O legislador constituinte demonstrou sua existência quando aludiu a bem ambiental de natureza difusa (art. 225 da CF), de uso comum do povo, cuja defesa incumbe tanto ao Poder Público quanto à coletividade. Enquanto o bem público tem como titular o Estado (ainda que deva geri-lo em função e em nome da coletividade), o bem de natureza difusa tem como titular o próprio povo e, aprioristicamente, conforme determina o Texto Maior, é dever da coletividade e do Poder Público cuidar do referido bem, a menos que a própria lei determine, a um ou outro ente, o específico dever de sua proteção ou preservação. Benjamin observa que o bem ambiental é bem difuso por excelência. Entretanto, alerta que 78 79 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 1, p. 328. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 93-96. 56 [...] Não se deve esquecer que o meio ambiente tem, ao lado da perspectiva difusa, repercussões coletivas stricto sensu, individuais homogêneas e mesmo exclusivamente individuais e públicas. Assim, por exemplo, uma atividade poluidora pode causar danos ao meio ambiente em geral (contaminação do ar, extinção de espécies, chuva ácida), ao meio ambiente do trabalho (afetando os trabalhadores da empresa emissora, todos filiados ao sindicato local) e a indivíduos particularizados (diminuição da produção leiteira ou degradação do patrimônio imobiliário dos vizinhos da fonte poluidora). Para uma mesma ação (ou ‘fato ambiental’), várias modalidades de dano, cada uma delas a ensejar diverso dever de reparação.80 Pelas características diversas dos bens públicos e do meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo pela CF, não corresponde a um bem público na forma descrita pelo CC, principalmente tendo em vista a titularidade difusa e a indivisibilidade do objeto, que lhe são característicos. O bem ambiental, portanto, é público porque está à disposição de todos os cidadãos – daí ser bem de uso comum – e porque corresponde a uma finalidade pública. Em conseqüência, sua tutela tem um caráter também público e pertence não só ao Estado, mas à coletividade também.81 Por esta razão alguns doutrinadores concebem o meio ambiente ecologicamente equilibrado não como um bem público na acepção do CC, mas como bem público disponibilizado a todas as pessoas, indistintamente.82 As atuais gerações têm direito aos frutos, têm o direito de usufruir de um planeta vivo. Contudo, elas não têm, em nenhuma hipótese, o direito de destruí-lo. Elas têm o dever de conservá-lo e de transmiti-lo às gerações futuras. As gerações futuras, por sua vez não gozam simplesmente de uma expectativa de direito de adquirirem, de receberem o produto. Elas possuem um direito incontestável a um planeta intacto, fundado no próprio direito de perpetuação das espécies.83 O equilíbrio do meio ambiente é garantido para toda a coletividade e para as presentes e futuras gerações. Os titulares não se restringem à sociedade atual, abrangendo também as gerações que ainda estão por vir. 80 81 82 83 BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. A insurgência da aldeia global contra o processo civil clássico. Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública Lei nº. 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995, p. 97-98. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. (Coord.). Função ambiental. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 74. No mesmo sentido, inclusive destacando a finalidade pública desses bens, qual seja a busca pela sadia qualidade de vida, tem-se CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 102. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; SILVA, Solange Teles da. Elementos realizadores da ação estatal na defesa dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações. In: Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 143-144. 57 3.1 A Natureza Jurídica da Proteção Ambiental O ser humano está inserido no sistema ambiental natural e sofre as conseqüências de sua presença. Logo, a ordem jurídica, por conter o fator cultural, deve optar racionalmente pela manutenção da ordem ambiental e preservação da espécie humana. A proteção jurídica ambiental concebe duas características: a intergeracionalidade e inserção depende do homem. Se o meio ambiente é um bem de uso comum, deverá ser aproveitado pela geração presente e preservado para geração futura, que deverá repetir a prática protetiva para a próxima geração e assim sucessivamente, garantindo a preservação da espécie humana. Eis o círculo vicioso entre a dependência de gerações e a preservação ambiental, razão pela qual são concebidas duas linhas doutrinárias acerca da natureza jurídica da proteção ambiental. 3.1.1 Antropocentrismo A CF está centrada no princípio da dignidade humana, razão pela qual toda pessoa fundamenta o sistema de direito positivo e o direito ambiental. No plano normativo e especificamente do direito brasileiro, a importância da pessoa humana se reafirma perante o Estado Democrático de Direito e reclama a satisfação dos valores mínimos fundamentais descritos no âmbito do art. 6º da CF.84 O Direito Ambiental sob a perspectiva dos direitos individuais é imprescindível para o desenvolvimento da pessoa e se relaciona diretamente com a dignidade humana. A proteção do meio ambiente se justifica pela importância no desenvolvimento humano, e não apenas pelo meio ambiente em si.85 As disposições constitucionais de alguns países consideram o ambiente como tarefa ou fim do Estado. Em termos jurídico-dogmáticos, nas normas-tarefa e as normas-fim apresentam duas dimensões: a) não garantem posições jurídico-subjetivas, dirigindo-se fundamentalmente ao Estado e outros poderes públicos; e b) constituem normas jurídicas objetivamente vinculativas. No plano prático a consideração do ambiente como tarefa ou fim normativo implica na existência de autênticos deveres jurídicos dirigidos ao Estado e aos Poderes Públicos. 84 85 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 11-15. SOLZÁBAL ECHAVARRÍA, Juan José. El derecho al medio ambiente como derecho publico subjetivo. A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Boletim da Faculdade de direito. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005, p. 35-39. 58 Inexiste residualidade na possibilidade de disposição da proteção ambiental. Impede um retrocesso na proteção dos bens ambientais e desregulação jurídica na questão ambiental.86 No antropocentrismo a pessoa humana é a destinatária do Direito Ambiental. O meio ambiente satisfaz as necessidades humanas. A Proposição nº. 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento de 1992 (Rio 92) proclama que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Cabe ao homem, como único animal racional, a preservação das espécies. Luquin Bergareche entende que o direito ao meio ambiente integra a categoria dos “direitos de terceira geração”, destinados ao desenvolvimento da pessoa (concepção antropológica), porque o meio ambiente é um bem difuso.87 Patti apóia o fundamento constitucional da função social da propriedade no direito italiano e classifica a proteção ambiental como um direito fundamental da pessoa, por ser condição essencial de desenvolvimento da personalidade do ser humano. Há uma exigência geral da proteção da personalidade humana, que implica no reconhecimento da multiplicidade de direitos da personalidade e exige uma gama diferenciada de métodos de tutela.88 O direito ao ambiente é um direito da personalidade, cujo interesse não colide com o direito de propriedade e se coaduna com o desenvolvimento da personalidade, saúde e integridade física. Trata-se de direito indisponível e princípio inderrogável de ordem pública. 3.1.2 Ecocentrismo jurídico Ressalta o meio ambiente como o centro da ordem jurídica ambiental. Para Vicente Giménez a jurisdicização da questão ambiental revela que o Direito tornou-se um fator limitador da arbitrariedade humana e instrumento de controle social.89 Essa tolerância faz com que o sistema jurídico assimile normas vertentes epistemológicas como a capacidade de interferência na atividade humana na medida em que não consegue adaptar-se e coloca em perigo a normalidade. A natureza é sujeito de direitos, embora seja dispensável uma legislação específica a fim de atribuir responsabilidade humana. 86 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Boletim da faculdade de direito. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005, p. 48-52. 87 LUQUIN BERGARECHE, Raquel. Mecanismos jurídicos civiles de tutela ambiental. Navarra: ThomsonAranzadi, 2005, p. 20. 88 PATTI, Salvatore. La tutela dell’ ambiente. Padova: Cedam, 1979, p. 18. 89 VICENTE GIMÉNEZ, Teresa (Coord.). Orden ambiental-orden jurídico. Interdependencia, participatión y condicionalidad. Justicia ecológica y protección del medio ambiente. Madrid: Trotta, 2002, p. 46-48. 59 Mukai situa o direito ambiental dentro da proteção jurídica dos direitos difusos, como interesse juridicamente reconhecido, de uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de sujeitos que, potencialmente, pode incluir todos os participantes da comunidade geral a que se refere a norma.90 O direito ao ambiente sadio é unitário e pluralista, exige dos outros membros da coletividade o respeito de uma situação de proteção ambiental. Há responsabilidade coletiva, sobretudo entre as gerações, para suprir as necessidades ecológicas básicas, o que significaria, imediata ou mediatamente, também suprir necessidades humanas. Mediante um processo consensual, o Estado reuniu condições para impor aos cidadãos a responsabilidade pela proteção do meio ambiente.91 Em um primeiro momento deste desarranjo formal, aparece como justiça política enquanto justiça pública distributiva em sentido Kantiano. Sem dúvida, em um segundo momento, oferece um conteúdo material, resultado que se subordina ao princípio formal da justiça no reino da razão prática. Este desarranjo posterior ao formal, mas aderente às estruturas sociais básicas e à divisão dos bens coletivos segundo uma medida racional objetiva e concreta, encontra significação, por exemplo, no segundo princípio da Teoria da Justiça de John Rawls, sempre que princípios de Rawls são interpretados em um sentido que transcenda à construção de um neoliberalismo pragmatista. É certo que as estruturas sociais básicas representam fatores integradores e definidores da posição do sujeito individual. 92 Vicente Giménez fundamenta o paradigma da Justiça ecológica na doutrina de John Rawls.93 A Justiça é elemento de unidade social, constitui a base da estrutura da sociedade. Esta nova idéia de Justiça utiliza como critério um paradigma racional, capaz de determinar cada dimensão do Justo ecológico e a compreensão dos princípios e normas relativas à regularização dos fenômenos ecológicos. O processo e a Justiça são interpretados como retribuição, o que relativiza a simples relação linear de tensão entre os sujeitos do ato Justo. 3.2 Conceito de Meio Ambiente 90 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 6-9. VICENTE GIMÉNEZ, Teresa (Coord.). Orden ambiental-orden jurídico. Interdependencia, participatión y condicionalidad. Justicia ecológica y protección del medio ambiente. Madrid: Trotta, 2002, p. 49-58. 92 VICENTE GIMÉNEZ, Teresa. (Coord.). Justicia ecológica y protección del medio ambiente. El nuevo paradigma de la justicia ecológica. Colección estructuras y procesos. Madrid: Trotta, 2002, p. 59-60. En un primer momento de su desarrollo formal, aparece como justicia política en cuanto justicia pública distributiva en sentido Kantiano. Sin embargo, en un segundo momento, ofrece ya un contenido material, resultado que se subordina al principio formal de la justicia en el reino de la razón práctica. Este desarrollo posterior no formal, más adherente a las estructuras sociales básicas y al reparto de los bienes colectivos según una medida racional objetiva y concreta, encuentra significación, por ejemplo, en el segundo principio de la Teoria de la justicia de John Rawls, siempre que principios de Rawls sean interpretados en un sentido que transcienda a la construcción de un neoliberalismo pragmatista. Es decir, donde las estructuras sociales básicas representen factores integradores y definitorios de la posición del sujeto individual. 93 Id., Ibid., p. 59-60. 91 60 O Direito Ambiental é um direito fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais. A dimensão humana, ecológica e econômica devem se harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentado. O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da Atmosfera, um Direito do solo, um Direito florestal, um Direito da fauna ou um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e de participação.94 Mukai define Direito Ambiental como “um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente”.95 Milaré conceitua o Direito do Ambiente como “o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”.96 Serrano propõe duas definições para Direito Ambiental: O Direito Ambiental é o conjunto de leis que regulam os sistemas ambientais, com o fim de alcançar o livre desenvolvimento da personalidade dos homens. O direito ambiental é o sistema de normas, princípios, instituições, práticas operacionais e ideologias jurídicas que regulam as relações entre os sistemas sociais e seu meio natural.97 Meio ambiente é definido pelo art. 3º, inc. I, da Lei nº. 6.938/81 como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. A lei considerou o ambiente um bem incorpóreo e imaterial. 94 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 129130. 95 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 11. 96 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 109. 97 SERRANO, José-Luis. Concepto, formación y autonomía del derecho ambiental. O novo direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 33. El Derecho ambiental es el conjunto de leyes que regulan los sistemas ambientales con el fin de alcanzar el libre desarrollo de la personalidad de los hombres. El derecho ambiental es el sistema de normas, principio, instituiciones, prácticas operativas e ideologías jurídicas que regulan las relaciones entre los sistemas sociales y sus entornos naturales. 61 Meio ambiente é uma expressão que significa tudo que está ao nosso redor, traduz o desenvolvimento equilibrado da vida, visto que há uma interação de elementos naturais, artificiais e culturais. A falta desta interação acarreta problemas como erosão, destruição da camada de ozônio, efeito estufa, mudanças bruscas no clima da terra, poluição do ar, desflorestamentos. O meio ambiente equilibrado representa a terceira geração de direitos. “A expressão direitos fundamentais compreende os princípios fundamentais e todas as prescrições que dão sentido básico do regime constitucional”.98 “Se a CF enumera direitos fundamentais no seu Título II, isso não significa que outros direitos fundamentais – como o direito ao meio ambiente – não possam estar inseridos em outro dos seus Títulos, ou mesmo fora dele”.99 Na Conferência das Nações Unidas realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, onde participaram aproximadamente 113 nações, foram tomadas decisões efetivas com relação a degradação do meio ambiente. A despeito dos interesses dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, que defendiam seu direito às oportunidades de crescimento econômico a qualquer custo, ficaram definidas regras para associar prudência ecológica às ações pró-desenvolvimento, isto é, o eco-desenvolvimento. A Conferência da ONU, no Rio de Janeiro em 1992 (Rio-92), representou marco importante na busca por mecanismos de preservação, conservação, uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais. Em consonância com estes interesses, o art. 225 da CF estabelece que é dever de todos preservar e estabelecer a harmonia entre a natureza e o homem, a fim de garantir um meio ambiente ecologicamente preservado e sadio. A Lei n.º 9.605/98 enumerou sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. As promessas constantes no sistema normativo constitucional resgataram o interesse pela modernidade e ao mesmo tempo não se desenvolveu política no sentido de criar mecanismos que pudessem aplicar as garantias previstas.100 O sistema jurídico repousa no romanismo que não permite um juiz legislador e uma interpretação modificativa ou contrária a lei vigente.101 98 MATHEUS, Ana Carolina Couto. A argüição de descumprimento de preceito fundamental como medida processual para a defesa da Constituição sob o enfoque da jurisprudência do Superior Tribunal Federal, Revista de processo, RT, São Paulo, ano 32, n. 149, jul. 2007, p. 191. 99 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, v. 1, p. 65. 100 STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 107. 101 POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Fontes de direito e sistema jurídico, Consulex, São Paulo, ano 11, n. 251, jun. 2007, p. 9. 62 É da essência do regime democrático a participação popular em todas as instâncias de decisões, sobretudo quando emanadas do Estado. Em vários momentos pode se dar a participação popular e preservação do meio ambiente: a) na fase de elaboração das normas jurídicas; b) no momento da aplicação das normas jurídicas; c) ao provocar a função jurisdicional, o que é feito através dos aparelhos que o Estado coloca à disposição dos membros do grupo social.102 A responsabilidade ambiental é de todos os países, na medida de suas capacidades e potencialidade de desenvolvimento. Os interesses ambientais devem materializar-se em legislações positivadas. As ações deverão adotar medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente, valendo-se em todos os casos do princípio da precaução, mesmo inexistindo certeza científica sobre a probabilidade do dano ao meio ambiente. 3.3 Bem Ambiental Piva conceitua bem ambiental como “um valor difuso, imaterial ou material, que serve de objeto mediato a relações jurídicas de natureza ambiental”.103 Bem ambiental é um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade de vida. Akaoui define como “um bem jurídico de natureza material ou imaterial, de uso comum do povo, e que permite a manutenção de uma vida com qualidade”.104 A CF recepcionou o conceito de meio ambiente previsto no art. 3º, inc. III, da Lei nº. 6.938/81, por ser amplo o suficiente para incluir todos os interesses de natureza ambiental (meio ambiente natural, cultural, do trabalho e urbano ou artificial). O ordenamento jurídico foi construído em virtude de duas espécies de bens, os de natureza privada e os de natureza pública. A CF/88 aceitou o avanço da doutrina internacional no sentido de verificar a existência de direitos e interesses adaptados às necessidades principalmente metaindividuais da moderna sociedade de massas. Os bens difusos foram sistematizados pelo CDC. O bem ambiental é um bem difuso (atende os conceitos do art. 81, inc. I, do CDC e art. 225, caput, da CF) de uso comum do povo, não integra o patrimônio público ou particular. Quanto à titularidade é transindividual. 102 FACHIN, Zulmar Antonio. Princípios fundamentais de Direito Ambiental. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira de Paula. (Org.). Estudos de direito contemporâneo e cidadania. São Paulo: LED, 2000, p. 125. 103 PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 111 e 114. 104 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo: RT, 2003, p. 24. 63 [...] O bem ambiental, pelo menos na configuração tradicional, é caracterizado pela funcionalização de um interesse público, necessariamente identificado pela lei de um modo específico. É, portanto, um meio adequado para atender não só o interesse patrimonial (e egoístico) do proprietário, mas também o interesse público que não está ligado.105 Silva entende que “a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida”.106 O titular da propriedade deve respeito ao princípio da função social da propriedade, visando à manutenção do equilíbrio ecológico. 3.4 Princípios Relacionados ao Direito Ambiental O Direito Ambiental é uma disciplina independente à medida que possui seus próprios princípios diretores, inclusive previstos na CF. Princípios são diretrizes que dão subsídios à aplicação das normas. Inexiste consenso doutrinário sobre os princípios reconhecidos pelo Direito Ambiental. Há divergências sobre o significado concreto de cada princípio, bem como a definição, o objeto e a finalidade do Direito Ambiental. Quanto à natureza jurídica os princípios do Direito Ambiental podem ser implícitos e explícitos. Implícitos são os decorrem do sistema constitucional. Explícitos são aqueles expressos nos textos legais e fundamentalmente na CF. Ambos são dotados de positividade e devem ser buscados no ordenamento jurídico. 3.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana Representa a base capaz de dar sustentação ao caput do art. 225 da CF. “Deste princípio basilar decorrem todos os demais sub-princípios constitucionais, ou princípios setoriais e do Direito Ambiental”. 107 A dignidade humana supõe um valor básico fundamentador dos Direitos Humanos, que explica e satisfaz as necessidades da pessoa na esfera moral. A dignidade do homem é o ponto histórico de referência de todas as faculdades relacionadas à 105 MALINCONICO, Carlo. I beni ambientali. Tratatto di diritto administrativo. Padova: Cedam, 1991, v. 5, p. 31. [...] il bene ambientale, almeno nella tradizionale configurazione, è caraterizzato dalla sua funzionalizzazzione ad um interesse pubblico, necessariamente individuato dalla legge in modo specifico. Esso consiste dunque in una idonea ad appagare non solo l’ interesse patrimoniale (ed egoistico) del proprietario, ma anche l’ interesse pubblico che vi si ricollega. 106 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 44. 107 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 26-27. 64 afirmação moral da pessoa. É importante para a origem da moderna teoria dos direitos humanos.108 O reconhecimento internacional deste princípio pode ser verificado nos Princípios 1 e 2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972 e reafirmada pela Rio-92, cujo Princípio 1 afirma que os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente. Adotando-se a concepção de Ronald Dworkin, acredita-se que o ordenamento jurídico é um sistema no qual ao lado das normas legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos. Estes princípios constituem o suporte axiológico que confere coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico. O sistema jurídico define-se, pois, como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos que apresentam verdadeira função ordenadora, na medida em que salvaguardam valores fundamentais a interpretação das normas constitucionais advém, desse modo, de critério valorativo extraído do próprio sistema constitucional. A luz dessa concepção, infere-se que o valor da dignidade da pessoa humana bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro.109 A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Social e Democrático de Direito e tem por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, na órbita interna (art. 1º, inc. III, da CF), e a prevalência dos direitos humanos, nas relações internacionais (art. 4º, inc. II, da CF). Na órbita interna a construção do Estado Social e Democrático de Direito fundamenta-se na juridicidade, na constitucionalidade e nos direitos fundamentais. Entende-se por princípio da dignidade humana [...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunidade com os demais seres humanos.110 Bobbio afirma que a Declaração Universal dos Direitos do Homem apresenta a síntese de um movimento dialético, que se inicia pela universalidade abstrata dos direitos 108 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Teoria del derecho: una concepción de la experiencia jurídica. Madrid: Tecnos S.A., 1997, p. 223-224. 109 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 60. 110 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60. 65 naturais, transformando-se na particularidade concreta dos direitos humanos positivos e termina na universalidade concreta dos direitos positivos universais.111 O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser a fonte do desenvolvimento sustentável. Todos os demais valores consignados na CF gravitam em torno desse princípiomatriz. Trata-se de princípio com força normativa imediata que deve ser efetivado. 3.4.2 Princípio democrático Assegura ao cidadão o direito à informação e participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de modo que a ele deve ser assegurado mecanismos judiciais, legislativos e administrativos. São exemplos de participação democrática: audiências públicas, integração de órgãos colegiados como o COPAM em Minas Gerais, AP, ACP, o direito de informação, o direito de petição, o estudo prévio de impacto ambiental. O princípio democrático engloba os princípios da participação, da publicidade, da informação e da educação ambiental. O Direito Ambiental é um direito que tem uma das vertentes de sua origem nos movimentos reivindicatórios dos cidadãos e, como tal, é essencialmente democrático. O princípio democrático materializa-se através dos direitos à informação e à participação. Tais direitos encontram-se, expressamente, previstos no texto da Lei Fundamental e em diversas leis esparsas. [...] O princípio democrático é aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração das políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente.112 No sistema brasileiro, tal participação faz-se por diversas maneiras, como o dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente, o direito de opinar sobre políticas públicas através da participação em audiências públicas, iniciativas legislativas, utilização de mecanismos judiciais e administrativos de controle dos atos do Executivo, ações populares e representações. A concretização do princípio democrático se faz através da iniciativa popular, plebiscito e referendo. 3.4.3 Princípio do desenvolvimento sustentável 111 112 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 30. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 29. 66 O princípio do desenvolvimento sustentável engloba os seguintes princípios: acesso eqüitativo aos recursos naturais, equilíbrio, limite e função socioambiental da propriedade. Os principais problemas ambientais no Brasil estão nas áreas mais pobres e as maiores vítimas do descontrole ambiental são os setores vulneráveis da sociedade. O art. 1º, § 1º, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento dispõe que o direito ao desenvolvimento é inalienável, toda pessoa está habilitada a participar, contribuir e desfrutar do desenvolvimento econômico, social, cultural, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. Tal disposição deve ser interpretada conjuntamente ao § 1º, do art. 2º: “pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento”. O Princípio nº. 13 da Declaração do Rio definiu o desenvolvimento sustentável. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deverá ser participante ativo e beneficiária do direito ao desenvolvimento. A proteção ao meio ambiente está fadada ao insucesso se não houver um acréscimo nos níveis de renda da população brasileira e uma melhoria substancial na sua distribuição. O princípio do desenvolvimento complementa o direito ao meio ambiente saudável. O progresso é objetivo da sociedade. O desenvolvimento ecologicamente sustentado tem natureza econômica e social. Entretanto, não pode acarretar prejuízos ao meio ambiente. A busca pelo desenvolvimento econômico deve estar em comunhão com a preservação ambiental. A Declaração do Rio ao tratar do desenvolvimento sustentável revela a preocupação mundial no binômio desenvolvimento – meio ambiente. Hoje , já não é mais contrário à noção de desenvolvimento o papel ativo do Estado no socorro dos valores ambientais. Ao contrário, justamente porque houve uma mutação no referido conceito, a proteção do meio ambiente e o fenômeno desenvolvimentista, onde poderíamos encaixar a livre iniciativa, fazem parte de um objetivo comum, dado que são interesses convergentes entre si.113 A noção de desenvolvimento, inicialmente formada em um Estado de concepção liberal não encontra mais guarida na sociedade moderna. A busca e a conquista do equilíbrio entre o desenvolvimento social, crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exige adequado planejamento territorial que considere os limites da sustentabilidade. O critério do desenvolvimento sustentável deve valer tanto para o território nacional na sua totalidade, áreas urbanas e rurais, como para o povo, respeitadas as necessidades 113 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 117. 67 culturais do país. A fim de definir parâmetros de sustentabilidade considera-se a inter-relação das partes, e destas com o todo, seus fluxos de entrada e saída. Introduz na análise tradicional dos processos econômicos a dimensão territorial, como suporte físico concreto, do qual fazem parte os recursos naturais e os resíduos decorrentes da exploração. O art. 225 da CF adotou a ótica do desenvolvimento sustentado, ou seja, aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer as necessidades das futuras gerações. O art. 170 da CF se refere a política desenvolvimentista ao estabelecer que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa (sistema de produção capitalista) e valorização do trabalho humano (limite ao capitalismo selvagem) deverá regrar-se pelos ditames da justiça social devendo seguir alguns princípios, como a defesa do meio ambiente. “A inserção deste princípio significa que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente pode ser instalada? A resposta é negativa. A eficácia da norma consiste em fixar uma interpretação que leve à proteção do meio ambiente”.114 Todo esforço da norma econômica deve ser voltado para a proteção do meio ambiente. A adoção do desenvolvimento sustentado tem o escopo de preservar o hoje e o amanhã (gerações futuras). 3.4.4 Princípios da precaução, do poluidor-pagador e da responsabilidade O Direito Ambiental é transdiciplinar, porque relaciona diversas áreas do conhecimento. É difícil saber quais os limites entre o avanço do conhecimento e a irresponsabilidade. Mesmo através da experimentação e a pesquisa continuada, executada dentro de protocolos reconhecidos internacionalmente seguros é possível que se verifique um produto ou procedimento como responsável por uma anomalia ambiental. As verdades científicas são historicamente determinadas. A evolução adequa as técnicas científicas, aperfeiçoando-as. O princípio da cautela é o princípio jurídico ambiental apto a lidar com situações nas quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por novos produtos e tecnologias que ainda não possuam uma acumulação histórica de informações que assegurem, claramente, em relação ao conhecimento de um determinado tempo, quais as conseqüências que poderão advir de sua liberação no ambiente.115 114 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Direito constitucional e meio ambiente, Revista do advogado da AASP, São Paulo, v. 37, 1992, p. 67. 115 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 33. 68 Diante dessa incerteza científica a comunidade internacional adotou o consenso, expresso na Declaração do Rio, no sentido de que a prudência é o melhor caminho, evitandose danos que, muitas vezes, não poderão ser recuperados. O consenso, freqüente em documentos internacionais, é extremamente amplo, tem natureza de cláusula aberta a ser preenchida no caso concreto. Em termos práticos, o princípio da precaução significa a rejeição da orientação política e da visão empresarial que durante muito tempo prevaleceram, segundo as quais atividades e substâncias potencialmente degradadoras somente deveriam ser proibidas quando houvesse prova científica absoluta de que, de fato, representariam perigo ou apresentariam nocividade para o homem ou para o meio ambiente.116 O Princípio nº. 15 da Declaração do Rio determina que o princípio da precaução deve ser amplamente observado na proteção do meio ambiente pelos Estados, conforme suas capacidades. Havendo perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar a adoção de medidas eficazes devido ao custo para impedir a degradação do meio ambiente. Apesar do princípio da precaução (ou prudência ou cautela) não ser obrigatório para os Estados, por se tratar de uma Declaração, é uma recomendação de ordem política que orienta no sentido de que o princípio da precaução se materializa na ordem interna de cada Estado, de acordo com suas capacidades. A aplicação deste princípio leva em conta o conjunto de recursos disponíveis em cada Estado, para a proteção ambiental. A dúvida sobre a nocisividade de uma substância não deve ser interpretada como se não houvesse risco. Dúvida é elemento fundamental no avanço da ciência, porque todo conhecimento científico é sujeito a dúvida, não se confunde com o mero palpite. Se do ponto de vista científico houver dúvida as medidas de precaução deverão ser tomadas. Tal princípio não determina a paralisação da atividade, mas que ela seja realizada com os cuidados necessários, até mesmo para que o conhecimento científico possa avançar para esclarecer a dúvida. Para o Greenpeace referido princípio é assim definido: “Não emita uma substância se não tiver provas de que ela não irá prejudicar o meio ambiente”.117 Entretanto, Antunes discorda deste conceito por entender que 116 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Thex ed. Biblioteca Estácio de Sá, 1995, p. 54. 117 LEGGET, Jeremy. (Org.). Aquecimento global: relatório do Greenpeace. Rio de Janeiro: FGV, 1992, p. 425. 69 Não existe nenhuma certeza de que uma determinada substância não irá prejudicar o ambiente, pois a verdade científica é historicamente determinada, mediante a adoção de certos critérios aceitos pela comunidade internacional. Não há atividade humana que possa ser considerada isenta de riscos, o que a humanidade faz, em todas as suas atividades, é uma análise de custo e benefício entre o grau de risco aceitável e o benefício que advirá da atividade. [...] Se estudos preliminares demonstram ser muito pequena a possibilidade de um dano, nada justifica que a medida não seja tomada, até para que possa servir como medida de estudo.118 Deve-se tomar medidas para reduzir os eventos negativos. Se o risco for insuportável a sociedade deverá arcar com os custos da opção adotada. Os Tribunais discutem muito quanto a aplicação deste princípio.119 A proteção ao meio ambiente deve ser interpretada dentro do conjunto de normas e princípios constitucionais. O art. 1º, inc. III, da CF erigiu a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental. Do ponto de vista jurídico-ambiental, o constituinte originário fez uma escolha indiscutível pelo antropocentrismo, por entender que o ser humano é o centro das preocupações constitucionais e a proteção ao meio ambiente é uma das formas de promover a dignidade humana. Os princípios do direito ambiental sob o ponto de vista constitucional são setoriais, devendo se submeter aos princípios constitucionais mais amplos. O princípio da precaução é um princípio setorial que não pode se sobrepor aos princípios constitucionais mais abrangentes, como aqueles previstos no art. 1º da CF, devendo ser harmonizados. Diante da incerteza dos efeitos de uma determinada intervenção sobre o meio ambiente o princípio da precaução, expresso no § 1º, do art. 225, da CF, deve ser analisado dentre as circunstâncias dos incisos que definam para o Poder Público e o legislador ordinário meios para que a avaliação dos impactos ambientais seja realizada e que sejam evitados danos ao meio ambiente. Fora destas circunstâncias, a aplicação do princípio da precaução não pode ocorrer de forma imediata e sem uma base legal que a sustente. A expressão normativa do princípio da precaução se materializa nas diversas normas que determinam a avaliação dos impactos ambientais dos diferentes empreendimentos capazes de causar lesão ao meio ambiente, ainda que potencialmente. Não há qualquer previsão legal para uma aplicação genérica do princípio da precaução, sob o argumento de que os superiores interesses da proteção ambiental assim o exigem.120 118 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 34. 119 TRF, 1ª região. AgIn nº. 01000392792. Proc. nº. 200101000392792/MT. 5ª T. 22/04/2002. DJ 12/07/2002, p. 160, Des. Selene Maira de Almeida; TRF, 1ª região. AC nº. 01000146611. Proc. nº. 200001000146611/DF. 2ª T., 08/08/2002. DJU 15/03/2001, p. 84, Des. Assusete Magalhães. 120 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 37-38. 70 Na ausência de norma específica para o exercício de uma atividade a Administração Pública, normalmente, interpreta equivocadamente o princípio da precaução para obstacularizar esta atividade. Isto viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos valores do trabalho e da livre-iniciativa e frustra os objetivos fundamentais da República (garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e marginalização). O princípio da precaução não pode se sobrepor ao princípio da dignidade humana e deve se harmonizar com os princípios igualmente setoriais. A aplicação deste princípio se justifica constitucionalmente quando observados os princípios fundamentais, ante a inexistência de norma capaz de determinar a adequada avaliação dos impactos ambientais, sob pena de configurar arbítrio. A única aplicação juridicamente legítima que se pode fazer do princípio da precaução é aquela que leve em consideração as leis existentes no País e que determine a avaliação dos impactos ambientais de uma determinada atividade, conforme a legalidade infraconstitucional existente. Infelizmente, tem havido uma forte tendência a se considerar que o princípio da precaução é um super-princípio que se sobrepõe aos princípios fundamentais da República, tal como estabelecidos pela própria CF, o que, evidentemente, é uma grave ruptura da legalidade constitucional e prova de precário conhecimento jurídico. Ante a possível existência de conflito entre uma norma legal expressa e um princípio setorial, há que prevalecer a norma positivada, salvo se ela se apresenta maculada pela inconstitucionalidade. Não se trata da prevalência de um princípio setorial, mas de uma afronta à CF, o que é uma preliminar inafastável. O princípio da precaução se diferencia do princípio da prevenção quanto a natureza e teleologia. Destoam na finalidade buscada. O princípio da precaução antecede o princípio da prevenção, pois não evita o dano ambiental, mas os riscos. Os riscos já conhecidos são prevenidos. O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo, segurança das gerações futuras e à sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Traduz a busca da proteção da existência humana, seja protegendo o meio ambiente como assegurando a integridade da vida humana. Considera-se não somente o risco de uma atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, nos quais a nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento científico jamais conseguem captar em toda sociedade. 71 Tal princípio modifica a forma de desenvolvimento da atividade econômica. Concretiza o princípio do poluidor-pagador. A crescente degradação ambiental e o escoamento dos bens e fatores ambientais, a tendência é a completa e definitiva substituição da prevenção pela precaução, pelos reflexos da precaução na maior proteção dos bens ambientais e reflexo nas regras processuais sobre a prova (inversão). Quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ambiental sobre a conduta a ser tomada (ex.: utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas, liberação e descarte de OGM no meio ambiente, instalação de atividade ou obra) incide o princípio da precaução para prevenir o meio ambiente de um risco futuro. O ônus da prova é invertido, devendo o proponente do empreendimento demonstrar que não há o risco ambiental. A atividade não pode ser permitida sob alegação de falta de prova da nocividade. A atividade comprovadamente deve não poluir. O princípio da precaução não possui flexibilização tão grande como o princípio do desenvolvimento sustentado, porque ante a incerteza científica não se cogita a permissão de atividade supostamente desenvolvimentista, não havendo “negociação” do custo/benefício da atividade que se pretende implantar. O princípio da precaução protege mais que o da prevenção, é postulado fundamental do direito ambiental. A obrigatoriedade da avaliação prévia dos danos ambientais em obras potencialmente danosas através do EIA/RIMA é um mecanismo de planejamento para prevenir danos ambientais. O art. 225, § 1º, inc. IV, da CF determina que incumbe ao Poder Público exigir que se faça estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade que revele potencial capaz de causar degradação ao meio ambiente. O Princípio nº. 17 da Declaração do Rio determina que a avaliação de impacto ambiental deve ser empreendida para atividades planejadas que possam ter caráter negativo sobre o meio ambiente e que dependem de uma decisão de autoridade nacional. O princípio do poluidor-pagador está previsto no Princípio nº. 16 da Declaração do Rio de 1992; art. 4º, inc. VIII, da Lei nº. 6.938/81; Lei nº. 9.433/97 e no art. 225, §3º, da CF. Os recursos ambientais são escassos. Desta forma, a produção e consumo refletem na degradação. A utilização gratuita de um recurso ambiental, pertencente a todos, gera um enriquecimento ilícito. Aquele que se beneficia do recurso ambiental deve suportar seus custos, sem que essa cobrança resulte na imposição taxas abusivas. Poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; 72 afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. O princípio do poluidor-pagador obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser causada. A gênese deste princípio sofreu inúmeras críticas, inclusive considerando que o mesmo pode conduzir a duas conclusões díspares: possibilidade de alguém poluir mediante pagamento e a responsabilização do autor do dano pelos prejuízos causados. O art. 225, § 3º, da CF consagrou a segunda idéia. O princípio do poluidor-pagador imputa a responsabilidade pelos danos ambientais àquele que os causou. O poluidor utiliza a propriedade alheia para lançar poluentes, exercendo confisco na propriedade de todos os indivíduos.121 Destacam-se dois momentos para a aplicação do princípio do poluidor-pagador: fixação das tarifas (inclui o momento de se investir na prevenção do uso do recurso natural) e o da responsabilização do poluidor. Referido princípio visa a prevenir e reprimir o dano ambiental, bem como incluir no custo da produção o pagamento pelo dano causado ou que possa vir a ser gerado pelo poluidor. O PPP parte da constatação de que os recursos ambientais são escassos e que o seu uso na produção e no consumo acarretam-lhe redução e degradação. Ora, se o custo da redução dos recursos naturais não for considerado no sistema de preços, o mercado não será capaz de refletir a escassez. Portanto, são necessárias políticas públicas capazes de eliminar a falha de mercado, de forma a assegurar que os preços dos produtos reflitam os custos ambientais. Quanto a origem econômica do princípio do poluidor-pagador, Aragão faz referência às suas finalidades: “encorajar a utilização racional dos recursos ambientais escassos” e “evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, realizando assim o princípio da eqüidade econômica internacional”.122 Na concepção de Benjamin as teorias da compensação e do valor fundamentam o princípio do poluidor-pagador. A teoria da compensação destaca a idéia de que “paga quem provoca uma ação governamental, na medida dos benefícios recebidos”.123 121 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 51. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor-pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997, p. 60-61. 123 BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 230. 122 73 Machado enfatiza que o pagamento pela prevenção do dano não outorga ao poluidor o direito de poluir o meio ambiente.124 O caráter preventivo do dano é consagrado no Princípio nº. 16 da Declaração do Rio. O princípio do poluidor-pagador é corolário lógico da valoração do meio ambiente. Este princípio só existe e se concretiza pelo valor do meio ambiente para o homem como indivíduo e para a coletividade. O princípio do poluidor-pagador busca evitar a ocorrência de danos ambientais.125 Estimula de forma negativa o potencial poluidor e também incide quando o dano já ocorreu como forma de repará-lo. Com base neste princípio aplica-se a responsabilidade civil objetiva, a prioridade da reparação específica do dano ambiental e a solidariedade para suportar os danos causados ao meio ambiente. Pelo princípio da responsabilidade o poluidor, pessoa física ou jurídica, responde por suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, sujeitando-se a sanções cíveis, penais ou administrativas. Logo, a responsabilidade por danos ambientais é objetiva e integral, conforme prevê o § 3º, do art. 225, da CF e o art. 14, § 1º, da Lei nº. 6.938/81. O princípio da responsabilidade está previsto no art. 225, §3º, da CF e no art. 4º, inc. VII, da Lei nº. 6.938/85. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores a sanções penais e administrativa, independentemente da obrigação de reparar e/ou indenizar os danos causados. Qualquer violação do Direito implica a sanção do responsável pela quebra da ordem jurídica. No Direito Ambiental não poderia ser diferente, ao contrário, o Direito Administrativo é, em grande parte, construído sobre o princípio da responsabilidade que, dada a natureza da matéria, é construído de forma peculiar. [...] A matéria, em meu ponto de vista, é eminentemente legal e não meramente administrativa. A responsabilidade ambiental se divide em: civil, administrativa e penal.126 A responsabilidade no sistema jurídico brasileiro decorre da lei ou do contrato, por ex., a responsabilidade pós-consumo, na qual os produtores de produtos como pilhas e baterias são responsabilizados pelo descarte final. No Direito Ambiental não existem responsabilidade derivadas de atos emanados por órgãos ambientais. 3.4.5 Princípio da prevenção 124 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 52. Neste sentido TJ/RS, AC nº. 70012156220, Rel. Wellington Pacheco Barros, j. 21/09/05, DJ 13/10/05. 126 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 41-42. 125 74 A aplicação do princípio da prevenção ocorre nos casos em que os impactos ambientais já são conhecidos, obrigando o licenciamento ambiental e o EIA/RIMA, fundamentado na dificuldade e/ou impossibilidade de reparação do dano ambiental. Na ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis a prevenir a degradação ambiental. Se há risco de não se conseguir restabelecer ao status quo ante, devese trabalhar preventivamente. O princípio da prevenção adverte a necessidade de evitar transformações ambientais prejudiciais. Sua atenção está voltada para o momento anterior à da consumação do dano – o do mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única, solução.127 O princípio da prevenção é aplicado a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade suficientes para a identificação dos impactos futuros mais prováveis. Diante da impotência do sistema e face à impossibilidade lógico-jurídica de fazer voltar a uma situação igual a que teria sido criada pela própria natureza, adota-se, com inteligência e absoluta necessidade o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como verdadeira chave-mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental.128 É necessária consciência ecológica na prevenção de um dano ambiental e severidade do Estado ao punir o causador de danos ao meio ambiente. Assim se idealiza um mecanismo estimulante contra a prática de agressões ao meio ambiente. Não imaginemos, contudo, que as alterações sofridas pelo Direito, como decorrência da crise ambiental que assole este final de milênio, seja apenas cosmética. A transformação é muito mais profunda. Modifica-se a própria percepção do papel e objetivos do Direito que, gradativamente, deixa de ser um instrumento de reparação e repressão do dano, para se transformar em ferramenta de prevenção da danosidade. É essa – a prevenção – a ótica que orienta todo o Direito Ambiental. Não podem a humanidade e o próprio direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a 127 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 118. 128 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 140. 75 violência do corte raso? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?129 O art. 225 da CF assegura o princípio da prevenção ao se referir que o Poder Público deve exigir EIA/RIMA para a aprovação de atividade ou obras potencialmente poluentes, preservar os processos ecológicos essenciais, preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético, dentre outros itens referentes à necessidade da prevenção do dano ambiental.130 Dividido em cinco itens a aplicação do princípio da prevenção: primeiro; identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação e inventário das fontes contaminantes das águas e do ar, quanto ao controle da poluição; segundo: identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; terceiro: planejamento ambiental e econômico integrados; quarto: ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão e quinto: estudo de impacto ambiental.131 O princípio da prevenção é dinâmico, evolui para evitar o dano ambiental. Embora o Poder Judiciário muitas vezes confunda o princípio da prevenção com o da precaução, justifica-se pela novidade da matéria.132 As atuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas suscetíveis de alterar a qualidade do ambiente. Ocorrido o dano ambiental sua reconstituição é praticamente impossível, porque o mesmo ecossistema jamais pode ser revivido, uma espécie extinta é um dano irreparável, uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio como antes se apresentavam. Enfim, com o meio ambiente, decididamente, é melhor prevenir do que remediar.133 129 FELDMANN, Fábio. O direito ambiental e o novo humanismo ecológico. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 5. 130 MARQUES, José Roque Nunes. Direito ambiental: análise da exploração madeireira na Amazônia. São Paulo: LTr, 1999, p. 136-137. 131 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios gerais de direito ambiental internacional e a política ambiental brasileira. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão, São Paulo: RT, 1993, p. 398. 132 TRF, 4ª região, AgR no AgIn nº. 77201. Proc. nº. 200104010122933/PR, 3ª T., 08/05/2001, DJU: 30/05/2001, p. 290, Rel. Luiza Dias Cassales. 133 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002, v. 1, p. 148-149. 76 O art. 2º, incisos I, IV e IX, da Lei nº. 6.938/81 contemplam o princípio da prevenção ao se referir à manutenção do equilíbrio ecológico, proteção dos ecossistemas, preservação das áreas representativas e proteção de áreas ameaçadas de degradação. Com base no princípio da prevenção que o licenciamento ambiental e, até mesmo, os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e ao solicitados pelas autoridades públicas. Pois, tanto, o licenciamento, quanto os estudos prévios de impacto ambiental são realizados com base em conhecimentos acumulados sobre o meio ambiente. O licenciamento ambiental, na qualidade de principal instrumento apto a prevenir danos ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar e mitigar, os danos que uma determinada atividade causaria ao meio ambiente, caso não fosse submetida ao licenciamento ambiental.134 Prevenir danos não significa eliminá-los. A existência de danos é avaliada em conjunto com os benefícios gerados pelo empreendimento. A uma análise acarreta opção política consubstanciada no deferimento ou não do licenciamento ambiental. As condicionantes para implantação do projeto indicam condições técnicas e políticas em que se pondera os interesses. Representam instrumentos afetos ao princípio da prevenção: o EIA/RIMA, o manejo ecológico, o tombamento, as liminares, as sanções administrativas. O Fundo de Recuperação do Meio Ambiente é necessário no desrespeito do princípio da prevenção. O princípio da prevenção é o resultado de uma severa legislação que beneficia atividades que utilizem tecnologia limpa, com incentivos fiscais às atividades que atuem em parceria com o meio ambiente, que apliquem a incidência do poluidor-pagador impondo multas e sanções mais rígidas, levando em consideração o benefício recebido e o poder econômico do poluidor. A jurisprudência é bastante diversificada quanto às hipóteses de aplicação do princípio da prevenção. Por ex., no respeito às exigências previstas no TAC;135 bem como no atendimento às lei de zoneamento ambiental, a fim de que a construção em solo não edificável não interfira a paisagem do local.136 Brilhante o fundamento utilizado pelo TR/RS ao afirmar que no plano do Direito Ambiental vige o princípio da prevenção, que deve atuar como balizador de qualquer política moderna do ambiente. As medidas que evitam o nascimento de atentados ao meio ambiente 134 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 39. 135 TJ/RS, AgIn nº. 70022447080, Rel. Luiz Felipe Silveira Difini, j. 12/03/08, DJ 03/04/08. 136 TJ/RS, Ag nº. 70021183124, Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 21/11/07, DJ 07/12/07. 77 137 devem ser priorizadas. O interesse coletivo predomina sobre o particular. Neste sentido o referido Tribunal negou provimento ao agravo de instrumento interposto objetivando a cessação de atividade nociva ao meio ambiente. A presença do fumus boni iuris e do periculum in mora conduziu ao deferimento do pedido de liminar em ACP e não provimento do agravo interposto contra a decisão. O fundamento da decisão foi a prevalência do princípio da prevenção na possível irreparabilidade do dano ambiental.138 Decisões como estas devem nortear o entendimento dos demais Tribunais brasileiros. 3.5 Dano Ambiental O dano ambiental é a conseqüência gravosa ao meio ambiente de um ato ilícito. O dano ambiental é uma categoria geral dentro da qual se insere o dano ecológico (alteração da biota como resultado da intervenção humana), o dano à saúde, o dano às atividades produtivas, o dano à segurança e o dano ao bem-estar. O dano ambiental para ser caracterizado não necessita de que à sua base esteja presente, no agente causador, o elemento psicológico. Daí ser a prática do dano ambiental submetida às normas da responsabilidade objetiva. Segundo a interpretação da legislação brasileira dano ambiental é toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana culposa ou dolosa ao meio ambiente. A legislação brasileira tratou, no mesmo diploma, de forma íntegra, tanto o dano ambiental diretamente causado como o causado indiretamente ao bem ambiental.139 O meio ambiente pode ser lesado diretamente e atingir valores individuais reflexos. Na concepção de Tessler dano ambiental Pode ser conceituado como qualquer diminuição ou degradação de um recurso natural ou alteração de seu natural equilíbrio. O dano ambiental, ecológico, é toda a degradação que atinja o homem na saúde, na segurança, nas atividades sociais e econômicas, que atinja as formas de vida não-humanas, vida animal ou vegetal e o meio ambiente em si, do ponto de vista físico, estético, sanitário e cultural.140 Capone e Mercone ensinam que na Itália a jurisprudência dos Tribunais fundamenta o ressarcimento do dano ambiental nos seguintes princípios: os bens ambientais têm valor 137 TJ/RS, AgIn nº. 597204262, Rel. Arno Werlang, j. 05/08/98. TJ/MS, AgIn nº. 2005.004900-7, 1ª T., Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves, j. 30/08/05, DJ 22/09/05. 139 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000, p. 105. 140 TESSLER, Marga Barth. O valor do dano ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Águas: aspectos jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá, 2000, p. 167. 138 78 jurídicos enquanto tutelados pela lei; são públicos porque pertencem à coletividade de entes públicos territoriais específicos.141 Na doutrina estrangeira, o dano ambiental vem sendo conceituado a partir da observação das diferentes formas pelas quais ele se manifesta. A diversidade dos tipos de dano dificulta que se estabeleça uma definição precisa e abrangente. Nas primeiras tentativas feitas nesse sentido, a questão principal que se procurou esclarecer foi definir se a vítima dos danos ambientais era o ser humano ou o meio ambiente. Outro aspecto que procurou os estudiosos foi estabelecer se os diversos elementos que compõem o meio ambiente – a água, o ar, o solo, a fauna e a flora – seriam, ou não, bens juridicamente tuteláveis.142 Toda alteração nas características do meio representa um dano ambiental. Em um primeiro momento, não importa a duração do evento nem as conseqüências sobre o meio alterado, nem se o meio pode por autodepuração minimizar os efeitos da modificação ocorrida, pois não se nega a importância dos efeitos da poluição, apenas adia a discussão. Por ex., uma empresa lançou poluentes atmosféricos fora dos padrões de emissão estabelecidos na Licença de Operação fornecida pelo órgão ambiental. Rigorosamente não se precisaria medir os efeitos, a fim de caracterizar os danos, pois haveria a degradação ambiental, pois a fumaça, seus componentes e os maus odores gerados por aquela fonte não fazem parte do ambiente natural (deverá ser observado o conceito de carga poluidora admissível). O dano ambiental é dotado de certa complexidade que, às vezes, exige compreensão de outras áreas inter-relacionadas com o Direito Ambiental Brasileiro (v.g., engenharia química, agronomia, geologia, geografia, recursos hídricos, engenharia florestal, dentre outras não menos importantes à resolução da problemática ambiental). [...] Ações em matéria ambiental, em especial, envolvem custos elevados. O meio ambiente está relacionado a problemas de elevada complexidade, cuja formalização em um processo judicial envolve elevado grau de sofisticação. A defesa judicial do meio ambiente implica questões 1) de conhecimento técnico e científico, 2) de informação imperfeita, 3) de risco substancial, 4) de partes numerosas, 5) de múltiplas possíveis alternativas, 6) de pluralidade de centros de decisão e 7) de oportunidades para efeitos de natureza distributiva.143 141 CAPONE, Dario; MERCONE, Mario. Diritto ambientale. Napoli: Scientifiche Italiane, 1996, p. 509. SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade civil e reparação de danos ao ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 102. 143 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1998, p. 127. 142 79 O dano ambiental possui várias acepções. Pode ser considerado sob o ponto de vista das alterações nocivas do meio ambiente ou sob a ótica das conseqüências dessas mudanças na saúde e nos interesses das pessoas, fundamentado no art. 225, § 3º, da CF. Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente, como, por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses.144 Outra acepção do dano ambiental menciona que este “compreende todas as lesões ou ameaças de lesões prejudiciais à propriedade (privada ou pública) e ao patrimônio ambiental, com todos os recursos naturais ou culturais integrantes, degradados, descaracterizados ou destruídos isoladamente ou em conjunto”.145 A concepção individual do dano ambiental se aproxima dos direitos de vizinhança pelo mau uso da propriedade. O dano atinge o patrimônio jurídico de alguém. O dano também é coletivo, em decorrência do bem ambiental ser considerado difuso. O dano ambiental possui qualidades como: pulverização das vítimas; dificuldade da reparação, tendo em vista o papel indenizatório da responsabilidade civil ser sempre insuficiente, havendo necessidade de prevenir o dano; dificuldade de valoração, considerando que o esforço reparatório, nem sempre se consegue calcular a totalidade do dano ambiental.146 Não consideramos correta a teoria de considerar que um dano ambiental faz referência tanto ao que sofre o meio natural ou urbano de titularidade coletiva como ao que padece uma pessoa em sua saúde ou em sua propriedade, por que entendemos que estes últimos são meramente o que significa danos à pessoa ou à propriedade, sem prejuízo de que sua origem está no dano causado ao meio. Entendemos que é errado considerar danos ambientais os que produzam nos bens ou na saúde, física ou psíquica, de uma pessoa determinada ou de um conjunto delas, apesar de que se materializem em todas as pessoas ou bens através de uma alteração das características iniciais do meio ambiente.147 144 145 146 147 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000, p. 98. CUSTÓDIO, Helenita Barreira. Avaliação de custos ambientais em ações jurídicas ao meio ambiente, RT, São Paulo, n. 652, dez. 1989, p. 14. MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública em defesa do ambiente. Ação civil pública Lei nº. 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995, p. 206-209. CONDE ANTEQUERA, Jesús. El deber jurídico de restauración ambiental. Estudios de derecho administrativo. Granada: Colmares, 2004, v. 8, p. 23. No consideramos correcta la teoría de considerar que un daño ambiental hace referencia tanto al que sufre el medio natural o urbano de titularidad colectiva como al que padece una persona en su salud o en su propiedad, ya que entendemos que éstos últimos son meramente lo que se indica, es decir, daños a la persona o a la propiedad, sin prejuicio de que su origen esté en el daño causado al medio. Entendemos que es erróneo considerar daños ambientales a los que produzcan en los bienes o en la salud, física o psíquica, de una persona determinada o de un conjunto de ellas, a pesar 80 Na concepção de Conde Antequera dano ecológico é definido como “[...] todo dano ao meio natural para o qual não existe um direito a sua reparação [...] a partir da percepção do direito a exigir a reparação como um direito pessoal e direto”.148 O dano individual é “[...] o produzido por elementos ambientais (recursos naturais, sistemas naturais, paisagem etc.)”.149 O desenvolvimento econômico, alcançado pelos povos dos países do primeiro mundo, trouxe consigo conseqüências indesejáveis, forçando a reorganização das sociedades, para dar um equacionamento a uma nova ordem jurídica e social que contemplasse os efeitos maléficos de tais ‘benefícios’, os quais hoje são transferidos às sociedades não desenvolvidas ou em desenvolvimento a um elevado custo social que em geral não é mensurado economicamente, mas que se traduz em lucros para os degradadores.150 As formas de intervenção antrópica sobre o meio ambiente não se diferenciam muito das relações humanas onde a busca incessante da apropriação de benefícios não considera as conseqüências psíquicas, morais, sociais, econômicas e ambientais. A norma jurídica é instrumento capaz de mediar os interesses éticos, sociais, econômicos e políticos atinentes à matéria ambiental, visando a reduzir as desigualdades entre os iguais. Portanto, o direito ambiental é instrumento de intervenção da sociedade, através do Poder Público, nas questões econômicas e sociais. O principal problema dos valores econômicos associados aos danos ambientais reside na identificação quali-quantitativa da degradação da qualidade ambiental, uma vez que os profissionais de formação jurídica necessitam de conhecimento técnico especializado para análise da atividade geradora de impacto socioambiental. Assim, as perícias ambientais adquirem um papel fundamental na intermediação dos interesses difusos, coletivos e individuais representados pelo Poder Público, estabelecendo-se, com o saber do expert, um nexo entre as causas e os efeitos da poluição ambiental, e o impacto econômicos gerado sobre as coletividades e conseqüentemente sobre o Estado. Ratifica-se a importância da concreta monetarização dos danos praticados contra o meio ambiente o que possibilitará a busca de indenizações pelas vítimas. As idéias gerais 148 149 150 de que se materialicen en tales personas o bienes a través de una alteración de las características iniciales del medio ambiente. CONDE ANTEQUERA, Jesús. El deber jurídico de restauración ambiental. Estudios de derecho administrativo. Granada: Colmares, 2004, v. 8, p. 23-24. […] todo daño al medio natural para el que no existe un derecho a su reparación […] a partir de la percepción del derecho a exigir la reparación como un derecho personal y directo. Id., Ibid., p. 24. […] el producido a elementos ambientales (recursos naturales, sistemas naturales, pasaje, etc.). CARDOSO, Artur Renato Abeche. A degradação ambiental e seus valores econômicos associados – uma proposta modificada, Revista de direito ambiental, RT, São Paulo, ano 6, n. 24, out./ dez. 2001, p. 171. 81 sobre dano decorrente da responsabilidade civil tradicional não são suficientes para enfrentar os danos causados ao meio ambiente, porque os interesses jurídicos tutelados são difusos. Na verdade, a reparação busca colocar o bem ambiental ofendido no seu estado anterior, o que nem sempre é fácil ou mesmo possível. Ou, em certos casos, depende da passagem de muitos anos, pois o bem ofendido necessita de tempo para recuperar-se. O exemplo mais exacerbado disso é o depósito de lixo nuclear. A poluição do mar é outro problema complexo. O volume das águas marinhas é enorme, o que pode levar a crer que o material despejado nos oceanos se dissolverá naturalmente. Não é bem assim. Os oceanos vêm recebendo detritos de variadas espécies: produtos químicos oriundos de rios que neles despejam suas águas, hidrocarbonetos, produtos de origem petrolífera. A cadeira alimentar sofre as conseqüências da poluição marítima e a pesca vai reduzindo suas proporções. Praias tornam-se impróprias para o banho, com sensíveis prejuízos para as comunidades litorâneas, principalmente para as que vivem do turismo.151 A reparação de danos objetiva que as coisas voltem ao status quo ante. Porém, em matéria ambiental nem sempre é possível este retorno ou podem ser necessários muitos anos.152 Há duas formas de reparação do dano ambiental: o retorno do meio ambiente ao estado anterior e a indenização, se aquele não for possível. Inexistem parâmetros objetivos para se definir quanto valem os prejuízos causados ao equilíbrio ecológico pelas ações humanas.153 Freitas analisa que os dispositivos do CC que indiretamente protegiam o meio ambiente só davam direito a indenização à pessoa diretamente ofendida e a imposição tinha caráter subjetivo.154 O dano coletivo é concebido em decorrência do caráter do interesse difuso do meio ambiente, o equilíbrio ambiental é direito de todos, sendo dever de toda a coletividade sua preservação. “Sobre a questão do meio ambiente como um bem público, a tutela ambiental não pode prescindir das normas de direito público”.155 Podemos compreender, então, como o meio ambiente não pode prescindir pelo direito público e da própria disciplina do direito público. 151 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 183. 152 No acidente do derramamento de óleo ocorrido na Baía de Guanabara em 18 de janeiro de 2000 bastaram quatro horas para inundar a Baía de Guanabara, sendo necessários vinte anos para a natureza se recompor. Muitos crustáceos morreram, milhares de biguás e caranguejos tiveram o corpo coberto de óleo, a maioria morreu por asfixia em poucos dias, outros se intoxicaram aos poucos e muitos deixaram de nascer devido à época da desova. 153 FREITAS, Vladimir Passos de, op. cit., p. 186-187. 154 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 175. 155 MADDALENA, Paolo. La responsabilità per danno publico ambientale. Veneto: CEDAM, 1985, p. 280281. Si capisce, allora, come la tutela ambientale non può prescindire dal diritto pubblico e dalla disciplina própria del diritto publico. 82 156 O dano ambiental está classificado em patrimonial decorrente de um ilícito 157 ambiental ou não patrimonial . Como é óbvio, o dano ambiental patrimonial decorrente do ilícito ambiental causa diminuição do patrimônio ou ofende interesse econômico. No dano ambiental não patrimonial, há ofensa a bens não patrimoniais, quando se prejudica a qualidade de vida, por exemplo. Nos países em que o direito positivo não consagra o requisito da ilicitude como um dos pressupostos da responsabilidade civil, aquele conceito de dano puramente patrimonial (ou dano patrimonial primário) tende a desaparecer como um corpo estranho, sendo por vezes pura e simplesmente desconhecido.158 O vocábulo patrimônio é utilizado em diferentes perspectivas. No âmbito do direito privado, o conceito se reduz às questões econômicas, incluindo os bens que podem ser apropriados e comercializados e comportam uma medição em dinheiro. Os estudos sobre os danos ambientais abordam, regra geral, casos concretos e a maneira de repará-los. É certo, entretanto, que o dano ambiental vai além da reparação por prejuízo patrimonial, sendo mais complexa não apenas a sua conceituação como a própria reparação.159 No patrimônio privado o centro é a titularidade e a apropriação dos bens pelos privados. A noção de patrimônio desvinculou-se da pessoa, para ser um instrumento de atuação econômica, “surgem assim os patrimônio separados, as sociedades unipessoais, os patrimônios de afetação. O problema mais importante não é o sujeito, sim a proteção dos terceiros”.160 No patrimônio público entram: bens de uso comum, uso especial e dominicais. Pode-se afirmar que o núcleo deste patrimônio também é a titularidade e a apropriação, e do fim ao cabo é o interesse público que deve prevalecer. Uma crítica: no direito público clássico o patrimônio é dividido em uma tríade que aponta para uma utilização que privilegia interesses do povo. O Estado e as suas razões, entretanto, colmatam a fluidez da expressão interesse público e em reiteradas normativas fizeram incidir e prevalecer interesses de grupos sociais localizados. Estes interesses não necessariamente estão em conflito com o interesse público, não 156 CUSTÓDIO, Helenita Barreira. Avaliação de custos ambientais em ações jurídicas ao meio ambiente, RT, São Paulo, n. 652, dez. 1989, p. 25. 157 FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 19. 158 SINDE MONTEIRO, Jorge Ferreira. Proteção dos interesses econômicos na responsabilidade por dano ambiental. A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Boletim da faculdade de Coimbra. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005, p. 134. 159 FREITAS, Vladimir Passos de, op. cit., p. 171. 160 LOREZENTTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: RT, 1998, p. 62. 83 obstante revela a idéia de totalidade que a expressão interesse público deixa à primeira vista transparecer, não corresponde aos fatos.161 O centro do patrimônio difuso não é a titularidade, a apropriação, o interesse do estado ou dos privados. O centro é a dignidade humana. Para preencher um conceito de tamanha abstração e abrangência, o Direito vai paulatinamente adjetivando o substantivo e criando microssistemas legais para dar conta da fluidez do conceito. Dano ambiental é aquele que se constitui em um atentado ao conjunto de elementos de um sistema e que por sua característica indireta e difusa não permite, enquanto tal, que se abra direito a sua reparação. Surge então o patrimônio nacional, ambiental, genético etc. Designações que não se enquadram exclusivamente no conceito do direito privado, nem no direito público. Com o avanço do utilitarismo, um ponto de contato entre estes “novos” conceitos e o conceito contido no direito privado. Designar o meio ambiente ou espaço genético como patrimônio parece induzir a um olhar econômico e isto por conta da carga que se encontra no conceito clássico de patrimônio. Uma tríplice metódica tem curso na análise sobre os novos conceitos de patrimônio (ambiental, genético, cultural, entre outros). Esta tríade está constituída pela economia, dignidade humana e equilíbrio ambiental. Esta articulação pode ocorrer tanto no plano interno quanto externo. A postura dos magistrados têm evoluído em relação às questões ambientais.162 Notase que “poucas ações, como a ação civil pública, demonstram tão claramente a modificação do perfil institucional do juiz na condução do processo moderno. Já não se cuida de solucionar conflitos interindividuais, senão de administrar situações de antagonismo”. 163 Exemplifica a discussão sobre o dano ambiental na jurisprudência, por ex., a questão do despejo de pilhas e baterias em aterros sanitários, em que o fabricante pretendia a concessão de liminar visando a dar efeito suspensivo a antecipação de tutela que condenou a empresa a proceder a destinação que entendesse mais adequada ao referido material, não podendo mais efetuar o descarte em aterros sanitários, sob pena de multa diária.164 161 SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 97. 162 Representam bons exemplos de decisões que ilustram esta afirmação: TRF, 5ª região. AC nº. 45.162/SE, 3ª T. Construtora Cunha Ltda. e outro contra o Ministério Público Federal, Rel. juiz Nereu Santos, j. 04/03/1997; TJ/MS, 2ª T., Recurso nº. 44.967-8. Rel. Des. Milton Malulei, j. 05/12/1995, RT, v. 729, p. 275-277. 163 NALINI, José Renato. Magistratura e meio ambiente, Lex-jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais Federais, São Paulo, v. 83, 1996, p. 14. 164 STJ, MC nº. 12544/RS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado. 84 Outro exemplo refere-se ao cabimento de indenização para a compensação dos prejuízos ocorridos com a limpeza de pasto em área de Mata Atlântica em processo avançado de regeneração.165 Também inclui-se a indenização por dano ambiental decorrente de parcelamento de solo urbano em loteamento irregular erigido em área de interesse especial para fins de proteção ambiental, prejuízos insuscetíveis de recomposição in natura.166 Tanto no plano da produção normativa quanto da interpretação hermenêutica, a harmonização deve alcançar uma metodologia que realize o balanço constitucional dos direitos fundamentais que tenham por estrutura a dignidade humana, a economia e o ambiente ecologicamente equilibrado. A omissão pode fundamentar a responsabilização do agente causador do dano, como nos casos em que a lei exige a realização de determinados atos. O ato comissivo por omissão acarreta o dever genérico de responsabilização civil. A omissão pode referir-se a deveres específicos, impostos por leis, decretos ou normas, como o dever genérico de diligência para evitar prejuízos ambientais. No campo da responsabilização da administração na área do ambiente, é freqüente a omissão, por falta de atuação ou em virtude de abstenção ou negligência administrativa e, com isso, surge a responsabilidade civil. Caracterizam atos omissivos que podem configurar dano ambiental quando as autoridades responsáveis não controlam as emissões industriais, as autoridades conhecendo o prejuízo ambiental não adotam o procedimento de urgência para impedir provável evento ambiental danoso. A não suspensão de atividades urbanísticas edificatórias ilegais das quais resultam danos ambientais e casos em que a lei previu expressamente a obrigação de agir e o agente desrespeitou este dever. Quanto a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional Jucovsky analisa que configura responsabilidade estatal sempre que não houver provimento adequado que acarrete omissão de recursos materiais e/ou humanos, o intempestivo adimplemento dos deveres do juiz.167 Nestes casos a culpa não precisa ser identificada, basta que o serviço seja falho, deficiente ou inoperante para que o Poder Público responda pela negativa da prestação jurisdicional. 165 TJ/MG, AC nº. 1.0317.02.006463-8/001, 7ª CC, Des. Heloisa Combat. TJ/MG, AC nº. 1.0079.03.083292-1/003, 6ª CC, Rel. Des. Edilson Fernandes. 167 JUCOVSKY, Vera Lúcia Rocha Souza. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional: Brasil-Portugal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 70-71. 166 85 A imposição genérica constitucional do art. 225, caput, da CF não deve ser um imperativo moral de preservação ambiental, mas sim um dever de cidadania ambiental, solidária, impondo responsabilização do omitente. O art. 225, caput c.c. art. 5º, inc. LXXIII, ambos da CF afirmam que se impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. Ressalta os fundamentos para a proteção ambiental a partir da tutela individual, diferente da legislação espanhola que não contempla a possibilidade do particular tutelar individualmente o meio ambiente, o que daria ensejaria controvérsias sobre sua admissibilidade.168 O art. 14 da Lei nº. 6.938/81 disciplina as penalidade decorrentes do nãocumprimento das medidas necessárias à preservação e os danos causados pela degradação da qualidade ambiental. A responsabilidade civil ambiental objetiva implica que o causador de dano ao ambiente seja obrigado a repará-lo ou indenizá-lo. A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danifica o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de reparar. Incumbirá ao acusado provar que a degradação era necessária, natural ou impossível de evitar-se. Portanto, é contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente.169 Há várias teorias sobre a responsabilidade objetiva: do fato da coisa, do risco do serviço, do risco criado, do risco integral. Ferraz defende a teoria do risco integral ao entender que “pelo simples fato de ter havido omissão, já seja possível enredar agente administrativo e particulares, todos aqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo provocado para a coletividade”.170 É oportuno esclarecer que a força maior diz respeito ao fato de a natureza, superior às forças humanas, pelo estipulado no art. 1.058 do Código Civil, excluir a responsabilidade do agente. Por seu turno, o caso fortuito diz respeito a uma obra do acaso, como, por exemplo, a quebra de uma peça, ocasionando lesão. [...] Entendese, quando se adota a teoria do risco, como é o caso da responsabilidade por dano ambiental no direito brasileiro, trazem alterações as regras de exclusão previstas no Código Civil. Lembre-se de que, nas regras do risco, o causador do dano é responsável em virtude de sua atividade potencialmente poluidora, sujeitando-se ao seu ônus, independente do exame da subjetividade do agente.171 168 LUQUIN BERGARECHE, Raquel. Mecanismos jurídicos civiles de tutela ambiental. Navarra: ThomsonAranzadi, 2005, p. 164. 169 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 314-315. 170 FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico, Revista de direito público, São Paulo, v. 4950, 1979, p. 38. 171 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000, p. 208. 86 O agente poluidor deve ser responsabilizado integralmente dos riscos oriundos de sua atividade. Evidenciado o liame entre a causa e efeito do dano ambiental, o agente responde por sua obrigação. A prova do nexo de causalidade em face do dano ambiental deverá ser atenuada ou invertida. A responsabilidade do agente só é exonerada em se tratando da teoria do risco, quando: a) o risco não foi criado; b) o dano não existiu; c) o dano não guarda relação de causalidade com aquele que criou o risco. Leite adota a teoria do risco integral, onde não se admite a incidência das excludentes da responsabilidade civil ambiental (caso fortuito, força maior e fato de terceiro). Mukai adota a teoria do risco criado, onde é admitida a incidência destas excludentes.172 Mukai defende a teoria do risco administrativo ao afirmar que “a responsabilidade objetiva pelos danos ambientais é a da modalidade do risco criado (admitindo as excludentes da culpa da vítima, da força maior e do caso fortuito) e não a do risco integral (que inadmite excludentes)”.173 Assim, não há que falar em responsabilidade de um eventual poluidor, se houve ação de terceiros na causa do dano ambiental, vítima ou não, e, evidentemente, nesse rol, ainda está o caso fortuito (evento causado pela ação humana de terceiros) e a força maior (evento causado pela natureza).174 A doutrina que defende a teoria do risco integral, não admite as excludentes da responsabilidade (licitude da atividade, caso fortuito e força maior).175 Em não havendo ilicitude, não se cogitaria na responsabilização de alguém; bem como, se ocorrer o caso fortuito ou a força maior. Baracho Junior entende ser fundamental admitir as excludentes de responsabilidade.176 Desta forma, a teoria do risco criado ao admitir tais excludentes é mais coerente que a teoria do risco integral. 172 MUKAI, Toshio. A responsabilidade civil e penal no campo do direito ambiental. In: SILVA, Bruno Campos. (Org.). Direito ambiental: enfoques variados. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004, p. 279. 173 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 61. No mesmo sentido admitindo excludentes: BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades nucleares. São Paulo: RT, 1985, p. 211. 174 MUKAI, Toshio. A responsabilidade civil e penal no campo do direito ambiental. In: SILVA, Bruno Campos. (Org.). Direito ambiental: enfoques variados. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004, p. 279. 175 Admitem a teoria do risco integral na responsabilidade civil pelo dano ao meio ambiente: MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001; LIMA NETO, Francisco Vieira. Responsabilidade civil das empresas de engenharia genética. São Paulo: Editora de Direito, 1997; ATHIAS, Jorge Alex Nunes. Responsabilidade civil e meio ambiente: breve panorama do direito brasileiro. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 237-249. 176 BARACHO JUNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 322. 87 4 TÉCNICAS PROCESSUAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE O art. 5º, inc. XXXV, da CF se refere ao papel do Estado de dirimir as controvérsias pela aplicação da lei. Trata-se do princípio da proteção judiciária ou inevitabilidade do controle judicial. Na concepção de Silva é uma garantia constitucional consubstanciada no direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente ameaçado um direito, individual ou não, pois a CF já não mais o qualifica de individual.177 Grinover entende que o princípio constitucional da inevitabilidade do controle jurisdicional “não somente possibilita o acesso aos órgãos judiciários, como também assegura a garantia efetiva contra qualquer forma de denegação da justiça”.178 A tutela preventiva é intrínseca ao Estado democrático de direito. A prevenção do ilícito é indispensável para um ordenamento jurídico-constitucional que se funda na dignidade da pessoa humana e que busca, na prática, garantir este fundamento. 4.1 Tutela Inibitória: a Prevenção do Ilícito A prevenção da prática de atividades contrárias ao equilíbrio do meio ambiente pode ser buscada processualmente pela tutela inibitória consagrada no art. 461 do CPC, art. 84 do CDC e art. 11 da LACP. Em princípio o art. 11 da LACP ampara somente a tutela inibitória que visa a fazer cessar a prática do ilícito. É necessária uma interpretação mais ampla deste princípio, pois deseja alcançar os atos nocivos suscetíveis de repetição, por ex., a venda de produto nocivo à saúde. O fundamento da tutela jurisdicional no âmbito coletivo está no art. 83 do CDC. O art. 90 do CDC permite a aplicação conjunta da LACP e do CPC. O art. 21 da LACP autoriza a aplicação do CDC. A tutela inibitória prevista no art. 84 do CDC deve ser aplicada a qualquer interesse difuso, previne o ilícito, atua sobre a vontade do réu, convencendo-o a praticar ou não um ato para que o ilícito não se verifique, não se repita ou não prossiga. Marinoni diferencia a tutela inibitória da tutela de remoção do ilícito. 177 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 260-261. 178 GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 766. 88 Há hipóteses, porém, em que se verifica que não foi observado um fazer, ou um não fazer, e que é possível remover-se a situação de ilicitude mediante um ato do próprio juízo – com a ajuda dos auxiliares judiciários – ou determinando-se a terceiro um fazer. Se determinada obra foi construída em local proibido, a tutela que decreta sua destruição é de remoção do ilícito; o mesmo ocorre no caso da determinação do fechamento, mediante o auxílio, se necessário for, de força policial, da indústria que foi construída em local proibido pela legislação ambiental. [...] Se alguém tem o dever de instalar um determinado equipamento que objetiva prevenir danos ambientais, e a ação é voltada à instalação desse equipamento através de ato de terceiro, a ação tem por escopo remover o ilícito, e não apenas convencer aquele que está cometendo o ilícito, a fazer. Em todos esses casos, a tutela não é inibitória (mandamental), mas de remoção do ilícito (executiva). A tutela de remoção do ilícito diferencia-se da inibitória, no caso de ilícito continuado, não remove ou elimina o ilícito, mas apenas visa a convencer o réu a cessar de praticá-lo. Importa notar, entretanto, que a tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória, não é uma tutela contra o dano.179 Ao se determinar o fechamento de uma indústria que foi construída em local proibido pela legislação ambiental, não se está tutelando contra o dano ambiental que eventualmente foi produzido pela empresa; a tutela está removendo a causa do dano. Quando a sentença determina a instalação de equipamento em um posto de gasolina, para evitar que sejam provocados danos ambientais, não há tutela contra o dano, mas também atua convencendo o réu a instalar os equipamentos e deixar de praticar o ilícito. A conseqüência lógica da distinção entre dano e ilícito conduz à formulação do critério segundo o qual todas as vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte do dano não há tutela ressarcitória.180 A tutela reintegratória visa a eliminar o ilícito, não tendo nenhuma relação com o dano. Neste tipo de tutela, à semelhança da tutela inibitória, não tem entre seus pressupostos a culpa ou o dolo. O Direito Ambiental reclama uma tutela preventiva a fim de que a prestação jurisdicional incida em momento anterior à violação do direito. O ato ilícito consiste no ato contrário ao direito que, eventualmente, pode produzir um dano (prejuízo material ao titular do direito). Há danos decorrentes de atos lícitos, mas nem todo ato ilícito produz dano. O processo deve tutelar os casos de ilícito e as hipóteses de dano. A tutela inibitória destinada ao ilícito visa a evitar sua prática, repetição ou continuação. Impede ato contrário ao direito, dispensando a evocação do dano. Relaciona-se ao desejo da norma de evitar a lesão ao bem jurídico. Por esse motivo na ação inibitória basta apontar para a norma que impede o ilícito, sendo desnecessário mencionar o dano. 179 180 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 117. MÒCCIOLA, Michele. Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza, Rivista critica del diritto privato, 1984, p. 380-381. 89 Atingimos aqui o nó central do problema. Se não é viável, ou não é satisfatória, a modalidade tradicional de tutela consistente na aplicação de sanções, quer sob a forma primária de restituição ao estado anterior, que sob as formas pecuniárias da reparação ou do ressarcimento, o de que precisam os interessados é de remédios judiciais a que possam recorrer antes de consumada a lesão, com o fito de impedi-la, ou quando menos a atalha-la incontinenti, caso já se esteja iniciado. Em vez da tutela sancionatória, a que alguns preferem chamar repressiva, e que pressupõe violação ocorrida, uma tutela preventiva, legitimada ante a ameaça de violação, ou mais precisamente à vista de sinais inequívocos da iminência desta.181 O processo deve satisfazer o direito material, o que, em relação às obrigações de fazer e não fazer, bem como à prevenção do ilícito, é garantido pelos mecanismos processuais de tutela. A lei autoriza que o juiz, visando ao resultado prático equivalente ou a tutela específica, determine, de ofício, outras medidas e/ou multa, ainda que não haja dedução desse pedido no processo. Os mecanismos devem ser utilizados para se evitar o ressarcimento do dano, buscando a prevenção do ilícito. A tutela inibitória, concedida diversamente do pedido, não impede a defesa e não afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Na poluição do meio ambiente não se pode cogitar em um contraditório para impedir a poluição ou para remover o ilícito, pois o fator tempo seria contrário ao meio ambiente. Desta forma, o provimento jurisdicional deve ser diverso do pedido, inclusive em sede de tutela antecipatória. Admitir-se o desenrolar de um contraditório que evidencia a existência de uma situação ilícita, retirando-se do juiz o poder de conferir a tutela jurisdicional adequada para a respectiva cessação, é desconsiderar não só o espírito das normas em questão, como também o fato de que elas objetivam evitar, inclusive em nome da garantia de importantes direitos protegidos constitucionalmente, a degradação da tutela efetiva do direito em ressarcimento em pecúnia. Se o juiz pode declarar o lícito, e a tutela requerida não é suficiente para impedir o seu prosseguimento, negarlhe a possibilidade de conceder a tutela adequada é subtrair da jurisdição a possibilidade de impedir a transformação do direito em pecúnia, o que é flagrantemente contrário a tudo o que está em torno das normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC.182 Em matéria de tutela antecipatória necessita-se da repetição de um ato e da probabilidade do mesmo ser ilícito. A tutela jurisdicional antecipada, prevista no art. 273 do CPC pode ser utilizada na tutela inibitória. Em termos de efetividade busca-se compelir o réu 181 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual. 2. ed. segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 24. 182 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 129130. 90 183 a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Mescla os processos de conhecimento e execução em apenas um, sendo desnecessário pedido do autor para a concessão das medidas subrogatórias pelo juiz. A tutela inibitória tem como pressuposto a iminência da prática de um ilícito; independente de dano ou culpa. Cabe ao juiz zelar pela integridade do ordenamento no sentido de impedir sua violação. O fato da violação à norma não causar um dano imediato a alguém não permite a prática do ilícito. Cabe ao juiz proteger a integridade da norma. A tutela normativa pode evitar a concretização de danos e resgatar o status de legitimidade do ordenamento. O fundamento constitucional da tutela inibitória ambiental é a garantia da inviolabilidade ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O constituinte atribuiu os direitos de fruição e proteção. A idéia da inviolabilidade ambiental fundamenta a tutela inibitória ambiental. Os fundamentos da tutela jurisdicional inibitória estão no art. 5.º, inc. XXXV, da CF; art. 461-A do CPC e art. 84 do CDC. 4.2 A Tutela de Remoção do Ilícito Em vez de se prevenir um ato ilícito é possível sua remoção. A tutela não é inibitória (mandamental), mas executiva. Por ex., quando alguém deve instalar um equipamento para prevenir o dano ambiental e não o faz, voltando-se o fazer a um terceiro. Eis a tutela de remoção do ilícito que elimina o ilícito de maneira concreta. “A tutela de remoção do ilícito diferencia-se da inibitória por remover ou eliminar o ilícito; a tutela inibitória, no caso do ilícito continuado, não remove ou elimina o ilícito, mas apenas visa a convencer o réu a cessar de praticá-lo”.184 A tutela de remoção do ilícito não depende do dano para se concretizar, mas, sim, do ilícito. Trata-se de uma tutela auto-executiva, não executiva lato sensu. Nos casos da tutela de remoção do ilícito, pode-se utilizar quaisquer meios idôneos para a obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento. São dois os pressupostos da tutela de remoção do ilícito: um positivo e outro negativo. O positivo consiste na demonstração de um ilícito praticado; o negativo, na não superveniência do dano. Aos dois pressupostos agrega-se a prescindibilidade da demonstração 183 NERY JUNIOR, Nelson. Aspectos do processo civil no código de defesa do consumidor. Direito do consumidor, São Paulo, n. 1, 1992, p. 206-207. 184 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 117. 91 da culpa. Busca-se proteger a norma de forma repressiva. Verifica-se apenas a ocorrência ou não de violação à norma. Praticado o ato ilícito e ainda não ocorrido o dano, aquele deve ser removido quando de eficácia continuada. Não cabe ao juiz investigar a ausência de culpa, porque irrelevante. Enquanto a inibitória pressupõe a iminência da prática de um ilícito, a tutela de remoção do ilícito exige a ocorrência do ilícito. Todavia, esta tutela só tem sentido quando ainda é possível, com a remoção do ilícito, evitar o dano. Por isso que o dano é pressuposto negativo. Nos ilícitos que produzem efeitos permanentes podem caracterizar duas situações distintas, conforme a natureza dos efeitos. Existem casos em que a prática de um ilícito gera constante violação à norma. Por ex., a exposição de lixo tóxico ou plantação de transgênicos diante de proibição legal. Outra é a situação em que da prática de um ilícito decorre um efeito lesivo permanente ao meio ambiente. Neste caso o dano é contínuo, como no vazamento de óleo no mar. A prática do ilícito ocorre em razão de um único ato, mas o dano resultante deste ato tem efeitos permanentes. Se o dano já se consumou, é caso de tutela ressarcitória objetivando apagar o estrago provocado. 4.3 Ação Popular A AP pode ser ajuizada por qualquer cidadão, visa a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O autor, salvo comprovada má-fé, é isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. Justifica o título Constituição Cidadã, pois é uma forma direta de participação do eleitor na vida política e instituto de democracia direta. O art. 5º, inc. LXXIII, da CF assegura ao cidadão o direito subjetivo público de promover AP contra ato ilegal ou imoral que atente contra o meio ambiente. Tal previsão constitucional acrescentou às hipóteses delineadas na LAP a tutela do meio ambiente quando envolver ato ou omissão da Administração Pública. Para Meirelles AP é: Um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, no gozo de seus direitos cívicos e políticos. Por ela não se amparam direitos próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e 92 imediato da ação não seria o autor popular, e sim o povo - titular do direito subjetivo ao governo honesto.185 Na concepção de Silva a AP constitucional brasileira é definida como um instituto processual civil, outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou remédio constitucional), “para a defesa do interesse da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural”.186 De nossa parte entendemos que a ação popular não se presta para a plenitude da defesa ambiental, em termos de abrangência de todas as hipóteses de danos potenciais ou não ao meio ambiente. Ela somente será viável naquelas hipóteses de agressões ao meio ambiente por atividades dependentes de autorizações, para o seu exercício, do Poder Público, posto que, mesmo diante do texto mencionado da Constituição de 1988 [art. 5º, inc. LXXIII], continua a ser exigível como condição para a procedência da ação a ilegalidade do ato. Portanto, para que se possa utilizar a ação popular contra ato lesivo ao meio ambiente, há que ter presente que estão configurados, no caso de que se trate, os dois requisitos básicos, além da condição de cidadão do requerente: a ilegalidade e a lesividade.187 (grifo nosso). Os requisitos da ilegalidade e lesividade constituem pressupostos da demanda, quando alegados desequilibram o contraditório e a produção de prova, representam o mérito, eis que o pronunciamento do Judiciário fica limitado à ilegalidade do ato e sua lesividade ao patrimônio público. Sem ocorrência desses dois vícios no ato impugnado não procede a ação. Além das condições genéricas da ação, a AP possui os seguintes pressupostos: Requisito subjetivo: somente tem legitimidade para a propositura da ação popular o cidadão. Requisito objetivo refere-se à natureza do ato ou da omissão do Poder Público a ser impugnado, que deve ser obrigatoriamente lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade ou imoralidade.188 Cidadão é o brasileiro nato ou naturalizado, no gozo dos seus direitos políticos. Basta a condição de eleitor, uma vez que a prova da cidadania faz-se com a apresentação do título de eleitor quando da propositura da ação. No que tange aos pressupostos de ilegalidade ou 185 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 105. 186 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 462. 187 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 109-110. Neste sentido foi o voto do Des. Hugo Bengtsson, do TJ/MG, proferido no Ag. nº. 21.853/3 decidido pela 3ª CC, publicado no DJ de 17/06/91 in Adcoas – jur. nº. 29, out. 91, p. 431. É de notar que não se podem confundir requisitos da ação com condições da ação. O primeiro requisito para o ajuizamento da ação popular – art. 1º da Lei nº. 4.717/65 – é o de que o autor seja cidadão brasileiro, no gozo de seus direitos políticos, traduzindose na sua qualidade de eleitor – legitimatio ad processum. 188 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 192. 93 imoralidade, existe uma grande polêmica quanto à exigência de ilegalidade como causa de pedir, ao lado da lesividade, quer quanto à possibilidade de simples imoralidade constituir-se em fundamento da ação.189 O fundamento constitucional da legitimação ativa para a AP é no sentido de que qualquer cidadão é parte legítima para ingressar com a ação. Legitimação restrita e condicionada, porque não se estende a todas as pessoas, somente aos cidadãos desde que comprovada essa condição através da juntada do título de eleitor. No pólo ativo da relação processual na ação popular figura qualquer cidadão brasileiro, nato ou naturalizado, portador de título eleitoral e em pleno gozo dos direitos políticos. É possível formar litisconsórcio facultativo no pólo ativo. No curso do processo, o autor pode ser substituído por outro cidadão ou pelo MP. O pólo passivo da AP poderá ser composto por ente público, isolado ou em litisconsórcio com o poluidor e, eventualmente, por pessoa física ou jurídica de Direito Privado prestadora, concessionária ou permissionária de serviço público e, hipoteticamente, particular que contribui para a poluição e não mantém vínculo com a Administração Pública. A legitimação passiva será sempre múltipla, porque formará um litisconsórcio necessário no pólo passivo da relação processual. Exige-se a presença de todos os litisconsortes. A peculiaridade está na possibilidade do réu deixar de contestar a ação e atuar ao lado do autor, quando tal posição atender ao interesse público. O objeto da AP é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público. Não se exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para o ajuizamento.190 A ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei ou ato normativo, ou pela inexistência de motivos quando a matéria de fato ou de direito que fundamenta o ato é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. O desvio de finalidade ocorre quando o agente pratica o ato visando ao fim diverso do previsto, explícita ou implicitamente. Silva termina seu estudo acerca do objeto da AP e causa de pedir na demanda popular concluindo que: a) objeto da demanda popular consiste na invocação da atividade jurisdicional, para o fim de obter uma sentença constitutiva negativa que invalide atos, públicos ou privados, lesivos ao patrimônio das entidades, pessoas ou instituições sujeitas ao controle jurisdicional sobre os atos administrativos, legislativos executórios e certas pessoas privadas, a fim de resguardar o interesse coletivo quanto à moralidade na 189 190 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 642. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 192. 94 gestão de negócios públicos; b) a razão da demanda consiste no direito que os administrados têm a uma gestão proba e legal do patrimônio público e na demonstração de que, em determinado caso concreto, ocorreram desrespeitos a esse direito e ao direito objetivo, com a produção de atos padecentes de vícios de legalidade e de moralidade administrativa.191 A ação popular anula o ato (comissivo ou omissivo) lesivo ao patrimônio público e condena os responsáveis a restituir o bem, quando for possível, ou indenizar a entidade pelas perdas e pelos danos (art. 14, § 4º, da LAP). Nos termos do art. 21 da LAP, a AP prescreve em cinco anos. A causa de pedir da AP funda-se na lesão ao patrimônio ambiental com a interferência da autoridade pública. Não cabe AP exclusivamente contra ato de particular. O ato lesivo pode ser comissivo (expressa autorização da Administração Pública para o loteamento de condomínio residencial em área de proteção ambiental) ou omissivo (negligencia na fiscalização ambiental). O pedido na ação ambiental sempre consistirá na reparação de um ato lesivo ilegal ou imoral ao meio ambiente. A reparação poderá ser de simples ato ilícito ou imoral, sem a produção de poluição, como ocorre na ação em que se pede a nulidade de edital de licitação ou do contrato que dele deriva, por infringir normas ambientais. Haverá reparação de lesão formal ao meio ambiente, sanada com obrigação de fazer ou não fazer (refazer o edital e proibir que normas que infrinjam a legislação) e, eventualmente, cumulado com multa. 4.4 Aspectos Polêmicos e uma Análise Crítica da Ação Civil Pública A LACP foi promulgada para disciplinar as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 1º, incisos I a III). Ao longo do tempo sua abrangência foi ampliada. O art. 110 do CDC acrescentou o inc. IV ao art. 1º, originalmente vetado de modo a permitir que a ACP fosse utilizada à proteção de qualquer outro interesse difuso ou coletivo, segundo a previsão constitucional. As sucessivas alterações sofridas pela LACP tornaram defeituosa a redação do art. 1º. O acréscimo do inc. IV, ao art. 110, do CDC representou uma norma de encerramento do rol estabelecido. Nela foram acrescentados os incisos V e VI, admitindo-se a ACP nos casos de infração da ordem econômica e da economia popular e danos à ordem urbanística. 191 SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional: doutrina e processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 146. 95 Vigliar pondera que “o legislador do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) poderia ter excluído todas as espécies enumeradas pelos incisos anteriores e determinar a inclusão da expressão a qualquer interesse supra-individual”,192 até porque foi esse diploma que criou os denominados interesses individuais homogêneos. A técnica legislativa empregada não foi das melhores. O Anteprojeto de CBPC,193 no capítulo referente à ACP, dispõe sobre a hipótese de cabimento desta (art. 19), fazendo referência ao art. 3º, que estabelece como objeto da tutela coletiva os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Também representam direitos passíveis de tutela por ACP os dos portadores de deficiência, das crianças e adolescentes, dos idosos, dos investidores no mercado imobiliário, os decorrentes de relações de consumo, todos previstos em legislação específica. A M.P. nº. 2.180-35/01 acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da LACP, limitando a tutela de certos interesses por ACP. Não poderá veicular pretensões envolvendo tributos, contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos institucionais. Viola o art. 5º, inc. XXXV, da CF, afastando tais interesses da apreciação pelo Poder Judiciário. Exclui o Estado do pólo passivo da ACP. Porém, não foi reconhecida a inconstitucionalidade dessa norma. A LACP e o CDC devem ser lidos em conjunto, em respeito ao art. 21 da LACP e art. 90 do CDC. Quando o art. 3º da LACP estabelece que a ACP poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ressalta-se a regra art. 83 do CDC, que admite todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos. Não se contemplam pedidos incompatíveis. Meirelles alerta que deve ser dada atenção especial ao deferimento ou indeferimento da inicial da ACP, apreciando preliminarmente a competência do juiz, a possibilidade jurídica do pedido, a impropriedade da ação e a legitimação das partes, até pelos prejuízos irreparáveis ou dificilmente reparáveis que podem advir da simples propositura da ação.194 A legitimidade para a ACP possui contornos diferenciados, não se fala em legitimação ordinária e extraordinária. Com relação aos interesses individuais homogêneos, a legitimidade para sua defesa é extraordinária, dado que tanto o titular do direito material quanto o legitimado extraordinariamente podem buscá-lo em juízo. 192 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil pública: Lei nº. 7.347/85 e legislação posterior; defesa coletiva do deficiente, da criança e do adolescente, do consumidor e do patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1997, p. 22-23. 193 ANTEPROJETO de código brasileiro de processos coletivos. Academia brasileira de direito processual civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/anteprojeto.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2007. 194 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 21. 96 O art. 5º da LACP, com redação dada pela Lei nº.11.448/07, estabelece como legitimados a propor ACP: MP; DP; União; Estados; DF; Municípios; autarquia; empresa pública; fundação; sociedade de economia mista; associação desde que preencha as condições de pré-constituição e pertinência temática, ou seja, constituída há pelo menos um ano nos termos da lei civil e incluir entre suas finalidades institucionais a proteção dos interesses tutelados pela ACP. O cidadão não pode se valer da tutela inibitória em AP, como poderia na ACP. Na defesa do meio ambiente por meio da AP não poderá agir de acordo com o fim precípuo do direito ambiental, que é a preventividade do dano.A AP apenas anula o ato, não previne o dano. Desta forma, a AP não pode conter tutela inibitória. No intuito de corrigir essa falha, consta do Anteprojeto de CBPC, a permissão a qualquer pessoa física para o ajuizamento de ACP. O art. 21, incisos I e II, do Anteprojeto de CBPC estabelece como legitimado à ACP qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos e individuais homogêneos, dentre outros. Alteração significativa que possibilita democratizar o acesso ao Judiciário. A atuação dos demais legitimados, incluídas as associações, ainda é inexpressiva apesar de disporem de precioso instrumento processual para tutela dos direitos coletivos em sentido amplo. A legitimação individual contribuirá para aprimorar a organização da sociedade civil brasileira. A atuação da Administração Pública (diretamente ou através de autarquias, agências etc) na tutela dos interesses coletivos não se apresenta como uma opção segura, pois possibilita a confusão entre interesses da coletividade e meros interesses das pessoas jurídicas de direito público (interesse público primário e secundário).195 É muito importante a legitimação individual para a ACP, com o fito de prevenir abusos. Pretende-se aumentar o número de legitimados à adequada tutela dos interesses difusos, de modo a alargar a participação da população na defesa dos interesses da sociedade, através do processo. O art. 129, inc. III, da CF estabelece como função institucional do MP promover o IC e a ACP para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A ausência de previsão constitucional da proteção dos 195 GUEDES, Demian. A legitimação individual para a ação civil pública, Revista de processo, RT, São Paulo, ano 31, n. 140, out. 2006, p. 292. 97 interesses individuais homogêneos pelo MP é justificada por essa categoria de interesses ter surgido com o advento do CDC, anterior à CF. O inc. IX, do art. 129, da CF assegura a possibilidade do MP exercer outras funções desde que compatíveis com sua finalidade. O art. 82, inc. I, da Lei nº. 8.078/90 estabelece legitimidade ao MP na defesa dos interesses individuais homogêneos, prevista na LC nº. 75/93. Em prol da sociedade e da melhor atuação da Defensoria Pública, a Lei nº. 11.448/07 contemplou legitimidade desta instituição para agir em sede de ACP. Mesmo com a possibilidade de indeferimento por ilegitimidade ativa as Defensorias dos Estados e da União já ingressavam com ações civis públicas. A ampliação do rol de legitimados ativos para a propositura de ACP democratiza o acesso ao Judiciário, assegurando a participação dos desafortunados nas lides coletivas. Nesta perspectiva, é de se destacar a polêmica levantada pela Lei nº. 11.448/07 quanto aos limites da atuação da DP no processo coletivo. O cerne do problema reside em saber a amplitude da legitimação outorgada à DP, restrita às ações coletivas na defesa dos necessitados ou além desta circunstância. A melhor exegese da Lei nº. 11.448/07 não pode ser restritiva, tendo em vista a própria essência da ACP, instrumento destinado a contribuir para a democracia participativa. Os necessitados passaram a ser adequadamente representados nas lides coletivas, garantindo-se a participação popular através do processo. A LACP tutela preventivamente o meio ambiente e não de forma a ressarcir danos causados. Em sede de ACP verifica-se a natureza mandamental do provimento jurisdicional, também com a possibilidade da cominação de multa. A ACP e as ações coletivas em geral possuem um sistema diferenciado de coisa julgada. A redação originária do art. 16 da LACP já previa a produção de efeitos erga omnes, mas o art. 103 do CDC apresentou um especial sistema disciplinador da coisa julgada, conforme se refira a interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos. Se a sentença versar sobre interesses difusos, a coisa julgada produzirá efeitos erga omnes, exceto pedido julgado improcedente por insuficiência de provas. Versando sobre interesses coletivos em sentido estrito, os efeitos da coisa julgada serão ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas. Nos interesses individuais homogêneos, a eficácia da coisa julgada será erga omnes quando o pedido for procedente, para beneficiar todas as vítimas e sucessores. 98 Adotou-se no sistema das demandas coletivas a eficácia erga omnes para as ações que tutelam interesses difusos e individuais homogêneos, sendo ultra partes os efeitos naquelas cuja proteção destina-se aos interesses coletivos. Esse sistema não merece críticas, uma vez que busca preservar os interesses dos titulares do direito de caráter indivisível tanto quanto impedir a propositura de lides temerárias. Nada obstante, a Lei nº. 9.494/97, resultado da conversão da Medida Provisória nº. 1.570-5/97, alterou a redação do art. 16 da LACP, estabelecendo que a sentença só fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão que proferiu a sentença, restringindo o alcance da tutela coletiva. Somente aqueles que tenham domicílio na competência territorial do órgão prolator da sentença à época em que foi proposta a demanda se submeterão aos seus efeitos. Absurda a restrição imposta pelo art. 2º-A da Lei nº. 9.494/97 que limita territorialmente os efeitos subjetivos da coisa julgada, estabelecendo que a coisa julgada erga omnes não atinge a todos. Há imprecisão técnica na redação do art. 16 da LACP, haja vista a confusão entre o conceito de competência e o de coisa julgada. Grinover critica tal dispositivo, pois aniquila a eficácia erga omnes irrestrita.196 Mazzilli entende a alteração Trata-se de acréscimo de todo equivocado, de redação infeliz e inócua. O legislador de 1997 confundiu, porém, limites da coisa julgada (cuja imutabilidade subjetiva, nas ações civis públicas, pode ser erga omnes) com competência (saber qual órgão do Poder Judiciário está investido de uma parcela da jurisdição estatal); e ainda confundiu a competência absoluta (de que se cuida no art. 2.º da LACP), com competência territorial (de que cuidou na alteração procedida no art. 16, apesar de que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e sim absoluta).197 Competência não se confunde com imutabilidade dos efeitos da decisão. O órgão competente para o julgamento a ACP profere decisão cujos efeitos, transitando em julgado, são imutáveis para todos, independentemente dos limites da competência territorial do órgão prolator, como pretende a Lei nº. 9.494/97. O Poder Judiciário prefere se valer do art. 103 do CDC ao invés do art. 16 da LACP. Isto porque a alteração proporcionada pela Lei nº. 9.494/97 na redação do art. 16 da LACP não foi acompanhada pela alteração no art. 103 do CDC. Tornou-se inócua no sentido de não existir limitação à eficácia erga omnes da decisão proferida em sede de ACP. 196 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, Revista de processo, RT, São Paulo, ano 24, n. 96, out./ dez. 1999, p. 28-36. 197 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 242. 99 Deve ser observado que o art. 16 da LACP trata da coisa julgada erga omnes, sendo aplicável apenas nas ações relativas à tutela dos interesses difusos. Os interesses individuais homogêneos fazem coisa julgada erga omnes, apesar da ressalva do art. 16 quanto ao pedido julgado improcedente por insuficiência de provas constituir hipótese relativa aos direitos difusos. A redação do art. 16 da LACP pode conduzir a situações absurdas, como um produto ser considerado nocivo à saúde em um Estado e não em outro. Ora, pensar que uma qualidade de um efeito só existe em determinada porção do território, seria o mesmo que dizer que uma fruta só é vermelha em certo lugar do país; ou a fruta é vermelha, ou não é, da mesma forma que só se pode pensar em uma sentença imutável perante a jurisdição nacional, e nunca em face de parcela desta jurisdição.198 A decisão do juiz em ACP atingirá pessoas além da competência territorial do órgão julgador, não tendo lugar a limitação da eficácia erga omnes. Referido dispositivo ainda não foi declarado inconstitucional pelo STF. Contudo, nada impede que se declare a inconstitucionalidade do dispositivo em comento através do controle difuso, afastando-se a incidência dessa norma, bem como preservando os efeitos da decisão. 4.5 Aspectos Relevantes do Termo de Ajustamento de Conduta O TAC surgiu no Direito brasileiro com o art. 211 do ECA, posteriormente previsto no art. 113 do CDC, constando que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. O preceito do CDC introduziu o § 6º, no art. 5º, da LACP, sendo aplicada aos direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, tendo em vista o art. 117 do CDC haver introduzido o art. 21 à LACP. O TAC enseja a conciliação de direitos que são em essência indisponíveis,199 a obtenção do resultado pretendido com a ACP, antes ou durante sua propositura, beneficia, por ex., mais ao meio ambiente e àqueles que são seus titulares, desde que a tutela seja preventiva e específica do que a demora da demanda. Essa medida propicia maior efetividade das relações jurídicas relativas aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, bem como às relações de consumo, evitando a 198 199 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: RT, 2003, p. 415. RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 120. 100 ação de conhecimento quando os interessados estiverem de acordo quanto à solução extrajudicial do conflito.200 Na defesa dos interesses difusos e coletivos, o art. 5º, § 6º, da LACP outorgou aos órgãos públicos legitimados a ajuizar ACP possibilidade de tomar do autor de comportamento lesivo a direitos transindividuais o TAC, inclusive o proprietário do bem lesado. A LACP demonstrou estar adiante do seu tempo ao admitir pelo TAC a possibilidade de se buscar uma saída negociada para a reparação dos danos a interesses difusos e coletivos. A solução amigável dos conflitos é a tendência do mundo globalizado, consoante o instituído pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e o estímulo da Lei nº. 9.605/98. O TAC é uma medida administrativa de composição, protege interesses difusos, coletivos ou até individuais homogêneos, cujos titulares estão dispersos na coletividade. É um título executivo extrajudicial em que se pactua, sob pena de multa por descumprimento de obrigações de fazer ou de não fazer. Para Milaré o TAC configura uma “tentativa na luta pelo desafogo do aparelho judiciário de uma pletora cada vez mais expressiva de ações”.201 O TAC não evita o ingresso em juízo. Não é unânime a natureza jurídica do TAC. Pode ser entendido como uma espécie de transação, com características próprias, diversas do negócio jurídico expresso pelos arts. 1.025 e 1.035 do CC, já que não tem como objeto direitos patrimoniais disponíveis, nem implica em reciprocidade de ônus e vantagens. O TAC é figura jurídica própria, diversa da transação, uma vez que nenhum dos legitimados do art. 5º da LACP é titular do direito material em discussão. O compromisso representa um acordo quanto à forma de atendimento do direito lesado. Além da natureza indisponível dos interesses difusos e coletivos, o princípio da legalidade impede que dirigente de órgão público formule TAC que não resguarde de forma total os bens metaindividuais. Para o STJ, em princípio, não se transige sobre direitos difusos, mas há de se admitir quando se referir sobre obrigação de fazer ou não fazer e apresentar-se como a melhor solução para a controvérsia.202 Mas objeta Akaoui ao compreender que o TAC possui natureza contratual, por se tratar de um acordo extrajudicial.203 200 GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 764. 201 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 489. 202 REsp nº. 299400/RJ, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 01/06/06. 203 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo: RT, 2003, p. 68-71. 101 Mazzilli refuta o caráter contratual e sustenta ser um ato administrativo negocial, ou seja, um negócio jurídico de Direito Público, que consubstancia uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a do particular, em adequar-se à exigência da lei.204 Trata-se de negócio jurídico cujo objetivo é proteger o direito transindividual, ainda que as partes tenham motivações diversas. Não pode gerar qualquer limitação de responsabilidade material ao causador do dano, isso poderia prejudicar os verdadeiros lesados. A única limitação é que, formado o título executivo extrajudicial, os co-legitimados ou os próprios lesados individuais perdem o interesse processual em propor ação de conhecimento para a formação de título que já possuem, por força do compromisso. Um órgão legitimado pode tomar compromisso com o causador do dano, e, a seguir, um outro co-legitimado público, considerando insatisfatório o acordo obtido, poderá tomar, do causador do dano, um compromisso ainda mais rigoroso. O que não poderá é o segundo legitimado dispensar ou diminuir a abrangência do primeiro compromisso; não sendo vedada a ampliação do objeto. Para Milaré205, Mazzilli206 e Vieira207 o TAC consagra hipótese de transação, pois se destina a prevenir o litígio (propositura da ACP) ou finalizá-lo (ação em andamento), e ainda a dotar o ente legitimado de título executivo extrajudicial ou judicial, respectivamente, tornando líquida e certa a obrigação. Apesar da norma se referir a ajuste extrajudicial (realizado no inquérito civil ou procedimento avulso, sem homologação judicial), nada obsta seja efetivado em juízo. A reparação do dano ou a adequação de sua conduta é indispensável pela natureza indisponível do direito violado. O que seria objeto do pedido na ACP deve constar no TAC. Admite-se convenção quanto às condições de cumprimento das obrigações. O fato deve estar satisfatoriamente esclarecido, possibilitando identificar as obrigações estipuladas. O tomador do compromisso deverá zelar para que todas as providências necessárias para a solução do problema apresentado sejam efetivamente previstas, ou adotar medidas judiciais complementares. Somente aspectos periféricos ao objeto poderão ser transacionados. O objeto do TAC é a prevenção ou a repressão de danos aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, total ou parcial, traduzida em obrigação de dar, fazer ou 204 MAZZILLI, Hugo Nigro. Compromisso de ajustamento de conduta: evolução e fragilidades: atuação do Ministério Público, Revista jurídica, Fonte do direito, São Paulo, ano 54, n. 342, abr. 2006, p. 68-71. 205 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 489-480. 206 MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 320. 207 VIEIRA, Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos interesses, difusos e coletivos e a posição do Ministério Público, Revista justitia, São Paulo, v. 161, 1993, p. 52. 102 não fazer, bem como a adequação a uma conduta exigida. Coincide com o objeto da ACP, exceto o art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92 que veda TAC em atos de improbidade administrativa. Pode versar sobre qualquer obrigação de fazer ou de abstenção atinente ao zelo de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Corresponde à solução extrajudicial do conflito, devendo compor o dano ambiental na sua totalidade, por tratar-se de direitos indisponíveis. Consoante o art. 5º da LACP e art. 82 do CDC, são legitimados para firmar o TAC: MP; União; Estados; Municípios; DF; órgãos públicos, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. O caput do art. 5º da LACP determina serem legitimados para propor ação principal e cautelar: MP, DP (inserida pela Lei nº. 11.448/07), União, Estados, DF, Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, associação que concomitantemente constituída nos termos da lei há pelo menos um ano e inclua entre as sua finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, consumidor, ordem econômica, livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A LACP fez uma clara e correta opção pela amplitude da legitimidade para defesa dos interesses difusos e coletivos, o contrário traria prejuízos à coletividade. O legislador visou alargar o rol de instituições que possam formalizar o TAC, mas restringiu apenas aos órgãos públicos co-legitimados à propositura da ACP. A finalidade primordial do TAC é buscar a solução extrajudicial de litígios envolvendo direitos difusos e coletivos, já que possibilita a cessação do comportamento lesivo aos interesses transindividuais sem a necessidade da propositura de ação. É um instrumento de pacificação social, por conter todas as obrigações necessárias à reparação do dano ou afastamento de risco de dano aos interesses difusos e coletivos e gera conseqüências processuais. 4.6 O Mandado de Segurança Coletivo Neste trabalho o MSC é interpretado como instrumento de acesso ao Judiciário, através da análise crítica de temas relevantes e polêmicos, sem a pretensão de colocar um ponto final nas discussões, sem as quais não é possível construir a ciência jurídica, em permanente atualização. 103 O MSC surge como mais um instrumento de acesso ao Judiciário, no bojo de uma construção doutrinária que preconiza a tutela coletiva dos direitos também coletivos, dentro da concepção de uma geração de direitos que se preocupa com o homem no seu sentido transindividual, no sentido de que a humanidade precisa ser protegida no seu todo. Trata-se do que Cappelletti e Garth denominaram “segunda onda de acesso à justiça”,208 caracterizada pela coletivização do processo.209 Assim como nas famosas class actions do direito norte americano, as ações coletivas, entre elas incluídas o MSC, demandam a presença de três requisitos: número de pessoas interessadas muito grande e possibilidade de agrupamento; todos os membros do grupo terem o mesmo interesse na questão litigiosa e as partes em juízo representam adequadamente o interesse dos ausentes. Remédio jurídico com contornos bem definidos, utilizado em situações específicas, não se resume a mero sucedâneo recursal. Através do MSC pode-se proteger interesse superindividual ou difuso. Caso o Poder Público não preserve o meio ambiente ou tome medidas que o destruam ou afetem, inequívoca a pertinência do MS singular ou coletivo. O MS individual ou coletivo é uma garantia constitucional e não um direito, por visar à preservação dos direitos. As ações constitucionais e infraconstitucionais (nelas incluído o MSC) constituem as garantias jurídicas dos direitos constitucionais e os principais institutos de efetivação das normas constitucionais quando não cumpridas espontaneamente. O art. 5º, inc. LXX, “a” e “b”, da CF determinam legitimidade ativa para manejar MSC de partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. A grande inovação introduzida diz respeito à legitimidade ativa para sua impetração, atribuída a entes coletivos, no interesse das coletividades e dos indivíduos que representam. Legitimação extraordinária que se permite a defesa de interesses de outrem em nome próprio. Para Bonavides a inovação trazida pela CF/88, quanto ao MSC disse respeito apenas ao alargamento da legitimação da propositura de um remédio constitucional – o mandado de segurança – conhecido desde a Carta de 1934.210 208 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Nothfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 49. 209 O segundo grande movimento no esforço de melhorar o acesso à justiça enfrentou a representação dos interesses difusos, denominados interesses coletivos diversos daqueles dos pobres. Verifica-se um grande movimento mundial em direção aos litígios de Direito Público em virtude de sua vinculação com assuntos importantes de política pública que envolvem grandes grupos de pessoas. 210 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 356-361. 104 No tocante à segurança plúrima, quando os sindicatos e associações defendem interesses individuais dos seus membros, agem na condição de representantes. A locução exposta na CF atinente à defesa dos interesses dos membros ou associados das entidades discriminadas no inc. LXX, do art. 5º, significa não uma tutela individual dessas pessoas, mas a defesa do interesse coletivo que elas representam. Este interesse coletivo não é uma soma quantitativa de interesses individuais, mas uma qualificação de interesse supraindividual. A propositura de ação pelos entes coletivos, quando atuando na qualidade de legitimado extraordinário, não inibe a disponibilidade dos substituídos em ajuizar suas próprias ações, individualmente. Os artigos 5º, inc. XVIII; 8º, caput e incisos I e XVII, da CF atribuíram plena autonomia aos partidos, entes sindicais e associações como titulares ativos na legitimidade extraordinária, compete a cada um eleger tais órgãos, sendo inconstitucional a intervenção do Poder Público. Estará legitimado o órgão que os estatutos partidários ou as assembléias associativas e sindicais estipularem. Embora o MP não conste no rol de legitimados do art. 5º, inc. LXX, da CF, pode-se afirmar que o mesmo possui legitimidade ativa para o ajuizamento do MSC, o que pode ser interpretado das disposições dos arts. 127, caput e 129, inc. IX, ambos da CF, eis que no MSC estão em jogo os interesse social e público, bem como a violação da ordem legal. O sujeito passivo no mandado será sempre a pessoa jurídica em cujo âmbito se praticou o ato arbitrário ou abusivo, pois é esta quem se sujeitará aos efeitos da concessão da segurança, uma vez que o coator é o instrumento através do qual se manifesta a vontade do órgão estatal, diretamente, ou por meio de delegação. O impetrado é a autoridade coatora, e não a pessoa jurídica ou o órgão a que pertence e ao qual seu ato é imputado em razão do ofício. Nada impede, entretanto, que a entidade interessada ingresse no mandado a qualquer tempo, como simples assistente do coator, recebendo a causa no estado em que se encontra, ou, dentro do prazo para as informações, entre como litisconsorte do impetrado, nos termo do art. 19 da Lei n. 1.533/51.[...] A autoridade coatora será sempre parte na causa, e, como tal, deverá prestar e subscrever pessoalmente as informações no prazo de dez dias, atender às requisições do juízo e cumprir o determinado com caráter mandamental na liminar ou na sentença.211 (grifos do autor). O particular beneficiário ou partícipe do ato impugnado deve ser cientificado da impetração não para prestar informações (que são privativas da autoridade coatora), mas para apresentar a defesa de seu direito como litisconsorte ou assistente. 211 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 52-53. 105 Conforme o art. 5º, incisos LXIX e LXX, da CF e art. 1º, da Lei nº. 1.533/51 o MS é o meio constitucional posto à disposição de pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade. As hipóteses de cabimento do MSC são bastante restritas, serve tanto para coibir ações ilegais da autoridade, como suas omissões, tanto suas ilegalidades como o abuso e desvio de poder. Trata-se de direito líquido e certo quanto aos fatos, embora possa haver controvérsia de direito. O interesse juridicamente protegido por MSC é o direito subjetivo. Porém, esta não é a melhor exegese do texto constitucional que se referiu a interesse e não direito. Mesmo os interesses não protegidos formalmente pela ordem jurídica, em matéria de ação coletiva, merecem a via mandamental. Quando tratou do MS individual, a CF falou em interesse. Critica-se MSC para salvaguardar direito difuso, pela impossibilidade de direito líquido e certo na seara dos direitos difusos. Porém, é possível o MSC, haja vista existir direito difuso líquido e certo, dependendo da extensão que se dê a este instituto de conceituação tão elástica. A coletividade possui direito líquido e certo ao desfazimento de um ato praticado por autoridade pública em flagrante agressão ao meio ambiente. É inviável MSC contra atos legislativos, mas possível contra leis de efeito concreto. O art. 12, parágrafo único, da LMS determina que a apelação é necessária e o duplo grau de jurisdição é obrigatório. A sentença procedente em MS, inclusive o coletivo, só transita em julgado após pronunciamento do órgão de segundo grau. Tratando-se de ação eminentemente coletiva, as regras processuais comuns sobre a extensão subjetiva da coisa julgada não se adequam ao instituto do MSC. Há que se buscar subsídio em regras afinadas com as peculiaridades das ações coletivas, como as expostas no CDC. Caso não seja apreciado o mérito, não há formação de coisa julgada, consoante emana o disposto no art. 16 da LMS. Segundo as regras do CDC, no caso de procedência, a sentença fará coisa julgada erga omnes, quando se tratar de tutela de direitos difusos e individuais homogêneos e limitadamente ao grupo, categoria ou classe substituídos os efeitos serão ultra partes, no caso da tutela de direito coletivo em sentido estrito. Havendo sentença de improcedência por insuficiência de provas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com a mesma causa de pedir e mesmo pedido, valendo-se de prova nova no caso da tutela de direitos difusos e coletivos. 106 Em se tratando de direitos individuais homogêneos, no caso de improcedência, sempre se poderá intentar nova ação, para salvaguardar o direito de ampla defesa e contraditório do titular do direito individualmente considerado. A litispendência segue a dicção do art. 104 do mesmo diploma legal suscitado. Os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes, nos casos de ações de tutela de direitos coletivos e individuais homogêneos, não beneficiarão os autores das ações individuais, tramitando concomitantemente com as ações coletivas, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. A coisa julgada pode resultar da sentença concessiva ou denegatória da segurança, desde que a decisão haja apreciado o mérito da pretensão do impetrante e afirmado a existência ou não do direito a ser amparado.212 Denegada a segurança os arts 16 e 17 da LMS permitem o uso da via ordinária para a reapreciação da questão.213 [...] Tal exegese conduz à negação da coisa julgada, pelo só fato de a decisão ser contrária à pretensão do impetrante. O que a lei ressalva é a composição dos danos pelas vias ordinárias, exatamente porque essa indenização não pode ser obtida em MS. Por outro lado, assinala o legislador que o interessado poderá renovar o pedido em outro mandado, enquanto o juiz não o denegar pelo mérito.214 Os efeitos da coisa julgada no MSC estão a merecer regramento específico pelo legislador. A coisa julgada afeta toda a coletividade representada ou substituída pelo impetrante se o pedido for julgado procedente (no caso do MS coletivo, se a ordem for concedida). Se a segurança for denegada por falta da prova pré-constituída do direito sustentado na inicial, a impetração individual não será afetada. O problema é mais grave em matéria de denegação da ordem por motivo de mérito, hipótese na qual, em princípio, deve haver também o efeito ultra partes. O writ coletivo, por analogia às regras do art. 104 CDC, induz litispendência com o writ individual, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes só beneficiam o impetrante individual se ele requerer a suspensão do seu processo dentro de trinta dias a contar da ciência da existência da demanda coletiva. 212 213 214 Neste sentido: BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 255; BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva: 1989, v. 1; STF, RT 459/252. FAGUNDES, Marcelo Seabra. FAGUNDES, Marcelo Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 337; VIDIGAL, Luiz Eulálio de Bueno. Do mandado de segurança. São Paulo: s.n., 1953, p. 151 ss. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 93. 107 Questão polêmica refere-se à aplicação do prazo decadencial de cento e vinte dias, previsto no art. 18 da LMS. A lei não estaria autorizada a estipular prazo decadencial contra direito fundamental, mormente se a lesão grave à ordem jurídica tivesse efeitos permanentes ao longo do tempo, para o futuro. Concedida a segurança através de liminar ou em caráter definitivo, a execução do mandado é imediata, abrindo-se oportunidade da medida através de recursos adequados. O art. 4º da Lei nº. 4.348/64 autoriza o efeito suspensivo.215 4.7 O Mandado de Injunção Coletivo O MI “constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição”.216 É uma medida oferecida à comunidade para a defesa do ambiente. Nos termos do art. 5º, inc. LXXI, da CF, conceder-se-á MI sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Na concepção de Milaré: Ressalte-se, desde logo, a excelência desse remédio para a tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito constitucionalmente assegurado a todos, quando dependa de uma norma regulamentadora, cuja falta está tornando inviável seu exercício. Tome-se o caso de indústria poluidora que se instala sem estudo prévio de impacto ambiental, tido como indispensável pela Constituição.217 A esse estudo deve ser dada ampla publicidade, nos termos de porvindoura regulamentação. Tal não ocorrendo, conceder-se-á injunção para que a atividade agressiva ao meio ambiente seja obstada.218 Tem predominado o entendimento de que no MI o juiz não “legisla”, apenas integra, no caso concreto, a lacuna legislativa, adotando uma medida capaz de proteger o direito do autor da demanda.219 215 Sobre a suspensão da liminar em MS: TJ/SP, AgRg no MS nº. 17.526-1, j. 18/10/1981; STF, Recl. nº. 1725/SP, RT 612/201. 216 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 446-447. 217 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 558. 218 Neste sentido: ACKEL FILHO, Diomar. Mandado de injunção, RT, São Paulo, v. 628, 1988. 219 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de injunção. RT, São Paulo, v. 637, p. 9, 1988; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Breves reflexões sobre o mandado de segurança no novo texto constitucional, RT, São Paulo, v. 635, 1988, p. 25. 108 Trata-se de uma ação constitucional que tem por objetivo possibilitar que o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, á soberania e à cidadania não seja inviabilizado pela ausência de norma regulamentadora, conforme dispõe o inc. LXXI do art. 5º da Constituição Federal. Constitui uma garantia fundamental e, portanto, ostenta a condição de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). É instrumento hábil para tutelar o meio ambiente, na medida em que o direito ambiental tem como objeto uma vida de qualidade. Significa tornar efetivos os preceitos dos arts. 5º e 6º da CF, objetos do mandado de injunção, porquanto ostentam a natureza de direitos constitucionais.220 “É a ação constitucional posta à disposição de qualquer pessoa física ou jurídica, apta à tutela de direito individual, coletivo e difuso, toda vez que houver falta de regulamentação de direito infraconstitucional, que obstacularize sua fruição”.221 “Uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal”.222 É o meio constitucional posto à disposição de quem se considerar prejudicado pela falta de norma regulamentadora, que torne inviável o exercício dos direito e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF, art. 5º, LXXI).223 No inciso LXXI, do art. 5º, da CF, está prescrito que será concedido MI sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. À luz do texto constitucional, o MI é a ação constitucional cível que objetiva tornar eficaz Direito constitucional subjetivo não usufruído em face da ausência de norma infraconstitucional regulamentadora desse direito. São exigidos dois pressupostos ao MI: a ausência de norma regulamentadora e a inviabilidade de exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas prescritas na norma. O MI presume uma omissão de norma regulando a matéria. A CF confere a utilização do MI sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania, à soberania e à nacionalidade. 220 221 222 223 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6.ed. São Paulo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 395. FIGUEIREDO, Marcelo. O mandado injunção e a inconstitucionalidade por omissão. São Paulo: RT, 1991, p. 36. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 412. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 201. 109 “O objeto do MI abrange o exercício de qualquer direito constitucional”,224 “individual ou coletivo, político ou social, ainda não regulamentado; além de contemplar em seu escopo as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, também quando não regulamentadas”.225 Inexistem restrições à legitimidade ativa em sede de MI. Pode ser impetrado por pessoa natural, jurídica, de direito público ou privado. Ainda não obsta que seja despersonalizada, como o espólio, a massa falida etc. Ademais, não é dado ao intérprete, nem ao legislador infraconstitucional, diminuir o âmbito da legitimidade ativa para a propositura da ação de injunção. O legitimado passivo será a autoridade ou órgão público competente para a feitura da norma infraconstitucional regulamentadora (art. 5º, inc. LXXI, da CF). 4.8 A Tutela dos Direitos dos Consumidores O art. 5º, inc. XXXII, da CF trouxe a garantia de que os direitos dos consumidores serão promovidos pelo Estado. Esta determinação constitucional fez com que em 11 de setembro de 1990 o Congresso Nacional editasse o CDC. Inovador, este diploma legal foi o primeiro documento que trouxe garantias específicas a serem efetivadas aos contribuintes, que desde há muito já vinham reclamando junto ao Poder Judiciário a tutela de seus direitos. Uma das principais garantias trazidas pelo CDC foi a criação da Política Nacional de Relações de Consumo, que compreende uma gama de atividades visando a atender necessidades dos consumidores, como o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, proteção de interesses econômicos, melhoria da qualidade de vida, bem como transparência e harmonia das relações de consumo – verbis do art. 4º, caput, do CDC. O CDC manteve a assistência jurídica gratuita para os consumidores carentes, o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção e/ou reparação de danos patrimoniais, a inversão do ônus da prova, dentre outros. A necessidade de uma simbiose entre o CDC e LACP se justifica tendo em vista que a defesa dos interesses difusos dos consumidores poderá ser encaminhada ao juízo pelas diversas pessoas arroladas no art. 5º da referida lei, figurando o MP, desde que atendidos os requisitos específicos para tanto. 224 NISHUJAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 184. 225 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 449. 110 5 A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL O sistema tradicional da coisa julgada foi substancialmente alterado pela LACP e pelo CDC, em razão da necessidade de tutelar-se de maneira distinta os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Os institutos ortodoxos do Direito Processual Civil não mais atendem à realidade atual, de sorte que se deve abandonar a tratativa processual fulcrada no individualismo do início do século. Estabeleceu-se o sistema da coisa julgada secundum eventum litis. Nas ações coletivas com pedido de natureza difusa ou coletiva, a coisa julgada será erga omnes, ou ultra partes (mas limitada ao grupo ou categoria). No caso de improcedência por insuficiência de provas, não haverá autoridade da coisa julgada, a exemplo do que ocorre na ação popular. O próprio autor ou qualquer outro co-legitimado poderá repropor a ação, valendo-se de nova prova. Nas ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada terá efeitos erga omnes, em benefício do consumidor (in utilibus), somente se houver procedência do pedido (secundum eventum litis). Se o pedido for julgado improcedente, seja por ser infundada a pretensão ou por insuficiência de provas, essa circunstância não inibe a ação individual do consumidor com o mesmo objeto. À luz dos institutos da litispendência e coisa julgada do CPC, não há identidade de ações, pois as partes da ação coletiva (co-legitimados do art. 5º da LACP) e da ação individual do lesado são diferentes e o pedido de uma é o continente no qual a outra é o conteúdo (individual). Os efeitos da coisa julgada erga omnes e ultra partes, relativos às ações coletivas para a defesa de direitos difusos e coletivos, não prejudicarão os direitos individuais dos lesados, integrantes do grupo, categoria ou classe, consoante o disposto no art. 103, § 1º do CDC. Tal sistema nada tem a ver com o regime da responsabilidade civil estatuído pelo art. 14, § 1º, da Lei nº. 6.938/81 (responsabilidade objetiva), pois haverá o dever de indenizar se provada a existência de dano e a relação de causalidade, não sendo automática a condenação do réu. As ações coletivas não induzem à litispendência. O lesado individual pode propor ação de indenização, mesmo na pendência de ação coletiva para a defesa dos seus direitos individuais (art. 104 do CDC). 111 A eficácia das decisões proferidas nas ações coletivas tem transcendência subjetiva, produzindo efeitos erga omnes ou ultra partes, somente terão efetividade se esses efeitos se irradiarem por todos os lugares em que se tenham que produzir. Deve-se analisar o fenômeno da ação coletiva considerando a natureza da eficácia da decisão, abandonando os critérios individualísticos do processo ortodoxo para interpretar esses fenômenos coletivos. O meio ambiente é um bem de uso comum do povo. Desta forma, a atividade exercida pelo indivíduo em protegê-lo processualmente não exclui a atuação dos organismos públicos (por ex., o MP) ou privado (por ex., as ONGs). Somam-se esforços, cabendo a cada ente a proteção do meio ambiente em dimensões distintas: o indivíduo no plano da tutela individual; os organismos públicos e privados no plano da tutela coletiva ou difusa. Caberá ao indivíduo atuar em nome próprio para a tutela de direito próprio (meio ambiente sadio e equilibrado), enquanto os organismos fiscalizadores atuarão em nome próprio para a tutela de direitos alheios (difusos ou coletivos). A viabilidade jurídica para admitir a atuação do indivíduo na proteção do meio ambiente decorre do seu enquadramento no conceito de vítima da poluição. O poluidor é considerado a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Somente o ser humano pode ser vítima da atividade poluente. Por isso, quando promove uma ação ambiental assim o faz porque se encontra inserido numa relação ambiental, da qual é vítima de poluição, eis a possibilidade jurídica em nome próprio de agir para tutelar direito próprio. Os organismos fiscalizadores como o MP, as entidades públicas e as ONGs, por serem personalidades jurídicas não podem ser vítimas de poluição ambiental. a atuação fiscalizadora desses órgãos decorre de disposição estatutária em fazer cessar atividade poluente que afeta uma coletividade ou uma sociedade. A possibilidade jurídica desses organismos promoverem uma ação ambiental surge na medida do interesse de agir em nome próprio para tutelar direito alheio (coletivo ou difuso), isto é, livrar uma coletividade ou uma sociedade de uma atividade poluente. O objetivo não é diferenciar a ação individual da coletiva ou difusa pela simples quantificação de vítimas, mas verificar a possibilidade de fragmentação da tutela do meio ambiente, a partir do exercício de um direito individual. Tanto que a tutela individual do meio ambiente não exclui a possibilidade de que haja a tutela coletiva ou difusa por organismos autorizados. 112 5.1 Efetivação de Sentença/Acórdão A instauração do procedimento de efetivação de sentença/acórdão que contempla uma obrigação de dar, fazer ou não fazer representa outra forma de exercício individual para a tutela do meio ambiente. Através deste procedimento será satisfeita a tutela específica ou o resultado prático equivalente (obrigações de fazer ou não fazer) ou de uma quantia determinada em dinheiro, a título de reparação econômica ou multa (obrigação de dar quantia determinada). O procedimento de efetivação constitui obrigação a ser satisfeita, não dará origem a um novo processo, mas apenas prosseguirá com a relação que originariamente se iniciara com atos cognitivos. A legitimidade ativa para a instauração do procedimento de efetivação será daquele que inaugurou a relação processual cognitiva. O tipo de projeção da legitimidade ativa originária é próprio das ações individuais que tutelam o meio ambiente. Outra forma de efetivar uma sentença/acórdão no âmbito da tutela jurisdicional individual ocorre com a legitimidade ativa concorrente em instaurar o procedimento de efetivação. Permite que uma pessoa, que não participou da relação processual originária, intervenha no processo a fim de iniciar o procedimento de efetivação, como forma de satisfazer uma específica tutela ambiental. Tratando-se de execução coletiva, a possibilidade de ser iniciada pelo indivíduo somente se dará se este estiver expressa e nominalmente contemplado na sentença/acórdão. Na impossibilidade jurídica do indivíduo tutelar direitos coletivos ou difusos, deverá afirmar que a efetivação da sentença/acórdão visa a eliminar a atividade poluente (reconhecida no julgado) de que sofre. O indivíduo deve caracterizar a situação de vítima da atividade poluente reconhecida na sentença/acórdão. O indivíduo deve estar inserido no grupo de indivíduos vítimas dos efeitos nocivos da poluição mencionados na sentença/acórdão. Desta forma, o indivíduo estaria apto ao título executivo judicial e exibindo sua legitimidade ativa, eis que se enquadraria na hipótese contemplada na sentença/acórdão na qualidade de vítima da poluição. A legitimidade do indivíduo deve ser analisada em relação à poluição produzida. Se possível seccionar a atividade poluente e apenas isolá-la em relação à situação do indivíduo exeqüente, o procedimento da efetivação da sentença/acórdão irá apenas atuar na satisfação do interesse individual. Para satisfazer o interesse individual é necessário satisfazer os interesses coletivos ou difusos, em virtude do caráter indivisível da obrigação e da atividade poluente, a legitimidade 113 do indivíduo se reafirma, eis que se torna o único meio capaz de fazer cessar contra si os efeitos da poluição. 5.2 Os Princípios de Direito Ambiental que Fundamentam a Relativização da Coisa Julgada Ambiental O princípio da dignidade da pessoa humana representa a base do caput do art. 225 da CF do qual decorrem todos os demais sub-princípios do Direito Ambiental. Os Princípios 1 e 2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972, reconhecem este princípio como fundamental para a teoria dos direitos humanos. “O princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe o respeito aos direitos individuais e coletivos, o princípio democrático pressupõe os direitos do cidadão como eleitor, inclusive com a possibilidade de participar dos partidos políticos [...]”.226 Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável, têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente. O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser fonte do desenvolvimento sustentável. Não há que se falar em meio ambiente ecologicamente equilibrado sem que se leve em consideração o homem, destinatário dos bens de consumo produzidos pelas indústrias, que, por sua vez, devem pautar-se na defesa do meio ambiente (art. 170, inc. IV da CF). O princípio da participação representa a atuação presente da coletividade na proteção e preservação do meio ambiente. Deve-se abrir maior espaço para as ações individuais, em decorrência da maior participação da sociedade civil na defesa do meio ambiente. A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação dos cidadãos interessados pelo acesso às informações ambientais, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. A participação popular é inerente ao regime democrático, em todas as instâncias de decisões, pode ocorrer na fase da elaboração de normas jurídicas e na aplicação das normas. O princípio da participação expressa a educação e a informação ambiental. Constitui um dos elementos do Estado Social de Direito, eis que todos os direitos sociais são estrutura essencial da qualidade de vida. 226 COELHO, Luiz Fernando. Direito constitucional e filosofia da Constituição. Curitiba: Juruá, 2006, p. 97. 114 O direito à vida deve ser ressalvado em termos de relativização da coisa julgada ambiental. “O direito à vida em todas as suas formas é garantido no plano constitucional de maneira ecologicamente equilibrada”.227 Entretanto, não basta que o a CF proteja a vida, é indispensável que o Poder Público coloque à disposição do cidadão os equipamentos necessários para que ele tenha também uma vida digna. Trata-se da sustentabilidade, desenvolvimento ecologicamente equilibrado, desenvolvimento sustentável. Tem-se a necessidade da preservação do meio ambiente e a necessidade de incentivar o desenvolvimento socioeconômico. Essa conciliação será possível com a utilização racional dos recursos naturais, sem causar poluição ao meio ambiente. Diante do confronto ou antagonismo entre direitos fundamentais, convém a utilização do princípio da proporcionalidade como princípio de interpretação, a fim de se alcançar uma solução conciliatória. Pelo princípio da unidade da CF nenhuma norma constitucional deve ser interpretada em contradição com outra norma da CF, deve haver uma concordância prática. A inter-relação entre a proteção ambiental e a salvaguarda do direito à saúde evidencia-se claramente na implementação do art. 11 (sobre o direito à proteção da saúde) da Carta Social Européia de 1961. O Comitê de Peritos Independentes operando sob a Carta, nos últimos anos tem estado atento na consideração dos relatórios nacionais, às providências tomadas a nível interno, consoante do art. 11 da Carta, para prevenir, limitar ou controlar a poluição.228 Busca-se algo mais, já que o parâmetro estabelecido do direito à vida é ela com saúde e qualidade. A sadia qualidade de vida deve ser o leme a ser observado na sustentabilidade do desenvolvimento, aplicando-se ao caso concreto sempre a decisão que minimize os efeitos danosos ao meio ambiente, buscando no princípio da proporcionalidade a segurança necessária para o atendimento do interesse da coletividade. Concebe-se um direito à vida digna, com saúde. Nesse sentido, pronuncia-se Ruiz Vieytez Há uma zona de confluência entre os dois direitos que poderíamos identificar com o conceito de saúde ambiental, e cujo comprimento pode ser alterado, dependendo dos objetivos que são atribuídos ao direito ao ambiente. [...]. Hoje em dia grande parte da legislação ambiental responde, em última análise, a este objetivo de proteger a saúde do homem.229 227 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. et al. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. (Coord.). Direito ambiental e cidadania. São Paulo: J.H. Mizuno, 2007, p. 45. 228 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 86. 229 RUIZ VIEYTEZ, Eduardo Javier. El derecho al ambiente como derecho de participación. Bilbao: Ararteko, 1992, p. 89-90. Existe una zona confluente entre ambos derechos que podríamos identificar con el 115 O equilíbrio ambiental é essência da vida, consagrando-se o direito fundamental à vida nos arts. 5º e 6º da CF. A vida é objeto do direito ambiental, acrescenta-se à expressão vida o substantivo qualidade. Sobre a necessidade de que haja um ambiente equilibrado para a qualidade de vida da coletividade Prieur entende que A fórmula tornou-se um complemento necessário para o ambiente. Ela quer expressar a vontade de uma pesquisa de qualidade depois do engano dos quantitativos (nível de vida) e que fique claro que o ambiente afeta não só a natureza, mas o homem colocado em relações sociais, no trabalho, na recreação.230 A característica da qualidade de vida é condição sine qua non para o desenvolvimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que deve ser tutelado de forma a se conseguir a consecução desse objetivo, atribuindo-se a obrigação pela conservação, manutenção e restabelecimento do equilíbrio a toda a coletividade, inclusive ao Poder Público. 5.3 Coisa Julgada Coletiva e o Acesso à Justiça A partir da metade deste século, em decorrência do surgimento dos fenômenos de massa, que formou uma sociedade de massa, os bens de natureza difusa passaram a ser objeto de uma maior preocupação do legislador e do aplicador do direito. Emergiram os bens de natureza difusa, de modo inversamente proporcional à quebra da dicotomia público/privado, na medida em que entre o público e o privado criou-se um abismo preenchido pelos direitos metaindividuais. Em face da existência de três diferentes categorias de bens no ordenamento jurídico brasileiro (público, privado e difuso), já não é mais possível usar do aparato de processo individual-liberal para tutelar os bens difusos, principalmente pelo fato de que já existe no ordenamento processual civil uma regra determinante que obriga a utilização de um sistema processual coletivo, quando se tratar de um direito coletivo lato sensu. 230 concepto de sanidad ambiental, y cuya extensión puede verse alterada en función de los objetivos que se asignen al derecho al ambiente. [...]. Hoy dia grand parte de la normativa ambiental responde, en último término, a este objetivo de proteger la salud del hombre. PRIEUR, Michel. Droit de l’ environnement. 2. ed. Paris: Dalloz, 1991, p. 4. La formule est devenue une sorte de complément nécessaire à l’ environnement. Elle veut exprimer la volunté d’ une recherche du qualitatif après les deceptions du quantitatif (niveau de vie) et bien marquer que l’ environnement concerne non seulement la nature mais ausse l’ homme dans sés rapports sociaux, de travail, de loisirs. 116 Os instrumentos de tutela ambiental visam à preservação e proteção dos bens ambientais. Assim, por exemplo, o EIA/RIMA, licenças e autorizações ambientais, auditorias ambientais, manejo ecológico, zoneamento, tombamento, ACP, ação penal pública, AP, MSC e MIC formam os instrumentos de tutela ambiental. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional vem esculpido no art. 5º, inc. XXXV, da CF. Consagra o direito de ação e defesa, um direito público e subjetivo de exigir do Estado a prestação de tutela jurisdicional. Representa um direito do cidadão e um dever do Estado desde que tomou para si a função da substitutividade, a indeclinabilidade da jurisdição tornou-se um de seus indispensáveis princípios. O princípio do livre acesso à Justiça não deve ficar no plano utópico, para que seja alcançado o Estado deve fornecer os instrumentos possíveis e capazes de efetivar o pleno e irrestrito acesso ao Judiciário. A LACP e o CDC representam instrumentos de tutela processual dos direitos metaindividuais criados a fim de possibilitar a defesa dos interesses coletivamente considerados. Ao mesmo tempo em que a CF garante no inc. XXXV, do art. 5º o amplo acesso à Justiça, todavia, no inc. XXVI do mesmo artigo limita esse amplo acesso. Nenhuma lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, mas o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada tornam imutáveis situações previstas em lei, decisões judiciais, que, talvez até não cobertas com o manto da legalidade quando de sua efetivação. Existe uma situação antagônica, pois existem momentos em que o direito já foi definido em lei ou decidido judicialmente, uma vez acobertado por qualquer das garantias supra aportadas, torna-se imutável, inatingível de ser alterado devido àquelas “garantias” que torna aquele direito, aquela situação intocável, juridicamente inalterável. Como se falar em amplo acesso à Justiça se não se pode recorrer em face de uma situação flagrantemente ilegal? Presentes tais garantias não se pode, na maioria das vezes, tomar qualquer medida jurídica para tentar alterar essa realidade, imutável juridicamente. É verdade que existem expedientes jurídicos destinados a proporcionar a oportunidade de se rediscutir a existência realmente da coisa julgada, tais como a ação anulatória e a ação rescisória. O acesso à Justiça deve ser amplo e irrestrito, feito de tal forma que toda e qualquer lesão a direitos deve ser apreciada pelo Judiciário, uma vez acionado. Decidida a demanda é necessário o trânsito em julgado. Todavia, se a decisão é incoerente ou mesmo ilegal, deve-se 117 proporcionar ao vencido a oportunidade de ver revista aquela decisão. Este é o pleno acesso à Justiça. A coisa julgada é um dos temas que está a exigir a sua relativização, principalmente no sentido de respeitar aos princípios da moralidade, legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. A sentença coberta pelo manto da coisa julgada jamais pode servir de veículo para transporte de incerteza e incoerência do sistema jurídico. Sentenças que ofendem valores humanos, de dignidade são inadmissíveis, porque se chocam com princípios elevados. No âmbito da relativização da coisa julgada ambiental deve prevalecer o livre acesso à Justiça, culminando com o dogma da coisa julgada, bem como com o excesso de zelo ao princípio da segurança jurídica. 5.4 O Princípio da Igualdade na Jurisdição Civil Coletiva Em um sentido original o princípio da igualdade era formal, sem a preocupação com as peculiaridades do direito processual. As profundas transformações sociais e a crescente verificação de que tal forma de exercício do princípio (autonomia da vontade) mostrava-se como forma selvagem de dominação, numa sociedade de fortes e fracos, o Estado precisou intervir para reequilibrar a balança da igualdade. O mito da neutralidade deita suas raízes no dogma da igualdade perante a lei da época da Revolução Francesa. No desenvolvimento do conceito de igualdade, se nos fixarmos na época do surgimento das primeiras constituições liberais, temos que o legislador não podia estabelecer distinções, a menos que suportada por razões de ordem biológica. Tratava-se do direito à igualdade formal que tantas discriminações e injustiças concretas produziu. Na ótica dos Estados liberais burgueses do século XVIII e XIX, o direito à jurisdição significava apenas o direito formal de propor ou contestar uma ação. Estaria em juízo quem pudesse suportar o ônus da demanda. A pobreza, ou seja, a desigualdade social ou econômica, não era objeto de preocupações do Estado.231 A igualdade passou a ser substancial (real), no sentido de que os iguais devem ser igualmente tratados, ao passo que os desiguais devem ser desigualmente tratados, na exata medida de suas desigualdades.232 231 232 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 26. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 40-41. 118 O art. 5º, caput e o inc. I, da CF estabelecem que todos são iguais perante a lei. Em relação ao processo civil o princípio da igualdade significa que os litigantes devem receber tratamento idêntico. A norma do art. 125, inc. I, do CPC teve recepção integral em face do novo texto constitucional. Tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente iguais e desigualmente desiguais, de acordo com as suas desigualdades. Eis a proteção da igualdade substancial e não a isonomia meramente formal. A igualdade real é conseqüente reação às desigualdades econômicas. As políticas públicas passaram a ser direcionadas nesse sentido, envolvendo o Estado-legislador e o Estado-administrador.233 No âmbito Judiciário, o exagerado formalismo processual foi substituído pela concepção publicística do processo, aplicação do princípio da universalidade do acesso à Justiça. As profundas transformações sociais alteraram o comportamento das partes e a postura do juiz, anteriormente regida pelo princípio dispositivo. Quanto menos igual for o posicionamento das partes no processo, mais acentuado deve ser os poderes do juiz. A atribuição de poderes mais amplos ao juiz constitui uma efetiva necessidade decorrente da transformação que o direito experimentou nas últimas décadas, para resguardar valores fundamentais do direito dos homens. 5.5 A Efetivação do Processo Ambiental As transformações ocorridas na sociedade nas três últimas décadas representaram uma nova visão de acesso à Justiça, novos poderes ao juiz, a questão da igualdade real das partes no processo, entre outras. Modificaram o aspecto da efetividade do processo. Sempre existirá uma ação capaz de propiciar, pela adequação de seu provimento, a tutela efetiva e completa de todos os direitos transindividuais da sociedade a ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A tendência atual é no sentido de que os direitos, inclusive não-patrimoniais, principalmente os pertinentes à vida, à saúde, a integridade física e mental e à personalidade tenham uma tutela mais efetiva e adequada.234 233 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Direito processual ambiental brasileiro. Ação civil pública, mandado de segurança, ação popular e mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 112. 234 GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 119-120. 119 O processo vem ganhando um novo sentido, a partir do momento em que a sua postura publicista também aumentou.235 Essa concepção de processo como Direito Público, autônomo do Direito Privado, fez com que dúvidas se levantassem a respeito do aspecto de sua efetividade, seja no sentido de concretizar o seu fim colimado, seja no sentido de ele ser acessível a todos. A ação ambiental formula a tutela apta a impor à parte adversa o cumprimento do dever jurídico que espontaneamente inadimpliu. A defesa irá afirmar a não-incidência da sanção jurídica pretendida na ação pela ineficácia de direitos materiais subjetivos ou pela inexistência de direitos materiais subjetivos aptos a autorizar a aplicação de uma sanção. No processo ambiental busca-se o reconhecimento da possibilidade jurídica de incidência ou não de uma sanção ao caso concreto. A atividade probatória caracterizará: a existência ou não de um direito material subjetivo; o descumprimento de um dever jurídico; a viabilidade ou não da incidência de uma sanção jurídica ao caso concreto. No julgamento da demanda haverá a constatação sobre a viabilidade da incidência ou não de uma sanção jurídica. A incidência acarretará a criação de um direito objetivo, oriundo de um caso concreto que reconheceu a existência de um direito material espontaneamente ineficaz e que, por isso, contém uma sanção jurídica apta a conferir a devida eficácia forçada. Por exemplo, elevadas multas diárias a fim de impedir a atividade nociva ou o uso da força policial para impedir o prosseguimento da atividade poluente. O procedimento de efetivação realça o aspecto sancionador do direito processual e permite a concretização da sanção jurídica, a fim de trazer os resultados determinados na decisão. 5.5.1 O devido processo substantivo ambiental O art. 5º, inc. LIV, da CF estabelece o princípio do devido processo legal. A lei vigente é a fonte normativa do sistema processual brasileiro em virtude do princípio da legalidade; diferentemente do devido processo legal, cuja fonte normativa decorre dos costumes e da razão. Por isso, a lei é fonte do direito processual. Entretanto, a aplicação dos costumes e da razão no sistema processual brasileiro é muito pequena. 235 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, RODRIGUES, Marcelo Abelha; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Direito processual ambiental brasileiro. Ação civil pública, mandado de segurança, ação popular e mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 114-115. 120 O princípio do devido processo legal no sistema processual brasileiro é ineficaz em virtude do sistema romanístico adotado, que não possui mecanismos para maior participação. O devido processo substancial é uma face do due process of law, exterioriza a formação do direito material. Para Nery Júnior com o seu desenvolvimento, o substantive due process expõe amplamente a proteção dos direitos fundamentais do cidadão.236 Surgido em 1215 o due process substantive aos poucos se expandiu para diversas áreas temáticas. A regra do due process of law visa a proteger a liberdade dos atos e a propriedade de um bem. Sua manifestação versa sobre a admissibilidade ou restrição da delegação de poderes governamentais. 5.5.2 A questão da legitimidade nas ações ambientais No âmbito da legitimidade pela iniciativa processual de se promover uma ação ambiental não se pode adotar como critério de averiguação de legitimidade a partir dos efeitos subjetivos da sentença. O critério deve pautar-se pelo que a ação em si propõe a tutelar. A ação pode buscar a tutela de direitos individuais ou a ação pode buscar a tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A legitimidade ordinária ocorre quando o autor, em nome próprio, tutela um direito ambiental próprio. O autor é vítima de uma atividade poluente. A legitimidade ordinária na ação que tutela direito ambiental individual somente poderá ser exercida por pessoa física. Os efeitos da sentença poderão ser exclusivamente individuais, subjetivamente homogêneos ou coletivos/difusos. Os efeitos da sentença poderão ser subjetivamente reflexos ou não. Mas não será a partir de uma hipotética projeção dos efeitos subjetivamente reflexos que se irá definir a legitimidade ordinária ou extraordinária da ação ambiental. A legitimidade ordinária para a tutela do meio ambiente também poderá advir quando a Administração Pública praticar ato lesivo ao meio ambiente, mediante o exercício da ação popular (art. 5º, inc. LXXIII, da CF). O cidadão por ser co-proprietário de um bem de uso comum é vítima desse ato lesivo e terá legitimidade para exercer a ação popular para a tutela do meio ambiente. Busca-se incentivar a legitimidade ordinária nas ações ambientais como forma de efetivação do princípio da participação no âmbito processual. 236 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 35-37. 121 A legitimidade extraordinária ambiental é um fenômeno processual em que o legitimado age para a tutela de interesses alheios (difusos, coletivos ou individuais homogêneos). O legitimado nunca será pessoa física, mas uma instituição pública (MP ou órgãos governamentais) ou privada (ONGs). A legitimidade extraordinária sempre ocorrerá no pólo ativo da ação. Os efeitos da sentença sempre atingirão uma coletividade, determinada ou determinável. A legitimidade extraordinária sempre será definida por lei (para instituir funções às instituições públicas) ou por estatuto (para atribuir funções às ONGs). O interesse surge como extensão da atuação fiscalizadora que o legitimado extraordinário possui.237 Essa atividade fiscalizadora permite o litisconsórcio ativo como forma de defesa da proteção ambiental que é deferida aos órgãos públicos da União, Estados e Municípios, nos termos do art. 23, inc. VI, da CF.238 Configurará no pólo passivo da ação ambiental que busque a cessação de atividade poluente a pessoa física ou jurídica, definida como poluidor. Tanto o poluidor direto como o indireto são suscetíveis de compor o pólo passivo de qualquer ação que objetive reparar danos ambientais. O STJ decidiu pela composição de pólo passivo em ação ambiental de uma empresa por ser poluidora direta, em litisconsórcio com o Estado e Município, por serem coresponsáveis objetivamente, ante a ausência de fiscalização e pelo fato do Estado ter repassado a verba ao Município para a realização do empreendimento pelo poluidor direto,239 ou pelo fato do Município, em litisconsórcio com herdeiras de um empreendimento, em razão de não ter havido a regularização de loteamento,240 pois houve violação de normas de preservação ambiental, seja do Município porque aprova projeto danoso, seja do empreendedor que executa tal projeto.241 5.5.3 Ação ambiental Fiorillo aduz que para a proteção jurisdicional do meio ambiente encontra-se a tutela de dois direitos fundamentais: o direito à vida (direito fundamental consagrado no art. 5º, 237 TJ/RS, AC nº. 70006370035, 22ª CC, Rel. Des. Mara Larsen Chechi, j. 26/01/06. BATISTA, Roberto Carlos. Coisa julgada nas ações civis públicas: direitos humanos e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 49-50. 239 STJ, REsp nº. 604725/PR, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, j. 21/06/05. 240 STJ, REsp nº. 436166/SP, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, j. 26/11/02. 241 STJ, REsp nº. 295797/SP, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/09/01. 238 122 caput da CF) e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (bem jurídico de uso comum do povo previsto no art. 225 da CF).242 Como os direitos a vida e ao meio ambiente são indisponíveis, qualquer ação ambiental terá como causa imediata a efetivação da proteção desses direitos. A ação ambiental torna-se indisponível por buscar a proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente. A causa de pedir na ação ambiental recebe os postulados da teoria da individualização, que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional. Permite maior flexibilização na dedução dos fatos e atribui maior relevo a indicação do direito para o qual se busca a proteção jurisdicional. A teoria da substanciação não é viável na ação ambiental, porque somente expõe pormenorizadamente os fatos constitutivos do direito do autor, eis que sobre eles poderá haver a construção da tutela jurisdicional pretendida pelo autor. Nesta teoria incide o princípio da eventualidade, pois o autor deve deduzir todos os fatos e pedidos na primeira oportunidade processual que lhe é cabível, sob pena de o juiz não os conhecer posteriormente. O princípio da eventualidade estabiliza a demanda ao manter a causa de pedir que será objeto da produção de provas, bem como manter os pedidos que serão analisados no proferimento da sentença. A teoria da substanciação determina que conceitos jurídicos não podem substituir a descrição dos fatos. Tal teoria caracteriza ações que versem sobre direitos pessoais, como as que incidem sobre obrigações e direito de família. A teoria da individualização permite a fungibilidade de tutelas, quando presentes os requisitos autorizadores para a tutela de um determinado direito. A ação ambiental deverá seguir a teoria da individualização, eis que persegue a proteção de direitos indisponíveis, devendo-se admitir a fungibilidade de pretensões entre aquelas que incidem em obrigação de fazer e de não fazer. Em termos práticos, isso gera dois efeitos: um, quanto à constituição do direito de proteção ambiental; outro, quanto à pretensão à tutela jurisdicional. No primeiro efeito, em razão de haver proteção da vida e do meio ambiente, a causa de pedir poderá admitir mutações fáticas, se presente a situação de poluição informada na inicial. Assim, por exemplo, se a causa de pedir narra que determinada empresa está poluindo um rio porque está despejando fluídos tóxicos, mas na fase instrutória se verifica que a poluição se dá por emissão de gases, de todo modo a ação ambiental mostra-se procedente, eis que permitiu a verificação da ocorrência de uma atividade poluente pela ré e assim propiciou a concessão de tutela jurisdicional protetiva do meio ambiente, isto é, da vida. No segundo efeito, também amparado na proteção da vida e do meio ambiente, permite a fungibilidade no modo de cumprimento de tutela jurisdicional consistente em reparar lesão ou ameaça de poluição. Assim, por exemplo, se na ação ambiental deduz-se um pedido consistente na obrigação de não 242 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29-33. 123 fazer (ao intento de evitar a ocorrência da poluição), mas, diante das provas produzidas, verifica-se presente a atividade poluente, deve-se admitir a fungibilidade da tutela, para consistir em obrigação de fazer. De todo modo, em qualquer caso se persegue uma condenação do réu, a qual poderá consistir numa obrigação de não fazer, como pleiteado inicialmente, ou numa obrigação de fazer, como mais adequado faticamente.243 O pedido de compensação pecuniária, endereçado exclusivamente para compor o Fundo Ambiental, deverá ser objeto específico em ação própria, dado o seu caráter patrimonial e por não se destinar à proteção ambiental da situação poluente exposta na ação. Outra manifestação da teoria da individualização é a que permite a translatividade do recurso de apelação, eis que a proteção ao direito à vida e a proteção do meio ambiente são indisponíveis por serem de ordem pública. A questão pode ser examinada pelo juízo ad quem, mesmo que na sentença recorrida ou até mesmo no recurso de apelação não se tenha suscitado tal questão, consoante a regra do art. 515 do CPC. A adoção da teoria da individualização na causa de pedir permite que desde o primeiro grau de jurisdição já se pré-questione norma constitucional (arts. 5º e 225) para um futuro e eventual recurso extraordinário. Já se invoca a incidência de normas constitucionais para compor o conhecimento jurídico de causas ambientais desde o primeiro grau de jurisdição e assim obter o acesso ao STF para um eventual recurso extraordinário quando essas normas constitucionais forem mal aplicadas ou mal interpretadas. 5.6 A Tutela Jurisdicional Ambiental A proteção ambiental poderá ser preventiva ou repressiva. Preventiva ao cometimento do ato ilícito, para evitar que a ameaça à ocorrência de um ato ilícito se converta em lesão. A ação ambiental poderá ser proposta em busca da tutela inibitória contra a prática do ilícito e consistirá na imposição de uma obrigação de não fazer. Também é possível a imposição de obrigação de fazer a fim de evitar que se prossiga na atividade ameaçadora ao meio ambiente equilibrado. Por exemplo, a possibilidade de se efetuar correções em projeto de obra ou serviço ainda não executado a fim de adequá-lo ao EIA/RIMA. Seja em sede de decisão interlocutória ou em julgamento definitivo a tutela inibitória deverá se fundamentar no art. 461 do CPC e criar um novo modelo protetivo ambiental ou que 243 PAULA, Jônatas Luís Moreira de. O devido processo legal ambiental. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. (Coord.). Direito ambiental e cidadania. São Paulo: J. H. Mizuno, 2007, p. 102-103. 124 garanta o resultado prático equivalente, a fim de propiciar a satisfação pela tutela específica de remoção da ameaça ambiental. A proteção ambiental repressiva ocorrerá quando a lesão ao meio ambiente já estiver acontecido, decorrente da ilicitude pelo descumprimento de normas ambientais ou pelo dano ambiental. Na lesão jurídica formal a ação ambiental terá caráter repressivo a fim de, por exemplo, determinar a readequação de obra em execução ao EIA/RIMA. A tutela jurisdicional objetiva remover a ilicitude, sem a necessidade remoção ou reparação dos danos, pois ainda não ocorreram. A produção da poluição já envolve uma complexidade de atos a serem realizados. Urge cessar e reparar o dano causado através da tutela de remoção do dano e a imposição de obrigação de fazer. Posteriormente incide a obrigação de não fazer para cessar a ilicitude, a fim de que não se retorne à prática da atividade poluente através de uma tutela específica de remoção do ilícito. As obrigações de fazer e não fazer poderão ser realizadas pelo próprio poluidor ou com o auxílio de co-responsáveis que exigirá a imposição de uma obrigação de dar quantia determinada, com a possibilidade de imediato seqüestro de dinheiro dos mesmos para a consecução de tal finalidade. As obrigações de fazer, não fazer e dar quantia determinada, quando destinadas a remover o dano e o ilícito ambiental poderão ser concedidas de ofício pelo juiz se aquelas requeridas na ação ambiental se mostrarem insuficientes para a satisfação da tutela específica. O meio ambiente é um direito indisponível, eis que necessário para proteger a vida, e assim propiciar a utilização da teoria da individualização da causa de pedir. Haverá a imposição da obrigação de dar quantia determinada a fim de impor ao poluidor e a eventuais co-responsáveis o pagamento de multa a ser revertida para o Fundo Ambiental, segundo o art. 475-J do CPC. A ação ambiental envolve uma fase instrutória que se destina a investigar a ocorrência de ilicitude ou dano ambiental e cuja prova essencial será pericial. Poderá seguir o rito ordinário ou sumário. O rito sumário é mais célere e colima com os fins buscados na ação ambiental. As ações ambientais que tutelam entre si direitos individuais, coletivos e difusos, possuindo a mesma causa de pedir deverão ser reunidas perante o juízo prevento para serem processadas em apenso. Aplica-se a regra dos arts. 103 e 105 do CPC. O TJ/RS decidiu no sentido de que é cabível a inversão do ônus da prova nas relações jurídicas vinculadas a interesses difusos, coletivos e individuais referentes a danos 125 ambientais. No julgado em tela a inversão do ônus da prova serviu para impor ao requerido os custos da perícia legal (art. 6º, inc. VIII, da Lei nº. 8.078/90).244 A competência para o processamento de causas ambientais pode ser assim estabelecida: 1) se a ameaça ou lesão ambiental não atingir bens, serviços ou interesses da União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais, será da competência da Justiça Estadual apreciar a ação ambiental;245 2) caso negativo, a ação ambiental será proposta pela Justiça Estadual, quando houver ameaça ou lesão ambiental a bens, serviços ou interesses dos Estados ou Municípios, ou suas respectivas entidades autárquicas ou empresas públicas. Se o dano ambiental envolver dois ou mais Estados a competência se deslocará para a Justiça Federal e em circunscrição judiciária que abranja o local da ocorrência da ilicitude.246 Tratando-se de ação em que se visa à indenização em decorrência de restrição de uso de propriedade particular imposta pela Administração Pública, para fins de proteção ambiental, deve ser promovida no foro da situação do imóvel, eis que se trata de desapropriação indireta, portanto demanda de natureza real, nos termos do art. 95 do CPC.247 O STJ decidiu em sede de conflito de competência que demandas propostas pelo Ministério Público Federal e Estadual visando a impedir a concessão de licenças ambientais para instalação de usina hidrelétrica, a competência para o julgamento é da Justiça Federal. O fundamento utilizado é que o pedido feito pelo Parquet Federal é mais abrangente, envolvendo não só a participação de órgãos estaduais no licenciamento, mas também o IBAMA.248 No processo ambiental deve-se reservar um espaço de tempo para colher a defesa do réu. Os modos de realização de defesa não irão modificar-se com a estrutura procedimental utilizada na ação ambiental, eis que não cabe reconvenção, nem pedido contraposto. É inadmissível ação para “autoriza” o exercício de atividade poluente a ser exercido pelo réureconvinte. Caberá ao demandado o exercício pleno da contestação, com a dedução de objeções processuais, objeções e exceções materiais e fatos negativos, exceções processuais, requerimento para integralização de litisconsórcio necessário ou para desintegralização de litisconsórcio facultativo, bem como as formas de intervenção de terceiros. O réu poderá terá o ônus de produzir prova, consoante o art. 333, inc. II, do CPC. 244 TJ/RS, AgIn nº. 70021834494, Rel. Wellington Pacheco Barros, j. 19/12/07, DJ 11/01/08. STJ, CC nº. 38573/RS, 3ª S., Rel. Min. Paulo Medina, j. 17/05/04. 246 STJ, CC nº. 3911/RJ, 1ª S., Rel. Min. Luiz Fux, j. 13/12/04. 247 STJ, REsp nº. 307535/SP, 1ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, j. 12/03/02. 248 STJ, CC nº. 80237/PR, 1ª T., Rel. Min. José Delgado. 245 126 A constatação de atividade poluente deverá advir de prova pericial, documental, testemunhal ou até mesmo pelo depoimento das partes. A prova pericial será realizada, preferencialmente, por órgão ambiental público, dada sua capacidade técnica especializada. Em razão do princípio da individualização da causa de pedir a prova pericial deverá demonstrar a ocorrência de algumas das hipóteses do art. 3º, inc. II, da Lei 6.938/81, que estabelece genericamente a ocorrência da poluição se houver degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, segurança, bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividade sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. O EIA/RIMA é uma forma de obter a prova pericial. São indispensáveis para a realização de obras ou serviços que apresentem potencial poluente. Integra o espectro de atividades da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inc. III, da Lei nº. 6.938/81). Os efeitos da sentença não se confundem com os efeitos da coisa julgada, a despeito de o art. 467 do CPC afirmar ser a coisa julgada um efeito da sentença. Efeitos da sentença é o resultado de uma atividade da qual se espera uma eficiência, se referem à eficiência do julgado, versam sobre a eficiência material da jurisdição pronunciada. Efeitos da coisa julgada se referem à eficiência da prestação jurisdicional, se referem à eficiência política da jurisdição prestada no processo. Os efeitos da sentença se dividem em imediatos e mediatos. Imediatos porque decorrem do ato de sentenciar, se subdividem em: extinção do processo, pronunciamento da tutela jurisdicional, esgotamento do ofício jurisdicional. A não interposição de recurso acarreta a formal extinção do processo, tendo havido ou não o exame do mérito da lide. O pronunciamento da tutela jurisdicional é um efeito imediato da sentença que surge, prévia e potencialmente, a partir da propositura da ação e o desenvolvimento do processo. Trata-se de um direito subjetivo público do litigante, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Através do esgotamento do ofício jurisdicional o Estado cumpre seu papel de pronunciar a tutela jurisdicional, independente se favorável a uma ou a outra parte. Sobre qualquer sentença incidirá a preclusão pro judicato, o que impedirá o juiz proferir novo julgamento sobre a lide, salvo se houver nulidade da sentença pelo tribunal ad quem em razão de provimento de recurso. 127 Os efeitos mediatos da sentença decorrem da solução que foi dada no julgamento e se subdividem em principal e secundário. Principal porque se refere à tutela jurisdicional que foi outorgada, isoladamente ou em conjunto, na sentença. Poderá ser uma tutela jurisdicional declaratória, constitutiva, desconstitutiva, mandamental, executiva lato ou stricto sensu ou cautelar. Na sentença ambiental o réu deverá ser condenado compulsoriamente a cumprir uma obrigação de fazer, não fazer ou dar quantia determinada. Os efeitos dessa tutela condenatória poderão ser ex tunc, quando tratar-se de reparação de dano ambiental, ou ex nunc, quando não objetivar tal reparação. O conteúdo do efeito mediato principal na sentença ambiental terá por parâmetro a possibilidade de o juiz criar um standard jurídico para que se propicie a devida efetivação; por isso, os artigos 461 e 475-J do CPC terão imensa influência no momento da elaboração do julgamento.249 O efeito mediato secundário é conseqüência do efeito principal, não possui autonomia judicial, pois está interligado com a tutela jurisdicional concedida na sentença, por exemplo, a condenação do vencido à sucumbência. Nas ações ambientais o efeito secundário da sentença pode ser caracterizado como a suspensão das atividades da empresa poluidora, a condenação em multa ambiental, a restrição de benefícios fiscais e de linhas de financiamento, a proibição do poluidor em contratar com a Administração Pública (art. 72, § 8º, da Lei nº. 9.605/81). Nestes exemplos, se a ação ambiental fosse julgada improcedente os efeitos não subsistiriam. Os efeitos da coisa julgada são: a imutabilidade do comando judicial e a indiscutibilidade da lide. Imutabilidade do comando judicial significa que a tutela jurisdicional concedida na sentença transitada em julgado não mais poderá ser modificada no processo em que surgiu. Decorre do efeito do trânsito em julgado da sentença e conseqüente extinção do processo. Torna-se juridicamente impossível modificar a tutela jurisdicional concedida no processo, pelo simples fato de ter havido a sua extinção. Indiscutibilidade da lide decorre do trânsito em julgado. O sucumbente não interpôs recurso ou interpôs intempestivamente ou o recurso não foi recebido ou se esgotaram todas as vias recursais cabíveis. O trânsito em julgado não surge da extinção do processo, mas de uma inatividade da parte ou de um indeferimento do relator ou de esgotamento das vias recursais. 249 PAULA, Jônatas Luís Moreira de. O devido processo legal ambiental. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. (Coord.). Direito ambiental e cidadania. São Paulo: J. H. Mizuno, 2007, p. 113. 128 A indiscutibilidade da lide é o efeito que transcende ao processo em que surgiu, para atingir os litigantes na vida real, a ponto de inviabilizar qualquer demanda que eventualmente seja renovada. A lide objeto de apreciação na sentença transitada em julgado torna-se insuscetível de modificação. Este efeito somente ocorre na sentença que examinou o mérito da ação, ou seja, a lide no âmbito substancial. Os dois efeitos do julgamento da coisa julgada somente advirão de sentença transitada em julgado que tenha examinado o mérito da demanda, eis a coisa julgada material. É possível que haja apenas o efeito da imutabilidade do comando judicial na sentença transitada em julgado que não examinou o mérito da demanda, eis a coisa julgada formal. Ainda não há uma disciplina normativa específica sobre a coisa julgada ambiental. Por isso, há que invocar a incidência do art. 103 do CDC para disciplinar a coisa julgada nas ações coletivas e os artigos 467 a 475 do CPC sobre a coisa julgada em ações individuais. Os efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado são: 1) Efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado em um processo ambiental que discute direitos individuais: a) inter-partes – quando a demanda ambiental versar sobre direitos individuais, por exemplo, a poluição sonora de uma empresa somente atinge o vizinho; b) inter-partes, mas com efeitos reflexos, quando a demanda ambiental versar sobre direitos individuais homogêneos, por exemplo, a poluição sonora que atinge alguns poucos vizinhos, mas somente um deles propõe a ação ambiental. Nesta subespécie os demais vizinhos se aproveitarão do julgamento transitado em julgado sem que litigassem em juízo sob o regime de litisconsórcio facultativo, como prevê o art. 81, inc. II, do CDC. Poderia qualquer vizinho ingressar na qualidade de assistente, que seria sob a modalidade litisconsorcial ou qualificada (art. 54 do CPC). 2) Efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado em um processo ambiental que discute direitos coletivos: a) ultra partes – projetará seus efeitos sobre um grupo determinado, categoria ou classe, de natureza indivisível, que é possível determinar no processo. Por exemplo, a ação ambiental que visa a eliminar a atividade poluente sobre um bairro residencial, ou que visa a proteger as condições ambientais de um grupo de trabalhadores; b) secundum eventum litis – permitirá a qualquer legitimado, extraordinário ou ordinário, propor ação ambiental, desde que a sentença transitada em julgado não tenha julgado o mérito, ou, se examinou o mérito, o pedido não procedeu por insuficiência de 129 provas, ou por motivo que não seja a constatação da inexistência de atividade poluente. Essa espécie está fundamentada pelo art. 103, inc. II do CDC. 3) Efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado, em um processo ambiental que discute direitos difusos: a) erga omnes – projetará seus efeitos sobre toda sociedade, de natureza indivisível, que no processo se encontra indeterminada. Por exemplo, ação ambiental que protege a biota; b) secundum eventum litis – permitirá a qualquer legitimado extraordinário ou ordinário propor ação ambiental, desde que a sentença transitada em julgado não tenha julgado o mérito, ou, se examinou o mérito, o pedido não procedeu por insuficiência de provas, ou por outro motivo que não seja a constatação da inexistência de atividade poluente. Essa espécie se fulcra no art. 103, inc. I, do CDC. 5.7 Comparação entre a Coisa Julgada Coletiva Brasileira e a Americana A coisa julgada coletiva brasileira é muito diferente da coisa julgada americana, principalmente quanto aos efeitos. Entretanto, no âmbito da relativização da coisa julgada ambiental a experiência americana é melhor desenvolvida no sentido de trazer uma brilhante interpretação ao Judiciário brasileiro. Trata-se do fim de uma utópica segurança jurídica e o privilégio da efetividade, do acesso ao Judiciário, do direito à vida e da interpretação integrada dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da participação. A coisa julgada coletiva do ordenamento americano é diferente. Por um lado, ela é mais inflexível que a do ordenamento brasileiro. Se todos os requisitos impostos pela lei forem respeitados durante a condução do processo coletivo (a saber, adequação do representante e do advogado, tipicidade da lide, notificação aos membros ausentes etc.), a coisa julgada coletiva se formará em face de todos os membros do grupo (tal qual delimitado na sentença ou no acordo) independentemente do resultado da demanda (erga omnes e pro et contra). Por outro lado, o ordenamento americano dispõe de técnicas e instrumentos que tornam o processo coletivo mais adequado e flexibilizam a incidência da coisa julgada coletiva, se tais normas não forem respeitadas.250 É exatamente esta flexibilidade da coisa julgada que falta no direito brasileiro, ante a ausência de avanço científico na demonstração do dano ambiental. Nesta hipótese, 250 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 287. 130 fundamentada principalmente no direito à vida, no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da proporcionalidade a coisa julgada em matéria ambiental deve ser relativizada. Referida hipótese não deve ser confundida com o trânsito em julgado da ação coletiva por falta de provas, quando o juiz reconhece expressamente na sua fundamentação que julga por insuficiência de provas. Trata-se da hipótese em que o desenvolvimento da ciência na época da sentença não estava desenvolvido o suficiente para sequer imaginar a possibilidade de um futuro dano ambiental de conseqüências gravíssimas decorrente do dano ambiental julgado na ação ambiental em tela. As partes, nem o mesmo o juiz terá como saber que alguma prova relevante deixou de ser produzida. A regra no direito processual civil americano é a de que o juiz não está em condições de determinar o efeito da coisa julgada das suas próprias decisões. Seguindo esta sábia norma, o direito brasileiro deve ser interpretado de forma a não exigir que o juiz expressa ou implicitamente reconheça a falta de prova. Portanto, segundo pensamos, se a qualquer momento depois da decisão uma nova prova for descoberta que possa alterar a decisão do caso, a ação coletiva poderá ser reproposta. Essa interpretação liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na prática e não seja indevidamente limitada por uma exigência que não está na lei nem deriva do bom sensu.251 O trabalho em tela não defende a alegação de que a decisão coletiva original se baseou em insuficiência probatória para destituir a imutabilidade da sentença coletiva. É necessário apresentar uma nova prova na petição inicial de uma nova ação ambiental comprovando o avanço tecnológico no sentido de comprovar a existência do dano ambiental decorrente do dano ambiental anterior. Desta forma, o juiz deverá aceitar a repropositura da ação ambiental. Enquanto a legislação não é alterada de forma a incluir esta hipótese, a sentença ambiental é imutável, ou seja, faz coisa julgada. Ao contrário do que ocorre com a necessidade de apresentar “documento novo” nas ações rescisórias, não é necessário demonstrar que a prova era pré-existente, ou que se ignorava sua existência ou que não se pôde fazer uso dela no processo original. A mera apresentação da nova prova é suficiente para 251 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 287. Cf. GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 131-135; LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática, Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 204; BRAGA, Renato Rocha. A coisa julgada nas demandas coletivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 135-137; GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada, Revista iberoamericana de derecho procesal, Buenos Aires, n. 1, 2002, p. 11-24. 131 a reabertura do processo. A nova prova pode, inclusive, derivar de um desenvolvimento da ciência. Igualmente, ao contrário do que ocorre com o ‘documento novo’ nas ações rescisórias, a nova prova não precisa ser capaz, por si só, de assegurar pronunciamento favorável ao grupo. Todavia ela deve ser suficientemente relevante para justificar a possibilidade de um resultado diferente. O juiz da segunda ação coletiva deverá avaliar todas as provas disponíveis nos autos, inclusive aquelas consideradas insuficientes na ação anterior. Todavia, o juiz da segunda ação não deve rejulgar a causa, desconsiderando a decisão anterior: ele somente poderá alterar o resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova prova apresentada.252 Assim como a ação rescisória corresponde a um instrumento de relativizar a coisa julgada nas hipóteses taxativamente previstas em lei, a relativização da coisa julgada ambiental deverá ocorrer de forma específica, a fim de privilegiar uma coerente interpretação do ordenamento jurídico. A tendência mundial é a universalização do modelo das class actions, sem dúvida o mais bem sucedido e difundido entre os ordenamentos jurídicos do common law e do civil law. Essa tendência pode ser notada no Projeto de Código de Processo Civil Coletivo para a Ibero-América e no Projeto de Antônio Gidi. O modelo brasileiro auxilia em muito na passagem das normas abertas do direito norte-americano para os ordenamentos de civil law. Temas importantes como a definição do conceito de direitos coletivos lato sensu, a disciplina peculiar da legitimação por substituição processual e a extensão da coisa julgada secundum eventum litis ou secundum eventum probationis são peculiaridades próprias do direito brasileiro que se repetem nos projetos para a harmonização das regras sobre processos coletivos nos países de civil law.253 A especial abertura do ordenamento brasileiro aos modelos norte-americanos se deve também a forte influência da tradição constitucional. O processo constitucional, com ações como a de MS e a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade, bem como a configuração do Poder Judiciário como poder revisor dos atos dos demais poderes (judicial review) são a prolífica herança da Constituição de 1891 e de Rui Barbosa, inspiradas na Constituição Norte-Americana. 5.7.1 A contribuição da hermenêutica constitucional americana na tutela ambiental 252 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 286. 253 DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2007, v. 4, p. 58. 132 O meio ambiente é direito fundamental e bem jurídico essencial para o ser humano. A hermenêutica constitucional americana constitui importante ferramenta para concretizar as políticas públicas ambientais, visando a democratizar a aplicação do Direito. O sociólogo Ulrich Beck denomina sociedade de risco a incerteza gerada pela impossibilidade de antever os resultados multidimensionais acarretados pelo avanço científico.254 A globalização caracterizou o pluralismo transnacional, uma ruptura com a idéia de estabilidade do Direito. O meio ambiente atual é o reflexo de séculos de exploração irresponsável. A busca incessante pela riqueza e o progresso coloca o ser humano em risco. A sociedade de risco é caracterizada pela irresponsabilidade organizada, pelo estado de segurança e pela explosividade social. A irresponsabilidade organizada é um dos principais obstáculos da sociedade pós-moderna à efetividade do acesso coletivo à Justiça. O modelo de regulação da sociedade atual já não é suficiente para garantir o estado de segurança idealizado pelos brasileiros. A incerteza dos riscos futuros provoca tensões na organização social acarretando a explosividade social. “O direito não é o passado que condiciona o presente, mas o presente que constrói o futuro”.255 Urge uma efetiva participação da sociedade civil organizada no processo de controle dos riscos e a cooperação internacional na luta aos riscos advindos das novas tecnologias. Os Estados Unidos possuem uma história voltada à tecnologia e ao desenvolvimento em detrimento da proteção ambiental. A hermenêutica constitucional americana criou uma nova relação entre o texto normativo e o intérprete ao possibilitar a abertura da norma para a participação popular e a adequação dos textos legais à realidade social. Trata-se de importante ferramenta para concretizar a defesa ambiental. O objetivo é reduzir os riscos aplicando esta nova realidade à tutela ambiental, pela integração entre o texto e as relações fáticas. Julgamentos mais éticos e Justos são possíveis com a democratização da aplicação do Direito. Os métodos modernos e o pensamento inovador da hermenêutica constitucional americana devem ser utilizados na política ambiental brasileira. O fito é a abertura da norma ambiental brasileira para superar os riscos do desenvolvimento tecnológico e do crescimento industrial, trazendo a modernização dos americanos para a realidade brasileira. Permite a reflexão sobre os riscos trazidos pelo progresso tecnológico. 254 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 11. 255 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 5. ed. São Paulo: Thomson-IOB, 2004, p. 10. 133 Dworkin inova a filosofia jurídica ao estabelecer um novo raciocínio voltado à forma de pensar e de aplicar a interpretação constitucional aos fatos sociais da realidade. Na solução de um problema constitucional é necessário saber qual é a vontade do povo, conhecer a moral política coletiva, isto é, a vontade da maioria respeitando a minoria. Estabelece uma importante diferença entre a interpretação nas ciências do espírito e a interpretação nas ciências exatas. A interpretação da norma contida no ordenamento jurídico – objeto das ciências de espírito – é “propositiva e construtiva”.256 Propositiva no sentido de que algo é proposto para o sentido da norma. Os propósitos são do intérprete e não do autor. É construtiva na proporção em que seu resultado não é algo anteriormente dado (como nas ciências exatas), mas sim uma resposta construída a partir da interpretação. O caráter construtivo da interpretação constitucional é analisado na vinculação entre os propósitos do intérprete e os limites impostos pelo objeto. A interpretação é um ato de criação limitado pelos elementos constitutivos do objeto. Há um sentido coletivo para cada norma jurídica e para cada sujeito interpretado. Ocorre a fusão do momento do legislador (que estabelece os valores do sentido coletivo) com o momento do intérprete (que se utiliza destes valores). O resultado da interpretação deve ser o mais sensato possível. Há somente uma resposta certa a ser dada para cada problema de interpretação, obtida através da moral política coletiva, ou seja, do pensamento majoritário da sociedade sobre determinado objeto, inerente ao respeito da minoria. A resposta correta é a que melhor se adapta à aplicação do direito, porque corresponde à moral política coletiva e busca uma interpretação mais sustentável dentre as existentes. Mesmo quando o intérprete se depara com casos mais complexos deverá aplicar a igual solução. A lacuna na lei não significa uma lacuna do Direito, pois sempre existirá apenas uma resposta correta proveniente da moral política coletiva. Isto ocorre mesmo se a lei for omissa. Segundo Dworkin “mesmo quando nenhuma norma estabelecida resolva o caso, é possível que uma das partes tenha direito a ganhá-lo”.257 A moral política coletiva não é facilmente verificada na sociedade, cabe ao intérprete buscar o sentido da norma. A busca por essa consciência é uma difícil tarefa, razão pela qual Dworkin estabelece três etapas, a saber: a pré-interpretativa, a interpretativa e a pós-interpretativa.258 A etapa préinterpretativa representa a identificação do objeto que será interpretado, é a compreensão se 256 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 63-64. Id., Ibid., p. 63-64. 258 Id., Ibid., p. 81-82. 257 134 uma proposição normativa é de direito ou somente convenção social. Limita-se o objeto que se mostra genérico e abstrato, como produto do acaso. A etapa interpretativa busca argumento para os elementos da etapa anterior. O intérprete precisa de uma teoria que garanta a melhor maneira de abordar o material jurídico. Trata-se da fase de identificação do valor agregado ao objeto que explica a existência de algumas finalidades a serem alcançadas. A etapa pós-interpretativa visa a adequar os objetivos da prática ao argumento encontrado na fase interpretativa. Depois de identificado o valor do objeto, muda-se o objeto e verifica-se o sentido desses valores. Diante de um conflito de interesses o intérprete precisa encontrar uma única resposta correta para superá-lo. A sociedade deve buscar as justificativas para embasar suas decisões. Para alcançar esta finalidade, é necessário compreender os valores da moral política coletiva e entender quais os valores mais importantes para a sociedade. Em situações complexas deve-se relacionar a interpretação à prática jurídica, evidenciando sua finalidade. Na concepção de Dworkin a interpretação do Direito “deve demonstrar seu valor, em termos políticos, demonstrando o melhor princípio ou política a que serve”.259 Existindo dois argumentos bons para a interpretação, a dimensão da moralidade política se fundamenta na escolha daquele que represente uma teoria sólida quanto aos valores inerentes à sociedade. Trata-se de uma maior liberdade de interpretação. Além da précompreensão coletiva há uma pré-compreensão individual no instante em que o intérprete aplica a moral coletiva ao caso concreto, pois é necessário utilizar seus próprios valores. Hart Ely critica o tipo de canal que deve ser criado para se descobrir o pensamento das pessoas. A resposta está na democracia participativa e na procedimentalização democrática que representam uma ampla participação popular, como associações, ou participações individuais que ressaltam a sociedade civil organizada. Baseia-se no conceito de Constituição aberta democrática. Todos são dominados pelos governantes e a eles se submetem. Eis a democracia participativa.260 Democracia participativa caracteriza a participação de todos nos debates travados pelo governo. É a essência da expressão “democracia”. Para sua concretização é necessária a procedimentalização, ou seja, abertura de vários canais de comunicação para facilitar a atuação direta ou indireta de todos nas discussões jurídicas. Abertura objetiva (liberdade para 259 260 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 239. BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 205. 135 o intérprete criar o direito na aplicação da norma ao caso concreto) e subjetiva do Direito (evita o totalitarismo do intérprete e permite a participação popular). As respostas para as questões jurídicas podem ser encontradas no processo de democratização dos espaços de interpretação e aplicação do Direito. A abertura subjetiva assegura a participação da população nos processos formais de produção normativa. O objetivo é “iluminar caminhos que conduzam a uma democracia participativa, aquela democracia de emancipação dos povos da periferia”261 e atingir a democracia plena, buscando na coletividade a solução para a interpretação dos problemas constitucionais. Perry advoga no sentido de que o direito deve agir como ferramenta para a defesa da minoria, especialmente quando prevalecem interesses majoritários que levam à agressão de um direito fundamental da minoria. “A função básica dessa prática é enfrentar os assuntos políticos de forma fiel à noção de evolução moral, não invocando simplesmente convenções morais estabelecidas, senão considerando tais assuntos como oportunidades para a revaloração moral e um possível crescimento moral”.262 Trata-se de fazer do direito uma técnica de proteção da minoria, sob o fundamento da democracia material. O juiz é cúmplice do processo de dominação dos interesses majoritários e está legitimado apenas para satisfazer os desejos da maioria. A hermenêutica jurídica é uma construção judicial da CF. Os Poderes Executivo e Legislativo legitimam-se através das eleições para prevalecer a vontade coletiva. Entretanto, o Poder Judiciário apresenta uma forma diferente de seleção de seus representantes, o que resulta em uma maior possibilidade de aplicar o direito independente da opinião da maioria. A solução do caso concreto deve ser sopesada para que a maioria não domine excessivamente a minoria. O Direito deverá ser aplicado para tutelar os direitos da minoria e efetivar a democracia. Deve-se construir uma Constituição aberta que permite a busca de fontes (tais como a moral) não expressas no texto normativo, que repercutem na interpretação criativa. Eis a construção do Direito no momento de sua aplicação ao caso concreto. O intérprete é livre na aplicação da proposição normativa e deve buscar a Justiça e não o expresso em lei. Perry adota o método interpretativista mais brando em algumas hipóteses concretas. Por ex., na técnica do judicial review a Corte Constitucional aplica preceitos interpretativistas 261 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legalidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 7. 262 PERRY, Michael apud PORRAS, Dourado. El debate sobre el control de constitucionalidad em los Estados Unidos. Madrid: Instituto de derechos humanos “Bartolomeu de Las Casas”, 1997, p. 101. 136 ao declarar se a norma é ou não constitucional a partir da utilização de valores especificados pelo constituinte originário.263 Na maioria dos problemas constitucionais, as transformações sociais exigem que os valores sejam firmados, não pelo legislador, mas sim pelo intérprete. Rawls defende a Justiça social sob o enfoque da social democracia. As quatro funções da filosofia são partes da cultura política pública, assim discriminadas: resolver o problema da ordem diante de conflitos irreconciliáveis; contribuir na construção do novo pensamento das instituições políticas e sociais, estabelecendo status políticos (cidadania e democracia); conciliação entre membros dos grupos sociais, apaziguando frustrações e aceitando o mundo racionalmente; limitar a possibilidade política praticável.264 O Direito dos povos é uma concepção política particular de Direito e Justiça que se aplicaria aos princípios e normas do Direito e das práticas internacionais. Para que se tenha no Direito dos Povos uma sociedade democrática constitucional razoavelmente Justa, Rawls apresenta sete condições para uma Justiça realista, a saber: a) deve ela valer-se das leis da natureza e possuir estabilidade, que viria a partir do senso de Justiça; b) que seus primeiros princípios e preceitos sejam funcionais e aplicáveis a arranjos políticos e sociais em andamento; c) o uso de idéias, princípios e conceitos (morais) para especificar uma sociedade razoável e Justa; d) exigência de que a categoria do político contenha em si todos os elementos essenciais para uma concepção política de Justiça, como a concepção de cidadão livre e de uma política liberal; e) a existência de instituições políticas e sociais que conduzem seus cidadãos a adquirir um sentido adequado de Justiça à medida que crescem e participam da sociedade; f) estabilidade social suficiente para fazer frente à diversidade religiosa, filosófica ou política; g) existência de uma idéia razoável de tolerância, derivada de idéias extraídas da categoria do político.265 Rawls concebe os direitos humanos sob dois enfoques: um como integrante de Justiça política liberal e como um subconjunto dos direitos e liberdades assegurados a todos 263 PERRY, Michael. The constitution and human rights, na inquiry into the legitimacy of constitutional policymaking by the judiciary. Yale: Yale University, 1982, p. 10. 264 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. Erin Kelly (Org.). Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 1-6. 265 RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 1722. 137 os cidadãos livres e iguais num regime democrático liberal e constitucional; outro, como integrante a uma forma social associativa, onde qualifica as pessoas numa situação que precede ao grupo – associações, corporações e Estados – eis que são membros do grupo e por isso têm direitos e liberdades que as capacitam a cumprir seus direitos e obrigações e a participar de um sistema decente de cooperação social. Para Rawls os direitos humanos são necessários para qualquer sistema de cooperação social.266 Compatibilizam-se as questões surgidas das exigências de liberdade e igualdade, instituídas a partir da construção teórica da Justiça como eqüidade. Concebe-se a sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação social que se perpetua de uma geração para a outra. Este enfoque pode ser perfeitamente adaptado na interpretação do Direito Ambiental de maneira eficaz. Tendo em vista as doutrinas acima transcritas, a utilização da hermenêutica constitucional americana na norma ambiental brasileira pode ser benéfica aos brasileiros, levando em consideração a sociedade de risco atual. As minorias não seriam prejudicadas com o desrespeito dos direitos humanos fundamentais, pois estariam juridicamente tuteladas. 5.7.2 A hermenêutica como instrumento de proteção ao meio ambiente Embora não seja considerada norma constitucional propriamente dita, a hermenêutica traça diretrizes políticas, filosóficas, ideológicas e linhas mestras interpretativas. Representa instrumento integrador do direito, fato jurídico e justiça social. A hermenêutica objetiva interpretar e aplicar no caso concreto o sentido e o alcance das normas jurídicas. Proporciona fundamentação argumentativa na solução dos conflitos. Através dela o jurista é cientista e aproveita do positivismo sua melhor contribuição.267 No âmbito processual as tutelas do meio ambiente são prestadas no regime da prudência e da vigilância.268 Inexistia uma língua intermediária para conciliar os valores em conflito. A lei e os códigos deveriam ser fielmente seguidos pelo legislador, como base da dogmática jurídica.269 266 RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 8889. 267 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A cultura do jurista. Formação jurídica. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 128. 268 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental: O princípio da precaução e sua aplicação judicial, Revista de direito ambiental, RT, São Paulo, n. 21, 2001, p. 99. 269 STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 107. 138 Com o passar dos tempos todas as normas jurídicas foram confeccionadas levando em consideração interesses (morais, religiosos, sociais) estabelecidos naturalmente pela sociedade. Influenciada por esta tendência a dogmática jurídica desencadeou a livre investigação cientifica, enfatizando o aspecto criador do saber jurídico.270 Na ciência jurídica todas as normas são passíveis de interpretação. O problema é que todas as normas trazem valores (sociais, morais, ideológicos), qual método interpretativo deve ser utilizado? Qual valor deve prevalecer? A hermenêutica constitui-se na criação de condições argumentativas razoáveis que fundamentam a decidibilidade. Consiste na captação dos valores implícitos na estrutura do paradigma jurídico-dogmático, enquanto considerado absoluto e adequá-lo para os interesses do direito socialmente aplicado. “A lei nunca é em si mesma nunca é ela mesma, porque somente se apresenta, aparece para nós mediante uma simbolização”.271 Aplicar a lei visando a reunir análises axiológicas de cada preceito normativo dentro do sistema. O significado do objeto é atribuído pelo sujeito, não é algo que sai do objeto e que o sujeito apreende. O trabalho do intérprete deve partir sempre do novo272 é um trabalho construtivo de natureza criativa de adjudicação do sentido da norma273 e de respeito aos valores sociais, calcado no sistema lógico e valorativo da lei, funcionando como instrumento de ligação no sentido de criar a congruência da norma positivada (legalidade) com o fato desencadeado (fenômeno social), através de um método proporcional de interpretação, crítica, lógica, dialética, fundamentado no bom-senso. O princípio da proporcionalidade funciona como uma balança evitando excesso no respeito ao princípio da legalidade, considerando-o relativo para admitir uma interpretação que caracteriza o fenômeno social uma parte da vida coletiva em uma interpretação sociológica do direito. A doutrina de muito tempo vem tentando decifrar o fato do dinamismo nas mudanças de interesses dos valores sociais.274 Os valores sociais são conceitos estabelecidos pelo 270 271 272 273 274 COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 226. STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 240. SILVA, Keely Susane Alflen da Silva. Hermenêutica jurídica e concretização judicial. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2000, p. 75. ANDRADE, André Gustavo de. (Org). A constitucionalização do direito: a Constituição como locus da hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 114. SICHES, Recásens. Tratado de sociologia. Porto Alegre: Globo, 1970, p. 306. Desde remotos tempos, os fatos da mudança social fascinaram a mente humana, e ainda hoje eles formulam alguns dos mais sérios problemas sociológicos, ainda não solucionados. Por exemplo: qual é a direção da mudança social? Orienta- 139 próprio homem que é por excelência zetético, ou seja, investigador e em razão disso, há uma evolução do conhecimento, da tecnologia que inerente aos anseios sociais do mundo contemporâneo. Por isso, o objeto de conhecimento nunca será o mesmo, sempre haverá modificação no conceito desse objeto, sob o ponto de vista da época e dos interesses justificadores. A função do julgador, de real importância para o Direito, deve embasar-se sobre um tripé que implica em três noções que procuram responder a seguinte pergunta: Como deveria ser a formação do juiz brasileiro? a) A preparação envolvendo a Escola Superior da Magistratura; b) a participação em curso destinado ao treinamento das técnicas da função depois de aprovado e nomeado; c) a obrigatoriedade de continuar estudando.275 O ordenamento jurídico indica as técnicas pelas quais o julgador interpretará a norma. A hermenêutica preenche as incompletudes insatisfatórias no seio jurídico diante da dinâmica social.276 “O direito é considerado como um dado de fato sociológico”.277 Intuindo racionalmente.278 É uma elucubração cognoscitiva que acolhe os postulados sociológicos que determinam o aparecimento da regra que se interpreta.279 Trata-se de um direito material contido em uma demanda. Necessita da jurisdição para a realizar a tutela pretendida. Torna inevitável a constante revisão do sistema jurídicoprocessual, culminando com a implementação de técnicas e instrumentos – hermenêutica jurídica – adequados à obter tutela jurisdicional efetiva e justa. O juiz ao decidir uma demanda ambiental deve se utilizar das referidas técnicas para validar suas argumentações, mesmo estando autorizado a julgar subjetivamente ao aplicar a norma. Caso contrário agiria arbitrariamente em descompasso ao princípio da legalidade. O intérprete do Direito Ambiental ao respeitar a opinião da sociedade para decidir determinado caso não assume sozinho os futuros riscos provenientes desta decisão. O posicionamento brasileiro servirá para alterar a consciência ambiental da população e reduzir os danos ambientais. se a uma finalidade ou, pelo contrário, se desenvolve a deriva, de modo puramente casual? Em caso de existir tal finalidade, ou de que, pelo menos, exista algum sentido, a mudança social se dirige ao progresso, à degeneração, a alguma catástrofe, ou a uma simples extinção? Qual a forma da mudança social? Quais as suas condições? Quem é o agente produtor da mudança social? Quais os fatores que o estimulam? Até que ponto e como a mudança social pode ser controlada? 275 NALINI, José Renato. (Coord.). A formação do juiz brasileiro. Formação jurídica. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 148. 276 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbernkian, 1996, p. 276. 277 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 222. 278 DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. São Paulo: RT, 1985, p. 12. 279 FLORIDO, Luiz Augusto. Hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1993, p. 5. 140 Urge uma interpretação harmonizada dos dispositivos constitucionais existentes no ordenamento jurídico, bem como uma adequação das figuras já existentes no sistema atual a fim de tornar efetiva e concreta a aplicação de exemplos benéficos como a hermenêutica constitucional americana pós-moderna. A sociedade contemporânea não vive mais o dilema dos anos 50: Socialismo ou Barbárie, mas sim um outro dilema: Sustentabilidade ou Barbárie. Como os danos ambientais passam a ter uma repercussão global, é necessária a colaboração de todos e o incentivo à discussão a nível mundial dos riscos ao futuro da biota. A efetiva participação da sociedade civil organizada através da consolidação do Direito à informação é fundamental. A utilização de métodos de hermenêutica constitucional que possibilitem uma adequação da norma constitucional às necessidades sócio-ambientais é indispensável a fim de solucionar os problemas elencados acima e também diminuir o receio em relação ao futuro da humanidade. 5.8 As Hipóteses de Relativização Indubitavelmente, o contido no artigo 475-L, § 1º, e no parágrafo único do artigo 741, ambos do CPC, representam a hipótese mais polêmica de relativização da coisa julgada. Estruturalmente, tais artigos tratam das matérias que poderão ser elencadas na impugnação à execução fundada em título judicial. O rol de hipóteses é taxativo e, por isso, numerus clausus. Tanto o artigo 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, ambos do CPC, tratam de matérias idênticas. Dentre as matérias, encontra-se a possibilidade do executado fundamentar sua impugnação na inexigibilidade do título executivo. E acrescenta tais dispositivos que se considera também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo STF como incompatíveis com a CF. A origem dessa regra é controversa, tendo em vista que foi inserido no corpo do CPC por força da M. P. n°. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, mas que foi alterado por conta da promulgação da Lei nº. 11.232/05. Há duas hipóteses legalmente permitidas de relativizar a coisa julgada: por superveniente declaração de inconstitucionalidade do STF (o título fundado em lei ou ato normativo são declarados inconstitucionais pelo STF) ou por incompatibilidade de precedentes do STF (título fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo 141 tidas por incompatíveis pelo STF com a Constituição Federal). Em qualquer hipótese poderá o executado manifestar a inconstitucionalidade do título executivo ou a sua incompatibilidade com a CF. O presente trabalho versa sobre uma hipótese de relativização da coisa julgada que, apesar de não estar legalmente prevista no ordenamento jurídico, representa a melhor solução em matéria ambiental, fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e na defesa do direito à vida do ser humano, constitucionalmente consagrados. 5.9 A Relativização da Coisa Julgada em Matéria Ambiental O instituto da coisa julgada está assentado no princípio constitucional da segurança jurídica e é por meio dele que o ordenamento veda a perpetuação de litígios. Pela coisa julgada o “direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial”.280 Há um forte movimento doutrinário de defende a relativização da coisa julgada atípica, já que há hipóteses de revisão da coisa julgada típicas que, dessa forma, já é relativa, como observa Barbosa Moreira.281 O primeiro doutrinador a suscitar a tese da relativização no Brasil foi Delgado282 ao defender, a partir de sua experiência na análise de casos concretos, a revisão da carga imperativa da coisa julgada toda vez que afronte princípios da moralidade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, ou se desafine com a realidade dos fatos. Dinamarco afirma que a coisa julgada só deve ser imutável consoante as máximas da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, quando não seja absurdamente lesiva ao Estado, não ofenda a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.283 Marinoni critica a relativização da coisa julgada material, por entender que esta tese não garante a correção dos julgamentos dos juízes. Afirma que “admitir que o Estado-Juiz errou no julgamento que se cristalizou, obviamente implica aceitar que o Estado-Juiz pode 280 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1988, p. 20. 281 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Org.). Relativização da coisa julgada – enfoque crítico. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 199. 282 DELGADO, José. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas – efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais, Revista de processo, RT, São Paulo, n. 103, 2001. 283 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, Revista de processo, RT, São Paulo, n. 109, 2003, p. 24-25. 142 errar no segundo julgamento, quando a idéia de ‘relativizar’ a coisa julgada não traria qualquer benefício ou situação de justiça”.284 A prestação jurisdicional em matéria de meio ambiente significa a própria vida ou qualidade de vida de uma coletividade, valor maior que a sociedade deve fazer prevalecer. Nos últimos trinta anos a segurança jurídica perdeu a importância por estar vinculada à idéia de um modelo de jurisdição que servia ao Estado e não ao cidadão. Este paradigma garantia que o juiz não construísse um direito concreto diferente, distanciando do direito posto pelo legislador, segundo a premissa da segurança jurídica, tudo sairia de acordo com o previsto na lei. Os arts. 1º e 2º da CF derrubaram esta premissa. A segunda vem da vida, da ciência, da cultura, do poder do homem de não se aquietar. As novas tecnologias, os novos conhecimentos derrubam com poder científico a atividade cognitiva levada a efeito na fase de produção de prova que autorizou a sentença qualificada pela indiscutibilidade do que foi declarado ou, pela imutabilidade de seus efeitos. Um dos primeiros questionamentos levados a efeito na discussão da relativização da coisa julgada aconteceu no âmbito do Direito de Família, mais precisamente nas ações de paternidade. Até a década de 1980 as investigações de paternidade praticamente contavam como meio de prova com o art. 332 do CPC (prova documental, testemunhal, confissão e exames hematológicos que indicavam a negativa de paternidade). Os exames de DNA só começaram a ser aplicados, mais recentemente, em ações em tramitação no curso da fase probatória, gerando sentenças de alto grau de probabilidade de acerto, considerando a condição de natureza humana dos sujeitos da relação processual. Na década de 1990, quando os primeiros laboratórios começaram a oferecer tais serviços, o acesso e o preço nem sempre estava ao alcance de grande parte da população. Este novo meio de prova tem sido utilizado para relativizar a coisa julgada, não só para instituir novos processos, mas para derrubar processos velhos, já julgados, revendo-se a coisa julgada, segundo o art. 485, inc. VII, do CPC, que passa a ser analisado a partir de um enfoque constitucional. O instituto da segurança jurídica da coisa julgada em conflito com o direito fundamental do ser humano de ver reconhecida sua origem familiar e direitos daí decorrentes. Os direitos ambientais se relacionam com os direitos fundamentais. A possibilidade de rever uma decisão razoável para aquele processo, naquele momento histórico, em um 284 MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais: a questão da relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 163. 143 conflito subjetivo envolvendo direitos individuais, porque estão em jogo direitos fundamentais subjetivos individuais, esta relativização se justifica mais se impõe a vida, a saúde, a qualidade de vida de uma coletividade, caso o meio ambiente estiver em risco. Por se tratar de um processo coletivo, por envolver toda a coletividade como titular dos direitos ou interesses difusos e/ou coletivos que se encontram em tese agredidos por desrespeito ao meio ambiente. O direito a proteção ambiental não se esgota em um determinado momento temporal, é permanente, se sucede e se repete, se renova dia após dia e não se caracteriza como sendo sempre o mesmo. Esta reincidência temporal se mostra ou pode se mostrar com novas faces, que devem ser enfrentadas em suas peculiaridades. Há que se construir mecanismos alternativos de composição de cada situação danosa, e que podem, até, se possível sua previsão, serem contemplados na própria sentença. Arnaud partindo da crítica da jurisdição praticada no passado interpreta a atividade jurisdicional como uma prestação do poder público complexa que produz decisão voltada para reger o futuro. Até por volta de 1950 quando o magistrado tomava uma decisão sabia igualmente como tomá-la, e podia prever quase todas as suas conseqüências.285 A decisão complexa resulta da conjunção recursiva de três operações sistemáticas que consistem na construção dos problemas, na sua projeção sob forma de planos e na seleção da boa decisão, no sentido de ser a mais satisfatória. Cada um destes níveis é constituído de um sistema, suas regras permitem formar, sob a forma de cânones, expressões tendo valor de proposições, em nome das quais podem ser selecionados alguns entre eles, que pertencem a uma classe particular, correspondem às exigências científicas de verdade, e fornecerão a partir deste fato os teoremas do sistema. Caracterizam três subsistemas formando, por conjunção, o sistema da decisão complexa. O que se pretende mostrar com tais argumentos? Que se caminha para uma prestação jurisdicional cada vez mais voltada para reger o futuro e não o passado, ainda que este também mereça, caso a caso, alguma regulamentação e composição. Quanto à composição pretérita, os velhos ensinamentos da coisa julgada persistem. A regulamentação futura há de se repensar os nossos institutos processuais. Esses institutos devem ser repensados sob um único ângulo: o da CF e dos direitos fundamentais. Deve-se discutir um paradigma de sentença em matéria ambiental para regulamentar as situações conflituosas não apenas no sentido de reparação dos danos causados, mas dando285 ARNAUD, André-Jean. O juiz e o auxiliar judiciário na aurora do pós-modernismo, Revista ajuris, Porto Alegre, Del Rey, v. 53, nov. 1991, p. 223-237. 144 se ênfase às medidas inibitórias e executivas de tutela do meio ambiente, preservando a vida do povo brasileiro. Vida humana, em outras palavras, é pressuposto de fruição dos direitos fundamentais, tanto que esses são chamados de ‘bens da vida’. Assim sendo, como se pode conceituar meio ambiente ecologicamente equilibrado de uso comum do povo, mas essencial à vida humana? É aquele assegurado pelo respeito à dignidade humana. Esse princípio está arrolado expressamente no art. 1º, inc. II, da CF. Assim, para que a pessoa humana possa ter uma qualidade de vida digna é necessário que lhe seja assegurado o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança, ao lazer, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados (art. 6º da CF), que Celso Antonio Pacheco Fiorillo denominou piso vital mínimo.286 São direitos indispensáveis e fundamentais no Estado Democrático de Direito.287 (grifo do autor). Tais decisões, voltadas para o futuro, sejam sentenças mutáveis, modificáveis conforme a necessidade/exigibilidade das circunstâncias fáticas, “frente ao direito fundamental da vida, propondo desde logo soluções alternativas, ou que estas alternativas se façam ao longo do caminho, conforme as situações de fato o provoquem, nos próprios autos do processo”.288 Este desafio ao estudo discutiria a relativização da mutabilidade da sentença nas ações em matéria de meio ambiente e não a relativização da coisa julgada. Significa um avanço histórico o início da reflexão sobre a sentença, como ato de comando voltado para o futuro, a coisa julgada já não se revestirá de importância, pois a criação deste instituto diz com a sentença que, secularmente, se consagrou por sua imutabilidade, enquanto as exigências dos novos direitos reclamam decisão judicial caracterizada pela sua mobilidade. A relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade ocorre quando se verifica não ter havido ampla produção de provas ou supressão de algum direito de defesa. O fato de ter sido comprovada a paternidade por exame com aplicação de método diverso do DNA, por si só, não autoriza a relativização da coisa julgada.289 286 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 53. 287 SIRVINSKAS, Luís Paulo. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela constitucional do meio ambiente. Interpretação e aplicação das normas constitucionais ambientais no âmbito dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 16-17. 288 MACEDO, Elaine Harzheim. Relativização da coisa julgada em matéria ambiental, Revista de direito ambiental, RT, São Paulo, ano 12, n. 42, 2006, p. 74, proposta extraída da palestra ministrada no Curso de Processo Coletivo Ambiental, promovido pelo Instituto O Direito por um planeta verde, da Escola Brasileira de Política e Direito Ambiental, em novembro de 2005, junto à UFRGS. 289 TJ/RS, AC nº. 70016436404, Rel. Ricardo Raupp Ruschel, j. 11/04/07, DJ 19/04/07. 145 A relativização da coisa julgada não é possível por meio de pedido incidental em ação de execução.290 O não reconhecimento da paternidade no âmbito de ação de investigação de paternidade anteriormente ajuizada pela apelante contra o réu, cuja sentença de improcedência se baseou não só no exame de DNA que excluiu a paternidade, mas também na prova oral, não autoriza a relativização da coisa julgada e a renovação da investigatória.291 Embora admissível a relativização da coisa julgada para permitir a realização de exame de DNA em processo de investigação de paternidade, uma vez que essa tese já foi repelida pelo colegiado, resultando na extinção da segunda demanda proposta. A investigação de paternidade ajuizada pela terceira vez foi indeferida sob a alegação da impossibilidade de relativização da coisa julgada fundamentada em decisão que determina a realização de exame de DNA.292 Hipótese que não contempla flexibilização. A relativização da coisa julgada tem sido admitida em demandas cuja natureza, tais como as de estado, as justifique. Hipótese restrita a mero direito patrimonial não comporta a flexibilização de instituto que está a serviço da segurança jurídica.293 A jurisprudência no sentido de reconhecer a relativização da coisa julgada é bastante rara. A maior parte dos julgados indefere os pedidos de flexibilização. O fundamento utilizado é o fato do desrespeito à segurança jurídica. Nossos Tribunais preferem garantir a segurança jurídica em prejuízo da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e do princípio da proporcionalidade. Urge uma séria mudança nesta concepção. Brilhante foi o entendimento do TJ/RS ao julgar procedente ação de investigação de paternidade, reconhecendo a relativização da coisa julgada material e autorizando a propositura de nova ação. O fundamento utilizado para embasar a decisão foi que o valor que a coisa julgada visa resguardar é justamente o da segurança jurídica, e esse valor deve ser posto em cotejo com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consagrado no art. 1.º, inc. III, da CF, ou seja, o da dignidade da pessoa humana.294 Este julgado deve servir de parâmetro a fim de que ocorra uma reforma em nossos Tribunais para que seja efetiva a relativização da coisa julgada ambiental, em benefício da sociedade e do meio ambiente. 290 TJ/RS, AgIn nº. 70021761846, Rel. João Carlos Branco Cardoso, j. 26/03/08, DJ 30/04/08. TJ/RS, AC nº. 70022195580, Rel. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 19/12/07, DJ 16/01/08. 292 TJ/RS, AgIn nº. 70015332232, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 19/07/06, DJ 31/07/06. 293 TJ/RS, RC nº. 71000709469, Rel. Luiz Antônio Alves Capra, j. 24/08/05, DJ 21/09/05. Neste sentido TJ/RS, AC nº. 70010899953, Rel. Naele Ochoa Piazzeta, j. 21/07/05, DJ 03/08/05; TJ/RS AC nº. 70010889681, Rel. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 23/03/05, DJ 05/04/05. 294 TJ/RS, AC nº. 70008102378, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 29/09/04. 291 146 5.10 Efeitos da Relativização: a Causa de Pedir e a Tutela Ambiental Individual Na proteção ambiental ressaltam-se dois direitos fundamentais: o direito à vida (art. 5º, caput da CF) e o direito ao meio ambiente equilibrado (bem jurídico de uso comum do povo é detectado sob âmbito do direito coletivo ou difuso consoante o art. 225 da CF). Como são indisponíveis por natureza, qualquer ação ambiental terá como causa imediata a efetivação da proteção desses direitos; isso torna a ação ambiental indisponível, por buscar a proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente. A causa de pedir na ação ambiental mostra-se própria para receber os postulados da teoria da individualização que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional, permite maior flexibilização na dedução dos fatos, enfatizando o direito a que se busca proteção jurisdicional e permite a fungibilidade de tutelas quando presentes os requisitos autorizadores. A ação ambiental persegue a proteção de direitos indisponíveis. Em razão de haver proteção à vida e ao meio ambiente, a causa de pedir poderá admitir mutações fáticas e a fungibilidade no modo de cumprimento de tutela jurisdicional consistente em reparar lesão ou ameaça de poluição. A conversão de tutelas somente é cabível entre ações que incidam obrigação de fazer e de não fazer. O pedido de compensação pecuniária é endereçado exclusivamente para compor o Fundo Ambiental e deverá ser objeto específico em ação própria, dado o seu caráter patrimonial e por não se destinar à proteção ambiental. A teoria da individualização permitirá o exercício da translatividade no recurso da apelação, eis que as proteções ao direito à vida e ao meio ambiente são indisponíveis por serem de ordem pública. 147 6 CONCLUSÃO O instituto da coisa julgada não é um dogma instransponível, mas uma técnica de que se pode valer o legislador, quando entender oportuno (sob o ponto de vista da conveniência social e da estabilidade de certas relações jurídicas) que determinados tipos de julgados permaneçam imutáveis e projetem essa imutabilidade erga omnes. A coisa julgada deve se harmonizar com outros valores constitucionais de igual ou maior grandeza. A flexibilização da coisa julgada material deve afastar infrações à CF, como exceção. A ação rescisória é instrumento inadequado para solucionar o problema da coisa julgada inconstitucional, serve apenas para declarar a nulidade de uma sentença e não para desconstituir uma sentença válida. A ação rescisória se restringe ao prazo prescricional de dois anos, enquanto as nulidades não se convalidam. A evolução tecnológica pode justificar o afastamento da coisa julgada, principalmente em ações ambientais, por ex., detritos jogados em rio que sejam prejudiciais aos peixes, não é falta de provas, mas falta de estudos científicos para provar que aquele detrito é prejudicial aos peixes, posteriormente se comprova o efeito danoso destes detritos às pessoas que ingeriram estes peixes, a coisa julgada deverá ser relativizada. O processo civil tradicional muitas vezes é incapaz de tutelar, de forma efetiva, o meio ambiente, tornando-se ineficaz. A efetividade do processo busca não apenas a entrega de uma prestação jurisdicional rápida, mas também adequada ao interesse tutelado. Urge a elaboração de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos, capaz de amparar os novos direitos surgidos com a massificação da sociedade. O Anteprojeto de CBPC concede ao juiz medidas como desmembrar um processo coletivo em dois (um para a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, outro para a proteção dos individuais homogêneos), para facilitar a tramitação; certificar a ação como coletiva; dirigir como gestor do processo a audiência preliminar, decidindo desde logo as questões processuais e fixando os pontos controvertidos, quando falharem os meios alternativos de solução de controvérsias; flexibilizar a técnica processual. O Tribunal poderá suspender processos individuais até o trânsito em julgado da sentença coletiva. O Anteprojeto de CBPC protege o bem jurídico e interpreta extensivamente o pedido e a causa de pedir. As causas serão reunidas com maior facilidade e a litispendência terá um âmbito maior de aplicação. O reforço da coisa julgada de âmbito nacional e a expressa possibilidade de controle difuso da constitucionalidade pela via da ação coletiva, levarão o processo coletivo a molecularizar os litígios, evitando o emprego de inúmeros processos. 148 O processo coletivo repudia o esquema rígido da legitimação no processo individual e adota uma legitimação autônoma, concorrente, aberta e múltipla. O instituto da representatividade adequada, desconhecido do processo individual, alicerça a legitimação no processo coletivo, exigindo que o portador em juízo dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos apresente as necessárias condições de seriedade e idoneidade, até porque o legitimado é o sujeito do contraditório, do qual não participam diretamente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. A LACP e o CDC revolucionaram o processo civil brasileiro, mas não desafogaram o Poder Judiciário de ações repetitivas, nem garantiram tratamento isonômico aos jurisdicionados que se encontram em situação idêntica, evidenciando o atual colapso da Justiça. O problema está na disciplina da litispendência e da coisa julgada nas ações coletivas, marcadas pela prioridade às ações individuais e pela extensão secundum eventum litis ou in utilibus da coisa julgada à esfera jurídica dos membros do grupo ou categoria, de sorte que a decisão de improcedência do pedido não impede a propositura de ações individuais. A persistência do modelo vigente choca-se com a tendência e o movimento de outorga de eficácia vinculante às decisões dos Tribunais Superiores e reduz a efetividade do processo coletivo. A superação das atuais vicissitudes da ação coletiva passa pela adoção de um sistema de coisa julgada coletiva que valorize o julgamento de mérito nela proferido, ficando os interessados, na hipótese de direitos individuais homogêneos, vinculados ao seu comando, mesmo no caso de improcedência do pedido. As normas do microssistema brasileiro sobre a ACP privilegiam o foro do local dos danos, criando competências concorrentes. Mais importante e reveladora é a natureza absoluta da competência territorial. Além da inversão do ônus da prova, ope judicis, prevista no CDC, o Anteprojeto de CBPC adota o critério dinâmico da distribuição do ônus da prova, cabendo a prova dos fatos a quem tiver maior proximidade e maior facilidade para demonstrá-los. No processo individual, a liquidação da sentença abrange apenas a quantum debeatur, ao passo que na liquidação da sentença coletiva condenatória à reparação dos danos individualmente sofridos (interesses ou direitos individuais homogêneos) é necessário, além da quantificação dos prejuízos, apurar parte do an debeatur (a existência do dano individualmente sofrido e o nexo causal com o dano geral reconhecido pela sentença). Diferenças profundas entre os institutos fundamentais do processo individual e do coletivo podem ser encontradas nos poderes do juiz e do MP, no efeito meramente devolutivo da apelação, na competência para a liquidação e a execução e na execução provisória. Todas estas diferenças ressaltam a necessidade do surgimento de um novo ramo do Direito 149 Processual, o Direito Processual Coletivo, com princípios e institutos próprios e como objeto a tutela jurisdicional dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A técnica da hermenêutica fundamenta a coerência do sistema, somado ao fato social (interesse pelo meio ambiente preservado) e a dialética do sistema normativo (lingüística), resulta em uma solução fundamentada, sob o ponto de vista sociológico. A hermenêutica deve propiciar condições para que o paradigma normativo interaja na realidade social de forma efetiva, manifeste e se desenvolva para atender aos princípios sociológicos. A CF inovou na questão ambiental. Considerou o meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo. O Direito Ambiental possui seus próprios princípios diretores. Do princípio basilar da dignidade da pessoa humana decorrem todos os demais subprincípios do Direito Ambiental. O valor da dignidade da pessoa humana se incorpora às exigências de Justiça e dos valores éticos conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro. O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração das políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente. O princípio da precaução é o princípio jurídico ambiental apto a lidar com situações nas quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por novos produtos e tecnologias que ainda não possuam acumulação histórica de informações que assegurem as conseqüências que poderão advir de sua liberação no ambiente. Diante da incerteza científica a prudência deve evitar danos que, muitas vezes, não poderão ser recuperados. O princípio da precaução diferencia-se do princípio da prevenção quanto a natureza e teleologia, destoam na finalidade buscada. O princípio do poluidor-pagador obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser causada. A gênese deste princípio sofreu inúmeras críticas, inclusive considerando que o mesmo pode conduzir à possibilidade de alguém poluir mediante pagamento e à responsabilização do autor do dano pelos prejuízos causados. O dano ambiental para ser concretizado não exige o elemento psicológico do agente causador. Submete-se à responsabilidade objetiva. O principal problema dos valores econômicos associados aos danos ambientais reside na identificação quali-quantitativa da degradação da qualidade ambiental, uma vez que os profissionais de formação jurídica necessitam de conhecimento técnico especializado para análise da atividade geradora de impacto socioambiental. 150 O evento danoso e o nexo de causalidade são os pressupostos da responsabilidade por dano ambiental. Há várias teorias sobre a responsabilidade objetiva: do fato da coisa, do risco de serviço, do risco criado e do risco integral. O agente poluidor deve ser responsabilizado integralmente dos riscos oriundos de sua atividade. Evidenciado o liame entre a causa e efeito do dano ambiental, o agente responde por sua obrigação. A prova do nexo de causalidade em face do dano ambiental deverá ser atenuada ou invertida. A necessidade da concepção de uma tutela preventiva consubstanciada na tutela inibitória é capaz de, no âmbito processual, prevenir a ocorrência ou a continuidade de ilícito praticado contra o meio ambiente. É fundamental para a sua tutela conceber um mecanismo de prevenção e não de sanção ou reparação. Essa tutela preventiva deve ser privilegiada em relação à sancionatória e à reparatória. A tutela de remoção do ilícito (reintegratória) visa a remover ou eliminar a causa do dano. A AP pode ser ajuizada por qualquer cidadão, visa a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. A AP não se presta para a plenitude da defesa ambiental, em termos de abrangência de todas as hipóteses de danos potenciais ou não ao meio ambiente. Será viável em agressões ambientais por atividades dependentes de autorizações do Poder Público para o exercício. A LACP foi promulgada para disciplinar as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A técnica legislativa empregada não foi das melhores. O Anteprojeto de CBPC estabelece como objeto da tutela coletiva os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A AP anula o ato, não previne o dano. Diferente da ACP, a AP não pode conter tutela inibitória. No intuito de corrigir essa falha o Anteprojeto de CBPC permite o ajuizamento de ACP por qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos e individuais homogêneos, dentre outros. O TAC é uma medida administrativa de composição, um título executivo extrajudicial em que se pactua, sob pena de multa por descumprimento de obrigações de fazer ou de não fazer. O TAC configura uma tentativa na luta pelo desafogo do Judiciário. O MSC é um remédio constitucional posto à disposição de certas entidades a fim de preservar os direitos garantidos pelo MS individual, que envolvam interesses de um grupo maior e mais indefinido de pessoas. O escopo maior do instituto é efetivar os direitos dos 151 membros das classes, sob o convencimento de que cada indivíduo, separadamente, teria tolhido seu ânimo de acesso ao Judiciário, receando represálias de agentes mais poderosos. Critica-se MSC para salvaguardar direito difuso, pela impossibilidade de direito líquido e certo na seara dos direitos difusos. Defende-se o direito líquido e certo da coletividade ao desfazimento de um ato praticado por autoridade pública em flagrante agressão ao meio ambiente. Os efeitos da coisa julgada no MSC estão a merecer regramento específico pelo legislador. O MIC é ação constitucional utilizada sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Garantia fundamental e cláusula pétrea. Instrumento hábil para tutelar o meio ambiente. O CDC é uma das mais importantes ferramentas garantidoras dos direitos ligados à dignidade da pessoa humana. Consolidou a proteção contratual em favor do consumidor, o acesso à Justiça, a possibilidade de concessão assistência integral e gratuita para os consumidores carentes, a inversão do ônus da prova em casos de verossimilhança das alegações do autor ou notada hipossuficiência, decretação da nulidade de cláusulas abusivas, dentre outras. Estas tutelas também devem ser implementadas na questão ambiental. Cabe o aprimoramento e uma maior exploração da potencialidade destas técnicas processuais. Não se pode centrar toda a efetividade da CF na judicialidade. Outras técnicas de participação política devem ser criadas, com base nas regras do jogo democrático, e que permitam a todos o pleno exercício da cidadania. A coisa julgada é um dos temas que está a exigir a sua relativização, principalmente no sentido de respeitar aos princípios da moralidade, legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. Sentenças que ofendem valores humanos, de dignidade são inadmissíveis, porque se chocam com elevados princípios. No âmbito da relativização da coisa julgada ambiental deve prevalecer o livre acesso à Justiça, culminando com o dogma da coisa julgada, bem como com o excesso de zelo ao princípio da segurança jurídica. A lei vigente é a fonte normativa do sistema processual brasileiro em virtude do princípio da legalidade; diferentemente do devido processo legal, cuja fonte normativa decorre dos costumes e da razão. Por isso, a lei é fonte do direito processual. Entretanto, a aplicação dos costumes e da razão no sistema processual brasileiro é muito pequena. O princípio do devido processo legal no sistema processual brasileiro é ineficaz em virtude do sistema romanístico adotado, que não possui mecanismos para maior participação. 152 A causa de pedir na ação ambiental recebe os postulados da teoria da individualização, que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional. Permite maior flexibilização na dedução dos fatos e atribui maior relevo a indicação do direito para o qual se busca a proteção jurisdicional. A teoria da substanciação não é viável na ação ambiental, porque somente expõe pormenorizadamente os fatos constitutivos do direito do autor, eis que sobre eles poderá haver a construção da tutela jurisdicional pretendida pelo autor. Nesta teoria incide o princípio da eventualidade, pois o autor deve deduzir todos os fatos e pedidos na primeira oportunidade processual que lhe é cabível, sob pena de o juiz não os conhecer posteriormente. A teoria da individualização permite a fungibilidade de tutelas, quando presentes os requisitos autorizadores para a tutela de um determinado direito. A ação ambiental deverá seguir a teoria da individualização, eis que persegue a proteção de direitos indisponíveis, devendo-se admitir a fungibilidade de pretensões entre aquelas que incidem em obrigação de fazer e de não fazer. A adoção da teoria da individualização na causa de pedir permite que desde o primeiro grau de jurisdição já se pré-questione norma constitucional para um futuro e eventual recurso extraordinário. Já se invoca a incidência de normas constitucionais para compor o conhecimento jurídico de causas ambientais desde o primeiro grau de jurisdição e obter acesso ao STF para um eventual recurso extraordinário quando essas normas constitucionais forem mal aplicadas ou mal interpretadas. As obrigações de fazer, não fazer e dar quantia determinada, quando destinadas a remover o dano e o ilícito ambiental poderão ser concedidas de ofício pelo juiz se aquelas requeridas na ação ambiental se mostrarem insuficientes para a satisfação da tutela específica. O meio ambiente é um direito indisponível, eis que necessário para proteger a vida, e assim propiciar a utilização da teoria da individualização da causa de pedir. Em razão do princípio da individualização da causa de pedir a prova pericial da ação ambiental deverá demonstrar a ocorrência de algumas das hipóteses do art. 3º, inc. II, da Lei 6.938/81. O EIA/RIMA é indispensável para a realização de obras ou serviços que apresentem potencial poluente, integra o espectro de atividades da Política Nacional do Meio Ambiente. Ainda não há uma disciplina normativa específica sobre a coisa julgada ambiental. Por isso, há que invocar a incidência do art. 103 do CDC para disciplinar a coisa julgada nas ações coletivas e os artigos 467 a 475 do CPC sobre a coisa julgada em ações individuais. A coisa julgada coletiva brasileira é muito diferente da coisa julgada americana, principalmente quanto aos efeitos. Entretanto, no âmbito da relativização da coisa julgada 153 ambiental a experiência americana é melhor desenvolvida, merecendo a interpretação da doutrina e jurisprudência brasileiras. Trata-se do fim de uma utópica segurança jurídica e o privilégio da efetividade, do acesso à Justiça, do direito à vida e da interpretação integrada dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da participação. Se todos os requisitos impostos pela lei forem respeitados durante a condução do processo coletivo, a coisa julgada coletiva do ordenamento americano se formará em face de todos os membros do grupo independentemente do resultado da demanda. O ordenamento americano dispõe de técnicas e instrumentos que tornam o processo coletivo mais adequado e flexibilizam a incidência da coisa julgada coletiva, se tais normas não forem respeitadas. É exatamente esta flexibilidade da coisa julgada que falta no direito brasileiro, ante a ausência de avanço científico na demonstração do dano ambiental. Nesta hipótese, fundamentada principalmente no direito à vida, no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da proporcionalidade a coisa julgada em matéria ambiental deve ser relativizada. Referida hipótese não deve ser confundida com o trânsito em julgado da ação coletiva por falta de provas, quando o juiz reconhece expressamente na sua fundamentação que julga por insuficiência de provas. Trata-se da hipótese em que o desenvolvimento da ciência na época da sentença não estava desenvolvido o suficiente para sequer imaginar a possibilidade de um futuro dano ambiental de conseqüências gravíssimas decorrente do dano ambiental julgado na ação ambiental em tela. As partes, nem mesmo o juiz terá como saber que alguma prova relevante deixou de ser produzida. Este é exato alcance da relativização da coisa julgada defendida neste trabalho. A regra no direito processual civil americano é a de que o juiz não está em condições de determinar o efeito da coisa julgada das suas próprias decisões. Seguindo esta sábia norma, o direito brasileiro deve ser interpretado de forma a não exigir que o juiz expressa ou implicitamente reconheça a falta de prova. Portanto, se a qualquer momento depois da decisão uma nova prova for descoberta que possa alterar a decisão do caso, a ação coletiva poderá ser reproposta. Essa interpretação liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na prática e não seja indevidamente limitada por uma exigência que não está na lei nem deriva do bom senso. O trabalho em epígrafe não defende a alegação de que a decisão coletiva original se baseou em insuficiência probatória para destituir a imutabilidade da sentença coletiva. É necessário apresentar uma nova prova na petição inicial de uma nova ação ambiental comprovando o avanço tecnológico no sentido de comprovar a existência do dano ambiental 154 decorrente do dano ambiental anterior. Desta forma, o juiz deverá aceitar a repropositura da ação ambiental. Enquanto a legislação não for alterada de forma a incluir esta hipótese, a sentença ambiental é imutável, ou seja, faz coisa julgada. Ao contrário do que ocorre com a necessidade de apresentar “documento novo” nas ações rescisórias, não é necessário demonstrar que a prova era pré-existente, ou que se ignorava sua existência ou que não se pôde fazer uso dela no processo original. A mera apresentação da nova prova é suficiente para a reabertura do processo. A nova prova pode derivar de um desenvolvimento da ciência. Igualmente, ao contrário do que ocorre com o documento novo nas ações rescisórias, a nova prova não precisa ser capaz, por si só, de assegurar pronunciamento favorável ao grupo. Todavia ela deve ser suficientemente relevante para justificar a possibilidade de um resultado diferente. O juiz da segunda ação coletiva deverá avaliar todas as provas disponíveis nos autos, inclusive aquelas consideradas insuficientes na ação anterior. Todavia, o juiz da segunda ação não deve rejulgar a causa, desconsiderando a decisão anterior: ele somente poderá alterar o resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova prova apresentada. Assim como a ação rescisória corresponde a um instrumento de relativizar a coisa julgada nas hipóteses taxativamente previstas em lei, a relativização da coisa julgada ambiental deverá ocorrer de forma específica, a fim de privilegiar uma coerente interpretação do ordenamento jurídico. A tendência mundial é a universalização do modelo das class actions, o mais bem sucedido e difundido entre os ordenamentos jurídicos do common law e do civil law. Essa tendência pode ser notada no Projeto de Código de Processo Civil Coletivo para a IberoAmérica e no Projeto de Antônio Gidi. O modelo brasileiro auxilia em muito na passagem das normas abertas do direito norte-americano para os ordenamentos de civil law. Temas importantes como a definição do conceito de direitos coletivos lato sensu, a disciplina peculiar da legitimação por substituição processual e a extensão da coisa julgada secundum eventum litis ou secundum eventum probationis são peculiaridades próprias do direito brasileiro que se repetem nos projetos para a harmonização das regras sobre processos coletivos nos países de civil law. A especial abertura do ordenamento brasileiro aos modelos norte-americanos se deve também a forte influência da tradição constitucional. O processo constitucional, com ações como a de MS e a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade, bem como a configuração do Poder Judiciário como poder revisor dos atos dos demais poderes (judicial 155 review) são a prolífica herança da Constituição de 1891 e de Rui Barbosa, inspiradas na Constituição Norte-Americana. A hermenêutica constitucional americana criou uma nova relação entre o texto normativo e o intérprete ao possibilitar a abertura da norma para a participação popular e a adequação dos textos legais à realidade social. Trata-se de importante ferramenta para concretizar a defesa ambiental. O objetivo é reduzir os riscos aplicando esta nova realidade à tutela ambiental, pela integração entre o texto e as relações fáticas. Julgamentos mais éticos e Justos são possíveis com a democratização da aplicação do Direito. Os métodos modernos e o pensamento inovador da hermenêutica constitucional americana devem ser utilizados na política ambiental brasileira. O fito é a abertura da norma ambiental brasileira para superar os riscos do desenvolvimento tecnológico e do crescimento industrial. Permite a reflexão sobre os riscos trazidos pelo progresso tecnológico. A hermenêutica inovadora defendida neste humilde trabalho se adapta ao contexto de risco vivenciado pela sociedade atual. Prima pelo contato do intérprete com a realidade social que o circunda no instante de aplicação da norma jurídica aos fatos sociais. A aplicação da hermenêutica constitucional americana na norma ambiental brasileira minimiza os prováveis riscos e malefícios da modernização e proporciona maior atuação da população no processo de decisão das questões ambientais e jurídicas. O presente trabalho versa sobre uma hipótese de relativização da coisa julgada que, apesar de não estar legalmente prevista no ordenamento jurídico, representa a melhor solução em matéria ambiental, fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e na defesa do direito à vida do ser humano, constitucionalmente consagrados. Há um forte movimento doutrinário que defende a relativização da coisa julgada atípica. O primeiro doutrinador a suscitar a tese da relativização no Brasil foi José Delgado ao defender, a partir de sua experiência na análise de casos concretos, a revisão da carga imperativa da coisa julgada toda vez que afronte princípios da moralidade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, ou se desafine com a realidade dos fatos. Posteriormente, José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco desenvolveram esta tese. A coisa julgada só deve ser imutável consoante as máximas da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, quando não seja absurdamente lesiva ao Estado, não ofenda a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A prestação jurisdicional em matéria de meio ambiente significa a própria vida ou qualidade de vida de uma coletividade, valor maior que a sociedade deve fazer prevalecer. 156 Nos últimos trinta anos a segurança jurídica perdeu a importância por estar vinculada à idéia de um modelo de jurisdição que servia ao Estado e não ao cidadão. Este paradigma garantia que o juiz não construísse um direito concreto diferente, distanciando do direito posto pelo legislador, segundo a premissa da segurança jurídica. As novas tecnologias e os novos conhecimentos derrubam com poder científico a atividade cognitiva levada a efeito na fase de produção de prova que autorizou a sentença qualificada pela indiscutibilidade do que foi declarado ou, pela imutabilidade de seus efeitos. A partir da década de 1990 as decisões nas ações de paternidade começaram a ser questionadas pelo surgimento do exame de DNA que assegura alta probabilidade de acerto. O direito a proteção ambiental não se esgota em um determinado momento temporal, é permanente, se renova. Esta reincidência temporal deve ser enfrentada com mecanismos alternativos de composição de cada situação danosa, previstos na própria sentença. Caminhase para uma prestação jurisdicional cada vez mais voltada para reger o futuro e não o passado. Quanto à composição pretérita, os velhos ensinamentos da coisa julgada persistem. A regulamentação futura há de se repensar os nossos institutos processuais sob o enfoque constitucional. Este desafio ao estudo discutiria a relativização da mutabilidade da sentença nas ações em matéria de meio ambiente e não a relativização da coisa julgada. Significa um avanço histórico o início da reflexão sobre a sentença, como ato de comando voltado para o futuro, a coisa julgada já não se revestirá de importância, pois a criação deste instituto consagra a imutabilidade à sentença, enquanto as exigências dos novos direitos reclamam decisão judicial caracterizada pela sua mobilidade. A relativização da coisa julgada ambiental tutela dois direitos fundamentais: o direito à vida (direito fundamental individual) e o direito ao meio ambiente equilibrado (bem de uso comum do povo no âmbito do direito coletivo ou difuso). Como os direitos à vida e ao meio ambiente são indisponíveis por natureza, qualquer ação ambiental terá como causa imediata a efetivação da proteção desses direitos; isso torna a ação ambiental indisponível, por buscar a proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente. A teoria da individualização permite a translatividade do recurso da apelação. A causa de pedir na ação ambiental mostra-se própria para receber os postulados da teoria da individualização que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional, permite maior flexibilização na dedução dos fatos, enfatizando o direito a que se busca proteção jurisdicional e permite a fungibilidade de tutelas quando presentes os requisitos autorizadores. 157 REFERÊNCIAS ACKEL FILHO, Diomar. Mandado de injunção, RT, São Paulo, v. 628, p. 37-45, 1988. AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito do meio ambiente e participação popular. Brasília: IBAMA, 1994. AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo: RT, 2003. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. ALIBRANDI, Tomaso; FERRI, Pergiorgio. I beni culturali e ambientali. Milão: Giuffrè, 1995. ALLORIO, Enrico. 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