UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR
CAMPUS UMUARAMA – SEDE
ANA CAROLINA COUTO MATHEUS
A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL
UMUARAMA
2008
1
ANA CAROLINA COUTO MATHEUS
A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Paranaense – UNIPAR – Programa de
Mestrado em Direito Processual e Cidadania, como
exigência parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Direito, sob a orientação do Prof. Dr.
Jônatas Luiz Moreira de Paula.
UMUARAMA
2008
2
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela bondade em permitir alcançar esse objetivo. À minha mãe, Regina, pelo
dom da vida e pelas lições que muito me fizeram e me fazem crescer. Agradeço o incentivo
nos momentos mais difíceis. Ao meu noivo, Renato, por compreender a importância deste
trabalho e pelo apoio na concretização deste sonho. Agradeço a todos os meus familiares,
principalmente, à minha avó materna, Lu, pelo amor incondicional. Agradeço aos meus
amigos por terem suportado minha ausência, mesmo quando eu estava presente.
Agradeço ao Prof. Dr. Jônatas Luiz Moreira de Paula pela atenção dedicada e aos
Profs. Drs. Luiz Fernando Coelho e Álvaro Sánchez Bravo meu agradecimento por comporem
a Banca Examinadora. Agradeço a todos os professores da UNIPAR, em especial, ao querido
Prof. Dr. José Aparecido de Souza. Agradeço aos inesquecíveis amigos que conquistei nesta
importante caminhada. Agradeço a atenção dos funcionários da UNIPAR. Agradeço as
sugestões da Profª. Drª. Marilda Beijo.
No último ano do Mestrado foi fundamental o apoio conferido pela CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) que, no cumprimento da
missão de promover, fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico e contribuir na
formulação das políticas nacionais assegurou a tranqüilidade necessária à realização da nobre
tarefa da produção científica.
3
RESUMO
A instrumentalidade do processo civil tutela as relações intersubjetivas com
instrumentos inadequados aos interesses metaindividuais. O presente trabalho destacou as
incompatibilidades dos institutos do processo civil individual em relação ao coletivo e
estudou a relativização da coisa julgada ambiental. Intensa atividade legislativa evolui em
coerência e efetividade o Direito Ambiental. A pesquisa ressaltou instrumentos processuais de
tutela para concretizar políticas públicas relacionadas ao meio ambiente. A dignidade humana
é interpretada pela manutenção do meio ambiente saudável. O processo ambiental pretende
alcançar os objetivos acima descritos, por ser instrumento voltado à efetivação das liberdades
fundamentais definidas no plano Constitucional. Entretanto, a novidade científica em
descobrir a verdade dos fatos discutidos na demanda altera a causa de pedir de uma nova
ação, tendo em vista a aplicação da teoria da individualização na causa de pedir da ação
ambiental. Representam demandas diversas e, conseqüentemente, fora do alcance da coisa
julgada anteriormente criada. O Direito Ambiental tutela a vida em suas diversas formas e a
vida do ser humano é mais valiosa do que qualquer dogma processual. Trata-se de um tema
complexo, atual e revestido de suma importância jurídica. Foi utilizado o método dedutivo e
como fonte de pesquisa a legislação, doutrina e jurisprudência.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Ambiental. Coisa Julgada. Ações Coletivas. Processo Civil.
4
ABSTRACT
The instrumentality of the civil process tutelages intersubjective relations with
inadequate instruments to metaindividuais interests. The present work has shown the
incompatibles of the institutes of individual civil process in relation to collective one and it
has studied the relativization of the environment res iudicata. Intense legislative activity
develops Environment Law into coherence and effectiveness. The survey has stuck out
protection procedural instruments to achieve public policies related to environment. Human
dignity is interpreted by maintaining the environment healthy. The environmental process
intends to achieve the objectives described above, to be effective instrument towards
fundamental freedoms defined in the Constitution. However, the scientific newness in order to
discover the truth of the facts discussed in demand changes the reason to ask a new action
according to the individualization theory application in the reason to ask environmental
action. Different demands are shown and thus out of the reach of the res iudicata previously
created. The Environmental Law takes care of life in its several forms and the life of human
being is more valuable than any procedural dogma. This is a complex and current issue coated
with highly legal importance. The deductive method was used in the search as a source of
legislation, doctrine and case law.
KEYWORDS: Environmental Process. Judged Thing. Collective Actions. Civil Process.
5
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC
ADIn
ACP
Ag/AgIn/AgR
AP/APP
CBPC
CC
CC/16
CDC
CF
CONAMA
CONAMP
CPC
CSMP
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
DJ/DJU/DOU
DL
DP
DPC
EAOAB
EC
ECA
EIA/RIMA
FNMA
HC/HD
IBAMA
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
LACP
LAP
LC
LIA
LICC
LMS
LONMP
LOMP/SP
LPNMP
MI/MIC
M. P./MP
MS/MSC
OAB
OGM
ONG
ONU
PNMA
PPP
RE/REsp
TAC
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
Apelação Cível
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Ação Civil Pública
Agravo/Agravo de Instrumento/Agravo Regimental
Ação Popular/Área de Preservação Permanente
Código Brasileiro de Processos Coletivos
Código Civil (Lei nº. 10.406/02)/Câmara Cível/Conflito de Competência
Código Civil de 1916 revogado pela Lei nº. 10.406/02
Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei nº. 8.078/90)
Constituição da República Federativa do Brasil
Conselho Nacional do Meio Ambiente
Conselho Nacional do Ministério Público
Código de Processo Civil (Lei nº. 5.869/73)
Conselho Superior do Ministério Público (acompanhado da sigla do
respectivo Estado)
Diário de Justiça/Diário de Justiça da União/Diário Oficial da União
Decreto-Lei
Defensoria Pública
Direito Processual Civil
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº. 4.215/63)
Emenda Constitucional
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90)
Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental
Fundo Nacional do Meio Ambiente
Habeas Corpus/Habeas Data
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85)
Lei da Ação Popular (Lei nº. 4.717/65)
Lei Complementar
Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92)
Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº. 4.657/42)
Lei do Mandado de Segurança (Lei nº. 1.533/51)
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LC nº. 75/93)
Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo (Lei nº. 734/93)
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81)
Mandado de Injunção/ Mandado de Injunção Coletivo
Medida Provisória/Ministério Público
Mandado de Segurança/Mandado de Segurança Coletivo
Ordem dos Advogados do Brasil
Organismo Geneticamente Modificável
Organização não governamental
Organização das Nações Unidas
Política Nacional do Meio Ambiente
Princípio do Poluidor Pagador
Recurso Extraordinário/Recurso Especial
Termo de Ajustamento de Conduta
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................
8
1 FUNDAMENTOS DA COISA JULGADA.................................................................
1.1 Conceito de Coisa Julgada........................................................................................
1.2 Coisa Julgada Formal e Material.............................................................................
1.3 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada e seus Efeitos............................
1.4 Princípios Relacionados à Coisa Julgada e o Dogma da Intangibilidade.............
1.5 A Relativização da Coisa Julgada.............................................................................
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19
2 NOÇÕES DE TUTELA COLETIVA NO PROCESSO CIVIL...............................
2.1 Princípios do direito processual coletivo..................................................................
2.2 Institutos fundamentais do processo coletivo..........................................................
2.3 Conceito de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos......................
2.4 A Legitimidade nas Ações Coletivas.........................................................................
2.5 Coisa Julgada nas Ações Coletivas...........................................................................
2.6 Litispendência, Conexão, Continência e Recursos nas Ações Coletivas...............
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33
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45
3 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL AO MEIO
AMBIENTE......................................................................................................................
3.1 A Natureza Jurídica da Proteção Ambiental..........................................................
3.1.1 Antropocentrismo...................................................................................................
3.1.2 Ecocentrismo jurídico.............................................................................................
3.2 Conceito de Meio Ambiente......................................................................................
3.3 Bem Ambiental...........................................................................................................
3.4 Princípios Relacionados ao Direito Ambiental........................................................
3.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana...........................................................
3.4.2 Princípio democrático.............................................................................................
3.4.3 Princípio do desenvolvimento sustentável............................................................
3.4.4 Princípios da precaução, do poluidor-pagador e da responsabilidade…..........
3.4.5 Princípio da prevenção...........................................................................................
3.5 Dano Ambiental..........................................................................................................
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4 TÉCNICAS PROCESSUAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE............... 87
4.1 Tutela Inibitória: a Prevenção do Ilícito.................................................................. 87
4.2 A Tutela de Remoção do Ilícito................................................................................. 90
4.3 Ação Popular.............................................................................................................. 91
4.4 Aspectos Polêmicos e uma Análise Crítica da Ação Civil Pública........................ 94
4.5 Aspectos Relevantes do Termo de Ajustamento de Conduta................................ 99
4.6 O Mandado de Segurança Coletivo.......................................................................... 102
4.7 O Mandado de Injunção Coletivo............................................................................ 107
4.8 A Tutela dos Direitos dos Consumidores................................................................. 109
5 A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL................................ 110
5.1 Efetivação da Sentença/Acórdão.............................................................................. 112
5.2 Os Princípios de Direito Ambiental que Fundamentam a Relativização da
Coisa Julgada Ambiental................................................................................................. 113
7
5.3 Coisa Julgada Coletiva e o Acesso à Justiça............................................................
5.4 O Princípio da Igualdade na Jurisdição Civil Coletiva..........................................
5.5 Efetivação do Processo Ambiental..........................................................................
5.5.1 O devido processo substantivo ambiental...........................................................
5.5.2 A questão da legitimidade nas ações ambientais................................................
5.5.3 Ação ambiental......................................................................................................
5.6 A Tutela Jurisdicional Ambiental..........................................................................
5.7 Comparação entre a Coisa Julgada Coletiva Brasileira e a Americana.............
5.7.1 A contribuição da hermenêutica constitucional americana na tutela
ambiental...........................................................................................................................
5.7.2 A hermenêutica como instrumento de proteção ao meio ambiente..................
5.8 As Hipóteses de Relativização.................................................................................
5.9 A Relativização da Coisa Julgada em Matéria Ambiental...................................
5.10 Efeitos da Relativização da Coisa Julgada: a Causa de Pedir e a Tutela
Ambiental Individual.......................................................................................................
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146
6 CONCLUSÃO...............................................................................................................
147
REFERÊNCIAS...............................................................................................................
157
8
INTRODUÇÃO
A preocupação advinda do Liberalismo posicionou a tutela de interesses no âmbito
individual repercutindo em mecanismos procedimentais exclusivos para a defesa destes
direitos. O legislador pátrio ao elaborar o CPC vigente ignorou a discussão européia e
americana sobre a defesa de interesses metaindividuais. Criou um diploma legal voltado à
defesa de direitos pessoais, retratando institutos como a legitimidade ativa e os limites
subjetivos da coisa julgada.
A sociedade contemporânea apresenta-se como uma sociedade de massa, razão pela
qual deve-se conceber mecanismos apropriados à tutela dos direitos transindividuais.
Decorrente do surgimento destes interesses, passou-se a exigir dos Estados legislações
específicas como a LACP, o ECA, o CDC, a LONMP e a LIA.
Foram criados instrumentos eficazes e efetivos de garantia dos referidos direitos, tais
como a ACP, a AP, o MSC e o MIC. A CF reconheceu estes direitos e conferiu estamento
constitucional à ACP e à AP. A LACP evoluiu alguns conceitos do CPC em vigor.
Um dos objetivos da pesquisa em tela é a análise dos institutos de tutela das relações
intersubjetivas do processo civil tradicional e os institutos de tutela dos interesses que
transcendem a esfera meramente individual do processo civil coletivo, a fim de comprovar
que o CPC não é adequado à tutela dos interesses metaindividuais, com a finalidade de
enfatizar a necessidade da aprovação do CBPC.
Mesmo após adquirir status constitucional (art. 225 da CF) e diversas legislações
aplicando sanções penais e administrativas, em todas as esferas legiferantes do Estado, é
patente a dificuldade do Estado em fiscalizar, e do jurisdicionado, em aplicar, nos casos de
desrespeito aos direitos da coletividade, especialmente, sanções derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente.
Caracteriza-se o dever do Estado de priorizar os interesses coletivos, através de
investimento financeiro, intelectual e tecnológico. A presente reflexão visa a procurar critérios
legitimadores que possam justificar a relativização da coisa julgada ambiental na hipótese de
inovação científica, com a utilização da teoria da individualização na causa de pedir.
O objeto central do presente estudo será o instituto da coisa julgada em sede de ações
coletivas sob o enfoque da relativização da coisa julgada ambiental. O processo civil
tradicional contempla a hipótese da eficácia da sentença atingir unicamente as partes em
litígio e, apenas reflexamente, os que tenham relação jurídica com elas ou interesse de fato na
sentença na hipótese de eficácia natural da coisa julgada.
9
Nas ações coletivas estes efeitos se estendem a todos os titulares do direito pleiteado
em juízo que, pela legitimação extraordinária, não participaram diretamente da relação
jurídica processual.
Distingue-se o tipo de interesse discutido (difuso, coletivo, individual homogêneo)
dos efeitos erga omnes ou ultra partes. A eficácia da coisa julgada depende do resultado do
processo. Julgado procedente ou improcedente o pedido se obtêm a coisa julgada secundum
eventum litis.
As ações coletivas permitem que um número elevado de pessoas se beneficie da
tutela jurisdicional proferida em uma mesma demanda, na qual não participaram diretamente.
Isto configura uma ruptura com o princípio tradicional do Direito, segundo o qual a coisa
julgada não beneficia nem prejudica aquele que não participou da relação jurídica em que a
sentença foi proferida.
Destarte, a pesquisa tem por escopo estudar a mitigação da coisa julgada ambiental
através da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, bem como a análise da legislação
infraconstitucional e dos princípios gerais do Direito.
O presente estudo será dividido em cinco partes. A primeira tratará dos fundamentos
da coisa julgada, analisará a teoria geral da coisa julgada no processo individual, as teorias
relacionadas à coisa julgada, culminando no conceito de coisa julgada. Serão estudadas as
espécies de coisa julgada, os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada e seus respectivos
efeitos.
Os princípios relacionados ao tema serão expostos de forma sucinta. Será analisado a
exata medida que deve ser conferida ao dogma da intangibilidade da coisa julgada a fim de
justificar a tese da relativização da coisa julgada contrária à CF. Em síntese, a primeira parte
do trabalho analisará os aspectos suficientes para ilustrar a possibilidade de relativização da
coisa julgada.
A segunda parte versará sobre a tutela coletiva no âmbito do processo civil. O estudo
da teoria geral do processo coletivo introduzirá o assunto. Serão analisados os interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos. No estudo das ações coletivas serão analisadas
as partes, a legitimidade, a coisa julgada, a litispendência, a conexão e a continência entre
ações coletivas, bem como os recursos nas ações coletivas.
Nesta etapa do trabalho serão analisadas as diferenças entre o processo civil
individual e o processo civil coletivo, ressaltando suas incompatibilidades, bem como a
necessidade de se atribuir uma feição própria aos institutos fundamentais e princípios do
10
Direito Processual Coletivo. Será enfatizada a necessidade do surgimento de um novo ramo
do Direito Processual, o Direito Processual Coletivo.
A terceira parte estudará os fundamentos da proteção jurisdicional do meio ambiente,
abordando o meio ambiente como direito fundamental, a natureza jurídica da proteção
ambiental, as correntes doutrinárias referentes ao tema, bem como o conceito de meio
ambiente. Será analisado o bem ambiental, os princípios relacionados ao Direito Ambiental, o
dano ambiental e sua responsabilização.
A quarta parte, de forma sucinta, exporá as principais técnicas processuais de tutela
do meio ambiente, como a tutela inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a AP, a ACP, o
TAC, o MSC, o MIC e a tutela dos direitos dos consumidores.
A quinta e última parte do trabalho abordará o cerne da discussão, ou seja, a
problemática da relativização da coisa julgada nas ações ambientais. O direito à vida, o direito
de acesso à Justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e alguns
princípios relacionados ao Direito Ambiental serão interpretados como fundamentos da
mitigação da coisa julgada ambiental. O devido processo substantivo ambiental será estudado
no intuito de esclarecer a correta aplicação da relativização da coisa julgada ambiental.
Nesta reta final do trabalho será realizada uma comparação entre a coisa julgada
coletiva brasileira e a experiência americana, ressaltará a importância da hermenêutica como
instrumento de proteção ao meio ambiente.
Para enriquecer o trabalho será realizado um estudo sobre a contribuição da
hermenêutica constitucional americana na tutela ambiental. Serão enfatizas as hipóteses e a
extensão dos efeitos da relativização da coisa julgada, bem como a aplicação da teoria da
individualização na causa de pedir das ações ambientais.
11
1 FUNDAMENTOS DA COISA JULGADA
Consoante a teoria geral da coisa julgada no processo individual, o processo além de
ser um meio de se pacificar os conflitos proporciona segurança jurídica àqueles que o
impulsionam, culminando na res iudicata. A coisa julgada material representa a
indiscutibilidade da matéria transitada em julgado por sentença prolatada em processo
judicial, não sendo mais cabível a propositura de uma nova ação versando sobre o mesmo
evento.
A elevação da coisa julgada ao nível constitucional demonstra a preocupação do
legislador em assegurar estabilidade às relações jurídicas, preservando as decisões judiciais de
alterações que viessem a questionar a autonomia do sistema. Essa garantia decorre da
tripartição dos Poderes, para que cada um atue na esfera de sua competência.
A coisa julgada é imutável nos limites de sua constitucionalidade. A lei
infraconstitucional limitadora de tempo para o exercício da ação rescisória não pode impedir a
coisa julgada inconstitucional, eis que não representa uma verdade absoluta. A coisa julgada
sempre exerceu o papel de tornar incontestável a decisão que findou a lide, imprimindo
certeza e definitividade ao julgamento, como fator de pacificação social.
1.1 Conceito de Coisa Julgada
Segundo Moreira de Paula coisa julgada é a “qualidade da sentença ou do acórdão
(depende do último julgamento ocorrido) transitado em julgado, por não mais caber espécie
alguma de recurso ou por ter ultrapassado o prazo sem que tivesse sido interposto recurso
algum ou, se interposto recurso, o mesmo não foi recebido”.1 Deste conceito se extrai a causa
da coisa julgada que é a ausência de recurso pendente contra a sentença ou o acórdão.
O surgimento da coisa julgada não é necessariamente de um ato de julgamento, mas
de uma omissão da parte interessada em não interpor recurso, ou por uma atividade das partes,
quando esgotaram todas as vias recursais cabíveis, ou por uma atividade judicial posterior,
quando o recurso interposto não foi recebido.
Para Carnelutti “a norma instrumental que atribui ao juiz o poder de mandar,
1
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São
Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 175.
12
2
preexiste, mas falta, pelo contrário, a norma material que não compõe o conflito”. A sentença
dispositiva é um fim. A norma material se converte em mandato inteiro por meio de sentença.
A coisa julgada reside na imperatividade do comando da sentença. O comando da sentença é
um lex specialis, porque representa um processo de integração entre a norma e o caso
concreto.
Chiovenda entende que coisa julgada é a indiscutibilidade da essência da vontade
concreta da lei afirmada na sentença.3 Traduz um “retorno à tradição romanística, por
convolar uma tutela jurídica”.4
O bem da vida que o autor deduziu em juízo (res in iudicium deducta) com a
afirmação de que uma vontade concreta de lei o garante a seu favor ou nega ao réu,
depois que o juiz o reconheceu ou desconheceu com a sentença de recebimento ou
de rejeição da demanda, converte-se em coisa julgada (res iudicata). Podemos
igualmente asseverar que a coisa julgada não é senão o bem julgado, o bem
reconhecido ou desconhecido pelo juiz. [...] O bem julgado torna-se incontestável
(finem controversiarum accipit): a parte a que se denegou o bem da vida, não só tem
o direito de consegui-lo praticamente, em face da outra, mas não pode sofrer, por
parte desta, ulteriores contestações a esse direito e esse gozo. Essa é a autoridade da
coisa julgada. Os romanos a justificaram com razões inteiramente práticas, de
utilidade social. Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e
pacífica, é necessário imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o
resultado do processo [...]. Explicação tão simples que guarda perfeita coerência
com a própria concepção romana do escopo processual e da coisa julgada [...].
Entendido o processo como instituto público destinado à atuação da vontade da lei
em relação aos bens da vida por ela garantidos, culminante na emanação de um ato
de vontade (a pronuntiatio iudicis) que condena ou absolve, ou seja, reconhece ou
desconhece um bem da vida a uma das partes, a explicação da coisa julgada só se
pode divisar na exigência social da segurança no gozo dos bens.5
Segundo Allorio a atividade jurisdicional, entre as atividades do Estado, deve ser
definida como aquela da qual resulta a formação da coisa julgada. A função jurisdicional é
essencialmente declarativa, certificadora. A coisa julgada é uma atividade pacificadora da
jurisdição, tendo em vista com a sua realização impedirá que a lide seja rediscutida.6
Liebman defendia que a coisa julgada não era um efeito da sentença e sim uma
qualidade que a tornava imutável. Havia o caráter de definitividade imposto pelo Estado ao
ato por ele promanado, findado o conflito de interesses exposto pelas partes. A coisa julgada
2
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Tradução Hiltomar Martins Oliveira. São
Paulo: ClassicBook, 2000, v. 1, p. 410.
3
CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil. Tradução José Casais y Santaló. México:
Cardenas, 1990, Tomo II, p. 460.
4
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São
Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 182.
5
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, v. 1, p.
446-447.
6
ALLORIO, Enrico. Problemas de derecho procesal. Tradução Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires:
EJEA, 1963, Tomo II, p. 53.
13
era considerada a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que decorre de
estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis.7
Teisheiner ao confrontar a teoria de Liebman afirma ser a coisa julgada um efeito do
trânsito em julgado da sentença de mérito consistente na imutabilidade do conteúdo de uma
sentença e não de seus efeitos, porque é possível renunciar a um direito declarado por
sentença, o que afasta os efeitos da sentença sem modificar o seu conteúdo. A coisa julgada
material é compreendida como a imutabilidade do conteúdo da sentença no mesmo ou em
outro processo.8
No direito italiano travou-se uma disputa entre Liebman e Carnelutti sobre o conceito
de coisa julgada. Para Liebman a autoridade da coisa julgada vinculava exclusivamente as
partes.9 A eficácia da sentença a todos se impõe de imediato, independente da verificação da
sua validade.
A coisa julgada era interpretada como a solução de questões controversas. Sua
imutabilidade incidia sobre a sua função declaratória e não sobre seu caráter imperativo. A
coisa julgada estabilizava o comando estatal que findava o litígio e se tornava lei entre as
partes.
Em síntese, a coisa julgada é um fenômeno de caráter processual que, depois de
transcorridos os prazos para combatê-la mediante recursos, torna indiscutível o ato estatal de
modo a por fim à questão dissentida e dar às partes a segurança jurídica decorrente da
sentença inatacável.
[...] O instituto da coisa julgada não é o dogma instransponível que muitos supõem,
na verdade, é uma técnica de que se pode valer o legislador, quando entender
oportuno – sob o ponto de vista da conveniência social e da estabilidade de certas
relações jurídicas – que determinados tipos de julgados permaneçam imutáveis e
projetem essa imutabilidade erga omnes. Prova disso é que em muitos casos não se
dá a formação da coisa julgada material: nos feitos de jurisdição voluntária (CPC,
art. 1.111); mesmo nos de jurisdição contenciosa, se a sentença não apreciou o
mérito (CPC, art. 267); nas sentenças que resolvem sobre relações jurídicas
continuativas, sujeitas à cláusula rebus sic stantibus (ex.: ações de alimentos, Lei
5.478/68, art. 15); no campo penal, onde existe a possibilidade de revisão criminal a
qualquer tempo (CPP, art. 622).10
7
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução Alfredo Buzaid, Benvindo Aires e
Ada Pellegrini Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 40.
8
TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: RT, 2001, p.
72-73.
9
LIEBMAN, Enrico Tullio, op. cit., p. 40.
10
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade
administrativa e do meio ambiente. 5. ed. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 305.
14
Na concepção de Mirra a existência da coisa julgada é apenas uma questão de
conveniência do legislador.11 Decorre do dilema entre a necessidade da segurança extrínseca
nas relações jurídicas, que exige um limite no tempo de solução dos litígios e o anseio de uma
decisão coerente, a permitir a indefinida impugnalidade das decisões incoerentes.
1.2 Coisa Julgada Material e Formal
O valor da res iudicata cumpre o papel de inibir o ato estatal que colocou fim ao
litígio. Se a prestação jurisdicional foi realizada de forma definitiva, escoando-se o prazo legal
para impugnações e transformando a res iudicanda em res iudicata, uma nova ação a respeito
do bem que estava em contenda não mais poderá ser manejada nos termos em que já fora
decidido.
“É regra geral que toda sentença ou acórdão que tenha examinado o mérito produzirá
coisa julgada material, e daí surgirão dois efeitos: o da imutabilidade do comando judicial e o
da indiscutibilidade da lide”.12
Finda a relação processual e constatado o atributo de estar impugnável o julgamento,
os efeitos dele resultantes também se farão imutáveis, com o objetivo de dar ao imperativo
jurídico contido na decisão estatal força de lei entre as partes. Estriba-se tal raciocínio na
segurança e conforto jurídico que o julgamento final proferido pelo Estado-Juiz deve emitir
para aqueles que estavam em controvérsia.
A sentença transitada em julgado pode ser atacada por ação rescisória, nas hipóteses
elencadas no art. 485 do CPC. Decorrido o prazo decadencial de dois anos para sua
propositura ocorre o fenômeno da coisa soberanamente julgada. Esgotados os recursos
previstos na lei processual nasce a coisa julgada formal, que representa a imutabilidade
conquistada pela sentença dentro do processo em que foi proferida.
Tanto a preclusão como a coisa julgada formal tornam a decisão irrecorrível,
entretanto preclusão é um fato impeditivo, é a perda de uma faculdade processual; coisa
julgada formal é a qualidade de uma decisão imutável dentro do processo.
As sentenças prolatadas com base no art. 267 do CPC farão somente coisa julgada
formal, pois não apreciaram o mérito da controvérsia. Quando o fundamento não for o inc. V
do referido dispositivo legal, as partes poderão propor novamente a ação.
11
MIRRA, Álvaro Luís Valery. A coisa julgada nas ações para tutela de interesses difusos, RT, São Paulo, ano
77, v. 631, mai. 1988, p. 75.
12
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São
Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 195.
15
Segundo Greco Filho a coisa julgada formal ocorre depois de esgotados todos os
recursos previstos na lei processual ou porque foram todos utilizados e decididos, ou porque
decorreu o prazo de interposição, é a imutabilidade da decisão dentro do mesmo processo por
falta de meios de impugnação possíveis, recursos ordinários ou extraordinários.13
As sentenças alcançadas pela autoridade da coisa julgada material são as de natureza
definitiva, pois enfrentam o âmago da demanda. No decorrer do processo, presume-se que
todos os atos previstos em lei foram coordenadamente observados pelo magistrado e pelos
litigantes, visando a solucionar a lide da forma mais célere e coerente.
Tal decisão constitui a exteriorização da interpretação da lei dada pelo magistrado ao
caso concreto. Escoado o prazo legal para as impugnações, surtirá efeitos dentro e fora do
processo. A coisa julgada formal é pressuposto para a ocorrência da coisa julgada material.
Quando uma sentença é alcançada pela autoridade coisa julgada material, as partes
não poderão mais discutir a matéria, salvaguardadas as hipóteses de propositura de ação
rescisória.
A coisa julgada material opera-se sob a parte dispositiva da sentença em que o
Estado-Juiz demonstra qual interesse deve prevalecer e qual deve sucumbir. Os efeitos
gerados fora do processo impedem que as questões já apreciadas sejam objeto de uma
demanda posterior, vinculando as partes e o juízo.
Nas hipóteses delimitadas no art. 485 do CPC e por meio da ação rescisória a
sentença poderá ser novamente discutida. Demonstra a importância do instituto da coisa
julgada, vulnerável à própria atividade do Poder Judiciário. Desprovido do caráter de
intangibilidade, podendo ser objeto de discussão por meio da ação rescisória e quando estiver
em confronto com norma ou princípio constitucional.
1.3 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada e seus Efeitos
Na concepção de Marinoni “a coisa julgada agrega-se à declaração contida na
sentença, para torná-la imutável e indiscutível”.14 Atinge apenas a parte dispositiva da
sentença. O julgador aplica a norma vigente à pretensão apresentada pelo autor e dirime o
conflito.
13
14
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 2, p. 246.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de
conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, v. 2, p. 644.
16
Limite objetivo da coisa julgada significa que o dispositivo da sentença se torna
imutável após decorrido o prazo de impugnação. O limite subjetivo da coisa julgada atinge as
partes do litígio ou terceiros. A coisa julgada atinge somente as partes envolvidas no litígio,
enquanto a eficácia geral da sentença atinge terceiros.
Discorrendo sobre os efeitos subjetivos da coisa julgada Greco Filho entende que,
uma vez prolatada, a sentença “produz alterações em relações jurídicas de que são titulares
terceiros, porque as relações jurídicas não existem isoladas, mas inter-relacionadas no mundo
do direito. Assim, os efeitos da sentença podem atingir as partes (certamente) e terceiros”.15
Os efeitos serão imutáveis somente para as partes. O terceiro pode ser atingido pelos
efeitos civis da sentença, mas não pela imutabilidade da coisa julgada. A auctoritas rei
iudicata atinge apenas os terceiros que participaram do processo.
São atingidos os autores, os réus, os denunciados, os chamados ao processo, os
oponentes e os nomeados que tenham sido admitidos. Não o são os terceiros que não
participaram do processo e, por isso, não tiveram a oportunidade de manifestar-se, de
defender-se ou de expor suas razões. Se fossem atingidos pela coisa julgada, haveria ofensa à
garantia constitucional do contraditório e o devido processo legal. Ademais, se alguém não
participou do processo, é porque a pretensão posta em juízo não lhe dizia respeito.
Raciocínio diferente se dá quanto à eficácia natural da sentença. Ainda que esses
terceiros não tenham participado do processo, a sentença transitada em julgado é oponível a
eles, ficando sujeitos a seus efeitos. Portanto, poderão obstaculizar suas implicações, desde
que se demonstrem o interesse. O limite objetivo da coisa julgada é atinente à parte da
sentença que faz res iudicata, enquanto o subjetivo refere-se àqueles atingidos pelos seus
efeitos.
Dois são os efeitos da coisa julgada: a imutabilidade do comando judicial e a
indiscutibilidade da lide. Imutabilidade é a impossibilidade de modificar o comando judicial
da sentença ou acórdão transitado em julgado. Esse efeito incidirá sobre a conclusão da
decisão judicial.
Tem-se por indiscutibilidade a impossibilidade de se rediscutir a lide examinada na
sentença ou no acórdão transitado em julgado. Toda coisa julgada vai gerar a imutabilidade do
comando judicial, mas nem toda coisa julgada vai gerar a indiscutibilidade da lide. Dependerá
da sentença ou do acórdão que gerou a coisa julgada: se não examinou a lide, apenas gerará a
imutabilidade; se examinou o mérito, gerará os dois efeitos.
15
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 2, p. 251.
17
Se a sentença/acórdão transitada em julgado originou-se de um julgamento que
examinou o mérito, acarretará ambos os efeitos. Neste caso ocorrerá a “coisa julgada
material”. Mas se da sentença/acórdão transitada em julgado originou-se de um julgamento
que não examinou o mérito, somente acarretará a imutabilidade do comando judicial, ou seja,
a “coisa julgada formal”.16
É importante destacar que a imutabilidade do comando judicial é um efeito que
sempre estará presente na coisa julgada, seja ela formal ou material; mas a indiscutibilidade
da lide é um efeito que somente estará presente na coisa julgada material.
1.4 Princípios Relacionados à Coisa Julgada e o Dogma da Intangibilidade
Os princípios definem o pensamento central a ser avistado quando da interpretação
de uma lei. Os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e
legalidade se destacam quanto ao tema da relativização da coisa julgada.
O Estado Democrático de Direito submete seus atos aos cidadãos através das
decisões judiciárias. Há um reconhecimento dos direitos individuais em respeito do direito
estabelecido constitucionalmente pelo próprio Estado.
A segurança jurídica é um dos principais fundamentos do Estado Democrático de
Direito, representa uma forma de exigir harmonia funcional e estrutural ao ordenamento
jurídico, através do efetivo cumprimento das leis pelas instituições estatais. O Estado deve
proporcionar aos indivíduos em litígio a segurança jurídica que somente a inalterabilidade da
decisão deve trazer.
A segurança jurídica que o Estado deve proporcionar aos jurisdicionados confere
certeza à prestação jurisdicional. Marques lecionando a respeito da segurança inerente à coisa
julgada estabelece tratar-se de exigência da ordem pública e do bem comum para que a tutela
jurisdicional se torne estável.17
Entretanto, o princípio da segurança jurídica e a coisa julgada possuem
intangibilidade para se sobrepor à própria Constituição? Relativizar a coisa julgada
inconstitucional seria uma afronta à segurança jurídica idealizada pela CF? Deve o caso
permanecer sob o manto intocável da coisa julgada apesar de ferir a CF ou flexibilizar a res
iudicata reabrindo a questão para corrigir a inconstitucionalidade?
16
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 444 a 565. 2. ed. São
Paulo: Manole, 2005, v. 5, p. 192-194.
17
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9. ed. Campinas: Millennium, 2003, p. 517.
18
De um lado está a segurança jurídica alicerçada na CF e caracterizada pela
imutabilidade da coisa julgada. De outro, a inadmissibilidade de uma sentença contrária à
ordem jurídica por agredir preceitos constitucionais. O princípio da segurança jurídica não
deve se justapor à própria coerência do ordenamento jurídico. Se a coisa julgada traz em si
uma inconstitucionalidade, a Constituição não deverá protegê-la.
O princípio da proporcionalidade encontra-se implicitamente na Carta Magna. A lei
deve ajustar-se ao contexto social e à realidade, quanto ao fim almejado e os meios pelos
quais se pretende alcançá-lo. O jurista deve encontrar, entre as normas aplicáveis, a que
melhor se adapta à situação concreta. Identificada uma antinomia, o princípio da
proporcionalidade pondera qual o bem jurídico de maior relevância que deverá prevalecer.
O princípio da legalidade norteia o Estado Democrático de Direito ao assinalar que
nenhum cidadão é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, bem como
todos têm direito ao devido processo legal.
Tal princípio oferece a previsibilidade dos atos estatais. O cumprimento das leis por
parte das instituições estatais é essencial para o desenvolvimento da sociedade e para a
solidificação do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido são as ponderações de Silva:
O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por
conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos,
porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na
legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o
princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca
18
da igualização das condições dos socialmente desiguais. (grifo nosso)
A res iudicata é uma forma de coroar todo o processo tramitado e expressa o
princípio da legalidade. Quando alcançada, a coisa julgada poderá ser atacada apenas nas
hipóteses que ensejam ação rescisória. Entretanto, a coisa julgada deve ser rediscutida para
que realmente se prime pela coerência do ordenamento jurídico.
A excepcionalidade de cada caso dirá se é necessária a flexibilização do julgado. O
Estado deve respeitar o devido processo legal ao garantir o acesso ao Judiciário. No exercício
da jurisdição os princípios constitucionais devem ser respeitados com o fito de pacificar os
conflitos e garantir os direitos constitucionais essenciais, eliminando os sentimentos de
incerteza e insatisfação. Desprezar ou ferir essas garantias e oferecer o acesso a uma ordem
jurídica incoerente esvazia a proteção conferida ao indivíduo pelo Poder Constituinte.
18
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
419.
19
A idéia de imutabilidade da coisa julgada deve significar a inalterabilidade de seus
efeitos, vedada através da via recursal e não impossível por outras vias. Para Theodoro Júnior
e Faria a noção de intangibilidade da coisa julgada no sistema jurídico brasileiro, não tem
sede constitucional.19 Resulta da norma contida no art. 475 do CPC e não está imune ao
princípio hierarquicamente superior, da constitucionalidade.
A inalterabilidade da decisão judicial transitada em julgado não exclui a sua
modificabilidade, como a ação rescisória que desconstitui a decisão uma vez configurada
qualquer uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC. Nestes casos o legislador
considerou que os vícios de que reveste a decisão transitada em julgado são tão graves que
justificam abrir mão da segurança em benefício da garantia de coerência e respeito aos valores
maiores consagrados na ordem jurídica.
A segurança como valor inerente da coisa julgada e o princípio de sua intangibilidade
podem ser flexibilizados. O princípio da intangibilidade da coisa julgada não é um princípio
constitucional, porque a regra do inc. XXXVI, do art. 5º da CF dirige-se apenas ao legislador
ordinário no sentido de editar outras regras, como a art. 457 do CPC que decorre a noção de
intangibilidade da coisa julgada.
1.5 A Relativização da Coisa Julgada
Assegurar a supremacia da CF no Estado Democrático de Direito é o único meio de
garantir
a
segurança
e
a
pacificação
social.
Preocupa-se
com
a
análise
da
constitucionalidade/inconstitucionalidade dos atos normativos e não com os atos e decisões
do Poder Judiciário, tornando-se imunes a ataques, consagrando o princípio da intangibilidade
da coisa julgada.
Privilegia-se a segurança do trânsito em julgado de uma decisão (mesmo que
inconstitucional) ou o direito a uma ordem jurídica conforme a Constituição, malgrado a
sentença já ter alcançado a res iudicata? O princípio da constitucionalidade é conseqüência
direta da força normativa e vinculativa da CF enquanto Lei Fundamental da ordem jurídica.
Exige para a validade do ato sua conformidade com a CF.
O princípio da constitucionalidade e o efeito negativo que advém do ato
inconstitucional aplicam-se a toda categoria de atos emanados do Poder Público. O Poder
19
THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os
instrumentos processuais para seu controle, Revista da faculdade de direito Milton Campos, Belo
Horizonte, v. 8, 2001, p. 53-54.
20
Judiciário não deve ser interpretado como mero executor das leis, mas um defensor dos
direitos e garantias assegurados na CF.
O DPC possui instrumentos para corrigir uma decisão judicial inconstitucional, como
os recursos extraordinário e ordinário. Porém, quando a decisão inconstitucional não é mais
passível de impugnação recursal, a coisa julgada contrária à CF porque deixou de aplicar
determinada norma constitucional por interpretá-la inconstitucional, ou porque deliberou
contrário a uma regra ou princípio constitucional, não encontra controle em nosso
ordenamento.
As normas cada vez mais encerram conceitos indeterminados exigindo maior
interpretação dos juízes. Razão pela qual se discute a constitucionalidade das decisões
judiciais e dos efeitos sobre a coisa julgada quanto à segurança e certeza, ao mesmo tempo em
que se persegue a coerência do ordenamento jurídico.
Admitir a coisa julgada inconstitucional seria conferir um poder absoluto dos
Tribunais definirem o sentido normativo da CF. No Estado Democrático de Direito a lei e as
decisões judiciais não são absolutas. A nova redação do parágrafo único do art. 741 do CPC,
dada pela Lei nº. 11.232/05, diminuiu a tutela ao titular de um direito ofendido por sentença
inconstitucional.
A coisa julgada deve se harmonizar com outros valores constitucionais de igual ou
maior grandeza. O reconhecimento da ineficácia ou invalidade da coisa julgada contrária à CF
está sujeita a ser reconhecida a qualquer tempo. Deve-se afastar visões radicais no sentido de
enfraquecer exageradamente a autoridade da coisa julgada.
Nery Júnior e Andrade Nery entendem que o instrumento processual apto para a
quebra da coisa julgada inconstitucional é a ação rescisória.20 Esta percepção limita o prazo
para a revisão do caso julgado, equipara ofensa à Constituição com a ofensa ilegal que enseja
ação rescisória com prazo decadencial de dois anos.
Quando o STF declara a inconstitucionalidade por meio do controle concentrado, a
lei que serviu de espeque para uma sentença que já alcançou status de coisa soberanamente
julgada, ocorre a inconstitucionalidade superveniente ou quando declara a constitucionalidade
de lei na qual o juiz negou aplicação em sua decisão. Trata-se de ofensa indireta à CF. Um ato
inconstitucional pode ser válido mesmo após a declaração de sua inconstitucionalidade se dois
terços dos membros do STF concederem efeito ex nunc à declaração. Valoriza-se o ato
inconstitucional quando seus efeitos são válidos.
20
NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 830.
21
A ação rescisória é instrumento inadequado para solucionar o problema da coisa
julgada inconstitucional, porque serve apenas para declarar a nulidade de uma sentença e não
para desconstituir uma sentença válida. A ação rescisória se restringe ao prazo prescricional
de dois anos, enquanto as nulidades não se convalidam.
A ação declaratória de nulidade absoluta e insanável da sentença (querela nullitatis)
também não é o instrumento pertinente para desconstituir a coisa julgada. O art. 741 do CPC
determina que os embargos e a impugnação ao cumprimento da sentença suscitam a
inconstitucionalidade da sentença nula transitada em julgado.
Proposta uma ação fundamentada no pedido de uma anterior decisão judicial
transitada em julgado, o juiz precisará decidir o novo pedido conforme o caso julgado se este
for conforme a CF. Admite-se impugnação para argüir inexigibilidade do título. Sendo nula a
coisa julgada inconstitucional, não se pode tê-la como “título exigível” para fins executivos.
Exigibilidade pressupõe certeza jurídica ao título. Neste caso, deve-se reconhecer aos juízes
um poder geral de controle incidental da constitucionalidade da coisa julgada.
Caso a Lei nº. 11.232/05 não tivesse tratado da impugnação da sentença
inconstitucional, sua impugnabilidade estaria assegurada, porque esse é o regime da nulidade
de qualquer ato. O § 1º do art. 475-L do CPC permite a impugnação sobre a inexigibilidade
do título judicial fundada em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou
fundado na aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidos pelo STF como
incompatíveis com a CF.
A impugnação poderá versar sobre a inexigibilidade da sentença exeqüenda fundada
em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF, em ação direta de
inconstitucionalidade. A ADIn é remédio processual que cuida do conflito da lei em tese com
a CF. A coibição de atos de descumprimento de preceito fundamental (prevista no § 1º do art.
102 da CF) é uma modalidade de inconstitucionalidade que não se restringe aos atos
normativos.
A inconstitucionalidade é um problema de relação entre o parâmetro da CF e o ato de
poder que com ele se conforma, ofendendo os critérios de validade contidos nas normas
constitucionais. A coisa julgada pode ser elidida em razão de ulterior declaração de
inconstitucionalidade da lei aplicada na sentença.
O principal foco de discussão em sede de relativização da coisa julgada é o conflito
entre o conteúdo da sentença e os valores protegidos pela CF. A intangibilidade da coisa
julgada não é absoluta quando transgredido um valor de nível mais elevado do que a
segurança jurídica.
22
2 NOÇÕES DE TUTELA COLETIVA NO PROCESSO CIVIL
Os direitos coletivos não estão incluídos na divisão doutrinária clássica que divide o
Direito em Público e Privado. Em regra, os direitos coletivos são afetos à Administração
Pública, mas tem conotação público-social. Os interesses metaindividuais são difusos,
coletivos ou individuais homogêneos. Representam ações coletivas: ACP, MSC, AP, MIC,
ação de improbidade administrativa e a ação civil prevista no CDC.
O princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva está disposto no art.
103, §§ 3º e 4º, do CDC. Em regra, somente a coisa julgada coletiva julgada procedente
poderá beneficiar os indivíduos que dela se aproveitam. Caso improcedente, em regra, nada
impede o ajuizamento da ação individual. Trata-se do transporte in utilibus da coisa julgada.
O princípio do ativismo judicial ou da máxima efetividade do processo coletivo
representa a idéia do Poder Judiciário buscar a efetividade. No processo coletivo o juiz tem o
dever de produzir provas de ofício, consoante o art. 130 do CPC. Pelo disposto no art. 4º do
Anteprojeto do CBPC o juiz poderá permitir a alteração do pedido ou da causa de pedir
mesmo após o saneamento.
O princípio da atipicidade das ações coletivas ou princípio da não taxatividade das
ações coletivas está previsto no art. 83 do CDC, determina que são cabíveis todas as ações
para a defesa dos direitos difusos e coletivos.
O art. 82 do CDC e o art. 5º da LACP (após a reforma trazida pela Lei nº. 11.448/07)
dispõe sobre a legitimidade ativa na LACP e na LAP. No sistema americano qualquer pessoa
pode propor ação coletiva e comprovar que representa adequadamente o grupo ou categoria.
Os legitimados do art. 5º da LACP só podem ajuizar ações dentro de suas finalidades
institucionais. Portanto, há controle judicial sobre a legitimidade que é ope judicis.
O MP não possui adequada representação e legitimidade para propor ação coletiva
devido às suas finalidades institucionais para a tutela dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. O art. 136 da CF confere legitimidade à Defensoria Pública para propor ACP
para a tutela dos necessitados. O CONAMP concedeu legitimidade para a Defensoria Pública
ajuizar ACP.
A coisa julgada coletiva pode até impedir a repropositura de outra coisa julgada
coletiva (improcedência, salvo por falta de provas), mas nunca prejudicará a ação individual.
Se o particular participou da ação coletiva como litisconsorte, a coisa julgada coletiva o
afetará.
23
Não há litispendência entre ação individual e coletiva, mas se o autor da ação
individual em andamento quiser aproveitar da coisa julgada coletiva deverá requerer a
suspensão de sua ação em trinta dias da ciência da ação coletiva (art. 104 do CDC). Nesta
hipótese pára a ação individual a fim de esperar o resultado da ação coletiva.
Se a ação individual desacolhida transitou em julgado, e depois inicia a ação coletiva
julgada procedente o particular poderá se valer desta ação coletiva, eis que não teve a
oportunidade de suspender a ação individual.
A evolução tecnológica pode justificar o afastamento da coisa julgada,
principalmente em ações ambientais, por exemplo, detritos jogados em rio que sejam
prejudiciais aos peixes, não é falta de provas, mas falta de estudos científicos para provar que
aquele detrito é prejudicial aos peixes, posteriormente se comprova o efeito danoso destes
detritos às pessoas que ingeriram estes peixes ou seus substratos, a coisa julgada deverá ser
relativizada.
A legislação processual coletiva é aplicada da seguinte forma: 1º) O art. 90 CDC c.c.
art. 21 LACP são considerados normas de reenvio. Qualquer ação civil pública com base no
CPC aplica-se o CDC. Por ex.: ACP do ECA, evolução genética, improbidade administrativa,
MSC aplica o CDC; 2º) Aplica-se secundariamente a LACP, LIA e LMS; 3º)
Subsidiariamente aplica-se o CPC (por determinação expressa do art. 19 da LACP).
Entre os países de civil law, o Brasil foi pioneiro na criação e implementação dos
processos coletivos. A partir da reforma de 1977 da LAP, os direitos difusos ligados ao
patrimônio ambiental, em sentido lato, receberam tutela jurisdicional por intermédio da
legitimação do cidadão. Depois, a Lei nº. 6.938/81 previu a titularidade do MP para as ações
ambientais de responsabilidade penal e civil.
Mas foi com a LACP que os interesses transindividuais, ligados ao meio ambiente e
ao consumidor, receberam tutela diferenciada, por intermédio de princípios e regras que, de
um lado, rompiam com a estrutura individualista do processo civil brasileiro e, de outro,
acabaram influindo no CPC.21
Tratava-se, porém, de uma tutela restrita a objetos determinados (o meio ambiente e
os consumidores), até que a Constituição de 1988 veio universalizar a proteção
coletiva dos interesses ou direitos transindividuais, sem qualquer limitação em
relação ao objeto do processo. Finalmente, com o Código de Defesa do Consumidor,
de 1990, o Brasil pôde contar com um verdadeiro microssistema de processos
coletivos, composto pelo Código – que também criou a categoria dos interesses ou
21
Assim ocorreu, por exemplo, com as obrigações de fazer e não fazer.
24
direitos individuais homogêneos – e pela Lei n. 7.347/85, interagindo mediante a
aplicação recíproca das disposições dos dois diplomas.22
Vinte anos de experiência de aplicação da LACP, quinze de CDC, numerosos
estudos doutrinários sobre a matéria, cursos universitários, de graduação e pós-graduação,
sobre processos coletivos, inúmeros eventos sobre o tema, tudo autoriza o Brasil a dar um
novo passo rumo à elaboração de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos, assentada no
entendimento de que nasceu um novo ramo da ciência processual, autônomo, com princípios
próprios e institutos fundamentais, distintos dos princípios e institutos do direito processual
individual.23
Este trabalho objetiva examinar os princípios e institutos fundamentais do direito
processual coletivo, naquilo em que se diferenciam dos que regem o direito processual
individual, com a finalidade de aferir se efetivamente se pode falar de um novo ramo do
direito processual.
2.1 Princípios do direito processual coletivo
Considerando, além do jurídico, os escopos sociais e políticos do processo, bem
como seu compromisso com a ética e a moral, a ciência processual atribui extraordinária
relevância a certos princípios, que não se prendem à dogmática jurídica ou à técnica
processual, valendo como algo externo ao sistema processual e servindo-lhe de sustentáculo
legitimador.
O princípio do acesso à Justiça não indica apenas o direito de acesso aos Tribunais,
mas também o de alcançar, por meio de um processo cercado das garantias do devido
processo legal, a tutela dos direitos violados ou ameaçados.
Na feliz expressão de Kazuo Watanabe, o acesso à justiça resulta no acesso à ordem
jurídica justa. (grifo da autora). Um dos mais sensíveis estudiosos do acesso à
justiça – Mauro Cappelletti – identificou três pontos sensíveis nesse tema, que
denominou ‘ondas renovatórias do direito processual’: a) A assistência judiciária,
que facilita o acesso à justiça do hipossuficiente; b) A tutela dos interesses difusos,
permitindo que os grandes conflitos de massa sejam levados aos tribunais; c) O
modo de ser do processo, cuja técnica processual deve utilizar mecanismos que
levem à pacificação do conflito, com justiça. Percebe-se, assim, que o acesso à
justiça para a tutela de interesses transindividuais, visando à solução de conflitos
22
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008,
p. 27-28.
23
Entre as obras que tratam do direito processual coletivo, como ramo autônomo do direito processual, pode-se
lembrar ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.
25
que, por serem de massa, têm dimensão social e política, assume feição própria e
peculiar no processo coletivo. O princípio que, no processo individual, diz respeito
exclusivamente ao cidadão, objetivando nortear a solução de controvérsias limitadas
ao círculo de interesses da pessoa, no processo coletivo transmuda-se em princípio
de interesse de uma coletividade, formada por centenas, milhares e às vezes milhões
de pessoas. E o modo de ser do processo, que, quando individual, obedece a
esquemas rígidos de legitimação, difere do modo de ser do processo coletivo, que
abre os esquemas da legitimação, prevendo a titularidade da ação por parte do
denominado ‘representante adequado’, portador em juízo de interesses e direitos de
grupos, categorias, classes de pessoas.24
O princípio da universalidade da jurisdição determina que o acesso à justiça deve ser
garantido a um número cada vez maior de pessoas, amparando um número cada vez maior de
causas. O princípio da universalização da jurisdição tem alcance mais restrito no processo
individual, limitando-se à utilização técnica processual com o objetivo de que todos os
conflitos de interesses submetidos aos tribunais tenham resposta jurisdicional adequada.
Mas o princípio assume dimensão distinta no processo coletivo, pois é por
intermédio deste que as massas têm a oportunidade de submeter aos tribunais as novas causas,
que pelo processo individual não tinham sequer como chegar à justiça. O tratamento coletivo
de interesses e direitos comunitários é que efetivamente abre as portas à universalidade da
jurisdição.
O princípio de participação é ínsito em qualquer processo, que tem nele seu objetivo
político. Mas, enquanto no processo civil individual a participação se resolve na garantia
constitucional do contraditório (participação no processo), no processo coletivo a participação
se faz também pelo processo.
A participação popular pelo processo contava com exemplo clássico no processo
penal brasileiro, pela instituição do Tribunal do Júri. Para os demais processos,
sustentava-se enquadrar-se também no momento participativo o exercício da função
jurisdicional por advogados e membros do MP, por força do quinto constitucional; e,
ainda, da atividade de conciliadores, como nos Juizados Especiais e, mais
timidamente, no processo comum. Mas se tratava de exemplos pontuais, ao passo
que com o acesso das massas à justiça, grandes parcelas da população vêm participar
do processo, conquanto por intermédio dos legitimados à ação coletiva. Aliás, uma
consideração deve ser feita que distingue a participação no processo, pelo
contraditório, entre o processo individual e o processo coletivo. Enquanto no
primeiro o contraditório é exercido diretamente, pelo sujeito da relação processual,
no segundo – o processo coletivo – o contraditório cumpre-se pela atuação do
portador, em juízo, dos interesses ou direitos difusos e coletivos (transindividuais)
ou individuais homogêneos. Há, assim, no processo coletivo, em comparação com o
individual, uma participação maior pelo processo, e uma participação menor no
processo: menor, por não ser exercida individualmente, mas a única possível num
24
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008,
p. 29.
26
processo coletivo, onde o contraditório se exerce pelo chamado ‘representante
25
adequado’.
O princípio da ação ou da demanda indica a atribuição à parte da iniciativa de
provocar o exercício da função jurisdicional (nemo iudex sine actore). Sob esse ponto de
vista, processo individual e processo coletivo parecem idênticos, mas há, no Anteprojeto de
CBPC, iniciativas que competem ao juiz para estimular o legitimado a ajuizar a ação coletiva,
mediante a ciência aos legitimados da existência de diversos processos individuais versando
sobre o mesmo bem jurídico.
O princípio do impulso oficial é interpretado no sentido de que o processo, que se
inicia por impulso da parte, segue sua caminhada por impulso oficial. Esse princípio, que
permite que o procedimento seja levado para frente até seu final, rege, de igual maneira, o
processo individual e o coletivo. Mas a soma de poderes atribuídos ao juiz é questão
intimamente ligada ao modo pelo qual se exerce o princípio do impulso oficial.
Embora o aumento dos poderes do juiz seja, atualmente, visto como ponto alto do
processo individual, a soma de poderes atribuídos ao juiz do processo coletivo é
incomensuravelmente maior. Trata-se da defining function do juiz, de que fala o direito norteamericano para as class actions.
Pelo Anteprojeto de CBPC caberão ao juiz medidas como desmembrar um processo
coletivo em dois – sendo um voltado à tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos,
outro voltado à proteção dos individuais homogêneos, se houver conveniência para a
tramitação do processo; certificar a ação como coletiva; dirigir como gestor do processo a
audiência preliminar, decidindo desde logo as questões processuais e fixando os pontos
controvertidos, quando falharem os meios alternativos de solução de controvérsias;
flexibilizar a técnica processual, como, por ex. na interpretação do pedido e da causa de pedir.
Caberá ao Tribunal determinar a suspensão de processos individuais, em
determinadas circunstâncias, até o trânsito em julgado da sentença coletiva. Todos esses
poderes, alheios ao CPC, dão uma nova dimensão ao princípio do impulso oficial.
O princípio da economia preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com
o mínimo emprego possível de atividades processuais. Típica aplicação do princípio encontrase no instituto da reunião de processos em casos de conexidade e continência e do
encerramento do segundo processo em casos de litispendência e coisa julgada.
25
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008,
p. 30.
27
Mas os conceitos de conexidade, continência e litispendência são extremamente
rígidos no processo individual, colocando entraves à identificação das relações entre
processos, de modo a dificultar sua reunião ou extinção. No Anteprojeto de Código
Brasileiro de Processos Coletivos o que se tem em mente, para a identificação dos
fenômenos acima indicados, não é o pedido, mas o bem jurídico a ser protegido;
pedido e causa de pedir serão interpretados extensivamente; e a diferença de
legitimados ativos não será empecilho para o reconhecimento da identidade dos
sujeitos. Isso significa que as causas serão reunidas com maior facilidade e que a
litispendência terá um âmbito maior de aplicação. Outros institutos, como o reforço
da coisa julgada de âmbito nacional e a expressa possibilidade de controle difuso da
constitucionalidade pela via da ação coletiva, levarão ainda mais o processo coletivo
a – na feliz expressão de Kazuo Watanabe – ‘molecularizar’ os litígios, evitando o
emprego de inúmeros processos voltados à solução de controvérsias fragmentárias,
dispersas, ‘atomizadas’.26
O princípio da instrumentalidade das formas demanda que as formas do processo não
sejam excessivas, sufocando os escopos jurídicos, sociais e políticos da jurisdição, devendo
assumir exclusivamente o formato necessário a assegurar as garantias das partes e a conduzir
o processo a seu destino final: a pacificação com Justiça.
A técnica processual deve ser vista sempre a serviço dos escopos da jurisdição e ser
flexibilizada de modo a servir à solução do litígio. A interpretação rigorosa da técnica
processual, no processo individual, tem dado margem a que um número demasiado de
processos não atinja a sentença de mérito, em virtude de questões processuais.
As normas que regem o processo coletivo, ao contrário, devem ser sempre
interpretadas de forma aberta e flexível – há disposição expressa nesse sentido no Anteprojeto
de CBPC – e o juiz encontrará nelas sustentáculo para uma postura menos rígida e formalista.
O princípio geral do processo coletivo – capaz de transmitir-se ao processo
individual – é muito claro, nesse campo: observado o contraditório e não havendo prejuízo à
parte, as formas do processo devem ser sempre flexibilizadas.
Os fundamentos acima descritos demonstram à sociedade que muitos dos princípios
gerais do direito processual assumem feição própria no processo coletivo, apontando para a
existência de diferenças substanciais.
2.2 Institutos fundamentais do processo coletivo
No campo dos institutos fundamentais, o processo coletivo conta com institutos
muito diversos daqueles em que se alicerça o processo individual. O esquema rígido da
26
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008,
p. 32.
28
legitimação, regida para o processo individual pelo art. 6º do CPC, é repudiado no processo
coletivo, que passa a adotar uma legitimação autônoma e concorrente, aberta, múltipla e
composta.
O instituto da representatividade adequada, desconhecido do processo individual,
alicerça a legitimação no processo coletivo, exigindo que o portador em juízo dos interesses
ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos apresente as necessárias condições de
seriedade e idoneidade, até porque o legitimado é o sujeito do contraditório, do qual não
participam diretamente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas.
Embora
a
legislação
atual
brasileira
não
mencione
expressamente
a
representatividade adequada, ela inquestionavelmente pode ser vislumbrada em normas que
dizem respeito à legitimação das associações. No Código projetado, a representatividade
adequada está acoplada aos requisitos objetivos que acompanham as normas sobre
legitimação e deverá ser aferida pelo juiz quando o legitimado for pessoa física e nas ações
coletivas passivas.
Em relação à coisa julgada, Grinover em duas obras afirma que a coisa julgada,
rigorosamente restrita às partes no processo individual, tem regime próprio no processo
coletivo: erga omnes, por vezes secundum eventum probationis - ou seja, possibilitando a
repropositura, com base em provas novas, supervenientes, que não puderam ser produzidas no
processo e capazes, por si só, de mudar seu resultado.27
Ao concluir a análise do tema Mattos afirma que a LACP e o CDC revolucionaram o
processo civil brasileiro, dando a partida para o desenvolvimento do processo coletivo.
Todavia, não alcançaram a sua finalidade precípua de desafogar o Poder Judiciário de ações
repetitivas e de garantir tratamento isonômico aos jurisdicionados que se encontram em
situação idêntica, o que se constata, sobretudo, e com grande pesar, na Justiça Federal, na qual
as ações em que se discute a mesma questão jurídica brotam de forma descontrolada e caótica,
o que tem conduzido alguns Juizados Especiais Federais a situação próxima do colapso.
Esse parcial insucesso é resultado da disciplina da litispendência e da coisa julgada
das ações coletiva, marcada pela prioridade conferida às ações individuais e pela
extensão secundum eventum litis ou in utilibus da coisa julgada à esfera jurídica dos
membros do grupo ou categoria, de sorte que a decisão de improcedência do pedido
não impede a propositura de ações individuais. A persistência do modelo vigente
choca-se com a tendência e o movimento de outorga de eficácia vinculante às
27
GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.); MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (Coord.); WATANABE,
Kazuo (Coord.). Direito processual coletivo. Direito processual coletivo e o anteprojeto de código
brasileiro de processos coletivos. São Paulo: RT, 2007, p. 14; GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito
processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do
processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 33.
29
decisões dos Tribunais Superiores e reduz a efetividade do processo coletivo. A
superação das atuais vicissitudes da ação coletiva passa pela adoção de um sistema
de coisa julgada coletiva que valorize o julgamento de mérito nela proferido, ficando
os interessados, na hipótese de direitos individuais homogêneos, vinculados ao seu
comando, mesmo no caso de improcedência do pedido.28
O conceito rígido de pedido e causa de pedir, próprio do CPC, aplicado ao processo
coletivo, tem dificultado a reunião de processos coletivos, provocando a condução
fragmentária de processos, com decisões contraditórias. O Código projetado muda
radicalmente a forma de interpretação do pedido (olhando para o bem jurídico a ser tutelado)
e da causa de pedir.
A redefinição da interpretação do pedido e da causa de pedir, assim como da
identidade de partes, tem reflexos imediatos nos institutos da conexão, continência e
litispendência (e até da coisa julgada).
O sistema processual civil brasileiro distingue-se de outros (como o italiano) por um
regime rígido de preclusões, com a correlata perda de faculdades processuais – o que tem
ocasionado, aliás, o grande mal da recorribilidade das interlocutórias e a multiplicação de
agravos.
Mas as preclusões devem ser vistas exclusivamente em sua função positiva, qual
seja a de conduzir o procedimento para o seu resultado final, evitando o retorno a
etapas anteriores. As preclusões não devem impedir, por exemplo, a mudança do
pedido e da causa de pedir, após a contestação, desde que seja feita de boa-fé e não
haja prejuízo para o demandado, observado sempre o contraditório. O Anteprojeto
de Código Brasileiro de Processos Coletivos permite a alteração do pedido e da
causa de pedir, até a sentença, nas condições acima referidas.29
As normas do microssistema brasileiro sobre a ACP privilegiam o foro do local dos
danos, criando competências concorrentes. Mas mais importante e reveladora é a natureza
absoluta da competência territorial.
Além da inversão do ônus da prova, ope judicis, prevista no CDC, o Anteprojeto de
CBPC adota o critério dinâmico da distribuição do ônus da prova, cabendo a prova dos fatos a
quem tiver maior proximidade com eles e maior facilidade para demonstrá-los.
28
MATTOS, Luiz Norton Baptista de. A litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas segundo o código
de defesa do consumidor e os anteprojetos do código brasileiro de processos coletivos. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini (Coord.); MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (Coord.); WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito
processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.
214-215.
29
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008,
p. 34.
30
No processo individual, a liquidação da sentença abrange apenas o quantum
debeatur, ao passo que na liquidação da sentença coletiva condenatória à reparação dos danos
individualmente sofridos (interesses ou direitos individuais homogêneos) é necessário, além
da quantificação dos prejuízos, apurar parte do an debeatur (a existência do dano
individualmente sofrido e o nexo causal com o dano geral reconhecido pela sentença).
A fluid recovery é instituto típico das ações coletivas que permite, em determinadas
circunstâncias, que se passe do ressarcimento pelos danos sofridos (regulado pelo CC) à
reparação dos danos provocados, na hipótese de o prejuízo individual ser muito pequeno ou as
vítimas dificilmente identificáveis.
Diferenças profundas entre os institutos fundamentais do processo individual e do
coletivo podem ser encontradas, sobretudo segundo o Código projetado, nos poderes do juiz e
do MP, no efeito meramente devolutivo da apelação, na competência para a liquidação e a
execução, na execução provisória etc.
“Sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que o processo coletivo alicerça-se em
institutos fundamentais próprios, totalmente diversos de muitos dos institutos fundamentais
do direito processual individual”.30
A análise dos princípios gerais do direito processual, aplicados aos processos
coletivos, demonstrou a feição própria e diversa que eles assumem, autorizando a afirmação
de que o processo coletivo adapta os princípios gerais às suas particularidades. Mais vistosa
ainda é a diferença entre os institutos fundamentais do processo coletivo em comparação com
os do individual.
Portanto, é necessário o surgimento de um novo ramo do Direito Processual, o
Direito Processual Coletivo, contando com princípios revisitados e institutos fundamentais
próprios e tendo objeto bem definido: a tutela jurisdicional dos interesses ou direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos.
2.3 Conceito de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos
A definição das expressões difusos e coletivos para o Direito pode ser abstraída do
art. 81 do CDC. Nos direitos difusos as pessoas são indeterminadas, ligadas por circunstâncias
30
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.); JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008,
p. 35.
31
de fato. Nos direitos coletivos: há um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si
por uma relação jurídica base.
Mancuso esclarece que os interesses difusos apresentam: indeterminação dos sujeitos
(não há vínculo jurídico que agregue os sujeitos aglutinados ocasionalmente e as lesões
aparecem disseminadas por um número indefinido de pessoas), indivisibilidade do objeto (são
insuscetíveis de partição e atribuição a pessoas ou grupos), intensa litigiosidade (os conflitos
envolvendo interesses difusos são amplos) e duração efêmera (balizados por norma que
confere estabilidade, referenciados a situação de fato).31
Os interesses ou direitos32 difusos referem-se tanto à coletividade quanto a cada um
dos membros da sociedade. Ao se fazer referência a esses interesses exemplificando-os nas
referências ao meio ambiente, à educação, à saúde, ao consumidor, os interesses não são
meramente individuais, mas também coletivos ou transindividuais.
A necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular determinado
ou ao menos determinável, impediu por muito tempo que os interesses pertinentes, a um
tempo, a toda uma coletividade e a cada um dos membros dessa mesma coletividade como,
por ex., os interesses ao meio ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida pudessem
ser havidos por juridicamente protegíveis.33
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está inserido no rol dos
interesses difusos. O texto da CF refere que todos têm esse direito, sendo que a proteção a
uma pessoa protege a todo um conjunto de indivíduos.
No entanto se você tem em mente que os direitos sociais, como vimos acima, não
são nenhuma maneira de cobrir uma simples pretensão do indivíduo para o Estado,
mas implica em estreitar deveres de solidariedade entre os membros da comunidade,
e se você tem em mente que o direito ambiental suportará, como afirmado pelo
Tribunal de Cassação, é um direito social, não deve haver mais dificuldade de deixar
o campo da ótica individualista e considerar a possibilidade de olhar para todo o
direito ambiental como um direito reconhecido e garantido não só para o indivíduo
como tal, mas também para toda variedade de temas que a representa.34
31
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e colocação no quadro geral dos “interesses”,
Revista de processo, RT, São Paulo, n. 55, jul./ set. 1989, p. 173-175.
32
No presente trabalho as expressões interesse e direito serão utilizadas como sinônimas, devido ao tratamento
dado pelos arts. 8º, inc. III e 129, inc. III, da CF e o art. 81, parágrafo único e incisos, do CDC.
33
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 741.
34
MADDALENA, Paulo. Danno pubblico ambientale. Roma: Maggioli, 1990, p. 79. Se tuttavia si tiene
presente che i diritti sociali, come si è sopra visto, non si esauriscono affatto in uma pura pretesa del singolo
verso lo Stato, ma implicano strettissimi doveri di solidarietà tra i componenti la collettività, e se si tiene
presente che il diritto all´ambiente, como ha precisato la Corte di cassazione, è un diritto sociale, non
dovrebbero esserci più difficoltà a lasciare il campo dell’ ottica individualistica ed a considerar ela possibilita
di guardare al diritto all’ ambiente come ad un diritto riconosciuto e garantito non solo al singolo in quanto
tale, ma anche all’ intera pluralità di soggetti che constituisce la collettività.
32
Compreender a jurisdição à luz do significado das expressões: coletivo e difuso,
significa atribuir uma responsabilidade direta pela proteção, manutenção e preservação do
meio ambiente. Inclusive diante da inexistência de instrumentos processuais adequados. A
prestação jurisdicional acautelatória será sempre conferida. O bem jurídico ambiental é de
interesse coletivo e difuso não circunscrito. Trata-se de uma norma de caráter geral aplicável a
todo sistema jurídico.
Quanto ao caráter ilícito dos interesses coletivos, não se pode distingui-los dos
interesses difusos, de forma a provocar uma divisão entre ambos. A distinção reside no grau
mais intenso de agregação, com teor de maior unidade, entre as pessoas pertencentes a um
grupo, categoria ou classe.
O vínculo nos direitos coletivos não é tão rarefeito quanto nos difusos. Naqueles, os
membros das categorias devem estar unidos entre si, ou com a parte contrária através de uma
relação jurídica base. Todavia, há a transindividualidade e a natureza indivisível do objeto da
mesma forma como se verifica nos interesses difusos.
Nos interesses coletivos, a titularidade é atribuída ao grupo, categoria ou classe.
Entretanto, essa titularidade não pode se confundir com a legitimidade, porque o CDC traz
quem são os legitimados para exercer a defesa do direito em juízo.
Os interesses coletivos determinam os beneficiários do interesse ou direito, conforme
sua titularidade. Essa determinação deve ser feita a qualquer tempo para determinar a
identidade subjetiva em benefício de resultado favorável da ação coletiva.
Na hipótese do art. 104 do CDC, a inocorrência da litispendência identifica o
consumidor autor da ação individual, que poderá ou não se beneficiar da ação coletiva. Os
beneficiários, pela ligação a entidades coletivas, são facilmente identificáveis. Os
componentes do grupo devem ter um elo de ligação ou uma relação jurídica base com a parte
contrária.
Os interesses coletivos apresentam as seguintes características: organização (sem a
qual não podem se aglutinar de forma coesa e eficaz em um grupo determinado); necessidade
de um portador adequado para representar o interesse coletivo; vínculo jurídico básico que
congrega de forma homogênea aqueles que integram o grupo, a classe ou a categoria e
confere aos participantes da entidade coletiva unidade de atuação e situação jurídica
diferenciada.
No plano dos direitos coletivos a relação jurídica base é pré-existente à lesão ou
ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe. O fato de sua
33
organização não foi considerado traço decisivo dos interesses coletivos. Desta forma, os
interesses coletivos têm objeto indivisível, mas a titularidade desses direitos é de uma classe,
categoria ou grupo de pessoas. Assim, os titulares do direito podem ser determinados.
Os interesses individuais homogêneos representam uma subespécie de direitos
coletivos e decorrem de origem comum. Os interesses individuais podem ser objeto de defesa
coletiva quando significativos de interesses individuais homogêneos, que tenham tido origem
ou causa comum, no que se refere aos fatos geradores do dano, juridicamente iguais e aptos a
embasar essa ação coletiva. São interesses e direitos defensáveis a título coletivo.
Os interesses individuais homogêneos têm origem comum, compreendendo os
integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que
compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato. Nesse caso, o
dano ou a responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente
variável. Há um elo consubstanciado na coincidência de situações fáticas, por ex., o fato de
comprarem carros do mesmo lote e com o mesmo defeito.
O objeto dos interesses individuais homogêneos é divisível, mas a ação coletiva
advém de uma circunstância que tem origem comum a todos, legitimando-os a manejarem a
ação coletiva.
2.4 A Legitimidade nas Ações Coletivas
O art. 6º do CPC trata da legitimidade ativa. Trata-se da possibilidade de
determinada pessoa ingressar em juízo, em nome próprio, para tutelar direito próprio. A
legitimidade pode ser ordinária ou extraordinária. Para Moreira de Paula legitimidade
ordinária “é a autorização dada pela lei ou em razão da relação jurídica discutida na demanda,
para que determinada pessoa, em nome próprio, componha o pólo ativo da ação, a fim de
tutelar direito próprio”.35
A legitimidade ordinária tutela direitos individuais, divide-se em pura e impura. A
pura ocorrerá se os integrantes da ação forem os mesmos que participarem da relação jurídica
material, por ex., ação de separação ajuizada pela esposa em face do marido. A impura
ocorrerá se um dos integrantes da ação não participar diretamente da relação jurídica material,
mas, por expressa disposição legal, integrar à ação, como o fato dos pais serem civilmente
responsáveis pelos atos dos filhos menores.
35
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 1º a 261. 2. ed. São Paulo:
Manole, 2003, v. 1, p. 72.
34
A legitimidade ordinária impura também ocorrerá se o integrante da ação tiver
interesse conexo com a relação jurídica material, por ex., a legitimidade do credor do herdeiro
para abertura do inventário e a legitimidade impura concorrente do MP para propor ações para
tutela de interesses individuais homogêneos.
A legitimidade extraordinária legalmente autoriza uma pessoa jurídica ou instituição
a integrar o pólo ativo da ação, em nome próprio, para tutelar direitos coletivos ou difusos
alheios. O legitimado não participa diretamente, nem indiretamente da relação jurídica
material, mas possui legitimidade para propor medidas judiciais em favor de um grupo ou
categoria, pois age em nome próprio, por expressa disposição legal e/ou dever institucional. É
o caso do MP quando propõe ACP para tutela do patrimônio público (art. 5º da LACP).
Moreira de Paula enfatiza que a substituição processual possibilita a substituição de
uma das partes no curso do processo por: a) alienação da coisa litigada (art. 42 do CPC); b)
sucessão processual (art. 43 do CPC); c) nomeação à autoria (art. 66 do CPC) ou substituição
do autor na AP (prevista na LAP). Referido autor exemplifica haver substituição processual
na ação do mandante contra o substituto do mandatário.36
A substituição processual pressupõe existência de processo pendente. O substituto
age em nome próprio para tutela de direito próprio. Pode ocorrer tanto no pólo ativo como
passivo da ação. Pode ser exercida por pessoa física ou jurídica ou entidades. Tutela direito
individual, então a coisa julgada só atinge as partes, nunca alcança terceiros. Incide
pagamento de custas e adiantamento das despesas processuais.
Na legitimidade extraordinária inexiste processo pendente, o legitimado age em
nome próprio para tutela de direito coletivo ou difuso. Sempre ocorrerá no pólo ativo da ação,
exceto na ação incidental ou subseqüente a ação principal. Inadmite seu exercício por pessoa
física. Tutela direitos coletivos e difusos, produz coisa julgada erga omnes e ultra partes. Não
incide pagamento de custas, nem adiantamento das despesas processuais.
Carnelutti definia partes como “os sujeitos da lide ou do negócio. Como tais, as
partes estão sujeitos ao processo, não são sujeitos do processo, no sentido de que sofrem seus
efeitos, mas não lhe prestam sua obra”.37 Os sujeitos da lide são sujeitos do processo no
sentido de que participam do processo. O sujeito da lide é denominado parte no sentido
material e o sujeito do processo é chamado de parte no sentido processual.
36
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 1º a 261. 2. ed. São Paulo:
Manole, 2003, v. 1, p. 81.
37
CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Tradução Adrián Sotero de Witt Batista. São
Paulo: Servanda, 1999, v. 1, p. 220.
35
Entretanto, Silva compreende que as partes do processo sempre serão as mesmas
partes da lide, porque a lide será necessariamente o conflito narrado pelo autor em seu pedido
de tutela jurídica.38 Moreira de Paula afirma que os sujeitos da lide são os mesmos da relação
processual, porque “o direito processual moderno claramente admite a extensão da coisa
julgada a terceiros a fim de beneficia-los. Neste ponto há uma incongruência, pois o terceiro
integrou substancialmente a lide mas não o processo, embora dele tenha se beneficiado”.39
Parte é a posição ocupada por um sujeito num dos pólos da ação (ativo ou passivo).
O sujeito pode ocupar o pólo da ação isolado ou em conjunto, na hipótese de litisconsórcio.
Parte também caracteriza a posição de uma pessoa numa determinada demanda secundária
(ex.: denunciação da lide), a secundariedade existe em relação ao litígio principal em relação
à parte denunciada a sua lide é principal, pois é nela que defende seus interesses.
No processo civil clássico, o binômio interesse e legitimidade é questionado sobre
quem pode exercer o direito de ação. No processo tradicional coincidem as figuras do
legitimado e do interessado. Tal concepção não pode ser transportada para as ações coletivas,
cujo objeto é metaindividual, dada a inviabilidade de seu fracionamento e impossibilidade da
individuação dos titulares.
Vários são os legitimados para agir em juízo quando se fala na defesa dos interesses
coletivos, como o MP, sindicatos, órgãos de classe, dentre outros. Os direitos coletivos não
estão disponibilizados no patrimônio jurídico individual, mas “diluídos” na coletividade.
Razão pela qual não há reflexo entre o direito e seu titular, pois os titulares são, em matéria de
direitos coletivos, constituídos pela coletividade.
O direito individual homogêneo está próximo ao direito individual. Nas ações de
reparação de danos decorrentes de ofensa a direito individual homogêneo, cada um dos
afetados liquidará, individualmente, a sentença, comprovando o dano sofrido e o nexo de
causalidade entre este e o evento danoso, a fim de receber a devida indenização. Nesse caso,
poder-se-ia pensar em reflexo do direito em seu titular.
O titular dos interesses difusos é a coletividade. Os legitimados do art. 82 do CDC,
quando atuam estão a demandar em nome próprio relacionado a direito alheio. Assim também
ocorre com as associações e entidades de classe que são legitimadas para as ações que tutelam
interesses coletivos. Atuam em nome próprio, mas defendem direitos de seus associados.
38
39
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2002, v. 1, p. 236.
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 1º a 261. 2. ed. São Paulo:
Manole, 2003, v. 1, p. 86.
36
Litisconsórcio é a situação caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas
no pólo ativo e/ou passivo da relação processual. É a presença simultânea de pessoas que
adquiriram a qualidade de autores ou réus no mesmo processo (aquisição da qualidade de
parte).40 A pessoa que integra a lide como litisconsorte será atingida pela decisão.
Na ação coletiva é diferente. No âmbito dos interesses individuais homogêneos o
CDC permite que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes. Esse é um
litisconsórcio unitário. A lide será decidida de modo uniforme com relação a todos, no
concernente ao dever de indenizar, fixado na sentença condenatória. Será simples o
litisconsórcio formado nos processos individualizados de liquidação de sentença.
Sentença procedente em que o interessado não integrou a lide também se beneficiará
da coisa julgada em relação àquele que a integrou e foi litisconsorte. Porém, se a demanda for
rejeitada no mérito ainda poderá ingressar em juízo com sua pretensão individual de
responsabilidade civil, o que não se permite ao litisconsorte no processo coletivo. Se o
interessado intervir no processo como litisconsorte será colhido pela coisa julgada favorável
ou não, não podendo, neste último caso, renovar a ação a título individual.
A LACP admite que o Poder Público e outras associações legitimadas se habilitem
como litisconsortes em ação já proposta, sendo esta disposição aplicável a todos os
legitimados. O CDC atua nas ações individuais e coletivas. Nas ações individuais é possível
determinar a competência pelo domicílio do consumidor autor, em algumas hipóteses é
vedada a denunciação à lide e o chamamento ao processo.
A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer se estende à coisa julgada para
beneficiar as pretensões individuais, a inversão do ônus da prova, a implantação dos Juizados
Especiais, a assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente, o habeas data em
favor do consumidor.
Em termos de tutela há semelhanças entre o direito individual e os direitos coletivos,
como o art. 84 do CDC que estabelece tutela das obrigações de fazer e não fazer, tal como o
previsto no processo civil individual pela aplicação do art. 461 do CPC. As disposições
relativas à assistência judiciária gratuita na tutela coletiva são iguais à tutela individual. Tanto
o processo coletivo quanto o individual permitem a inversão do ônus da prova, a substituição
processual e o litisconsórcio.
A legitimação para agir prevista no art. 81 do CDC foi extremamente ampliada, a fim
de ensejar o acesso às demandas coletivas e difusas e permitir a tutela coletiva aos interesses e
40
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 39-40.
37
direitos individuais ligados entre si pelo vínculo da homogeneidade. Permitiu que entidades e
órgãos da Administração direta e indireta, mesmo sem personalidade jurídica, pudessem ter
acesso ao Judiciário, desde que para a defesa dos direitos protegidos pelo CDC.
As associações passaram a ter legitimidade ad causam pela autorização estatutária
decorrente da enunciação de seus fins institucionais. A ampliação foi adotada na LACP e na
Lei nº. 7.853/89. Optou o legislador por limitar a legitimação individual à busca da tutela dos
direitos individuais. O TJ/RS decidiu que o artigo 8º, inc. III da CF assegura ampla
legitimidade ativa ad causam aos sindicatos como substitutos processuais das categorias que
representam na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais.41
O binômio interesse/legitimidade se revela na investigação de quem, dentre os
interessados, pode aforar uma demanda. O processo civil tradicional como instrumento de
tutela de posições jurídicas individuais, é normal que coincidam, na mesma pessoa, as figuras
do interessado e legitimado. Esse esquema não pode ser transportado integralmente à
legitimidade para agir nas ações coletivas, cujo objeto tutelado é metaindividual. Por isso é
que a legitimação para agir é ampla.
A tutela jurisdicional do meio ambiente só será efetiva e integral no momento em
que se admitir que o meio ambiente é o verdadeiro “titular” dos interesses e beneficiário da
condenação final imposta ao poluidor-pagador. A entidade de proteção ambiental teria
legitimidade extraordinária.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos (art.
225 da CF). Ampla é a legitimidade para sua tutela. Há titularidade difusa dos bens difusos
inseridos no patrimônio jurídico de toda a coletividade e de cada indivíduo.
E isso porque, simplesmente, não se vai encontrar o ‘titular’, o ‘dono’, do interesse
objetivado, dada a inviabilidade de sua ‘partição’ ou ‘fracionamento’ (a chamada
‘indivisibilidade do objeto’) e, de outro lado, dada a impossibilidade de sua
atribuição a certos ‘titulares’ (a chamada ‘indeterminação dos sujeitos’).42
A legitimação extraordinária amplia a legitimidade nas ações coletivas. O art. 129,
inc. II, da CF estabelece como função institucional do MP a promoção da ACP e do IC para a
proteção do patrimônio público e social, meio ambiente e outros interesses difusos e
coletivos. O MP deve proteger os interesses individuais homogêneos, desde que tratados
coletivamente.
41
42
TJ/RS, AC nº. 70018471169, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 19.04.07, DJ 07.05.07.
MANCUSO, Rodolfo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos
consumidores (Lei 7.347/85 e legitimação complementar). 6. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 84-85.
38
A referência ao MP engloba tanto o MPF quanto os estaduais e do DF. Não havendo
interferência do MP no processo como parte, atuará como fiscal da lei (art. 5º, § 1º, da
LACP). O MP também pode atuar em caso de abandono ou desistência da demanda pelo autor
originário. A atuação do MP é ampla em termos de tutela coletiva. No Paraná existem as
Promotorias de Defesa do Consumidor e de Defesa do Meio Ambiente que exemplificam a
eficiência do MP no cumprimento de seu mister.
2.5 Coisa Julgada nas Ações Coletivas
Na segunda metade do século XIX a ciência processual ganhou autonomia científica
e foi idealizada em um ambiente liberal e individualista. A complexidade da sociedade
contemporânea, denominada sociedade de massa, ressaltou o âmbito coletivo das
conflituosidades. A estrutura clássica do processo civil se mostrou incapaz de solucionar os
novos direitos e tipos de conflitos.
No Brasil, a partir de 1965, com a LAP os processualistas passaram a se preocupar
com a tutela coletiva. Gradativamente os textos legais foram contemplando proteção coletiva,
provocando a releitura de institutos processuais como a legitimação para agir, contraditório,
sentença e coisa julgada.
Além da AP e ACP, a CF/88 se preocupou com os direitos coletivos lato sensu e suas
correspondentes formas de tutela processual. O preâmbulo da CF dispôs que o Estado
Democrático brasileiro destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais. O
art. 5º, inc. XXXV, da CF determina que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão
ou ameaça a direito, eliminando o resquício individualista do art. 153, § 4º, da CF/67.
Foram ampliadas as hipóteses de cabimento da AP, inserindo a preservação da
moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio cultural (art. 5º, inc. LXXIII, da
CF). Foi criado o MSC (art. 5º, inc. LXX, da CF) ajuizado por partido político, organização
sindical, órgãos de classe ou associações. Ressaltou a função dos sindicatos na defesa dos
direitos e interesses coletivos e individuais da categoria (art. 8º, inc. III, da CF), bem como
das entidades associativas (art. 5º, inc. XXI, da CF).
O art. 170 da CF evidenciou que a ordem econômica fundada na valorização do
trabalho humano e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, observando
os princípios da defesa do consumidor, do meio ambiente e a redução das desigualdades
sociais.
39
Atendendo ao mandamento constitucional, em 1990 foi editado o CDC, que no
Título III instaurou um microssistema processual de tutelas coletivas, versem elas ou não
sobre matéria consumeirista. O CDC e o ECA seguiram a tradição brasileira sobre a
ampliação subjetiva das sentenças proferidas em ações coletivas, mantendo o mecanismo da
coisa julgada erga omnes, objetivando sobretudo uniformizar os litígios coletivos.
Em 1997 o Poder Executivo editou a MP nº. 1.570 que, após sua quinta edição,
converteu-se na Lei nº. 9.494/97 e alterou o art. 16 da LACP para restringir os efeitos das
sentenças coletivas aos limites da competência territorial do órgão prolator da decisão. Tratase de uma inovação legislativa inconstitucional, eis que inseriu uma fórmula restritiva da
eficácia extensiva da coisa julgada coletiva ao tentar limitar sua eficácia erga omnes.
A restrição pretendida, além de ineficaz (por não ter alterado o art. 103 do CDC),
caminha na contramão da história, pois ignora os escopos políticos, social e jurídico da
jurisdição, viola o princípio da proporcionalidade, limita o acesso ao Judiciário, desconsidera
o valor igualdade, reduz a participação democrática por meio dos corpos intermediários e
inibe o papel da jurisdição como elemento de inclusão social.
A coisa julgada torna indiscutível o conteúdo de determinadas decisões
jurisdicionais, traduz a segurança jurídica. O regime jurídico da coisa julgada coletiva é
bastante diferenciado, sendo, na verdade, um dos aspectos que mais distinguem o processo
coletivo do processo individual.
A coisa julgada individual caracteriza-se por ser inter partes e pro et contra. Inter
partes porque vincula apenas os sujeitos do processo, limitando as conseqüências da
imutabilidade da decisão (art. 472 do CPC). Pro et contra, porque ocorre tanto para o
benefício do autor, com a procedência da demanda que confirma a sua pretensão, como em
seu prejuízo, com a declaração negativa de seu direito.
A coisa julgada material estabiliza as relações jurídicas sem causar prejuízo ao
contraditório e ao devido processo legal. O devido processo legal nos moldes do processo
tradicional apresenta dois pontos nevrálgicos de resistência quanto à efetividade nas ações
coletivas.
O primeiro está no risco de interferência nas garantias individuais do titular do
direito subjetivo (princípio da inércia do Judiciário e do contraditório), submetendo o sujeito à
“imutabilidade” de uma decisão da qual não participou. O legitimado à tutela coletiva é
sempre um ente que não é o titular do direito coletivo em litígio.
O segundo refere-se à exposição indefinida do réu ao Judiciário e a estabilidade
jurídica para o Estado. É necessário proteger o réu que não pode ser demandado infinitas
40
vezes sobre o mesmo tema e limitar o poder do Estado, que não pode estar autorizado a
sempre rever o que foi decidido.
A coisa julgada secundum eventum probationis, prevista nos arts. 18 da LAP e 16 da
LACP, dispõe que em caso de insuficiência de provas não se daria a coisa julgada material,
podendo ser reproposta a demanda. Todavia, esta solução não cuidava da situação dos direitos
individuais dos particulares em caso de julgamentos pela improcedência do pedido. A lei
precisava determinar em que grau estariam vinculados os titulares de direitos individuais.
O CDC atendeu às garantias individuais, ditando que não serão prejudicadas as ações
individuais em razão do insucesso da ação coletiva, sem a anuência do indivíduo. A
improcedência de uma ação coletiva poderia ser estabilizada pela coisa julgada material
apenas no âmbito da tutela coletiva sem repercutir na tutela individual. A procedência da
demanda coletiva torna-se indiscutível pela coisa julgada material em sede de tutela coletiva
e, ainda, estende seus efeitos para beneficiar os indivíduos em suas ações individuais.
Ocorre a extensão secundum eventum litis da coisa julgada coletiva ao plano
individual. As sentenças apenas terão estabilizadas suas eficácias com relação ao substituídos
quando forem de procedência nas ações coletivas.
Na doutrina italiana são adeptos da possibilidade de extensão secundum eventum litis
da coisa julgada nas ações coletivas: Denti,43 Proto Pisani44 e Taruffo.45 Denti defende a
“extensão do julgado ultra partes e secundum eventum litis” (ou seja, do julgado que acolhe e
não daquele que rejeita a ação).46
Proto Pisani, fundado na disciplina das obrigações indivisíveis ( art. 1.306 do CC
italiano) opta pela extensão subjetiva dos efeitos do julgado a terceiros somente nos casos de
procedência e fundamenta que esta solução “colhe o justo ponto de equilíbrio”
47
entre a
economia processual e a garantia dos direitos individuais (estranhos ao juízo).
Taruffo compartilha da opinião de Proto Pisani, porém justifica pela necessidade de
normas novas e mais adequadas à tutela do direito difuso.48 Tanto Proto Pisani como Taruffo
43
DENTI, Vittorio. et al. Relazione introdutiva. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno
di studio di Pavia, Padova: CEDAM, 1976, p. 21.
44
PROTO PISANI, Andréa. et al. Apuntti preliminari per uno studio sulla tutela giurisdizionale degli interessi
collettivi (o piu esattamente: suprindividuali) innanzi al giudice civili ordinario. In: Le azione a tutela di
interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 285.
45
TARUFFO, Michele. et al. Interventi. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio
di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 334-336.
46
DENTI, Vittorio. et al, op. cit., p. 21.
47
PROTO PISANI, Andréa. et al, op. cit., p. 285.
48
TARUFFO, Michele. et al. Interventi. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio
di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 334-335.
41
se preocupam com o devido processo em relação ao réu da ação. Denti se concentra na
afirmação de coisa julgada apenas em benefício dos portadores de direitos individuais.
A legislação nacional adotou a legislação mais abrangente, criando normas novas e
garantindo o acesso individual à jurisdição em caso de sentença improcedente, mas
determinando a não repetição da ação coletiva quando idênticos os elementos objetivos.
Porém, a decisão nas ações coletivas sempre influenciará as ações individuais, mesmo quando
denegatória no mérito.
Apenas em casos excepcionais os titulares terão chance de êxito, pois a amplitude da
discussão no processo coletivo fortalecerá a convicção jurisdicional. Estes casos excepcionais
sugerem mais a adoção da extensão secundum eventum litis da coisa julgada coletiva ao plano
individual.
O CDC determinou a ocorrência da coisa julgada material entre os co-legitimados e a
contraparte, isto é, a impossibilidade de repropor a demanda coletiva caso haja sentença de
mérito, atendendo aos fins do Estado na obtenção da segurança jurídica e respeitando o
devido processo legal com relação ao réu que não se expõe indeterminadamente à ação
coletiva.
“A coisa julgada, como resultado da definição da relação processual, é obrigatória
para os sujeitos desta”.49 Nos processos coletivos sempre ocorre a coisa julgada. A extensão
subjetiva desta é que ocorrerá segundo o resultado do litígio, atingindo os titulares do direito
individual (de certa forma denominados substituídos) apenas para seu benefício.
Tendo em vista a segurança jurídica e o risco de exposição infinita do réu em ações
coletivas, Velloso não admite a extensão da coisa julgada secundum eventum litis, tende pela
extensão erga omnes da eficácia da sentença, inclusive na improcedência, não obstante o
expresso texto normativo do art. 103 do CDC.50
Cruz e Tucci afirma ser a coisa julgada em MSC erga omnes, denegando ou
concedendo a segurança. Sob influência da class actions aduz que tal efeito não ocorrerá se a
notificação não tenha sido eficaz impedindo a auto-exclusão ou se eficazmente tenham os
substituídos exercido aquele direito.51
49
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Eficácia da sentença e coisa julgada. Sentença e coisa julgada. 3. ed.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1995, p. 95.
50
VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Do mandado de segurança e institutos afins na Constituição de 1988. In:
TEIXEIRA, Sálvio Figueiredo. Mandados de segurança e de injunção. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 96.
Mantendo a posição cf. VELLOSO, Carlos Mario da Silva. As novas garantias constitucionais: o mandado de
segurança coletivo, o “habeas data”, o mandado de injunção e a ação popular para defesa da moralidade
administrativa, RT, São Paulo, v. 644, 1989, p. 12-13.
51
CRUZ & TUCCI, José Rogério. Class action e mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 1990, p.
50.
42
Poderão, no entanto, rediscutir o objeto do iudicium, em processo futuro, aqueles
que, cientificados da impetração, escaparam da preclusão proveniente da res iudicata, por
terem oportunamente exercido o direito de auto-exclusão.
Cappelletti é contrário à idéia de coisa julgada secundum eventum litis, porque a
legitimação se fortalece na adequada representação e na solução casuística. Entende ser a
coisa julgada e os efeitos da sentença extensíveis pro et contra, “[...] então me parece que não
se deva distinguir entre bons ou maus efeitos, favoráveis ou desfavoráveis”.52 A exposição
continuada a ações coletivas prejudicaria diretamente a atividade do réu, contrariando
interesses de alta significação social em um conflito de valores.
O direito positivo brasileiro solucionou essa questão ao estabelecer que apenas a
extensão da coisa julgada será secundum eventum litis. A extensão subjetiva do julgado em
ações coletivas ocorrerá em direta relação com a amplitude do direito posto em causa.
Se difuso, a extensão será erga omnes para atingir a massa indeterminada de sujeitos.
Se coletivo stricto sensu, a extensão será ultra partes, atingindo a todos os membros da
categoria, classe ou grupo identificáveis em razão da relação jurídica-base entre si ou com a
contraparte anterior à lesão. Se individuais homogêneos, a extensão será erga omnes,
atingindo a todos aqueles que comprovarem a lesão do direito debatido em juízo.
O CDC estabelece que não ocorre coisa julgada negativa apenas para os titulares de
direitos lesados. A ação coletiva não poderá ser reproposta, resguardando o valor segurança
jurídica e a exposição indefinida do réu ao processo. Os direitos difusos e coletivos discutidos
na causa serão atingidos pela imutabilidade da coisa julgada, mas as ações e direitos
individuais dos substituídos não serão prejudicados.
O CDC consagra a coisa julgada secundum eventum probationis para ações coletivas
que versam sobre direitos difusos ou coletivos stricto sensu.53 Apenas se forma caso a
demanda seja julgada procedente ou improcedente por insuficiência de provas e nos casos de
improcedência da ação fundamentada no art. 267 do CPC. Se a decisão no processo coletivo
julgar improcedente a demanda por insuficiência de provas não fará coisa julgada.
Os direitos individuais só serão atingidos em benefício de seus titulares pela sentença
em ação coletiva que verse sobre direitos individuais homogêneos. Eis que os titulares
individuais não participarão do processo e não poderão ser prejudicados pela sentença de
improcedência.
52
CAPPELLETTI, Mauro. et al. Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi collettivi o diffusi. In: Le azione
a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 205. [...] allora
mi pare che non si debba distinguire fra effetti buoni o cattivi, favorevoli o sfavorevoli.
53
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: RT, 2003, p. 281-286.
43
Na concepção de Lenza é possível que surja uma destas situações: a) demanda
julgada procedente: coisa julgada material no âmbito coletivo, com extensão erga omnes ou
ultra partes no âmbito individual; b) demanda julgada improcedente, por insuficiência de
provas: não há coisa julgada material, autorizada nova propositura fundada em novas provas
por qualquer legitimado, não afeta o ajuizamento de ação individual; c) demanda julgada
improcedente com suficiência de provas: há coisa julgada material no plano coletivo, vedadas
as demandas coletivas por outros legitimados, não impedindo o ajuizamento de ação
individual.54
Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é
secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do
pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A
coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser
pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se
forma pro et contra. [...] O que diferirá com o ‘evento da lide’ não é a formação ou
não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é
secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão
‘erga omnes’ ou ‘ultra partes’ à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados
pela conduta considerada ilícita na ação coletiva.55
Outra alteração significativa do regime da coisa julgada coletiva está na ampliação
ope legis do objeto do processo nas ações coletivas, de modo a autorizar o transporte in
utilibus da coisa julgada para as demandas individuais (art. 103, § 3º, do CDC).
No Anteprojeto do CBPC a questão fundamental é saber se os titulares dos direitos
individuais não serão afetados “por arrastamento” em razão da coisa julgada na demanda
coletiva.
A melhor interpretação é no sentido de que só poderão ser atingidos os titulares de
direitos individuais sobre a premissa inafastável da “notificação adequada e efetiva”, ou seja,
não poderá ocorrer prejuízo para os titulares individuais que não puderem exercer
conscientemente a opção pela demanda coletiva. Excetua-se o caso de simples reversão de
sentença coletiva proferida anteriormente, em ação rescisória.
Sem essa importante reserva as demandas coletivas passivas poderão se converter em
angustiante mecanismo de supressão de direitos individuais com o “selo” da imutabilidade
judicial.
54
55
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública, São Paulo: RT, 2003, p. 251-254.
GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 73-74.
44
O CDC determina a extensão subjetiva do julgado para beneficiar terceiros,
transportando às ações individuais a sentença coletiva favorável. Há ampliação do objeto do
processo, incluindo na coisa julgada a decisão sobre o dever de indenizar.
O CDC traz normas relativas à litispendência entre as ações coletivas e as
individuais. Inclusive, o autor da ação individual pode requerer a suspensão do processo
intentado a título individual, para usufruir dos efeitos de eventual sentença proferida na ação
coletiva, que venha a favorecê-lo.
O art. 103, inc. I, do CDC determina que se procedente o pedido formulado na ação
coletiva, sobre a sentença pesará a autoridade de coisa julgada erga omnes. Procedente a
pretensão coletiva inviabilizará uma nova propositura da demanda, bem como se a ação
coletiva for julgada improcedente, exceto se o fundamento for a falta de provas.
Essa insuficiência de provas deve constar ou defluir da decisão, sendo este o
parâmetro decisivo para viabilizar-se a propositura da mesma demanda, calcada em nova
prova. Esse é o teor do disposto no inc. II, do art. 103, do CDC.
A regra geral estabelece que a procedência da ação produz-coisa julgada erga omnes.
Na improcedência por insuficiência de provas, qualquer legitimado poderá renovar a ação,
valendo-se da prova nova. Improcedente a ação produz a coisa julgada erga omnes, salvo se a
decisão de improcedência for fundamentada em falta de provas.
Ante a nova prova é possível repropor a mesma ação coletiva sem prejuízo dos
interesses individuais. A coisa julgada se restringe ao plano coletivo e possibilita obter o bem
jurídico individual por ação individual.
O art. 103, inc. II, do CDC determina que não haverá coisa julgada se o pedido for
julgado improcedente por insuficiência de provas. Disciplina os casos de coisa julgada nas
ações coletivas em defesa dos interesses coletivos. Entretanto, pedido julgado improcedente
cada um dos legitimados, individualmente, pode alterar o resultado desfavorável na ação
coletiva, ajuizando ação individual.
O regime dos limites subjetivos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses
coletivos é equivalente ao das ações em defesa de interesses difusos. A diferença reside na
extensão dos efeitos da sentença em relação a terceiros, pois no caso dos interesses coletivos,
a extensão dos efeitos da sentença é restrita aos membros da categoria ou classe, ligados entre
si ou à parte contrária por uma relação jurídica base.
Improcedente a ação coletiva, na hipótese do inc. II, do art. 103, do CDC, os
membros da associação, categoria ou classe podem alterar o resultado desfavorável da
decisão, através das ações individuais intentadas.
45
Se houver a procedência ou improcedência da ação (exceto por falta de provas),
poderá haver nova ação coletiva. No inc. II aplica-se o § 1º, do art. 103, que possibilita a cada
membro da associação, categoria ou classe reverter o resultado da ação coletiva através das
ações individuais, possibilitando obter o bem jurídico individual.
O inc. III, do art. 103, do CDC determina que a autoridade da coisa julgada, em
relação aos interesses individuais homogêneos, revestirá a decisão judicial, tanto em caso de
improcedência quanto em caso de procedência da demanda. É equivalente aos incisos I e II,
exceto pela hipótese da improcedência por insuficiência de provas. Tanto procedente quanto
improcedente a ação coletiva, verificar-se-ão os efeitos da coisa julgada erga omnes.
No caso dos interesses individuais homogêneos há um amplo “convite” para que os
interessados compareçam pessoal e diretamente ao litígio. Não se justifica a repetição de outra
ação coletiva, ainda que tenha havido improcedência fundada na insuficiência de provas.
A improcedência não configura a qualificação da coisa julgada erga omnes, pois não
abrange quem não foi litisconsorte. Independente do fundamento da improcedência, os
interessados (que não tenham intervindo no processo) podem mover a ação individual e
utilizar a prova já produzida na ação coletiva.
2.6 Litispendência, Conexão, Continência e Recursos nas Ações Coletivas
A mesma demanda coletiva pode ser proposta em duplicidade. Para que não
coexistam decisões conflitantes, devem ser aplicadas as regras da litispendência. O art. 104 do
CDC tratou do ajuizamento concomitante de ações individuais, desprezando a possibilidade
de serem instaurados vários processos coletivos.
Os direitos essencialmente coletivos não admitem convivência de várias ações diante
de pretensões e fundamentos idênticos. Decorre da impossibilidade de fracionamento do
objeto desses direitos e da necessidade de solução uniforme para o litígio, evitando o caos
jurídico consubstanciado na pluralidade de decisões judiciais conflitantes.
“Estando em jogo o mesmo pedido e causa de pedir, bem como havendo
coincidência entre os titulares dos interesses difusos ou coletivos, não se deve admitir o
ajuizamento de nova ação coletiva, em razão da presença de litispendência”.56
A litispendência é útil apenas ao processo coletivo se a análise comparativa levar em
conta não apenas a parte formalmente presente no processo, mas sim os titulares do direito
56
MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. Temas atuais de
direito processual civil. São Paulo: RT, 2002, v. 4, p. 259-260.
46
material deduzido no processo. Devido ao caráter difuso do meio ambiente sempre haveria
litispendência.
Somente ocorrerá conexão se não houver litispendência. Existe a possibilidade das
associações que se julguem prejudicadas pela extinção das demandas coletivas caracterizadas
como idênticas, tomarem corpo, por meio do litisconsórcio, na ação coletiva mantida, e assim
exercerem todas as faculdades processuais que entenderem cabíveis. Não se fala no princípio
da inafastabilidade jurisdicional.
O art. 14 da LACP dispõe que o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos,
para evitar dano irreparável à parte. A sentença sempre pode ser impugnada por apelação,
independentemente de haver decisão ou não acerca do mérito da causa. O sistema do CPC
impõe ao juiz receber a apelação no efeito devolutivo ou nos efeitos devolutivo e suspensivo,
conforme o caso concreto se enquadre ou não nas hipóteses do art. 520 do CPC.
A LACP permite ao juiz a faculdade de conceder à apelação os efeitos devolutivo e
suspensivo, se estiver presente o objetivo de evitar dano à parte. Mancuso ensina que
“também na LACP o juiz receberá a apelação apenas no efeito devolutivo, quando sentir que
só assim procedendo assegurará tutela eficaz ao interesse metaindividual objetivado”.57
Neste momento, discorda-se da discricionariedade judicial atribuída em se aplicar ou
não o art. 14 da LACP. Apesar do mencionado dispositivo determinar que “o juiz poderá”, o
legislador não quer atribuir ao juiz a faculdade de receber ou não a apelação em efeito
suspensivo.
Desde que o objetivo do julgador seja evitar dano irreparável à parte, deve haver
atribuição de efeito suspensivo à apelação que impugna sentença de ACP. O ato do juiz de
receber a apelação com efeito meramente devolutivo ou conferir-lhe também efeito
suspensivo, não é discricionário, presentes os requisitos legais o juiz deve atribuir tal efeito,
caso contrário, a apelação deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo.
Embora a parte final do art. 14 da LACP contenha um conceito vago, não se aplica a
discricionariedade no caso relativo à concessão ou não do duplo efeito à apelação. O caso
concreto determinará o conceito do dano irreparável. A finalidade da LACP é tutelar e atribuir
efeito suspensivo ao recurso. Se não houvesse esse dispositivo expresso, enormes dúvidas
seriam suscitadas sobre o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo, pois a tutela
coletiva não está elencada no rol do art. 520 do CPC.
57
MANCUSO, Rodolfo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos
consumidores (Lei 7.347/85 e legitimação complementar). 6. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 225.
47
Caso contrário, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio
estético, paisagístico estaria tutelada simplesmente por uma liminar (se esta fosse concedida),
impugnável via agravo. O julgador poderia modificar sua decisão de conceder a liminar a
qualquer tempo. Eis a importância do recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo.
Não havendo dano irreparável à parte, a apelação será recebida no efeito devolutivo.
O legislador impôs uma condição para que a apelação seja recebida no efeito
suspensivo. A regra é o recebimento da apelação somente no efeito devolutivo, o efeito
suspensivo é excepcional. O sistema não pode apenas contemplar as hipóteses do art. 520 do
CPC como ensejadoras do recebimento da apelação, mas também a antecipação do efeito
devolutivo no caso de haver a antecipação de tutela na sentença, incluindo a proteção aos
direitos coletivos.
A sentença que julgasse a ACP em circunstância disciplinada pela LACP seria
impugnada por apelação com efeito apenas devolutivo, se impusesse ao legitimado passivo
uma obrigação de fazer ou não fazer. Por ex., uma indústria poluidora obrigada a instalar
equipamentos de depuração de dejetos lançados ao meio ambiente. A sentença que impõe essa
obrigação é impugnada via apelação. O recurso deve ser recebido no efeito devolutivo
obrigando a instalação de componentes para diminuir a poluição.
O art. 12 da LACP prevê que o juiz poderá conceder tutela liminar,
independentemente de justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. Em relação ao agravo
também se aplica o art. 14 da LACP. Entretanto, há efetivamente o risco de haver dano grave
ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, paisagístico e histórico.
O efeito suspensivo do agravo deve ser concedido, pois sua não-concessão poderia
representar risco aos direitos coletivos tutelados pela LACP. Como a LACP busca proteger os
direitos coletivos, a regra é a concessão do efeito suspensivo ao agravo.
A regra do recebimento do agravo no efeito suspensivo não significa o
descumprimento do preceituado no art. 14 da LACP. O efeito suspensivo do agravo deve ser a
regra e a sua não-concessão implica a possibilidade concreta de danos irreparáveis aos direitos
que a LACP busca tutelar, o que não seria admissível.
Quando o recurso for manejado na defesa do meio ambiente a regra será a concessão
do efeito suspensivo. A interposição de recurso do qual possa advir risco de dano irreparável
aos direitos coletivos, a regra será concessão apenas do efeito devolutivo.
48
3 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL DO MEIO AMBIENTE
A CF consagrou o meio ambiente como direito fundamental. O fato de não estar
inserido no artigo 5º da CF não lhe retira a natureza de direito fundamental, porque já está
pacificado na doutrina a possibilidade de existirem direitos fundamentais fora dos arrolados
no artigo 5° da CF. É um rol exemplificativo que admite até o reconhecimento de direitos
fundamentais fora da CF.
Em virtude das atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial, os direitos
fundamentais vêm recebendo especial atenção dos publicistas deste final de século. Direitos
fundamentais são proposições jurídicas consideradas individualmente ou institucionalmente,
presentes na CF.
O meio ambiente é considerado um novo direito fundamental, eis que a Declaração
de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio
ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, como um dos direitos do
homem. Constitui um direito a ser realizado.
Por proteção ambiental deve-se entender a preservação da natureza e de tudo o que é
necessário para manter e equilibrar a vida humana. Tutela-se a qualidade do meio ambiente
como qualidade de vida humana. Por isso que o meio ambiente é considerado uma forma de
direito fundamental da pessoa humana.
A proteção do meio ambiente e a proteção da pessoa humana se constituem em
prioridades inequívocas da agenda internacional hodierna. [...] A luta pela proteção
do meio ambiente acaba se identificando em grande parte com a luta pela proteção
dos direitos humanos, quando se tem em mente a melhoria das condições de vida.58
O princípio da dignidade da pessoa humana consolida os valores contidos em todas
as dimensões de direitos antes descritas. Para que isto ocorra é necessário a realização
substancial do direito ao meio ambiente saudável e equilibrado. Trata-se de um corolário do
próprio direito à sobrevivência humana. Não havendo condições ambientais propícias, nem
recursos naturais produzidos pelo meio, é impossível a manutenção da vida humana.
Segundo os critérios substanciais de vida e liberdade necessários para o gozo dos
direitos humanos, é preciso o ser estar vivo e possuir condições dignas de existência em um
ambiente sadio e equilibrado. Para implementar esta necessidade é inevitável o gozo de todos
os outros direitos humanos. O reconhecimento do direito a um meio ambiente saudável está
58
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de
proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 23-24.
49
ligado a um crescimento da importância autônoma das questões ambientais, quanto à sua
ligação com o sentido amplo da liberdade e respeito aos seres humanos.
O direito ao meio ambiente saudável é elemento primordial para o próprio bem-estar
da sociedade. O reconhecimento do meio ambiente como um direito fundamental vincula a
liberdade substancial à dignidade dos indivíduos. Ao radicar a proteção da ecologia na
dignidade da pessoa humana, mediante a consagração de direitos fundamentais, é reconhecida
a dimensão ético-jurídica das questões ambientais.
O direito fundamental ao meio ambiente saudável torna nítida a superação dos ideais
individualistas da sociedade contemporânea que passou a ser expressamente consagrada na
Lei Maior de vários países. Representa um modelo estatal pós-social que se fundamenta na
busca do desenvolvimento sustentável. A CF/88 constitui um avanço na defesa do meio
ambiente saudável e equilibrado, pois nunca a preocupação ecológica recebeu tamanha
importância no texto constitucional.
O art. 225 da CF incorpora a expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado
para as presentes e futuras gerações”, dentro do Capítulo relativo aos Direitos Sociais.
Incumbe ao Poder Público dar-lhe efetividade através da vedação às práticas que coloquem
em risco a ecologia. Desta forma, o meio ambiente eleva-se ao nível constitucional.59
Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se, consoante já proclamou o STF, de um típico
direito da terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o
gênero humano, circunstância essa que se justifica a especial obrigação – que incumbe ao
Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e
das futuras gerações.60
Os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titulariedade coletiva
atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da
solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento,
expansão e reconhecimento dos direitos humanos.
A CF exige do Poder Público e de toda a sociedade o respeito e a adoção de políticas
que garantam e promovam o meio ambiente saudável. O Estado deve tutelar o meio ambiente
e realizar ações positivas para a sua melhoria, respeitando o preceito contido no artigo 1º, inc.
III, da CF. O direito ao meio ambiente sadio como direito fundamental viabiliza a utilização
59
60
STF, MS nº. 22.164-0-SP, Rel. Min. Celso de Mello.
STF, RE nº. 134.297-SP, Rel. Min. Celso de Mello.
50
deste direito como instrumento de consagração do direito à vida. A tutela do meio ambiente é
instrumento de garantia da qualidade da vida humana.
O direito material reconhece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
como direito fundamental, estabelece normas de conduta com o fim de preservá-lo. O direito
processual fornece mecanismos para realizar a norma de direito material. Os direitos
fundamentais exigem o dever de proteção ao Estado, que não se resume à tutela jurisdicional.
O Estado ao editar normas tem o dever de proteger os direitos fundamentais. No
aspecto ambiental a legislação ambiental regula assuntos como a proibição de construir em
determinado local, a proibição de despejar lixo tóxico, a exigência de estudos prévios de
impacto ambiental para atividades potencialmente poluidoras, o estabelecimento de áreas de
reserva legal e áreas de preservação permanente. A lei prevê obrigações de fazer e de nãofazer, com o fim de evitar a degradação do ambiente.
As normas de proteção de direitos fundamentais são impositivas ou proibitivas de
condutas. Entretanto, não basta a edição da norma. O Estado tem o dever de fiscalizar o seu
cumprimento, impor a sua observância, remover os efeitos concretos derivados de sua
inobservância e sancionar o particular que a descumpriu. A figura do guarda florestal, por ex.,
indica tutela administrativa.
Quando o administrador, em processo administrativo, decide que houve infração a
uma norma de proteção, o seu dever passa a ser – quando não lhe restar o mero
sancionamento do particular pela conduta reprovada – o de fazer valer o desejo da norma, seja
no caso de ato comissivo ou omissivo.
Nas hipóteses em que o administrador determina a paralisação da construção de obra,
a instalação de determinado equipamento antipoluente, a proteção atribuída pela norma é
afirmada pelo administrador. Mesmo quando o administrador impõe multa ao particular, está
protegendo um direito fundamental.
Como nem sempre a obrigação imposta pela norma é espontaneamente observada,
ganha relevo o direito processual. As normas processuais têm por finalidade oferecer aos
cidadãos os instrumentos adequados e necessários para se consagrar o direito conferido pela
norma de direito material que não foi voluntariamente observada. Surge, então, a necessidade
da tutela jurisdicional.
A única forma de tutela jurisdicional possível na violação da norma de proteção ao
direito fundamental é aquela que, de forma similar ao que acontece no plano administrativo,
impõe a observância da norma ou remove os efeitos concretos derivados de sua violação. A
51
violação exige a atuação da norma e não um remédio capaz de garantir proteção ao sujeito
que sofreu dano, ou seja, a tutela ressarcitória.
Isso não significa que a violação de norma de proteção não possa acabar acarretando
danos a direitos transindividuais, como o direito ambiental. Nesse caso, há duas formas de
tutela ressarcitória: pelo equivalente e na forma específica. No caso de direito transindividual,
sendo faticamente viável a reparação in natura, a tutela ressarcitória deve ser prestada na
forma específica.
O Estado tem o dever de proteger ou tutelar o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, mediante atividade administrativa, normativa e jurisdicional. O
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é reconhecido como direito difuso. A
ação coletiva para a tutela dos direitos difusos e coletivos é regida pela conjugação das regras
da LACP com as do Título III do CDC e compõe o sistema processual coletivo (arts. 90 do
CDC e 21 da LACP).
O meio ambiente é um macrobem por ser um complexo de entidades singulares que
representam bens jurídicos em si mesmos. O meio ambiente intera elementos naturais,
artificiais e culturais que possibilitam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas.
Através da lei a sociedade escolhe os bens que devem ser protegidos. Esses bens
denominam-se bens ambientais, culturais ou socioambientais, os bens ambientais são todos
aqueles que adquirem essencialidade para a manutenção da vida de todas as espécies
(biodiversidade) e de todas as culturas humanas (sociodiversidade).
O bem ambiental ou socioambiental pode estar sobreposto ao bem público, ao bem
privado, às coisas fora do comércio e à res nullius. Para esses bens, não importa a qualidade
do proprietário, sendo que a dominialidade deve ser pública.
Diversos artigos da CF fazem referência explícita e implícita ao meio ambiente,
como os arts. 5º, inc. LXXIII; 20, inc. II; 23; 24, incisos VI, VII e VIII; 91, § 1º, inc. III; 129,
inc. III; 170, inc. VI; 174, § 3º; 186, inc. II; 200, inc. VII; 216, inc. V; 220, § 3º, inc. II e 225.
Quanto às referências implícitas os arts. 21, incisos XIX, XX e XXIV; 22, incisos IV, XII e
XXVI; 23, incisos II, III e IV; 215 e 216. O meio ambiente está disciplinado no Capítulo VI,
do Título VII do texto constitucional. Eis o núcleo da tutela constitucional atribuída ao meio
ambiente, representado pelo art. 225 da CF.
Consoante Silva o art. 225 da CF compreende três conjuntos de normas: normasprincípio (revelam o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
considerando-o como bem de uso comum do povo (caput); normas-instrumento (garantem a
52
efetividade das normas-princípio), não sendo meramente processuais, outorgam direitos e
impõem deveres (§1º); normas que consubstanciam um conjunto de determinações
particulares, referentes a objetos e setores (§§ 2º a 6º).61
Proteger o meio ambiente significa proteger a espécie humana. A tutela do meio
ambiente decorre da sociedade de massa verificada na sociedade moderna, estabelecendo uma
tutela ambiental no âmbito constitucional e refletindo a evolução da sociedade.
Por isso, o desenvolvimento de uma legislação ambiental em todos os países
acompanhou, ainda que de forma dispersa, a realidade da ‘sociedade de massa’ com
particular destaque a partir do século XVIII e início do século XIX. Nessa mesma
esteira, seguiram exemplo as cartas constitucionais de vários países, que, ora de
forma direta, ora de forma difusa, achavam por dar tratamento específico à temática
ambiental.62
Vários países reconheceram constitucionalmente o direito ao ambiente. Rodas
Monsalve afirma que “em alguns estados as políticas de proteção têm por base o
reconhecimento constitucional expresso de um direito ao ambiente, principalmente, naquelas
Constituições elaboradas a partir de 1970”.63
O art. 45 da Constituição espanhola de 1978, o art. 24 da Constituição grega de 1975,
o art. 66 da Constituição portuguesa de 1976, o art. 110 da Constituição panamenha de 1972 e
o art. 123 da Constituição peruana expressam referida preocupação. Algumas Constituições
inserem o ambiente no rol dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos.
No Estado Democrático de Direito não há de se falar, em regra, que se sobreponha à
Constituição, porque todo o ordenamento jurídico infraconstitucional deve estar em
consonância com os ditames da Carta Magna.64
O texto constitucional possui um dos melhores conjuntos de normas jurídicas
preventivas e repressivas, principalmente em se considerando a sua grande interpenetração
61
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 31.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental e patrimônio
genético. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 28.
63
RODAS MONSALVE, Julio César. Fundamentos constitucionales del derecho ambiental colombiano.
Bogotá: Uniandes, 1995, p. 23. En algunos estados las politicas de protección parten del reconocimiento
constitucional expreso de un derecho al ambiente, principalmente, en aquellas constituciones elaboradas a
partir de 1970.
64
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000, p. 245 refere-se à “supremacia da Constituição” por entender que o texto da Carta Magna
sobrepõe-se a todos os outros textos normativos, sendo esse sistema piramidal característica do Estado de
Direito.
62
53
com o Direito infraconstitucional do meio ambiente. Grau considera bastante avançado o
Capítulo VI do Título VII da CF, apesar de integrado por um só artigo e seus parágrafos.65
O direito ao meio ambiente é um direito fundamental inserido na CF, resultado de
fatores sociais que impuseram sua cristalização sob forma jurídica, devida a sua relevância
para o desenvolvimento das relações sociais. Trata-se de um direito essencial à sadia
qualidade de vida e deve ser preservado para as presentes e futuras gerações.
Trata-se de proposição enunciativa, porém com função diretiva, prescritiva
(imperativa, portanto), e de abstração e generalidade acentuadas – verdadeiro
princípio geral expresso. Toda atividade humana deve-lhe obediência; todos os atos
dos Poderes Públicos dos particulares não poderão ofender o meio ambiente; todas
as normas jurídicas, inclusive as constitucionais, devem-lhe conformação –
necessitam considera-la na interpretação e aplicação.66
Milaré alerta que “o maior de todos os problemas ambientais brasileiros é o
desrespeito generalizado, impunido ou impunível, à legislação vigente”.67 O ecossistema se
equilibra naturalmente, a intervenção humana altera este equilíbrio. Aguiar adverte que o ser
humano “avançou tecnologicamente a um limite que pode se voltar contra o criador”.68 O
equilíbrio deve ser verificado quanto às forças da natureza, bem como em relação ao homem e
à natureza e ao homem com o próprio homem.
Alibrandi e Ferri entendem que “para efeitos da defesa do ambiente, a administração
do território se parece com uma função dirigida a realizar o justo equilíbrio entre as duas
instâncias contrapostas de conservação e transformação”.69 Na acepção de Figueiredo e Silva
o equilíbrio referido no art. 225 da CF dá-se de modo dinâmico e não de modo estático.70
O art. 225 da CF traz a obrigação de toda a coletividade, inclusive do Estado, na
preservação e defesa do meio ambiente. Trata-se de um direito-dever erga omnes, tendo em
vista que toda a sociedade é titular de um direito e de uma obrigação. Na concepção de
65
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.
265.
66
VITTA, Heraldo Garcia. O meio ambiente e a ação popular. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 4.
67
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001,
p. 232.
68
AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito do meio ambiente e participação popular. Brasília:
IBAMA, 1994, p. 39.
69
ALIBRANDI, Tomaso; FERRI, Pergiorgio. I beni culturali e ambientali. Milão: Giuffrè, 1995, p. 60. Ai fini
di difesa dell’ ambiente, la gestione del território si presenta come uma funzione indirizzata a realizare il
giusto equilíbrio tra lê due instanze contraposta di conservazione e transformazione.
70
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin; SILVA, Solange Teles da. Elementos realizadores da ação estatal na
defesa dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações. In: Temas de direito ambiental e
urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 140.
54
Borges todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e as obrigações que se
referem àquela expectativa são de todos.71
Quanto à titularidade difusa do meio ambiente Fiorillo e Rodrigues esclarecem que o
vocábulo todos inserido no art. 225 da CF “significa que o direito ao meio ambiente é ao
mesmo tempo de cada um e de todos, no sentido de que o conceito ultrapassa a esfera do
indivíduo para repousar-se sobre a coletividade”.72 O art. 225 da CF concebe o meio ambiente
ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo. O art. 98 do CC explicita o
conceito de bem público.
Nessa categoria, incluem-se os bens que pertencem à pessoa jurídica de direito
público interno, facultando-se a utilização indistinta e gratuita por todas as pessoas
(communes omnium). Além dos mares, rios, estradas, ruas e praças, citam-se as
praias, as lagoas, as pontes, os viadutos, as passarelas, os trilhos, os monumentos, os
lugares históricos, os campos de esporte, os calçamentos, os museus, os passeios, os
jardins e os logradouros públicos. [...] A titularidade do domínio é da União, ou dos
Estados, ou dos Municípios, conforme quem exerce o dever de vigilância, tutela e
fiscalização para o uso público. Não é admissível que o povo seja o proprietário, ou
que haja um condomínio social, no qual cada cidadão tem a propriedade dos bens
em comunhão com todos os outros. Acontece que o domínio exige titular
identificado, não importando que em comunhão, desde que todos que a integram
sejam individuados. Até porque faltaria a identidade da pessoa que pudesse exercer
atos de comando, de administração ou gerência. Ao povo, ou à coletividade, reservase unicamente o direito de uso, direito esse que integra os componentes da
propriedade, os quais podem ser desmembrados do titular do domínio, sem
prejudicá-lo.73
Rodrigues se refere aos bens comum do povo como “aqueles bens que qualquer
pessoa, cumprindo os regulamentos, pode utilizar”.74 Na concepção de Amaral “são coisas
que a todos pertencem”.75 Bandeira de Mello destaca os bens de uso comum como os
passíveis de utilização por todos.76 Por força do texto constitucional poder-se-ia considerar o
equilíbrio ecológico do meio ambiente como bem público de uso comum do povo.77
71
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p.
41.
72
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e
legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 79.
73
RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 307-308.
74
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo:Saraiva, 2002, v. 1, p. 146.
75
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 326.
76
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 530.
77
Comungam a concepção de meio ambiente como bem jurídico de uso comum do povo, por ex., CRETELLA
JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.
4.518 e MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo:
RT, 2001, p. 233.
55
Os bens de uso comum do povo (res communes omnium) são aqueles de que o povo
se utiliza: pertencem à União, aos Estados ou aos Municípios, conforme o caso. Tais
podem ser usados por todos, sem restrição, gratuita ou onerosamente, sem
necessidade de permissão especial, como as praças, jardins, ruas etc. não podem ter
tal característica se o Poder Público regulamentar seu uso, restringi-lo ou tornar sua
utilização onerosa, como é o caso do pedágio nas rodovias (art. 68 do Código Civil;
novo, art. 103).78
O texto constitucional não recepcionou completamente o CC, quando este se refere
aos bens públicos de uso comum do povo. O conceito de patrimônio público dissocia-se do
bem difuso, de molde a se compor apenas dos bens dominicais e de uso especial.
Até o surgimento do CDC, tínhamos pelo menos sob o prisma legal, a prevalência
da dicotomia público/privado, de modo que os bens hoje designados difusos, a partir
de critérios de indeterminabilidade dos titulares e indivisibilidade do seu objeto,
eram tratados sob o rótulo de bens públicos, ao menos sob o enfoque a Lei e da
doutrina do Direito Privado. Sem ter criado distintivo ou classificatório dos bens, e
apesar de ter-se utilizado repetidas vezes da classificação estabelecida pelo art. 66 do
Código Civil, a CF, contudo, não se olvidou da existência dos bens difusos, já que
em numerosas oportunidades cuidou de abordá-los tácita e expressamente.79
O conceito de bem público não se coaduna com o conceito de bem difuso, já que ou
se alarga demasiadamente a definição de bem de domínio público e, portanto, acaba por
descaracterizá-lo, ou então se admite uma transformação no sistema, de forma que os bens de
domínio público seriam espécies do gênero bens da coletividade, no qual se incluiriam os
bens difusos.
Existe no nosso ordenamento jurídico positivado uma terceira categoria de bem, que
é o difuso, cuja titularidade difere daquela própria do bem público. O legislador constituinte
demonstrou sua existência quando aludiu a bem ambiental de natureza difusa (art. 225 da CF),
de uso comum do povo, cuja defesa incumbe tanto ao Poder Público quanto à coletividade.
Enquanto o bem público tem como titular o Estado (ainda que deva geri-lo em
função e em nome da coletividade), o bem de natureza difusa tem como titular o próprio povo
e, aprioristicamente, conforme determina o Texto Maior, é dever da coletividade e do Poder
Público cuidar do referido bem, a menos que a própria lei determine, a um ou outro ente, o
específico dever de sua proteção ou preservação.
Benjamin observa que o bem ambiental é bem difuso por excelência. Entretanto,
alerta que
78
79
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 1, p. 328.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e
legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 93-96.
56
[...] Não se deve esquecer que o meio ambiente tem, ao lado da perspectiva difusa,
repercussões coletivas stricto sensu, individuais homogêneas e mesmo
exclusivamente individuais e públicas. Assim, por exemplo, uma atividade poluidora
pode causar danos ao meio ambiente em geral (contaminação do ar, extinção de
espécies, chuva ácida), ao meio ambiente do trabalho (afetando os trabalhadores da
empresa emissora, todos filiados ao sindicato local) e a indivíduos particularizados
(diminuição da produção leiteira ou degradação do patrimônio imobiliário dos
vizinhos da fonte poluidora). Para uma mesma ação (ou ‘fato ambiental’), várias
modalidades de dano, cada uma delas a ensejar diverso dever de reparação.80
Pelas características diversas dos bens públicos e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado como bem de uso comum do povo pela CF, não corresponde a um bem público na
forma descrita pelo CC, principalmente tendo em vista a titularidade difusa e a
indivisibilidade do objeto, que lhe são característicos.
O bem ambiental, portanto, é público porque está à disposição de todos os cidadãos
– daí ser bem de uso comum – e porque corresponde a uma finalidade pública. Em
conseqüência, sua tutela tem um caráter também público e pertence não só ao
Estado, mas à coletividade também.81
Por esta razão alguns doutrinadores concebem o meio ambiente ecologicamente
equilibrado não como um bem público na acepção do CC, mas como bem público
disponibilizado a todas as pessoas, indistintamente.82
As atuais gerações têm direito aos frutos, têm o direito de usufruir de um planeta
vivo. Contudo, elas não têm, em nenhuma hipótese, o direito de destruí-lo. Elas têm
o dever de conservá-lo e de transmiti-lo às gerações futuras. As gerações futuras, por
sua vez não gozam simplesmente de uma expectativa de direito de adquirirem, de
receberem o produto. Elas possuem um direito incontestável a um planeta intacto,
fundado no próprio direito de perpetuação das espécies.83
O equilíbrio do meio ambiente é garantido para toda a coletividade e para as
presentes e futuras gerações. Os titulares não se restringem à sociedade atual, abrangendo
também as gerações que ainda estão por vir.
80
81
82
83
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. A insurgência da aldeia global contra o processo civil clássico.
Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis
(Coord.). Ação civil pública Lei nº. 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São
Paulo: RT, 1995, p. 97-98.
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. (Coord.). Função ambiental. Dano ambiental: prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 74.
No mesmo sentido, inclusive destacando a finalidade pública desses bens, qual seja a busca pela sadia
qualidade de vida, tem-se CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, p. 102.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; SILVA, Solange Teles da. Elementos realizadores da ação estatal
na defesa dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações. In: Temas de direito ambiental e
urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 143-144.
57
3.1 A Natureza Jurídica da Proteção Ambiental
O ser humano está inserido no sistema ambiental natural e sofre as conseqüências de
sua presença. Logo, a ordem jurídica, por conter o fator cultural, deve optar racionalmente
pela manutenção da ordem ambiental e preservação da espécie humana. A proteção jurídica
ambiental concebe duas características: a intergeracionalidade e inserção depende do homem.
Se o meio ambiente é um bem de uso comum, deverá ser aproveitado pela geração
presente e preservado para geração futura, que deverá repetir a prática protetiva para a
próxima geração e assim sucessivamente, garantindo a preservação da espécie humana. Eis o
círculo vicioso entre a dependência de gerações e a preservação ambiental, razão pela qual são
concebidas duas linhas doutrinárias acerca da natureza jurídica da proteção ambiental.
3.1.1 Antropocentrismo
A CF está centrada no princípio da dignidade humana, razão pela qual toda pessoa
fundamenta o sistema de direito positivo e o direito ambiental. No plano normativo e
especificamente do direito brasileiro, a importância da pessoa humana se reafirma perante o
Estado Democrático de Direito e reclama a satisfação dos valores mínimos fundamentais
descritos no âmbito do art. 6º da CF.84
O Direito Ambiental sob a perspectiva dos direitos individuais é imprescindível para
o desenvolvimento da pessoa e se relaciona diretamente com a dignidade humana. A proteção
do meio ambiente se justifica pela importância no desenvolvimento humano, e não apenas
pelo meio ambiente em si.85
As disposições constitucionais de alguns países consideram o ambiente como tarefa
ou fim do Estado. Em termos jurídico-dogmáticos, nas normas-tarefa e as normas-fim
apresentam duas dimensões: a) não garantem posições jurídico-subjetivas, dirigindo-se
fundamentalmente ao Estado e outros poderes públicos; e b) constituem normas jurídicas
objetivamente vinculativas.
No plano prático a consideração do ambiente como tarefa ou fim normativo implica
na existência de autênticos deveres jurídicos dirigidos ao Estado e aos Poderes Públicos.
84
85
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 11-15.
SOLZÁBAL ECHAVARRÍA, Juan José. El derecho al medio ambiente como derecho publico subjetivo. A
tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Boletim da Faculdade de direito. Coimbra: Universidade
de Coimbra, 2005, p. 35-39.
58
Inexiste residualidade na possibilidade de disposição da proteção ambiental. Impede um
retrocesso na proteção dos bens ambientais e desregulação jurídica na questão ambiental.86
No antropocentrismo a pessoa humana é a destinatária do Direito Ambiental. O meio
ambiente satisfaz as necessidades humanas. A Proposição nº. 1 da Declaração do Rio de
Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento de 1992 (Rio 92) proclama que os seres
humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável e têm direito a
uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Cabe ao homem, como único
animal racional, a preservação das espécies.
Luquin Bergareche entende que o direito ao meio ambiente integra a categoria dos
“direitos de terceira geração”, destinados ao desenvolvimento da pessoa (concepção
antropológica), porque o meio ambiente é um bem difuso.87
Patti apóia o fundamento constitucional da função social da propriedade no direito
italiano e classifica a proteção ambiental como um direito fundamental da pessoa, por ser
condição essencial de desenvolvimento da personalidade do ser humano. Há uma exigência
geral da proteção da personalidade humana, que implica no reconhecimento da multiplicidade
de direitos da personalidade e exige uma gama diferenciada de métodos de tutela.88
O direito ao ambiente é um direito da personalidade, cujo interesse não colide com o
direito de propriedade e se coaduna com o desenvolvimento da personalidade, saúde e
integridade física. Trata-se de direito indisponível e princípio inderrogável de ordem pública.
3.1.2 Ecocentrismo jurídico
Ressalta o meio ambiente como o centro da ordem jurídica ambiental. Para Vicente
Giménez a jurisdicização da questão ambiental revela que o Direito tornou-se um fator
limitador da arbitrariedade humana e instrumento de controle social.89
Essa tolerância faz com que o sistema jurídico assimile normas vertentes
epistemológicas como a capacidade de interferência na atividade humana na medida em que
não consegue adaptar-se e coloca em perigo a normalidade. A natureza é sujeito de direitos,
embora seja dispensável uma legislação específica a fim de atribuir responsabilidade humana.
86
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. A tutela jurídica do meio
ambiente: presente e futuro. Boletim da faculdade de direito. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005, p.
48-52.
87
LUQUIN BERGARECHE, Raquel. Mecanismos jurídicos civiles de tutela ambiental. Navarra: ThomsonAranzadi, 2005, p. 20.
88
PATTI, Salvatore. La tutela dell’ ambiente. Padova: Cedam, 1979, p. 18.
89
VICENTE GIMÉNEZ, Teresa (Coord.). Orden ambiental-orden jurídico. Interdependencia, participatión y
condicionalidad. Justicia ecológica y protección del medio ambiente. Madrid: Trotta, 2002, p. 46-48.
59
Mukai situa o direito ambiental dentro da proteção jurídica dos direitos difusos,
como interesse juridicamente reconhecido, de uma pluralidade indeterminada ou
indeterminável de sujeitos que, potencialmente, pode incluir todos os participantes da
comunidade geral a que se refere a norma.90 O direito ao ambiente sadio é unitário e
pluralista, exige dos outros membros da coletividade o respeito de uma situação de proteção
ambiental.
Há responsabilidade coletiva, sobretudo entre as gerações, para suprir as
necessidades ecológicas básicas, o que significaria, imediata ou mediatamente, também suprir
necessidades humanas. Mediante um processo consensual, o Estado reuniu condições para
impor aos cidadãos a responsabilidade pela proteção do meio ambiente.91
Em um primeiro momento deste desarranjo formal, aparece como justiça política
enquanto justiça pública distributiva em sentido Kantiano. Sem dúvida, em um
segundo momento, oferece um conteúdo material, resultado que se subordina ao
princípio formal da justiça no reino da razão prática. Este desarranjo posterior ao
formal, mas aderente às estruturas sociais básicas e à divisão dos bens coletivos
segundo uma medida racional objetiva e concreta, encontra significação, por
exemplo, no segundo princípio da Teoria da Justiça de John Rawls, sempre que
princípios de Rawls são interpretados em um sentido que transcenda à construção de
um neoliberalismo pragmatista. É certo que as estruturas sociais básicas representam
fatores integradores e definidores da posição do sujeito individual. 92
Vicente Giménez fundamenta o paradigma da Justiça ecológica na doutrina de John
Rawls.93 A Justiça é elemento de unidade social, constitui a base da estrutura da sociedade.
Esta nova idéia de Justiça utiliza como critério um paradigma racional, capaz de determinar
cada dimensão do Justo ecológico e a compreensão dos princípios e normas relativas à
regularização dos fenômenos ecológicos. O processo e a Justiça são interpretados como
retribuição, o que relativiza a simples relação linear de tensão entre os sujeitos do ato Justo.
3.2 Conceito de Meio Ambiente
90
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 6-9.
VICENTE GIMÉNEZ, Teresa (Coord.). Orden ambiental-orden jurídico. Interdependencia, participatión y
condicionalidad. Justicia ecológica y protección del medio ambiente. Madrid: Trotta, 2002, p. 49-58.
92
VICENTE GIMÉNEZ, Teresa. (Coord.). Justicia ecológica y protección del medio ambiente. El nuevo
paradigma de la justicia ecológica. Colección estructuras y procesos. Madrid: Trotta, 2002, p. 59-60. En un
primer momento de su desarrollo formal, aparece como justicia política en cuanto justicia pública distributiva
en sentido Kantiano. Sin embargo, en un segundo momento, ofrece ya un contenido material, resultado que se
subordina al principio formal de la justicia en el reino de la razón práctica. Este desarrollo posterior no formal,
más adherente a las estructuras sociales básicas y al reparto de los bienes colectivos según una medida
racional objetiva y concreta, encuentra significación, por ejemplo, en el segundo principio de la Teoria de la
justicia de John Rawls, siempre que principios de Rawls sean interpretados en un sentido que transcienda a la
construcción de un neoliberalismo pragmatista. Es decir, donde las estructuras sociales básicas representen
factores integradores y definitorios de la posición del sujeto individual.
93
Id., Ibid., p. 59-60.
91
60
O Direito Ambiental é um direito fundamental que cumpre a função de integrar os
direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos
recursos naturais. A dimensão humana, ecológica e econômica devem se harmonizar sob o
conceito de desenvolvimento sustentado.
O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da
legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram
o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem
antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da
Atmosfera, um Direito do solo, um Direito florestal, um Direito da fauna ou um
Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem
de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos
instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de
monitoramento e de participação.94
Mukai define Direito Ambiental como “um conjunto de normas e institutos jurídicos
pertencentes a vários ramos do direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina
do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente”.95
Milaré conceitua o Direito do Ambiente como “o complexo de princípios e normas
coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a
sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as
presentes e futuras gerações”.96 Serrano propõe duas definições para Direito Ambiental:
O Direito Ambiental é o conjunto de leis que regulam os sistemas ambientais, com o
fim de alcançar o livre desenvolvimento da personalidade dos homens. O direito
ambiental é o sistema de normas, princípios, instituições, práticas operacionais e
ideologias jurídicas que regulam as relações entre os sistemas sociais e seu meio
natural.97
Meio ambiente é definido pelo art. 3º, inc. I, da Lei nº. 6.938/81 como o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas. A lei considerou o ambiente um bem incorpóreo
e imaterial.
94
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 129130.
95
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 11.
96
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001,
p. 109.
97
SERRANO, José-Luis. Concepto, formación y autonomía del derecho ambiental. O novo direito ambiental.
Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 33. El Derecho ambiental es el conjunto de leyes que regulan los sistemas
ambientales con el fin de alcanzar el libre desarrollo de la personalidad de los hombres. El derecho ambiental
es el sistema de normas, principio, instituiciones, prácticas operativas e ideologías jurídicas que regulan las
relaciones entre los sistemas sociales y sus entornos naturales.
61
Meio ambiente é uma expressão que significa tudo que está ao nosso redor, traduz o
desenvolvimento equilibrado da vida, visto que há uma interação de elementos naturais,
artificiais e culturais. A falta desta interação acarreta problemas como erosão, destruição da
camada de ozônio, efeito estufa, mudanças bruscas no clima da terra, poluição do ar,
desflorestamentos.
O meio ambiente equilibrado representa a terceira geração de direitos. “A expressão
direitos fundamentais compreende os princípios fundamentais e todas as prescrições que dão
sentido básico do regime constitucional”.98 “Se a CF enumera direitos fundamentais no seu
Título II, isso não significa que outros direitos fundamentais – como o direito ao meio
ambiente – não possam estar inseridos em outro dos seus Títulos, ou mesmo fora dele”.99
Na Conferência das Nações Unidas realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia,
onde participaram aproximadamente 113 nações, foram tomadas decisões efetivas com
relação a degradação do meio ambiente. A despeito dos interesses dos países em
desenvolvimento, inclusive o Brasil, que defendiam seu direito às oportunidades de
crescimento econômico a qualquer custo, ficaram definidas regras para associar prudência
ecológica às ações pró-desenvolvimento, isto é, o eco-desenvolvimento.
A Conferência da ONU, no Rio de Janeiro em 1992 (Rio-92), representou marco
importante na busca por mecanismos de preservação, conservação, uso racional, fiscalização,
controle e fomento dos recursos naturais.
Em consonância com estes interesses, o art. 225 da CF estabelece que é dever de
todos preservar e estabelecer a harmonia entre a natureza e o homem, a fim de garantir um
meio ambiente ecologicamente preservado e sadio. A Lei n.º 9.605/98 enumerou sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
As promessas constantes no sistema normativo constitucional resgataram o interesse
pela modernidade e ao mesmo tempo não se desenvolveu política no sentido de criar
mecanismos que pudessem aplicar as garantias previstas.100 O sistema jurídico repousa no
romanismo que não permite um juiz legislador e uma interpretação modificativa ou contrária
a lei vigente.101
98
MATHEUS, Ana Carolina Couto. A argüição de descumprimento de preceito fundamental como medida
processual para a defesa da Constituição sob o enfoque da jurisprudência do Superior Tribunal Federal,
Revista de processo, RT, São Paulo, ano 32, n. 149, jul. 2007, p. 191.
99
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo. São Paulo: RT,
2006, v. 1, p. 65.
100
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 107.
101
POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Fontes de direito e sistema jurídico, Consulex, São Paulo, ano 11, n.
251, jun. 2007, p. 9.
62
É da essência do regime democrático a participação popular em todas as instâncias
de decisões, sobretudo quando emanadas do Estado. Em vários momentos pode se
dar a participação popular e preservação do meio ambiente: a) na fase de elaboração
das normas jurídicas; b) no momento da aplicação das normas jurídicas; c) ao
provocar a função jurisdicional, o que é feito através dos aparelhos que o Estado
coloca à disposição dos membros do grupo social.102
A responsabilidade ambiental é de todos os países, na medida de suas capacidades e
potencialidade de desenvolvimento. Os interesses ambientais devem materializar-se em
legislações positivadas. As ações deverão adotar medidas eficazes para impedir a degradação
do meio ambiente, valendo-se em todos os casos do princípio da precaução, mesmo
inexistindo certeza científica sobre a probabilidade do dano ao meio ambiente.
3.3 Bem Ambiental
Piva conceitua bem ambiental como “um valor difuso, imaterial ou material, que
serve de objeto mediato a relações jurídicas de natureza ambiental”.103 Bem ambiental é um
bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos
limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade de vida. Akaoui define como
“um bem jurídico de natureza material ou imaterial, de uso comum do povo, e que permite a
manutenção de uma vida com qualidade”.104
A CF recepcionou o conceito de meio ambiente previsto no art. 3º, inc. III, da Lei nº.
6.938/81, por ser amplo o suficiente para incluir todos os interesses de natureza ambiental
(meio ambiente natural, cultural, do trabalho e urbano ou artificial).
O ordenamento jurídico foi construído em virtude de duas espécies de bens, os de
natureza privada e os de natureza pública. A CF/88 aceitou o avanço da doutrina internacional
no sentido de verificar a existência de direitos e interesses adaptados às necessidades
principalmente metaindividuais da moderna sociedade de massas.
Os bens difusos foram sistematizados pelo CDC. O bem ambiental é um bem difuso
(atende os conceitos do art. 81, inc. I, do CDC e art. 225, caput, da CF) de uso comum do
povo, não integra o patrimônio público ou particular. Quanto à titularidade é transindividual.
102
FACHIN, Zulmar Antonio. Princípios fundamentais de Direito Ambiental. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira
de Paula. (Org.). Estudos de direito contemporâneo e cidadania. São Paulo: LED, 2000, p. 125.
103
PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 111 e 114.
104
AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo:
RT, 2003, p. 24.
63
[...] O bem ambiental, pelo menos na configuração tradicional, é caracterizado pela
funcionalização de um interesse público, necessariamente identificado pela lei de um
modo específico. É, portanto, um meio adequado para atender não só o interesse
patrimonial (e egoístico) do proprietário, mas também o interesse público que não
está ligado.105
Silva entende que “a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido
de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida”.106 O titular da
propriedade deve respeito ao princípio da função social da propriedade, visando à manutenção
do equilíbrio ecológico.
3.4 Princípios Relacionados ao Direito Ambiental
O Direito Ambiental é uma disciplina independente à medida que possui seus
próprios princípios diretores, inclusive previstos na CF. Princípios são diretrizes que dão
subsídios à aplicação das normas. Inexiste consenso doutrinário sobre os princípios
reconhecidos pelo Direito Ambiental. Há divergências sobre o significado concreto de cada
princípio, bem como a definição, o objeto e a finalidade do Direito Ambiental.
Quanto à natureza jurídica os princípios do Direito Ambiental podem ser implícitos e
explícitos. Implícitos são os decorrem do sistema constitucional. Explícitos são aqueles
expressos nos textos legais e fundamentalmente na CF. Ambos são dotados de positividade e
devem ser buscados no ordenamento jurídico.
3.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Representa a base capaz de dar sustentação ao caput do art. 225 da CF. “Deste
princípio basilar decorrem todos os demais sub-princípios constitucionais, ou princípios
setoriais e do Direito Ambiental”. 107
A dignidade humana supõe um valor básico fundamentador dos Direitos Humanos,
que explica e satisfaz as necessidades da pessoa na esfera moral. A dignidade do
homem é o ponto histórico de referência de todas as faculdades relacionadas à
105
MALINCONICO, Carlo. I beni ambientali. Tratatto di diritto administrativo. Padova: Cedam, 1991, v. 5, p.
31. [...] il bene ambientale, almeno nella tradizionale configurazione, è caraterizzato dalla sua
funzionalizzazzione ad um interesse pubblico, necessariamente individuato dalla legge in modo specifico.
Esso consiste dunque in una idonea ad appagare non solo l’ interesse patrimoniale (ed egoistico) del
proprietario, ma anche l’ interesse pubblico che vi si ricollega.
106
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 44.
107
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 26-27.
64
afirmação moral da pessoa. É importante para a origem da moderna teoria dos
direitos humanos.108
O reconhecimento internacional deste princípio pode ser verificado nos Princípios 1
e 2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972 e reafirmada pela Rio-92, cujo
Princípio 1 afirma que os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas
com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em
harmonia com o meio ambiente.
Adotando-se a concepção de Ronald Dworkin, acredita-se que o ordenamento
jurídico é um sistema no qual ao lado das normas legais, existem princípios que
incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos. Estes princípios constituem
o suporte axiológico que confere coerência interna e estrutura harmônica a todo o
sistema jurídico. O sistema jurídico define-se, pois, como uma ordem axiológica ou
teleológica de princípios jurídicos que apresentam verdadeira função ordenadora, na
medida em que salvaguardam valores fundamentais a interpretação das normas
constitucionais advém, desse modo, de critério valorativo extraído do próprio
sistema constitucional. A luz dessa concepção, infere-se que o valor da dignidade da
pessoa humana bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais vêm a
constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos
valores éticos conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro.109
A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Social e Democrático de
Direito e tem por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, na órbita interna
(art. 1º, inc. III, da CF), e a prevalência dos direitos humanos, nas relações internacionais (art.
4º, inc. II, da CF). Na órbita interna a construção do Estado Social e Democrático de Direito
fundamenta-se na juridicidade, na constitucionalidade e nos direitos fundamentais.
Entende-se por princípio da dignidade humana
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando
nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunidade com os demais seres humanos.110
Bobbio afirma que a Declaração Universal dos Direitos do Homem apresenta a
síntese de um movimento dialético, que se inicia pela universalidade abstrata dos direitos
108
PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Teoria del derecho: una concepción de la experiencia jurídica. Madrid:
Tecnos S.A., 1997, p. 223-224.
109
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 2. ed. São Paulo: Max
Limonad, 1997, p. 60.
110
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal
de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
65
naturais, transformando-se na particularidade concreta dos direitos humanos positivos e
termina na universalidade concreta dos direitos positivos universais.111
O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser a fonte do desenvolvimento
sustentável. Todos os demais valores consignados na CF gravitam em torno desse princípiomatriz. Trata-se de princípio com força normativa imediata que deve ser efetivado.
3.4.2 Princípio democrático
Assegura ao cidadão o direito à informação e participação na elaboração das políticas
públicas ambientais, de modo que a ele deve ser assegurado mecanismos judiciais,
legislativos e administrativos. São exemplos de participação democrática: audiências públicas,
integração de órgãos colegiados como o COPAM em Minas Gerais, AP, ACP, o direito de
informação, o direito de petição, o estudo prévio de impacto ambiental. O princípio
democrático engloba os princípios da participação, da publicidade, da informação e da
educação ambiental.
O Direito Ambiental é um direito que tem uma das vertentes de sua origem nos
movimentos reivindicatórios dos cidadãos e, como tal, é essencialmente
democrático. O princípio democrático materializa-se através dos direitos à
informação e à participação. Tais direitos encontram-se, expressamente, previstos no
texto da Lei Fundamental e em diversas leis esparsas. [...] O princípio democrático é
aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração das
políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre
matéria referente à defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de
recursos ambientais e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente.112
No sistema brasileiro, tal participação faz-se por diversas maneiras, como o dever
jurídico de proteger e preservar o meio ambiente, o direito de opinar sobre políticas públicas
através da participação em audiências públicas, iniciativas legislativas, utilização de
mecanismos judiciais e administrativos de controle dos atos do Executivo, ações populares e
representações. A concretização do princípio democrático se faz através da iniciativa popular,
plebiscito e referendo.
3.4.3 Princípio do desenvolvimento sustentável
111
112
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,
1992, p. 30.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 29.
66
O princípio do desenvolvimento sustentável engloba os seguintes princípios: acesso
eqüitativo aos recursos naturais, equilíbrio, limite e função socioambiental da propriedade. Os
principais problemas ambientais no Brasil estão nas áreas mais pobres e as maiores vítimas do
descontrole ambiental são os setores vulneráveis da sociedade.
O art. 1º, § 1º, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento dispõe que o
direito ao desenvolvimento é inalienável, toda pessoa está habilitada a participar, contribuir e
desfrutar do desenvolvimento econômico, social, cultural, no qual todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
Tal disposição deve ser interpretada conjuntamente ao § 1º, do art. 2º: “pessoa
humana é o sujeito central do desenvolvimento”. O Princípio nº. 13 da Declaração do Rio
definiu o desenvolvimento sustentável. A pessoa humana é o sujeito central do
desenvolvimento e deverá ser participante ativo e beneficiária do direito ao desenvolvimento.
A proteção ao meio ambiente está fadada ao insucesso se não houver um acréscimo
nos níveis de renda da população brasileira e uma melhoria substancial na sua distribuição. O
princípio do desenvolvimento complementa o direito ao meio ambiente saudável.
O progresso é objetivo da sociedade. O desenvolvimento ecologicamente sustentado
tem natureza econômica e social. Entretanto, não pode acarretar prejuízos ao meio ambiente.
A busca pelo desenvolvimento econômico deve estar em comunhão com a preservação
ambiental. A Declaração do Rio ao tratar do desenvolvimento sustentável revela a
preocupação mundial no binômio desenvolvimento – meio ambiente.
Hoje , já não é mais contrário à noção de desenvolvimento o papel ativo do Estado
no socorro dos valores ambientais. Ao contrário, justamente porque houve uma
mutação no referido conceito, a proteção do meio ambiente e o fenômeno
desenvolvimentista, onde poderíamos encaixar a livre iniciativa, fazem parte de um
objetivo comum, dado que são interesses convergentes entre si.113
A noção de desenvolvimento, inicialmente formada em um Estado de concepção
liberal não encontra mais guarida na sociedade moderna. A busca e a conquista do equilíbrio
entre o desenvolvimento social, crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais
exige adequado planejamento territorial que considere os limites da sustentabilidade.
O critério do desenvolvimento sustentável deve valer tanto para o território nacional
na sua totalidade, áreas urbanas e rurais, como para o povo, respeitadas as necessidades
113
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e
legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 117.
67
culturais do país. A fim de definir parâmetros de sustentabilidade considera-se a inter-relação
das partes, e destas com o todo, seus fluxos de entrada e saída.
Introduz na análise tradicional dos processos econômicos a dimensão territorial,
como suporte físico concreto, do qual fazem parte os recursos naturais e os resíduos
decorrentes da exploração.
O art. 225 da CF adotou a ótica do desenvolvimento sustentado, ou seja, aquele que
atende às necessidades do presente, sem comprometer as necessidades das futuras gerações. O
art. 170 da CF se refere a política desenvolvimentista ao estabelecer que a ordem econômica,
fundada na livre iniciativa (sistema de produção capitalista) e valorização do trabalho humano
(limite ao capitalismo selvagem) deverá regrar-se pelos ditames da justiça social devendo
seguir alguns princípios, como a defesa do meio ambiente.
“A inserção deste princípio significa que nenhuma indústria que venha a deteriorar o
meio ambiente pode ser instalada? A resposta é negativa. A eficácia da norma consiste em
fixar uma interpretação que leve à proteção do meio ambiente”.114 Todo esforço da norma
econômica deve ser voltado para a proteção do meio ambiente. A adoção do desenvolvimento
sustentado tem o escopo de preservar o hoje e o amanhã (gerações futuras).
3.4.4 Princípios da precaução, do poluidor-pagador e da responsabilidade
O Direito Ambiental é transdiciplinar, porque relaciona diversas áreas do
conhecimento. É difícil saber quais os limites entre o avanço do conhecimento e a
irresponsabilidade.
Mesmo através da experimentação e a pesquisa continuada, executada dentro de
protocolos reconhecidos internacionalmente seguros é possível que se verifique um produto
ou procedimento como responsável por uma anomalia ambiental. As verdades científicas são
historicamente determinadas. A evolução adequa as técnicas científicas, aperfeiçoando-as.
O princípio da cautela é o princípio jurídico ambiental apto a lidar com situações nas
quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por novos produtos e
tecnologias que ainda não possuam uma acumulação histórica de informações que
assegurem, claramente, em relação ao conhecimento de um determinado tempo,
quais as conseqüências que poderão advir de sua liberação no ambiente.115
114
ARAÚJO, Luiz Alberto David. Direito constitucional e meio ambiente, Revista do advogado da AASP, São
Paulo, v. 37, 1992, p. 67.
115
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 33.
68
Diante dessa incerteza científica a comunidade internacional adotou o consenso,
expresso na Declaração do Rio, no sentido de que a prudência é o melhor caminho, evitandose danos que, muitas vezes, não poderão ser recuperados. O consenso, freqüente em
documentos internacionais, é extremamente amplo, tem natureza de cláusula aberta a ser
preenchida no caso concreto.
Em termos práticos, o princípio da precaução significa a rejeição da orientação
política e da visão empresarial que durante muito tempo prevaleceram, segundo as
quais atividades e substâncias potencialmente degradadoras somente deveriam ser
proibidas quando houvesse prova científica absoluta de que, de fato, representariam
perigo ou apresentariam nocividade para o homem ou para o meio ambiente.116
O Princípio nº. 15 da Declaração do Rio determina que o princípio da precaução
deve ser amplamente observado na proteção do meio ambiente pelos Estados, conforme suas
capacidades. Havendo perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta
não deverá ser utilizada para postergar a adoção de medidas eficazes devido ao custo para
impedir a degradação do meio ambiente.
Apesar do princípio da precaução (ou prudência ou cautela) não ser obrigatório para
os Estados, por se tratar de uma Declaração, é uma recomendação de ordem política que
orienta no sentido de que o princípio da precaução se materializa na ordem interna de cada
Estado, de acordo com suas capacidades. A aplicação deste princípio leva em conta o
conjunto de recursos disponíveis em cada Estado, para a proteção ambiental.
A dúvida sobre a nocisividade de uma substância não deve ser interpretada como se
não houvesse risco. Dúvida é elemento fundamental no avanço da ciência, porque todo
conhecimento científico é sujeito a dúvida, não se confunde com o mero palpite. Se do ponto
de vista científico houver dúvida as medidas de precaução deverão ser tomadas.
Tal princípio não determina a paralisação da atividade, mas que ela seja realizada
com os cuidados necessários, até mesmo para que o conhecimento científico possa avançar
para esclarecer a dúvida.
Para o Greenpeace referido princípio é assim definido: “Não emita uma substância se
não tiver provas de que ela não irá prejudicar o meio ambiente”.117 Entretanto, Antunes
discorda deste conceito por entender que
116
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Thex ed. Biblioteca Estácio de
Sá, 1995, p. 54.
117
LEGGET, Jeremy. (Org.). Aquecimento global: relatório do Greenpeace. Rio de Janeiro: FGV, 1992, p. 425.
69
Não existe nenhuma certeza de que uma determinada substância não irá prejudicar o
ambiente, pois a verdade científica é historicamente determinada, mediante a adoção
de certos critérios aceitos pela comunidade internacional. Não há atividade humana
que possa ser considerada isenta de riscos, o que a humanidade faz, em todas as suas
atividades, é uma análise de custo e benefício entre o grau de risco aceitável e o
benefício que advirá da atividade. [...] Se estudos preliminares demonstram ser
muito pequena a possibilidade de um dano, nada justifica que a medida não seja
tomada, até para que possa servir como medida de estudo.118
Deve-se tomar medidas para reduzir os eventos negativos. Se o risco for insuportável
a sociedade deverá arcar com os custos da opção adotada. Os Tribunais discutem muito
quanto a aplicação deste princípio.119 A proteção ao meio ambiente deve ser interpretada
dentro do conjunto de normas e princípios constitucionais.
O art. 1º, inc. III, da CF erigiu a dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental. Do ponto de vista jurídico-ambiental, o constituinte originário fez uma escolha
indiscutível pelo antropocentrismo, por entender que o ser humano é o centro das
preocupações constitucionais e a proteção ao meio ambiente é uma das formas de promover a
dignidade humana.
Os princípios do direito ambiental sob o ponto de vista constitucional são setoriais,
devendo se submeter aos princípios constitucionais mais amplos. O princípio da precaução é
um princípio setorial que não pode se sobrepor aos princípios constitucionais mais
abrangentes, como aqueles previstos no art. 1º da CF, devendo ser harmonizados.
Diante da incerteza dos efeitos de uma determinada intervenção sobre o meio
ambiente o princípio da precaução, expresso no § 1º, do art. 225, da CF, deve ser analisado
dentre as circunstâncias dos incisos que definam para o Poder Público e o legislador ordinário
meios para que a avaliação dos impactos ambientais seja realizada e que sejam evitados danos
ao meio ambiente. Fora destas circunstâncias, a aplicação do princípio da precaução não pode
ocorrer de forma imediata e sem uma base legal que a sustente.
A expressão normativa do princípio da precaução se materializa nas diversas normas
que determinam a avaliação dos impactos ambientais dos diferentes
empreendimentos capazes de causar lesão ao meio ambiente, ainda que
potencialmente. Não há qualquer previsão legal para uma aplicação genérica do
princípio da precaução, sob o argumento de que os superiores interesses da
proteção ambiental assim o exigem.120
118
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 34.
119
TRF, 1ª região. AgIn nº. 01000392792. Proc. nº. 200101000392792/MT. 5ª T. 22/04/2002. DJ 12/07/2002, p.
160, Des. Selene Maira de Almeida; TRF, 1ª região. AC nº. 01000146611. Proc. nº. 200001000146611/DF. 2ª
T., 08/08/2002. DJU 15/03/2001, p. 84, Des. Assusete Magalhães.
120
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 37-38.
70
Na ausência de norma específica para o exercício de uma atividade a Administração
Pública, normalmente, interpreta equivocadamente o princípio da precaução para
obstacularizar esta atividade. Isto viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da
prevalência dos valores do trabalho e da livre-iniciativa e frustra os objetivos fundamentais da
República (garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e marginalização).
O princípio da precaução não pode se sobrepor ao princípio da dignidade humana e
deve se harmonizar com os princípios igualmente setoriais. A aplicação deste princípio se
justifica constitucionalmente quando observados os princípios fundamentais, ante a
inexistência de norma capaz de determinar a adequada avaliação dos impactos ambientais, sob
pena de configurar arbítrio.
A única aplicação juridicamente legítima que se pode fazer do princípio da
precaução é aquela que leve em consideração as leis existentes no País e que determine a
avaliação dos impactos ambientais de uma determinada atividade, conforme a legalidade
infraconstitucional existente.
Infelizmente, tem havido uma forte tendência a se considerar que o princípio da
precaução é um super-princípio que se sobrepõe aos princípios fundamentais da República, tal
como estabelecidos pela própria CF, o que, evidentemente, é uma grave ruptura da legalidade
constitucional e prova de precário conhecimento jurídico. Ante a possível existência de
conflito entre uma norma legal expressa e um princípio setorial, há que prevalecer a norma
positivada, salvo se ela se apresenta maculada pela inconstitucionalidade. Não se trata da
prevalência de um princípio setorial, mas de uma afronta à CF, o que é uma preliminar
inafastável.
O princípio da precaução se diferencia do princípio da prevenção quanto a natureza e
teleologia. Destoam na finalidade buscada. O princípio da precaução antecede o princípio da
prevenção, pois não evita o dano ambiental, mas os riscos. Os riscos já conhecidos são
prevenidos.
O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo,
segurança das gerações futuras e à sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Traduz
a busca da proteção da existência humana, seja protegendo o meio ambiente como
assegurando a integridade da vida humana.
Considera-se não somente o risco de uma atividade, como também os riscos futuros
decorrentes de empreendimentos humanos, nos quais a nossa compreensão e o atual estágio
de desenvolvimento científico jamais conseguem captar em toda sociedade.
71
Tal princípio modifica a forma de desenvolvimento da atividade econômica.
Concretiza o princípio do poluidor-pagador. A crescente degradação ambiental e o
escoamento dos bens e fatores ambientais, a tendência é a completa e definitiva substituição
da prevenção pela precaução, pelos reflexos da precaução na maior proteção dos bens
ambientais e reflexo nas regras processuais sobre a prova (inversão).
Quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ambiental sobre a
conduta a ser tomada (ex.: utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas, liberação e
descarte de OGM no meio ambiente, instalação de atividade ou obra) incide o princípio da
precaução para prevenir o meio ambiente de um risco futuro.
O ônus da prova é invertido, devendo o proponente do empreendimento demonstrar
que não há o risco ambiental. A atividade não pode ser permitida sob alegação de falta de
prova da nocividade. A atividade comprovadamente deve não poluir.
O princípio da precaução não possui flexibilização tão grande como o princípio do
desenvolvimento sustentado, porque ante a incerteza científica não se cogita a permissão de
atividade supostamente desenvolvimentista, não havendo “negociação” do custo/benefício da
atividade que se pretende implantar. O princípio da precaução protege mais que o da
prevenção, é postulado fundamental do direito ambiental.
A obrigatoriedade da avaliação prévia dos danos ambientais em obras
potencialmente danosas através do EIA/RIMA é um mecanismo de planejamento para
prevenir danos ambientais. O art. 225, § 1º, inc. IV, da CF determina que incumbe ao Poder
Público exigir que se faça estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou
atividade que revele potencial capaz de causar degradação ao meio ambiente.
O Princípio nº. 17 da Declaração do Rio determina que a avaliação de impacto
ambiental deve ser empreendida para atividades planejadas que possam ter caráter negativo
sobre o meio ambiente e que dependem de uma decisão de autoridade nacional.
O princípio do poluidor-pagador está previsto no Princípio nº. 16 da Declaração do
Rio de 1992; art. 4º, inc. VIII, da Lei nº. 6.938/81; Lei nº. 9.433/97 e no art. 225, §3º, da CF.
Os recursos ambientais são escassos. Desta forma, a produção e consumo refletem na
degradação. A utilização gratuita de um recurso ambiental, pertencente a todos, gera um
enriquecimento ilícito. Aquele que se beneficia do recurso ambiental deve suportar seus
custos, sem que essa cobrança resulte na imposição taxas abusivas.
Poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta
ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem
condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota;
72
afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em
desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de
direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental.
O princípio do poluidor-pagador obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada
ou que pode ser causada. A gênese deste princípio sofreu inúmeras críticas, inclusive
considerando que o mesmo pode conduzir a duas conclusões díspares: possibilidade de
alguém poluir mediante pagamento e a responsabilização do autor do dano pelos prejuízos
causados. O art. 225, § 3º, da CF consagrou a segunda idéia.
O princípio do poluidor-pagador imputa a responsabilidade pelos danos ambientais
àquele que os causou. O poluidor utiliza a propriedade alheia para lançar poluentes, exercendo
confisco na propriedade de todos os indivíduos.121
Destacam-se dois momentos para a aplicação do princípio do poluidor-pagador:
fixação das tarifas (inclui o momento de se investir na prevenção do uso do recurso natural) e
o da responsabilização do poluidor. Referido princípio visa a prevenir e reprimir o dano
ambiental, bem como incluir no custo da produção o pagamento pelo dano causado ou que
possa vir a ser gerado pelo poluidor.
O PPP parte da constatação de que os recursos ambientais são escassos e que o seu
uso na produção e no consumo acarretam-lhe redução e degradação. Ora, se o custo da
redução dos recursos naturais não for considerado no sistema de preços, o mercado não será
capaz de refletir a escassez. Portanto, são necessárias políticas públicas capazes de eliminar a
falha de mercado, de forma a assegurar que os preços dos produtos reflitam os custos
ambientais.
Quanto a origem econômica do princípio do poluidor-pagador, Aragão faz referência
às suas finalidades: “encorajar a utilização racional dos recursos ambientais escassos” e
“evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, realizando assim o princípio
da eqüidade econômica internacional”.122
Na concepção de Benjamin as teorias da compensação e do valor fundamentam o
princípio do poluidor-pagador. A teoria da compensação destaca a idéia de que “paga quem
provoca uma ação governamental, na medida dos benefícios recebidos”.123
121
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 51.
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor-pagador: pedra angular da política
comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997, p. 60-61.
123
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do dano
ambiental. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 230.
122
73
Machado enfatiza que o pagamento pela prevenção do dano não outorga ao poluidor
o direito de poluir o meio ambiente.124 O caráter preventivo do dano é consagrado no
Princípio nº. 16 da Declaração do Rio. O princípio do poluidor-pagador é corolário lógico da
valoração do meio ambiente. Este princípio só existe e se concretiza pelo valor do meio
ambiente para o homem como indivíduo e para a coletividade.
O princípio do poluidor-pagador busca evitar a ocorrência de danos ambientais.125
Estimula de forma negativa o potencial poluidor e também incide quando o dano já ocorreu
como forma de repará-lo. Com base neste princípio aplica-se a responsabilidade civil objetiva,
a prioridade da reparação específica do dano ambiental e a solidariedade para suportar os
danos causados ao meio ambiente.
Pelo princípio da responsabilidade o poluidor, pessoa física ou jurídica, responde por
suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, sujeitando-se a sanções cíveis, penais
ou administrativas. Logo, a responsabilidade por danos ambientais é objetiva e integral,
conforme prevê o § 3º, do art. 225, da CF e o art. 14, § 1º, da Lei nº. 6.938/81.
O princípio da responsabilidade está previsto no art. 225, §3º, da CF e no art. 4º, inc.
VII, da Lei nº. 6.938/85. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitam os infratores a sanções penais e administrativa, independentemente da obrigação de
reparar e/ou indenizar os danos causados.
Qualquer violação do Direito implica a sanção do responsável pela quebra da ordem
jurídica. No Direito Ambiental não poderia ser diferente, ao contrário, o Direito
Administrativo é, em grande parte, construído sobre o princípio da responsabilidade
que, dada a natureza da matéria, é construído de forma peculiar. [...] A matéria, em
meu ponto de vista, é eminentemente legal e não meramente administrativa. A
responsabilidade ambiental se divide em: civil, administrativa e penal.126
A responsabilidade no sistema jurídico brasileiro decorre da lei ou do contrato, por
ex., a responsabilidade pós-consumo, na qual os produtores de produtos como pilhas e
baterias são responsabilizados pelo descarte final. No Direito Ambiental não existem
responsabilidade derivadas de atos emanados por órgãos ambientais.
3.4.5 Princípio da prevenção
124
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 52.
Neste sentido TJ/RS, AC nº. 70012156220, Rel. Wellington Pacheco Barros, j. 21/09/05, DJ 13/10/05.
126
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 41-42.
125
74
A aplicação do princípio da prevenção ocorre nos casos em que os impactos
ambientais já são conhecidos, obrigando o licenciamento ambiental e o EIA/RIMA,
fundamentado na dificuldade e/ou impossibilidade de reparação do dano ambiental.
Na ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica
não deve ser utilizada para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis a prevenir a
degradação ambiental. Se há risco de não se conseguir restabelecer ao status quo ante, devese trabalhar preventivamente. O princípio da prevenção adverte a necessidade de evitar
transformações ambientais prejudiciais.
Sua atenção está voltada para o momento anterior à da consumação do dano – o do
mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e,
quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a
única, solução.127
O princípio da prevenção é aplicado a impactos ambientais já conhecidos e dos quais
se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade suficientes para a
identificação dos impactos futuros mais prováveis.
Diante da impotência do sistema e face à impossibilidade lógico-jurídica de fazer
voltar a uma situação igual a que teria sido criada pela própria natureza, adota-se,
com inteligência e absoluta necessidade o princípio da prevenção do dano ao meio
ambiente como verdadeira chave-mestra, pilar e sustentáculo da disciplina
ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental.128
É necessária consciência ecológica na prevenção de um dano ambiental e severidade
do Estado ao punir o causador de danos ao meio ambiente. Assim se idealiza um mecanismo
estimulante contra a prática de agressões ao meio ambiente.
Não imaginemos, contudo, que as alterações sofridas pelo Direito, como decorrência
da crise ambiental que assole este final de milênio, seja apenas cosmética. A
transformação é muito mais profunda. Modifica-se a própria percepção do papel e
objetivos do Direito que, gradativamente, deixa de ser um instrumento de reparação
e repressão do dano, para se transformar em ferramenta de prevenção da danosidade.
É essa – a prevenção – a ótica que orienta todo o Direito Ambiental. Não podem a
humanidade e o próprio direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental.
A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento
de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a
127
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001,
p. 118.
128
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e
legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 140.
75
violência do corte raso? Como purificar um lençol freático contaminado por
agrotóxicos?129
O art. 225 da CF assegura o princípio da prevenção ao se referir que o Poder Público
deve exigir EIA/RIMA para a aprovação de atividade ou obras potencialmente poluentes,
preservar os processos ecológicos essenciais, preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético, dentre outros itens referentes à necessidade da prevenção do dano
ambiental.130
Dividido em cinco itens a aplicação do princípio da prevenção: primeiro;
identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à
conservação da natureza e identificação e inventário das fontes contaminantes das
águas e do ar, quanto ao controle da poluição; segundo: identificação e inventário
dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; terceiro: planejamento
ambiental e econômico integrados; quarto: ordenamento territorial ambiental para a
valorização das áreas de acordo com sua aptidão e quinto: estudo de impacto
ambiental.131
O princípio da prevenção é dinâmico, evolui para evitar o dano ambiental. Embora o
Poder Judiciário muitas vezes confunda o princípio da prevenção com o da precaução,
justifica-se pela novidade da matéria.132 As atuações com efeitos imediatos ou a prazo no
ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas
suscetíveis de alterar a qualidade do ambiente.
Ocorrido o dano ambiental sua reconstituição é praticamente impossível, porque o
mesmo ecossistema jamais pode ser revivido, uma espécie extinta é um dano
irreparável, uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela
impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes
ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio como antes se
apresentavam. Enfim, com o meio ambiente, decididamente, é melhor prevenir do
que remediar.133
129
FELDMANN, Fábio. O direito ambiental e o novo humanismo ecológico. In: BENJAMIN, Antonio Herman
Vasconcelos (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 5.
130
MARQUES, José Roque Nunes. Direito ambiental: análise da exploração madeireira na Amazônia. São
Paulo: LTr, 1999, p. 136-137.
131
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios gerais de direito ambiental internacional e a política ambiental
brasileira. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e
repressão, São Paulo: RT, 1993, p. 398.
132
TRF, 4ª região, AgR no AgIn nº. 77201. Proc. nº. 200104010122933/PR, 3ª T., 08/05/2001, DJU: 30/05/2001,
p. 290, Rel. Luiza Dias Cassales.
133
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002, v. 1, p.
148-149.
76
O art. 2º, incisos I, IV e IX, da Lei nº. 6.938/81 contemplam o princípio da prevenção
ao se referir à manutenção do equilíbrio ecológico, proteção dos ecossistemas, preservação
das áreas representativas e proteção de áreas ameaçadas de degradação.
Com base no princípio da prevenção que o licenciamento ambiental e, até mesmo,
os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e ao solicitados pelas
autoridades públicas. Pois, tanto, o licenciamento, quanto os estudos prévios de
impacto ambiental são realizados com base em conhecimentos acumulados sobre o
meio ambiente. O licenciamento ambiental, na qualidade de principal instrumento
apto a prevenir danos ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar
e mitigar, os danos que uma determinada atividade causaria ao meio ambiente, caso
não fosse submetida ao licenciamento ambiental.134
Prevenir danos não significa eliminá-los. A existência de danos é avaliada em
conjunto com os benefícios gerados pelo empreendimento. A uma análise acarreta opção
política consubstanciada no deferimento ou não do licenciamento ambiental. As
condicionantes para implantação do projeto indicam condições técnicas e políticas em que se
pondera os interesses.
Representam instrumentos afetos ao princípio da prevenção: o EIA/RIMA, o manejo
ecológico, o tombamento, as liminares, as sanções administrativas. O Fundo de Recuperação
do Meio Ambiente é necessário no desrespeito do princípio da prevenção.
O princípio da prevenção é o resultado de uma severa legislação que beneficia
atividades que utilizem tecnologia limpa, com incentivos fiscais às atividades que atuem em
parceria com o meio ambiente, que apliquem a incidência do poluidor-pagador impondo
multas e sanções mais rígidas, levando em consideração o benefício recebido e o poder
econômico do poluidor.
A jurisprudência é bastante diversificada quanto às hipóteses de aplicação do
princípio da prevenção. Por ex., no respeito às exigências previstas no TAC;135 bem como no
atendimento às lei de zoneamento ambiental, a fim de que a construção em solo não edificável
não interfira a paisagem do local.136
Brilhante o fundamento utilizado pelo TR/RS ao afirmar que no plano do Direito
Ambiental vige o princípio da prevenção, que deve atuar como balizador de qualquer política
moderna do ambiente. As medidas que evitam o nascimento de atentados ao meio ambiente
134
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental: uma abordagem conceitual. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 39.
135
TJ/RS, AgIn nº. 70022447080, Rel. Luiz Felipe Silveira Difini, j. 12/03/08, DJ 03/04/08.
136
TJ/RS, Ag nº. 70021183124, Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 21/11/07, DJ 07/12/07.
77
137
devem ser priorizadas. O interesse coletivo predomina sobre o particular.
Neste sentido o referido Tribunal negou provimento ao agravo de instrumento
interposto objetivando a cessação de atividade nociva ao meio ambiente. A presença do fumus
boni iuris e do periculum in mora conduziu ao deferimento do pedido de liminar em ACP e
não provimento do agravo interposto contra a decisão. O fundamento da decisão foi a
prevalência do princípio da prevenção na possível irreparabilidade do dano ambiental.138
Decisões como estas devem nortear o entendimento dos demais Tribunais brasileiros.
3.5 Dano Ambiental
O dano ambiental é a conseqüência gravosa ao meio ambiente de um ato ilícito. O
dano ambiental é uma categoria geral dentro da qual se insere o dano ecológico (alteração da
biota como resultado da intervenção humana), o dano à saúde, o dano às atividades
produtivas, o dano à segurança e o dano ao bem-estar.
O dano ambiental para ser caracterizado não necessita de que à sua base esteja
presente, no agente causador, o elemento psicológico. Daí ser a prática do dano ambiental
submetida às normas da responsabilidade objetiva.
Segundo a interpretação da legislação brasileira dano ambiental é toda lesão
intolerável causada por qualquer ação humana culposa ou dolosa ao meio ambiente. A
legislação brasileira tratou, no mesmo diploma, de forma íntegra, tanto o dano ambiental
diretamente causado como o causado indiretamente ao bem ambiental.139 O meio ambiente
pode ser lesado diretamente e atingir valores individuais reflexos. Na concepção de Tessler
dano ambiental
Pode ser conceituado como qualquer diminuição ou degradação de um recurso
natural ou alteração de seu natural equilíbrio. O dano ambiental, ecológico, é toda a
degradação que atinja o homem na saúde, na segurança, nas atividades sociais e
econômicas, que atinja as formas de vida não-humanas, vida animal ou vegetal e o
meio ambiente em si, do ponto de vista físico, estético, sanitário e cultural.140
Capone e Mercone ensinam que na Itália a jurisprudência dos Tribunais fundamenta
o ressarcimento do dano ambiental nos seguintes princípios: os bens ambientais têm valor
137
TJ/RS, AgIn nº. 597204262, Rel. Arno Werlang, j. 05/08/98.
TJ/MS, AgIn nº. 2005.004900-7, 1ª T., Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves, j. 30/08/05, DJ 22/09/05.
139
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT,
2000, p. 105.
140
TESSLER, Marga Barth. O valor do dano ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Águas:
aspectos jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá, 2000, p. 167.
138
78
jurídicos enquanto tutelados pela lei; são públicos porque pertencem à coletividade de entes
públicos territoriais específicos.141
Na doutrina estrangeira, o dano ambiental vem sendo conceituado a partir da
observação das diferentes formas pelas quais ele se manifesta. A diversidade dos
tipos de dano dificulta que se estabeleça uma definição precisa e abrangente. Nas
primeiras tentativas feitas nesse sentido, a questão principal que se procurou
esclarecer foi definir se a vítima dos danos ambientais era o ser humano ou o meio
ambiente. Outro aspecto que procurou os estudiosos foi estabelecer se os diversos
elementos que compõem o meio ambiente – a água, o ar, o solo, a fauna e a flora –
seriam, ou não, bens juridicamente tuteláveis.142
Toda alteração nas características do meio representa um dano ambiental. Em um
primeiro momento, não importa a duração do evento nem as conseqüências sobre o meio
alterado, nem se o meio pode por autodepuração minimizar os efeitos da modificação
ocorrida, pois não se nega a importância dos efeitos da poluição, apenas adia a discussão.
Por ex., uma empresa lançou poluentes atmosféricos fora dos padrões de emissão
estabelecidos na Licença de Operação fornecida pelo órgão ambiental. Rigorosamente não se
precisaria medir os efeitos, a fim de caracterizar os danos, pois haveria a degradação
ambiental, pois a fumaça, seus componentes e os maus odores gerados por aquela fonte não
fazem parte do ambiente natural (deverá ser observado o conceito de carga poluidora
admissível).
O dano ambiental é dotado de certa complexidade que, às vezes, exige compreensão
de outras áreas inter-relacionadas com o Direito Ambiental Brasileiro (v.g., engenharia
química, agronomia, geologia, geografia, recursos hídricos, engenharia florestal, dentre outras
não menos importantes à resolução da problemática ambiental).
[...] Ações em matéria ambiental, em especial, envolvem custos elevados. O meio
ambiente está relacionado a problemas de elevada complexidade, cuja formalização
em um processo judicial envolve elevado grau de sofisticação. A defesa judicial do
meio ambiente implica questões 1) de conhecimento técnico e científico, 2) de
informação imperfeita, 3) de risco substancial, 4) de partes numerosas, 5) de
múltiplas possíveis alternativas, 6) de pluralidade de centros de decisão e 7) de
oportunidades para efeitos de natureza distributiva.143
141
CAPONE, Dario; MERCONE, Mario. Diritto ambientale. Napoli: Scientifiche Italiane, 1996, p. 509.
SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade civil e reparação de danos ao ambiente. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 102.
143
SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1998, p. 127.
142
79
O dano ambiental possui várias acepções. Pode ser considerado sob o ponto de vista
das alterações nocivas do meio ambiente ou sob a ótica das conseqüências dessas mudanças
na saúde e nos interesses das pessoas, fundamentado no art. 225, § 3º, da CF.
Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao
conjunto de elementos chamados meio ambiente, como, por exemplo, a poluição
atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e
aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua segunda conceituação,
dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e
em seus interesses.144
Outra acepção do dano ambiental menciona que este “compreende todas as lesões ou
ameaças de lesões prejudiciais à propriedade (privada ou pública) e ao patrimônio ambiental,
com todos os recursos naturais ou culturais integrantes, degradados, descaracterizados ou
destruídos isoladamente ou em conjunto”.145
A concepção individual do dano ambiental se aproxima dos direitos de vizinhança
pelo mau uso da propriedade. O dano atinge o patrimônio jurídico de alguém. O dano também
é coletivo, em decorrência do bem ambiental ser considerado difuso.
O dano ambiental possui qualidades como: pulverização das vítimas; dificuldade da
reparação, tendo em vista o papel indenizatório da responsabilidade civil ser sempre
insuficiente, havendo necessidade de prevenir o dano; dificuldade de valoração, considerando
que o esforço reparatório, nem sempre se consegue calcular a totalidade do dano ambiental.146
Não consideramos correta a teoria de considerar que um dano ambiental faz
referência tanto ao que sofre o meio natural ou urbano de titularidade coletiva como
ao que padece uma pessoa em sua saúde ou em sua propriedade, por que
entendemos que estes últimos são meramente o que significa danos à pessoa ou à
propriedade, sem prejuízo de que sua origem está no dano causado ao meio.
Entendemos que é errado considerar danos ambientais os que produzam nos bens ou
na saúde, física ou psíquica, de uma pessoa determinada ou de um conjunto delas,
apesar de que se materializem em todas as pessoas ou bens através de uma alteração
das características iniciais do meio ambiente.147
144
145
146
147
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT,
2000, p. 98.
CUSTÓDIO, Helenita Barreira. Avaliação de custos ambientais em ações jurídicas ao meio ambiente, RT,
São Paulo, n. 652, dez. 1989, p. 14.
MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública em defesa do ambiente. Ação civil pública Lei nº. 7.347/85:
reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995, p. 206-209.
CONDE ANTEQUERA, Jesús. El deber jurídico de restauración ambiental. Estudios de derecho
administrativo. Granada: Colmares, 2004, v. 8, p. 23. No consideramos correcta la teoría de considerar que
un daño ambiental hace referencia tanto al que sufre el medio natural o urbano de titularidad colectiva como
al que padece una persona en su salud o en su propiedad, ya que entendemos que éstos últimos son
meramente lo que se indica, es decir, daños a la persona o a la propiedad, sin prejuicio de que su origen esté
en el daño causado al medio. Entendemos que es erróneo considerar daños ambientales a los que produzcan
en los bienes o en la salud, física o psíquica, de una persona determinada o de un conjunto de ellas, a pesar
80
Na concepção de Conde Antequera dano ecológico é definido como “[...] todo dano
ao meio natural para o qual não existe um direito a sua reparação [...] a partir da percepção do
direito a exigir a reparação como um direito pessoal e direto”.148 O dano individual é “[...] o
produzido por elementos ambientais (recursos naturais, sistemas naturais, paisagem etc.)”.149
O desenvolvimento econômico, alcançado pelos povos dos países do primeiro
mundo, trouxe consigo conseqüências indesejáveis, forçando a reorganização das
sociedades, para dar um equacionamento a uma nova ordem jurídica e social que
contemplasse os efeitos maléficos de tais ‘benefícios’, os quais hoje são transferidos
às sociedades não desenvolvidas ou em desenvolvimento a um elevado custo social
que em geral não é mensurado economicamente, mas que se traduz em lucros para
os degradadores.150
As formas de intervenção antrópica sobre o meio ambiente não se diferenciam muito
das relações humanas onde a busca incessante da apropriação de benefícios não considera as
conseqüências psíquicas, morais, sociais, econômicas e ambientais.
A norma jurídica é instrumento capaz de mediar os interesses éticos, sociais,
econômicos e políticos atinentes à matéria ambiental, visando a reduzir as desigualdades entre
os iguais. Portanto, o direito ambiental é instrumento de intervenção da sociedade, através do
Poder Público, nas questões econômicas e sociais.
O principal problema dos valores econômicos associados aos danos ambientais
reside na identificação quali-quantitativa da degradação da qualidade ambiental, uma vez que
os profissionais de formação jurídica necessitam de conhecimento técnico especializado para
análise da atividade geradora de impacto socioambiental.
Assim, as perícias ambientais adquirem um papel fundamental na intermediação dos
interesses difusos, coletivos e individuais representados pelo Poder Público, estabelecendo-se,
com o saber do expert, um nexo entre as causas e os efeitos da poluição ambiental, e o
impacto econômicos gerado sobre as coletividades e conseqüentemente sobre o Estado.
Ratifica-se a importância da concreta monetarização dos danos praticados contra o
meio ambiente o que possibilitará a busca de indenizações pelas vítimas. As idéias gerais
148
149
150
de que se materialicen en tales personas o bienes a través de una alteración de las características iniciales del
medio ambiente.
CONDE ANTEQUERA, Jesús. El deber jurídico de restauración ambiental. Estudios de derecho
administrativo. Granada: Colmares, 2004, v. 8, p. 23-24. […] todo daño al medio natural para el que no
existe un derecho a su reparación […] a partir de la percepción del derecho a exigir la reparación como un
derecho personal y directo.
Id., Ibid., p. 24. […] el producido a elementos ambientales (recursos naturales, sistemas naturales, pasaje,
etc.).
CARDOSO, Artur Renato Abeche. A degradação ambiental e seus valores econômicos associados – uma
proposta modificada, Revista de direito ambiental, RT, São Paulo, ano 6, n. 24, out./ dez. 2001, p. 171.
81
sobre dano decorrente da responsabilidade civil tradicional não são suficientes para enfrentar
os danos causados ao meio ambiente, porque os interesses jurídicos tutelados são difusos.
Na verdade, a reparação busca colocar o bem ambiental ofendido no seu estado
anterior, o que nem sempre é fácil ou mesmo possível. Ou, em certos casos, depende
da passagem de muitos anos, pois o bem ofendido necessita de tempo para
recuperar-se. O exemplo mais exacerbado disso é o depósito de lixo nuclear. A
poluição do mar é outro problema complexo. O volume das águas marinhas é
enorme, o que pode levar a crer que o material despejado nos oceanos se dissolverá
naturalmente. Não é bem assim. Os oceanos vêm recebendo detritos de variadas
espécies: produtos químicos oriundos de rios que neles despejam suas águas,
hidrocarbonetos, produtos de origem petrolífera. A cadeira alimentar sofre as
conseqüências da poluição marítima e a pesca vai reduzindo suas proporções. Praias
tornam-se impróprias para o banho, com sensíveis prejuízos para as comunidades
litorâneas, principalmente para as que vivem do turismo.151
A reparação de danos objetiva que as coisas voltem ao status quo ante. Porém, em
matéria ambiental nem sempre é possível este retorno ou podem ser necessários muitos
anos.152 Há duas formas de reparação do dano ambiental: o retorno do meio ambiente ao
estado anterior e a indenização, se aquele não for possível. Inexistem parâmetros objetivos
para se definir quanto valem os prejuízos causados ao equilíbrio ecológico pelas ações
humanas.153
Freitas analisa que os dispositivos do CC que indiretamente protegiam o meio
ambiente só davam direito a indenização à pessoa diretamente ofendida e a imposição tinha
caráter subjetivo.154 O dano coletivo é concebido em decorrência do caráter do interesse
difuso do meio ambiente, o equilíbrio ambiental é direito de todos, sendo dever de toda a
coletividade sua preservação.
“Sobre a questão do meio ambiente como um bem público, a tutela ambiental não
pode prescindir das normas de direito público”.155 Podemos compreender, então, como o meio
ambiente não pode prescindir pelo direito público e da própria disciplina do direito público.
151
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São
Paulo: RT, 2002, p. 183.
152
No acidente do derramamento de óleo ocorrido na Baía de Guanabara em 18 de janeiro de 2000 bastaram
quatro horas para inundar a Baía de Guanabara, sendo necessários vinte anos para a natureza se recompor.
Muitos crustáceos morreram, milhares de biguás e caranguejos tiveram o corpo coberto de óleo, a maioria
morreu por asfixia em poucos dias, outros se intoxicaram aos poucos e muitos deixaram de nascer devido à
época da desova.
153
FREITAS, Vladimir Passos de, op. cit., p. 186-187.
154
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São
Paulo: RT, 2002, p. 175.
155
MADDALENA, Paolo. La responsabilità per danno publico ambientale. Veneto: CEDAM, 1985, p. 280281. Si capisce, allora, come la tutela ambientale non può prescindire dal diritto pubblico e dalla disciplina
própria del diritto publico.
82
156
O dano ambiental está classificado em patrimonial
decorrente de um ilícito
157
ambiental ou não patrimonial . Como é óbvio, o dano ambiental patrimonial decorrente do
ilícito ambiental causa diminuição do patrimônio ou ofende interesse econômico. No dano
ambiental não patrimonial, há ofensa a bens não patrimoniais, quando se prejudica a
qualidade de vida, por exemplo.
Nos países em que o direito positivo não consagra o requisito da ilicitude como um
dos pressupostos da responsabilidade civil, aquele conceito de dano puramente
patrimonial (ou dano patrimonial primário) tende a desaparecer como um corpo
estranho, sendo por vezes pura e simplesmente desconhecido.158
O vocábulo patrimônio é utilizado em diferentes perspectivas. No âmbito do direito
privado, o conceito se reduz às questões econômicas, incluindo os bens que podem ser
apropriados e comercializados e comportam uma medição em dinheiro.
Os estudos sobre os danos ambientais abordam, regra geral, casos concretos e a
maneira de repará-los. É certo, entretanto, que o dano ambiental vai além da
reparação por prejuízo patrimonial, sendo mais complexa não apenas a sua
conceituação como a própria reparação.159
No patrimônio privado o centro é a titularidade e a apropriação dos bens pelos
privados. A noção de patrimônio desvinculou-se da pessoa, para ser um instrumento de
atuação econômica, “surgem assim os patrimônio separados, as sociedades unipessoais, os
patrimônios de afetação. O problema mais importante não é o sujeito, sim a proteção dos
terceiros”.160
No patrimônio público entram: bens de uso comum, uso especial e dominicais.
Pode-se afirmar que o núcleo deste patrimônio também é a titularidade e a
apropriação, e do fim ao cabo é o interesse público que deve prevalecer. Uma
crítica: no direito público clássico o patrimônio é dividido em uma tríade que aponta
para uma utilização que privilegia interesses do povo. O Estado e as suas razões,
entretanto, colmatam a fluidez da expressão interesse público e em reiteradas
normativas fizeram incidir e prevalecer interesses de grupos sociais localizados.
Estes interesses não necessariamente estão em conflito com o interesse público, não
156
CUSTÓDIO, Helenita Barreira. Avaliação de custos ambientais em ações jurídicas ao meio ambiente, RT,
São Paulo, n. 652, dez. 1989, p. 25.
157
FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 19.
158
SINDE MONTEIRO, Jorge Ferreira. Proteção dos interesses econômicos na responsabilidade por dano
ambiental. A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Boletim da faculdade de Coimbra.
Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005, p. 134.
159
FREITAS, Vladimir Passos de, op. cit., p. 171.
160
LOREZENTTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: RT, 1998, p. 62.
83
obstante revela a idéia de totalidade que a expressão interesse público deixa à
primeira vista transparecer, não corresponde aos fatos.161
O centro do patrimônio difuso não é a titularidade, a apropriação, o interesse do
estado ou dos privados. O centro é a dignidade humana. Para preencher um conceito de
tamanha abstração e abrangência, o Direito vai paulatinamente adjetivando o substantivo e
criando microssistemas legais para dar conta da fluidez do conceito.
Dano ambiental é aquele que se constitui em um atentado ao conjunto de elementos
de um sistema e que por sua característica indireta e difusa não permite, enquanto tal, que se
abra direito a sua reparação.
Surge então o patrimônio nacional, ambiental, genético etc. Designações que não se
enquadram exclusivamente no conceito do direito privado, nem no direito público. Com o
avanço do utilitarismo, um ponto de contato entre estes “novos” conceitos e o conceito
contido no direito privado.
Designar o meio ambiente ou espaço genético como patrimônio parece induzir a um
olhar econômico e isto por conta da carga que se encontra no conceito clássico de patrimônio.
Uma tríplice metódica tem curso na análise sobre os novos conceitos de patrimônio
(ambiental, genético, cultural, entre outros). Esta tríade está constituída pela economia,
dignidade humana e equilíbrio ambiental. Esta articulação pode ocorrer tanto no plano interno
quanto externo.
A postura dos magistrados têm evoluído em relação às questões ambientais.162 Notase que “poucas ações, como a ação civil pública, demonstram tão claramente a modificação
do perfil institucional do juiz na condução do processo moderno. Já não se cuida de
solucionar conflitos interindividuais, senão de administrar situações de antagonismo”. 163
Exemplifica a discussão sobre o dano ambiental na jurisprudência, por ex., a questão
do despejo de pilhas e baterias em aterros sanitários, em que o fabricante pretendia a
concessão de liminar visando a dar efeito suspensivo a antecipação de tutela que condenou a
empresa a proceder a destinação que entendesse mais adequada ao referido material, não
podendo mais efetuar o descarte em aterros sanitários, sob pena de multa diária.164
161
SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 97.
162
Representam bons exemplos de decisões que ilustram esta afirmação: TRF, 5ª região. AC nº. 45.162/SE, 3ª T.
Construtora Cunha Ltda. e outro contra o Ministério Público Federal, Rel. juiz Nereu Santos, j. 04/03/1997;
TJ/MS, 2ª T., Recurso nº. 44.967-8. Rel. Des. Milton Malulei, j. 05/12/1995, RT, v. 729, p. 275-277.
163
NALINI, José Renato. Magistratura e meio ambiente, Lex-jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais
Federais, São Paulo, v. 83, 1996, p. 14.
164
STJ, MC nº. 12544/RS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado.
84
Outro exemplo refere-se ao cabimento de indenização para a compensação dos
prejuízos ocorridos com a limpeza de pasto em área de Mata Atlântica em processo avançado
de regeneração.165 Também inclui-se a indenização por dano ambiental decorrente de
parcelamento de solo urbano em loteamento irregular erigido em área de interesse especial
para fins de proteção ambiental, prejuízos insuscetíveis de recomposição in natura.166
Tanto no plano da produção normativa quanto da interpretação hermenêutica, a
harmonização deve alcançar uma metodologia que realize o balanço constitucional dos
direitos fundamentais que tenham por estrutura a dignidade humana, a economia e o ambiente
ecologicamente equilibrado.
A omissão pode fundamentar a responsabilização do agente causador do dano, como
nos casos em que a lei exige a realização de determinados atos. O ato comissivo por omissão
acarreta o dever genérico de responsabilização civil. A omissão pode referir-se a deveres
específicos, impostos por leis, decretos ou normas, como o dever genérico de diligência para
evitar prejuízos ambientais.
No campo da responsabilização da administração na área do ambiente, é freqüente a
omissão, por falta de atuação ou em virtude de abstenção ou negligência administrativa e,
com isso, surge a responsabilidade civil.
Caracterizam atos omissivos que podem configurar dano ambiental quando as
autoridades responsáveis não controlam as emissões industriais, as autoridades conhecendo o
prejuízo ambiental não adotam o procedimento de urgência para impedir provável evento
ambiental danoso. A não suspensão de atividades urbanísticas edificatórias ilegais das quais
resultam danos ambientais e casos em que a lei previu expressamente a obrigação de agir e o
agente desrespeitou este dever.
Quanto a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional
Jucovsky analisa que configura responsabilidade estatal sempre que não houver provimento
adequado que acarrete omissão de recursos materiais e/ou humanos, o intempestivo
adimplemento dos deveres do juiz.167 Nestes casos a culpa não precisa ser identificada, basta
que o serviço seja falho, deficiente ou inoperante para que o Poder Público responda pela
negativa da prestação jurisdicional.
165
TJ/MG, AC nº. 1.0317.02.006463-8/001, 7ª CC, Des. Heloisa Combat.
TJ/MG, AC nº. 1.0079.03.083292-1/003, 6ª CC, Rel. Des. Edilson Fernandes.
167
JUCOVSKY, Vera Lúcia Rocha Souza. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação
jurisdicional: Brasil-Portugal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 70-71.
166
85
A imposição genérica constitucional do art. 225, caput, da CF não deve ser um
imperativo moral de preservação ambiental, mas sim um dever de cidadania ambiental,
solidária, impondo responsabilização do omitente.
O art. 225, caput c.c. art. 5º, inc. LXXIII, ambos da CF afirmam que se impõe ao
Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. Ressalta os
fundamentos para a proteção ambiental a partir da tutela individual, diferente da legislação
espanhola que não contempla a possibilidade do particular tutelar individualmente o meio
ambiente, o que daria ensejaria controvérsias sobre sua admissibilidade.168
O art. 14 da Lei nº. 6.938/81 disciplina as penalidade decorrentes do nãocumprimento das medidas necessárias à preservação e os danos causados pela degradação da
qualidade ambiental. A responsabilidade civil ambiental objetiva implica que o causador de
dano ao ambiente seja obrigado a repará-lo ou indenizá-lo.
A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danifica o ambiente tem o
dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se
pergunta a razão da degradação para que haja o dever de reparar. Incumbirá ao
acusado provar que a degradação era necessária, natural ou impossível de evitar-se.
Portanto, é contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio
ambiente.169
Há várias teorias sobre a responsabilidade objetiva: do fato da coisa, do risco do
serviço, do risco criado, do risco integral. Ferraz defende a teoria do risco integral ao entender
que “pelo simples fato de ter havido omissão, já seja possível enredar agente administrativo e
particulares, todos aqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo
provocado para a coletividade”.170
É oportuno esclarecer que a força maior diz respeito ao fato de a natureza, superior
às forças humanas, pelo estipulado no art. 1.058 do Código Civil, excluir a
responsabilidade do agente. Por seu turno, o caso fortuito diz respeito a uma obra do
acaso, como, por exemplo, a quebra de uma peça, ocasionando lesão. [...] Entendese, quando se adota a teoria do risco, como é o caso da responsabilidade por dano
ambiental no direito brasileiro, trazem alterações as regras de exclusão previstas no
Código Civil. Lembre-se de que, nas regras do risco, o causador do dano é
responsável em virtude de sua atividade potencialmente poluidora, sujeitando-se ao
seu ônus, independente do exame da subjetividade do agente.171
168
LUQUIN BERGARECHE, Raquel. Mecanismos jurídicos civiles de tutela ambiental. Navarra: ThomsonAranzadi, 2005, p. 164.
169
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
314-315.
170
FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico, Revista de direito público, São Paulo, v. 4950, 1979, p. 38.
171
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT,
2000, p. 208.
86
O agente poluidor deve ser responsabilizado integralmente dos riscos oriundos de sua
atividade. Evidenciado o liame entre a causa e efeito do dano ambiental, o agente responde
por sua obrigação. A prova do nexo de causalidade em face do dano ambiental deverá ser
atenuada ou invertida. A responsabilidade do agente só é exonerada em se tratando da teoria
do risco, quando: a) o risco não foi criado; b) o dano não existiu; c) o dano não guarda relação
de causalidade com aquele que criou o risco.
Leite adota a teoria do risco integral, onde não se admite a incidência das excludentes
da responsabilidade civil ambiental (caso fortuito, força maior e fato de terceiro). Mukai adota
a teoria do risco criado, onde é admitida a incidência destas excludentes.172
Mukai defende a teoria do risco administrativo ao afirmar que “a responsabilidade
objetiva pelos danos ambientais é a da modalidade do risco criado (admitindo as excludentes
da culpa da vítima, da força maior e do caso fortuito) e não a do risco integral (que inadmite
excludentes)”.173
Assim, não há que falar em responsabilidade de um eventual poluidor, se houve
ação de terceiros na causa do dano ambiental, vítima ou não, e, evidentemente, nesse
rol, ainda está o caso fortuito (evento causado pela ação humana de terceiros) e a
força maior (evento causado pela natureza).174
A doutrina que defende a teoria do risco integral, não admite as excludentes da
responsabilidade (licitude da atividade, caso fortuito e força maior).175 Em não havendo
ilicitude, não se cogitaria na responsabilização de alguém; bem como, se ocorrer o caso
fortuito ou a força maior. Baracho Junior entende ser fundamental admitir as excludentes de
responsabilidade.176 Desta forma, a teoria do risco criado ao admitir tais excludentes é mais
coerente que a teoria do risco integral.
172
MUKAI, Toshio. A responsabilidade civil e penal no campo do direito ambiental. In: SILVA, Bruno Campos.
(Org.). Direito ambiental: enfoques variados. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004, p. 279.
173
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 61. No mesmo
sentido admitindo excludentes: BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades nucleares.
São Paulo: RT, 1985, p. 211.
174
MUKAI, Toshio. A responsabilidade civil e penal no campo do direito ambiental. In: SILVA, Bruno Campos.
(Org.). Direito ambiental: enfoques variados. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004, p. 279.
175
Admitem a teoria do risco integral na responsabilidade civil pelo dano ao meio ambiente: MILARÉ, Édis.
Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001; LIMA NETO,
Francisco Vieira. Responsabilidade civil das empresas de engenharia genética. São Paulo: Editora de
Direito, 1997; ATHIAS, Jorge Alex Nunes. Responsabilidade civil e meio ambiente: breve panorama do
direito brasileiro. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (Coord.). Dano ambiental: prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 237-249.
176
BARACHO JUNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 322.
87
4 TÉCNICAS PROCESSUAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
O art. 5º, inc. XXXV, da CF se refere ao papel do Estado de dirimir as controvérsias
pela aplicação da lei. Trata-se do princípio da proteção judiciária ou inevitabilidade do
controle judicial. Na concepção de Silva é uma garantia constitucional consubstanciada no
direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente
ameaçado um direito, individual ou não, pois a CF já não mais o qualifica de individual.177
Grinover entende que o princípio constitucional da inevitabilidade do controle
jurisdicional “não somente possibilita o acesso aos órgãos judiciários, como também assegura
a garantia efetiva contra qualquer forma de denegação da justiça”.178 A tutela preventiva é
intrínseca ao Estado democrático de direito. A prevenção do ilícito é indispensável para um
ordenamento jurídico-constitucional que se funda na dignidade da pessoa humana e que
busca, na prática, garantir este fundamento.
4.1 Tutela Inibitória: a Prevenção do Ilícito
A prevenção da prática de atividades contrárias ao equilíbrio do meio ambiente pode
ser buscada processualmente pela tutela inibitória consagrada no art. 461 do CPC, art. 84 do
CDC e art. 11 da LACP.
Em princípio o art. 11 da LACP ampara somente a tutela inibitória que visa a fazer
cessar a prática do ilícito. É necessária uma interpretação mais ampla deste princípio, pois
deseja alcançar os atos nocivos suscetíveis de repetição, por ex., a venda de produto nocivo à
saúde.
O fundamento da tutela jurisdicional no âmbito coletivo está no art. 83 do CDC. O
art. 90 do CDC permite a aplicação conjunta da LACP e do CPC. O art. 21 da LACP autoriza
a aplicação do CDC. A tutela inibitória prevista no art. 84 do CDC deve ser aplicada a
qualquer interesse difuso, previne o ilícito, atua sobre a vontade do réu, convencendo-o a
praticar ou não um ato para que o ilícito não se verifique, não se repita ou não prossiga.
Marinoni diferencia a tutela inibitória da tutela de remoção do ilícito.
177
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
260-261.
178
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 766.
88
Há hipóteses, porém, em que se verifica que não foi observado um fazer, ou um não
fazer, e que é possível remover-se a situação de ilicitude mediante um ato do próprio
juízo – com a ajuda dos auxiliares judiciários – ou determinando-se a terceiro um
fazer. Se determinada obra foi construída em local proibido, a tutela que decreta sua
destruição é de remoção do ilícito; o mesmo ocorre no caso da determinação do
fechamento, mediante o auxílio, se necessário for, de força policial, da indústria que
foi construída em local proibido pela legislação ambiental. [...] Se alguém tem o
dever de instalar um determinado equipamento que objetiva prevenir danos
ambientais, e a ação é voltada à instalação desse equipamento através de ato de
terceiro, a ação tem por escopo remover o ilícito, e não apenas convencer aquele que
está cometendo o ilícito, a fazer. Em todos esses casos, a tutela não é inibitória
(mandamental), mas de remoção do ilícito (executiva). A tutela de remoção do
ilícito diferencia-se da inibitória, no caso de ilícito continuado, não remove ou
elimina o ilícito, mas apenas visa a convencer o réu a cessar de praticá-lo. Importa
notar, entretanto, que a tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória,
não é uma tutela contra o dano.179
Ao se determinar o fechamento de uma indústria que foi construída em local proibido
pela legislação ambiental, não se está tutelando contra o dano ambiental que eventualmente
foi produzido pela empresa; a tutela está removendo a causa do dano. Quando a sentença
determina a instalação de equipamento em um posto de gasolina, para evitar que sejam
provocados danos ambientais, não há tutela contra o dano, mas também atua convencendo o
réu a instalar os equipamentos e deixar de praticar o ilícito.
A conseqüência lógica da distinção entre dano e ilícito conduz à formulação do
critério segundo o qual todas as vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte
do dano não há tutela ressarcitória.180 A tutela reintegratória visa a eliminar o ilícito, não
tendo nenhuma relação com o dano. Neste tipo de tutela, à semelhança da tutela inibitória,
não tem entre seus pressupostos a culpa ou o dolo.
O Direito Ambiental reclama uma tutela preventiva a fim de que a prestação
jurisdicional incida em momento anterior à violação do direito. O ato ilícito consiste no ato
contrário ao direito que, eventualmente, pode produzir um dano (prejuízo material ao titular
do direito). Há danos decorrentes de atos lícitos, mas nem todo ato ilícito produz dano. O
processo deve tutelar os casos de ilícito e as hipóteses de dano.
A tutela inibitória destinada ao ilícito visa a evitar sua prática, repetição ou
continuação. Impede ato contrário ao direito, dispensando a evocação do dano. Relaciona-se
ao desejo da norma de evitar a lesão ao bem jurídico. Por esse motivo na ação inibitória basta
apontar para a norma que impede o ilícito, sendo desnecessário mencionar o dano.
179
180
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 117.
MÒCCIOLA, Michele. Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza, Rivista
critica del diritto privato, 1984, p. 380-381.
89
Atingimos aqui o nó central do problema. Se não é viável, ou não é satisfatória, a
modalidade tradicional de tutela consistente na aplicação de sanções, quer sob a
forma primária de restituição ao estado anterior, que sob as formas pecuniárias da
reparação ou do ressarcimento, o de que precisam os interessados é de remédios
judiciais a que possam recorrer antes de consumada a lesão, com o fito de impedi-la,
ou quando menos a atalha-la incontinenti, caso já se esteja iniciado. Em vez da tutela
sancionatória, a que alguns preferem chamar repressiva, e que pressupõe violação
ocorrida, uma tutela preventiva, legitimada ante a ameaça de violação, ou mais
precisamente à vista de sinais inequívocos da iminência desta.181
O processo deve satisfazer o direito material, o que, em relação às obrigações de
fazer e não fazer, bem como à prevenção do ilícito, é garantido pelos mecanismos processuais
de tutela.
A lei autoriza que o juiz, visando ao resultado prático equivalente ou a tutela
específica, determine, de ofício, outras medidas e/ou multa, ainda que não haja dedução desse
pedido no processo. Os mecanismos devem ser utilizados para se evitar o ressarcimento do
dano, buscando a prevenção do ilícito.
A tutela inibitória, concedida diversamente do pedido, não impede a defesa e não
afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Na poluição do
meio ambiente não se pode cogitar em um contraditório para impedir a poluição ou para
remover o ilícito, pois o fator tempo seria contrário ao meio ambiente. Desta forma, o
provimento jurisdicional deve ser diverso do pedido, inclusive em sede de tutela antecipatória.
Admitir-se o desenrolar de um contraditório que evidencia a existência de uma
situação ilícita, retirando-se do juiz o poder de conferir a tutela jurisdicional
adequada para a respectiva cessação, é desconsiderar não só o espírito das normas
em questão, como também o fato de que elas objetivam evitar, inclusive em nome da
garantia de importantes direitos protegidos constitucionalmente, a degradação da
tutela efetiva do direito em ressarcimento em pecúnia. Se o juiz pode declarar o
lícito, e a tutela requerida não é suficiente para impedir o seu prosseguimento, negarlhe a possibilidade de conceder a tutela adequada é subtrair da jurisdição a
possibilidade de impedir a transformação do direito em pecúnia, o que é
flagrantemente contrário a tudo o que está em torno das normas dos arts. 461 do
CPC e 84 do CDC.182
Em matéria de tutela antecipatória necessita-se da repetição de um ato e da
probabilidade do mesmo ser ilícito. A tutela jurisdicional antecipada, prevista no art. 273 do
CPC pode ser utilizada na tutela inibitória. Em termos de efetividade busca-se compelir o réu
181
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual.
2. ed. segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 24.
182
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 129130.
90
183
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Mescla os processos de conhecimento e execução
em apenas um, sendo desnecessário pedido do autor para a concessão das medidas subrogatórias pelo juiz.
A tutela inibitória tem como pressuposto a iminência da prática de um ilícito;
independente de dano ou culpa. Cabe ao juiz zelar pela integridade do ordenamento no
sentido de impedir sua violação. O fato da violação à norma não causar um dano imediato a
alguém não permite a prática do ilícito. Cabe ao juiz proteger a integridade da norma. A tutela
normativa pode evitar a concretização de danos e resgatar o status de legitimidade do
ordenamento.
O fundamento constitucional da tutela inibitória ambiental é a garantia da
inviolabilidade ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O
constituinte atribuiu os direitos de fruição e proteção. A idéia da inviolabilidade ambiental
fundamenta a tutela inibitória ambiental. Os fundamentos da tutela jurisdicional inibitória
estão no art. 5.º, inc. XXXV, da CF; art. 461-A do CPC e art. 84 do CDC.
4.2 A Tutela de Remoção do Ilícito
Em vez de se prevenir um ato ilícito é possível sua remoção. A tutela não é inibitória
(mandamental), mas executiva. Por ex., quando alguém deve instalar um equipamento para
prevenir o dano ambiental e não o faz, voltando-se o fazer a um terceiro. Eis a tutela de
remoção do ilícito que elimina o ilícito de maneira concreta.
“A tutela de remoção do ilícito diferencia-se da inibitória por remover ou eliminar o
ilícito; a tutela inibitória, no caso do ilícito continuado, não remove ou elimina o ilícito, mas
apenas visa a convencer o réu a cessar de praticá-lo”.184
A tutela de remoção do ilícito não depende do dano para se concretizar, mas, sim, do
ilícito. Trata-se de uma tutela auto-executiva, não executiva lato sensu. Nos casos da tutela de
remoção do ilícito, pode-se utilizar quaisquer meios idôneos para a obtenção do resultado
prático equivalente ao adimplemento.
São dois os pressupostos da tutela de remoção do ilícito: um positivo e outro
negativo. O positivo consiste na demonstração de um ilícito praticado; o negativo, na não
superveniência do dano. Aos dois pressupostos agrega-se a prescindibilidade da demonstração
183
NERY JUNIOR, Nelson. Aspectos do processo civil no código de defesa do consumidor. Direito do
consumidor, São Paulo, n. 1, 1992, p. 206-207.
184
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 117.
91
da culpa. Busca-se proteger a norma de forma repressiva. Verifica-se apenas a ocorrência ou
não de violação à norma. Praticado o ato ilícito e ainda não ocorrido o dano, aquele deve ser
removido quando de eficácia continuada. Não cabe ao juiz investigar a ausência de culpa,
porque irrelevante.
Enquanto a inibitória pressupõe a iminência da prática de um ilícito, a tutela de
remoção do ilícito exige a ocorrência do ilícito. Todavia, esta tutela só tem sentido quando
ainda é possível, com a remoção do ilícito, evitar o dano. Por isso que o dano é pressuposto
negativo.
Nos ilícitos que produzem efeitos permanentes podem caracterizar duas situações
distintas, conforme a natureza dos efeitos. Existem casos em que a prática de um ilícito gera
constante violação à norma. Por ex., a exposição de lixo tóxico ou plantação de transgênicos
diante de proibição legal.
Outra é a situação em que da prática de um ilícito decorre um efeito lesivo
permanente ao meio ambiente. Neste caso o dano é contínuo, como no vazamento de óleo no
mar. A prática do ilícito ocorre em razão de um único ato, mas o dano resultante deste ato tem
efeitos permanentes. Se o dano já se consumou, é caso de tutela ressarcitória objetivando
apagar o estrago provocado.
4.3 Ação Popular
A AP pode ser ajuizada por qualquer cidadão, visa a anular ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O autor, salvo comprovada má-fé, é isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência. Justifica o título Constituição Cidadã, pois é uma
forma direta de participação do eleitor na vida política e instituto de democracia direta.
O art. 5º, inc. LXXIII, da CF assegura ao cidadão o direito subjetivo público de
promover AP contra ato ilegal ou imoral que atente contra o meio ambiente. Tal previsão
constitucional acrescentou às hipóteses delineadas na LAP a tutela do meio ambiente quando
envolver ato ou omissão da Administração Pública. Para Meirelles AP é:
Um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de
seus membros, no gozo de seus direitos cívicos e políticos. Por ela não se amparam
direitos próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e
92
imediato da ação não seria o autor popular, e sim o povo - titular do direito subjetivo
ao governo honesto.185
Na concepção de Silva a AP constitucional brasileira é definida como um instituto
processual civil, outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou
remédio constitucional), “para a defesa do interesse da coletividade, mediante a provocação
do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos do patrimônio público, da moralidade
administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural”.186
De nossa parte entendemos que a ação popular não se presta para a plenitude da
defesa ambiental, em termos de abrangência de todas as hipóteses de danos
potenciais ou não ao meio ambiente. Ela somente será viável naquelas hipóteses
de agressões ao meio ambiente por atividades dependentes de autorizações, para o
seu exercício, do Poder Público, posto que, mesmo diante do texto mencionado da
Constituição de 1988 [art. 5º, inc. LXXIII], continua a ser exigível como condição
para a procedência da ação a ilegalidade do ato. Portanto, para que se possa utilizar a
ação popular contra ato lesivo ao meio ambiente, há que ter presente que estão
configurados, no caso de que se trate, os dois requisitos básicos, além da condição
de cidadão do requerente: a ilegalidade e a lesividade.187 (grifo nosso).
Os requisitos da ilegalidade e lesividade constituem pressupostos da demanda,
quando alegados desequilibram o contraditório e a produção de prova, representam o mérito,
eis que o pronunciamento do Judiciário fica limitado à ilegalidade do ato e sua lesividade ao
patrimônio público. Sem ocorrência desses dois vícios no ato impugnado não procede a ação.
Além das condições genéricas da ação, a AP possui os seguintes pressupostos:
Requisito subjetivo: somente tem legitimidade para a propositura da ação popular o
cidadão. Requisito objetivo refere-se à natureza do ato ou da omissão do Poder
Público a ser impugnado, que deve ser obrigatoriamente lesivo ao patrimônio
público, seja por ilegalidade ou imoralidade.188
Cidadão é o brasileiro nato ou naturalizado, no gozo dos seus direitos políticos. Basta
a condição de eleitor, uma vez que a prova da cidadania faz-se com a apresentação do título
de eleitor quando da propositura da ação. No que tange aos pressupostos de ilegalidade ou
185
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 105.
186
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
462.
187
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 109-110. Neste
sentido foi o voto do Des. Hugo Bengtsson, do TJ/MG, proferido no Ag. nº. 21.853/3 decidido pela 3ª CC,
publicado no DJ de 17/06/91 in Adcoas – jur. nº. 29, out. 91, p. 431. É de notar que não se podem confundir
requisitos da ação com condições da ação. O primeiro requisito para o ajuizamento da ação popular – art. 1º
da Lei nº. 4.717/65 – é o de que o autor seja cidadão brasileiro, no gozo de seus direitos políticos, traduzindose na sua qualidade de eleitor – legitimatio ad processum.
188
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 192.
93
imoralidade, existe uma grande polêmica quanto à exigência de ilegalidade como causa de
pedir, ao lado da lesividade, quer quanto à possibilidade de simples imoralidade constituir-se
em fundamento da ação.189
O fundamento constitucional da legitimação ativa para a AP é no sentido de que
qualquer cidadão é parte legítima para ingressar com a ação. Legitimação restrita e
condicionada, porque não se estende a todas as pessoas, somente aos cidadãos desde que
comprovada essa condição através da juntada do título de eleitor.
No pólo ativo da relação processual na ação popular figura qualquer cidadão
brasileiro, nato ou naturalizado, portador de título eleitoral e em pleno gozo dos direitos
políticos. É possível formar litisconsórcio facultativo no pólo ativo. No curso do processo, o
autor pode ser substituído por outro cidadão ou pelo MP.
O pólo passivo da AP poderá ser composto por ente público, isolado ou em
litisconsórcio com o poluidor e, eventualmente, por pessoa física ou jurídica de Direito
Privado prestadora, concessionária ou permissionária de serviço público e, hipoteticamente,
particular que contribui para a poluição e não mantém vínculo com a Administração Pública.
A legitimação passiva será sempre múltipla, porque formará um litisconsórcio
necessário no pólo passivo da relação processual. Exige-se a presença de todos os
litisconsortes. A peculiaridade está na possibilidade do réu deixar de contestar a ação e atuar
ao lado do autor, quando tal posição atender ao interesse público.
O objeto da AP é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público.
Não se exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou
repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para o ajuizamento.190
A ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei
ou ato normativo, ou pela inexistência de motivos quando a matéria de fato ou de direito que
fundamenta o ato é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado
obtido. O desvio de finalidade ocorre quando o agente pratica o ato visando ao fim diverso do
previsto, explícita ou implicitamente. Silva termina seu estudo acerca do objeto da AP e causa
de pedir na demanda popular concluindo que:
a) objeto da demanda popular consiste na invocação da atividade jurisdicional, para
o fim de obter uma sentença constitutiva negativa que invalide atos, públicos ou
privados, lesivos ao patrimônio das entidades, pessoas ou instituições sujeitas ao
controle jurisdicional sobre os atos administrativos, legislativos executórios e certas
pessoas privadas, a fim de resguardar o interesse coletivo quanto à moralidade na
189
190
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 642.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 192.
94
gestão de negócios públicos; b) a razão da demanda consiste no direito que os
administrados têm a uma gestão proba e legal do patrimônio público e na
demonstração de que, em determinado caso concreto, ocorreram desrespeitos a esse
direito e ao direito objetivo, com a produção de atos padecentes de vícios de
legalidade e de moralidade administrativa.191
A ação popular anula o ato (comissivo ou omissivo) lesivo ao patrimônio público e
condena os responsáveis a restituir o bem, quando for possível, ou indenizar a entidade pelas
perdas e pelos danos (art. 14, § 4º, da LAP). Nos termos do art. 21 da LAP, a AP prescreve
em cinco anos.
A causa de pedir da AP funda-se na lesão ao patrimônio ambiental com a
interferência da autoridade pública. Não cabe AP exclusivamente contra ato de particular. O
ato lesivo pode ser comissivo (expressa autorização da Administração Pública para o
loteamento de condomínio residencial em área de proteção ambiental) ou omissivo
(negligencia na fiscalização ambiental).
O pedido na ação ambiental sempre consistirá na reparação de um ato lesivo ilegal
ou imoral ao meio ambiente. A reparação poderá ser de simples ato ilícito ou imoral, sem a
produção de poluição, como ocorre na ação em que se pede a nulidade de edital de licitação
ou do contrato que dele deriva, por infringir normas ambientais. Haverá reparação de lesão
formal ao meio ambiente, sanada com obrigação de fazer ou não fazer (refazer o edital e
proibir que normas que infrinjam a legislação) e, eventualmente, cumulado com multa.
4.4 Aspectos Polêmicos e uma Análise Crítica da Ação Civil Pública
A LACP foi promulgada para disciplinar as ações de responsabilidade por danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico (art. 1º, incisos I a III). Ao longo do tempo sua abrangência
foi ampliada. O art. 110 do CDC acrescentou o inc. IV ao art. 1º, originalmente vetado de
modo a permitir que a ACP fosse utilizada à proteção de qualquer outro interesse difuso ou
coletivo, segundo a previsão constitucional.
As sucessivas alterações sofridas pela LACP tornaram defeituosa a redação do art.
1º. O acréscimo do inc. IV, ao art. 110, do CDC representou uma norma de encerramento do
rol estabelecido. Nela foram acrescentados os incisos V e VI, admitindo-se a ACP nos casos
de infração da ordem econômica e da economia popular e danos à ordem urbanística.
191
SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional: doutrina e processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
2007, p. 146.
95
Vigliar pondera que “o legislador do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Lei nº. 8.078/90) poderia ter excluído todas as espécies enumeradas pelos incisos anteriores e
determinar a inclusão da expressão a qualquer interesse supra-individual”,192 até porque foi
esse diploma que criou os denominados interesses individuais homogêneos.
A técnica legislativa empregada não foi das melhores. O Anteprojeto de CBPC,193 no
capítulo referente à ACP, dispõe sobre a hipótese de cabimento desta (art. 19), fazendo
referência ao art. 3º, que estabelece como objeto da tutela coletiva os interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Também representam direitos passíveis de tutela por ACP os dos portadores de
deficiência, das crianças e adolescentes, dos idosos, dos investidores no mercado imobiliário,
os decorrentes de relações de consumo, todos previstos em legislação específica.
A M.P. nº. 2.180-35/01 acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da LACP, limitando
a tutela de certos interesses por ACP. Não poderá veicular pretensões envolvendo tributos,
contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos institucionais. Viola o art. 5º, inc.
XXXV, da CF, afastando tais interesses da apreciação pelo Poder Judiciário. Exclui o Estado
do pólo passivo da ACP. Porém, não foi reconhecida a inconstitucionalidade dessa norma.
A LACP e o CDC devem ser lidos em conjunto, em respeito ao art. 21 da LACP e
art. 90 do CDC. Quando o art. 3º da LACP estabelece que a ACP poderá ter por objeto a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ressalta-se a
regra art. 83 do CDC, que admite todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada
e efetiva tutela dos direitos. Não se contemplam pedidos incompatíveis.
Meirelles alerta que deve ser dada atenção especial ao deferimento ou indeferimento
da inicial da ACP, apreciando preliminarmente a competência do juiz, a possibilidade jurídica
do pedido, a impropriedade da ação e a legitimação das partes, até pelos prejuízos irreparáveis
ou dificilmente reparáveis que podem advir da simples propositura da ação.194
A legitimidade para a ACP possui contornos diferenciados, não se fala em
legitimação ordinária e extraordinária. Com relação aos interesses individuais homogêneos, a
legitimidade para sua defesa é extraordinária, dado que tanto o titular do direito material
quanto o legitimado extraordinariamente podem buscá-lo em juízo.
192
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil pública: Lei nº. 7.347/85 e legislação posterior; defesa coletiva
do deficiente, da criança e do adolescente, do consumidor e do patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1997, p.
22-23.
193
ANTEPROJETO de código brasileiro de processos coletivos. Academia brasileira de direito processual
civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/anteprojeto.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2007.
194
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 21.
96
O art. 5º da LACP, com redação dada pela Lei nº.11.448/07, estabelece como
legitimados a propor ACP: MP; DP; União; Estados; DF; Municípios; autarquia; empresa
pública; fundação; sociedade de economia mista; associação desde que preencha as condições
de pré-constituição e pertinência temática, ou seja, constituída há pelo menos um ano nos
termos da lei civil e incluir entre suas finalidades institucionais a proteção dos interesses
tutelados pela ACP.
O cidadão não pode se valer da tutela inibitória em AP, como poderia na ACP. Na
defesa do meio ambiente por meio da AP não poderá agir de acordo com o fim precípuo do
direito ambiental, que é a preventividade do dano.A AP apenas anula o ato, não previne o
dano. Desta forma, a AP não pode conter tutela inibitória.
No intuito de corrigir essa falha, consta do Anteprojeto de CBPC, a permissão a
qualquer pessoa física para o ajuizamento de ACP. O art. 21, incisos I e II, do Anteprojeto de
CBPC estabelece como legitimado à ACP qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses
ou direitos difusos e o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou
direitos coletivos e individuais homogêneos, dentre outros. Alteração significativa que
possibilita democratizar o acesso ao Judiciário.
A atuação dos demais legitimados, incluídas as associações, ainda é inexpressiva
apesar de disporem de precioso instrumento processual para tutela dos direitos coletivos em
sentido amplo. A legitimação individual contribuirá para aprimorar a organização da
sociedade civil brasileira.
A atuação da Administração Pública (diretamente ou através de autarquias, agências
etc) na tutela dos interesses coletivos não se apresenta como uma opção segura, pois
possibilita a confusão entre interesses da coletividade e meros interesses das pessoas
jurídicas de direito público (interesse público primário e secundário).195
É muito importante a legitimação individual para a ACP, com o fito de prevenir
abusos. Pretende-se aumentar o número de legitimados à adequada tutela dos interesses
difusos, de modo a alargar a participação da população na defesa dos interesses da sociedade,
através do processo.
O art. 129, inc. III, da CF estabelece como função institucional do MP promover o IC
e a ACP para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos. A ausência de previsão constitucional da proteção dos
195
GUEDES, Demian. A legitimação individual para a ação civil pública, Revista de processo, RT, São Paulo,
ano 31, n. 140, out. 2006, p. 292.
97
interesses individuais homogêneos pelo MP é justificada por essa categoria de interesses ter
surgido com o advento do CDC, anterior à CF.
O inc. IX, do art. 129, da CF assegura a possibilidade do MP exercer outras funções
desde que compatíveis com sua finalidade. O art. 82, inc. I, da Lei nº. 8.078/90 estabelece
legitimidade ao MP na defesa dos interesses individuais homogêneos, prevista na LC nº.
75/93.
Em prol da sociedade e da melhor atuação da Defensoria Pública, a Lei nº. 11.448/07
contemplou legitimidade desta instituição para agir em sede de ACP. Mesmo com a
possibilidade de indeferimento por ilegitimidade ativa as Defensorias dos Estados e da União
já ingressavam com ações civis públicas.
A ampliação do rol de legitimados ativos para a propositura de ACP democratiza o
acesso ao Judiciário, assegurando a participação dos desafortunados nas lides coletivas. Nesta
perspectiva, é de se destacar a polêmica levantada pela Lei nº. 11.448/07 quanto aos limites
da atuação da DP no processo coletivo.
O cerne do problema reside em saber a amplitude da legitimação outorgada à DP,
restrita às ações coletivas na defesa dos necessitados ou além desta circunstância. A melhor
exegese da Lei nº. 11.448/07 não pode ser restritiva, tendo em vista a própria essência da
ACP, instrumento destinado a contribuir para a democracia participativa. Os necessitados
passaram a ser adequadamente representados nas lides coletivas, garantindo-se a participação
popular através do processo.
A LACP tutela preventivamente o meio ambiente e não de forma a ressarcir danos
causados. Em sede de ACP verifica-se a natureza mandamental do provimento jurisdicional,
também com a possibilidade da cominação de multa.
A ACP e as ações coletivas em geral possuem um sistema diferenciado de coisa
julgada. A redação originária do art. 16 da LACP já previa a produção de efeitos erga omnes,
mas o art. 103 do CDC apresentou um especial sistema disciplinador da coisa julgada,
conforme se refira a interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais
homogêneos.
Se a sentença versar sobre interesses difusos, a coisa julgada produzirá efeitos erga
omnes, exceto pedido julgado improcedente por insuficiência de provas. Versando sobre
interesses coletivos em sentido estrito, os efeitos da coisa julgada serão ultra partes,
limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas.
Nos interesses individuais homogêneos, a eficácia da coisa julgada será erga omnes quando o
pedido for procedente, para beneficiar todas as vítimas e sucessores.
98
Adotou-se no sistema das demandas coletivas a eficácia erga omnes para as ações
que tutelam interesses difusos e individuais homogêneos, sendo ultra partes os efeitos
naquelas cuja proteção destina-se aos interesses coletivos. Esse sistema não merece críticas,
uma vez que busca preservar os interesses dos titulares do direito de caráter indivisível tanto
quanto impedir a propositura de lides temerárias.
Nada obstante, a Lei nº. 9.494/97, resultado da conversão da Medida Provisória nº.
1.570-5/97, alterou a redação do art. 16 da LACP, estabelecendo que a sentença só fará coisa
julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão que proferiu a sentença,
restringindo o alcance da tutela coletiva. Somente aqueles que tenham domicílio na
competência territorial do órgão prolator da sentença à época em que foi proposta a demanda
se submeterão aos seus efeitos.
Absurda a restrição imposta pelo art. 2º-A da Lei nº. 9.494/97 que limita
territorialmente os efeitos subjetivos da coisa julgada, estabelecendo que a coisa julgada erga
omnes não atinge a todos. Há imprecisão técnica na redação do art. 16 da LACP, haja vista a
confusão entre o conceito de competência e o de coisa julgada. Grinover critica tal
dispositivo, pois aniquila a eficácia erga omnes irrestrita.196 Mazzilli entende a alteração
Trata-se de acréscimo de todo equivocado, de redação infeliz e inócua. O legislador
de 1997 confundiu, porém, limites da coisa julgada (cuja imutabilidade subjetiva,
nas ações civis públicas, pode ser erga omnes) com competência (saber qual órgão
do Poder Judiciário está investido de uma parcela da jurisdição estatal); e ainda
confundiu a competência absoluta (de que se cuida no art. 2.º da LACP), com
competência territorial (de que cuidou na alteração procedida no art. 16, apesar de
que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e sim absoluta).197
Competência não se confunde com imutabilidade dos efeitos da decisão. O órgão
competente para o julgamento a ACP profere decisão cujos efeitos, transitando em julgado,
são imutáveis para todos, independentemente dos limites da competência territorial do órgão
prolator, como pretende a Lei nº. 9.494/97.
O Poder Judiciário prefere se valer do art. 103 do CDC ao invés do art. 16 da LACP.
Isto porque a alteração proporcionada pela Lei nº. 9.494/97 na redação do art. 16 da LACP
não foi acompanhada pela alteração no art. 103 do CDC. Tornou-se inócua no sentido de não
existir limitação à eficácia erga omnes da decisão proferida em sede de ACP.
196
GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, Revista de processo, RT, São
Paulo, ano 24, n. 96, out./ dez. 1999, p. 28-36.
197
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 242.
99
Deve ser observado que o art. 16 da LACP trata da coisa julgada erga omnes, sendo
aplicável apenas nas ações relativas à tutela dos interesses difusos. Os interesses individuais
homogêneos fazem coisa julgada erga omnes, apesar da ressalva do art. 16 quanto ao pedido
julgado improcedente por insuficiência de provas constituir hipótese relativa aos direitos
difusos. A redação do art. 16 da LACP pode conduzir a situações absurdas, como um produto
ser considerado nocivo à saúde em um Estado e não em outro.
Ora, pensar que uma qualidade de um efeito só existe em determinada porção do
território, seria o mesmo que dizer que uma fruta só é vermelha em certo lugar do
país; ou a fruta é vermelha, ou não é, da mesma forma que só se pode pensar em
uma sentença imutável perante a jurisdição nacional, e nunca em face de parcela
desta jurisdição.198
A decisão do juiz em ACP atingirá pessoas além da competência territorial do órgão
julgador, não tendo lugar a limitação da eficácia erga omnes. Referido dispositivo ainda não
foi declarado inconstitucional pelo STF. Contudo, nada impede que se declare a
inconstitucionalidade do dispositivo em comento através do controle difuso, afastando-se a
incidência dessa norma, bem como preservando os efeitos da decisão.
4.5 Aspectos Relevantes do Termo de Ajustamento de Conduta
O TAC surgiu no Direito brasileiro com o art. 211 do ECA, posteriormente previsto
no art. 113 do CDC, constando que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos
interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante
cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
O preceito do CDC introduziu o § 6º, no art. 5º, da LACP, sendo aplicada aos
direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, tendo em vista o art. 117
do CDC haver introduzido o art. 21 à LACP.
O TAC enseja a conciliação de direitos que são em essência indisponíveis,199 a
obtenção do resultado pretendido com a ACP, antes ou durante sua propositura, beneficia, por
ex., mais ao meio ambiente e àqueles que são seus titulares, desde que a tutela seja preventiva
e específica do que a demora da demanda.
Essa medida propicia maior efetividade das relações jurídicas relativas aos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, bem como às relações de consumo, evitando a
198
199
ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: RT, 2003, p. 415.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática, Rio
de Janeiro: Forense, 2002, p. 120.
100
ação de conhecimento quando os interessados estiverem de acordo quanto à solução
extrajudicial do conflito.200
Na defesa dos interesses difusos e coletivos, o art. 5º, § 6º, da LACP outorgou aos
órgãos públicos legitimados a ajuizar ACP possibilidade de tomar do autor de comportamento
lesivo a direitos transindividuais o TAC, inclusive o proprietário do bem lesado.
A LACP demonstrou estar adiante do seu tempo ao admitir pelo TAC a possibilidade
de se buscar uma saída negociada para a reparação dos danos a interesses difusos e coletivos.
A solução amigável dos conflitos é a tendência do mundo globalizado, consoante o instituído
pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e o estímulo da Lei nº. 9.605/98.
O TAC é uma medida administrativa de composição, protege interesses difusos,
coletivos ou até individuais homogêneos, cujos titulares estão dispersos na coletividade. É um
título executivo extrajudicial em que se pactua, sob pena de multa por descumprimento de
obrigações de fazer ou de não fazer. Para Milaré o TAC configura uma “tentativa na luta pelo
desafogo do aparelho judiciário de uma pletora cada vez mais expressiva de ações”.201 O TAC
não evita o ingresso em juízo.
Não é unânime a natureza jurídica do TAC. Pode ser entendido como uma espécie de
transação, com características próprias, diversas do negócio jurídico expresso pelos arts. 1.025
e 1.035 do CC, já que não tem como objeto direitos patrimoniais disponíveis, nem implica em
reciprocidade de ônus e vantagens. O TAC é figura jurídica própria, diversa da transação, uma
vez que nenhum dos legitimados do art. 5º da LACP é titular do direito material em discussão.
O compromisso representa um acordo quanto à forma de atendimento do direito
lesado. Além da natureza indisponível dos interesses difusos e coletivos, o princípio da
legalidade impede que dirigente de órgão público formule TAC que não resguarde de forma
total os bens metaindividuais.
Para o STJ, em princípio, não se transige sobre direitos difusos, mas há de se admitir
quando se referir sobre obrigação de fazer ou não fazer e apresentar-se como a melhor solução
para a controvérsia.202 Mas objeta Akaoui ao compreender que o TAC possui natureza
contratual, por se tratar de um acordo extrajudicial.203
200
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 764.
201
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001,
p. 489.
202
REsp nº. 299400/RJ, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 01/06/06.
203
AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo:
RT, 2003, p. 68-71.
101
Mazzilli refuta o caráter contratual e sustenta ser um ato administrativo negocial, ou
seja, um negócio jurídico de Direito Público, que consubstancia uma declaração de vontade
do Poder Público coincidente com a do particular, em adequar-se à exigência da lei.204
Trata-se de negócio jurídico cujo objetivo é proteger o direito transindividual, ainda
que as partes tenham motivações diversas. Não pode gerar qualquer limitação de
responsabilidade material ao causador do dano, isso poderia prejudicar os verdadeiros lesados.
A única limitação é que, formado o título executivo extrajudicial, os co-legitimados
ou os próprios lesados individuais perdem o interesse processual em propor ação de
conhecimento para a formação de título que já possuem, por força do compromisso.
Um órgão legitimado pode tomar compromisso com o causador do dano, e, a seguir,
um outro co-legitimado público, considerando insatisfatório o acordo obtido, poderá tomar,
do causador do dano, um compromisso ainda mais rigoroso. O que não poderá é o segundo
legitimado dispensar ou diminuir a abrangência do primeiro compromisso; não sendo vedada
a ampliação do objeto.
Para Milaré205, Mazzilli206 e Vieira207 o TAC consagra hipótese de transação, pois se
destina a prevenir o litígio (propositura da ACP) ou finalizá-lo (ação em andamento), e ainda
a dotar o ente legitimado de título executivo extrajudicial ou judicial, respectivamente,
tornando líquida e certa a obrigação. Apesar da norma se referir a ajuste extrajudicial
(realizado no inquérito civil ou procedimento avulso, sem homologação judicial), nada obsta
seja efetivado em juízo.
A reparação do dano ou a adequação de sua conduta é indispensável pela natureza
indisponível do direito violado. O que seria objeto do pedido na ACP deve constar no TAC.
Admite-se convenção quanto às condições de cumprimento das obrigações. O fato deve estar
satisfatoriamente esclarecido, possibilitando identificar as obrigações estipuladas.
O tomador do compromisso deverá zelar para que todas as providências necessárias
para a solução do problema apresentado sejam efetivamente previstas, ou adotar medidas
judiciais complementares. Somente aspectos periféricos ao objeto poderão ser transacionados.
O objeto do TAC é a prevenção ou a repressão de danos aos interesses difusos,
coletivos ou individuais homogêneos, total ou parcial, traduzida em obrigação de dar, fazer ou
204
MAZZILLI, Hugo Nigro. Compromisso de ajustamento de conduta: evolução e fragilidades: atuação do
Ministério Público, Revista jurídica, Fonte do direito, São Paulo, ano 54, n. 342, abr. 2006, p. 68-71.
205
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001,
p. 489-480.
206
MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento
e audiências públicas. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 320.
207
VIEIRA, Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos interesses, difusos e coletivos e a posição do
Ministério Público, Revista justitia, São Paulo, v. 161, 1993, p. 52.
102
não fazer, bem como a adequação a uma conduta exigida. Coincide com o objeto da ACP,
exceto o art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92 que veda TAC em atos de improbidade administrativa.
Pode versar sobre qualquer obrigação de fazer ou de abstenção atinente ao zelo de
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Corresponde à solução extrajudicial
do conflito, devendo compor o dano ambiental na sua totalidade, por tratar-se de direitos
indisponíveis.
Consoante o art. 5º da LACP e art. 82 do CDC, são legitimados para firmar o TAC:
MP; União; Estados; Municípios; DF; órgãos públicos, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos.
O caput do art. 5º da LACP determina serem legitimados para propor ação principal
e cautelar: MP, DP (inserida pela Lei nº. 11.448/07), União, Estados, DF, Municípios,
autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, associação que
concomitantemente constituída nos termos da lei há pelo menos um ano e inclua entre as sua
finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, consumidor, ordem econômica, livre
concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
A LACP fez uma clara e correta opção pela amplitude da legitimidade para defesa
dos interesses difusos e coletivos, o contrário traria prejuízos à coletividade. O legislador
visou alargar o rol de instituições que possam formalizar o TAC, mas restringiu apenas aos
órgãos públicos co-legitimados à propositura da ACP.
A finalidade primordial do TAC é buscar a solução extrajudicial de litígios
envolvendo direitos difusos e coletivos, já que possibilita a cessação do comportamento lesivo
aos interesses transindividuais sem a necessidade da propositura de ação. É um instrumento
de pacificação social, por conter todas as obrigações necessárias à reparação do dano ou
afastamento de risco de dano aos interesses difusos e coletivos e gera conseqüências
processuais.
4.6 O Mandado de Segurança Coletivo
Neste trabalho o MSC é interpretado como instrumento de acesso ao Judiciário,
através da análise crítica de temas relevantes e polêmicos, sem a pretensão de colocar um
ponto final nas discussões, sem as quais não é possível construir a ciência jurídica, em
permanente atualização.
103
O MSC surge como mais um instrumento de acesso ao Judiciário, no bojo de uma
construção doutrinária que preconiza a tutela coletiva dos direitos também coletivos, dentro
da concepção de uma geração de direitos que se preocupa com o homem no seu sentido
transindividual, no sentido de que a humanidade precisa ser protegida no seu todo. Trata-se do
que Cappelletti e Garth denominaram “segunda onda de acesso à justiça”,208 caracterizada
pela coletivização do processo.209
Assim como nas famosas class actions do direito norte americano, as ações coletivas,
entre elas incluídas o MSC, demandam a presença de três requisitos: número de pessoas
interessadas muito grande e possibilidade de agrupamento; todos os membros do grupo terem
o mesmo interesse na questão litigiosa e as partes em juízo representam adequadamente o
interesse dos ausentes.
Remédio jurídico com contornos bem definidos, utilizado em situações específicas,
não se resume a mero sucedâneo recursal. Através do MSC pode-se proteger interesse
superindividual ou difuso. Caso o Poder Público não preserve o meio ambiente ou tome
medidas que o destruam ou afetem, inequívoca a pertinência do MS singular ou coletivo.
O MS individual ou coletivo é uma garantia constitucional e não um direito, por visar
à preservação dos direitos. As ações constitucionais e infraconstitucionais (nelas incluído o
MSC) constituem as garantias jurídicas dos direitos constitucionais e os principais institutos
de efetivação das normas constitucionais quando não cumpridas espontaneamente.
O art. 5º, inc. LXX, “a” e “b”, da CF determinam legitimidade ativa para manejar
MSC de partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical,
entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos
um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
A grande inovação introduzida diz respeito à legitimidade ativa para sua impetração,
atribuída a entes coletivos, no interesse das coletividades e dos indivíduos que representam.
Legitimação extraordinária que se permite a defesa de interesses de outrem em nome próprio.
Para Bonavides a inovação trazida pela CF/88, quanto ao MSC disse respeito apenas
ao alargamento da legitimação da propositura de um remédio constitucional – o mandado de
segurança – conhecido desde a Carta de 1934.210
208
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Nothfleet. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 49.
209
O segundo grande movimento no esforço de melhorar o acesso à justiça enfrentou a representação dos
interesses difusos, denominados interesses coletivos diversos daqueles dos pobres. Verifica-se um grande
movimento mundial em direção aos litígios de Direito Público em virtude de sua vinculação com assuntos
importantes de política pública que envolvem grandes grupos de pessoas.
210
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 356-361.
104
No tocante à segurança plúrima, quando os sindicatos e associações defendem
interesses individuais dos seus membros, agem na condição de representantes. A locução
exposta na CF atinente à defesa dos interesses dos membros ou associados das entidades
discriminadas no inc. LXX, do art. 5º, significa não uma tutela individual dessas pessoas, mas
a defesa do interesse coletivo que elas representam. Este interesse coletivo não é uma soma
quantitativa de interesses individuais, mas uma qualificação de interesse supraindividual.
A propositura de ação pelos entes coletivos, quando atuando na qualidade de
legitimado extraordinário, não inibe a disponibilidade dos substituídos em ajuizar suas
próprias ações, individualmente.
Os artigos 5º, inc. XVIII; 8º, caput e incisos I e XVII, da CF atribuíram plena
autonomia aos partidos, entes sindicais e associações como titulares ativos na legitimidade
extraordinária, compete a cada um eleger tais órgãos, sendo inconstitucional a intervenção do
Poder Público. Estará legitimado o órgão que os estatutos partidários ou as assembléias
associativas e sindicais estipularem.
Embora o MP não conste no rol de legitimados do art. 5º, inc. LXX, da CF, pode-se
afirmar que o mesmo possui legitimidade ativa para o ajuizamento do MSC, o que pode ser
interpretado das disposições dos arts. 127, caput e 129, inc. IX, ambos da CF, eis que no MSC
estão em jogo os interesse social e público, bem como a violação da ordem legal.
O sujeito passivo no mandado será sempre a pessoa jurídica em cujo âmbito se
praticou o ato arbitrário ou abusivo, pois é esta quem se sujeitará aos efeitos da concessão da
segurança, uma vez que o coator é o instrumento através do qual se manifesta a vontade do
órgão estatal, diretamente, ou por meio de delegação.
O impetrado é a autoridade coatora, e não a pessoa jurídica ou o órgão a que
pertence e ao qual seu ato é imputado em razão do ofício. Nada impede, entretanto,
que a entidade interessada ingresse no mandado a qualquer tempo, como simples
assistente do coator, recebendo a causa no estado em que se encontra, ou, dentro do
prazo para as informações, entre como litisconsorte do impetrado, nos termo do art.
19 da Lei n. 1.533/51.[...] A autoridade coatora será sempre parte na causa, e, como
tal, deverá prestar e subscrever pessoalmente as informações no prazo de dez dias,
atender às requisições do juízo e cumprir o determinado com caráter mandamental
na liminar ou na sentença.211 (grifos do autor).
O particular beneficiário ou partícipe do ato impugnado deve ser cientificado da
impetração não para prestar informações (que são privativas da autoridade coatora), mas para
apresentar a defesa de seu direito como litisconsorte ou assistente.
211
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 52-53.
105
Conforme o art. 5º, incisos LXIX e LXX, da CF e art. 1º, da Lei nº. 1.533/51 o MS é
o meio constitucional posto à disposição de pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade
processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou
coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou
ameaçado de lesão, por ato de autoridade.
As hipóteses de cabimento do MSC são bastante restritas, serve tanto para coibir
ações ilegais da autoridade, como suas omissões, tanto suas ilegalidades como o abuso e
desvio de poder. Trata-se de direito líquido e certo quanto aos fatos, embora possa haver
controvérsia de direito.
O interesse juridicamente protegido por MSC é o direito subjetivo. Porém, esta não é
a melhor exegese do texto constitucional que se referiu a interesse e não direito. Mesmo os
interesses não protegidos formalmente pela ordem jurídica, em matéria de ação coletiva,
merecem a via mandamental. Quando tratou do MS individual, a CF falou em interesse.
Critica-se MSC para salvaguardar direito difuso, pela impossibilidade de direito
líquido e certo na seara dos direitos difusos. Porém, é possível o MSC, haja vista existir
direito difuso líquido e certo, dependendo da extensão que se dê a este instituto de
conceituação tão elástica. A coletividade possui direito líquido e certo ao desfazimento de um
ato praticado por autoridade pública em flagrante agressão ao meio ambiente. É inviável MSC
contra atos legislativos, mas possível contra leis de efeito concreto.
O art. 12, parágrafo único, da LMS determina que a apelação é necessária e o duplo
grau de jurisdição é obrigatório. A sentença procedente em MS, inclusive o coletivo, só
transita em julgado após pronunciamento do órgão de segundo grau.
Tratando-se de ação eminentemente coletiva, as regras processuais comuns sobre a
extensão subjetiva da coisa julgada não se adequam ao instituto do MSC. Há que se buscar
subsídio em regras afinadas com as peculiaridades das ações coletivas, como as expostas no
CDC. Caso não seja apreciado o mérito, não há formação de coisa julgada, consoante emana o
disposto no art. 16 da LMS.
Segundo as regras do CDC, no caso de procedência, a sentença fará coisa julgada
erga omnes, quando se tratar de tutela de direitos difusos e individuais homogêneos e
limitadamente ao grupo, categoria ou classe substituídos os efeitos serão ultra partes, no caso
da tutela de direito coletivo em sentido estrito.
Havendo sentença de improcedência por insuficiência de provas, qualquer legitimado
poderá intentar outra ação, com a mesma causa de pedir e mesmo pedido, valendo-se de prova
nova no caso da tutela de direitos difusos e coletivos.
106
Em se tratando de direitos individuais homogêneos, no caso de improcedência,
sempre se poderá intentar nova ação, para salvaguardar o direito de ampla defesa e
contraditório do titular do direito individualmente considerado.
A litispendência segue a dicção do art. 104 do mesmo diploma legal suscitado. Os
efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes, nos casos de ações de tutela de direitos
coletivos e individuais homogêneos, não beneficiarão os autores das ações individuais,
tramitando concomitantemente com as ações coletivas, se não for requerida sua suspensão no
prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
A coisa julgada pode resultar da sentença concessiva ou denegatória da segurança,
desde que a decisão haja apreciado o mérito da pretensão do impetrante e afirmado a
existência ou não do direito a ser amparado.212 Denegada a segurança os arts 16 e 17 da LMS
permitem o uso da via ordinária para a reapreciação da questão.213
[...] Tal exegese conduz à negação da coisa julgada, pelo só fato de a decisão ser
contrária à pretensão do impetrante. O que a lei ressalva é a composição dos danos
pelas vias ordinárias, exatamente porque essa indenização não pode ser obtida em
MS. Por outro lado, assinala o legislador que o interessado poderá renovar o pedido
em outro mandado, enquanto o juiz não o denegar pelo mérito.214
Os efeitos da coisa julgada no MSC estão a merecer regramento específico pelo
legislador. A coisa julgada afeta toda a coletividade representada ou substituída pelo
impetrante se o pedido for julgado procedente (no caso do MS coletivo, se a ordem for
concedida).
Se a segurança for denegada por falta da prova pré-constituída do direito sustentado
na inicial, a impetração individual não será afetada. O problema é mais grave em matéria de
denegação da ordem por motivo de mérito, hipótese na qual, em princípio, deve haver
também o efeito ultra partes.
O writ coletivo, por analogia às regras do art. 104 CDC, induz litispendência com o
writ individual, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes só beneficiam o
impetrante individual se ele requerer a suspensão do seu processo dentro de trinta dias a
contar da ciência da existência da demanda coletiva.
212
213
214
Neste sentido: BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 255;
BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva: 1989, v. 1; STF, RT 459/252.
FAGUNDES, Marcelo Seabra. FAGUNDES, Marcelo Seabra. O controle dos atos administrativos pelo
Poder Judiciário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 337; VIDIGAL, Luiz Eulálio de Bueno. Do
mandado de segurança. São Paulo: s.n., 1953, p. 151 ss.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 93.
107
Questão polêmica refere-se à aplicação do prazo decadencial de cento e vinte dias,
previsto no art. 18 da LMS. A lei não estaria autorizada a estipular prazo decadencial contra
direito fundamental, mormente se a lesão grave à ordem jurídica tivesse efeitos permanentes
ao longo do tempo, para o futuro. Concedida a segurança através de liminar ou em caráter
definitivo, a execução do mandado é imediata, abrindo-se oportunidade da medida através de
recursos adequados. O art. 4º da Lei nº. 4.348/64 autoriza o efeito suspensivo.215
4.7 O Mandado de Injunção Coletivo
O MI “constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se
considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta
de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição”.216
É uma medida oferecida à comunidade para a defesa do ambiente. Nos termos do art.
5º, inc. LXXI, da CF, conceder-se-á MI sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania. Na concepção de Milaré:
Ressalte-se, desde logo, a excelência desse remédio para a tutela do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, direito constitucionalmente assegurado a todos, quando
dependa de uma norma regulamentadora, cuja falta está tornando inviável seu
exercício. Tome-se o caso de indústria poluidora que se instala sem estudo prévio de
impacto ambiental, tido como indispensável pela Constituição.217
A esse estudo deve ser dada ampla publicidade, nos termos de porvindoura
regulamentação. Tal não ocorrendo, conceder-se-á injunção para que a atividade agressiva ao
meio ambiente seja obstada.218
Tem predominado o entendimento de que no MI o juiz não “legisla”, apenas integra,
no caso concreto, a lacuna legislativa, adotando uma medida capaz de proteger o direito do
autor da demanda.219
215
Sobre a suspensão da liminar em MS: TJ/SP, AgRg no MS nº. 17.526-1, j. 18/10/1981; STF, Recl. nº. 1725/SP, RT 612/201.
216
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
446-447.
217
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: RT, 2001,
p. 558.
218
Neste sentido: ACKEL FILHO, Diomar. Mandado de injunção, RT, São Paulo, v. 628, 1988.
219
BARBI, Celso Agrícola. Mandado de injunção. RT, São Paulo, v. 637, p. 9, 1988; FIGUEIREDO, Lúcia
Valle. Breves reflexões sobre o mandado de segurança no novo texto constitucional, RT, São Paulo, v. 635,
1988, p. 25.
108
Trata-se de uma ação constitucional que tem por objetivo possibilitar que o exercício
dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, á soberania e à cidadania não seja inviabilizado pela ausência de
norma regulamentadora, conforme dispõe o inc. LXXI do art. 5º da Constituição
Federal. Constitui uma garantia fundamental e, portanto, ostenta a condição de
cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). É instrumento hábil para tutelar o meio
ambiente, na medida em que o direito ambiental tem como objeto uma vida de
qualidade. Significa tornar efetivos os preceitos dos arts. 5º e 6º da CF, objetos do
mandado de injunção, porquanto ostentam a natureza de direitos constitucionais.220
“É a ação constitucional posta à disposição de qualquer pessoa física ou jurídica, apta
à tutela de direito individual, coletivo e difuso, toda vez que houver falta de regulamentação
de direito infraconstitucional, que obstacularize sua fruição”.221 “Uma ação constitucional de
caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no
intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na
Constituição Federal”.222
É o meio constitucional posto à disposição de quem se considerar prejudicado pela
falta de norma regulamentadora, que torne inviável o exercício dos direito e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania (CF, art. 5º, LXXI).223
No inciso LXXI, do art. 5º, da CF, está prescrito que será concedido MI sempre que a
falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. À luz
do texto constitucional, o MI é a ação constitucional cível que objetiva tornar eficaz Direito
constitucional subjetivo não usufruído em face da ausência de norma infraconstitucional
regulamentadora desse direito.
São exigidos dois pressupostos ao MI: a ausência de norma regulamentadora e a
inviabilidade de exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
prescritas na norma. O MI presume uma omissão de norma regulando a matéria.
A CF confere a utilização do MI sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
soberania, à soberania e à nacionalidade.
220
221
222
223
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6.ed. São Paulo. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 395.
FIGUEIREDO, Marcelo. O mandado injunção e a inconstitucionalidade por omissão. São Paulo: RT,
1991, p. 36.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 412.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “habeas data”. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 201.
109
“O objeto do MI abrange o exercício de qualquer direito constitucional”,224
“individual ou coletivo, político ou social, ainda não regulamentado; além de contemplar em
seu escopo as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, também
quando não regulamentadas”.225
Inexistem restrições à legitimidade ativa em sede de MI. Pode ser impetrado por
pessoa natural, jurídica, de direito público ou privado. Ainda não obsta que seja
despersonalizada, como o espólio, a massa falida etc. Ademais, não é dado ao intérprete, nem
ao legislador infraconstitucional, diminuir o âmbito da legitimidade ativa para a propositura
da ação de injunção. O legitimado passivo será a autoridade ou órgão público competente para
a feitura da norma infraconstitucional regulamentadora (art. 5º, inc. LXXI, da CF).
4.8 A Tutela dos Direitos dos Consumidores
O art. 5º, inc. XXXII, da CF trouxe a garantia de que os direitos dos consumidores
serão promovidos pelo Estado. Esta determinação constitucional fez com que em 11 de
setembro de 1990 o Congresso Nacional editasse o CDC. Inovador, este diploma legal foi o
primeiro documento que trouxe garantias específicas a serem efetivadas aos contribuintes, que
desde há muito já vinham reclamando junto ao Poder Judiciário a tutela de seus direitos.
Uma das principais garantias trazidas pelo CDC foi a criação da Política Nacional de
Relações de Consumo, que compreende uma gama de atividades visando a atender
necessidades dos consumidores, como o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, proteção
de interesses econômicos, melhoria da qualidade de vida, bem como transparência e harmonia
das relações de consumo – verbis do art. 4º, caput, do CDC.
O CDC manteve a assistência jurídica gratuita para os consumidores carentes, o
acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção e/ou reparação de
danos patrimoniais, a inversão do ônus da prova, dentre outros.
A necessidade de uma simbiose entre o CDC e LACP se justifica tendo em vista que
a defesa dos interesses difusos dos consumidores poderá ser encaminhada ao juízo pelas
diversas pessoas arroladas no art. 5º da referida lei, figurando o MP, desde que atendidos os
requisitos específicos para tanto.
224
NISHUJAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002,
p. 184.
225
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.
449.
110
5 A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL
O sistema tradicional da coisa julgada foi substancialmente alterado pela LACP e
pelo CDC, em razão da necessidade de tutelar-se de maneira distinta os direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos. Os institutos ortodoxos do Direito Processual
Civil não mais atendem à realidade atual, de sorte que se deve abandonar a tratativa
processual fulcrada no individualismo do início do século. Estabeleceu-se o sistema da coisa
julgada secundum eventum litis.
Nas ações coletivas com pedido de natureza difusa ou coletiva, a coisa julgada será
erga omnes, ou ultra partes (mas limitada ao grupo ou categoria). No caso de improcedência
por insuficiência de provas, não haverá autoridade da coisa julgada, a exemplo do que ocorre
na ação popular. O próprio autor ou qualquer outro co-legitimado poderá repropor a ação,
valendo-se de nova prova.
Nas ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada
terá efeitos erga omnes, em benefício do consumidor (in utilibus), somente se houver
procedência do pedido (secundum eventum litis). Se o pedido for julgado improcedente, seja
por ser infundada a pretensão ou por insuficiência de provas, essa circunstância não inibe a
ação individual do consumidor com o mesmo objeto.
À luz dos institutos da litispendência e coisa julgada do CPC, não há identidade de
ações, pois as partes da ação coletiva (co-legitimados do art. 5º da LACP) e da ação
individual do lesado são diferentes e o pedido de uma é o continente no qual a outra é o
conteúdo (individual).
Os efeitos da coisa julgada erga omnes e ultra partes, relativos às ações coletivas
para a defesa de direitos difusos e coletivos, não prejudicarão os direitos individuais dos
lesados, integrantes do grupo, categoria ou classe, consoante o disposto no art. 103, § 1º do
CDC.
Tal sistema nada tem a ver com o regime da responsabilidade civil estatuído pelo art.
14, § 1º, da Lei nº. 6.938/81 (responsabilidade objetiva), pois haverá o dever de indenizar se
provada a existência de dano e a relação de causalidade, não sendo automática a condenação
do réu.
As ações coletivas não induzem à litispendência. O lesado individual pode propor
ação de indenização, mesmo na pendência de ação coletiva para a defesa dos seus direitos
individuais (art. 104 do CDC).
111
A eficácia das decisões proferidas nas ações coletivas tem transcendência subjetiva,
produzindo efeitos erga omnes ou ultra partes, somente terão efetividade se esses efeitos se
irradiarem por todos os lugares em que se tenham que produzir. Deve-se analisar o fenômeno
da ação coletiva considerando a natureza da eficácia da decisão, abandonando os critérios
individualísticos do processo ortodoxo para interpretar esses fenômenos coletivos.
O meio ambiente é um bem de uso comum do povo. Desta forma, a atividade
exercida pelo indivíduo em protegê-lo processualmente não exclui a atuação dos organismos
públicos (por ex., o MP) ou privado (por ex., as ONGs). Somam-se esforços, cabendo a cada
ente a proteção do meio ambiente em dimensões distintas: o indivíduo no plano da tutela
individual; os organismos públicos e privados no plano da tutela coletiva ou difusa.
Caberá ao indivíduo atuar em nome próprio para a tutela de direito próprio (meio
ambiente sadio e equilibrado), enquanto os organismos fiscalizadores atuarão em nome
próprio para a tutela de direitos alheios (difusos ou coletivos).
A viabilidade jurídica para admitir a atuação do indivíduo na proteção do meio
ambiente decorre do seu enquadramento no conceito de vítima da poluição. O poluidor é
considerado a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Somente o ser humano pode ser vítima da atividade poluente. Por isso, quando
promove uma ação ambiental assim o faz porque se encontra inserido numa relação
ambiental, da qual é vítima de poluição, eis a possibilidade jurídica em nome próprio de agir
para tutelar direito próprio.
Os organismos fiscalizadores como o MP, as entidades públicas e as ONGs, por
serem personalidades jurídicas não podem ser vítimas de poluição ambiental. a atuação
fiscalizadora desses órgãos decorre de disposição estatutária em fazer cessar atividade
poluente que afeta uma coletividade ou uma sociedade.
A possibilidade jurídica desses organismos promoverem uma ação ambiental surge
na medida do interesse de agir em nome próprio para tutelar direito alheio (coletivo ou
difuso), isto é, livrar uma coletividade ou uma sociedade de uma atividade poluente.
O objetivo não é diferenciar a ação individual da coletiva ou difusa pela simples
quantificação de vítimas, mas verificar a possibilidade de fragmentação da tutela do meio
ambiente, a partir do exercício de um direito individual. Tanto que a tutela individual do meio
ambiente não exclui a possibilidade de que haja a tutela coletiva ou difusa por organismos
autorizados.
112
5.1 Efetivação de Sentença/Acórdão
A instauração do procedimento de efetivação de sentença/acórdão que contempla
uma obrigação de dar, fazer ou não fazer representa outra forma de exercício individual para a
tutela do meio ambiente. Através deste procedimento será satisfeita a tutela específica ou o
resultado prático equivalente (obrigações de fazer ou não fazer) ou de uma quantia
determinada em dinheiro, a título de reparação econômica ou multa (obrigação de dar quantia
determinada).
O procedimento de efetivação constitui obrigação a ser satisfeita, não dará origem a
um novo processo, mas apenas prosseguirá com a relação que originariamente se iniciara com
atos cognitivos. A legitimidade ativa para a instauração do procedimento de efetivação será
daquele que inaugurou a relação processual cognitiva. O tipo de projeção da legitimidade
ativa originária é próprio das ações individuais que tutelam o meio ambiente.
Outra forma de efetivar uma sentença/acórdão no âmbito da tutela jurisdicional
individual ocorre com a legitimidade ativa concorrente em instaurar o procedimento de
efetivação. Permite que uma pessoa, que não participou da relação processual originária,
intervenha no processo a fim de iniciar o procedimento de efetivação, como forma de
satisfazer uma específica tutela ambiental.
Tratando-se de execução coletiva, a possibilidade de ser iniciada pelo indivíduo
somente se dará se este estiver expressa e nominalmente contemplado na sentença/acórdão.
Na impossibilidade jurídica do indivíduo tutelar direitos coletivos ou difusos, deverá afirmar
que a efetivação da sentença/acórdão visa a eliminar a atividade poluente (reconhecida no
julgado) de que sofre. O indivíduo deve caracterizar a situação de vítima da atividade
poluente reconhecida na sentença/acórdão.
O indivíduo deve estar inserido no grupo de indivíduos vítimas dos efeitos nocivos
da poluição mencionados na sentença/acórdão. Desta forma, o indivíduo estaria apto ao título
executivo judicial e exibindo sua legitimidade ativa, eis que se enquadraria na hipótese
contemplada na sentença/acórdão na qualidade de vítima da poluição.
A legitimidade do indivíduo deve ser analisada em relação à poluição produzida. Se
possível seccionar a atividade poluente e apenas isolá-la em relação à situação do indivíduo
exeqüente, o procedimento da efetivação da sentença/acórdão irá apenas atuar na satisfação
do interesse individual.
Para satisfazer o interesse individual é necessário satisfazer os interesses coletivos ou
difusos, em virtude do caráter indivisível da obrigação e da atividade poluente, a legitimidade
113
do indivíduo se reafirma, eis que se torna o único meio capaz de fazer cessar contra si os
efeitos da poluição.
5.2 Os Princípios de Direito Ambiental que Fundamentam a Relativização da Coisa
Julgada Ambiental
O princípio da dignidade da pessoa humana representa a base do caput do art. 225 da
CF do qual decorrem todos os demais sub-princípios do Direito Ambiental. Os Princípios 1 e
2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972, reconhecem este princípio como
fundamental para a teoria dos direitos humanos.
“O princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe o respeito aos direitos
individuais e coletivos, o princípio democrático pressupõe os direitos do cidadão como
eleitor, inclusive com a possibilidade de participar dos partidos políticos [...]”.226
Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável, têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o
meio ambiente.
O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser fonte do desenvolvimento
sustentável. Não há que se falar em meio ambiente ecologicamente equilibrado sem que se
leve em consideração o homem, destinatário dos bens de consumo produzidos pelas
indústrias, que, por sua vez, devem pautar-se na defesa do meio ambiente (art. 170, inc. IV da
CF).
O princípio da participação representa a atuação presente da coletividade na proteção
e preservação do meio ambiente. Deve-se abrir maior espaço para as ações individuais, em
decorrência da maior participação da sociedade civil na defesa do meio ambiente.
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação dos
cidadãos interessados pelo acesso às informações ambientais, bem como a oportunidade de
participar em processos de tomada de decisões. A participação popular é inerente ao regime
democrático, em todas as instâncias de decisões, pode ocorrer na fase da elaboração de
normas jurídicas e na aplicação das normas.
O princípio da participação expressa a educação e a informação ambiental. Constitui
um dos elementos do Estado Social de Direito, eis que todos os direitos sociais são estrutura
essencial da qualidade de vida.
226
COELHO, Luiz Fernando. Direito constitucional e filosofia da Constituição. Curitiba: Juruá, 2006, p. 97.
114
O direito à vida deve ser ressalvado em termos de relativização da coisa julgada
ambiental. “O direito à vida em todas as suas formas é garantido no plano constitucional de
maneira ecologicamente equilibrada”.227 Entretanto, não basta que o a CF proteja a vida, é
indispensável que o Poder Público coloque à disposição do cidadão os equipamentos
necessários para que ele tenha também uma vida digna.
Trata-se
da
sustentabilidade,
desenvolvimento
ecologicamente
equilibrado,
desenvolvimento sustentável. Tem-se a necessidade da preservação do meio ambiente e a
necessidade de incentivar o desenvolvimento socioeconômico. Essa conciliação será possível
com a utilização racional dos recursos naturais, sem causar poluição ao meio ambiente.
Diante do confronto ou antagonismo entre direitos fundamentais, convém a
utilização do princípio da proporcionalidade como princípio de interpretação, a fim de se
alcançar uma solução conciliatória. Pelo princípio da unidade da CF nenhuma norma
constitucional deve ser interpretada em contradição com outra norma da CF, deve haver uma
concordância prática.
A inter-relação entre a proteção ambiental e a salvaguarda do direito à saúde
evidencia-se claramente na implementação do art. 11 (sobre o direito à proteção da
saúde) da Carta Social Européia de 1961. O Comitê de Peritos Independentes
operando sob a Carta, nos últimos anos tem estado atento na consideração dos
relatórios nacionais, às providências tomadas a nível interno, consoante do art. 11 da
Carta, para prevenir, limitar ou controlar a poluição.228
Busca-se algo mais, já que o parâmetro estabelecido do direito à vida é ela com
saúde e qualidade. A sadia qualidade de vida deve ser o leme a ser observado na
sustentabilidade do desenvolvimento, aplicando-se ao caso concreto sempre a decisão que
minimize os efeitos danosos ao meio ambiente, buscando no princípio da proporcionalidade a
segurança necessária para o atendimento do interesse da coletividade. Concebe-se um direito
à vida digna, com saúde. Nesse sentido, pronuncia-se Ruiz Vieytez
Há uma zona de confluência entre os dois direitos que poderíamos identificar com o
conceito de saúde ambiental, e cujo comprimento pode ser alterado, dependendo dos
objetivos que são atribuídos ao direito ao ambiente. [...]. Hoje em dia grande parte
da legislação ambiental responde, em última análise, a este objetivo de proteger a
saúde do homem.229
227
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. et al. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. In:
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. (Coord.). Direito ambiental e cidadania. São Paulo: J.H. Mizuno, 2007,
p. 45.
228
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de
proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 86.
229
RUIZ VIEYTEZ, Eduardo Javier. El derecho al ambiente como derecho de participación. Bilbao:
Ararteko, 1992, p. 89-90. Existe una zona confluente entre ambos derechos que podríamos identificar con el
115
O equilíbrio ambiental é essência da vida, consagrando-se o direito fundamental à
vida nos arts. 5º e 6º da CF. A vida é objeto do direito ambiental, acrescenta-se à expressão
vida o substantivo qualidade. Sobre a necessidade de que haja um ambiente equilibrado para a
qualidade de vida da coletividade Prieur entende que
A fórmula tornou-se um complemento necessário para o ambiente. Ela quer
expressar a vontade de uma pesquisa de qualidade depois do engano dos
quantitativos (nível de vida) e que fique claro que o ambiente afeta não só a
natureza, mas o homem colocado em relações sociais, no trabalho, na recreação.230
A característica da qualidade de vida é condição sine qua non para o
desenvolvimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que deve ser tutelado de
forma a se conseguir a consecução desse objetivo, atribuindo-se a obrigação pela
conservação, manutenção e restabelecimento do equilíbrio a toda a coletividade, inclusive ao
Poder Público.
5.3 Coisa Julgada Coletiva e o Acesso à Justiça
A partir da metade deste século, em decorrência do surgimento dos fenômenos de
massa, que formou uma sociedade de massa, os bens de natureza difusa passaram a ser objeto
de uma maior preocupação do legislador e do aplicador do direito. Emergiram os bens de
natureza difusa, de modo inversamente proporcional à quebra da dicotomia público/privado,
na medida em que entre o público e o privado criou-se um abismo preenchido pelos direitos
metaindividuais.
Em face da existência de três diferentes categorias de bens no ordenamento jurídico
brasileiro (público, privado e difuso), já não é mais possível usar do aparato de processo
individual-liberal para tutelar os bens difusos, principalmente pelo fato de que já existe no
ordenamento processual civil uma regra determinante que obriga a utilização de um sistema
processual coletivo, quando se tratar de um direito coletivo lato sensu.
230
concepto de sanidad ambiental, y cuya extensión puede verse alterada en función de los objetivos que se
asignen al derecho al ambiente. [...]. Hoy dia grand parte de la normativa ambiental responde, en último
término, a este objetivo de proteger la salud del hombre.
PRIEUR, Michel. Droit de l’ environnement. 2. ed. Paris: Dalloz, 1991, p. 4. La formule est devenue une
sorte de complément nécessaire à l’ environnement. Elle veut exprimer la volunté d’ une recherche du
qualitatif après les deceptions du quantitatif (niveau de vie) et bien marquer que l’ environnement concerne
non seulement la nature mais ausse l’ homme dans sés rapports sociaux, de travail, de loisirs.
116
Os instrumentos de tutela ambiental visam à preservação e proteção dos bens
ambientais. Assim, por exemplo, o EIA/RIMA, licenças e autorizações ambientais, auditorias
ambientais, manejo ecológico, zoneamento, tombamento, ACP, ação penal pública, AP, MSC
e MIC formam os instrumentos de tutela ambiental.
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional vem esculpido no art. 5º,
inc. XXXV, da CF. Consagra o direito de ação e defesa, um direito público e subjetivo de
exigir do Estado a prestação de tutela jurisdicional. Representa um direito do cidadão e um
dever do Estado desde que tomou para si a função da substitutividade, a indeclinabilidade da
jurisdição tornou-se um de seus indispensáveis princípios.
O princípio do livre acesso à Justiça não deve ficar no plano utópico, para que seja
alcançado o Estado deve fornecer os instrumentos possíveis e capazes de efetivar o pleno e
irrestrito acesso ao Judiciário. A LACP e o CDC representam instrumentos de tutela
processual dos direitos metaindividuais criados a fim de possibilitar a defesa dos interesses
coletivamente considerados.
Ao mesmo tempo em que a CF garante no inc. XXXV, do art. 5º o amplo acesso à
Justiça, todavia, no inc. XXVI do mesmo artigo limita esse amplo acesso. Nenhuma lei
poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, mas o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada tornam imutáveis situações previstas em
lei, decisões judiciais, que, talvez até não cobertas com o manto da legalidade quando de sua
efetivação.
Existe uma situação antagônica, pois existem momentos em que o direito já foi
definido em lei ou decidido judicialmente, uma vez acobertado por qualquer das garantias
supra aportadas, torna-se imutável, inatingível de ser alterado devido àquelas “garantias” que
torna aquele direito, aquela situação intocável, juridicamente inalterável.
Como se falar em amplo acesso à Justiça se não se pode recorrer em face de uma
situação flagrantemente ilegal? Presentes tais garantias não se pode, na maioria das vezes,
tomar qualquer medida jurídica para tentar alterar essa realidade, imutável juridicamente.
É verdade que existem expedientes jurídicos destinados a proporcionar a
oportunidade de se rediscutir a existência realmente da coisa julgada, tais como a ação
anulatória e a ação rescisória.
O acesso à Justiça deve ser amplo e irrestrito, feito de tal forma que toda e qualquer
lesão a direitos deve ser apreciada pelo Judiciário, uma vez acionado. Decidida a demanda é
necessário o trânsito em julgado. Todavia, se a decisão é incoerente ou mesmo ilegal, deve-se
117
proporcionar ao vencido a oportunidade de ver revista aquela decisão. Este é o pleno acesso à
Justiça.
A coisa julgada é um dos temas que está a exigir a sua relativização, principalmente
no sentido de respeitar aos princípios da moralidade, legalidade, proporcionalidade e
razoabilidade.
A sentença coberta pelo manto da coisa julgada jamais pode servir de veículo para
transporte de incerteza e incoerência do sistema jurídico. Sentenças que ofendem valores
humanos, de dignidade são inadmissíveis, porque se chocam com princípios elevados. No
âmbito da relativização da coisa julgada ambiental deve prevalecer o livre acesso à Justiça,
culminando com o dogma da coisa julgada, bem como com o excesso de zelo ao princípio da
segurança jurídica.
5.4 O Princípio da Igualdade na Jurisdição Civil Coletiva
Em um sentido original o princípio da igualdade era formal, sem a preocupação com
as peculiaridades do direito processual. As profundas transformações sociais e a crescente
verificação de que tal forma de exercício do princípio (autonomia da vontade) mostrava-se
como forma selvagem de dominação, numa sociedade de fortes e fracos, o Estado precisou
intervir para reequilibrar a balança da igualdade.
O mito da neutralidade deita suas raízes no dogma da igualdade perante a lei da
época da Revolução Francesa. No desenvolvimento do conceito de igualdade, se nos fixarmos
na época do surgimento das primeiras constituições liberais, temos que o legislador não podia
estabelecer distinções, a menos que suportada por razões de ordem biológica. Tratava-se do
direito à igualdade formal que tantas discriminações e injustiças concretas produziu.
Na ótica dos Estados liberais burgueses do século XVIII e XIX, o direito à jurisdição
significava apenas o direito formal de propor ou contestar uma ação. Estaria em juízo quem
pudesse suportar o ônus da demanda. A pobreza, ou seja, a desigualdade social ou econômica,
não era objeto de preocupações do Estado.231
A igualdade passou a ser substancial (real), no sentido de que os iguais devem ser
igualmente tratados, ao passo que os desiguais devem ser desigualmente tratados, na exata
medida de suas desigualdades.232
231
232
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 26.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: RT, 1995,
p. 40-41.
118
O art. 5º, caput e o inc. I, da CF estabelecem que todos são iguais perante a lei. Em
relação ao processo civil o princípio da igualdade significa que os litigantes devem receber
tratamento idêntico. A norma do art. 125, inc. I, do CPC teve recepção integral em face do
novo texto constitucional. Tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente iguais e
desigualmente desiguais, de acordo com as suas desigualdades. Eis a proteção da igualdade
substancial e não a isonomia meramente formal.
A igualdade real é conseqüente reação às desigualdades econômicas. As políticas
públicas passaram a ser direcionadas nesse sentido, envolvendo o Estado-legislador e o
Estado-administrador.233 No âmbito Judiciário, o exagerado formalismo processual foi
substituído pela concepção publicística do processo, aplicação do princípio da universalidade
do acesso à Justiça.
As profundas transformações sociais alteraram o comportamento das partes e a
postura do juiz, anteriormente regida pelo princípio dispositivo. Quanto menos igual for o
posicionamento das partes no processo, mais acentuado deve ser os poderes do juiz. A
atribuição de poderes mais amplos ao juiz constitui uma efetiva necessidade decorrente da
transformação que o direito experimentou nas últimas décadas, para resguardar valores
fundamentais do direito dos homens.
5.5 A Efetivação do Processo Ambiental
As transformações ocorridas na sociedade nas três últimas décadas representaram
uma nova visão de acesso à Justiça, novos poderes ao juiz, a questão da igualdade real das
partes no processo, entre outras. Modificaram o aspecto da efetividade do processo.
Sempre existirá uma ação capaz de propiciar, pela adequação de seu provimento, a
tutela efetiva e completa de todos os direitos transindividuais da sociedade a ter um meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
A tendência atual é no sentido de que os direitos, inclusive não-patrimoniais,
principalmente os pertinentes à vida, à saúde, a integridade física e mental e à personalidade
tenham uma tutela mais efetiva e adequada.234
233
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; ANDRADE NERY, Rosa Maria.
Direito processual ambiental brasileiro. Ação civil pública, mandado de segurança, ação popular e
mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 112.
234
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 119-120.
119
O processo vem ganhando um novo sentido, a partir do momento em que a sua
postura publicista também aumentou.235 Essa concepção de processo como Direito Público,
autônomo do Direito Privado, fez com que dúvidas se levantassem a respeito do aspecto de
sua efetividade, seja no sentido de concretizar o seu fim colimado, seja no sentido de ele ser
acessível a todos.
A ação ambiental formula a tutela apta a impor à parte adversa o cumprimento do
dever jurídico que espontaneamente inadimpliu. A defesa irá afirmar a não-incidência da
sanção jurídica pretendida na ação pela ineficácia de direitos materiais subjetivos ou pela
inexistência de direitos materiais subjetivos aptos a autorizar a aplicação de uma sanção.
No processo ambiental busca-se o reconhecimento da possibilidade jurídica de
incidência ou não de uma sanção ao caso concreto. A atividade probatória caracterizará: a
existência ou não de um direito material subjetivo; o descumprimento de um dever jurídico; a
viabilidade ou não da incidência de uma sanção jurídica ao caso concreto.
No julgamento da demanda haverá a constatação sobre a viabilidade da incidência ou
não de uma sanção jurídica. A incidência acarretará a criação de um direito objetivo, oriundo
de um caso concreto que reconheceu a existência de um direito material espontaneamente
ineficaz e que, por isso, contém uma sanção jurídica apta a conferir a devida eficácia forçada.
Por exemplo, elevadas multas diárias a fim de impedir a atividade nociva ou o uso da força
policial para impedir o prosseguimento da atividade poluente.
O procedimento de efetivação realça o aspecto sancionador do direito processual e
permite a concretização da sanção jurídica, a fim de trazer os resultados determinados na
decisão.
5.5.1 O devido processo substantivo ambiental
O art. 5º, inc. LIV, da CF estabelece o princípio do devido processo legal. A lei
vigente é a fonte normativa do sistema processual brasileiro em virtude do princípio da
legalidade; diferentemente do devido processo legal, cuja fonte normativa decorre dos
costumes e da razão. Por isso, a lei é fonte do direito processual. Entretanto, a aplicação dos
costumes e da razão no sistema processual brasileiro é muito pequena.
235
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, RODRIGUES, Marcelo Abelha; ANDRADE NERY, Rosa Maria.
Direito processual ambiental brasileiro. Ação civil pública, mandado de segurança, ação popular e
mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 114-115.
120
O princípio do devido processo legal no sistema processual brasileiro é ineficaz em
virtude do sistema romanístico adotado, que não possui mecanismos para maior participação.
O devido processo substancial é uma face do due process of law, exterioriza a
formação do direito material. Para Nery Júnior com o seu desenvolvimento, o substantive due
process expõe amplamente a proteção dos direitos fundamentais do cidadão.236 Surgido em
1215 o due process substantive aos poucos se expandiu para diversas áreas temáticas.
A regra do due process of law visa a proteger a liberdade dos atos e a propriedade de
um bem. Sua manifestação versa sobre a admissibilidade ou restrição da delegação de poderes
governamentais.
5.5.2 A questão da legitimidade nas ações ambientais
No âmbito da legitimidade pela iniciativa processual de se promover uma ação
ambiental não se pode adotar como critério de averiguação de legitimidade a partir dos efeitos
subjetivos da sentença. O critério deve pautar-se pelo que a ação em si propõe a tutelar. A
ação pode buscar a tutela de direitos individuais ou a ação pode buscar a tutela de direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
A legitimidade ordinária ocorre quando o autor, em nome próprio, tutela um direito
ambiental próprio. O autor é vítima de uma atividade poluente. A legitimidade ordinária na
ação que tutela direito ambiental individual somente poderá ser exercida por pessoa física.
Os efeitos da sentença poderão ser exclusivamente individuais, subjetivamente
homogêneos ou coletivos/difusos. Os efeitos da sentença poderão ser subjetivamente reflexos
ou não. Mas não será a partir de uma hipotética projeção dos efeitos subjetivamente reflexos
que se irá definir a legitimidade ordinária ou extraordinária da ação ambiental.
A legitimidade ordinária para a tutela do meio ambiente também poderá advir
quando a Administração Pública praticar ato lesivo ao meio ambiente, mediante o exercício
da ação popular (art. 5º, inc. LXXIII, da CF).
O cidadão por ser co-proprietário de um bem de uso comum é vítima desse ato lesivo
e terá legitimidade para exercer a ação popular para a tutela do meio ambiente. Busca-se
incentivar a legitimidade ordinária nas ações ambientais como forma de efetivação do
princípio da participação no âmbito processual.
236
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: RT, 1995,
p. 35-37.
121
A legitimidade extraordinária ambiental é um fenômeno processual em que o
legitimado age para a tutela de interesses alheios (difusos, coletivos ou individuais
homogêneos). O legitimado nunca será pessoa física, mas uma instituição pública (MP ou
órgãos governamentais) ou privada (ONGs). A legitimidade extraordinária sempre ocorrerá
no pólo ativo da ação.
Os efeitos da sentença sempre atingirão uma coletividade, determinada ou
determinável. A legitimidade extraordinária sempre será definida por lei (para instituir
funções às instituições públicas) ou por estatuto (para atribuir funções às ONGs). O interesse
surge como extensão da atuação fiscalizadora que o legitimado extraordinário possui.237
Essa atividade fiscalizadora permite o litisconsórcio ativo como forma de defesa da
proteção ambiental que é deferida aos órgãos públicos da União, Estados e Municípios, nos
termos do art. 23, inc. VI, da CF.238
Configurará no pólo passivo da ação ambiental que busque a cessação de atividade
poluente a pessoa física ou jurídica, definida como poluidor. Tanto o poluidor direto como o
indireto são suscetíveis de compor o pólo passivo de qualquer ação que objetive reparar danos
ambientais.
O STJ decidiu pela composição de pólo passivo em ação ambiental de uma empresa
por ser poluidora direta, em litisconsórcio com o Estado e Município, por serem coresponsáveis objetivamente, ante a ausência de fiscalização e pelo fato do Estado ter
repassado a verba ao Município para a realização do empreendimento pelo poluidor direto,239
ou pelo fato do Município, em litisconsórcio com herdeiras de um empreendimento, em razão
de não ter havido a regularização de loteamento,240 pois houve violação de normas de
preservação ambiental, seja do Município porque aprova projeto danoso, seja do
empreendedor que executa tal projeto.241
5.5.3 Ação ambiental
Fiorillo aduz que para a proteção jurisdicional do meio ambiente encontra-se a tutela
de dois direitos fundamentais: o direito à vida (direito fundamental consagrado no art. 5º,
237
TJ/RS, AC nº. 70006370035, 22ª CC, Rel. Des. Mara Larsen Chechi, j. 26/01/06.
BATISTA, Roberto Carlos. Coisa julgada nas ações civis públicas: direitos humanos e garantismo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 49-50.
239
STJ, REsp nº. 604725/PR, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, j. 21/06/05.
240
STJ, REsp nº. 436166/SP, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, j. 26/11/02.
241
STJ, REsp nº. 295797/SP, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/09/01.
238
122
caput da CF) e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (bem jurídico de uso
comum do povo previsto no art. 225 da CF).242
Como os direitos a vida e ao meio ambiente são indisponíveis, qualquer ação
ambiental terá como causa imediata a efetivação da proteção desses direitos. A ação
ambiental torna-se indisponível por buscar a proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente.
A causa de pedir na ação ambiental recebe os postulados da teoria da
individualização, que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional. Permite
maior flexibilização na dedução dos fatos e atribui maior relevo a indicação do direito para o
qual se busca a proteção jurisdicional.
A teoria da substanciação não é viável na ação ambiental, porque somente expõe
pormenorizadamente os fatos constitutivos do direito do autor, eis que sobre eles poderá haver
a construção da tutela jurisdicional pretendida pelo autor. Nesta teoria incide o princípio da
eventualidade, pois o autor deve deduzir todos os fatos e pedidos na primeira oportunidade
processual que lhe é cabível, sob pena de o juiz não os conhecer posteriormente.
O princípio da eventualidade estabiliza a demanda ao manter a causa de pedir que
será objeto da produção de provas, bem como manter os pedidos que serão analisados no
proferimento da sentença. A teoria da substanciação determina que conceitos jurídicos não
podem substituir a descrição dos fatos. Tal teoria caracteriza ações que versem sobre direitos
pessoais, como as que incidem sobre obrigações e direito de família.
A teoria da individualização permite a fungibilidade de tutelas, quando presentes os
requisitos autorizadores para a tutela de um determinado direito. A ação ambiental deverá
seguir a teoria da individualização, eis que persegue a proteção de direitos indisponíveis,
devendo-se admitir a fungibilidade de pretensões entre aquelas que incidem em obrigação de
fazer e de não fazer.
Em termos práticos, isso gera dois efeitos: um, quanto à constituição do direito de
proteção ambiental; outro, quanto à pretensão à tutela jurisdicional. No primeiro
efeito, em razão de haver proteção da vida e do meio ambiente, a causa de pedir
poderá admitir mutações fáticas, se presente a situação de poluição informada na
inicial. Assim, por exemplo, se a causa de pedir narra que determinada empresa está
poluindo um rio porque está despejando fluídos tóxicos, mas na fase instrutória se
verifica que a poluição se dá por emissão de gases, de todo modo a ação ambiental
mostra-se procedente, eis que permitiu a verificação da ocorrência de uma atividade
poluente pela ré e assim propiciou a concessão de tutela jurisdicional protetiva do
meio ambiente, isto é, da vida. No segundo efeito, também amparado na proteção da
vida e do meio ambiente, permite a fungibilidade no modo de cumprimento de tutela
jurisdicional consistente em reparar lesão ou ameaça de poluição. Assim, por
exemplo, se na ação ambiental deduz-se um pedido consistente na obrigação de não
242
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29-33.
123
fazer (ao intento de evitar a ocorrência da poluição), mas, diante das provas
produzidas, verifica-se presente a atividade poluente, deve-se admitir a fungibilidade
da tutela, para consistir em obrigação de fazer. De todo modo, em qualquer caso se
persegue uma condenação do réu, a qual poderá consistir numa obrigação de não
fazer, como pleiteado inicialmente, ou numa obrigação de fazer, como mais
adequado faticamente.243
O pedido de compensação pecuniária, endereçado exclusivamente para compor o
Fundo Ambiental, deverá ser objeto específico em ação própria, dado o seu caráter
patrimonial e por não se destinar à proteção ambiental da situação poluente exposta na ação.
Outra manifestação da teoria da individualização é a que permite a translatividade do
recurso de apelação, eis que a proteção ao direito à vida e a proteção do meio ambiente são
indisponíveis por serem de ordem pública. A questão pode ser examinada pelo juízo ad quem,
mesmo que na sentença recorrida ou até mesmo no recurso de apelação não se tenha suscitado
tal questão, consoante a regra do art. 515 do CPC.
A adoção da teoria da individualização na causa de pedir permite que desde o
primeiro grau de jurisdição já se pré-questione norma constitucional (arts. 5º e 225) para um
futuro e eventual recurso extraordinário. Já se invoca a incidência de normas constitucionais
para compor o conhecimento jurídico de causas ambientais desde o primeiro grau de
jurisdição e assim obter o acesso ao STF para um eventual recurso extraordinário quando
essas normas constitucionais forem mal aplicadas ou mal interpretadas.
5.6 A Tutela Jurisdicional Ambiental
A proteção ambiental poderá ser preventiva ou repressiva. Preventiva ao
cometimento do ato ilícito, para evitar que a ameaça à ocorrência de um ato ilícito se converta
em lesão. A ação ambiental poderá ser proposta em busca da tutela inibitória contra a prática
do ilícito e consistirá na imposição de uma obrigação de não fazer.
Também é possível a imposição de obrigação de fazer a fim de evitar que se prossiga
na atividade ameaçadora ao meio ambiente equilibrado. Por exemplo, a possibilidade de se
efetuar correções em projeto de obra ou serviço ainda não executado a fim de adequá-lo ao
EIA/RIMA.
Seja em sede de decisão interlocutória ou em julgamento definitivo a tutela inibitória
deverá se fundamentar no art. 461 do CPC e criar um novo modelo protetivo ambiental ou que
243
PAULA, Jônatas Luís Moreira de. O devido processo legal ambiental. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira de.
(Coord.). Direito ambiental e cidadania. São Paulo: J. H. Mizuno, 2007, p. 102-103.
124
garanta o resultado prático equivalente, a fim de propiciar a satisfação pela tutela específica
de remoção da ameaça ambiental.
A proteção ambiental repressiva ocorrerá quando a lesão ao meio ambiente já estiver
acontecido, decorrente da ilicitude pelo descumprimento de normas ambientais ou pelo dano
ambiental. Na lesão jurídica formal a ação ambiental terá caráter repressivo a fim de, por
exemplo, determinar a readequação de obra em execução ao EIA/RIMA. A tutela
jurisdicional objetiva remover a ilicitude, sem a necessidade remoção ou reparação dos danos,
pois ainda não ocorreram.
A produção da poluição já envolve uma complexidade de atos a serem realizados.
Urge cessar e reparar o dano causado através da tutela de remoção do dano e a imposição de
obrigação de fazer. Posteriormente incide a obrigação de não fazer para cessar a ilicitude, a
fim de que não se retorne à prática da atividade poluente através de uma tutela específica de
remoção do ilícito.
As obrigações de fazer e não fazer poderão ser realizadas pelo próprio poluidor ou
com o auxílio de co-responsáveis que exigirá a imposição de uma obrigação de dar quantia
determinada, com a possibilidade de imediato seqüestro de dinheiro dos mesmos para a
consecução de tal finalidade.
As obrigações de fazer, não fazer e dar quantia determinada, quando destinadas a
remover o dano e o ilícito ambiental poderão ser concedidas de ofício pelo juiz se aquelas
requeridas na ação ambiental se mostrarem insuficientes para a satisfação da tutela específica.
O meio ambiente é um direito indisponível, eis que necessário para proteger a vida, e assim
propiciar a utilização da teoria da individualização da causa de pedir.
Haverá a imposição da obrigação de dar quantia determinada a fim de impor ao
poluidor e a eventuais co-responsáveis o pagamento de multa a ser revertida para o Fundo
Ambiental, segundo o art. 475-J do CPC.
A ação ambiental envolve uma fase instrutória que se destina a investigar a
ocorrência de ilicitude ou dano ambiental e cuja prova essencial será pericial. Poderá seguir o
rito ordinário ou sumário. O rito sumário é mais célere e colima com os fins buscados na ação
ambiental.
As ações ambientais que tutelam entre si direitos individuais, coletivos e difusos,
possuindo a mesma causa de pedir deverão ser reunidas perante o juízo prevento para serem
processadas em apenso. Aplica-se a regra dos arts. 103 e 105 do CPC.
O TJ/RS decidiu no sentido de que é cabível a inversão do ônus da prova nas
relações jurídicas vinculadas a interesses difusos, coletivos e individuais referentes a danos
125
ambientais. No julgado em tela a inversão do ônus da prova serviu para impor ao requerido os
custos da perícia legal (art. 6º, inc. VIII, da Lei nº. 8.078/90).244
A competência para o processamento de causas ambientais pode ser assim
estabelecida: 1) se a ameaça ou lesão ambiental não atingir bens, serviços ou interesses da
União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais, será da competência da Justiça
Estadual apreciar a ação ambiental;245 2) caso negativo, a ação ambiental será proposta pela
Justiça Estadual, quando houver ameaça ou lesão ambiental a bens, serviços ou interesses dos
Estados ou Municípios, ou suas respectivas entidades autárquicas ou empresas públicas.
Se o dano ambiental envolver dois ou mais Estados a competência se deslocará para
a Justiça Federal e em circunscrição judiciária que abranja o local da ocorrência da
ilicitude.246 Tratando-se de ação em que se visa à indenização em decorrência de restrição de
uso de propriedade particular imposta pela Administração Pública, para fins de proteção
ambiental, deve ser promovida no foro da situação do imóvel, eis que se trata de
desapropriação indireta, portanto demanda de natureza real, nos termos do art. 95 do CPC.247
O STJ decidiu em sede de conflito de competência que demandas propostas pelo
Ministério Público Federal e Estadual visando a impedir a concessão de licenças ambientais
para instalação de usina hidrelétrica, a competência para o julgamento é da Justiça Federal. O
fundamento utilizado é que o pedido feito pelo Parquet Federal é mais abrangente,
envolvendo não só a participação de órgãos estaduais no licenciamento, mas também o
IBAMA.248
No processo ambiental deve-se reservar um espaço de tempo para colher a defesa do
réu. Os modos de realização de defesa não irão modificar-se com a estrutura procedimental
utilizada na ação ambiental, eis que não cabe reconvenção, nem pedido contraposto. É
inadmissível ação para “autoriza” o exercício de atividade poluente a ser exercido pelo réureconvinte.
Caberá ao demandado o exercício pleno da contestação, com a dedução de objeções
processuais, objeções e exceções materiais e fatos negativos, exceções processuais,
requerimento para integralização de litisconsórcio necessário ou para desintegralização de
litisconsórcio facultativo, bem como as formas de intervenção de terceiros. O réu poderá terá
o ônus de produzir prova, consoante o art. 333, inc. II, do CPC.
244
TJ/RS, AgIn nº. 70021834494, Rel. Wellington Pacheco Barros, j. 19/12/07, DJ 11/01/08.
STJ, CC nº. 38573/RS, 3ª S., Rel. Min. Paulo Medina, j. 17/05/04.
246
STJ, CC nº. 3911/RJ, 1ª S., Rel. Min. Luiz Fux, j. 13/12/04.
247
STJ, REsp nº. 307535/SP, 1ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, j. 12/03/02.
248
STJ, CC nº. 80237/PR, 1ª T., Rel. Min. José Delgado.
245
126
A constatação de atividade poluente deverá advir de prova pericial, documental,
testemunhal ou até mesmo pelo depoimento das partes. A prova pericial será realizada,
preferencialmente, por órgão ambiental público, dada sua capacidade técnica especializada.
Em razão do princípio da individualização da causa de pedir a prova pericial deverá
demonstrar a ocorrência de algumas das hipóteses do art. 3º, inc. II, da Lei 6.938/81, que
estabelece genericamente a ocorrência da poluição se houver degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde,
segurança, bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividade sociais e
econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões
ambientais estabelecidos.
O EIA/RIMA é uma forma de obter a prova pericial. São indispensáveis para a
realização de obras ou serviços que apresentem potencial poluente. Integra o espectro de
atividades da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inc. III, da Lei nº. 6.938/81).
Os efeitos da sentença não se confundem com os efeitos da coisa julgada, a despeito
de o art. 467 do CPC afirmar ser a coisa julgada um efeito da sentença. Efeitos da sentença é o
resultado de uma atividade da qual se espera uma eficiência, se referem à eficiência do
julgado, versam sobre a eficiência material da jurisdição pronunciada. Efeitos da coisa julgada
se referem à eficiência da prestação jurisdicional, se referem à eficiência política da jurisdição
prestada no processo.
Os efeitos da sentença se dividem em imediatos e mediatos. Imediatos porque
decorrem do ato de sentenciar, se subdividem em: extinção do processo, pronunciamento da
tutela jurisdicional, esgotamento do ofício jurisdicional.
A não interposição de recurso acarreta a formal extinção do processo, tendo havido
ou não o exame do mérito da lide. O pronunciamento da tutela jurisdicional é um efeito
imediato da sentença que surge, prévia e potencialmente, a partir da propositura da ação e o
desenvolvimento do processo. Trata-se de um direito subjetivo público do litigante, em razão
do princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Através do esgotamento do ofício jurisdicional o Estado cumpre seu papel de
pronunciar a tutela jurisdicional, independente se favorável a uma ou a outra parte. Sobre
qualquer sentença incidirá a preclusão pro judicato, o que impedirá o juiz proferir novo
julgamento sobre a lide, salvo se houver nulidade da sentença pelo tribunal ad quem em razão
de provimento de recurso.
127
Os efeitos mediatos da sentença decorrem da solução que foi dada no julgamento e
se subdividem em principal e secundário. Principal porque se refere à tutela jurisdicional que
foi outorgada, isoladamente ou em conjunto, na sentença. Poderá ser uma tutela jurisdicional
declaratória, constitutiva, desconstitutiva, mandamental, executiva lato ou stricto sensu ou
cautelar.
Na sentença ambiental o réu deverá ser condenado compulsoriamente a cumprir uma
obrigação de fazer, não fazer ou dar quantia determinada. Os efeitos dessa tutela condenatória
poderão ser ex tunc, quando tratar-se de reparação de dano ambiental, ou ex nunc, quando não
objetivar tal reparação.
O conteúdo do efeito mediato principal na sentença ambiental terá por parâmetro a
possibilidade de o juiz criar um standard jurídico para que se propicie a devida
efetivação; por isso, os artigos 461 e 475-J do CPC terão imensa influência no
momento da elaboração do julgamento.249
O efeito mediato secundário é conseqüência do efeito principal, não possui
autonomia judicial, pois está interligado com a tutela jurisdicional concedida na sentença, por
exemplo, a condenação do vencido à sucumbência.
Nas ações ambientais o efeito secundário da sentença pode ser caracterizado como a
suspensão das atividades da empresa poluidora, a condenação em multa ambiental, a restrição
de benefícios fiscais e de linhas de financiamento, a proibição do poluidor em contratar com a
Administração Pública (art. 72, § 8º, da Lei nº. 9.605/81). Nestes exemplos, se a ação
ambiental fosse julgada improcedente os efeitos não subsistiriam.
Os efeitos da coisa julgada são: a imutabilidade do comando judicial e a
indiscutibilidade da lide. Imutabilidade do comando judicial significa que a tutela
jurisdicional concedida na sentença transitada em julgado não mais poderá ser modificada no
processo em que surgiu. Decorre do efeito do trânsito em julgado da sentença e conseqüente
extinção do processo. Torna-se juridicamente impossível modificar a tutela jurisdicional
concedida no processo, pelo simples fato de ter havido a sua extinção.
Indiscutibilidade da lide decorre do trânsito em julgado. O sucumbente não interpôs
recurso ou interpôs intempestivamente ou o recurso não foi recebido ou se esgotaram todas as
vias recursais cabíveis. O trânsito em julgado não surge da extinção do processo, mas de uma
inatividade da parte ou de um indeferimento do relator ou de esgotamento das vias recursais.
249
PAULA, Jônatas Luís Moreira de. O devido processo legal ambiental. In: PAULA, Jônatas Luiz Moreira de.
(Coord.). Direito ambiental e cidadania. São Paulo: J. H. Mizuno, 2007, p. 113.
128
A indiscutibilidade da lide é o efeito que transcende ao processo em que surgiu, para
atingir os litigantes na vida real, a ponto de inviabilizar qualquer demanda que eventualmente
seja renovada. A lide objeto de apreciação na sentença transitada em julgado torna-se
insuscetível de modificação. Este efeito somente ocorre na sentença que examinou o mérito
da ação, ou seja, a lide no âmbito substancial.
Os dois efeitos do julgamento da coisa julgada somente advirão de sentença
transitada em julgado que tenha examinado o mérito da demanda, eis a coisa julgada material.
É possível que haja apenas o efeito da imutabilidade do comando judicial na sentença
transitada em julgado que não examinou o mérito da demanda, eis a coisa julgada formal.
Ainda não há uma disciplina normativa específica sobre a coisa julgada ambiental.
Por isso, há que invocar a incidência do art. 103 do CDC para disciplinar a coisa julgada nas
ações coletivas e os artigos 467 a 475 do CPC sobre a coisa julgada em ações individuais.
Os efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado são:
1) Efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado em um processo ambiental
que discute direitos individuais:
a) inter-partes – quando a demanda ambiental versar sobre direitos individuais, por
exemplo, a poluição sonora de uma empresa somente atinge o vizinho;
b) inter-partes, mas com efeitos reflexos, quando a demanda ambiental versar sobre
direitos individuais homogêneos, por exemplo, a poluição sonora que atinge alguns poucos
vizinhos, mas somente um deles propõe a ação ambiental. Nesta subespécie os demais
vizinhos se aproveitarão do julgamento transitado em julgado sem que litigassem em juízo
sob o regime de litisconsórcio facultativo, como prevê o art. 81, inc. II, do CDC. Poderia
qualquer vizinho ingressar na qualidade de assistente, que seria sob a modalidade
litisconsorcial ou qualificada (art. 54 do CPC).
2) Efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado em um processo ambiental
que discute direitos coletivos:
a) ultra partes – projetará seus efeitos sobre um grupo determinado, categoria ou
classe, de natureza indivisível, que é possível determinar no processo. Por exemplo, a ação
ambiental que visa a eliminar a atividade poluente sobre um bairro residencial, ou que visa a
proteger as condições ambientais de um grupo de trabalhadores;
b) secundum eventum litis – permitirá a qualquer legitimado, extraordinário ou
ordinário, propor ação ambiental, desde que a sentença transitada em julgado não tenha
julgado o mérito, ou, se examinou o mérito, o pedido não procedeu por insuficiência de
129
provas, ou por motivo que não seja a constatação da inexistência de atividade poluente. Essa
espécie está fundamentada pelo art. 103, inc. II do CDC.
3) Efeitos subjetivos do julgamento transitado em julgado, em um processo
ambiental que discute direitos difusos:
a) erga omnes – projetará seus efeitos sobre toda sociedade, de natureza indivisível,
que no processo se encontra indeterminada. Por exemplo, ação ambiental que protege a biota;
b) secundum eventum litis – permitirá a qualquer legitimado extraordinário ou
ordinário propor ação ambiental, desde que a sentença transitada em julgado não tenha
julgado o mérito, ou, se examinou o mérito, o pedido não procedeu por insuficiência de
provas, ou por outro motivo que não seja a constatação da inexistência de atividade poluente.
Essa espécie se fulcra no art. 103, inc. I, do CDC.
5.7 Comparação entre a Coisa Julgada Coletiva Brasileira e a Americana
A coisa julgada coletiva brasileira é muito diferente da coisa julgada americana,
principalmente quanto aos efeitos. Entretanto, no âmbito da relativização da coisa julgada
ambiental a experiência americana é melhor desenvolvida no sentido de trazer uma brilhante
interpretação ao Judiciário brasileiro.
Trata-se do fim de uma utópica segurança jurídica e o privilégio da efetividade, do
acesso ao Judiciário, do direito à vida e da interpretação integrada dos princípios da dignidade
da pessoa humana, da proporcionalidade e da participação.
A coisa julgada coletiva do ordenamento americano é diferente. Por um lado, ela é
mais inflexível que a do ordenamento brasileiro. Se todos os requisitos impostos
pela lei forem respeitados durante a condução do processo coletivo (a saber,
adequação do representante e do advogado, tipicidade da lide, notificação aos
membros ausentes etc.), a coisa julgada coletiva se formará em face de todos os
membros do grupo (tal qual delimitado na sentença ou no acordo)
independentemente do resultado da demanda (erga omnes e pro et contra). Por outro
lado, o ordenamento americano dispõe de técnicas e instrumentos que tornam o
processo coletivo mais adequado e flexibilizam a incidência da coisa julgada
coletiva, se tais normas não forem respeitadas.250
É exatamente esta flexibilidade da coisa julgada que falta no direito brasileiro, ante a
ausência de avanço científico na demonstração do dano ambiental. Nesta hipótese,
250
GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 287.
130
fundamentada principalmente no direito à vida, no princípio da dignidade da pessoa humana e
no princípio da proporcionalidade a coisa julgada em matéria ambiental deve ser relativizada.
Referida hipótese não deve ser confundida com o trânsito em julgado da ação
coletiva por falta de provas, quando o juiz reconhece expressamente na sua fundamentação
que julga por insuficiência de provas. Trata-se da hipótese em que o desenvolvimento da
ciência na época da sentença não estava desenvolvido o suficiente para sequer imaginar a
possibilidade de um futuro dano ambiental de conseqüências gravíssimas decorrente do dano
ambiental julgado na ação ambiental em tela. As partes, nem o mesmo o juiz terá como saber
que alguma prova relevante deixou de ser produzida.
A regra no direito processual civil americano é a de que o juiz não está em condições
de determinar o efeito da coisa julgada das suas próprias decisões. Seguindo esta sábia norma,
o direito brasileiro deve ser interpretado de forma a não exigir que o juiz expressa ou
implicitamente reconheça a falta de prova.
Portanto, segundo pensamos, se a qualquer momento depois da decisão uma nova
prova for descoberta que possa alterar a decisão do caso, a ação coletiva poderá ser
reproposta. Essa interpretação liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na
prática e não seja indevidamente limitada por uma exigência que não está na lei nem
deriva do bom sensu.251
O trabalho em tela não defende a alegação de que a decisão coletiva original se
baseou em insuficiência probatória para destituir a imutabilidade da sentença coletiva. É
necessário apresentar uma nova prova na petição inicial de uma nova ação ambiental
comprovando o avanço tecnológico no sentido de comprovar a existência do dano ambiental
decorrente do dano ambiental anterior. Desta forma, o juiz deverá aceitar a repropositura da
ação ambiental.
Enquanto a legislação não é alterada de forma a incluir esta hipótese, a sentença
ambiental é imutável, ou seja, faz coisa julgada. Ao contrário do que ocorre com a
necessidade de apresentar “documento novo” nas ações rescisórias, não é necessário
demonstrar que a prova era pré-existente, ou que se ignorava sua existência ou que não se
pôde fazer uso dela no processo original. A mera apresentação da nova prova é suficiente para
251
GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 287. Cf. GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em
ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 131-135; LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas:
história, teoria e prática, Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 204; BRAGA, Renato Rocha. A coisa julgada nas
demandas coletivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 135-137; GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações
coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada, Revista iberoamericana de
derecho procesal, Buenos Aires, n. 1, 2002, p. 11-24.
131
a reabertura do processo. A nova prova pode, inclusive, derivar de um desenvolvimento da
ciência.
Igualmente, ao contrário do que ocorre com o ‘documento novo’ nas ações
rescisórias, a nova prova não precisa ser capaz, por si só, de assegurar
pronunciamento favorável ao grupo. Todavia ela deve ser suficientemente relevante
para justificar a possibilidade de um resultado diferente. O juiz da segunda ação
coletiva deverá avaliar todas as provas disponíveis nos autos, inclusive aquelas
consideradas insuficientes na ação anterior. Todavia, o juiz da segunda ação não
deve rejulgar a causa, desconsiderando a decisão anterior: ele somente poderá alterar
o resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova prova
apresentada.252
Assim como a ação rescisória corresponde a um instrumento de relativizar a coisa
julgada nas hipóteses taxativamente previstas em lei, a relativização da coisa julgada
ambiental deverá ocorrer de forma específica, a fim de privilegiar uma coerente interpretação
do ordenamento jurídico.
A tendência mundial é a universalização do modelo das class actions, sem dúvida o
mais bem sucedido e difundido entre os ordenamentos jurídicos do common law e do civil
law. Essa tendência pode ser notada no Projeto de Código de Processo Civil Coletivo para a
Ibero-América e no Projeto de Antônio Gidi.
O modelo brasileiro auxilia em muito na passagem das normas abertas do direito
norte-americano para os ordenamentos de civil law. Temas importantes como a
definição do conceito de direitos coletivos lato sensu, a disciplina peculiar da
legitimação por substituição processual e a extensão da coisa julgada secundum
eventum litis ou secundum eventum probationis são peculiaridades próprias do
direito brasileiro que se repetem nos projetos para a harmonização das regras sobre
processos coletivos nos países de civil law.253
A especial abertura do ordenamento brasileiro aos modelos norte-americanos se deve
também a forte influência da tradição constitucional. O processo constitucional, com ações
como a de MS e a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade, bem como a
configuração do Poder Judiciário como poder revisor dos atos dos demais poderes (judicial
review) são a prolífica herança da Constituição de 1891 e de Rui Barbosa, inspiradas na
Constituição Norte-Americana.
5.7.1 A contribuição da hermenêutica constitucional americana na tutela ambiental
252
GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 286.
253
DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo.
Salvador: Juspodivm, 2007, v. 4, p. 58.
132
O meio ambiente é direito fundamental e bem jurídico essencial para o ser humano.
A hermenêutica constitucional americana constitui importante ferramenta para concretizar as
políticas públicas ambientais, visando a democratizar a aplicação do Direito.
O sociólogo Ulrich Beck denomina sociedade de risco a incerteza gerada pela
impossibilidade de antever os resultados multidimensionais acarretados pelo avanço
científico.254 A globalização caracterizou o pluralismo transnacional, uma ruptura com a idéia
de estabilidade do Direito. O meio ambiente atual é o reflexo de séculos de exploração
irresponsável. A busca incessante pela riqueza e o progresso coloca o ser humano em risco.
A sociedade de risco é caracterizada pela irresponsabilidade organizada, pelo estado
de segurança e pela explosividade social. A irresponsabilidade organizada é um dos principais
obstáculos da sociedade pós-moderna à efetividade do acesso coletivo à Justiça. O modelo de
regulação da sociedade atual já não é suficiente para garantir o estado de segurança idealizado
pelos brasileiros. A incerteza dos riscos futuros provoca tensões na organização social
acarretando a explosividade social.
“O direito não é o passado que condiciona o presente, mas o presente que constrói o
futuro”.255 Urge uma efetiva participação da sociedade civil organizada no processo de
controle dos riscos e a cooperação internacional na luta aos riscos advindos das novas
tecnologias. Os Estados Unidos possuem uma história voltada à tecnologia e ao
desenvolvimento em detrimento da proteção ambiental.
A hermenêutica constitucional americana criou uma nova relação entre o texto
normativo e o intérprete ao possibilitar a abertura da norma para a participação popular e a
adequação dos textos legais à realidade social. Trata-se de importante ferramenta para
concretizar a defesa ambiental. O objetivo é reduzir os riscos aplicando esta nova realidade à
tutela ambiental, pela integração entre o texto e as relações fáticas. Julgamentos mais éticos e
Justos são possíveis com a democratização da aplicação do Direito.
Os métodos modernos e o pensamento inovador da hermenêutica constitucional
americana devem ser utilizados na política ambiental brasileira. O fito é a abertura da norma
ambiental brasileira para superar os riscos do desenvolvimento tecnológico e do crescimento
industrial, trazendo a modernização dos americanos para a realidade brasileira. Permite a
reflexão sobre os riscos trazidos pelo progresso tecnológico.
254
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 11.
255
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 5. ed. São Paulo: Thomson-IOB,
2004, p. 10.
133
Dworkin inova a filosofia jurídica ao estabelecer um novo raciocínio voltado à forma
de pensar e de aplicar a interpretação constitucional aos fatos sociais da realidade. Na solução
de um problema constitucional é necessário saber qual é a vontade do povo, conhecer a moral
política coletiva, isto é, a vontade da maioria respeitando a minoria. Estabelece uma
importante diferença entre a interpretação nas ciências do espírito e a interpretação nas
ciências exatas. A interpretação da norma contida no ordenamento jurídico – objeto das
ciências de espírito – é “propositiva e construtiva”.256
Propositiva no sentido de que algo é proposto para o sentido da norma. Os propósitos
são do intérprete e não do autor. É construtiva na proporção em que seu resultado não é algo
anteriormente dado (como nas ciências exatas), mas sim uma resposta construída a partir da
interpretação. O caráter construtivo da interpretação constitucional é analisado na vinculação
entre os propósitos do intérprete e os limites impostos pelo objeto.
A interpretação é um ato de criação limitado pelos elementos constitutivos do objeto.
Há um sentido coletivo para cada norma jurídica e para cada sujeito interpretado. Ocorre a
fusão do momento do legislador (que estabelece os valores do sentido coletivo) com o
momento do intérprete (que se utiliza destes valores). O resultado da interpretação deve ser o
mais sensato possível.
Há somente uma resposta certa a ser dada para cada problema de interpretação,
obtida através da moral política coletiva, ou seja, do pensamento majoritário da sociedade
sobre determinado objeto, inerente ao respeito da minoria. A resposta correta é a que melhor
se adapta à aplicação do direito, porque corresponde à moral política coletiva e busca uma
interpretação mais sustentável dentre as existentes.
Mesmo quando o intérprete se depara com casos mais complexos deverá aplicar a
igual solução. A lacuna na lei não significa uma lacuna do Direito, pois sempre existirá
apenas uma resposta correta proveniente da moral política coletiva. Isto ocorre mesmo se a lei
for omissa. Segundo Dworkin “mesmo quando nenhuma norma estabelecida resolva o caso, é
possível que uma das partes tenha direito a ganhá-lo”.257 A moral política coletiva não é
facilmente verificada na sociedade, cabe ao intérprete buscar o sentido da norma.
A busca por essa consciência é uma difícil tarefa, razão pela qual Dworkin estabelece
três etapas, a saber: a pré-interpretativa, a interpretativa e a pós-interpretativa.258 A etapa préinterpretativa representa a identificação do objeto que será interpretado, é a compreensão se
256
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 63-64.
Id., Ibid., p. 63-64.
258
Id., Ibid., p. 81-82.
257
134
uma proposição normativa é de direito ou somente convenção social. Limita-se o objeto que
se mostra genérico e abstrato, como produto do acaso.
A etapa interpretativa busca argumento para os elementos da etapa anterior. O
intérprete precisa de uma teoria que garanta a melhor maneira de abordar o material jurídico.
Trata-se da fase de identificação do valor agregado ao objeto que explica a existência de
algumas finalidades a serem alcançadas. A etapa pós-interpretativa visa a adequar os objetivos
da prática ao argumento encontrado na fase interpretativa. Depois de identificado o valor do
objeto, muda-se o objeto e verifica-se o sentido desses valores.
Diante de um conflito de interesses o intérprete precisa encontrar uma única resposta
correta para superá-lo. A sociedade deve buscar as justificativas para embasar suas decisões.
Para alcançar esta finalidade, é necessário compreender os valores da moral política coletiva e
entender quais os valores mais importantes para a sociedade.
Em situações complexas deve-se relacionar a interpretação à prática jurídica,
evidenciando sua finalidade. Na concepção de Dworkin a interpretação do Direito “deve
demonstrar seu valor, em termos políticos, demonstrando o melhor princípio ou política a que
serve”.259
Existindo dois argumentos bons para a interpretação, a dimensão da moralidade
política se fundamenta na escolha daquele que represente uma teoria sólida quanto aos valores
inerentes à sociedade. Trata-se de uma maior liberdade de interpretação. Além da précompreensão coletiva há uma pré-compreensão individual no instante em que o intérprete
aplica a moral coletiva ao caso concreto, pois é necessário utilizar seus próprios valores.
Hart Ely critica o tipo de canal que deve ser criado para se descobrir o pensamento
das pessoas. A resposta está na democracia participativa e na procedimentalização
democrática que representam uma ampla participação popular, como associações, ou
participações individuais que ressaltam a sociedade civil organizada. Baseia-se no conceito de
Constituição aberta democrática. Todos são dominados pelos governantes e a eles se
submetem. Eis a democracia participativa.260
Democracia participativa caracteriza a participação de todos nos debates travados
pelo governo. É a essência da expressão “democracia”. Para sua concretização é necessária a
procedimentalização, ou seja, abertura de vários canais de comunicação para facilitar a
atuação direta ou indireta de todos nas discussões jurídicas. Abertura objetiva (liberdade para
259
260
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 239.
BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.
205.
135
o intérprete criar o direito na aplicação da norma ao caso concreto) e subjetiva do Direito
(evita o totalitarismo do intérprete e permite a participação popular).
As respostas para as questões jurídicas podem ser encontradas no processo de
democratização dos espaços de interpretação e aplicação do Direito. A abertura subjetiva
assegura a participação da população nos processos formais de produção normativa. O
objetivo é “iluminar caminhos que conduzam a uma democracia participativa, aquela
democracia de emancipação dos povos da periferia”261 e atingir a democracia plena, buscando
na coletividade a solução para a interpretação dos problemas constitucionais.
Perry advoga no sentido de que o direito deve agir como ferramenta para a defesa da
minoria, especialmente quando prevalecem interesses majoritários que levam à agressão de
um direito fundamental da minoria. “A função básica dessa prática é enfrentar os assuntos
políticos de forma fiel à noção de evolução moral, não invocando simplesmente convenções
morais estabelecidas, senão considerando tais assuntos como oportunidades para a
revaloração moral e um possível crescimento moral”.262
Trata-se de fazer do direito uma técnica de proteção da minoria, sob o fundamento da
democracia material. O juiz é cúmplice do processo de dominação dos interesses majoritários
e está legitimado apenas para satisfazer os desejos da maioria. A hermenêutica jurídica é uma
construção judicial da CF.
Os Poderes Executivo e Legislativo legitimam-se através das eleições para
prevalecer a vontade coletiva. Entretanto, o Poder Judiciário apresenta uma forma diferente de
seleção de seus representantes, o que resulta em uma maior possibilidade de aplicar o direito
independente da opinião da maioria. A solução do caso concreto deve ser sopesada para que a
maioria não domine excessivamente a minoria. O Direito deverá ser aplicado para tutelar os
direitos da minoria e efetivar a democracia.
Deve-se construir uma Constituição aberta que permite a busca de fontes (tais como
a moral) não expressas no texto normativo, que repercutem na interpretação criativa. Eis a
construção do Direito no momento de sua aplicação ao caso concreto. O intérprete é livre na
aplicação da proposição normativa e deve buscar a Justiça e não o expresso em lei.
Perry adota o método interpretativista mais brando em algumas hipóteses concretas.
Por ex., na técnica do judicial review a Corte Constitucional aplica preceitos interpretativistas
261
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de
luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legalidade. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 7.
262
PERRY, Michael apud PORRAS, Dourado. El debate sobre el control de constitucionalidad em los
Estados Unidos. Madrid: Instituto de derechos humanos “Bartolomeu de Las Casas”, 1997, p. 101.
136
ao declarar se a norma é ou não constitucional a partir da utilização de valores especificados
pelo constituinte originário.263 Na maioria dos problemas constitucionais, as transformações
sociais exigem que os valores sejam firmados, não pelo legislador, mas sim pelo intérprete.
Rawls defende a Justiça social sob o enfoque da social democracia. As quatro
funções da filosofia são partes da cultura política pública, assim discriminadas: resolver o
problema da ordem diante de conflitos irreconciliáveis; contribuir na construção do novo
pensamento das instituições políticas e sociais, estabelecendo status políticos (cidadania e
democracia); conciliação entre membros dos grupos sociais, apaziguando frustrações e
aceitando o mundo racionalmente; limitar a possibilidade política praticável.264
O Direito dos povos é uma concepção política particular de Direito e Justiça que se
aplicaria aos princípios e normas do Direito e das práticas internacionais. Para que se tenha no
Direito dos Povos uma sociedade democrática constitucional razoavelmente Justa, Rawls
apresenta sete condições para uma Justiça realista, a saber:
a) deve ela valer-se das leis da natureza e possuir estabilidade, que viria a partir do
senso de Justiça;
b) que seus primeiros princípios e preceitos sejam funcionais e aplicáveis a arranjos
políticos e sociais em andamento;
c) o uso de idéias, princípios e conceitos (morais) para especificar uma sociedade
razoável e Justa;
d) exigência de que a categoria do político contenha em si todos os elementos
essenciais para uma concepção política de Justiça, como a concepção de cidadão livre e de
uma política liberal;
e) a existência de instituições políticas e sociais que conduzem seus cidadãos a
adquirir um sentido adequado de Justiça à medida que crescem e participam da sociedade;
f) estabilidade social suficiente para fazer frente à diversidade religiosa, filosófica ou
política;
g) existência de uma idéia razoável de tolerância, derivada de idéias extraídas da
categoria do político.265
Rawls concebe os direitos humanos sob dois enfoques: um como integrante de
Justiça política liberal e como um subconjunto dos direitos e liberdades assegurados a todos
263
PERRY, Michael. The constitution and human rights, na inquiry into the legitimacy of constitutional
policymaking by the judiciary. Yale: Yale University, 1982, p. 10.
264
RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. Erin Kelly (Org.). Tradução Claudia Berliner.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 1-6.
265
RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 1722.
137
os cidadãos livres e iguais num regime democrático liberal e constitucional; outro, como
integrante a uma forma social associativa, onde qualifica as pessoas numa situação que
precede ao grupo – associações, corporações e Estados – eis que são membros do grupo e por
isso têm direitos e liberdades que as capacitam a cumprir seus direitos e obrigações e a
participar de um sistema decente de cooperação social. Para Rawls os direitos humanos são
necessários para qualquer sistema de cooperação social.266
Compatibilizam-se as questões surgidas das exigências de liberdade e igualdade,
instituídas a partir da construção teórica da Justiça como eqüidade. Concebe-se a sociedade
como um sistema eqüitativo de cooperação social que se perpetua de uma geração para a
outra. Este enfoque pode ser perfeitamente adaptado na interpretação do Direito Ambiental de
maneira eficaz.
Tendo em vista as doutrinas acima transcritas, a utilização da hermenêutica
constitucional americana na norma ambiental brasileira pode ser benéfica aos brasileiros,
levando em consideração a sociedade de risco atual. As minorias não seriam prejudicadas
com o desrespeito dos direitos humanos fundamentais, pois estariam juridicamente tuteladas.
5.7.2 A hermenêutica como instrumento de proteção ao meio ambiente
Embora não seja considerada norma constitucional propriamente dita, a
hermenêutica traça diretrizes políticas, filosóficas, ideológicas e linhas mestras interpretativas.
Representa instrumento integrador do direito, fato jurídico e justiça social.
A hermenêutica objetiva interpretar e aplicar no caso concreto o sentido e o alcance
das normas jurídicas. Proporciona fundamentação argumentativa na solução dos conflitos.
Através dela o jurista é cientista e aproveita do positivismo sua melhor contribuição.267
No âmbito processual as tutelas do meio ambiente são prestadas no regime da
prudência e da vigilância.268 Inexistia uma língua intermediária para conciliar os valores em
conflito. A lei e os códigos deveriam ser fielmente seguidos pelo legislador, como base da
dogmática jurídica.269
266
RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 8889.
267
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A cultura do jurista. Formação jurídica. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p.
128.
268
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental: O princípio da precaução e sua aplicação judicial, Revista
de direito ambiental, RT, São Paulo, n. 21, 2001, p. 99.
269
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 107.
138
Com o passar dos tempos todas as normas jurídicas foram confeccionadas levando
em consideração interesses (morais, religiosos, sociais) estabelecidos naturalmente pela
sociedade. Influenciada por esta tendência a dogmática jurídica desencadeou a livre
investigação cientifica, enfatizando o aspecto criador do saber jurídico.270
Na ciência jurídica todas as normas são passíveis de interpretação. O problema é que
todas as normas trazem valores (sociais, morais, ideológicos), qual método interpretativo deve
ser utilizado? Qual valor deve prevalecer?
A hermenêutica constitui-se na criação de condições argumentativas razoáveis que
fundamentam a decidibilidade. Consiste na captação dos valores implícitos na estrutura do
paradigma jurídico-dogmático, enquanto considerado absoluto e adequá-lo para os interesses
do direito socialmente aplicado.
“A lei nunca é em si mesma nunca é ela mesma, porque somente se apresenta,
aparece para nós mediante uma simbolização”.271 Aplicar a lei visando a reunir análises
axiológicas de cada preceito normativo dentro do sistema. O significado do objeto é atribuído
pelo sujeito, não é algo que sai do objeto e que o sujeito apreende.
O trabalho do intérprete deve partir sempre do novo272 é um trabalho construtivo de
natureza criativa de adjudicação do sentido da norma273 e de respeito aos valores sociais,
calcado no sistema lógico e valorativo da lei, funcionando como instrumento de ligação no
sentido de criar a congruência da norma positivada (legalidade) com o fato desencadeado
(fenômeno social), através de um método proporcional de interpretação, crítica, lógica,
dialética, fundamentado no bom-senso.
O princípio da proporcionalidade funciona como uma balança evitando excesso no
respeito ao princípio da legalidade, considerando-o relativo para admitir uma interpretação
que caracteriza o fenômeno social uma parte da vida coletiva em uma interpretação
sociológica do direito.
A doutrina de muito tempo vem tentando decifrar o fato do dinamismo nas mudanças
de interesses dos valores sociais.274 Os valores sociais são conceitos estabelecidos pelo
270
271
272
273
274
COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.
226.
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 240.
SILVA, Keely Susane Alflen da Silva. Hermenêutica jurídica e concretização judicial. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 2000, p. 75.
ANDRADE, André Gustavo de. (Org). A constitucionalização do direito: a Constituição como locus da
hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 114.
SICHES, Recásens. Tratado de sociologia. Porto Alegre: Globo, 1970, p. 306. Desde remotos tempos, os
fatos da mudança social fascinaram a mente humana, e ainda hoje eles formulam alguns dos mais sérios
problemas sociológicos, ainda não solucionados. Por exemplo: qual é a direção da mudança social? Orienta-
139
próprio homem que é por excelência zetético, ou seja, investigador e em razão disso, há uma
evolução do conhecimento, da tecnologia que inerente aos anseios sociais do mundo
contemporâneo. Por isso, o objeto de conhecimento nunca será o mesmo, sempre haverá
modificação no conceito desse objeto, sob o ponto de vista da época e dos interesses
justificadores.
A função do julgador, de real importância para o Direito, deve embasar-se sobre um
tripé que implica em três noções que procuram responder a seguinte pergunta: Como deveria
ser a formação do juiz brasileiro? a) A preparação envolvendo a Escola Superior da
Magistratura; b) a participação em curso destinado ao treinamento das técnicas da função
depois de aprovado e nomeado; c) a obrigatoriedade de continuar estudando.275
O ordenamento jurídico indica as técnicas pelas quais o julgador interpretará a
norma. A hermenêutica preenche as incompletudes insatisfatórias no seio jurídico diante da
dinâmica social.276 “O direito é considerado como um dado de fato sociológico”.277 Intuindo
racionalmente.278 É uma elucubração cognoscitiva que acolhe os postulados sociológicos que
determinam o aparecimento da regra que se interpreta.279
Trata-se de um direito material contido em uma demanda. Necessita da jurisdição
para a realizar a tutela pretendida. Torna inevitável a constante revisão do sistema jurídicoprocessual, culminando com a implementação de técnicas e instrumentos – hermenêutica
jurídica – adequados à obter tutela jurisdicional efetiva e justa.
O juiz ao decidir uma demanda ambiental deve se utilizar das referidas técnicas para
validar suas argumentações, mesmo estando autorizado a julgar subjetivamente ao aplicar a
norma. Caso contrário agiria arbitrariamente em descompasso ao princípio da legalidade.
O intérprete do Direito Ambiental ao respeitar a opinião da sociedade para decidir
determinado caso não assume sozinho os futuros riscos provenientes desta decisão. O
posicionamento brasileiro servirá para alterar a consciência ambiental da população e reduzir
os danos ambientais.
se a uma finalidade ou, pelo contrário, se desenvolve a deriva, de modo puramente casual? Em caso de existir
tal finalidade, ou de que, pelo menos, exista algum sentido, a mudança social se dirige ao progresso, à
degeneração, a alguma catástrofe, ou a uma simples extinção? Qual a forma da mudança social? Quais as
suas condições? Quem é o agente produtor da mudança social? Quais os fatores que o estimulam? Até que
ponto e como a mudança social pode ser controlada?
275
NALINI, José Renato. (Coord.). A formação do juiz brasileiro. Formação jurídica. 2. ed. São Paulo: RT,
1999, p. 148.
276
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbernkian, 1996,
p. 276.
277
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 222.
278
DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. São Paulo: RT, 1985, p.
12.
279
FLORIDO, Luiz Augusto. Hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1993, p. 5.
140
Urge uma interpretação harmonizada dos dispositivos constitucionais existentes no
ordenamento jurídico, bem como uma adequação das figuras já existentes no sistema atual a
fim de tornar efetiva e concreta a aplicação de exemplos benéficos como a hermenêutica
constitucional americana pós-moderna.
A sociedade contemporânea não vive mais o dilema dos anos 50: Socialismo ou
Barbárie, mas sim um outro dilema: Sustentabilidade ou Barbárie. Como os danos ambientais
passam a ter uma repercussão global, é necessária a colaboração de todos e o incentivo à
discussão a nível mundial dos riscos ao futuro da biota. A efetiva participação da sociedade
civil organizada através da consolidação do Direito à informação é fundamental.
A utilização de métodos de hermenêutica constitucional que possibilitem uma
adequação da norma constitucional às necessidades sócio-ambientais é indispensável a fim de
solucionar os problemas elencados acima e também diminuir o receio em relação ao futuro da
humanidade.
5.8 As Hipóteses de Relativização
Indubitavelmente, o contido no artigo 475-L, § 1º, e no parágrafo único do artigo
741, ambos do CPC, representam a hipótese mais polêmica de relativização da coisa julgada.
Estruturalmente, tais artigos tratam das matérias que poderão ser elencadas na impugnação à
execução fundada em título judicial. O rol de hipóteses é taxativo e, por isso, numerus
clausus. Tanto o artigo 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, ambos do CPC, tratam de
matérias idênticas.
Dentre as matérias, encontra-se a possibilidade do executado fundamentar sua
impugnação na inexigibilidade do título executivo. E acrescenta tais dispositivos que se
considera também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo
tidas pelo STF como incompatíveis com a CF.
A origem dessa regra é controversa, tendo em vista que foi inserido no corpo do CPC
por força da M. P. n°. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, mas que foi alterado por conta da
promulgação da Lei nº. 11.232/05.
Há duas hipóteses legalmente permitidas de relativizar a coisa julgada: por
superveniente declaração de inconstitucionalidade do STF (o título fundado em lei ou ato
normativo são declarados inconstitucionais pelo STF) ou por incompatibilidade de
precedentes do STF (título fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo
141
tidas por incompatíveis pelo STF com a Constituição Federal). Em qualquer hipótese poderá o
executado manifestar a inconstitucionalidade do título executivo ou a sua incompatibilidade
com a CF.
O presente trabalho versa sobre uma hipótese de relativização da coisa julgada que,
apesar de não estar legalmente prevista no ordenamento jurídico, representa a melhor solução
em matéria ambiental, fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e na defesa
do direito à vida do ser humano, constitucionalmente consagrados.
5.9 A Relativização da Coisa Julgada em Matéria Ambiental
O instituto da coisa julgada está assentado no princípio constitucional da segurança
jurídica e é por meio dele que o ordenamento veda a perpetuação de litígios. Pela coisa
julgada o “direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe
da imutabilidade da decisão judicial”.280
Há um forte movimento doutrinário de defende a relativização da coisa julgada
atípica, já que há hipóteses de revisão da coisa julgada típicas que, dessa forma, já é relativa,
como observa Barbosa Moreira.281
O primeiro doutrinador a suscitar a tese da relativização no Brasil foi Delgado282 ao
defender, a partir de sua experiência na análise de casos concretos, a revisão da carga
imperativa da coisa julgada toda vez que afronte princípios da moralidade, legalidade,
razoabilidade e proporcionalidade, ou se desafine com a realidade dos fatos.
Dinamarco afirma que a coisa julgada só deve ser imutável consoante as máximas da
proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, quando não seja absurdamente
lesiva ao Estado, não ofenda a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um
meio ambiente ecologicamente equilibrado.283
Marinoni critica a relativização da coisa julgada material, por entender que esta tese
não garante a correção dos julgamentos dos juízes. Afirma que “admitir que o Estado-Juiz
errou no julgamento que se cristalizou, obviamente implica aceitar que o Estado-Juiz pode
280
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva, v. 1, 1988, p. 20.
281
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada
material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Org.). Relativização da coisa julgada – enfoque crítico. 2. ed.
Salvador: Juspodivm, 2006, p. 199.
282
DELGADO, José. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas – efeitos da coisa
julgada e os princípios constitucionais, Revista de processo, RT, São Paulo, n. 103, 2001.
283
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, Revista de processo, RT, São Paulo,
n. 109, 2003, p. 24-25.
142
errar no segundo julgamento, quando a idéia de ‘relativizar’ a coisa julgada não traria
qualquer benefício ou situação de justiça”.284
A prestação jurisdicional em matéria de meio ambiente significa a própria vida ou
qualidade de vida de uma coletividade, valor maior que a sociedade deve fazer prevalecer.
Nos últimos trinta anos a segurança jurídica perdeu a importância por estar vinculada
à idéia de um modelo de jurisdição que servia ao Estado e não ao cidadão. Este paradigma
garantia que o juiz não construísse um direito concreto diferente, distanciando do direito posto
pelo legislador, segundo a premissa da segurança jurídica, tudo sairia de acordo com o
previsto na lei. Os arts. 1º e 2º da CF derrubaram esta premissa.
A segunda vem da vida, da ciência, da cultura, do poder do homem de não se
aquietar. As novas tecnologias, os novos conhecimentos derrubam com poder científico a
atividade cognitiva levada a efeito na fase de produção de prova que autorizou a sentença
qualificada pela indiscutibilidade do que foi declarado ou, pela imutabilidade de seus efeitos.
Um dos primeiros questionamentos levados a efeito na discussão da relativização da
coisa julgada aconteceu no âmbito do Direito de Família, mais precisamente nas ações de
paternidade.
Até a década de 1980 as investigações de paternidade praticamente contavam como
meio de prova com o art. 332 do CPC (prova documental, testemunhal, confissão e exames
hematológicos que indicavam a negativa de paternidade).
Os exames de DNA só começaram a ser aplicados, mais recentemente, em ações em
tramitação no curso da fase probatória, gerando sentenças de alto grau de probabilidade de
acerto, considerando a condição de natureza humana dos sujeitos da relação processual.
Na década de 1990, quando os primeiros laboratórios começaram a oferecer tais
serviços, o acesso e o preço nem sempre estava ao alcance de grande parte da população. Este
novo meio de prova tem sido utilizado para relativizar a coisa julgada, não só para instituir
novos processos, mas para derrubar processos velhos, já julgados, revendo-se a coisa julgada,
segundo o art. 485, inc. VII, do CPC, que passa a ser analisado a partir de um enfoque
constitucional. O instituto da segurança jurídica da coisa julgada em conflito com o direito
fundamental do ser humano de ver reconhecida sua origem familiar e direitos daí decorrentes.
Os direitos ambientais se relacionam com os direitos fundamentais. A possibilidade
de rever uma decisão razoável para aquele processo, naquele momento histórico, em um
284
MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais: a questão da relativização da
coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico.
2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 163.
143
conflito subjetivo envolvendo direitos individuais, porque estão em jogo direitos
fundamentais subjetivos individuais, esta relativização se justifica mais se impõe a vida, a
saúde, a qualidade de vida de uma coletividade, caso o meio ambiente estiver em risco.
Por se tratar de um processo coletivo, por envolver toda a coletividade como titular
dos direitos ou interesses difusos e/ou coletivos que se encontram em tese agredidos por
desrespeito ao meio ambiente.
O direito a proteção ambiental não se esgota em um determinado momento temporal,
é permanente, se sucede e se repete, se renova dia após dia e não se caracteriza como sendo
sempre o mesmo. Esta reincidência temporal se mostra ou pode se mostrar com novas faces,
que devem ser enfrentadas em suas peculiaridades. Há que se construir mecanismos
alternativos de composição de cada situação danosa, e que podem, até, se possível sua
previsão, serem contemplados na própria sentença.
Arnaud partindo da crítica da jurisdição praticada no passado interpreta a atividade
jurisdicional como uma prestação do poder público complexa que produz decisão voltada para
reger o futuro. Até por volta de 1950 quando o magistrado tomava uma decisão sabia
igualmente como tomá-la, e podia prever quase todas as suas conseqüências.285
A decisão complexa resulta da conjunção recursiva de três operações sistemáticas
que consistem na construção dos problemas, na sua projeção sob forma de planos e na seleção
da boa decisão, no sentido de ser a mais satisfatória.
Cada um destes níveis é constituído de um sistema, suas regras permitem formar, sob
a forma de cânones, expressões tendo valor de proposições, em nome das quais podem ser
selecionados alguns entre eles, que pertencem a uma classe particular, correspondem às
exigências científicas de verdade, e fornecerão a partir deste fato os teoremas do sistema.
Caracterizam três subsistemas formando, por conjunção, o sistema da decisão complexa.
O que se pretende mostrar com tais argumentos? Que se caminha para uma prestação
jurisdicional cada vez mais voltada para reger o futuro e não o passado, ainda que este
também mereça, caso a caso, alguma regulamentação e composição.
Quanto à composição pretérita, os velhos ensinamentos da coisa julgada persistem. A
regulamentação futura há de se repensar os nossos institutos processuais. Esses institutos
devem ser repensados sob um único ângulo: o da CF e dos direitos fundamentais.
Deve-se discutir um paradigma de sentença em matéria ambiental para regulamentar
as situações conflituosas não apenas no sentido de reparação dos danos causados, mas dando285
ARNAUD, André-Jean. O juiz e o auxiliar judiciário na aurora do pós-modernismo, Revista ajuris, Porto
Alegre, Del Rey, v. 53, nov. 1991, p. 223-237.
144
se ênfase às medidas inibitórias e executivas de tutela do meio ambiente, preservando a vida
do povo brasileiro.
Vida humana, em outras palavras, é pressuposto de fruição dos direitos
fundamentais, tanto que esses são chamados de ‘bens da vida’. Assim sendo, como
se pode conceituar meio ambiente ecologicamente equilibrado de uso comum do
povo, mas essencial à vida humana? É aquele assegurado pelo respeito à dignidade
humana. Esse princípio está arrolado expressamente no art. 1º, inc. II, da CF. Assim,
para que a pessoa humana possa ter uma qualidade de vida digna é necessário que
lhe seja assegurado o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança, ao lazer,
à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos
desamparados (art. 6º da CF), que Celso Antonio Pacheco Fiorillo denominou piso
vital mínimo.286 São direitos indispensáveis e fundamentais no Estado Democrático
de Direito.287 (grifo do autor).
Tais decisões, voltadas para o futuro, sejam sentenças mutáveis, modificáveis
conforme a necessidade/exigibilidade das circunstâncias fáticas, “frente ao direito
fundamental da vida, propondo desde logo soluções alternativas, ou que estas alternativas se
façam ao longo do caminho, conforme as situações de fato o provoquem, nos próprios autos
do processo”.288
Este desafio ao estudo discutiria a relativização da mutabilidade da sentença nas
ações em matéria de meio ambiente e não a relativização da coisa julgada. Significa um
avanço histórico o início da reflexão sobre a sentença, como ato de comando voltado para o
futuro, a coisa julgada já não se revestirá de importância, pois a criação deste instituto diz
com a sentença que, secularmente, se consagrou por sua imutabilidade, enquanto as
exigências dos novos direitos reclamam decisão judicial caracterizada pela sua mobilidade.
A relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade ocorre
quando se verifica não ter havido ampla produção de provas ou supressão de algum direito de
defesa. O fato de ter sido comprovada a paternidade por exame com aplicação de método
diverso do DNA, por si só, não autoriza a relativização da coisa julgada.289
286
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental
brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 53.
287
SIRVINSKAS, Luís Paulo. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela constitucional do meio ambiente.
Interpretação e aplicação das normas constitucionais ambientais no âmbito dos direitos e garantias
fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 16-17.
288
MACEDO, Elaine Harzheim. Relativização da coisa julgada em matéria ambiental, Revista de direito
ambiental, RT, São Paulo, ano 12, n. 42, 2006, p. 74, proposta extraída da palestra ministrada no Curso de
Processo Coletivo Ambiental, promovido pelo Instituto O Direito por um planeta verde, da Escola Brasileira
de Política e Direito Ambiental, em novembro de 2005, junto à UFRGS.
289
TJ/RS, AC nº. 70016436404, Rel. Ricardo Raupp Ruschel, j. 11/04/07, DJ 19/04/07.
145
A relativização da coisa julgada não é possível por meio de pedido incidental em
ação de execução.290 O não reconhecimento da paternidade no âmbito de ação de investigação
de paternidade anteriormente ajuizada pela apelante contra o réu, cuja sentença de
improcedência se baseou não só no exame de DNA que excluiu a paternidade, mas também
na prova oral, não autoriza a relativização da coisa julgada e a renovação da investigatória.291
Embora admissível a relativização da coisa julgada para permitir a realização de
exame de DNA em processo de investigação de paternidade, uma vez que essa tese já foi
repelida pelo colegiado, resultando na extinção da segunda demanda proposta. A investigação
de paternidade ajuizada pela terceira vez foi indeferida sob a alegação da impossibilidade de
relativização da coisa julgada fundamentada em decisão que determina a realização de exame
de DNA.292
Hipótese que não contempla flexibilização. A relativização da coisa julgada tem sido
admitida em demandas cuja natureza, tais como as de estado, as justifique. Hipótese restrita a
mero direito patrimonial não comporta a flexibilização de instituto que está a serviço da
segurança jurídica.293
A jurisprudência no sentido de reconhecer a relativização da coisa julgada é bastante
rara. A maior parte dos julgados indefere os pedidos de flexibilização. O fundamento utilizado
é o fato do desrespeito à segurança jurídica. Nossos Tribunais preferem garantir a segurança
jurídica em prejuízo da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e do princípio da
proporcionalidade. Urge uma séria mudança nesta concepção.
Brilhante foi o entendimento do TJ/RS ao julgar procedente ação de investigação de
paternidade, reconhecendo a relativização da coisa julgada material e autorizando a
propositura de nova ação. O fundamento utilizado para embasar a decisão foi que o valor que
a coisa julgada visa resguardar é justamente o da segurança jurídica, e esse valor deve ser
posto em cotejo com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consagrado no
art. 1.º, inc. III, da CF, ou seja, o da dignidade da pessoa humana.294
Este julgado deve servir de parâmetro a fim de que ocorra uma reforma em nossos
Tribunais para que seja efetiva a relativização da coisa julgada ambiental, em benefício da
sociedade e do meio ambiente.
290
TJ/RS, AgIn nº. 70021761846, Rel. João Carlos Branco Cardoso, j. 26/03/08, DJ 30/04/08.
TJ/RS, AC nº. 70022195580, Rel. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 19/12/07, DJ 16/01/08.
292
TJ/RS, AgIn nº. 70015332232, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 19/07/06, DJ 31/07/06.
293
TJ/RS, RC nº. 71000709469, Rel. Luiz Antônio Alves Capra, j. 24/08/05, DJ 21/09/05. Neste sentido TJ/RS,
AC nº. 70010899953, Rel. Naele Ochoa Piazzeta, j. 21/07/05, DJ 03/08/05; TJ/RS AC nº. 70010889681, Rel.
Marilene Bonzanini Bernardi, j. 23/03/05, DJ 05/04/05.
294
TJ/RS, AC nº. 70008102378, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 29/09/04.
291
146
5.10 Efeitos da Relativização: a Causa de Pedir e a Tutela Ambiental Individual
Na proteção ambiental ressaltam-se dois direitos fundamentais: o direito à vida (art.
5º, caput da CF) e o direito ao meio ambiente equilibrado (bem jurídico de uso comum do
povo é detectado sob âmbito do direito coletivo ou difuso consoante o art. 225 da CF). Como
são indisponíveis por natureza, qualquer ação ambiental terá como causa imediata a
efetivação da proteção desses direitos; isso torna a ação ambiental indisponível, por buscar a
proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente.
A causa de pedir na ação ambiental mostra-se própria para receber os postulados da
teoria da individualização que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional,
permite maior flexibilização na dedução dos fatos, enfatizando o direito a que se busca
proteção jurisdicional e permite a fungibilidade de tutelas quando presentes os requisitos
autorizadores.
A ação ambiental persegue a proteção de direitos indisponíveis. Em razão de haver
proteção à vida e ao meio ambiente, a causa de pedir poderá admitir mutações fáticas e a
fungibilidade no modo de cumprimento de tutela jurisdicional consistente em reparar lesão ou
ameaça de poluição.
A conversão de tutelas somente é cabível entre ações que incidam obrigação de fazer
e de não fazer. O pedido de compensação pecuniária é endereçado exclusivamente para
compor o Fundo Ambiental e deverá ser objeto específico em ação própria, dado o seu caráter
patrimonial e por não se destinar à proteção ambiental.
A teoria da individualização permitirá o exercício da translatividade no recurso da
apelação, eis que as proteções ao direito à vida e ao meio ambiente são indisponíveis por
serem de ordem pública.
147
6 CONCLUSÃO
O instituto da coisa julgada não é um dogma instransponível, mas uma técnica de que
se pode valer o legislador, quando entender oportuno (sob o ponto de vista da conveniência
social e da estabilidade de certas relações jurídicas) que determinados tipos de julgados
permaneçam imutáveis e projetem essa imutabilidade erga omnes.
A coisa julgada deve se harmonizar com outros valores constitucionais de igual ou
maior grandeza. A flexibilização da coisa julgada material deve afastar infrações à CF, como
exceção. A ação rescisória é instrumento inadequado para solucionar o problema da coisa
julgada inconstitucional, serve apenas para declarar a nulidade de uma sentença e não para
desconstituir uma sentença válida. A ação rescisória se restringe ao prazo prescricional de
dois anos, enquanto as nulidades não se convalidam.
A evolução tecnológica pode justificar o afastamento da coisa julgada,
principalmente em ações ambientais, por ex., detritos jogados em rio que sejam prejudiciais
aos peixes, não é falta de provas, mas falta de estudos científicos para provar que aquele
detrito é prejudicial aos peixes, posteriormente se comprova o efeito danoso destes detritos às
pessoas que ingeriram estes peixes, a coisa julgada deverá ser relativizada.
O processo civil tradicional muitas vezes é incapaz de tutelar, de forma efetiva, o
meio ambiente, tornando-se ineficaz. A efetividade do processo busca não apenas a entrega de
uma prestação jurisdicional rápida, mas também adequada ao interesse tutelado. Urge a
elaboração de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos, capaz de amparar os novos direitos
surgidos com a massificação da sociedade.
O Anteprojeto de CBPC concede ao juiz medidas como desmembrar um processo
coletivo em dois (um para a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, outro para a
proteção dos individuais homogêneos), para facilitar a tramitação; certificar a ação como
coletiva; dirigir como gestor do processo a audiência preliminar, decidindo desde logo as
questões processuais e fixando os pontos controvertidos, quando falharem os meios
alternativos de solução de controvérsias; flexibilizar a técnica processual. O Tribunal poderá
suspender processos individuais até o trânsito em julgado da sentença coletiva.
O Anteprojeto de CBPC protege o bem jurídico e interpreta extensivamente o pedido
e a causa de pedir. As causas serão reunidas com maior facilidade e a litispendência terá um
âmbito maior de aplicação. O reforço da coisa julgada de âmbito nacional e a expressa
possibilidade de controle difuso da constitucionalidade pela via da ação coletiva, levarão o
processo coletivo a molecularizar os litígios, evitando o emprego de inúmeros processos.
148
O processo coletivo repudia o esquema rígido da legitimação no processo individual
e adota uma legitimação autônoma, concorrente, aberta e múltipla. O instituto da
representatividade adequada, desconhecido do processo individual, alicerça a legitimação no
processo coletivo, exigindo que o portador em juízo dos interesses ou direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos apresente as necessárias condições de seriedade e
idoneidade, até porque o legitimado é o sujeito do contraditório, do qual não participam
diretamente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas.
A LACP e o CDC revolucionaram o processo civil brasileiro, mas não desafogaram
o Poder Judiciário de ações repetitivas, nem garantiram tratamento isonômico aos
jurisdicionados que se encontram em situação idêntica, evidenciando o atual colapso da
Justiça. O problema está na disciplina da litispendência e da coisa julgada nas ações coletivas,
marcadas pela prioridade às ações individuais e pela extensão secundum eventum litis ou in
utilibus da coisa julgada à esfera jurídica dos membros do grupo ou categoria, de sorte que a
decisão de improcedência do pedido não impede a propositura de ações individuais.
A persistência do modelo vigente choca-se com a tendência e o movimento de
outorga de eficácia vinculante às decisões dos Tribunais Superiores e reduz a efetividade do
processo coletivo. A superação das atuais vicissitudes da ação coletiva passa pela adoção de
um sistema de coisa julgada coletiva que valorize o julgamento de mérito nela proferido,
ficando os interessados, na hipótese de direitos individuais homogêneos, vinculados ao seu
comando, mesmo no caso de improcedência do pedido.
As normas do microssistema brasileiro sobre a ACP privilegiam o foro do local dos
danos, criando competências concorrentes. Mais importante e reveladora é a natureza absoluta
da competência territorial. Além da inversão do ônus da prova, ope judicis, prevista no CDC,
o Anteprojeto de CBPC adota o critério dinâmico da distribuição do ônus da prova, cabendo a
prova dos fatos a quem tiver maior proximidade e maior facilidade para demonstrá-los.
No processo individual, a liquidação da sentença abrange apenas a quantum
debeatur, ao passo que na liquidação da sentença coletiva condenatória à reparação dos danos
individualmente sofridos (interesses ou direitos individuais homogêneos) é necessário, além
da quantificação dos prejuízos, apurar parte do an debeatur (a existência do dano
individualmente sofrido e o nexo causal com o dano geral reconhecido pela sentença).
Diferenças profundas entre os institutos fundamentais do processo individual e do
coletivo podem ser encontradas nos poderes do juiz e do MP, no efeito meramente devolutivo
da apelação, na competência para a liquidação e a execução e na execução provisória. Todas
estas diferenças ressaltam a necessidade do surgimento de um novo ramo do Direito
149
Processual, o Direito Processual Coletivo, com princípios e institutos próprios e como objeto
a tutela jurisdicional dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
A técnica da hermenêutica fundamenta a coerência do sistema, somado ao fato social
(interesse pelo meio ambiente preservado) e a dialética do sistema normativo (lingüística),
resulta em uma solução fundamentada, sob o ponto de vista sociológico. A hermenêutica deve
propiciar condições para que o paradigma normativo interaja na realidade social de forma
efetiva, manifeste e se desenvolva para atender aos princípios sociológicos.
A CF inovou na questão ambiental. Considerou o meio ambiente ecologicamente
equilibrado bem de uso comum do povo. O Direito Ambiental possui seus próprios princípios
diretores. Do princípio basilar da dignidade da pessoa humana decorrem todos os demais subprincípios do Direito Ambiental. O valor da dignidade da pessoa humana se incorpora às
exigências de Justiça e dos valores éticos conferindo suporte axiológico a todo sistema
jurídico brasileiro.
O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na
elaboração das políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre
matéria referente à defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de recursos
ambientais e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente.
O princípio da precaução é o princípio jurídico ambiental apto a lidar com situações
nas quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por novos produtos e tecnologias
que ainda não possuam acumulação histórica de informações que assegurem as conseqüências
que poderão advir de sua liberação no ambiente. Diante da incerteza científica a prudência
deve evitar danos que, muitas vezes, não poderão ser recuperados.
O princípio da precaução diferencia-se do princípio da prevenção quanto a natureza e
teleologia, destoam na finalidade buscada. O princípio do poluidor-pagador obriga quem
poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser causada. A gênese deste princípio
sofreu inúmeras críticas, inclusive considerando que o mesmo pode conduzir à possibilidade
de alguém poluir mediante pagamento e à responsabilização do autor do dano pelos prejuízos
causados.
O dano ambiental para ser concretizado não exige o elemento psicológico do agente
causador. Submete-se à responsabilidade objetiva. O principal problema dos valores
econômicos associados aos danos ambientais reside na identificação quali-quantitativa da
degradação da qualidade ambiental, uma vez que os profissionais de formação jurídica
necessitam de conhecimento técnico especializado para análise da atividade geradora de
impacto socioambiental.
150
O evento danoso e o nexo de causalidade são os pressupostos da responsabilidade
por dano ambiental. Há várias teorias sobre a responsabilidade objetiva: do fato da coisa, do
risco de serviço, do risco criado e do risco integral. O agente poluidor deve ser
responsabilizado integralmente dos riscos oriundos de sua atividade. Evidenciado o liame
entre a causa e efeito do dano ambiental, o agente responde por sua obrigação. A prova do
nexo de causalidade em face do dano ambiental deverá ser atenuada ou invertida.
A necessidade da concepção de uma tutela preventiva consubstanciada na tutela
inibitória é capaz de, no âmbito processual, prevenir a ocorrência ou a continuidade de ilícito
praticado contra o meio ambiente. É fundamental para a sua tutela conceber um mecanismo
de prevenção e não de sanção ou reparação. Essa tutela preventiva deve ser privilegiada em
relação à sancionatória e à reparatória. A tutela de remoção do ilícito (reintegratória) visa a
remover ou eliminar a causa do dano.
A AP pode ser ajuizada por qualquer cidadão, visa a anular ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. A AP não se presta para a plenitude da defesa
ambiental, em termos de abrangência de todas as hipóteses de danos potenciais ou não ao
meio ambiente. Será viável em agressões ambientais por atividades dependentes de
autorizações do Poder Público para o exercício.
A LACP foi promulgada para disciplinar as ações de responsabilidade por danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. A técnica legislativa empregada não foi das melhores. O
Anteprojeto de CBPC estabelece como objeto da tutela coletiva os interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
A AP anula o ato, não previne o dano. Diferente da ACP, a AP não pode conter
tutela inibitória. No intuito de corrigir essa falha o Anteprojeto de CBPC permite o
ajuizamento de ACP por qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos
difusos e o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos
coletivos e individuais homogêneos, dentre outros.
O TAC é uma medida administrativa de composição, um título executivo
extrajudicial em que se pactua, sob pena de multa por descumprimento de obrigações de fazer
ou de não fazer. O TAC configura uma tentativa na luta pelo desafogo do Judiciário.
O MSC é um remédio constitucional posto à disposição de certas entidades a fim de
preservar os direitos garantidos pelo MS individual, que envolvam interesses de um grupo
maior e mais indefinido de pessoas. O escopo maior do instituto é efetivar os direitos dos
151
membros das classes, sob o convencimento de que cada indivíduo, separadamente, teria
tolhido seu ânimo de acesso ao Judiciário, receando represálias de agentes mais poderosos.
Critica-se MSC para salvaguardar direito difuso, pela impossibilidade de direito
líquido e certo na seara dos direitos difusos. Defende-se o direito líquido e certo da
coletividade ao desfazimento de um ato praticado por autoridade pública em flagrante
agressão ao meio ambiente. Os efeitos da coisa julgada no MSC estão a merecer regramento
específico pelo legislador.
O MIC é ação constitucional utilizada sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Garantia fundamental e cláusula pétrea.
Instrumento hábil para tutelar o meio ambiente.
O CDC é uma das mais importantes ferramentas garantidoras dos direitos ligados à
dignidade da pessoa humana. Consolidou a proteção contratual em favor do consumidor, o
acesso à Justiça, a possibilidade de concessão assistência integral e gratuita para os
consumidores carentes, a inversão do ônus da prova em casos de verossimilhança das
alegações do autor ou notada hipossuficiência, decretação da nulidade de cláusulas abusivas,
dentre outras. Estas tutelas também devem ser implementadas na questão ambiental.
Cabe o aprimoramento e uma maior exploração da potencialidade destas técnicas
processuais. Não se pode centrar toda a efetividade da CF na judicialidade. Outras técnicas de
participação política devem ser criadas, com base nas regras do jogo democrático, e que
permitam a todos o pleno exercício da cidadania.
A coisa julgada é um dos temas que está a exigir a sua relativização, principalmente
no sentido de respeitar aos princípios da moralidade, legalidade, proporcionalidade e
razoabilidade. Sentenças que ofendem valores humanos, de dignidade são inadmissíveis,
porque se chocam com elevados princípios. No âmbito da relativização da coisa julgada
ambiental deve prevalecer o livre acesso à Justiça, culminando com o dogma da coisa julgada,
bem como com o excesso de zelo ao princípio da segurança jurídica.
A lei vigente é a fonte normativa do sistema processual brasileiro em virtude do
princípio da legalidade; diferentemente do devido processo legal, cuja fonte normativa
decorre dos costumes e da razão. Por isso, a lei é fonte do direito processual. Entretanto, a
aplicação dos costumes e da razão no sistema processual brasileiro é muito pequena. O
princípio do devido processo legal no sistema processual brasileiro é ineficaz em virtude do
sistema romanístico adotado, que não possui mecanismos para maior participação.
152
A causa de pedir na ação ambiental recebe os postulados da teoria da
individualização, que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional. Permite
maior flexibilização na dedução dos fatos e atribui maior relevo a indicação do direito para o
qual se busca a proteção jurisdicional.
A teoria da substanciação não é viável na ação ambiental, porque somente expõe
pormenorizadamente os fatos constitutivos do direito do autor, eis que sobre eles poderá haver
a construção da tutela jurisdicional pretendida pelo autor. Nesta teoria incide o princípio da
eventualidade, pois o autor deve deduzir todos os fatos e pedidos na primeira oportunidade
processual que lhe é cabível, sob pena de o juiz não os conhecer posteriormente.
A teoria da individualização permite a fungibilidade de tutelas, quando presentes os
requisitos autorizadores para a tutela de um determinado direito. A ação ambiental deverá
seguir a teoria da individualização, eis que persegue a proteção de direitos indisponíveis,
devendo-se admitir a fungibilidade de pretensões entre aquelas que incidem em obrigação de
fazer e de não fazer.
A adoção da teoria da individualização na causa de pedir permite que desde o
primeiro grau de jurisdição já se pré-questione norma constitucional para um futuro e eventual
recurso extraordinário. Já se invoca a incidência de normas constitucionais para compor o
conhecimento jurídico de causas ambientais desde o primeiro grau de jurisdição e obter
acesso ao STF para um eventual recurso extraordinário quando essas normas constitucionais
forem mal aplicadas ou mal interpretadas.
As obrigações de fazer, não fazer e dar quantia determinada, quando destinadas a
remover o dano e o ilícito ambiental poderão ser concedidas de ofício pelo juiz se aquelas
requeridas na ação ambiental se mostrarem insuficientes para a satisfação da tutela específica.
O meio ambiente é um direito indisponível, eis que necessário para proteger a vida, e assim
propiciar a utilização da teoria da individualização da causa de pedir.
Em razão do princípio da individualização da causa de pedir a prova pericial da ação
ambiental deverá demonstrar a ocorrência de algumas das hipóteses do art. 3º, inc. II, da Lei
6.938/81. O EIA/RIMA é indispensável para a realização de obras ou serviços que apresentem
potencial poluente, integra o espectro de atividades da Política Nacional do Meio Ambiente.
Ainda não há uma disciplina normativa específica sobre a coisa julgada ambiental.
Por isso, há que invocar a incidência do art. 103 do CDC para disciplinar a coisa julgada nas
ações coletivas e os artigos 467 a 475 do CPC sobre a coisa julgada em ações individuais.
A coisa julgada coletiva brasileira é muito diferente da coisa julgada americana,
principalmente quanto aos efeitos. Entretanto, no âmbito da relativização da coisa julgada
153
ambiental a experiência americana é melhor desenvolvida, merecendo a interpretação da
doutrina e jurisprudência brasileiras. Trata-se do fim de uma utópica segurança jurídica e o
privilégio da efetividade, do acesso à Justiça, do direito à vida e da interpretação integrada dos
princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da participação.
Se todos os requisitos impostos pela lei forem respeitados durante a condução do
processo coletivo, a coisa julgada coletiva do ordenamento americano se formará em face de
todos os membros do grupo independentemente do resultado da demanda. O ordenamento
americano dispõe de técnicas e instrumentos que tornam o processo coletivo mais adequado e
flexibilizam a incidência da coisa julgada coletiva, se tais normas não forem respeitadas.
É exatamente esta flexibilidade da coisa julgada que falta no direito brasileiro, ante a
ausência de avanço científico na demonstração do dano ambiental. Nesta hipótese,
fundamentada principalmente no direito à vida, no princípio da dignidade da pessoa humana e
no princípio da proporcionalidade a coisa julgada em matéria ambiental deve ser relativizada.
Referida hipótese não deve ser confundida com o trânsito em julgado da ação coletiva por
falta de provas, quando o juiz reconhece expressamente na sua fundamentação que julga por
insuficiência de provas.
Trata-se da hipótese em que o desenvolvimento da ciência na época da sentença não
estava desenvolvido o suficiente para sequer imaginar a possibilidade de um futuro dano
ambiental de conseqüências gravíssimas decorrente do dano ambiental julgado na ação
ambiental em tela. As partes, nem mesmo o juiz terá como saber que alguma prova relevante
deixou de ser produzida. Este é exato alcance da relativização da coisa julgada defendida
neste trabalho.
A regra no direito processual civil americano é a de que o juiz não está em condições
de determinar o efeito da coisa julgada das suas próprias decisões. Seguindo esta sábia norma,
o direito brasileiro deve ser interpretado de forma a não exigir que o juiz expressa ou
implicitamente reconheça a falta de prova.
Portanto, se a qualquer momento depois da decisão uma nova prova for descoberta
que possa alterar a decisão do caso, a ação coletiva poderá ser reproposta. Essa interpretação
liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na prática e não seja indevidamente limitada
por uma exigência que não está na lei nem deriva do bom senso.
O trabalho em epígrafe não defende a alegação de que a decisão coletiva original se
baseou em insuficiência probatória para destituir a imutabilidade da sentença coletiva. É
necessário apresentar uma nova prova na petição inicial de uma nova ação ambiental
comprovando o avanço tecnológico no sentido de comprovar a existência do dano ambiental
154
decorrente do dano ambiental anterior. Desta forma, o juiz deverá aceitar a repropositura da
ação ambiental.
Enquanto a legislação não for alterada de forma a incluir esta hipótese, a sentença
ambiental é imutável, ou seja, faz coisa julgada. Ao contrário do que ocorre com a
necessidade de apresentar “documento novo” nas ações rescisórias, não é necessário
demonstrar que a prova era pré-existente, ou que se ignorava sua existência ou que não se
pôde fazer uso dela no processo original. A mera apresentação da nova prova é suficiente para
a reabertura do processo. A nova prova pode derivar de um desenvolvimento da ciência.
Igualmente, ao contrário do que ocorre com o documento novo nas ações rescisórias,
a nova prova não precisa ser capaz, por si só, de assegurar pronunciamento favorável ao
grupo. Todavia ela deve ser suficientemente relevante para justificar a possibilidade de um
resultado diferente.
O juiz da segunda ação coletiva deverá avaliar todas as provas disponíveis nos autos,
inclusive aquelas consideradas insuficientes na ação anterior. Todavia, o juiz da segunda ação
não deve rejulgar a causa, desconsiderando a decisão anterior: ele somente poderá alterar o
resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova prova apresentada.
Assim como a ação rescisória corresponde a um instrumento de relativizar a coisa
julgada nas hipóteses taxativamente previstas em lei, a relativização da coisa julgada
ambiental deverá ocorrer de forma específica, a fim de privilegiar uma coerente interpretação
do ordenamento jurídico.
A tendência mundial é a universalização do modelo das class actions, o mais bem
sucedido e difundido entre os ordenamentos jurídicos do common law e do civil law. Essa
tendência pode ser notada no Projeto de Código de Processo Civil Coletivo para a IberoAmérica e no Projeto de Antônio Gidi.
O modelo brasileiro auxilia em muito na passagem das normas abertas do direito
norte-americano para os ordenamentos de civil law. Temas importantes como a definição do
conceito de direitos coletivos lato sensu, a disciplina peculiar da legitimação por substituição
processual e a extensão da coisa julgada secundum eventum litis ou secundum eventum
probationis são peculiaridades próprias do direito brasileiro que se repetem nos projetos para
a harmonização das regras sobre processos coletivos nos países de civil law.
A especial abertura do ordenamento brasileiro aos modelos norte-americanos se deve
também a forte influência da tradição constitucional. O processo constitucional, com ações
como a de MS e a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade, bem como a
configuração do Poder Judiciário como poder revisor dos atos dos demais poderes (judicial
155
review) são a prolífica herança da Constituição de 1891 e de Rui Barbosa, inspiradas na
Constituição Norte-Americana.
A hermenêutica constitucional americana criou uma nova relação entre o texto
normativo e o intérprete ao possibilitar a abertura da norma para a participação popular e a
adequação dos textos legais à realidade social. Trata-se de importante ferramenta para
concretizar a defesa ambiental. O objetivo é reduzir os riscos aplicando esta nova realidade à
tutela ambiental, pela integração entre o texto e as relações fáticas. Julgamentos mais éticos e
Justos são possíveis com a democratização da aplicação do Direito.
Os métodos modernos e o pensamento inovador da hermenêutica constitucional
americana devem ser utilizados na política ambiental brasileira. O fito é a abertura da norma
ambiental brasileira para superar os riscos do desenvolvimento tecnológico e do crescimento
industrial. Permite a reflexão sobre os riscos trazidos pelo progresso tecnológico.
A hermenêutica inovadora defendida neste humilde trabalho se adapta ao contexto de
risco vivenciado pela sociedade atual. Prima pelo contato do intérprete com a realidade social
que o circunda no instante de aplicação da norma jurídica aos fatos sociais. A aplicação da
hermenêutica constitucional americana na norma ambiental brasileira minimiza os prováveis
riscos e malefícios da modernização e proporciona maior atuação da população no processo
de decisão das questões ambientais e jurídicas.
O presente trabalho versa sobre uma hipótese de relativização da coisa julgada que,
apesar de não estar legalmente prevista no ordenamento jurídico, representa a melhor solução
em matéria ambiental, fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e na defesa
do direito à vida do ser humano, constitucionalmente consagrados.
Há um forte movimento doutrinário que defende a relativização da coisa julgada
atípica. O primeiro doutrinador a suscitar a tese da relativização no Brasil foi José Delgado ao
defender, a partir de sua experiência na análise de casos concretos, a revisão da carga
imperativa da coisa julgada toda vez que afronte princípios da moralidade, legalidade,
razoabilidade e proporcionalidade, ou se desafine com a realidade dos fatos. Posteriormente,
José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco desenvolveram esta tese.
A coisa julgada só deve ser imutável consoante as máximas da proporcionalidade,
razoabilidade, moralidade administrativa, quando não seja absurdamente lesiva ao Estado, não
ofenda a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
A prestação jurisdicional em matéria de meio ambiente significa a própria vida ou
qualidade de vida de uma coletividade, valor maior que a sociedade deve fazer prevalecer.
156
Nos últimos trinta anos a segurança jurídica perdeu a importância por estar vinculada à idéia
de um modelo de jurisdição que servia ao Estado e não ao cidadão. Este paradigma garantia
que o juiz não construísse um direito concreto diferente, distanciando do direito posto pelo
legislador, segundo a premissa da segurança jurídica.
As novas tecnologias e os novos conhecimentos derrubam com poder científico a
atividade cognitiva levada a efeito na fase de produção de prova que autorizou a sentença
qualificada pela indiscutibilidade do que foi declarado ou, pela imutabilidade de seus efeitos.
A partir da década de 1990 as decisões nas ações de paternidade começaram a ser
questionadas pelo surgimento do exame de DNA que assegura alta probabilidade de acerto.
O direito a proteção ambiental não se esgota em um determinado momento temporal,
é permanente, se renova. Esta reincidência temporal deve ser enfrentada com mecanismos
alternativos de composição de cada situação danosa, previstos na própria sentença. Caminhase para uma prestação jurisdicional cada vez mais voltada para reger o futuro e não o passado.
Quanto à composição pretérita, os velhos ensinamentos da coisa julgada persistem. A
regulamentação futura há de se repensar os nossos institutos processuais sob o enfoque
constitucional.
Este desafio ao estudo discutiria a relativização da mutabilidade da sentença nas
ações em matéria de meio ambiente e não a relativização da coisa julgada. Significa um
avanço histórico o início da reflexão sobre a sentença, como ato de comando voltado para o
futuro, a coisa julgada já não se revestirá de importância, pois a criação deste instituto
consagra a imutabilidade à sentença, enquanto as exigências dos novos direitos reclamam
decisão judicial caracterizada pela sua mobilidade.
A relativização da coisa julgada ambiental tutela dois direitos fundamentais: o direito
à vida (direito fundamental individual) e o direito ao meio ambiente equilibrado (bem de uso
comum do povo no âmbito do direito coletivo ou difuso). Como os direitos à vida e ao meio
ambiente são indisponíveis por natureza, qualquer ação ambiental terá como causa imediata a
efetivação da proteção desses direitos; isso torna a ação ambiental indisponível, por buscar a
proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente.
A teoria da individualização permite a translatividade do recurso da apelação. A
causa de pedir na ação ambiental mostra-se própria para receber os postulados da teoria da
individualização que prioriza a tutela do direito que invoca a proteção jurisdicional, permite
maior flexibilização na dedução dos fatos, enfatizando o direito a que se busca proteção
jurisdicional e permite a fungibilidade de tutelas quando presentes os requisitos autorizadores.
157
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