FS PESQUISA | 74 | food service news por Renato Grimaldi M uita gente não faz ideia da importância da fritura no dia a dia de um estabelecimento que trabalha com alimentos. Basta listarmos alguns itens que constam em grande parte dos cardápios para entendermos o quanto a fritura está presente e é importante para uma operação Food Service. Por exemplo, batata-frita todo mundo ama; coxinha é sempre um sucesso garantido em qualquer lugar; kibe: sempre tem muita saída. Pasteizinhos combinam bem com um choppinho. Os alimentos fritos são responsáveis por um percentual altíssimo do faturamento dos restaurantes, bares e lanchonetes. Por isso, a escolha de uma boa gordura é tão importante quanto escolher o que será frito. Daí o cuidado que se deve ter na escolha da gordura para fritar os alimentos. Uma gordura de qualidade frita melhor, deixa o produto mais sequinho, rende mais, preserva o sabor original do alimento e não deixa cheiro no ambiente. Acaba de ser concluído um estudo realizado pelo Dr. Renato Grimaldi e MS. Ingrid Franco de Oliveira, ambos profissionais do Laboratório de Óleos e Gorduras, DTA, FEA, UNICAMP, que mostra as diferenças, características e durabilidade entre diversos tipos de gorduras que são utilizados no dia a dia da operação Food Service no Brasil. Este estudo mostra que as gorduras de fato não são iguais e que é preciso estar atento ao período de resistência à oxidação. Vale a pena ler este estudo. Avaliação da resistência térmica de óleos e gorduras comerciais utilizados em frituras de imersão O processo de fritura é amplamente utilizado em restaurantes e indústrias em geral e a escolha da melhor gordura contribui para alimentos com melhor aparência, crocância e sem indesejáveis sabores de oxidação. Além disso, a resistência térmica dos óleos e gorduras é um importante fator de impacto na qualidade e no aspecto econômico. Os aspectos nutricionais sempre são importantes e neste ponto existe deve existir um equilíbrio entre resistência térmica e ausência de ácidos graxos trans, compostos amplamente questionados nutricionalmente. A fritura O processo pelo qual o óleo transfere calor para o interior do alimento por condução denomina-se fritura de imersão. O produto obtido por meio deste processo torna-se detentor de maior teor lipídico e apresenta cor e aparência uniformes (SELMAN, 1989). “No processo de fritura, o alimento é imerso em óleo quente na presença de ar, e assim, é exposto à oxidação interagindo com uma série de agentes (ar, água, alta temperatura e componentes dos alimentos que estão sendo fritos) que causam degradações em sua estrutura, especialmente quando utilizado por um longo período, gerando compostos responsáveis por odor e sabor desagradáveis, incluindo substâncias que podem causar riscos à saúde do consumidor, tais como irritação do trato gastrointestinal, diarréia, dentre outros” (BRASIL, 2004). Dentro deste contexto, em Dezembro de 2003, a ANVISA recebeu uma documentação da Associação de Defesa do Consumidor, fazendo requerimento à participação nas ações para criação de uma Norma Brasileira que disponha sobre a utilização e descarte de óleos e gorduras utilizados para fritura, onde se requeria o estabelecimento de alguns limites: quantidade de ácidos graxos livres inferior a 0,9%, teor de compostos polares inferior que 25% e valores de ácido linolênico inferiores a 2%. Devido a esse documento foram elaboradas 10 recomendações de boas práticas de fabricação, não sendo indicado nenhum valor de compostos polares, ácidos graxos livres, nem limitando o teor de ácido linolênico (BRASIL, 2004). Metodologia Foram analisadas nove amostras comerciais de gorduras e óleos destinadas à fritura de imersão com o intuito de verificar as suas possíveis fontes e a resistência térmica de cada amostra. As amostras foram submetidas a termoxidação a fim de simular um processo de fritura, onde permaneceram sobre aquecimento a 180 ºC em três tempos distintos: T0 (0 hora), T1 (12 horas), T2 (24 horas). As análises realizadas nas amostras iniciais e nas amostras termoxidadas foram: ácidos graxos livres, índice de peróxido, composição em ácidos graxos, estabilidade oxidativa, predição dos shelf-life e compostos polares. food service news | 75 FS PESQUISA Discussão dos resultados Composição em ácidos graxos Através da análise da composição em ácidos graxos foi possível identificar a fonte das amostras como representado na Tabela 1. Amostras Fonte A Óleo de Palma B Soja Hidrogenada C Óleo de Soja D Óleo de Girassol E Óleo de Palma F Óleo de Algodão G Soja Hidrogenada H Soja Hidrogenada I Óleo de Soja Tabela 1. Fonte de amostras comerciais de óleos e gorduras para fritura. As amostras B, G e H apresentaram teores elevados de ácidos graxos trans, aproximadamente 20%, indicando que passaram por um processo de hidrogenação parcial, conferindo maior estabilidade térmica a essas gorduras. Ácidos graxos livres e índice de peróxido Após a termoxidação as amostras sofreram um pequeno aumento no teor de ácidos graxos livres e índice de peróxido, sendo que as amostras D, F e I apresentaram maiores teores de acidez, e as amostras C, D, F e I maiores índices de peróxido, como representado na Tabela 2. Essas alterações estão relacionadas com a composição em ácidos graxos dessas amostras, pois como se tratam de óleos e não gorduras há um maior teor de insaturações provenientes dos ácidos graxos, tornando as mesmas mais susceptíveis ao processo de termoxidação. Análises A B C D E F G H I Tempo 0 0,05 0,05 0,06 0,05 0,04 0,03 0,05 0,04 0,04 Tempo 24h 0,18 0,14 0,23 0,41 0,14 0,66 0,29 0,34 0,51 Índice de peróxido Tempo 0 (meq O2/ Kg) Tempo 24h 1,50 0,85 2,10 2,30 2,40 1,50 1,70 1,30 2,70 4,65 1,18 7,00 27,46 1,63 8,41 1,56 3,59 9,25 Ácidos graxos livres (%) Tabela 2. Análises físico-químicas em amostras comerciais de óleos e gorduras para fritura. 7676 | food | food service service news news Estabilidade oxidativa As amostras com maiores teores de ácidos graxos poliinsaturados (C, D e I) foram as que apresentaram menor estabilidade oxidativa, enquanto as amostras de gorduras apresentaram valores elevados, sendo as amostras de origem palma (A e E) as mais estáveis a oxidação. As amostras mais instáveis a oxidação foram os óleos de soja e girassol (C, D e I), devido o baixo teor de ácidos graxos saturados. Os valores de estabilidade oxidativa a 110ºC estão representados na Figura 1. Estabilidade oxidativa (horas) 70 60 58,6 50 55 50,1 46,1 52,3 40 30 21 20 10 0 7,3 A B C 7,6 4,5 D E AMOSTRAS F G Figura 1. Estabilidade oxidativa a 110ºC em amostras comerciais de óleos e gorduras para fritura. H I FS PESQUISA Shelf-life Os valores preditos de shelf-life foram calculados a partir dos resultados de estabilidade oxidativa obtidos em três temperaturas distintas, 110ºC, 120ºC e 130ºC, com exceção da amostra I que apresentou baixa estabilidade na temperatura de 130ºC, necessitando de estabilidades nas temperaturas de 90ºC, 110ºC e 120ºC para cálculo da predição do shelf life. As amostras A, B, E, G e H foram as que apresentaram maior shelf-life, sendo as gorduras B, G e H as detentoras de maiores teores de ácidos graxos trans, que conferem maior resistência térmica e as amostras A e E amostras com alto teor de saturados por apresentarem como fonte a palma, como já mencionado. Os valores de shelf-life a 25ºC estão representados na Figura 2. 40 37 35 30 Shelf life (meses) 30 25 27 25 21 20 15 15 10 5 2 0 A B 3 1 D C E F G H I AMOSTRAS Figura 2. Shelf life estimado (meses) a 25ºC em amostras comerciais de óleos e gorduras para fritura. Compostos polares Devido à degradação lipídica proveniente da termoxidação há formação de compostos polares, com isso, quanto maior o teor de compostos polares menor é a qualidade do óleo/gordura para fritura (MÁRQUEZ-RUIZ, 1996). Todas as amostras apresentaram aumento no teor desses compostos de forma crescente em T0, T1 e T2. As amostras que apresentaram maior formação de compostos polares foram os óleos (C, D, F e I), enquanto que as gorduras (A, B, E, G, H) demonstraram menor formação de compostos polares, como visualizado na Figura 3. Compostos polares (%) 60 50 48 50 40 30 24,5 23,5 20 10 0 7 10,5 3,5 A B 8 10,5 C 10,5 D 7 10,5 E 10 7,5 F 10 G AMOSTRAS 12 horas 24 horas Figura 3. Compostos polares em amostras comerciais de óleos e gorduras para fritura. 78 | food service news 4,5 H 8 10,5 I De acordo com o informe técnico da ANVISA, o valor máximo estabelecido é de 25% para óleos e gorduras utilizados para fritura (BRASIL, 2004). Através deste prisma, as amostras D e I, após serem expostas ao aquecimento, apresentaram valores acima da especificação. Conclusão Através do presente estudo verificou-se que as amostras de óleo de palma apresentaram estabilidade oxidativa e shelf-life semelhantes às gorduras parcialmente hidrogenadas, sem a incoveniência da presença dos ácidos graxos trans. O uso de óleos vegetais na fritura, apesar do menor de teor de ácidos graxos saturados, é inviável pelo fato de que possuir uma resistência térmica muito baixa, o que prejudica em muito a qualidade do alimentos devido a rápida formação dos compostos polares. Referências BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Informe Técnico nº11, de 5 de outubro de 2004. Disponível em: <http://portal. anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/home/alimentos/!ut/p/c4/04_ SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hnd0cPE3MfAwMDMydnA093Uz8z00B_A3cvA_2CbEdFADQgSKI!/?1dmy&urile=wcm%3Apath%3A/ anvisa+portal/anvisa/inicio/alimentos/publicacao+alimentos/inform es+alimentos/2004-10-05-11>.. Acesso em: 22 de março de 2013. MÁRQUEZ-RUIZ, G. JORGE, N. MARTÍN-POLVILLO, M. DOBARGANES, M. C. Rapid, quantitative determination of polar compounds in fats and oils by solid-phase extraction and size-exclusion chromatography using mostearin as internal standard. Journal of cromatography A. n. 749, p. 55-60, 1996. SELMAN, J. Oil uptake in fried potato products. In: Frying. Symp. Proc. 35, 25 Fev, 1988, pp. 70-81, Brit. Food Mfg. Ind. Res. Assn, Leatherhead, UK.