1 REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Arlete Inês Aurelli - Professora de Direito Processual Civil da PUC/SP e do Curso FMB. Com o advento da Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006 foi regulamentado o parágrafo terceiro do artigo 102 da Constituição, trazido pela Emenda Constitucional n. 45/04, que estabeleceu mais um requisito de admissibilidade para a interposição do recurso extraordinário, qual seja a demonstração da repercussão geral da questão constitucional debatida. Para tanto, foram encartados os artigos 543-A e 543-B no Código de Processo Civil. A exigência da repercussão geral como requisito para o recurso extraordinário é, na verdade, reedição da argüição de relevância que era exigida no regime da Carta Constitucional de 1967, com base no seu art. 119, parágrafo primeiro com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 1 e constante do art. 308 do Regimento Interno do STF. A referida argüição de relevância exigia que, no corpo do agravo de instrumento contra decisão denegatória do recurso extraordinário, o interessado demonstrasse que a questão era de interesse público relevante, ou seja, o recurso tratava de matéria que não estava confinada ao interesse particular dos litigantes mas dizia respeito a toda a coletividade. A diferença entre a argüição de relevância e a repercussão geral é que aquela estava restrita à matéria infraconstitucional (na época, o objeto do RE compreendia tanto questões de lei federal como Constitucionais) enquanto esta é exigida somente para a questão constitucional, já que para o RESP não há tal requisito. Além disso, a argüição de relevância, oriunda do regime ditatorial poderia ser julgada em sessões secretas do STF, sem necessidade de fundamentar as decisões, o que não é possível no atual sistema. Nesse sentido, o parágrafo sétimo do art. 543-A determina que as decisões sobre a repercussão geral serão publicadas no Diário Oficial. A Constituição de 1988 estabeleceu o Estado de Direito no país, pelo que todos os julgamentos serão 2 públicos e fundamentadas todas as decisões (art. 93, IX CF), inclusive no tocante a decisão sobre a repercussão geral. No entanto, a finalidade da repercussão geral é a mesma da argüição de relevância, qual seja fazer com que o STF somente analise questões constitucionais de interesse geral e não de restritos a mero direito exclusivo e particular das partes envolvidas. É objetivo do legislador fazer com que o STF profira decisões que sejam úteis à coletividade. Não se deve pensar na repercussão geral como geradora de decisão com efeito “erga omnes”. Os acórdãos dos Recursos Extraordinários, ainda que tratem de hipóteses de repercussão geral, continuarão a Ter sua eficácia sentencial restrita às partes. Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Cândido Rangel Dinamarco, “mirando o exemplo da Corte Norte- americana, quer agora a Constituição, que também a nossa corte só se ocupe de casos de interesse geral, cuja decisão não se confine à esfera de direitos exclusivamente dos litigantes e possa ser útil a grupos inteiros ou a uma grande quantidade de pessoas. Daí falar em repercussão geral – e não porque toda decisão que vier a ser tomada em recurso extraordinário vincule todos com eficácia de autoridade erga omnes, mas porque certamente exercerá influência em julgamentos futuros e poderá até abrir caminho para a uma súmula vinculante.” Mas como saber se a questão constitucional é de repercussão geral? Nesse ponto a lei não é esclarecedora e contém conceito vago, ficando sujeita a entendimento judicial altamente subjetivo. De fato, o parágrafo primeiro do art. 543-A dispõe que: Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Como se vê, a redação do referido dispositivo deixa a definição do que deve se entender por repercussão geral dependente de exclusivo critério subjetivo do órgão julgador. Como definir o que é questão relevante do ponto de vista político, social ou jurídico? A resposta dependerá de critérios estabelecidos conforme os valores e princípios particulares de cada juiz. Veja-se que a decisão sobre o cumprimento do requisito ora discutido será irrecorrível (parte final art 543-A), pelo que cria a possibilidade de discricionariedade judicial. Inexiste, inclusive, a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra ato 3 judicial, eis que já será decisão do Plenário do STF. Na verdade, o verdadeiro objetivo da criação desse requisito é mais político que jurídico: afunilar, ainda mais, a quantidade de recursos extraordinários a serem julgados. O STF está abarrotado de processos para julgar e não consegue dar vazão aos julgamentos. Assim, criou-se uma barreira talvez intransponível para a maioria dos jurisdicionados, inclusive ferindo o direito consagrado constitucionalmente de acesso à Justiça.(art. 5, inciso XXXV). A criação do requisito, portanto, é mais política que propriamente jurídica. A única previsão concreta sobre o que se deve entender por matéria de repercussão geral é dada pelo parágrafo terceiro, do art. 543-A, que dispõe que será assim considerada a questão que impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. Apenas não se especifica que tribunal estaria aí compreendido. Parece que se trata do próprio STF uma vez que o legislador utilizou a expressão definida “do” Tribunal e não “de” Tribunal. Ademais, a questão de repercussão geral deve tratar de violação da Constituição Federal, pelo que a Súmula o jurisprudência dominante com tal objeto somente podem ter sido proferidas, obviamente, pelo STF. Quanto ao procedimento, o recorrente deverá demonstrar a existência da questão de repercussão geral, em preliminar do recurso extraordinário, especificamente no tópico em que se trata da admissibilidade do recurso. O recurso não poderá ser indeferido pelo Tribunal de origem, com base nesse fundamento, sob pena de usurpação de competência. Caso isso ocorra, além do agravo de instrumento contra decisão denegatória, o interessado deverá ofertar reclamação para o STF, nos termos do art. 156 do Regimento Interno. A única atitude que o Tribunal de origem poderá tomar, de oficio, é a prevista no parágrafo primeiro do art. 543-B, qual seja, selecionar, a sua livre escolha, um ou mais recursos com o mesmo objeto e encaminhá-los ao STF, sobrestando os demais, até julgamento definitivo pela Corte. Nesse caso, se a existência da repercussão geral for negada, os recursos sobrestados serão automaticamente inadmitidos.(parágrafo segundo 543-B). Julgado o mérito do Recurso Extraordinário versando matéria idêntica, aqueles que ficaram sobrestados serão julgados pelos próprios tribunais de origem, Turma de uniformização ou Turmas Recursais. Estes deverão 4 acatar a decisão do STF sobre o recurso extraordinário idêntico. Assim, deverão ou retratar-se da decisão que proferiram ou declarar prejudicados os recursos sobrestados.(parágrafo terceiro 543-B). Se for admitido um recurso contrário à orientação firmada, o STF poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão (parágrafo quarto 543-B). O parágrafo quarto do art. 543-A estabelece que a existência de repercussão geral deverá ser declarada por, no mínimo, 4 votos para dispensar o encaminhamento ao Plenário do Tribunal. Caso contrário, o recurso será encaminhado para tal órgão para apreciação do requisito. Assim, se não se obtiver pelo menos 4 votos positivos (Os quatro votos serão de membros da Turma em relação a qual foi distribuído o Recurso Extraordinário (art. 9, inciso III do Regimento Interno do STF, ressaltando-se que referido órgão se reúne com mínimo de 3 Ministros) sobre a repercussão geral, os autos serão encaminhados ao plenário. Nesse caso, para acatar a determinação da Constituição Federal, será preciso, no mínimo, 8 votos, já que falase em 2/3 de seus membros (O total de Ministros no STF é de 11, sendo que o Plenário somente se reúne com a presença mínima de 6, conforme art. 143 do Regimento Interno). O STF deverá dispor, através de seu Regimento Interno, sobre as atribuições dos Ministros, Turmas e outros órgãos sobre o processamento para análise da repercussão geral. Se a existência de repercussão geral for negada a decisão terá efeito expansivo sobre todos os recursos que tratem de matéria idêntica, os quais também serão indeferidos.(parágrafo quinto, 543 A). Entretanto, se houver revisão da tese, dispõe o parágrafo quinto, os recursos serão admitidos. Mas, como obter revisão da tese, se os recursos idênticos não serão admitidos? Parece pouco provável que essa possibilidade venha a existir. O parágrafo sexto criou nova modalidade de intervenção de terceiros, mais parecida, pelo objetivo, com a assistência ou com a oposição ante a permissão para que terceiros possam se manifestar sobre a repercussão geral. Como não há delimitação, a manifestação poderá ser tanto a favor da existência da repercussão geral como contra. Essa manifestação deve ser assinada por advogado, nos termos do Regimento Interno do STF. A súmula da decisão sobre repercussão geral constará de ata, que será publicada e valerá como acórdão.