Supremo retrocede quanto ao recurso extraordinário Postado por: Saul Tourinho Seção: Constitucional Fonte: Fio da Meada – Valor Econômico “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, imortalizou Antoine de Saint- Exupéry. O Supremo Tribunal Federal (STF) cativou uma nova feição do recurso extraordinário, consistente na aproximação, com o advento da repercussão geral, das suas características às da ação direta de inconstitucionalidade (Adin). Agora chegou a hora de se sentir responsável. Em 2004, a Constituição foi emendada. Estabeleceu-se que, no recurso extraordinário, o recorrente deve demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas. O dispositivo foi regulamentado pelo Código de Processo Civil e pelo regimento interno do Supremo, além das questões de ordem que desenharam o instituto. Eis o princípio: o STF não apreciará mais recursos idênticos. Ele julgará a tese, uma única vez. Com a súmula vinculante, amarrará as esferas públicas exigindo obediência à decisão. O sistema fechava. Era a aurora da racionalização. A doutrina, ao tempo em êxtase, atribuiu nomes à obra: “objetivação”, “abstrativização” e “abstração”. O fenômeno consistia numa aproximação entre as características do recurso extraordinário - que tem perfil individual, vinculado às partes do caso -, às do controle abstrato de constitucionalidade, cujo instrumento principal é a Adin. As características da Adin são: discute temas de repercussão; a causa de pedir é aberta, o STF pode declarar a inconstitucionalidade com base em qualquer dispositivo da Constituição, mesmo que não indicado pela parte; não há exigência de “prequestionamento”, discussão em instância anterior acerca do ponto a ser apreciado; cabe a participação deamicus curiae; é possível a realização de audiência pública; a decisão tem efeitos vinculantes; é possível a modulação de efeitos visando impedir que a declaração de inconstitucionalidade retroaja. Com a repercussão geral, as características acima passaram a compor o recurso extraordinário. Ele discutia temas de repercussão, tinha causa de pedir aberta, não necessitava mais do prequestionamento, permitiria o amicus curiae, poderia ensejar convocações de audiências públicas, contava com a súmula vinculante e, por fim, poderia suscitar modulação de efeitos. Uma revolução! Recentemente, uma decisão do Supremo impôs que a parte abra em seu recurso a preliminar formal de repercussão geral, ainda que o tema já tenha sido reconhecido como de repercussão. Além disso, decisões de alguns ministros têm exigido que a parte não só desenvolva raciocínio fundamentando a repercussão, mas que a comprove. Isso coloca no colo do cidadão um esforço adicional que tem perfume de jurisprudência defensiva. O Supremo é que deve aferir o relevo das discussões que lhe são endereçadas e a oportunidade de apreciá-las. No “caso Roriz” (aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010), entendeuse que, em recurso extraordinário, a Corte está vinculada ao pedido da parte, não se podendo falar em causa de pedir aberta. O prequestionamento, que um dia já chegou a ser afastado, voltou. O amicus curiae, cuja previsão é legal, tem sido, para alguns ministros, causa de estranheza ao figurar em recursos extraordinários. Por sorte, recentemente tivemos audiências cujos temas eram tratados nesse tipo de recurso. A súmula vinculante – essencial para a repercussão geral -, foi aprovada, pela última vez, em fevereiro de 2011. Desde então, nada mais. A modulação de efeitos, admitida algumas vezes, saiu de cena. Cadê a revolução? O Supremo está devolvendo o recurso extraordinário ao passado. Ele deixa de ser um meio que viabiliza a discussão de teses e passa a ser mais um caso concreto sob julgamento. No próximo ano completaremos uma década da aprovação da Emenda da repercussão geral. A celebração, continuada essa marcha, será melancólica.