Notas sobre Universidade e Desenvolvimento Roberto Smith* O eixo proposto para esse Seminário foi: por que e como reformar a Universidade, enquadrando-o dentro de um núcleo temático: Universidade e Desenvolvimento que coloca em destaque a globalização como sendo caracterizada por uma determinação excludente, perante a existência de um Projeto Nacional. É certo que vivemos no país um momento histórico, onde o inusitado é o fato de estarmos perante um processo de alternância de poder, sem que isso esteja a abalar as instituições de nossa precária formação democrática. Significa um amadurecimento político que deve ser cultivado e bem tratado. Significa também a possibilidade de compartilhamentos e embates que projetam uma visão de futuro com esperanças concretas de crescimento econômico e justiça social. É bem verdade que os momentos que antecederam ao processo eleitoral e a tomada de posse do novo Governo puseram em marcha vigorosos fatores defensivos do status quo e o desencadeamento de efeitos desestabilizadores que buscaram retirar as bases de sua sustentação política imediata. Essa fase exigiu por parte do Governo e dos segmentos que lhe dão sustentação política um extremo cuidado, mesmo porque, como é sabido, a carga de problemas herdados do passado compunha um conjunto de compromissos a serem observados, assim como um elevado ônus social onde as carências de uma sociedade desigual atingira os níveis mais elevados na ordem internacional. O atrelamento do país aos ditames do capital financeiro internacional havia se intensificado, e na sua expressão mais cabal encontra-se refletido no montante de crescimento da dívida e no grau de comprometimento das contas públicas com os pagamentos dos serviços da dívida. Eu não vacilaria em afirmar que o fator mais importante do quadro políticoeconômico que compõe o legado desse período de nossa história recente foi o rebaixamento da condição de soberania nacional jamais visto em toda a nossa história republicana. Esse quadro ganhou visibilidade e esteve presente tanto no âmbito da política real quanto nos processo simbólicos de representação da nação. A operação que buscou tornar o Estado mínimo e exaltar as virtudes do mercado, tão caros aos princípios neoliberais, foi imposta pelos países 1 desenvolvidos e aceita pelos países não desenvolvidos. Nem por isso os preceitos das reservas de mercado, do intervencionismo e do Estado forte foram abandonados pelos países desenvolvidos, e jogaram um papel importante na retomada do Império americano à posição de hegemonia internacional. A mão invisível dissimulava os punhos de ferro, como já se afirmava, desde os tempos de Adam Smith. O abandono de uma visão estratégica de Nação foi ratificado através de alguns procedimentos exemplares tais como: o descaso em relação à política energética, que conduziu ao afogadilho de soluções improvisadas e comprometedoras de nosso futuro; a lei de patentes, precipitada, que entregou parte preciosa de nosso patrimônio genético; o sistemático processo de esvaziamento da universidade pública, que reforçou nossa dependência científica e tecnológica, comprometendo sua autonomia e qualidade acadêmica. Quando o tema proposto para esta mesa coloca em destaque a globalização excludente, é preciso ter presente que este processo não é um caminho de mão única, imposto de fora para dentro do país, como que nos tornando vitimas de uma opressão indesejada. É sabido, portanto, que um ideário de consenso foi construído, buscando legitimidade dentro do país, o que elimina qualquer tentativa de busca de exclusivas determinações externas. Perante essa combinação contraditória, muitos elos foram construídos e terminam por se constituírem numa corrente que formou uma cadeia física e ideológica que impediu nosso desenvolvimento e nos fez mergulhar no desemprego. Se analisarmos o processo educacional brasileiro ao longo dos anos 90, vamos encontrar uma sucessão de eventos e elaborações técnicas e normativas que mostram uma elevada permeabilidade, emanando de um ordenamento internacional de agendas educacionais que vem a se tornar compromissos nacionais. Em 1990 foi realizada a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien na Tailândia, cujos resultados foram sintetizados na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, patrocinada pela UNESCO, da qual o Brasil foi um dos signatários. A centralidade da questão abordada pela Educação para Todos estava atada à universalização da educação básica e à erradicação do analfabetismo. Em 1993 o ministro - Murilo de Avelar Hingel ao inteirar-se daquele compromisso, por ocasião da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, na China, encaminhou o processo de elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos – 1993-2002, que deu origem a um processo de elaboração que se destacou pelo elevado grau de participação em múltiplas instâncias. Esses compromissos seriam reafirmados pelo ministro Paulo Renato Sousa ao constituir o GT para elaborar o Plano Nacional de Educação em 1997, ao afirmar que o referido Plano “deveria atualizar e convalidar os compromissos assumidos nas conferências internacionais, especialmente a declaração 2 Mundial sobre Educação para Todos a partir das metas da Conferência de Jomtien”. Vai se estruturando, nos anos estagnados da década de 90, o constructo da importância da universalização da educação básica e da erradicação do analfabetismo. Será reforçado com a criação do FUNDEF em 1996, logo após a aprovação da Lei 9.394 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e é fortemente amparado por textos competentes e politicamente corretos, como, por exemplo, os de Jaques Delors, mas sem respaldo e consistência na ação, essa sim fundeada nos preceitos liberais que fazem da educação, presa à concepção de capital humano, antes um produto de mercado do que um direito emancipatório do cidadão. Permeando o quadro de crise, em face de escassez de recursos que colocava uma situação do tipo “Escolha de Sofia” entre educação básica e superior, firma-se uma posição de principalidade da educação básica em contraposição ao ensino superior, obedecendo a uma lógica de que os recursos deste deveriam passar por um trade off para contemplar mais fortemente a educação básica. Essa concepção adotava a premissa de que o setor privado poderia se incumbir de suprir, em maior escala, a expansão da demanda por educação superior, como de fato ocorreu. Assiste-se, pois, a um processo de sucateamento das Instituições Públicas de Ensino Superior, que já é bastante conhecido. No entanto, e apesar disso, dois tipos de respostas emergem em meio à crise dessas instituições: - uma elevada expansão da oferta para atender à demanda, com preenchimento de vagas, criação de cursos noturnos etc., dentro da mesma força de trabalho e capacidade instalada; -a constatação de sua superioridade qualitativa, comparativamente às instituições privadas, quando dos processos de avaliação postos em prática pelo Governo. O movimento docente organizado da Universidade, dentro do quadro de crise, se vê premido entre a intransigência do Governo passado em dialogar e negociar, e as forças que fazem da ausência de negociação o instrumento de reforço de uma conduta política radicalizada, indispensável à manutenção de seus nichos de poder. Isso tem impedido a formulação de uma pauta que possa servir de guia para uma agenda mais ampla e aprofundada de negociações para a Universidade, passível inclusive de extrapolar as reivindicações válidas, de caráter corporativo. Essa situação é presente e atual dentro de um espectro mais amplo da política, pois reafirma que a Universidade não é um corpo estranho à Sociedade, e reproduz com suas características próprias o conjunto dos conflitos e debates inerentes ao processo político em marcha. 3 Mas afinal qual o projeto nacional? Evidentemente as diretrizes foram postas na campanha e foram escolhidas pelo voto. As restrições vão sendo decodificadas, assim como desarmadas as bombas de ação retardada, e devem ser iniciadas as ações que levem ao crescimento da economia e a geração de empregos dentro de posições de maior conforto macroeconômico. A medida em que diminui a nossa dependência ao FMI vai se tornando possível a adoção de uma política econômica mais independente. Com isto é fortalecido, ao mesmo tempo, o campo de autonomia do Estado na órbita internacional gerando uma aptidão para a inserção soberana do país no mercado internacional. Em termos propositivos é preciso desvencilhar a Universidade da impregnação ideológica privatista, que envolve a formação acadêmica acrítica, que esteve subjugada pelo pensamento único, que eliminou a agenda de desenvolvimento das estruturas curriculares. Por parte do MEC torna-se necessário abrir o diálogo e a negociação com a Universidade Pública que venha a se tornar estruturador de uma política de compromissos de parte a parte. Isso deve envolver tanto os avanços de natureza corporativa, quanto os avanços do papel requerido para uma Universidade entrosada com o processo de inclusão social, crescimento econômico do mercado interno, e com uma estratégia de avanço científico e tecnológico nacional. Muito provavelmente a lição que pode ser apreendida com o neoliberalismo é a de que o Estado não é onipotente, e que muitas vezes essa projeção do Estado significou a tutela que esteve sempre muito próxima ou integrada ao clientelismo. A interlocução entre o Estado e a sociedade civil organizada deve objetivar um projeto que envolve resultados e compromissos – dentro de uma escala temporal que refuta o imediatismo. Esse é o processo que se deve esperar de uma construção política democrática. Torna-se mais difícil implementá-la, primeiro porque não escamoteia os empecilhos e restrições de parte a parte, segundo porque exige uma ordenação temporal hierarquizando o suprimento de carências e necessidades em distintas escalas de valor, terceiro porque os processos são dinâmicos, mutáveis e não lineares, requerendo muitas vezes repactuações, e por fim porque deve ter por pressuposto a clareza e transparência de propósitos entre os interlocutores. Acreditamos que esse é o processo que deve vir a ser entendido e pactuado para o início de negociações que retirem a Universidade do atoleiro em que foi despejada, reintroduzindo-a a partir de uma visão estratégica, onde uma coisa parece certa: a Universidade pública integrada ao desenvolvimento social não deverá ser nunca mais a mesma. Mas essa é uma construção coletiva. *Doutor em economia pela USP, professor do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará e atual presidente do Banco do Nordeste do Brasil. 4