Material de penso tradicional e novas tecnologias As úlceras de pressão (UP) são lesões cutâneas ou dos tecidos moles, superficiais ou profundas, de etiologia isquémica, secundá- protecção da ferida do meio exterior; promover a granulação e absorver o exsudado. ria a um aumento de pressão externa, localizadas usualmente so- De entre os produtos disponíveis para o tratamento deste tipo de bre uma proeminência óssea.1 Classificam-se de acordo com o grau feridas, os revestimentos de espumas poliméricas (hidrocelulares, de dano tissular observado, a dimensão, o tipo de tecido presente, hidropolímeros ou hidroalveolares) têm geralmente uma superfície quantidade de exsudado e suas características, o estado da pele externa impermeável à água e às bactérias e permeável ao vapor de circundante e a presença de dor.2-5 água e ao oxigénio (semioclusivos); ao centro, espuma absorvente; Apesar de a evidência científica disponível ser insuficiente para em contacto com a lesão, superfície perfurada e adesiva (ou não) se concluir sobre que revestimento é mais efectivo na gestão das aos bordos da ferida, minimizando o risco de derrame. Não deixam úlceras de pressão, o consenso profissional recomenda que o am- resíduo na remoção, nem desprendem odor. Indicados em lesões mo- biente óptimo para a cicatrização das feridas deve ser criado através derada a altamente exsudativas, em fase de granulação, mesmo em da promoção da humidade na interface penso/leito da ferida.2 Os áreas de fixação difícil, devido à sua maleabilidade. Por permitirem a efeitos benéficos do meio húmido incluem a prevenção de desidra- gestão da pressão, podem ser usados na prevenção de UP.8,9,10 tação do tecido e morte celular, angiogénese acelerada, o desbri- Os revestimentos de silicone na forma de placa estão geralmen- damento autolítico e a redução da dor, por protecção das termina- te associados a uma espuma que absorve o exsudado e mantém ções nervosas do leito da ferida. Assim, mantêm as células viáveis um ambiente húmido, minimizando o risco de maceração; não pro- e permitem que elas libertem factores de crescimento, estimulando vocam trauma na remoção, nem lesam a pele circundante; podem a sua proliferação.6,7 ser utilizados sob as ligaduras para terapia de compressão e podem JANEIRO/FEVEREIRO 2009 Tratamento de úlceras de pressão ser cortados.9 Úlcera de pressão de Grau I e úlcera de pressão com tecido de epitelização Os hidrocolóides são constituídos por carboximetilcelulose sódica, gelatina e pectina, entre outras. Quando em forma de placa, UP de grau I são eritemas não branqueáveis em pele intacta; apresentam um revestimento de poliuretano e criam condições de existe compromisso da microcirculação e precedem a solução de tratamento em ambiente húmido, têm capacidade autolítica e uma continuidade. O objectivo do tratamento é hidratar a pele, proteger capacidade moderada de remoção de exsudado. Têm como indica- dos factores de agressão e melhorar a microcirculação. ção lesões moderadamente exsudativas, em fase de granulação ou De entre os produtos disponíveis para as UPs de grau I, salientam-se os cicatrizantes com acção emoliente. A trolamina tem capacida- com tecido necrosado. Formam um gel sobre o leito da ferida, com coloração e odor particulares. de de aumentar o recrutamento dos macrófagos, que promovem a Os revestimentos de alginato adsorvem cerca de 10 a 20 vezes multiplicação e crescimento das células epiteliais e a consequente o seu peso em exsudado, por capilaridade. Formam um gel hidrófilo regeneração tissular. As soluções de ácidos gordos hiperoxigenados que recobre a ferida, permite a troca de gases, cria um meio húmido restauram o filme hidrolipídico e a circulação capilar. O dexpantenol na superfície da úlcera e proporciona o alívio da dor. Possuem ainda é rapidamente convertido nas células em ácido pantoténico, indis- propriedades hemostáticas. São pensos primários para úlceras de pensável para a formação e regeneração da pele e mucosas. pressão ou vasculares altamente exsudativas e/ou sangrantes (in- Estes produtos podem igualmente ser utilizados nas UPs com fectadas ou não).8,9,10 tecido de epitelização, mas numa fase mais avançada, menos Finalmente os revestimentos de hidrofibra de hidrocolóide são sangrante. Apresentam vantagens comparativamente à gaze va- constituídos por carboximetilcelulose; apresentam maior capacidade selinada que apenas protege, evitando a desidratação, pela sua de absorção de exsudado que os hidrocolóides, são fáceis de apli- estrutura lipídica.2 car em feridas cavitárias e gelificam em contacto com o exsudado, As UPs com tecido de epitelização caracterizam-se pela presença de células epiteliais de aspecto translúcido rosadas. O objec- criando condições de tratamento em ambiente húmido, sendo removidas sem resíduo; têm capacidade autolítica.8 tivo do tratamento é proteger as células recém-formadas, favorecer a epitelização e fornecer humidade, temperatura, pH e oxigenação adequada. Úlceras de pressão resistentes O processo de cicatrização de feridas pode ser dificultado por pro- Este tecido tem uma primeira fase muito sangrante, sendo aqui blemas subjacentes ao doente que as apresenta (diabetes mellitus, os apósitos semioclusivos em forma de filme transparente de poliure- insuficiência venosa crónica) ou exteriores a este (pressão manti- tano, silicone ou hidrocolóide, o tipo de revestimento mais indicado, da). Simultaneamente ao processo de cronicidade, assiste-se a uma devido às propriedades elastoméricas e extensíveis. São permeáveis elevação da concentração de proteases no exsudado que dificulta ao vapor de água e aos gases e impermeáveis aos líquidos; não têm a cicatrização. capacidade de absorção de exsudado; e permitem uma fácil inspecção da ferida.8,9,10 Úlcera de pressão com tecido de granulação Os revestimentos activos bioactivos ou baseados na engenharia de tecidos procuram influenciar o processo de cicatrização, tendo indicação nesta situação.2 Os primeiros (factores de crescimento, o colagénio e o ácido hialurónico) contêm componentes que agem ao nível bioquímico Feridas de aspecto avermelhado brilhante, muito frágeis, san- no leito da ferida, influenciando o crescimento celular ou corrigindo grando com facilidade, irregulares; podem ser superficiais ou ca- deficits químicos.2,9 Os revestimentos de colagénio actuam modu- vitárias. O objectivo do tratamento é a prevenção da infecção; a lando e equilibrando o ambiente patológico das feridas crónicas; não ROF ROF 79 87 3 BOLETIM DO CIM devem ser aplicados em feridas infectadas ou necrosadas. O ácido e fungos, e baixo potencial para o desenvolvimento de resistência hialurónico tem um papel importante no processo de cicatrização; bacteriana.6 A prata pode também reduzir o odor. absorve grandes quantidades de exsudado, actuando como hidra- Existem ainda produtos com iodopovidona, cloro-hexidina e pe- tante e hidroregulador natural; está indicado em lesões em fase de róxido de hidrogénio, embora, como já descrito anteriormente, estes granulação e contra-indicado em feridas infectadas; pode ser com- produtos retardem a cicatrização celular. binado com desbridantes.9 Os produtos baseados na engenharia de tecidos, ou substitutos de pele, replicam uma ou mais camadas da pele humana.2 Os revestimentos de carvão estão indicados em úlceras onde exista contaminação bacteriana ou infecção acompanhada de odor. Podem estar associados a outros componentes antimicrobianos (prata) ou absorventes de exsudado (alginato de cálcio, carboxi- Úlceras de pressão com tecido necrótico Feridas com áreas de tecido desvitalizado e reconhecido pela sua cor negra ou acastanhada. O objectivo do desbridamento é remover tecido morto e detritos celulares, combater a eventual colonização/infecção local, manter metilcelulose). O carvão adsorve os microrganismos e neutraliza os odores desagradáveis.9 O mel, pela sua hiperosmolaridade e conteúdo em substâncias antimicrobianas específicas, é considerado efectivo no tratamento de feridas infectadas, existindo na forma de pensos impregnados.12 ambiente húmido de modo a permitir a acção autolítica, promovendo a cicatrização.2 Em caso de necessidade urgente de desbridamento (celulite extensa ou sépsis), este deve ser cirúrgico.11 Os desbridamentos enzimático e autolítico são métodos selectivos Conclusão O conhecimento profundo dos diferentes produtos, em termos de funcionamento e resultados, assim como as características es- pouco agressivos, de acção lenta, eficazes em úlceras não infectadas.6 pecíficas de cada ferida, é essencial à prestação de cuidados de O primeiro envolve a utilização de enzimas proteolíticas (colagenase, qualidade. É, igualmente, prioritária a disseminação de guias tera- a estreptoquinase e a fibrinolisina) que estimulam a degradação do pêuticos, baseados em evidência científica credível, que facilitem o tecido desvitalizado.6 O desbridamento autolítico utiliza os próprios uso racional desses produtos. leucócitos e enzimas presentes no leito da ferida para a degradaNadine Ribeiro ção do tecido necrótico; recorre a pensos sintéticos oclusivos com Serv. Farm. Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental hidrogel, hidrocolóides ou outros.11 Os revestimentos de hidrogel são Hospital de S. Francisco Xavier constituídos por gel hidrofílico de hidrocolóide, disperso num excipiente transparente e viscoso, com cerca de 70 a 90% de conteúdo em água. Pelas suas características de hidrorregulação, cria no leito da ferida um meio húmido que hidrata os tecidos necrosados e promove o desbridamento autolítico; estimula a angiogénese e favorece a granulação. Este gel em feridas secas fornece humidade ao meio; em feridas com excesso de humidade, absorve exsudado do meio Bibliografia: 1. European Pressure Ulcer Advisory Panel. Pressure Ulcer Treatment Guidelines. Disponível em: http://www.epuap.org/gltreatment.html (acedido a 03-01-2009) – hidroequilíbrio. Não apresenta capacidade de absorção de exsudado, 2. National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE). The Pre- daí o risco de maceração da pele circundante.8,9,10 Também os apó- vention and Treatment of Pressure Ulcers. Quick Reference Guide, sitos de poliacrilato, que se activam mediante solução hiperosmolar de Ringer, permitem o desbridamento autolítico, por rehidratação Clinical Guideline 29. London, Royal College of Nursing, 2005. 3. Irion GL. Comprehensive wound management. Thorofare (NJ), Slack Incorporated, 2002. da placa de necrose. O desbridamento larval (bioterapia) recorre à 4. Panel for the Prediction and Prevention of Pressure Ulcers in Adults, utilização de larvas vivas de moscas varejeiras desinfectadas que Pressure Ulcers in Adults: Prediction and Prevention. Clinical Prac- actuam removendo o tecido necrosado e as bactérias, segregam tice Guideline, nº 3 (AHCPR Publication nº 92-0047). Rockville, (MD). substâncias que auxiliam a cicatrização e estimulam o crescimento Agency of Health Care Policy and Research, US Department of Health de tecido de granulação. Úlceras de pressão infectadas O papel dos agentes antimicrobianos no tratamento das úlceras de pressão permanece incerto, existindo dúvidas sobre qual a importância da presença de bactérias na cicatrização das feridas.2 O ambiente húmido, próprio das UPs crónicas, constitui um meio ideal para o crescimento bacteriano. Todas as UP estão colonizadas.11 A antibioterapia sistémica constitui uma alternativa de recurso nas UP, em presença de sinais sistémicos e clínicos de infecção, pois a infecção destas úlceras pode conduzir a osteomielite e septicemia. Existem no mercado vários agentes tópicos antibióticos e anti-sépticos, em loções para irrigação e limpeza de feridas de hipoclorito de sódio, hexaclorofeno, permanganato de potássio e roxo de genciana; and Human Services, 1992. 5. Harding K. Considerations in appropriate dressing design. Selected Abstracts from the Ninth EPUAP Meeting in Berlin, August 2006. Disponível em: http://www.epuap.org/review7_3/page10.html#5 (acedido a 03-01-2009). 6. Rocha JÁ, Miranda MJ, Andrade MJ. Abordagem terapêutica das úlceras de pressão – Intervenções baseadas na evidência. Acta Med Port, 2006; 19: 29-38. 7. Thomas DR: Issues and dilemmas in the prevention and treatment of pressure ulcers. A review. J Gerontol A Biol Sci Med Sci, 2001; 56A: M328-M340. 8. 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