TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 1 APELAÇÃO CÍVEL 2009.001.28554 APELANTE: ALDAIR PEREIRA NUNES NETO APELADO: SOCIEDADE EDUCACIONAL BRUGGER MOLEDO LTDA. PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS – RELAÇÃO DE CONSUMO: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS – FRATURA COMINUTIVA NA TÍBIA ESQUERDA – RASTEIRA APLICADA POR OUTRO ALUNO QUANDO SE DIRIGIAM À QUADRA DE ESPORTES PARA AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA: o artigo 14 da Lei 8.078/90 exige demonstração de defeito na prestação do serviço. RESULTADO LESIVO QUE NÃO SE SITUA NA LINHA DE DESDOBRAMENTO DAS ATIVIDADES DA ESCOLA – PREVISIBILIDADE DA RASTEIRA – INEVITABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE DA FRATURA COMO CONSEQUÊNCIA – PRESENÇA DE PROFESSOR E INSPETOR NO LOCAL DO ACIDENTE REVELANDO QUE NÃO HOUVE CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA PARA INCREMENTAR O RISCO DA OCORRÊNCIA DO RESULTADO MAIS GRAVE – PRONTO ATENDIMENTO PROVIDENCIADO PELA ESCOLA QUE TAMBÉM CUSTEOU TRANSPORTE E AULAS NA RESIDÊNCIA DO AUTOR DURANTE A CONVALESCENÇA – INEVITABILIDADE DO RESULTADO - INEXISTÊNCIA DE LESÕES MATERIAIS OU MORAIS ATRIBUÍVEIS AO ESTABELECIMENTO DE ENSINO PORQUE NÃO HOUVE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. (art. 14 §3º, I da Lei 8.078/90) – PEDIDO IMPROCEDENTE – CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA – DESPROVIMENTO DO APELO. ACÓRDÃO Vistos e examinados estes autos, ACORDAM os Desembargadores da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por UNANIMIDADE, nos termos do voto do relator, em conhecer do apelo e NEGAR-LHE PROVIMENTO. 2009.001.28554 VOTO Página 1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 2 VOTO DO RELATOR Presentes as condições recursais (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica) e pressupostos legais (órgão investido de jurisdição, capacidade recursal das partes e regularidade formal – forma escrita, fundamentação e tempestividade), a apelação deve ser conhecida. Conforme salientado na sentença recorrida os depoimentos colhidos revelam que a escola adotou todas as providências tanto para evitar o acidente quanto para reduzir os danos dele decorrentes. Vinícius Teixeira Bittencourt, às fls. 216/217, disse que não presenciou o acidente, mas chegou logo após o Autor ter sofrido a lesão, prestou os primeiros socorros e solicitou imediatamente que a administração da escola solicitasse o socorro do SAMU por haver constatado a fratura e que tal lesão poderia ser agravada com a movimentação. Narrou que aproximadamente em vinte minutos, o Autor foi socorrido pela ambulância do SAMU e que o acidente ocorreu por volta das 11h20min. Salientou que o avô do Autor compareceu na escola, pois foi solicitada sua presença e acompanhou o Autor na ambulância do SAMU enquanto seu avô acompanhou a ambulância em seu automóvel. Ponderou que a escola adotou providências para o transporte do Autor, além de matéria e ensino no momento crítico de sua lesão. Esclareceu que a lesão sofrida pelo Autor ocorreu no momento em que sua turma estava trocando o uniforme para a aula de educação física. Informou que existe um inspetor responsável pela disciplina da escola fora da sala de aula teórica e não se recorda se esse inspetor estava presente no dia em que o Autor sofreu a lesão. Destacou que acredita que a escola não possua atendimento especializado em primeiros socorros, e que a distância entre a escola e o hospital onde a vítima foi socorrida é de aproximadamente 3 Km. Disse que é professor de Educação Física do Autor e não se recorda quanto tempo o Autor ficou sem comparecer na escola. João Marins de Andrade Júnior, às fls. 218/219, disse que presenciou a agressão sofrida pelo Autor na escola e que o Autor estava brincando e 2009.001.28554 VOTO Página 2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 3 participando da brincadeira de ´bandar´, que consiste em um dar rasteira um no outro. Narrou que o Autor se machucou entre 11h30min e 12h, quando um colega lhe deu uma rasteira e atingiu a perna do Autor que começou a gritar. Salientou que correu para prestar auxílio, mas o professor chegou um pouco antes. Ponderou que ajudou na orientação de não deixar mexerem na perna do Autor para aguardar o atendimento médico e que foi chamada a ambulância do SAMU que chegou aproximadamente vinte ou vinte e cinco minutos depois. Apontou que posteriormente chegou a diretora do colégio e o inspetor que informou que estava prestando toda a assistência que podia ao Autor, como contratação de taxo para o transporte do Autor até a escola e que viu o Autor aos quatro meses andando de bicicleta e caminhando normalmente. Destacou que a quadra da escola passou a ficar fechada depois que aconteceu o incidente com o Autor. Esclareceu que os alunos estavam descendo da aula teórica para a quadra no momento em que ocorreu a brincadeira em que o Autor se machucou, de modo que não havia qualquer funcionário da escola na quadra naquele momento. Informou que presenciou a brincadeira entre as crianças e que fazia uma advertência de que podiam se machucar. Luciana dos Santos Ferreira, às fls. 220, disse que não presenciou a agressão sofrida e ficou aproximadamente de trinta a quarenta e cinco dias ministrando aulas para o Autor em sua residência. Narrou que outros professores também ministraram aula para o Autor em sua residência por determinação da direção da escola e que a mãe do Autor comentou com a depoente que a escola estava prestando assistência para o mesmo ir e vir do hospital. Esclareceu que em sua presença o Autor abria janela, fechava portas da casa e se conduzia com muletas dentro de casa e não presenciou o fato de o Autor permanecer acamado. Mesmo que se considere que a responsabilidade da escola é de natureza objetiva em razão de se tratar da prestação de serviços educacionais submetida às normas da Lei 8.078/90, não restou caracterizada na hipótese conduta comissiva ou omissiva da escola que possa acarretar o dever de indenizar. 2009.001.28554 VOTO Página 3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 4 Relembre-se a lição de Miguel Reale: “Pois bem, quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico- como o de transporte, ou de trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos- implica a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja ou não culpa. Ao reconhecê-lo, todavia, leva-se em conta a participação culposa da vítima, a natureza gratuita ou não de sua participação no evento, bem como o fato de terem sido tomadas as necessárias cautelas, fundadas em critérios de ordem técnica. Eis aí como o problema é posto, com a devida cautela. O que quer dizer, com a preocupação de considerar a totalidade dos fatores operantes, numa visão integral e orgânica, num balanceamento prudente de motivos e valores”. A escola mantinha os alunos sob constante acompanhamento e havia professor conduzindo a turma para a aula de educação física na quadra de esportes. A responsabilidade por fato do serviço deve ser temperada com a verificação da evitabilidade do resultado danoso. Havia inspetor de alunos e professor no local. Tais providências são, em regra, suficientes para o controle do grupo de alunos. A escola não agiu ou se omitiu de forma a incrementar o risco de ocorrerem lesões corporais em seus alunos. Há previsibilidade objetiva de que meninos adolescentes pratiquem brincadeiras como a de aplicar “rasteiras” ou “bandas” em outros colegas. Entretanto a grave fratura não estava na linha de desdobramento naturalístico abrangida pelo risco inerente à atividade desenvolvida pela escola. É importante destacar que o fato do serviço deve estar abrangido pela atividade desenvolvida pelo fornecedor do serviço. Aplica-se a teoria do risco. Segundo essa teoria, será responsável independentemente de culpa quem exerce atividade que, devido à sua natureza, cria risco de dano a direito de outrem, se o dano efetivamente 2009.001.28554 VOTO Página 4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 5 vier a se verificar. Ora, nada mais justo, pois o agente sabia previamente dos riscos advindos da atividade exercida. Mesmo assim preferiu praticá-la. Assumiu o risco visando colher os frutos positivos; logo, terá de arcar com os prejuízos acarretados a outras pessoas, que suportaram o desenvolvimento da atividade. A responsabilidade civil objetiva que decorre da norma derivada do artigo 14 da Lei 8.078/90 obriga o fornecedor de serviços a responder, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Os parágrafos do artigo 14 da Lei 8.078/90 solucionam a questão: § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. A escola fornecia a segurança necessária à prestação do serviço de acordo com as expectativas razoáveis de risco. A brincadeira mais 2009.001.28554 VOTO Página 5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 6 violenta entre meninos encontra-se no âmbito da previsibilidade objetiva, entretanto o resultado mais gravoso, como o ocorrido com o autor ultrapassa a linha de desdobramento naturalístico em casos desta natureza. Deste modo, presente o resultado danoso não se vislumbra o nexo de causalidade com qualquer conduta comissiva ou omissiva da escola, estando o evento em área que ultrapassa a previsibilidade objetiva. O resultado era inevitável para a escola e não houve defeito na prestação do serviço. A escola adotou as providências para evitar o que era objetivamente previsível. Somente a ausência destas providências poderia acarretar sua responsabilidade em razão de defeito na prestação do serviço. Resultados que se situam além do que poderia ser evitado pela escola através da adoção das medidas ordinárias de vigilância não podem gerar o dever de indenizar porque se situam fora dos riscos inerentes à prestação dos serviços educacionais. A responsabilidade objetiva não significa responsabilidade integral, inclusive por eventos fora da abrangência do contrato de prestação de serviços educacionais. Não houve falha de nenhum funcionário, equipamento ou instalação do estabelecimento de ensino e a atividade educacional consistente na aula de educação física ainda não havia iniciado. O ato praticado pelo outro estudante deflagrou processo causal que superou todas as expectativas na prestação do serviço educacional. Tais riscos jamais foram assumidos pelo prestador do serviço porque não decorrem das atividades contratadas com os pais dos alunos. Neste sentido destacam-se no STJ e no TJRJ: 2009.001.28554 VOTO Página 6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 7 (...) O fato de o artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. (...) A inevitabilidade e não a imprevisibilidade é que efetivamente mais importa para caracterizar o fortuito. E aquela há de entender-se dentro de certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se. (REsp 120.647/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2000, DJ 15/05/2000 p. 156) 2009.001.09791 - APELACAO - 1ª Ementa DES. LUIZ FELIPE FRANCISCO - Julgamento: 07/07/2009 - OITAVA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM MENOR NO INTERIOR DE CRECHE DA REDE PÚBLICA. INOCORRÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA NA VIGILÂNCIA DOS ALUNOS. IMPOSSÍVEL EVITAR-SE PEQUENOS ACIDENTES, AINDA MAIS TRATANDO-SE DE AÇÕES DE CRIANÇAS DE TENRA IDADE. ESCOLA QUE ADOTOU TODAS AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS ANTES DA CHEGADA DO RESPONSÁVEL AO COLÉGIO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CULPA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OCORRÊNCIA DO ACIDENTE QUE NÃO PODE SER IMPUTADO À DESÍDIA DE QUAISQUER DOS AGENTES DA ESCOLA, INVIABILIZANDO SUA RESPONSABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO 2008.001.29863 - APELACAO - 1ª Ementa DES. GILBERTO DUTRA MOREIRA - Julgamento: 10/06/2009 - DECIMA CAMARA CIVEL Apelação Cível. Ação de indenização. Responsabilidade civil do estado.Estudante atingido por pedrada nas dependências da escola estadual, causando-lhe perda parcial da visãoAto praticado por outra criança da comunidade vizinha à escola. Fato exclusivo de terceiro que afasta o nexo de causalidade entre o lamentável incidente e a conduta do ente federado.Omissão específica cuja caracterização impõe a aferição, de forma objetiva, de qual seria a conduta ideal para evitar o dano.Inexistência de muros no CIEP não caracteriza omissão estatal, eis que a colocação de grades é suficiente para ofertar segurança aos alunos, não restando caracterizada a falha no serviço público que imponha a obrigação de indenizar as conseqüências do lamentável acidente.Imprevisibilidade da conduta que vitimou o autor, tratando-se de fato inevitável e absolutamente estranho à política estatal ou à atuação dos prepostos do Estado.Provimento do primeiro recurso, para julgar improcedente o pedido, prejudicado o segundo. 2006.001.59000 - APELACAO - 1ª Ementa DES. EDSON VASCONCELOS - Julgamento: 07/03/2007 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL RESPONSABILIDADE CIVIL - ESTABELECIMENTO DE ENSINO - INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - Não se pode negar a existência do dever de vigilância que os professores devem exercer sobre os alunos, mas não é viável, por outro lado, exigir-se da escola a garantia plena da inocorrência de acidentes envolvendo os estudantes, especialmente, na hora do recreio. É o que se chama de fortuito. Impossibilidade de responsabilização da escola que tomou as providências necessárias, tendo 2009.001.28554 VOTO Página 7 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL 8 inclusive arcado com despesas pessoais da família do menor que, nem lhe competiam. As demais situações fáticas descritas na peça exordial não podem ser imputadas à ora apelante pois os procedimentos para alta hospitalar não lhe dizem respeito bem assim todas as reclamações dirigidas à seguradora. Inexistência de nexo de causalidade. Provimento do apelo. Improcedência do pedido inicial. A sentença solucionou adequadamente o conflito de interesses e deve ser confirmada. Voto pelo conhecimento e desprovimento da apelação. Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2009. Cláudio dell´Orto JDS Desembargador 2009.001.28554 VOTO Certificado por JDS. DES. CLAUDIO DELL ORTO A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br. Data: 14/10/2009 18:12:15Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 2009.001.28554 - Tot. Pag.: 8 Página 8