O SUJEITO QUE APRENDE NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO:
DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Luciana da Silva Oliveira1 - EAPE/SEDF
Grupo de Trabalho – Metodologias para o Ensino e Aprendizagem no Ensino Superior
Agência Financiadora: ESDEI/UnB
Resumo
A formação docente no contexto da universidade pública relaciona-se às necessidades
geradas, historicamente, por um conjunto de ações sociais em detrimento a atuação prática e
missionária do professor. Objetivou-se discutir, nesse trabalho, desafios e possibilidades
relativas a aprendizagem e ao ensino de docentes da educação básica, no contexto da
universidade pública, no âmbito da pós-graduação lato sensu. Especificamente, detivemo-nos
na análise de estratégias pedagógicas favorecedoras da expressão do sujeito que aprende.
Teoricamente, embasaram as discussões e avanços relacionados a uma nova compreensão dos
processos de aprendizagem e desenvolvimento, a Teoria da Subjetividade de base históricocultural. Esse trabalho se constitui em um recorte de estudo mais amplo que vem sendo
desenvolvido no contexto do curso de especialização para professores de educação infantil da
rede pública de ensino, realizado na Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília, em
parceria com o Ministério da Educação, no período de 2014-2015. Participaram da pesquisa
cinco professoras, da rede pública de ensino, que cursam o programa de pós-graduação lato
sensu da UnB. Foram utilizados os seguintes instrumentos: observação-participante durante as
aulas do curso; encontros individuais e coletivos de orientação, durante o processo de
produção da monografia e um memorial docente. Analisa-se que, as principais estratégias da
aprendizagem relacionam-se a: a) momentos e registos que objetivaram o conhecimento da
trajetória pessoal e profissional dos participantes; b) estudos da perspectiva histórico-cultural;
c) atividade de pesquisa como um princípio metodológico; d) elaboração de monografia; e)
relação dialógica entre professores e professores-estudantes. Conclui-se que um espaço
formativo se constitui como tal na medida em que: favorece aprendizagens que impulsione o
desenvolvimento de um profissional autônomo, capaz de libertar o docente e possibilitar
espaços de atuação própria, de pensamento que o envolva e o aproxime das atividades de
caráter pedagógico e da própria docência.
Palavras-chave: Aprendizagem e ensino de professores. Universidade Pública. Sujeito que
aprende.
1 Pedagoga. Mestrado em Educação: Faculdade de Educação - Universidade de Brasília. Professora formadora
da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE (SEDF). E-mail:
[email protected].
ISSN 2176-1396
19787
Introdução
O contexto universitário, como espaço de formação docente, vive dicotomias e
dilemas perpassados por mitos que envolvem a concepção de uma formação que se diz
distante da realidade e das necessidades da profissão. A questão parte da ideia de que o
contexto universitário não consegue formar um professor como deveria, ou, alguém que esteja
preparado para o mercado. Discursos como estes centram-se em necessidades imediatas e na
preocupação com um modo técnico-prático de pensar o ensino. Desvinculado da pesquisa e da
implicação social, a docência não é compreendida como um trabalho relacional, com e sobre
o outro, o que imprime a esse trabalho caráter social, cultural e histórico na base do
desenvolvimento humano e nos processos de aprendizagem.
O questionamento de como a universidade vai qualificar professores relaciona-se,
dentre outras, a escola pública e a ideia e funcionamento de uma instituição social que é
legítima, mas que parece existir para “formar” pessoas – sejam elas crianças, jovens ou
adultos – e educá-las até o momento em que estejam prontas e tenham adquirido
conhecimento suficiente para uma vida de sucesso. Cabe buscar explicações sobre como
temos vivido a relação escola-universidade, o que exigimos dela e o que está contido nesse
processo que nos permite romper e superar dicotomias, discursos e críticas em direção a
mudanças. Esses dilemas centram-se nas maneiras de conceber a teoria-prática e no modo
como este contexto pode favorecer as aprendizagens do docente em processo de formação.
Este trabalho objetiva discutir desafios e possibilidades relativas a aprendizagem e ao
ensino de docentes da educação básica, no contexto da universidade pública, no âmbito da
pós-graduação lato sensu. Especificamente, detém-se na análise de estratégias pedagógicas
favorecedoras da expressão do sujeito que aprende. Essa compreensão relaciona-se às formas
com que uma proposta de formação continuada para professores subsidia, teoricamente, esses
profissionais, mas concomitantemente, permite a emergência de novas configurações de
sentido sobre o aprender e a docência.
Formar professores no contexto universitário: encontros e desencontros
A formação docente no contexto da universidade pública relaciona-se às necessidades
geradas, historicamente, por um conjunto de ações sociais em detrimento a atuação prática e
missionária do professor. Esse processo, não linear, permanece vivo nas lutas e movimentos
atuais de fortalecimento e valorização profissional. Uma vez que, nos modos de pensar a
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docência, identifica-se uma relação conflituosa estabelecida pela manutenção de concepções
advindas de um passado guardado em diferentes instituições e espaços atuais destinados a
formação docente no país.
Os motivos da institucionalização tardia das universidades no Brasil possuem diversos
argumentos, sendo que o mais frequente se refere às consequências ocasionadas pela ausência
de uma universidade nos tempos da colônia. Nesse período, afirma-se que Portugal bloqueava
qualquer forma de desenvolvimento do país, com o intuito de impedir a produção científica.
Se o ensino superior existente nos colégios jesuítas, à época, não se caracterizava como parte
de um ensino universitário, é porque havia o interesse dominante em mantê-lo sob a
perspectiva da ordem e do progresso. A respeito desse argumento, Cunha (2007a, p.14)
sugere, conceitualmente, que o ensino superior significa “aquele que visa ministrar um saber
superior”.
As universidades, no contexto da realidade brasileira, surgem em um constante dilema
a respeito do atendimento às exigências estatais, às necessidades econômicas e de
desenvolvimento do país. Além disso, deveria propiciar mudança e transformação social
aliada a uma perspectiva ideológica do contexto universitário, advinda dos movimentos e
lutas sociais. Nesse contexto, o papel do Estado sempre foi questionável. A manutenção,
apoio e segurança às mazelas e imposições a serem atendidas pelas universidades, assim
como o auxílio financeiro, tornou-se, muitas vezes, uma forma de controle estatal fortalecida
por meio de verbas, cotas, programas e projetos faraônicos a serem implantados.
De acordo com a história, os cenários das universidades em nosso país vivenciaram,
em sua implantação, um processo considerado confuso, assistemático, restrito e destinado ao
atendimento de público específico. Destacamos que essa situação encontra similaridade com a
história da própria educação básica, inicialmente, restrita por suas exigências de ingresso. O
acesso à universidade amplia-se em virtude do quantitativo de escolas e cursos técnicos
oferecidos à população. Esse fato, articula-se ao desenvolvimento das cidades, ao movimento
de urbanização (constituída dos conceitos de civilidade e modernização), a reestrutura das
relações sociais e ao acesso à instrução ao público feminino, que origina necessidades e
demandas ao ensino superior.
O percurso de mudanças e reforma universitária foi longo, perdurando até o golpe de
1964, em que, ao final desse período, identificam-se mudanças substanciais no contexto
universitário. O movimento de indução da modernização do ensino superior no Brasil foi
19789
iniciado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, aliada a construção de uma
universidade na capital do país, a Universidade de Brasília - UnB (CUNHA, 2007b).
A Faculdade de Educação torna-se dentro da proposta da UnB, um espaço de
formação de professores um tanto quanto diferente e novo no que diz respeito ao conceito de
formação docente instituído pelas Escolas Normais de Brasília. Mesmo entendendo a
necessidade de técnicas e métodos ensinados nessas escolas por meio de disciplinas como a
didática, o olhar para o docente muda e pretende-se a formação integral do professor. Esse
processo de formação se refere ao estabelecimento de novos tempos e espaços formativos,
centrado na organização de uma proposta curricular que contemple um pesquisador,
profissional político, crítico, participante e atuante em seu contexto social.
Em relação à necessidade de cursos de formação específica para o professor no ensino
brasileiro, Gatti (2010) discute que, no final do século XIX com a criação das Escolas
Normais, ocorreu a primeira proposta exclusiva para a formação de docentes no ensino das
primeiras letras, em nível secundário. Segundo a autora, a partir de meados do século XX,
esse curso passou a integrar o ensino médio. Atualmente, a partir da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a formação dos
professores para os primeiros anos do ensino fundamental e a educação infantil prevê o nível
superior. Saviani (2009) considera que em nosso país a questão da preparação de professores
ocorreu de forma explícita, apenas após o período da independência, quando se pensou a
organização da instrução popular.
Paralelamente a essa conjuntura, da formação inicial dos professores, surge a demanda
de cursos destinados à formação dos docentes que já estão desenvolvendo seu trabalho
pedagógico nas escolas, no exercício do magistério. Assim, a formação continuada dos
professores tem história recente no Brasil. Intensificou-se na década de 1980 e com o tempo
foi assumindo modelos diferenciados, desde cursos rápidos até programas mais extensos e em
modalidades diversas. No que se refere aos diferentes contextos de formação continuada,
identifica-se pela dinâmica da atuação docente a ampliação das possibilidades de estudos,
pesquisas e discussões a respeito de questões que envolvem sua atuação. Destacamos, dentre
esses, ações planejadas e organizadas nas universidades públicas, como os cursos de extensão,
especialização e os projetos de pesquisa.
Na pretensão de revalorizar à docência e responder aos anseios de professores que
passam a ocupar as universidades durante o desenvolvimento de seu ofício, surgem
indagações sobre os modelos de formação desses docentes. Saviani (2009) argumenta que as
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propostas de formação para professores configuram-se por dois modelos, ora centrada em
uma perspectiva dos conteúdos culturais-cognitivos, ora em uma visão pedagógico-didático.
Para o autor, é necessário superar o dilema e pensar exemplos de formação docente que
recupere a união entre os aspectos de ambos os modelos. Entendemos que essa discussão se
aproxima da grande questão presente nas faculdades de educação, o binômio teoria-prática.
Os desafios dessa formação surgem ao se pensar o ensino, a prática pedagógica e a
aprendizagem. Nota-se que a concepção de conhecimento científico precisa ser
redimensionada, dirigida a ideia de ciência e conhecimento em sua processualidade, na
constante produção e significação de novas lógicas sobre o mundo e o homem. As
experiências entre docência, escola e universidades públicas se consolidam nas possibilidades
de ações coletivas. Estabelece-se uma relação que tenta distanciar-se de posicionamentos
hierárquicos, de (retro) alimentação, nutrida pela compreensão de questões do cotidiano.
Essa discussão nos remete a investigação de novas metodologias, modelos e formatos
de formação docente no contexto da universidade. Para Silva (2012), a proposta
Trata-se da formação omnilateral, que permite compreender e se apropriar dos
fundamentos científicos, éticos, estéticos, artísticos e tecnológicos do conhecimento
(e não só das técnicas produtivas) que subjazem ao processo de trabalho,
contribuindo para a formação integral e emancipação do homem (SILVA, 2012, p.
206).
A partir disso, poderíamos dizer que propostas de formação de professores necessitam
ser pensadas com base na perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento, condição que
implica produção e transformação do humano. Desse modo, podemos compreender que a
docência se configura na relação teoria-prática e na possibilidade constante da produção de
conhecimentos em meio as tensões, desafios e brechas geradas em contextos. Os professores,
nessa concepção, são considerados coletivamente responsáveis pelo espaço social de
desenvolvimento, atuantes e sujeitos do seu processo de aprendizagem.
O Sujeito que aprende: novos sentidos para a aprendizagem e o ensino de professores
Do ponto de vista teórico, embasaram as discussões e avanços relacionados a uma
nova compreensão dos processos de aprendizagem e desenvolvimento, a Teoria da
Subjetividade de base histórico-cultural. Notamos que, frequentemente, a questão da
subjetividade aparece relacionada ao que é pertinente somente à pessoa, ou seja, ao indivíduo,
distanciando-se dos contextos sociais e da concepção de constituição cultural dos processos
19791
psicológicos. Compreendemos a subjetividade como sistema complexo, de base dialética,
representando uma dimensão de caráter histórico, social e cultural da psique humana, segundo
perspectiva teórica desenvolvida por González Rey. Entendemos que o conceito de
subjetividade remete às formas complexas em que o psicológico se organiza e funciona nas
pessoas, cultural e historicamente constituídas, e nos espaços sociais de suas práticas e modos
de vida (GONZÁLEZ REY, 2005).
González Rey (2008) enfoca a dimensão subjetiva da aprendizagem escolar e discute o
foco predominante da literatura na dimensão intelectual dos processos de ensinoaprendizagem. Propomo-nos, a partir da categoria ‘o sujeito que aprende’, enfatizar
aprendizagens do tipo compreensiva e criativa 2; resgatar o sujeito envolvido no processo e
reconhecer os aspectos subjetivos constituintes da aprendizagem.
Ressaltamos que nossa proposta se distancia da visão pós-moderna, criticada por
Duarte (2003), ao considerar o individualismo em detrimento do contexto histórico, cultural e
social. Entendemos que a subjetividade constitui o professor em contexto, no que se refere à
sua vivência nos espaços relativos ao contexto escolar; aos seus processos de aprendizagem,
desenvolvimento em seu trabalho pedagógico e nos modos de sua atuação profissional, como
docente.
Considerando a discussão sobre a dimensão subjetiva, podemos refletir sobre a
formação de professores e os processos de aprendizagem e desenvolvimento nos diferentes
espaços sociais como processos vinculados à expressão da condição de sujeito em seu
trabalho pedagógico, ou seja, um sujeito agente, de autonomia, capaz de mudanças e
transformações que podem emergir a partir de suas vivências. Isso possibilita ao docente ser
capaz de planejar, organizar e pensar sobre si envolvido em atividades que desempenha na
vida social.
Entendemos que a aprendizagem na docência se mostra como um processo, em sua
complexidade, constitutivo de uma dimensão subjetiva, que envolve novos conhecimentos a
partir de necessidades que mobilizem o professor na coletividade e nas relações com o outro
de forma significativa, que envolva mudança na promoção de seu desenvolvimento.
No que se refere à teoria histórico-cultural, Moretti, Asbahr e Rigon (2011, p. 481)
pontuam que “nessa perspectiva teórica a educação não é entendida como mera aquisição de
2
Segundo Mitjáns Martínez (2012), a aprendizagem escolar, aquela que a escola demanda no exercício de sua
função de transmitir os sistemas de conhecimentos elaborados na cultura, apresenta-se em diferentes formas: a
aprendizagem mecânica, memorística, compreensiva e criativa. Ressalta-se que estas se diferenciam
conceitualmente e por seus aspectos constitutivos.
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conteúdos ou habilidades específicas, mas como uma via para o desenvolvimento psíquico e
principalmente humano”. Assim, concebemos que – além da apropriação dos conhecimentos
acumulados pela humanidade, para que se possa avançar na compreensão da expressão de
tipos mais complexos de aprendizagem, como a aprendizagem compreensiva e criativa
(MITJÁNS MARTÍNEZ, 2009), função do sujeito que se encontra em processo de
desenvolvimento – consideram-se relevantes estudos que objetivam compreender a
constituição da aprendizagem escolar de adultos como processo complexo e diverso.
É importante considerar que o adulto está inserido no mundo do trabalho e das
relações interpessoais de forma qualitativamente diferente da criança ou do jovem. Essas
condições específicas históricas, culturais e sociais precisam ser consideradas quando nos
referimos ao processo de aprendizagem e desenvolvimento do professor na situação de
formação. O processo de formação docente está implicado de muitos elementos: recursos
operacionais e subjetivos; prática pedagógica, alunos e dinâmica da sala de aula; formas de
organização da instituição escolar e demais condições de trabalho. Esses elementos podem
mobilizar ou paralisar ações no cotidiano do professor.
Essas questões são pontuadas em uma das definições de sujeito, no qual González Rey
considera que
Reconhecer a capacidade de tensão e ruptura do sujeito individual não significa
libertá-lo de seu caráter social em seu papel de sujeito subjetivado. Pois seu caráter
subjetivo, embora se desenvolva em vários campos de ação, se expressa como
processo permanentemente que entra em contradição com a estabilidade relativa que
resulta de sua configuração histórica (GONZÁLEZ REY, 2012, p. 154).
Nesta definição podemos compreender o professor em sua expressão como sujeito
reconhecemos possibilidades de que experiências e ações do professor, no contexto escolar,
sejam perpassadas por relações sociais e atividades de cunho intencional. Nesse sentido,
identificamos a necessidade de pensar, no contexto da formação, em formas delineadas
especialmente para atender ao professor no curso de seu trabalho. Em nossa concepção, uma
ação formativa centrada na profissão e no exercício da docência pressupõe o planejamento
intencional de estratégias que favoreçam novas aprendizagens e oportunize ao professor
expressar-se como sujeito do seu conhecimento. Trata-se de uma alternativa metodológica a
fim de superar modelos de formação voltados a habilidades e competências técnicas.
Conceitualmente, nos referimos a estratégia pedagógica da aprendizagem “como aquela
orientada ao sujeito que aprende e não ao conteúdo a ser aprendido” (TACCA, 2008, p. 48).
19793
Cabe esclarecer que, segundo o referencial teórico utilizado, o conceito de sujeito
representa uma forma qualitativa diferenciada da pessoa, voltada para a abertura de espaços
próprios de práticas e de processos de subjetivação nos diferentes grupos e instituições em
que atua. Esta definição destaca duas características na compreensão da categoria, primeiro a
de uma forma qualitativa diferente, pois como pessoa será ativa, autônoma, capaz de reflexões
próprias; segundo, a possibilidade de criar espaços próprios de práticas e processos de
subjetivação em contextos diferentes, sendo capaz de romper com o imposto ou proposto
socialmente de forma criativa e peculiar.
Ao apresentar a categoria sujeito que aprende propomo-nos a discussão teórica das
dimensões operacional e subjetiva da aprendizagem, assim como, das formas de expressão do
professor em seu processo de aprender, situada no curso de suas experiências no contexto
universitário. Dessa discussão, decorre a necessidade de uma investigação empírica que
identifique e evidencie estratégias pedagógicas planejadas como favorecedoras dessas
expressões do sujeito que aprende.
A pesquisa: contexto e implicações
Esse trabalho se constitui em um recorte de estudo mais amplo que vem sendo
desenvolvido no contexto do curso de especialização para professores de educação infantil da
rede pública de ensino, realizado na Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília, em
parceria com o Ministério da Educação, no período de 2014-2015. O percurso metodológico,
do estudo, foi orientado pela Epistemologia Qualitativa 3, que se fundamenta nos pressupostos
da psicologia histórico-cultural, de caráter construtivo-interpretativo, singular e dialógico.
A proposta se refere ao rompimento com a descrição e a expressão direta e imediata da
experiência e das práticas sociais, no processo de investigação. O valor dessa proposta
epistemológica consiste em produzir alternativas para a representação do problema de
pesquisa por meio dos processos de confrontação, contradição e reflexão. Vale destacar, em
nosso estudo, que tais produções relacionadas à aprendizagem docente emergem em um
espaço social constitutivo de aspectos que nem sempre favorecem e priorizam a expressão dos
indivíduos. A intenção foi a de que se tornasse possível a construção de inteligibilidades
3
Para González Rey (2011), apesar da expressão parecer redundante, ela demanda significação diante da
necessidade de especificar epistemologicamente o qualitativo, que não possui um marco explícito entre as
opções metodológicas atuais das ciências sociais.
19794
explicativas de estratégias pedagógicas voltadas aos professores relacionadas às
aprendizagens em sua formação docente.
As colaboradoras e participantes da pesquisa foram cinco professoras, da rede pública
de ensino, que cursam o programa de pós-graduação lato sensu da UnB. Metodologicamente,
para construção das informações, utilizou-se os seguintes instrumentos: observaçãoparticipante durante as aulas do curso; encontros individuais e coletivos de orientação,
durante o processo de produção da monografia e memorial docente. Todos os instrumentos
constituíram-se, de modo articulado, importantes vias para a compreensão de estratégias
pedagógicas da aprendizagem planejadas e pensadas no contexto formativo.
Inicialmente, considera-se relevante esclarecer alguns aspectos referentes a estrutura e
funcionamento do curso. O curso denominado Especialização em Docência na Educação
Infantil, trata-se de uma proposta elaborada pelo MEC em parceria com universidades
federais. Portanto, sua organização curricular e ementa necessitaram de modificações que
atendessem as especificidades locais. Foi organizado em três eixos principais: fundamentos da
educação infantil; identidade, prática docente e pesquisa; cotidiano e ação pedagógica,
composto por um conjunto de doze disciplinas, totalizando uma carga horária de 450h. Para
além das disciplinas foram organizados encontros com oficinas e seminários. Como trabalho
de conclusão de curso, os professores-estudantes elaboraram monografias contendo reflexões
teóricas subsidiadas pela realização de pesquisas. Atualmente, em sua segunda edição, o curso
vincula-se ao programa de pós-graduação da FE/UnB.
Ressalta-se que no contexto dessa formação, houve e há o desenvolvimento de estudos
e pesquisas organizadas pelos docentes, e seus orientandos. Esse trabalho, especificamente, se
propõe a elucidar aspectos metodológicos do curso no que se refere às estratégias pedagógicas
da aprendizagem identificadas em diferentes espaços dessa formação, com apoio das
avaliações e considerações das professoras participantes desse estudo. Apresentamos os
resultados da pesquisa realizada a partir de categorias organizados pela identificação das
estratégias selecionadas ao longo do curso.
Analisa-se, em relação às estratégias pedagógicas da aprendizagem utilizadas pelo
curso, que:
a) Estabeleceu-se momentos e registos que objetivaram o conhecimento da trajetória
pessoal e profissional dos participantes, a fim de identificar suas principais
necessidades e motivos como elementos que pudessem subsidiar planejamentos e
ações pedagógicas a serem desenvolvidas e pesquisadas pelos professores-
19795
estudantes. Como ações que podem exemplificar essa estratégia, podemos citar: a
escrita e reelaboração do memorial educativo, oficinas vivenciais, seminários
envolvendo dramatizações e encenações de vivências. Por meio destas, houve o
resgate de experiências que suscitaram aprendizagens relacionadas a vida pessoal
e a própria docência.
b) O curso tem se pautado em momentos de incentivo, valorização, reconhecimento
e necessidade de apropriação dos conhecimentos não cotidianos na área da
educação; em estudos da perspectiva histórico-cultural foram priorizadas
discussões, registros escritos, organização de seminários, grupos de estudos e
participação em eventos científicos. Entende-se que o tempo-espaço dedicado à
discussão pedagógica, para além de predominar estratégias centradas em tarefas
ou repasse de conhecimentos, priorizou a prática reflexiva e o engajamento e
colaboração entre os professores.
c) A atividade da pesquisa representou um princípio metodológico que orientou o
curso, definindo-se como meio central para o exercício da docência. Em relação à
pesquisa, a teoria-prática ampliou-se na aproximação entre os conhecimentos
específicos de ambos os contextos, universidade e escola pública, em detrimento
ao lugar de destaque que o conhecimento acadêmico ocupa socialmente.
d) Identificou-se a organização e sistematização de reuniões de estudos e encontros
quinzenais realizados durante a orientação do trabalho final de curso. A
elaboração de monografia constituiu-se em um tempo de produção em que os
professores assumiram o lugar de pesquisadores. Constituir-se como pesquisador
permite ao professor pensar em estratégias que o auxiliem na compreensão
daquilo que envolve o seu processo de aprendizagem. Nesse sentido, pode-se
compreender que há o favorecimento de sua expressão como sujeito que aprende.
e) Outro aspecto de análise baseou-se na relação dialógica entre professores e
professores-estudantes, orientada pela concepção a respeito da docência em uma
perspectiva crítica, direcionada à emancipação e ao fortalecimento dos sujeitos.
As vias de comunicação constituíram-se importantes canais de aprendizagem, a
medida em que a proposição de questionamentos suscitava inferências, ideias,
hipóteses e produção de conhecimento.
Por meio dessa discussão, pudemos compreendemos que o caráter singular do
processo de aprender vincula-se ao rompimento de técnicas e metodologias pautadas em
19796
aprendizagens de cunho reprodutivo e memorístico. No constante uso, por exemplo, de
exames, apostilas, apresentações de slides formatados e padronizados para atender a qualquer
pessoa ou ainda um ideal de estudante, distancia-se das possibilidades de implicação
individual e coletiva na produção de conhecimento. Defendemos que,
Formar-se professor é, portanto, um processo de construção de sentidos subjetivos
que vão sendo configurados ao longo das vivências das relações com o Outro
coletivo, ao longo de uma história pessoal anterior que é constantemente atualizada,
bem como pelo vivenciar experiências, pela reconstrução de conhecimentos, pela
troca de ideias, pela descoberta das diversidades de aprender (MADEIRACOELHO, 2012, p. 118).
Considerações Finais
Este texto teve por objetivo discutir desafios e possibilidades relativos ao processo de
formação continuada para docentes da educação básica, no contexto da universidade pública,
no âmbito da pós-graduação lato sensu. Especificamente, detém-se na análise de estratégias
pedagógicas favorecedoras da expressão do sujeito que aprende. Essa compreensão relacionase às formas com que uma proposta de formação continuada para professores subsidia,
teoricamente, esses profissionais, mas concomitantemente, permite a emergência de novas
configurações de sentido sobre o aprender e a docência.
Dessa forma, nossas considerações apontam aspectos indicados pelos participantes da
pesquisa em relação ao conjunto de reflexões teórico-práticas que, até o momento, foram
significativas para suas aprendizagens como professores-estudantes, em um processo de
reconfiguração de sentidos em suas profissões e vidas profissionais.
Quanto às metodologias do ensino superior, Luckesi et al (2012, p.137) se refere
aquilo que se constatava nos períodos da colônia, império e início da república "é o fenômeno
que se repete em nossos dias. O conhecimento não é transmitido em moldes criativos e
críticos, mas em perspectivas que simplesmente acentuam a subjugação das classes
subalternas". Nessa direção, as propostas de formação de professores poderiam desenvolver
sua atividade junto a pesquisas realizadas dentro das escolas de educação básica. Assim como
envolver o docente para que ele possa pensar no seu trabalho, em si como professor e na
responsabilidade social de sua profissão. No contexto das universidades podemos fortalecer
que os momentos coletivos se distanciem de treinamentos que priorizam apenas a aquisição
de saberes escolares, conteúdos específicos, técnicas e métodos de ensino desconexo da
realidade educacional, social, política e histórica.
19797
Conclui-se que o processo de formar professores em uma universidade envolve, para
além de técnicas e a manutenção de um trabalho e ações repetitivas, transformação social e a
perspectiva do professor no exercício de sua atuação cotidiana. Um espaço formativo se
constitui como tal na medida em que: favorece aprendizagens que impulsione o
desenvolvimento de um profissional autônomo, capaz de libertar o docente e possibilitar
espaços de atuação própria, de pensamento que o envolva e o aproxime das atividades de
caráter pedagógico e da própria docência.
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